DE TODOS OS TIPOS, PREÇOS, TAMANHOS E AO GOSTO DO FREGUÊS: SOBRE A IMPLANTAÇÃO DA HABITAÇÃO ECONÔMICA PRIVADA NO RECIFE

June 19, 2017 | Autor: Fernando Almeida | Categoria: Habitação, Requalificação Urbana, Reabilitação Arquitectónica, Arquitetura Moderna
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I CONFERÊNCIA LATINO-AMERICANA DE CONSTRUÇÃO SUSTENTÁVEL X ENCONTRO NACIONAL DE TECNOLOGIA DO AMBIENTE CONSTRUÍDO 18-21 julho 2004, São Paulo. ISBN 85-89478-08-4.

DE TODOS OS TIPOS, PREÇOS, TAMANHOS E AO GOSTO DO FREGUÊS: SOBRE A IMPLANTAÇÃO DA HABITAÇÃO ECONÔMICA PRIVADA NO RECIFE Cristiano Borba do Nascimento (1); Luiz Manuel do Eirado Amorim (2); Claudia Loureiro (3); Fernando Almeida (4) (1) Universidade Federal de Pernambuco, [email protected] (2) Universidade Federal de Pernambuco, [email protected] (3) Universidade Federal de Pernambuco, [email protected] (4) Universidade Federal de Pernambuco, [email protected]

RESUMO Este artigo trata da construção do modelo de habitação econômica de fundo privado no Recife, Brasil, na década de 1950. Em específico, o artigo investiga a composição programática dos empreendimentos imobiliários, tendo como foco compreender o processo de introdução do edifício de apartamentos como ideal de moradia. O estudo desenvolvido visa subsidiar o desenvolvimento de estratégias para a requalificação do centro urbano, com a melhoria das condições de habitabilidade das edificações existentes, visando fixar os moradores, assim como proporcionar movimento centrípeto de outras camadas da população. O objeto específico de estudo é o edifício vertical de uso misto, empreendimento tipicamente moderno que agrega em uma única estrutura física as atividades de comércio, serviço e moradia, sendo o edifício Pirapama (1956-1961), estudo de caso deste artigo, um exemplar típico. O edifício foi concebido de acordo com os ideais arquitetônicos modernistas, tais como planta livre, fluidez espacial e setorização funcional, características importantes para qualificá-lo como piloto para ações projetivas baseadas no conceito 3R – restauração, readequação e reutilização. ABSTRACT This article deals with the construction of an affordable privately funded housing model in Recife, Brazil, during the 1950’s. It investigates, in particular, the composition of the housing program to understand the introduction of apartment buildings as an ideal urban model. The study is related to the efforts to regenerate Recife’s historic center and its immediate vicinities, by offering better living conditions for local inhabitants, therefore creating conditions for fixing this population and increasing the attraction for newcomers. The object of study is the mixed use tower block, a typical modern development that integrates in a single structure retail, services and housing. The Pirapama building (1956-1961) is the case study described in this article. The building was designed according to modernist concepts, such as the free plan, spatial fluidity and functional sectoring, important characteristics to qualify it as a pilot for a regeneration design based on the 3R concept – restoration, retrofit and reuse. PALAVRAS CHAVES: habitação moderna, requalificação, reciclagem

1.

INTRODUÇÃO

Este artigo discute as possibilidades de reciclagem de um edifício de uso misto localizado no centro do Recife. O edifício de uso misto é empreendimento tipicamente moderno, que, ao agregar em uma única estrutura física as atividades de comércio, serviço e moradia, pode ser comparado a cidades em miniatura. Este tipo de edifício representou, no caso de Recife durante a década de 1950, para uma classe média crescente, além da oferta de condições de moradia, uma oportunidade de acesso à propriedade de imóveis com relativamente baixos investimentos. O edifício Pirapama (1956-1961), localizado no bairro da Boa Vista, é um exemplar emblemático deste tipo: projeto dos arquitetos Delfim Amorim e Lúcio Estelita, foi concebido de acordo com os ideais arquitetônicos vigentes àquele momento, como a planta livre, a fluidez espacial e a setorização funcional. A cidade passava por grandes transformações modernizantes, com a substituição das estruturas construídas ao longo do século 19, período da ocupação mais intensa da Boa Vista, e obras de infra-estrutura e alargamento das vias públicas, segundo Planos de Quadra desenvolvidos pela municipalidade, como o caso da Av. Conde da Boa Vista. Nos bairros remodelados, novas possibilidades de ocupação e uso se apresentavam como áreas em potencial para investimentos imobiliarios. O projeto original do edifício, seguindo o espírito de progresso da época, com inovações tanto programáticas quanto de solução arquitetônica, sofre algumas modificações durante a fase de comercialização. As modificações introduzidas, relativas ao programa proposto, são evidências das dificuldades da sociedade local, lastreada em uma cultura familiar patriarcal, em absorver novos estilos de vida, ou seja, resistência em abraçar plenamente a causa da modernidade, ou mesmo o estilo moderno de viver. Tais modificações no projeto original, que também ocorreram em outros empreendimentos semelhantes, evidenciam, ainda, as dificuldades enfrentadas por empreendedores e arquitetos em definir produtos adequados ao incipiente mercado imobiliário local e às necessidades objetivas dos futuros moradores. Sobre o Pirapama e o seu papel emblemático na modernização da cidade, por um lado, e na expansão do mercado imobiliário, por outro, Lira (2002: 69-70) afirma: Não apenas do ponto de vista de sua localização e inserção urbana, mas do ponto de vista de sua arquitetura, o Edifício Pirapama ajuda a compreender o sentido contemporâneo da habitação econômica no Recife ... seja por potencializar certas forças do mercado imobiliário em expansão, incorporando à sua clientela camadas sociais antes à margem do consumo da moradia moderna nas áreas centrais, seja por versar com desembaraço soluções técnicas e espaciais do movimento moderno, no sentido de estabelecer um conceito de apartamento mínimo compatível com a grande unidade de habitação em meio à cidade capitalista.

O edifício hoje, bem como várias das estruturas urbanas das áreas centrais, encontra-se em estado de degradação, com várias unidades vazias, e problemas de gestão do condomínio. Neste estudo, pretende-se explorar, a partir de dados preliminares, as possibilidades de sua reciclagem e reintrodução no mercado imobiliário corrente, uma vez que o edifício, embora degradado, apresenta inegável valor arquitetônico. O artigo analisa, inicialmente, a formação do estoque da habitação social de fundo privado no Recife para, em seguida, analisar o empreendimento Pirapama em si e, por fim, discute algumas idéias relacionadas à reciclagem de estruturas urbanas. 2.

HABITAÇÃO SOCIAL DE FUNDO PRIVADO NO RECIFE

Morar em apartamento é um traço da modernidade. O edifício de apartamentos moderno – um conjunto de unidades residenciais justapostas, servido por espaços de uso comum, é uma invenção parisiense, do século 19, quando, se consolida como novo estilo de morar em Paris, tornando-se a principal forma de morar na cidade (Marcus, 1999). Morar em apartamento era então identificado como ‘um modo de vida parisiense’, como citado em artigos da revista inglesa The Builder (cf. Marcus, 1999, p. 87). Como uma forma essencialmente urbana de morar, que combina os espaços relativamente privados de unidades habitacionais individuais com espaços compartilhados de entrada, escadas, hall, o apartamento incorpora a continuidade entre espaço urbano e doméstico, espaço público e privado (Marcus 1999).

No Recife, as origens do morar apartado remontam à década de 1930. Esta forma de habitação multifamiliar justaposta, no entanto, não constituía exatamente uma novidade na cidade: antigos sobrados coloniais já haviam sofrido um processo de conversão para unidades apartadas, servidas por uma escada comum, correspondendo a um processo de mudanças sociais significativas, quando as classes mais abastadas abandonam as áreas centrais da cidade em favor do subúrbio. Isto talvez explique o fato de que a habitação multifamiliar na cidade se destinasse principalmente às camadas médias da população, não sendo, até pelo menos a década de 1970, um hábito adotado como solução para as camadas de mais alta renda, que, até então, ainda davam preferência a casa isolada em meio à luxuriante jardim, ou mesmo para a habitação de interesse social. Segundo Gilberto Freyre, o fenômeno da preferência pela ‘casa de apartamento’, até o final dos anos cinqüenta do século 20, limitava-se ao Rio de Janeiro e a São Paulo. Segundo o autor, a profunda formação patriarcal da sociedade, dominada pelo que o autor chama de privatismo patriarcal e semipatriarcal, explica a resistência em adotar formas de morar menos tradicionais (Freyre 1985). São os institutos de previdência, privados ou públicos, os responsáveis pela introdução na cidade de um novo tipo de organização da habitação para a classe média assalariada, adotando princípios modernistas, ainda nos anos 1930. Um divisor de águas na experiência do morar em Recife pode ser localizado nos anos cinqüenta do século 20, quando a moradia multifamiliar verticalizada assume a modernidade: a verticalização passa a ser objeto de discussão entre os legisladores (Lira, 2002). Um dos primeiros empreendimentos habitacionais verticalizado é o Edifício Capibaribe, localizado no bairro de Santo Amaro, no centro da cidade. O edifício é constituído por duas torres de 20 pavimentos, com duas unidades por pavimento. O projeto do arquiteto licenciado Hugo Marques e incorporação de Figueira & Jucá anuncia formalmente o tipo de edifício que virá a se desenvolver na cidade posteriormente, com discriminação de acessos e afastamento das divisas do lote para melhor captação dos ventos dominantes. No entanto, apesar de introduzir novos conceitos de morar, como os seus antecessores de pequeno porte, ele reproduzia o padrão doméstico unifamiliar então vigente (Marques, Loureiro & Monteiro 1998; Amorim, 2003). Contemporaneamente, um novo tipo de edifício vertical multifamiliar de apartamentos mínimos introduz um novo conceito programático e que bem expressa as mudanças experimentadas nos padrões habitacionais. É o edifício misto, baseado na mistura de funções, combinando a habitação ao uso comercial e serviços. Este tipo de edifício surge não somente no centro da cidade, aproximando a função morar e trabalhar, como também na versão “balneária”, que, em Recife, é bem caracterizada pelos edifícios Califórnia (1953), projeto do arquiteto Acácio Gil Borsoi, e Holiday (1957) projeto de Joaquim Rodrigues, ambos construídos em Boa Viagem, um bairro litorâneo ainda em formação. A versão citadina é bem caracterizada pelos edifícios Walfrido Antunes (1956), projeto de Waldeci Pinto, e pelo Pirapama. Esta nova proposta de morar, no entanto, não é de imediato absorvida pelas famílias de classe média. As razões para tanto são compreensíveis: além de uma sociedade baseada numa estrutura patriarcal, centrada num modelo de família nuclear em que os filhos deixam a casa dos pais apenas para constituir novas famílias, a oferta de uma mão-de-obra barata para os serviços domésticos e o alto custo dos eletrodomésticos contribuíram para que estes empreendimentos não lograssem o sucesso esperado. Assim, ainda no período de comercialização, projetos e programas são adequados às particularidades sociais e culturais, na tentativa de viabilizar os empreendimentos imobiliarios. Parece que o edifício de apartamentos e as demandas contemporâneas iniciam um diálogo mais eficiente ao longo das décadas seguintes. Um deles pode ser identificado na oferta de novos programas dirigidos exclusivamente para as classes sociais mais abastadas, em terrenos de grande apelo paisagístico e de lazer, como a área litorânea sul da cidade. Outro diálogo é percebido com a abertura de grandes linhas de financiamento para a construção de moradia para a classes média e popular, como forma de superar o já significativo déficit habitacional nas grandes cidades brasileiras. Esta fase coincide com o início do período de desinvestimento na zona central da cidade e conseqüente êxodo de moradores e de atividades comerciais para áreas de maior acessibilidade e interesse imobiliário. A conseqüência deste êxodo é evidente nas condições atuais dos grandes centros urbanos brasileiros: pouca atividade de construção; degradação das estruturas físicas; alteração da natureza da atividade comercial e de serviços. Como conseqüência, altera-se o perfil da população usuária, sendo os espaços agora ocupados pela população de faixas de renda inferiores.

3.

PIRAPAMA: O LUGAR ONDE O PEIXE SALTA NA ÁGUA1

O edifício Pirapama2 foi um empreendimento que envolveu a participação dos mais importantes profissionais e empresas atuantes no estado de Pernambuco na década de 1950. Projetado em 1956 e inaugurado no início dos anos 60, o edifício foi durante as décadas seguintes um importante endereço comercial e de serviços, além de referência arquitetônica no Recife. O empreendimento surgiu do interesse do advogado e político João Cleophas de Oliveira no mercado imobiliário recifense como alternativa promissora de investimento financeiro. O terreno escolhido para o empreendimento, de sua propriedade, localizava-se na recém aberta Avenida Conde da Boa Vista, destacado logradouro comercial e de serviços e onde se localizava a maior parte dos aranhas-céu da época. A construtora Figueira & Jucá foi a responsável pela construção, o engenheiro Arlindo Pontual pelo cálculo estrutural e os arquitetos Delfim Amorim e seu colaborador Lúcio Estelita, pelo projeto arquitetônico. A composição do programa do empreendimento foi elaborada pela construtora, contando com a consultoria de corretores imobiliários, arquitetos e agentes financeiros. O interesse era garantir a viabilidade financeira do empreendimento através da diversidade de unidades habitacionais, particularmente de pequenos apartamentos de maior rapidez nas vendas. A conjugação das atividades comerciais no térreo e de serviços no primeiro pavimento visava tirar partido da localização privilegiada do empreendimento. O programa incluiu, no pavimento térreo, 23 lojas, no pavimento de sobre-loja, 25 escritórios, no subsolo, área destinada à garagem, atendendo às exigências da legislação. Os pavimentos de unidades habitacionais, em número de 13, foram divididos em dois blocos agregados, com acessos independentes: bloco A, para apartamentos de dois e três quartos e bloco B, para apartamentos de quarto e sala e quitinete. Separando o domínio público do privado, um pavimento vazado de propriedade e usufruto dos moradores dos pavimentos superiores. Do ponto de vista compositivo, o edifício Pirapama conjuga um volume horizontal de uso comercial e de serviços a uma lamina vertical, com tratamento compositivo enfaticamente horizontal, determinado pela janela corrida dos diversos apartamentos e uma torre de base elipsoidal para circulação vertical do bloco B, revestida por elementos vazados cerâmicos. O revestimento externo do edifício é em pó de pedra, argamassa de alta resistência e durabilidade, nas cores vermelho e cinza. As esquadrias de madeira pintada, são compostas por panos de vidro e veneziana, tanto nos apartamentos quanto nos escritórios e lojas. Nestas últimas, o painel de veneziana encobre o mecanismo de funcionamento das grades metálicas de enrolar. Para a comercialização das unidades, algumas estratégias de venda foram estabelecidas. A primeira foi a produção de um álbum comercial, preparado no escritório de Amorim, tendo Estelita como editor. Nele apresentava-se uma fotomontagem da maquete do projeto executada por Guerrinha, funcionário da Universidade do Recife e único maquetista a atuar no mercado local na época. A segunda estratégia foi a contratação de diversos corretores independentes, garantindo uma comercialização competitiva e agressiva. A terceira, foi a comercialização das vagas de estacionamento como unidades independentes dos apartamentos, no entanto, só podendo pertencer a condôminos e serem trocadas, revendidas ou alugadas entre estes. Finalmente, a possibilidade de introduzir pequenas modificações na planta original dos apartamentos, inclusive a incorporação de área da circulação comum, desde que não interferisse no acesso às demais unidades. Esta resolução deve efeito maior no bloco B, como pode ser observado na configuração espacial dos apartamentos de um quarto, nos quais a continuidade espacial, como proposta nos estudos iniciais, é interrompida com o enclausuramento do quarto. Outra modificação recorrente é a conjugação de dois apartamentos para a geração de unidades maiores, observado principalmente naquelas unidades localizadas nas extremidades dos corredores, adjacentes ao bloco A (ver figura 2)3.

1

Cf. www.dicionarioindigena.com.br, acessado em 06/07/2003 As informações contidas neste e nos tópicos seguintes foram obtidas em entrevistas com o arquiteto Lúcio Estelita, o advogado José Urbano da Costa Carvalho, a síndica Marluce Oliveira e moradores do edifício. 3 Não foi possível comprovar se os apartamentos foram reformados com o aval dos arquitetos. 2

Figura 1. Planta aprovada na prefeitura em 1956 e perspectiva do conjunto. Fonte: URB – Recife

Pavimento tipo

Pavimento vazado

Sobre-loja

spício Rua do Ho

Beco da Fome

Avenida Conde da Boa Vista

Loja

Figura 2. Plantas do edifício Pirapama. Fonte: URB – Recife

Figura 3. Edifício Pirapama, início dos anos 80. Fonte: Gondim, Silva, Amorim, et al (1981)

Às modificações ocorridas ao longo da comercialização, seguiram-se outras de maior vulto. O pavimento vazado, que estabelecia uma distinção de domínios, nunca foi usado como previsto. Com seu acesso não controlado, não-moradores passaram a freqüentá-lo livremente, para encontros e pequenos delitos. Além disto, moradores costumavam jogar lixo pela janela, sobre a laje imaginada como de recreação para a comunidade. A iproposta do incorporador, então proprietário do maior número de unidades, de transformá-lo em restaurante também não foi concretizada, cabendo ao condomínio, no final dos anos 1960, a decisão de ocupar a área com novos espaços para escritórios. Para tanto, os arquitetos Delfim Amorim e Heitor Maia Neto desenvolveram projeto, que foi executado com algumas modificações.

3.1

A situação atual

Passados 40 anos de sua inauguração, o edifício apresenta hoje problemas de conservação praticamente em todos os aspectos. Alguns requerem intervenção urgente para sua correção, como a exposição das ferragens, que é agravada por infiltrações, conseqüência da falta de conservação dos pisos impermeabilizados. As instalações elétricas, hidráulicas e sanitárias não foram atualizadas e, em muitas partes do edifício, encontram-se em condição precária. Os revestimentos internos e externos precisam de recuperação. Algumas esquadrias originais, em madeira, foram substituídas por esquadrias de alumínio e vidro, e muitos dos elementos vazados da torre de circulação vertical do bloco B caíram ou foram retirados para garantir a segurança dos transeuntes, e foram substituídos por tijolos cerâmicos. As condições de uso atual revelam o grau de modificação do modelo de uso previsto pelos empreendedores e arquitetos e demonstram a considerável desvalorização do imóvel. Das 216 unidades existentes, 173 (80%) estão ocupadas, sendo que 167 delas estão plenamente ocupadas (77% do total), e as demais, em fase de reforma ou ocupadas indevidamente. No pavimento térreo, concebido como área comercial do conjunto, hoje ocupado por comércio popular e por salas de jogos, a taxa de ocupação é de 87%, com duas lojas desocupadas e uma unidade em fase de reforma. Na sobreloja, ocupada por academias de ginástica e lojas, com três unidades de escritórios, esta taxa cai para 71% e no antigo pavimento vazado, agora sobre-loja 2, 15 unidades, das 25 disponíveis, estão em uso (60%). Nesta segunda sobre-loja, o uso de serviços é predominante, no entanto, foram identificadas duas unidades habitacionais. Nos blocos destinados ao uso habitacional, a taxa de ocupação apresenta valores semelhantes. No bloco A, composto pelas unidades de maior área, a taxa de ocupação é de 73%, ou 85%, se considerados 2 apartamentos que estão em reformas e um terceiro, ocupado irregularmente (invasão). No bloco B, a taxa de ocupação é de 79%, chegando a 81%, considerando-se os dois apartamentos ocupados irregularmente. Nestes blocos foram identificados prestadores de serviços e pequeno comércio, além de diversas pensões. Ainda que a taxa de ocupação do Pirapama possa ser considerada satisfatória, ela é representativa do grau de esvaziamento que afeta as edificações do centro do Recife. Os números confirmam um fenômeno comum aos centros urbanos contemporâneos e indicam a necessidade de tornar o imóvel

atrativo para a sua ocupação por outros locatários, ou mesmo, proprietários.

SOBRE O PROJETO DE RECICLAGEM

4.

Os dados estatísticos mais recentes (IBGE, 2000) revelam o esvaziamento populacional do centro da cidade, e, por outro lado, indicam a presença de uma população residente, particularmente nos bairros de Paissandu, Soledade, Boa Vista e Ilha do Leite, que, na sua grande maioria, reside em imóveis próprios e cuja renda média do responsável pelo domicílio gira em torno de R$ 1750.00, qualificandoo a receber financiamento de agentes institucionais federais. Assim sendo, o centro do Recife apresenta um potencial para investimentos habitacionais para a classe média, com foco na conservação de edificações existentes, visando preservar o patrimônio e fixar a população residente. No entanto, o adiantado estado de degradação de algumas destas edificações, decorrente da má administração condominial, da gradativa redução do nível de renda dos moradores e da natural degradação dos sistemas de infra-estrutura dos imóveis, fruto da manutenção inadequada, pede ações urgentes e eficientes que evitem ou procurem minimizar os efeitos da natural mobilidade urbana e conseqüente desvalorização e abandono de edificações nas zonas centrais. O edifício Pirapama, pelas condições apontadas acima, apresenta-se como projeto piloto ideal. Os resultados preliminares do estudo apontam para ações em três níveis: Quanto às condições infra-estruturais: • Recuperação da estrutura de concreto armado, dado o estado precário em que se encontram lajes e pilares, muitas vezes com exposição e oxidação da armadura, particularmente na laje de piso do pavimento vazado; •

Renovação da rede de instalação coletiva de água, luz e esgoto. Além da ineficácia do poço artesiano existente, a tubulação metálica sofre de entupimentos por conta da acumulação de óxido de ferro e a rede de esgoto praticamente encontra-se inoperante. Ao mesmo tempo, os equipamentos como quadros de luz e subestação encontram-se em condições precárias, o que causa, inclusive, risco de vida;



Adequação das instalações do edifício às normas de segurança contra incêndio atuais, principalmente no que se refere à torre de circulação vertical do bloco B, que não dispõe de ante-câmara;



Troca dos elevadores atuais por modelos novos que ocupam menos espaço e têm capacidade para uma maior quantidade de passageiros;



Em todos os pavimentos, elevação do piso, dado que o pé direito de 2,80m o permite, para a passagem dos dutos não só de energia elétrica, mas também da rede de lógica e telefonia, adequando os apartamentos às novas tecnologias da informação.

Quanto à recuperação do patrimônio arquitetônico: • Restauração da fachada procurando manter as características originais do imóvel, com especial atenção para as esquadrias de madeira, os sistemas de iluminação e ventilação da garagem, os elementos vazados da torre de circulacao vertical do Bloco B, além da limpeza da superfície revestida por pó-de-pedra. Adaptação do edifício a novos usos: • Subdivisão do complexo em duas unidades condominiais independentes, inclusive administrativamente, a primeira compreendida pelo volume horizontal – lojas, sobrelojas e vazado – constituindo um centro de lojas e serviços; com instalação de elevadores entre os pavimentos e valorização do terraço do pavimento vazado; a segunda formada pelo bloco vertical de apartamentos, com acesso independente, garantindo o controle de acesso ao bloco habitacional.

5.

CONCLUSÕES

O estudo desenvolvido indica que ações de recuperação de estruturas ociosas requerem intervenções em níveis de domínio que contemplem a diversidade de propriedades abrigadas numa só estrutura. Assim, três níveis foram identificados: a) nível condominial, que diz respeito às áreas comuns do

edifício, sobre as quais incidem as taxas ordinárias de condomínio; b) nível das unidades condominiais, relativo às áreas do edifício que são de propriedade coletiva (do condomínio), tais como lojas, escritórios e/ou apartamentos; c) nível das unidades privadas, relacionado às unidades comerciais, de serviço ou habitacionais de propriedade individual. Estes níveis geram modalidades de intervenção isoladas ou combinadas. Identificados tais níveis de intervenção, as ações projetivas se consolidam em torno de três níveis de projeto de reciclagem, que envolve ações projetivas baseadas no conceito 3R: restauração, readequação, reutilização. O projeto de restauração visa restaurar o desempenho estrutural, infra-estrutural e de revestimento da edificação, envolvendo a recuperação da estrutura, a atualização dos sistemas infra-estruturais (hidráulico, elétrico e mecânico) e recuperação dos elementos de fachada, dos revestimentos internos e de cobertura e lajes expostas. O projeto de readequação visa readequar as condições ambientais (condições de iluminação, ventilação, etc.) e de acessibilidade, baseado no conceito de desenho universal, atendendo normas e legislação vigente. Envolve, ainda, a readequação de áreas da edificação, como garagem, pavimento vazado e terraços (cobertura). Por fim, o projeto de reutilização visa desenvolver propostas de reutilização de áreas mortas ou subutilizadas da edificação, indicando possibilidades de uso e de rearranjo. Desta forma, propõe-se uma estrutura articuladora de investimentos públicos e privados para a reciclagem de edificações habitacionais e de uso misto nos centros urbanos, tendo em vista o seu potencial para ocupação por moradores de classe média e a perspectiva de, com a recuperação de alguns destes imóveis, gerar uma melhoria das condições de habitabilidade e urbanidade nos centros históricos. Processos de reciclagem de estruturas condominiais exigem acordos entre os diversos atores envolvidos – proprietários, inquilinos, administradores do condomínio, além de instituições públicas municipais, estaduais e federais.

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