De Waldemar à Valéria Bandida - análise discursiva da reiteração caricata da transexualidade na mídia

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ACOSTA, Tássio. De Waldemar à Valéria Bandida - análise discursiva da reiteração caricata da transexualidade na mídia. In.: II Seminário Internacional de Gênero, Sexualidade & Mídia. UNESP, Bauru, 2013.

DE WALDEMAR À VALERIA BANDIDA - ANALISE DISCURSIVA DA REITERAÇÃO CARICATA DA TRANSEXUALIDADE NA MÍDIA Tássio Acosta Tassio Acosta Rodrigues USP

Introdução O presente artigo refere-se a análise discursiva de um episódio, televisionado no dia 28/05/2011, do programa Zorra Total que tinha como ícone a personagem Valeria Bandida. O referido episódio aconteceu dentro de um vagão de metrô e teve a duração de exatos cinco minutos onde fora observado a manutenção de um discurso dividido em 5 partes, são elas: 1) a identidade da transexualidade estar relacionada diretamente com a necessidade da operação de resignação sexual; 2) a pessoa transexual exercendo um emprego no qual não necessita de muita qualificação profissional, a empregada domestica, no caso; 3) manutenção exarcebada da performidade de gênero; 4) excesso de sarcasmo perante a outra personagem, chamada de Janete; 5) manutenção da mulher, e da trans.mulher, como objetos sexuais onde o assédio deve ser aceito, tolerado e ate mesmo aproveitado. Neste artigo toda transexual feminina será chamada de trans.mulher, assim como todo transexual masculino será chamado de trans.homem. A necessidade de assim chamá-los veio através de uma entrevista que tive com um transexual masculino (trans.homem) onde o mesmo disse reiteradamente esta expressão afim de tirar a transexualidade da invisibilidade não só social, como também no próprio meio

LGBTTTIQ (Lésbicas, Gays, Bissexuais, Transexuais, Transgêneros, Travestir, Intersex e Questionando). Vale ressaltar, ainda que há uma luta pela anexação à sigla da letra A, a respeito dos assexuados sendo, assim, LGBTTTIQA. Esses cinco pontos elencados de um único episódio nortearão este artigo, onde busco analisar como a mídia reitera a visão deturpada e caricata das pessoas transexuais onde passa a noção de que tais fatores supracitados devem ser aceitos e tolerados pois fazem parte de suas realidades. Essa manutenção estereotipada de que transexuais, assim como as mulheres (no caso da Janete) são símbolos, produtos e objetos sexuais não condizem com a realidade generalizada. Ou melhor, não deveriam condizer. O Bordão “ai como eu tô bandida” tornou uma expressão verbal cotidiana em grande parte dos brasileiros. Tal bordão era utilizado sempre que a personagem Valéria fazia uso de sarcasmos perante a personagem Janete, ou qualquer outra situação com outros personagens como os figurantes. Mais a frente analisaremos se essa popularização discursiva veio a ser positiva ou negativa para as pessoas transexuais.

Desenvolvimento Um documentário produzido pela BBC de Londres a respeito da Rede Globo de Televisão, chamado Além de Cidadao Kane, da década de 90, mostra como a midia televisiva tem fácil acesso a casa de todos os brasileiros, chegando ao ponto de mudar suas rotinas, afazeres e costumes, como os linguísticos, por exemplo. A partir do momento que a esquete teatral de um personagem torna-se bem aceita, os telespectadores farão a manutenção de seus bordões, vestimentas e comportamentos. Sabemos tranquilamente como a mídia tem o poder de padronizar e homogeneizar a sociedade. Foucaut (1979) muito trabalhou as relações de poder onde quem o tem, passa a ditar as normativas sociais nas quais devemos estar preparados e adequados a ele. Este personagem quando bem aceito, como no caso da Valéria Bandida, passa a ter o que mais de marcante e socialmente tinha: seus bordões. “Ai como eu to bandida” saiu das telas e foi

para as casas, os trabalhos e os locais públicos. Tornou-se normal escutá-lo, personificando assim a Valéria Bandida. É nesse momento que a personagem ganha vida, encorpa, personifica e conquista espaço no nosso cotidiano. Mas por que o bordão caiu no gosto popular e outros signos como a vestimenta não? O que a personagem teve para que pudesse ser tão bem aceita? Isto é, ela realmente foi bem aceita pela sociedade? Ser aceita é o mesmo que ser reconhecida, legitimada e permitida? A imagem caricata é o que mais justifica a boa aceitação da personagem. Ela tornou-se engraçada, com um humor sagaz e sarcástico perante a outra personagem, a Janete. Essa outra personagem, na linguagem dos palcos, é chamada de escada. Pois está ali exclusivamente para dar maior visibilidade e notoriedade para que a personagem principal, a Valeria, no caso, possa se sobressair ainda mais. Sendo assim, o bloco inteiro tem essas duas personagens principais. São elas: Valéria e Janete. Valéria: transexual operada, grandes e volumosas próteses de seios, excesso de maquiagem, fala alto, amante de musicas pop como Calypso e Luan Santana, empregada doméstica e com um lado sexual extremamente aflorado. Janete: Ausência de maquiagem, cabelo descuidado, fala baixo, imagem de uma pessoa interiorana, ausência de malícia, constante motivo de chacota pela Valéria, passiva e submissa. Em um diálogo que acontece ao 14 segundos iniciais do bloco, a personagem Janete questiona se a Valeria não era o Waldemar, a qual responde: “era, meu amor. Agora eu sou mulher. Operei e virei mulher”. Essa visão estereotipada de que todas as pessoas transexuais só se sentem em acordo com a identidade de gênero perante a sua resignação sexual está longe de ser verdade. Não há uma obrigatoriedade de que todas as pessoas transexuais só sentirão totalmente pertencentes a si após a cirurgia (BENTO, 2006: 33). Temos diversos casos pontuais onde as pessoas transexuais não se sentem a vontade de fazer todos os procedimentos cirúrgicos. Na pesquisa da minha monografia pela Universidade de São Paulo (USP) no curso Ética Valores e Cidadania na Escola, na qual desenvolvo uma análise das pessoas transexuais no

período escolar, ficou evidenciado através das entrevistas realizadas com transexuais que não há um padrão e uma necessidade por igual. Há transexuais que sentem-se satisfeitos apenas com a mudança dos documentos, outras trans.mulheres onde a prótese de silicone para as mamas já resolve, há casos de trans.homens que não sentem a mínima necessidade de fazer a neofaloplastia (seja por ainda estar em fase de teste no Brasil, seja por não ter o mínimo problema com a sua vagina), etc. Cada caso tem suas singularidades, não podendo em momento algum generalizar que o total pertencimento da pessoa transexual dar-se-á exclusivamente perante o procedimento cirúrgico completo ou não – isto deixou de ser verdade absoluta. Atualmente está em cartaz na Cia. Os Satyros, em São Paulo, uma peça teatral assinada por Nelson Barskeville, onde Léo Moreira Sá, trans.homem, conta sua vivência transexual. Nascido como Lourdes, a peça intitulada Lou&Leo conta, demonstra e comprova tranquilamente que nem todas as intervenções cirúrgicas lhe são necessárias para reafirmar sua condição que desde a mais tenra infância já sabia: que é homem. Apenas a mastectomia já surgiu o efeito desejado e almejado por ele. E quanto ao documento? Não, não tem a mínima vontade de trocar por uma identidade masculina. Motivo? Para reiterar para a sociedade a sua condição de trans.homem e assim tirar o tema da invisibilidade social. Sendo assim, essa discursividade de “agora eu sou Valeria, operei e virei mulher” não é um padrão, uma verdade absoluta, uma norma e muito menos uma condição necessária para todas as pessoas transexuais. Há transexuais que almejam a intervenção cirúrgica completa, outras que apenas a troca de documentos lhes satisfaz, alguns onde a neofaloplastia não se faz necessária e outros que apenas a mastectomia atende suas necessidades. Cada transexual tem a sua especificidade. Porém, uma coisa que se faz necessário é a luta pelo reconhecimento e dignidade. Quando eu falo de luta, não estou remetendo em momento algum a questão da agressão física como forma de sobrevivência, sim às questões trabalhistas, financeiras, humanas e de inclusão, que possam lhes trazer a possibilidade da inserção e manutenção no seio social. Embora saibamos que

A segunda versão do Programa Nacional de Direitos Humanos contém uma seção dedicada ao assunto, com quinze ações a serem adotadas pelo Governo Brasileiro para o combate à discriminação por orientação sexual, e para a sensibilização da sociedade para a garantia do direito à liberdade e à igualdade de gays, lésbicas, travestis, transgêneros e bissexuais. (PNDH II, 2002)

A reiteração caricata da transexualidade está presente em todos momentos. Essa “promoção midiática” que a Rede Globo de Televisão faz ao mostrar um personagem transexual está longe de compactuar com o PNDH II. Muito pelo contrário. Ajuda a expor ao ridículo e coloca as pessoas transexuais como motivos diversão pública, como veremos durante o artigo. Esse combate à discriminação por orientação sexual, e para a sensibilização da sociedade para a garantia do direito à liberdade, como cita o PNDH, está longe de ser uma verdade e muito menos é o objetivo da personagem. Com a justificativa de ser uma personagem de humor, com o propósito de trazer diversão para as casas brasileiras, o programa Zorra Total pega essa parcela da sociedade e a ridiculariza, semanalmente, através de chacotas, ofensas e desrespeitos. Tudo me nome do humor. Valeria Bandida é uma empregada doméstica, trabalho braçal esse que não necessita de escolaridade, preparo e investimento na carreira profissional. Não estou aqui subjugando essa profissão, assim como não estou sendo demagogo perante o reconhecimento da condição do cotidiano da profissão. Apenas reconhecendo que é uma profissão na qual só veio a ter seus direitos trabalhistas reconhecidos recentemente e tem como padrão pessoas com baixa escolaridade, muitas até mesmo analfabetas. Qual a possível relação da baixa escolaridade, com a profissão que não necessita de comprovações de histórico escolar e a sua transexualidade? Um dos momentos de grande complexidade para as pessoas transexuais está na adolescência. Época na qual as características sexuais secundárias, como as hormonais, por exemplo, estão aflorando. As mulheres com seus seios assim como os homens com suas barbas e pomo de adão. E as pessoas transexuais? Além de não terem acesso a uma política pública de qualidade e humanizada, para que seja introduzido hormônios e bloqueadores hormonais ainda na fase da infância, evitando assim esses caracteres sexuais secundários, são obrigados a lidar com o cotidiano escolar. Recentemente o Ministério havia modificado a portaria onde autorizaria a introdução hormonal em pessoas transexuais, antes aos 18 anos a portaria iria permitir que começasse a

intrução hormonal aos 16 anos. Por ser unanimidade por parte das ciências Psi (Psiquiatria, Psicologia e Psicanálise) que a pessoa transexual tem consigo desde a infância essa condição, tinham como objetivos minimizar os possíveis sofrimentos e complicações futuras. Lamentavelmente após o ministro da saúde Alexandre Padilha receber uma ligação telefônica do presidente da Igreja Assembléia de Deus, pastor Samuel Ferreira, a portaria foi revogada e houve a manutenção da permissão de tratamentos hormonais aos transexuais apenas depois dos 18 anos. E os trans.homens querendo ver o sumiço dos seios que teimam em nascer? Escondendoos através de faixas onde os esmagam aos seus troncos ou utilizando vestes mais largas. E as trans.mulheres querendo que aqueles pelos corporais desapareçam junto com aquela voz grossa e coisa pendurada no meio das pernas, que os colegas de sala têm orgulho em comparar os respectivos tamanhos? A fuga, o desejo de sumir e a dificuldade em manterem-se no ambiente escolar tornam-se ainda maiores. Isso quando não há o agravante da escola não saber lidar com suas respectivas condições, a família não aceitar e a própria pessoa transexual não entender/conhecer sua condição de transexual ou não aceitar, se achando uma doente. Essa escola, em sua maioria das vezes, com pensamento heteronormativo, pouquíssimas vezes trabalha a temática da diversidade por orientação sexual, mas nenhuma das pessoas transexuais entrevistadas tiveram em sua memória o aprendizado ou até mesmo um breve comentário a respeito da identidade de gênero, como a transexualidade. Embora a transexualidade ainda seja pertencente e esteja presente no DSM V, manual da psiquiatria, antes como pessoas que sofriam de transtornos de identidade de gênero, hoje chamado de disforia de gênero, entendo que a transexualidade é mais uma das diversas subjetividades das relações e manifestações humanas onde devemos compreender que este é um direito individual onde a pessoa deve ter total controle sobre suas necessidades, não cabendo a terceiros normatizar, regrar, padronizar e, acima de tudo, que esses mesmos terceiros tenham o direito de decidir pela felicidade de outros, permitindo ou proibindo intervenções cirurgicas. Essa felicidade é posta em cheque quando a escola não tem uma política pró-diversidade através de debates, palestras e trabalhos abrangendo a temática. Transexuais que fizeram entrevistas para o desenvolvimento da minha monografia, disseram que até o final do ensino

médio nada sabiam a respeito das suas reais condições. Sabiam que não estavam alinhadas com aquela heteronormatividade, embora estivessem longe de se sentirem homossexuais feminilizados (no caso dos homens) e homossexuais masculinizadas (no caso das mulheres). Estavam numa condição onde não haviam tido nenhuma explicação. Talvez ainda venhamos a perceber que, paradoxalmente, a educação sexual no contexto escolar contemporâneo possa ser um espaço para entendermos a história da sexualidade do ponto de vista dos nossos mecanismos de exclusão e de produção da norma sexual, de modo que possamos resistir aos mecanismos de produção e reprodução da norma. Se isso acontecer, a educação sexual nas escolas será, antes de tudo, um ato político. (CESAR, 2009: 44)

Embora não se sentissem homossexuais feminilizados e nem homossexuais masculinizados, algumas das pessoas entrevistadas chegaram a falar que na época escolar eram consideradas como andrógenos pois já faziam uso de vestimenta masculina (no caso do trans.homem) e de signos do universo feminino (no caso das trans.mulheres). Vestimenta essa que não tinha como objetivo um fetiche de travestilidade. Sim de reconhecimento,entendimento e pertencimento de que a sua identidade de gênero era masculina, não feminina como o seu corpo teimava em mostrar, no caso dos trans.homem. Ou, então, que era feminina e não masculina, no caso das trans.mulheres. Essa realidade ajudou, e ainda ajuda, muitas pessoas transexuais a se afastarem das escolas e criarem desgosto pelo ambiente escolar. Esse ambiente é visto como um local de embate, afrontamento, desconforto e cotidianamente como algo que se pudesse evitá-lo, jamais teriam pisado. De chacota dos amigos de sala de aula à obrigatoriedade dos jogos impostos pelos professores de educação física, através dos jogos já divididos entre futebol para meninos e volei para as meninas, esse foi o ambiente onde, sistematicamente, essas pessoas desenvolveram mais de 15 anos de suas respectivas vidas. E o pior disso tudo é desenvolver tal fase num ambiente que não lhes é agradável, democrático e muito menos acolhedor. Além de excluí-las do ambiente escolar, muitas vezes previamente, acaba jogando-as para o mercado de trabalho informal, como no caso da Valéria Bandida que é uma empregada doméstica. A possibilidade de permear a formalidade torna-se complicada a partir do momento em que a exclusão, marginalização e ausência de conhecimento de suas respectivas condições passam a fazer parte de suas vidas. Sendo assim, a forma que elas criam para sobreviver está na criatividade em lidar com o que elas têm: o cotidiano.

A personagem reiteradamente tem uma fala abusiva, em tom de deboche, sarcástica e até mesmo jocoza. Sempre na defensiva sendo que quando há uma oportunidade, parte para o ataque verbal. Quando a personagem Janete pergunta para a Valéria se ela estava satisfeita com o trabalho e a mesma responde que sim, há a repetição da mesma pergunta, seguidamente, por parte da Janete onde a personagem Valéria responde de forma violenta. O gênero adquire vida através das roupas que compõem o corpo, dos gestos, dos olhares, ou seja, de uma estilística definida como apropriada. São estes sinais exteriores, postos em ação, que estabilizam e dão visibilidade ao corpo. Essas infindáveis repetições funcionam como citações e cada ato é uma citação daquelas verdades estabelecidas para os gêneros[...] (BENTO, 2006: 4)

As gírias e vestimentas são outros signos que fazem da personagem ser ainda mais caricata, beirando o ridículo. Aos 1:43s um personagem esbarra contra ela que assim que vira contra o mesmo, grita a seguinte frase: “Eu hein, vem cá gente. Quer mais espaço faz a Angélica e vai de táxi. A gente tá conversando e a pessoa no cutuque, no cutuque.”. Janete logo emenda a fala com uma passividade falando: “mas você não precisa ficar aborrecida, fazendo escândalo”. Esse exato momento mostra nitidamente como as personagem são caricatamente construída pelo programa: a trans.mulher é escadalosa e sexualizada, a outra mulher é passiva e submissa. Tradicionalmente, as mulheres são retratadas como passivas e submissas. O outro lado dessa imagem acomodada e disciplinada da mulher da classe dominante é dado pelas mulheres das classes populares. Apesar da dominação masculina, a atuação feminina não deixa de se fazer sentir, através de complexos contra-poderes: poder maternal, poder social[...] (SANTOS, 2009: 12)

Judith Butler chama essa fabricação e exteriorização de perfomidades de gênero onde reiteramos, sistemática e obrigatoriamente, performances das quais a sociedade diz que fazem parte do corpo. A vestimenta, os trejeitos, as formas de agir e falar, qualquer pessoa que desviar desse caminho, fugir desse heteroterrorismo como chama Berenice Bento, será apontada negativamente por todos que ao redor estiver. Essa trans.mulher com tais características fica perfeitamente clara aos 2:50 onde há o seguinte diálogo: Valéria: Eu estava na casa da minha patroa e daqui a pouco chega o marido dela, cumprimentei ele na educação. Ai eu fui fazer o resto do meu serviço, daqui a pouco ele veio com o negócio dizendo ‘quero dançar colado’.

Janete: Olha só, puxa, dançar colado? Que safado! E você? Valéria: Mas olha Janete, foi ele colar pra dançar que eu senti o tamanho do tubo da cola. Ai como eu to bandida!!! Sexualizada e mero objeto de desejo sexual, é essa a imagem que a mídia reiteradamente televisionou para as nossas casas criando, ainda mais, o senso comum de que as trans.mulheres são meros objetos sexuais que não merecem o respeito e dignidade. Onde assim que houver a necessidade da prática sexual por qualquer pessoa, basta chegar próximo a uma trans.mulher, não pedir e nem conversar, apenas encostar e efetivar o desejo libidinoso. Dentro da comunidade LGBT, de acordo com o GGB (Grupo Gay da Bahia), responsável por fazer o levantamento anual dos homicídios, tentativas de homicídio e quaisquer outros ataques com cunho homofóbio e/ou trans.fóbico, o Brasil teve em 2011 exatos 226 assassinatos de pessoas pertencentes a comunidade LGBT. Sendo que tais crimes estão divididos da seguinte forma: 60% homossexuais masculinos, 37% travestis e 3% homossexuais femininas. Isso significa um aumento de 118% nos últimos 6 anos. Para se ter uma noção mais exata de como caminham os números no Brasil, de acordo com o próprio Relatório Anual de Assassinatos de Homossexuais de 2011. Nos Estados Unidos, com 100 milhões a mais de habitantes que nosso país, foram registrados 9 assassinatos de travestis em 2011, enquanto no Brasil, foram executados 98 “trans”. O risco de um homossexual ser assassinado no Brasil é 800% maior que nos Estados Unidos. (GGB, 2012)

O Brasil tem índices de intolerância e crimes praticados contra a comunidade LGBT do mesmo nível que países teocêntricos, como os países árabes, por exemplo. Seguindo o mesmo pensamento conservador e heterossexista, o programa dá prosseguimento a mais duas esquetes com o mesmo ideal: objetificação sexual das trans.mulheres. Aos 3:28s após um homem grudar o seu corpo ao corpo da Valéria Bandida Rapaz: você é a nora que mamãe pediu a deus. Valeria: Só um instantinho que está me ‘agrudando’ e eu não gosto. Janete, dá uma olhadinha para ver se esse homem é bonito?

Janete: Ah, ele é jovem. Valéria: Não. Te perguntei se ele é bonito, porque jovem já deu para perceber. Ai como eu tô bandida (insinuando o estado jovial da pessoa com a rápida ereção do personagem) Essa imagem na qual a transexualidade está ligada diretamente com a necessidade sexual e até mesmo com a prostituição, onde ela passa a ser apenas um objeto afim de eliminar desejos sexuais masculinos vem sendo reiteradamente mostrada neste bloco. Outro homem, outro personagem, em outra situação igual a essa. Agora fazendo a mesma coisa na Janete. Janete: Valéria, olha, esse homem que está atrás de mim, está me bulinando. Valéria: Aproveita porque tu não tá podendo escolher. Nesse momento Janete pega um alfinete e espeta o personagem afim de tirá-lo e não permitir que o assédio sexual seja concretizado nela. Há diversos casos, principalmente na delegacia da mulher, na cidade de São Paulo, a respeito de assédio sexual nos vagões de metrô e trem onde, muitas vezes, ocorrem debates e conversar públicas afim de designar um vagão especifico para as mulheres. Ora, será essa a solução mais correta? Se sabemos que há a prática de tais abusos, como que permitimos a reiteração por parte da televisão de propor esse tipo de piada. Não estamos dizendo que se deve ter uma censura, ou coisas do tipo, por parte de um órgão fiscalizador, não! Deve-se sim ter uma sociedade mais atuante que não aceite que uma prática de abuso e assédio contra as mulheres seja permitido entrar em nossas casas com teor e padrão de normalidade, como se não houvesse problema algum em tais práticas. Porém, quando pensamos que esse seria o ápice da esquete, inesperadamente, dando continuidade ao diálogo anteriormente citado, o mesmo personagem que estava assediando sexualmente a personagem Janete faz a mesma abordagem e prática na Valéria Bandida. Janete: O Valéria? Valéria: Que que foi? Que que há Janete? Janete: O homem que estava aqui me bolinando, ela está bolinando você.

Valéria para ele: Heeeeey, que isso? Que absurdo é esse moço? Para de bobeira, pode vir. Estou sem alfinete, bobo. Hahaha. Não é de hoje que a mídia mostra uma mulher passiva, submissa ao homem e a mercê das relações sociais heterossexistas. Essa mulher submissa estereotipada através da Janete é a mesma prejulgada e objetificada através da Valéria Bandida. Ambas são tidas como objetos pelo programa Zorra Total onde devem ser motivos de assédio, piadas e desrespeito. Assédio sexual com viés de humor também não é novidade na mídia brasileira. Diversos programas televisivos fazem uso desse tipo de humor para manter ainda mais os estereotipas. Não é a toa que o PL-341/05, de autoria do então deputado Geraldo Vinholi, pelo PSDB, determina a criação de vagões do metrô e do trem exclusivos para as mulheres em horário de pico. De acordo com informações obtidas junto com DELPOM (Delegacia de Policia do Metropolitano), no ano de 2012, nos 11 primeiros meses fora registrado 91 casos de assédio, dentre eles: passada de mão nas partes intimas das mulheres, filmagens indiscretas e atos obscenos. Tais crimes, muitas vezes, acabam repercutindo nas mídias como se a mulher fosse a responsável pelo acontecimento. Comentários pejorativos como se ela não estivesse vestida assim, isso não teria acontecido ou então se ela não estivesse a essa hora na rua, isso não aconteceria são vistos com frequência no campo de comentários das mídias sociais e dos grandes jornais on line. Esse heterossexismo está enraizado na nossa cultura onde a mulher, a transexual e o homossexual são culpados das violências recebidas, e não vitimas. Sabemos que o papel da mídia não é educar uma sociedade, mas o papel de uma sociedade é educar a mídia.

Referências Bibliográficas

BENTO, B. - Corpos e Próteses: dos Limites Discursivos do Dimorfismo. In: Fazendo Gênero, 2006. Anais. Sexualidades, corporalidades e transgêneros: narrativas fora da ordem. Santa Catarina: UFSC, 1990. BUTLER, J. Problemas de Gênero: Feminismo e subversão da identidade. Riode Janeiro, Civilização Brasileira, 2003. CESAR, M. R. de A. Gênero, sexualidade e educação: notas para uma "Epistemologia". Educ. rev. [online]. 2009, n.35, pp. 37-51. ISSN 0104-4060. CONSELHO Nacional de Combate à Discriminação. Brasil Sem Homofobia: Programa de combate à violência e à discriminação contra GLTB e promoção da cidadania homossexual. Brasília : Ministério da Saúde, 2004. FOUCAULT, M. Microfísica do poder. Organização e tradução de Roberto Machado. Rio de Janeiro: Edições Graal, 1979. GRANATO, F. Comissão aprova vagões femininos em trens. Diário de São Paulo, São Paulo, 27 jun. 2013. Disponível em < SANTOS, A. T. . A construção do papel social da mulher na Primeira República. Em Debate (PUCRJ. Online), v. 8, 2009.

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