De Volta para o Futuro: a percepção pública da clonagem reprodutiva, da clonagem terapêutica e das células-tronco

May 31, 2017 | Autor: Flavia Natércia | Categoria: Science Communication
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De Volta para o Futuro: a percepção pública da clonagem reprodutiva, da clonagem terapêutica e das células-tronco Flavia Natércia da Silva Medeiros Laboratório de Estudos Avançados em Jornalismo (Labjor) – Unicamp O termo ‘clone’ tem uma longa evolução e curiosa história, que remete ao início do século XX. Em 1903, o botânico e melhorista Herbert Webber buscou na língua grega um termo adequado, klón, para designar plantas que se reproduzem vegetativamente. Cada uma delas, no lugar de representar um indivíduo, são “partes transplantadas de um mesmo indivíduo, e na hereditariedade e em todos os sentidos biológicos e fisiológicos tais plantas são o mesmo indivíduo” (Mittwoch, 2002). Nesse sentido, clones são comuns e não dependem da intervenção humana para surgir. Amebas se clonam ao se dividir; diversas das plantas que servem de alimento para humanos se clonam, reproduzindo-se por brotamento ou pela emissão de novas raízes: maçãs, batatas, bananas, cana-de-açúcar, abacaxis, aspargos, alho, dentre outras. Em mamíferos, a formação de gêmeos idênticos é considerada um tipo de clonagem (Di Berardino & McKinnell, 1997). Ao longo do século, o termo clone e seu derivado, clonagem, foram adquirindo novos e diferentes significados, que podem ser classificados em quatro categorias: 1) o original, isto é, um nome coletivo para indivíduos descendentes de um único organismo por reprodução assexuada; 2) culturas de células derivadas de uma única célula; 3) animais produzidos pela substituição do núcleo de um oócito pelo núcleo diplóide de uma célula somática e 4) a multiplicação de genes e outras seqüências de DNA (Mittwoch, 2002).

No entanto, o

significado adotado pela maioria das pessoas, tudo indica, retém o sentido original de cópia de xerox, que emergiu numa época em que, juntamente com as leis de Mendel, disseminou-se a noção de que um organismo se encontrava totalmente ‘contido’ no genótipo nuclear. 1

Para “simplificar a mensagem” ou “aumentar o impacto sobre o público” de diversos feitos biotecnológicos, os próprios cientistas apresentam os seres resultantes da transferência nuclear como ‘clones’. E clones são consideradas cópias, sentido que nutre tanto esperanças quanto pesadelos: o de cópia (Mittwoch, 2002)1. A idéia de rebanhos geneticamente idênticos foi reiterada na imprensa, embora os próprios pesquisadores do Instituto Roslin tenham insistido em dizer que, para multiplicação de ovelhas, não haveria nada melhor que o “velho e bom sexo”. Afinal, a reprodução ‘natural’ é muito mais eficiente. Uma vez que clones já fazem parte do imaginário popular, alimentado sobretudo por livros e filmes de ficção científica — nos quais prevalecem visões distópicas e clones degenerados—,

o termo remete a imagens

conhecidas. Além disso, já se tornou parte da cultura, sendo usado para designar operações, em geral fraudulentas, ilícitas, de cópia: clonagem de cartões de crédito, placas de automóvel, telefones celulares. A conotação do termo, portanto, que foi incorporada na cultura geral também é negativa. A sobreposição do termo clonagem com a expressão transferência nuclear de célula somática se consumou definitivamente quando o nascimento do primeiro mamífero “clonado” a partir de uma célula adulta, a ovelha Dolly, foi anunciado ao mundo em 1997. A possibilidade de seres humanos serem submetidos à técnica foi imediatamente levantada, suscitando debate público, político, jurídico. O horror 1

Por exemplo, na matéria “Clonada ovelha com gene humano”, publicada na FSP em 25 jul. 1997 com base em informações veiculadas pelas agências internacionais, afirma: “Os cientistas que assombraram o mundo em fevereiro com a clonagem de Dolly anunciaram ontem ter gerado Polly, um clone de ovelha que possui genes humanos. O objetivo da nova técnica é obter rebanhos de animais capazes de produzir substâncias úteis em tratamentos médicos [...].” Primeiro, o reforço do assombro. Depois, a meta de gerar rebanhos, cuja matriz imaginária repousa na noção de fotocópia, que na própria matéria é desmentida posteriormente — e em diversas ocasiões, inclusive em livro, pelos pesquisadores envolvidos: “[...] a equipe diz que não vai produzir clones em massa . “Só vamos fazer alguns poucos. Vamos fazer reprodução natural para obter o número necessário, porque esse método é mais efetivo”, disse Ron James, diretor-executivo da PPL Therapeutics.”

2

despertado pela idéia de humanos produzidos em série fez surgirem e se espraiarem ondas de banimento à transferência nuclear. No entanto, para os cientistas, a técnica tinha potencialidades muito vastas. Poderia ser usada em conjunto com a engenharia genética para criar animais capazes de produzir substâncias de interesse farmacêutico. Poderia ser empregada na produção de órgãos para transplante em animais como os porcos. Poderia ajudar na luta contra a extinção de diversas espécies animais. Por isso, os pesquisadores logo passaram a separar a clonagem animal, que seria útil, da clonagem humana, considerada desnecessária e arriscada demais. A aplicação mais promissora da transferência nuclear a seres humanos, porém, está na produção de células-tronco embrionárias sob medida para qualquer pessoa. Essas células podem ser induzidas a formar

diversos

tecidos

do

organismo,

e

seriam

utilizadas

no

tratamento de doenças ou lesões a tecidos e órgãos. Para salvar a possibilidade de produzir células-tronco embrionárias do banimento à “clonagem”, em janeiro de 1998 foi introduzida no debate a expressão ‘clonagem terapêutica’, distinta da ‘clonagem reprodutiva’. Mas a clonagem terapêutica não tardou a ser considerada problemática. Mais que a expressão, a necessidade de destruição de embriões para extração das células-tronco embrionárias se tornou objeto de uma polêmica que se estende até os dias de hoje. Recebeu pouca atenção por parte da mídia, em parte porque tardou a mostrar resultados, e estes acabaram se revelando falsos. Em parte também foi ofuscada pelos resultados obtidos com células-tronco embrionárias em diversos modelos animais e células-tronco adultas em seres humanos. As células-tronco têm recebido grande atenção da imprensa desde 1998, quando foram isoladas e cultivadas as primeiras linhagens humanas. Não se encontram, porém, livres de controvérsia, devido à necessidade de manipulação (instrumentalização?) de embriões.

3

Em que medida essas distinções terão surtido efeito sobre a percepção do público? No Reino Unido, Gaskell et al. (2003) afirmam que: “Em 1999, constatamos

que a

clonagem

de

animais era

amplamente rejeitada. No entanto, quando a clonagem é empregada numa aplicação considerada útil, as pessoas se mostram dispostas a descontar os riscos e afirmar seu apoio”. Bauer (2005), por sua vez, observou que os prestige papers cultivaram, ao longo da década de 1990, a distinção entre biotecnologias verdes (agrícolas e ambientais — alimentos

transgênicos,

biocombustíveis,

biofertilizantes,

biorremediação) e biotecnologias vermelhas, ligadas a aplicações médicas e diagnósticas. Com o tempo, a distinção surtiu algum efeito, angariando apoio às vermelhas, em oposição à resistência suscitada pelas verdes, embora a cobertura da imprensa tenha mudado mais que a percepção do público. Na União Européia, o uso de técnicas de clonagem para produzir embriões para pesquisa com células-tronco e futuras aplicações médicas também se tornou objeto de controvérsia. “Antigos debates éticos sobre o status do embrião e a moralidade dos cientistas pesquisando nesse campo se reacenderam e foram sistematicamente combatidos pelo argumento de que essa pesquisa poderia produzir diversos benefícios médicos, incluindo o tratamento de doenças neurológicas degenerativas” (Grabner et. al, 2001). Nos Estados Unidos, de acordo com Nisbet (2005) a ênfase dada às células-tronco embrionárias e suas promessas no noticiário a partir de 1998 parecem ter contribuído para o aumento do apoio às pesquisas com o passar dos anos. Mas o apoio do público varia de acordo com a fonte de células-tronco (de embriões supranumerários a embriões ‘reconstruídos’ por transferência nuclear) mencionada numa pergunta (Nisbet 2004). No

Brasil,

apesar

de

diversos

atores

sociais

virem

se

confrontando em debates públicos e na arena midiática, a percepção 4

pública sobre esses temas permanece em larga medida desconhecido, exceção feita a enquetes de opinião realizadas por sites da Internet e jornais. Este trabalho visa ao conhecimento, por meio de questionários, da percepção do público geral da cidade de Campinas sobre a clonagem reprodutiva, a clonagem terapêutica e as células-tronco. Método Para realizar uma primeira aproximação da percepção pública da clonagem e das células-tronco que tem a população da cidade de Campinas, procedeu-se à elaboração de um questionário. Inicialmente formado por questões abertas, foi transformado num questionário fechado, no qual o público seria apenas convidado a escolher entre alternativas, formato mais adequado à proposta de abordar o público em ‘itinerários diretos’ (Roqueplo, 1974). Além de dados como idade, sexo, escolaridade e profissão, a pesquisa buscou conhecer a religião das pessoas e a relação delas com a religião na vida cotidiana. Nos Estados Unidos, Nisbet (2005) observou uma grande influência do posicionamento ideológico e da religião sobre as respostas do público norte-americano a questões sobre células-tronco. Além disso, a Igreja, sobretudo a Católica, tem sido chamada a se pronunciar no debate público sobre a pesquisa com embriões e o início da vida. Assim, resolveu-se incluir a religião entre os dados a serem levantados. Trata-se de uma pesquisa de percepção de fluxo, que depende da disposição em responder da população que transita por espaços públicos. Não é necessário, para tanto, estabelecer porcentagens determinadas para as variáveis demográficas (idade, sexo, profissão, religião), garantindo que a amostra possa refletir a distribuição demográfica nacional, regional ou local. O questionário propriamente dito se divide em três blocos. O primeiro é voltado à clonagem reprodutiva, o segundo às células-tronco 5

e o terceiro à clonagem terapêutica. Depois de um teste feito no terminal de Barão Geraldo, a opção ‘não sabe’ foi acrescentada como possibilidade de resposta (v. anexo 1). Ao longo dos meses de fevereiro e março de 2007, uma equipe de 5 pesquisadores interpelou com o questionário a população que transita por quatro terminais: Barão Geraldo, Vida Nova, Padre Anchieta e Central. As entrevistas foram feitas ao longo de todo o dia, sem horários preferenciais. Por isto foram escolhidos como sítios de coleta de dados os terminais de ônibus: os pesquisadores podiam aproveitar os intervalos entre os ônibus para abordar as pessoas. A idade mínima dos respondentes foi de 13 anos. Resultados Os questionários iniciais sobre clonagem e células-tronco foram respondidos por 760 cidadãos. Predominaram as mulheres (53,03%); homens representaram 46,97%. A faixa etária que se estende dos 16 aos 24 anos foi a mais freqüente (figura 1): Figura 1. Distribuição dos respondentes por faixa etária.

Freqüência relativa (%)

Distribuição dos respondentes por faixa etá ria 40 35 30 25 20 15 10 5 0

37,63

22,11 16,84 11,05 5,66

3,16 < 16

16-24 anos

25-29 anos

30-39 anos

40-49 anos

50-59 anos

3,55 60 ou mais

Faixas etá rias

6

Quanto ao nível de instrução, foram mais freqüentes o ensino médio/superior incompleto, o fundamental incompleto e o fundamental (figura 2):

Distribuição da população por nível de instrução 47,76

0,39

0,39 não respondeu

pós-graduação

superior completo

11,05 incompleto

completo/superior

colegial

incompleto

ginásio

incompleto

primário

4,61

completo/ginásio

11,97

incompleto/colegial

23,82

completo

60 50 40 30 20 10 0

analfabeto/primário

Freqüência relativa (%)

Figura 2. Nível de instrução dos respondentes.

Nível de instrução

A religião predominante foi a católica, mas ateus e evangélicos também alcançaram porcentagens expressivas (figura 3): Figura 3. Distribuição dos respondentes por credo. Distribuição dos respondentes por credo Outros; 9,22

Espírita; 2,76

Católica Evangélica Católica; 47,11

não tem; 21,97

não tem Espírita Outros

Evangélica; 18,94

7

A maioria disse freqüentar a Igreja regularmente (38,68%), mas 30,39% não vão e 17,37% vão à Igreja de vez em quando (figura 4):

Freqüência com que vai à Igreja 37,5

30,39 17,24 9,08

3,29



o

re sp on de

va i

u

0,66

nã o

1,84

ra ra m en te

40 35 30 25 20 15 10 5 0

di ar ia m en te re gu la rm e nt e m en sa lm en de te ve z em qu an do

Freqüência relativa (%)

Figura 4. Freqüência com que a população vai à Igreja.

Respostas

Praticantes (47,89%) foram ligeiramente mais freqüentes que não-praticantes de alguma das religiões (figura 5):

Freqüência relativa (%)

Figura 5. Freqüência de praticantes e não-praticantes das religiões. Considera-se praticante? 60 50

47,89

45,13

40 30 20 10

4,87

2,11

0 sim

não

mais ou menos

não respondeu

Respostas

8

Foi também alta a porcentagem de pessoas que disse seguir as orientações da Igreja na vida; 33,82, porém, disseram não seguir e 14,6% apenas “mais ou menos” (figura 6):

Figura 6. Freqüência com que a população segue as orientações religiosas na vida diária.

Freqüência relativa (%)

Segue orientações da Igreja na vida diá ria? 50

46,32

40

33,82

30 20

14,6

10

5,13

0 sim

não

mais ou menos

não respondeu

Respostas

Somente 16,45% dos respondentes disseram nunca ter ouvido falar em clonagem reprodutiva (figura 7): Figura 7. Freqüência com que a população ouviu falar em clonagem reprodutiva.

9

Freqüência relativa (%)

J á ouviu falar em clonagem reprodutiva? 90 80 70 60 50 40 30 20 10 0

82,63

16,45 0,92 sim

não

não sabe

Respostas

A maioria dos respondentes identificou a clonagem reprodutiva como “uma técnica para fazer cópias genéticas de animais e pessoas”. Parte do público disse não saber o que é, parte apontou outras definições (figura 8):

Freqüência relativa (%)

Figura 8. Definição de clonagem reprodutiva. Clonagem reprodutiva é 60 50 40 30 20 10 0

56,45

13,02

10,79

6,58

técnica para técnica para técnica para nenhuma das ajudar a ter decifrar o copiar alternativas filhos código pessoas e genético animais

13,16

não sabe

Respostas

Quanto à identidade do clone em relação ao doador de núcleo na transferência nuclear de célula somática, os respondentes ficaram,

10

principalmente, divididos entre “parecido” e “totalmente igual”, e pouco mais que 10% optaram por “diferente” (figura 9): Figura 9. Identidade do clone em relação ao doador de núcleo na

Identidade do clone em relação ao doador 41,84

das

alternativas

1,98 nenhuma

parecido

1,58 único

6,97

diferente

10,13

não sabe

37,5

igual

45 40 35 30 25 20 15 10 5 0

totalmente

Freqüência relativa (%)

transferência nuclear.

Respostas

O principal veículo citado como fonte de informações sobre a clonagem reprodutiva foi a televisão sozinha (48,16%). Mas também devem ser citados TV/jornal (7,63%), nenhum (6,45%) e jornal (5,66%). Quanto à clonagem reprodutiva, 29,21% dos respondentes se declararam contrários. Moderados, favoráveis e neutros alcançaram proporções semelhantes. Menos de 10% deixaram de se posicionar ou se disseram indiferentes (figura 10): Figura

10.

Posição

dos

respondentes

em

relação

à

clonagem

reprodutiva.

11

Freqüência relativa (%)

Posição quanto à clonagem reprodutiva 35 30

29,21

25 20

16,05

15

18,16

17,5

9,87

10

9,21

5 0 contrária

indiferente

Neutra

moderada

favorável

não sabe

Respostas

Para a maioria, as pesquisas com clonagem reprodutiva devem ser controladas ou monitoradas. Liberação total e proibição/restrição foram indicadas com menor freqüência (figura 11): Figura 11. Posição dos respondentes quanto às pesquisas com

Pesquisas com clonagem reprodutiva devem ser 37,9

18,16

15,39

15,13

sa be o nã

lib er ad as

5,53 m on ito ra da s

co nt ro la d as

st rit as

7,89

re

40 35 30 25 20 15 10 5 0

pr oi bi da s

Freqüência relativa (%)

clonagem reprodutiva.

Respostas

Menos de 30% dos respondentes se disseram contrários à clonagem reprodutiva, mas a perda de um ente querido não foi considerada pela maior parte dos entrevistados como motivo suficiente para clonar um ser humano ou um animal. Mas a rejeição não foi total: 12,5% fariam um clone “com certeza” e 11,84% optaram por

12

“depende”. Dos que explicaram o “depende”, a maioria distinguiu entre a clonagem animal e a humana (figura 12): Figura 12. Freqüência com que os respondentes clonariam ou não um

Freqüência relativa (%)

ente querido. Se perdesse um ente querido, faria um clone? 80

72,5

70 60 50 40 30 20

12,5

11,84

10

3,16

0 com certeza

de jeito nenhum

depende

não sabe

Respostas

Mais de 80% dos respondentes já tinham ouvido falar em célulastronco (figura 13): Figura 13. Freqüência com que a população disse ter ouvido falar em

Freqüência relativa (%)

células-tronco. J á ouviu falar em células-tronco? 90 80 70 60 50 40 30 20 10 0

83,82

14,21 1,97 sim

não

não sabe

Respostas

As células-tronco são o assunto de que o público mais disse ter ouvido falar e a maioria (51,32%) se disse favorável a elas. 66,71% dos respondentes identificaram as células-tronco como “células que podem

13

formar diversos tecidos do corpo”, mas 20,66% não souberam responder (figura 14):

Freqüência relativa (%)

Figura 14. Definição de células-tronco: O que são células-tronco? 80 70 60 50 40 30 20 10 0

66,71

20,66 7,63 células animais que compõem o tronco

1,18

0,79

células que parecem troncos

células vegetais que dão suporte

3,03 células que podem formar diversos tecidos do corpo

nenhuma das alternativas

não sabe

Respostas

A televisão foi a fonte de informações sobre células-tronco mais freqüentemente citada pelos respondentes. Mas a proporção dos que citam a TV como fonte de informação sobre as células-tronco, 34,34%, é menor do que a proporção obtida para a clonagem reprodutiva (48,16%). Também merecem destaque os que não ouviram falar do assunto em nenhum meio e os que citaram a escola ou a faculdade. A maioria dos entrevistados se disse favorável às células-tronco, mas 17,5% não souberam se posicionar e uma parcela expressiva se declarou moderada (figura 15): Figura 15. Posição quanto às células-tronco.

14

Freqüência relativa (%)

Posição quanto às células-tronco 60

51,32

50 40 30 20 10

3,68

5,79

contrária

indiferente

17,5

12,63

9,08

0 neutra

moderada

favorável

não sabe

Respostas

Como

aconteceu

em

relação

às

pesquisas

com

clonagem

reprodutiva, a maioria acha que as pesquisas com células-tronco devem ser controladas. Somente 29,61% disseram que devem ser liberadas — mesmo assim, foi o dobro da porcentagem obtida para a clonagem reprodutiva (15,13%). Uma proporção ligeiramente maior acha que as pesquisas devem ser controladas. E é também expressiva a opção pelo monitoramento (figura 16): Figura 16. Posição dos respondentes quanto à pesquisa com células-

Pesquisas com células-tronco devem ser 30,26

29,61 17,5

3,55

15,79

a b e s o n ã

lib e ra d a s

m o n it o ra d a s

c o n tr o la d a s

st ri ta s

3,29

re

35 30 25 20 15 10 5 0

p ro ib id a s

Freqüência relativa (%)

tronco.

Respostas

A

clonagem

terapêutica

é

desconhecida

de

80,79%

dos

entrevistados (figura 17): Figura 17. Freqüência com que os respondentes ouviram falar em clonagem terapêutica.

15

Freqüência relativa (%)

J á ouviu falar de clonagem terapêutica? 90 80 70 60 50 40 30 20 10 0

80,79

12,63

6,58

sim

não

não sabe

Respostas

Diferentemente das células-tronco e da clonagem reprodutiva, a clonagem terapêutica é amplamente desconhecida. Pouco mais de 10% dos respondentes a identificaram como “uma técnica para obter células-tronco” e uma porcentagem semelhante resulta da soma dos que escolheram outras alternativas (figura 18):

Freqüência relativa (%)

Figura 18. Definição de clonagem terapêutica. Clonagem terapêutica é 80 70 60 50 40 30 20 10 0

71,05

4,74

4,6

técnica para ajudar a ter filhos

técnica para decifrar o código genético

1,71

13,16

4,74

técnica para técnica para nenhuma das copiar de obter células- alternativas animais e tronco pessoas

não sabe

Respostas

A maior parte dos entrevistados não se informou sobre clonagem terapêutica em nenhuma fonte. 9,34% escolheram a opção outros,

16

dentre os quais a escola foi a mais freqüente. Apenas 6,18% citaram a TV (figura 19):

Freqüência relativa (%)

Figura 19. Fontes de informação sobre clonagem terapêutica. Onde se informou sobre clonagem terapêutica? 90 80 70 60 50 40 30 20 10 0

80,79

6,18 nenhum

TV

1,32

1,32

1,05

jornal

TV/jornal

Internet

9,34

outros

Respostas

Não tendo ouvido falar do tema e desconhecendo o que a expressão representa, a maioria não soube se posicionar. Mais de 50% se disseram favoráveis às células-tronco, mas apenas 14,21% são favoráveis à clonagem terapêutica (figura 20):

Figura

20.

Posição

dos

respondentes

em

relação

à

clonagem

terapêutica.

17

Freqüência relativa (%)

Posição quanto à clonagem terapêutica 80 70

68,16

60 50 40 30 20 10 0

14,21

1,97

3,95

5,66

6,05

contrária

indiferente

neutra

moderada

favorável

não sabe

Respostas

Em relação às pesquisas com clonagem terapêutica, da mesma forma, a maioria não soube responder. A proporção dos que se dizem favoráveis (14,21%) difere da fração para a qual as pesquisas devem ser liberadas (apenas 9,08%). Prevalece no público a noção de que devem ser controladas — e o monitoramento também foi indicado por 8,42%—; somados, controle e monitoramento representam pouco mais de 20% das respostas (figura 21): Figura 21. Posicionamento dos respondentes em relação às pesquisas

Pesquisas com clonagem terapêutica devem ser 65,26

o

s

a b e

9,08

n ã

8,42

lib e ra d a s

c o n tr o la d a s

1,97

m o n it o ra d a s

13,3 1,97

re st ri ta s

70 60 50 40 30 20 10 0

p ro ib id a s

Freqüência relativa (%)

com clonagem terapêutica.

Respostas

18

Por último, em caso de doença incurável, 82,5% aceitariam tratar com

células-tronco

obtidas

por

clonagem

terapêutica.

Os

que

recusariam a possibilidade foram apenas 11,18%. A investigação sobre a percepção da expressão clonagem terapêutica foi complementada por uma pesquisa por associação livre. À pergunta “o que lhe vem à cabeça quando escuta a expressão ‘clonagem terapêutica’?” foram dadas respostas das mais variadas: “— Não sei.”. “— Nada”. “—Medo.” “— Bizarro!”“— Um clone, né? Assim, acho que do ser humano”. “— Sei o que é clonagem, mas clonagem terapêutica me confunde e eu não posso dar uma definição.” “— Clonagem para fins medicinais, para cura, tal”. “Sei lá... Clonar células para tratar alguém, era isso?” “— Para mim, o que vem é doação.” “— Coração? Novos corações... Um rim novo, qualquer coisa assim.” “— Clonagem de órgãos para transplantes e salvar vidas”. Discussão A maioria dos respondentes disse já ter ouvido falar sobre clonagem reprodutiva e células-tronco, mas desconhece a expressão clonagem terapêutica. Pessoas que disseram nunca ter ouvido falar na clonagem reprodutiva não deixaram de responder a outras questões, manifestando-se

sobre

necessidade

controle

de

sua ou

definição,

a

identidade

monitoramento

das

do

clone,

pesquisas.

É

interessante notar que nem sempre o desconhecimento representa uma barreira à manifestação do público. A maioria identificou a clonagem reprodutiva como “uma técnica para fazer cópias genéticas de animais e pessoas”, e as células-tronco como “células que podem formar diversos tecidos do corpo”. No caso da clonagem, predominaram atitudes contrárias; no das células-tronco, predominou o apoio, com a maior parte dos respondentes se dizendo favoráveis a elas. Apenas 13,16% dos 760 respondentes identificaram a clonagem terapêutica como “uma técnica para obter células-tronco”. 19

Esse desconhecimento, porém, não se traduziu em reivindicações de proibição das pesquisas. Dentre os que se posicionaram em relação ao tema — lembrando que 65,26% disseram não saber que posição tomar —, a maioria se manifestou pelo controle (13,3%). Mas a maioria desconhece o que seja ‘clonagem terapêutica’, tema sobre o qual disse não saber como se posicionar. Nesse caso, o desconhecimento

impediu

que

as

questões

relacionadas

fossem

respondidas. Muitos disseram durante as entrevistas que gostariam de saber mais sobre o assunto. Esse desconhecimento impediu que as pessoas se posicionassem, podendo surtir um efeito político: a exclusão de uma parcela significativa da população do debate sobre essa aplicação da técnica de transferência nuclear. Por isso, no âmbito do projeto do qual esse trabalho faz parte, a próxima etapa consistirá em distribuir pelos terminais informações sobre o tema. Em relação às pesquisas, prevaleceu a opção pelo controle para as três aplicações. Entre clonar e não clonar, os entrevistados optaram preferencialmente pela segunda opção. A maioria não clonaria um ente (animal ou pessoa) querido “de jeito nenhum”. Essa atitude não se refletiu, porém, em reivindicação de proibição ou restrição às pesquisas com esse tipo de clonagem. Prevaleceu no público a atitude de ‘confiar desconfiando’: as pesquisas devem ser controladas ou monitoradas. Mesmo quando confrontada com a possibilidade de tratar uma doença incurável utilizando um método amplamente desconhecido, a maioria aceitaria o tratamento, mas com restrições. Trata-se de uma atitude que tem sido detectada no público em relação a diversas questões que envolvem a ciência e a tecnologia. A confiança nos cientistas e na ciência em si se mostra alta; o público desconfia apenas de algumas aplicações (MCT, 20072; Vogt & Polino, 2003). 2

Os resultados foram divulgados recentemente, mas ainda não foram publicados, podendo ser encontrados apenas na página do Ministério de Ciência e Tecnologia, no endereço http://www.mct.gov.br/upd_blob/13511.pdf

20

No que concerne à identidade do clone em relação ao doador do núcleo, a percepção do público parece refletir a ambivalência presente no discurso dos próprios cientistas, bem como no discurso jornalístico sobre a ciência. A distinção do clone em relação ao original e a influência do ambiente sobre o desenvolvimento foram usadas para afastar o fantasma da clonagem reprodutiva humana, destinada à frustração e à fabricação de aberrações (Neresini, 2000). No caso da clonagem animal, foi explorada a imagem da cópia, do xerox: rebanhos de ovelhas idênticas, gata Copy Cat. Os resultados obtidos indicam que a população distingue entre as aplicações da técnica de transferência nuclear, ainda que se baseie em parte na avaliação que faz de uma para avaliar as outras. Mas, aparentemente, a distinção que os cientistas procuraram cultivar entre clonagem reprodutiva e clonagem terapêutica não surtiu o efeito desejado. As células-tronco têm recebido grande atenção da mídia como um todo, mas a clonagem terapêutica não, principalmente depois do escândalo que envolveu o sul-coreano Woo-Suk Hwang. O fracasso, porém, pode ser tornado em sucesso: os pesquisadores da área têm a chance de se afastar da problemática clonagem de seres para se tornar clonagem de células, ou mesmo de abandonar o termo completamente, conforme têm sugerido muitos deles (Anonymous, 2007; Vogelstein, Alberts & Shine, 2002). Foi o que aconteceu na primeira audiência pública realizada pelo Supremo Tribunal Federal, para decidir sobre a constitucionalidade da Lei de Biossegurança, que permite o uso de embriões descartados em clínicas de fertilização para obtenção de células-tronco embrionárias. Os cientistas evitaram a expressão, e tudo indica que a mudança retórica poderá ser bem-sucedida, uma vez que o público ainda não se apropriou do assunto. Nos Estados Unidos, Nisbet (2005) analisou os resultados de duas enquetes nacionais, realizadas em 2001 e 2002, sobre as pesquisas com 21

células-tronco. Observou que há uma forte influência da religião, da orientação ideológica e dos valores dos cidadãos sobre sua percepção da questão. Os dados obtidos quanto à religião nesta pesquisa não confirmam essa tendência: se existe uma relação entre o credo professado e as posições assumidas em relação à clonagem e às célulastronco. Por fim, a pesquisa por associação livre se mostrou um método complementar

valioso.

Apesar

de

a

clonagem

terapêutica

ser

amplamente desconhecida, mas o que a expressão evoca na mente das pessoas?

Os

questionários:

resultados a

confirmam

clonagem

os

terapêutica,

dados para

levantados

muitos,

não

pelos evoca

nenhuma imagem, sensação, pensamento ou definição. A maioria respondeu

“nada”,

decompuseram

a

“não

sei”,

expressão

em

“sei seus

lá”. dois

Alguns termos,

simplesmente clonagem

e

terapêutica, concluindo que se trata de uma clonagem para curar, salvar vidas. Referências bibliográficas Anonymous. Biologists want to drop the word ‘cloning’. New Scientist, Oct. 2006. Bauer, Martin. Distinguishing red and green biotechnology: cultivation effects of the elite press. International Journal of Public Opinion Research, vol. 17, n. 1, p.63-89, 2005. Di Berardino, Marie A. & McKinnell, Robert. Backward compatible. The Sciences, p. 32-37, Sep./Oct. 1997. Gaskell, George et al. Climate change for biotechnology? UK Public Opinion 1991-2002. AgBioForum, vol. 6, ns. 1 &2, 2003. Disponível em:

22

http://www.agbioforum.missouri.edu/v6n12/v6n12a12-gaskell.htm. Acesso em 10/05/2007. Grabner et al. (2001). Biopolitical diversity: the challenge of multilevel policy-making. London, Science Museum, 2001, 339 p. Gurdon, John B. The birth of cloning. The Sciences, p. 26-31, Sep./Oct. 1997. Mittwoch, Ursula. “Clone”: the history of a euphonius scientific term. Medical History, vol. 46, n. 3, p. 381-402, Jul. 2002. Neresini, Federico. And man descended from the sheep. Public Understanding of Science, vol. 9, n. 4, p, 359-382, 2000. Nisbet, Matthew. Trends: Public opinion about stem cell research and human cloning. Public Opinion Quarterly, vol. 68, n.1, p. 131-154, 2004a. _____________. The competition for worldviews: values, information and public support for stem cell research. International Journal of Public Opinion Research, vol. 17, n. 1, 2005. Roqueplo, Philippe. Le partage du savoir: science, culture, vulgarisation. Paris, Editions du Seuil, 1974, 254 p. Vogelstein, B.; Alberts, B. & Shine, Kenneth. Please don’t call it cloning! Science, vol. 295, n. 5558, p. 1237, Feb. 2002. Vogt, Carlos & Polino, Carmelo (orgs). Percepção pública da ciência ─ Resultados da Pesquisa na Argentina, Brasil, Espanha e Uruguai. Editora da Unicamp/FAPESP, 2003, 187 p. 23

Anexo 1: Questionário Dados Idade: Sexo : Escolaridade: Profissão: Religião: Com que freqüência vai à igreja? Considera-se praticante? Segue as orientações da igreja na vida diária? Perguntas 1. Você já ouviu falar da clonagem reprodutiva? a) sim

b) não

c) não sabe

2. A clonagem reprodutiva é: a) uma técnica para ajudar a ter filhos b) uma técnica para fazer cópias genéticas de animais e pessoas c) uma técnica para decifrar o código genético d) nenhuma das anteriores

e) não sabe

3. Um clone de um animal ou de uma pessoa, em relação a esta pessoa ou aquele animal é: a) totalmente igual

b) parecido

c)diferente

d) único

e)

nenhuma das anteriores f) não sabe 4. Você se informou sobre a clonagem reprodutiva em: a) rádio

b) TV

c) Jornal

d) Internet e) Revistas f) Outros

5. Em relação à clonagem reprodutiva, você se considera: a) favorável

b) contrário

c) moderado

d) neutro

e) indiferente

f) não sabe 6. Você acha que as pesquisas com clonagem reprodutiva devem ser: a) proibidas

b) restritas

c) controladas d) monitoradas e)

liberadas 24

f) não sabe 7. Se você perdesse um animal de estimação ou pessoa querida, tentaria cloná-lo(a)? a) com certeza b) depende c) de jeito nenhum d) não sabe 8. Você já ouviu falar de células-tronco: a) sim

b) não

c) não sabe

9. Células-tronco são: a) células vegetais que dão suporte às plantas b) células que se assemelham a troncos

c) células animais que compõem o tronco do

corpo d) células que podem formar diversos tecidos do corpo

e)

nenhuma das anteriores f) não sabe 10. Você se informou sobre células-tronco em: a)rádio b)TV c)Jornal d)Internet e)Revistas f)Outros 11. Em relação às células-tronco, você se considera: a) favorável b) contrário c) moderado d) neutro e) indiferente f) não sabe 12. As pesquisas com células-tronco devem ser: a) proibidas b) restritas c) controladas d) monitoradas

e) liberadas

f) não sabe 13. Já ouviu falar de clonagem terapêutica? a) sim b) não c) não sabe 14. A clonagem terapêutica é: a) uma técnica para ajudar a ter filhos b)uma técnica para decifrar o código genético c) uma técnica para obter células-tronco

d) uma técnica para fazer

cópias de animais e pessoas e) nenhuma das anteriores f) não sabe 15. Você se informou sobre clonagem terapêutica em: a) Rádio b) TV

c) Jornal d) Internet

e) Revista f) Outros

16. Em relação à clonagem terapêutica, você se considera:

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a) favorável b) contrário c) moderado d) neutro e) indiferente f) não sabe 17. As pesquisas com clonagem terapêutica devem ser: a) proibidas b) restritas c) controladas d) monitoradas e) liberadas f) não sabe 18. Se você ou alguma pessoa querida tivesse uma doença incurável e um médico lhe oferecesse a possibilidade de tratamento com célulastronco produzidas por clonagem terapêutica, o que você faria? a) aceitaria sem restrições

b) aceitaria com restrições c) recusaria

d) não sabe

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