Decisão de Política Macroeconômica - Fundamentos Econômicos da Política Monetária de Milton Friedman

July 17, 2017 | Autor: Celise Otuski | Categoria: Economics, Macroeconomics, Keynesian Economics, Monetary Policy, Milton Friedman
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Universidade de São Paulo Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade Departamento de Economia

Decisão de Política Macroeconômica: Fundamentos Econômicos da Política Monetária de Milton Friedman Classificação JEL: E52, E12, B22 Novembro de 2011

Aluna: Celise Emi de Oliveira Otuski Orientador: Jose Raymundo Novaes Chiappin

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A Deus, que renova constantemente as forças para seguir em frente a cada novo dia; Para meus pais, que sempre exigiram muito e garantiram que eu tivesse a melhor educação e todas as condições para o aprendizado; Para meu orientador, pela paciência em escutar minhas diversas mudanças de opinião e dúvidas e em me guiar quanto ao melhor caminho a seguir; Ao professor Juarez Rizzieri, que desde o começo me ouviu e me deu atenção e conselhos; Finalmente, para os que ensinaram com toda a paciência e carinho o pássaro a voar e hoje estão muito orgulhosos de poder vê-lo voando longe do ninho.

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“There cannot be intrinsically a more insignificant thing, in the economy of society, than money; except in the character of a contrivance for sparing time and labour. It is a machine for doing quickly and commodiously, what would be done, though less quickly and commodiously, without it: and like many other kinds of machinery, it only exerts a distinct and independent influence of its own when it gets out of order.” J. S. Mill

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O presente trabalho sintetiza os principais pontos da proposta de política econômica, notadamente a monetária, de Milton Friedman. Uma primeira hipótese de trabalho é fazer uma reconstrução dos fundamentos econômicos da teoria keynesiana, a qual Milton Friedman contesta, identificando seus principais problemas, para, a partir dela, reconstruir a teoria monetarista. Nossa análise não poderia deixar de cobrir os principais elementos da proposta de Friedman, que são a Curva de Phillips acrescentada das expectativas inflacionárias, a taxa natural de desemprego, a hipótese das expectativas adaptativas e a neutralidade da moeda. De acordo com Friedman, a inflação é sempre e em todos os lugares um fenômeno monetário. A consequência política é que a regra básica da política monetária é o controle da moeda. Cobriremos os outros argumentos da proposta de Milton Friedman ao longo dos tópicos enumerados a seguir.

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Estrutura

Introdução Página 01

A Teoria Keynesiana da Inflação, do Produto e do Desemprego Página 03

Críticas à Teoria Keynesiana Página 10

A Contribuição da Curva de Phillips para explicar a Inflação Página 12

Críticas à Curva de Phillips: o Mecanismo das Expectativas Adaptativas Página 14

A Hipótese da Taxa Natural: A Curva de Phillips Aceleracionista Página 16

A Teoria Monetarista da Inflação e a Neutralidade da Moeda Página 19

Consenso? Página 25

Conclusões Página 32

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Introdução

O ideal de economia, para qualquer sociedade, é aquela na qual o produto é alto e cresce contínua e aceleradamente, como a chinesa atualmente; na qual todos os que estiverem dispostos a trabalhar ocupem, efetivamente, um posto, ao salário que desejam, como a americana em meados da Segunda Guerra Mundial; e na qual a taxa de inflação seja aproximadamente zero, ou seja, na qual o nível de preços seja essencialmente estável ao longo do tempo e compatível com o nível de salário de cada indivíduo. Mas esses objetivos são mutuamente compatíveis? Em outras palavras, existe alguma política que dê conta de trazer todos esses resultados ao mesmo tempo? De transformar uma economia em uma mistura de China atual, com Estados Unidos do passado, e ainda com preços estáveis? Existe algum trade-off entre eles? Se existir, ele é permanente ou apenas temporário? Dado que existe, de fato, um ótimo para a economia - ponto no qual haveria perfeita harmonia entre as taxas de desemprego, inflação e produto e no qual o bem-estar social é maximizado - então é plausível se valer da política econômica para alcançá-lo para o bem coletivo. E nessas condições a política econômica, desde que manuseada por um planejador que almeje o ponto de máxima utilidade de todos os indivíduos conjuntamente, leva a resultados eficientes e eficazes, tudo o mais constante. Não obstante, há, pelo menos, dois limitadores de uso da política monetária: o primeiro é a distinção essencial entre curto e médio prazos. Como veremos, sob a hipótese de expectativas adaptativas, é perfeitamente plausível que os efeitos de curto prazo de determinada política se anulem, ou, em alguns casos, até se revertam, gerando, no médio prazo, resultados contrários aos efetivamente desejados. Em segundo lugar, deve-se levar em consideração a presença de incerteza. Em

combinação

com

a

existência

de

um

sem-número

de

modelos

macroeconômicos e de uma grande variedade de correntes de pensamento, que

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priorizam o cuidado com uma ou outra variável de interesse, uma dada política econômica pode produzir diferentes expectativas de resultados, mesmo em um dado e limitado espaço de tempo. Como exemplo, considere os modelos macroeconométricos que os Bancos Centrais ao redor do mundo usam para estimar o produto, o desemprego e a inflação e para ajustar a taxa de juros. A variância do resultado previsto pode ser considerável, mesmo no curto prazo. Se tivermos uma taxa de desemprego próxima à taxa natural e for aplicada uma política com grande variância dos resultados, então estes, em última instância, poderão ser adversos, contrários aos desejados. Ainda que antes que se desenvolva e aplique qualquer política, sejam estudadas a fundo as possíveis respostas a um impulso nas variáveis de controle, mesmo assim, pode haver inúmeras possibilidades de respostas, uma para cada expectativa de cada agente, com grande variância entre uma e outra logo no curto prazo. Desenvolveremos o argumento com exemplos concretos mais adiante. Conclui-se com isso que, fora condições extremas - de crise ou forte crescimento prolongados, persistentes -, não se deve fazer uso de políticas monetária nem fiscal indiscriminadamente. Em condições normais, fazer menos é preferível. O teor da discussão, portanto, será tal que separaremos e conflitaremos dois grupos muito notáveis: os „fiscalistas‟, tendo como representante mais famoso John Maynard Keynes; e os monetaristas, cujo „fundador‟ foi Milton Friedman. O ponto de vista da discussão, no entanto, não será estático: ora consideraremos a divergência principal como discricionariedade versus regras fixas, ora como preferência absoluta pela liquidez versus hipótese da taxa natural. O objeto de estudo, aqui - e não poderia ser diferente - será a inflação. Tão importante quanto, ou talvez até mais que, a discussão a que nos proporemos aqui, é o ponto de partida inicial. Duas perguntas básicas devem ser feitas: qual é o objetivo primeiro da política monetária? E quais são os critérios de política a serem adotados pelas autoridades monetárias? Para Friedman, por ser o mercado de trabalho um mercado competitivo como qualquer outro, o objetivo

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último de política deve ser o controle da inflação. Além disso, as autoridades monetárias deveriam se pautar por variáveis que pudessem controlar diretamente, ou seja, por variáveis nominais; portanto, o critério de política deve ser a quantidade ofertada de moeda na economia. Como veremos nos desenvolvimentos dos modelos keynesiano e monetarista e na comparação entre eles, em alguns casos eles se mostrarão essencialmente similares, com diferenças quanto à prescrição de política econômica que dependem basicamente da variável à qual se dá mais importância e das condições empíricas que se verificam nos mercados, que, por sua vez, levam à formulação dos diferentes pressupostos a partir dos quais um e outro modelo se desenvolvem. Por fim, apresentaremos uma abordagem alternativa da discussão acerca da discricionariedade versus regras fixas, que se propôs a criticar os pontos fracos de cada lado e pinçar e juntar os pontos positivos de cada argumento da discussão.

A Teoria Keynesiana do Desemprego, do Produto e da Inflação

Keynes inicia a sua Teoria Geral criticando os pressupostos do modelo clássico. O que é mais interessante sobre o modelo que ele desenvolve nos capítulos subsequentes é que, ao contrário do que muitas pessoas pensam e do que muitos autores escrevem, e apesar da sua crítica ao pressuposto da existência do equilíbrio geral de longo prazo Walrasiano, o seu modelo completo tem uma tendência intrínseca ao pleno emprego. O Efeito Keynes, qual seja, o efeito de menores preços e salários sobre a demanda agregada via taxa de juros e investimento é baseado no efeito renda no mercado de títulos, de maneira que a queda do nível de preços aumenta o valor real do estoque de dinheiro e aumenta o fluxo de demanda por títulos, que diminui

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a taxa de juros e aumenta o gasto em investimento, restaurando a demanda agregada. (Aqui, no entanto, ele faz uma objeção quanto ao modo como a política seria implementada, i.e., via corte de salários, o que poderia ter efeitos negativos sobre a confiança do consumidor e as expectativas dos trabalhadores; em vez disso, sugere que essa redução de taxa de juros viesse via aumento da oferta de moeda.) Pelo Efeito Keynes, que consiste em um movimento ao longo da IS, mesmo quando as curvas IS e LM se intersectarem em uma posição de equilíbrio abaixo do pleno emprego, a flexibilidade de preços e salários garantiria a volta ao pleno emprego. Mas isso tiraria todo o sentido da Teoria Geral keynesiana. Os keynesianos, então, se empenharam em procurar condições sob as quais o efeito Keynes falharia, ou seja, em procurar obstáculos ao pleno emprego. Essas seriam uma eficiência marginal do investimento (a qual passaremos a chamar simplesmente m.e.i.) juros-inelástica no mercado de bens e uma função preferência pela liquidez (chamada, aqui, l.p.f.) infinitamente elástica no mercado monetário. Suponha que exista desemprego involuntário que resulta numa diminuição do salário nominal o que, por sua vez, provoca uma queda proporcional nos preços. No primeiro caso - o da função investimento inelástica - o Efeito Keynes faz a LM se deslocar, mas não o suficiente para levar a economia de volta ao pleno emprego, porque a redução na taxa de juros não tem mais efeito sobre o gasto de investimento - i.e., a demanda por investimento é completamente inelástica - e, portanto, não há efeito sobre a renda. Desde que a IS seja bastante inclinada - praticamente vertical - e intersecte o eixo horizontal antes do nível de renda de pleno emprego, então não há taxa de juros positiva que torne o investimento suficiente para assegurar o retorno ao pleno emprego; o efeito Keynes é bem sucedido em reduzir a taxa de juros, mas impedido de exercer qualquer efeito sobre a demanda efetiva, que não responde à taxa de juros. Suponha agora que a taxa de juros seja baixa o suficiente para fazer com que todos os especuladores acreditem que ela vá subir no futuro. A função

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preferência pela liquidez se tornaria infinitamente elástica, o que implica que qualquer aumento na oferta de moeda seria absorvido pelas reservas especulativas de moeda. A LM se desloca para a direita, mas como ela já é horizontal em uma determinada taxa de juros, esta não pode ser reduzida. Desde que a LM seja infinitamente elástica, existirá desemprego involuntário; a redução de salários nominais e preços vai tão somente aumentar o valor real da oferta de moeda, mas não vai exercer efeito algum sobre a taxa de juros, os preços dos títulos não aumentarão e o efeito Keynes é impedido de exercer variações na demanda efetiva porque não haverá variação de taxa de juros. Ou seja, não haverá garantia de que a economia retornará para o pleno emprego porque ou esse movimento ao longo da IS será insuficiente - pelo fato de a curva ser muito inclinada e cruzar o eixo horizontal antes do nível de pleno emprego - ou impedido - por causa da preferência pela liquidez. Logo, o mundo Keynesiano é tal que a IS é muito inelástica (m.e.i. juros-inelástica) e a LM (l.p.f.) é infinitamente elástica. Note que no caso de os deslocamentos da LM serem impossibilitados por uma ou outra razão, temos como implicação que a política monetária será ineficaz: se existir armadilha de liquidez (preferência absoluta pela liquidez) tal que os especuladores sejam unânimes na expectativa de que a taxa de juros deva subir por já estar abaixo da sua taxa natural, então o excesso de oferta de moeda não será absorvido pelo mercado de títulos e a taxa de juros não se alterará; alternativamente, se houver, de fato, queda na taxa de juros mas esta não for suficiente para estimular os gastos em investimento por causa da existência de expectativas inelásticas, então nenhuma taxa de juros não-negativa será suficiente para retornar a economia ao pleno emprego. Medidas monetárias diversas simplesmente não serão capazes de diminuir a taxa de juros; e, se consumo e investimento não forem afetados devido a mudanças na taxa de juros, ainda que fosse possível atingir uma taxa mais baixa por meio de uma maior oferta de moeda, essa expansão não teria efeito algum. A política monetária é duplamente inutilizada, de forma que contrações severas não poderiam ser evitadas, quanto

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menos revertidas, por medidas monetárias. Em suma, para Keynes, sob certas circunstâncias - basicamente, uma IS vertical e uma LM horizontal -, cortes nos salários e operações de mercado aberto visando aumentar a oferta de moeda seriam ambos impotentes em restaurar o pleno emprego. No entanto, a impotência da política monetária não significava, de maneira alguma, um argumento contra a discricionariedade. Pelo contrário, era pregado que o que a política monetária não era capaz de fazer - estimular a demanda agregada por meio de reduções da taxa de juros de modo a guiar a volta ao pleno emprego - a política fiscal o faria; ela seria a única opção capaz de estimular a economia e colocá-la no seu caminho de volta. O governo teria o poder de alterar diretamente não somente a LM mas também a IS fazendo uso de seu orçamento, por exemplo, adotando uma política expansionista, ou seja, aumentando seus gastos, ou, alternativamente, diminuindo os impostos, para estimular a criação de empregos e, por esse canal, aumentar a demanda agregada. A geração de empregos públicos seria uma arma estabilizadora contra cíclica mirando exatamente no pleno emprego; os gastos do governo fariam a vez dos investimentos privados, insuficientes em tempos de crise. Foi essa conclusão, associada ao fato de a disponibilidade de substitutos próximos do dinheiro tornar a demanda por moeda um conceito esquivo e instável, que levou à frase, tão bradada pelos fiscalistas, 'money does not matter' e à adoção das políticas conhecidas como cheap-money policies - que, mais tarde, passaram a falhar em país após país e só conseguiram gerar inflação. Variações na política fiscal não foram, de fato, estabilizadores, mas, antes, algumas das principais causas da instabilidade econômica. Cabe aqui um pequeno parênteses para explicar, ainda que muito brevemente, qual é o objetivo principal dessas políticas: as cheap-money policies servem para baixar a taxa de juros por meios diversos, seja pela emissão de moeda, ou, formalmente falando, por meio do aumento da oferta de moeda pelas autoridades monetárias, seja pela redução e controle dos preços e salários.

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Entraremos agora mais a fundo na teoria monetária keynesiana, que basicamente se desenvolve sobre os pilares mercados de capitais, incertezas, expectativas e preferência pela liquidez, e decisões de consumo e investimento. „Our desire to hold money as a store of wealth is a barometer of the degree of our distrust of our own calculations and conventions concerning the future‟. Keynes (1937) No modelo keynesiano, os três mercados - de bens, de títulos e de trabalho - são ligados pelo fato de que o produto de equilíbrio é determinado tanto no mercado de bens quanto no mercado de títulos. Keynes define o conceito de liquidez que é a pedra fundamental de toda a sua teoria como sendo „negociabilidade‟ realizada a um preço justo. Disso, introduz a função preferência pela liquidez. Segundo ele, há um motivo necessário e suficiente para a existência e plausibilidade dessa preferência pela liquidez: a presença de incerteza. Ainda, coloca como condição suficiente para a inclinação negativa da curva de demanda por moeda a divergência de opinião entre investidores sobre a taxa „natural‟ de juros. A taxa de juros de equilíbrio é um fator especial na teoria keynesiana. Primeiro, o autor dá outra definição para ela, levando em consideração a existência dos mercados de capitais e da incerteza: é a taxa que recompensa a renúncia à liquidez; é o preço mediante o qual são conciliados o desejo de manter riqueza em ativos líquidos e a oferta disponível de moeda. Disso conclui-se que a taxa de juros, ao contrário da teoria clássica, não se determina na igualdade entre poupança (função da taxa de juros, apenas) e investimento (também função somente da taxa de juros); mas depende tão somente da função preferência pela liquidez e da quantidade de moeda. A implicação disso é que a quantidade de moeda, para Keynes, só tem importância na determinação da taxa de juros: “Isso mostra onde e como a quantidade de moeda entra no sistema econômico” Keynes (1936). A uma taxa de juros suficientemente baixa, a demanda por moeda é infinitamente elástica; isso implica que variações na oferta real de moeda não produzem efeitos concretos sobre nenhuma variável e a única importância do

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estoque e demanda de moeda é determinar a taxa de juros. Uma segunda implicação é que a igualdade no mercado de fundos emprestáveis não é mais da poupança, função da taxa de juros, ao investimento, também função da taxa de juros; mas do investimento, função da taxa de juros, à poupança, função agora da renda. Note que invertemos a ordem na identidade para chamar a atenção para o fato de que a causalidade, na lógica keynesiana, vai do investimento para a poupança; como se trata de uma identidade, porém, a ordem não altera o resultado, tão somente é sugestiva. Então, para uma dada taxa de juros, o nível de investimento é determinado em igualdade com a poupança, determinada pelo nível de renda e pelo consumo. O nível de preços, por sua vez, depende tão somente do custo marginal e da escala de produção do agregado das indústrias. Segundo Keynes, se esse nível, para uma indústria específica, é determinado de tal maneira, não há motivos para que, no agregado, não o seja. A quantidade de moeda pode, sim, influenciar o nível de preços, mas por um canal indireto, através dos efeitos que exerce sobre a unidade dos salários ou sobre a quantidade de mão-de-obra empregada. O pressuposto essencial para chegar a essa conclusão é que antes do ponto de pleno emprego, a oferta é infinitamente elástica, de forma que qualquer aumento da oferta de moeda se traduzirá somente em aumento de demanda efetiva, emprego e salário; enquanto que no pleno emprego, ela é totalmente inelástica, ou seja, qualquer aumento da quantidade de moeda no sistema é, via unidade de salários, absorvida pelo nível de preços. O volume de investimento depende basicamente de preferência pela liquidez e das expectativas de retorno futuro, que variam na mesma direção, uma vez que um aumento na volatilidade tanto aumenta a preferência pela liquidez quanto aumenta a taxa de retorno futura requerida. Numa economia com mercados de capitais bem organizados, a incerteza sobre o futuro afeta rapidamente a disponibilidade e o custo de fundos para investimentos. Os níveis de emprego e renda são determinados pelo volume de investimento que, por sua vez, é determinado pela instabilidade no mercado financeiro. É fundamental,

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nesse contexto, contestar até que ponto o produto adicional causado por uma redução nos salários reais que reduzisse também os custos de produção (no sentido de que agora é possível produzir mais com o mesmo) seria absorvido pelos trabalhadores pela existência de incerteza sobre se teriam emprego. É a incerteza a variável crucial em explicar a existência de desemprego involuntário; e a causa-mãe da instabilidade da economia como um todo é a instabilidade nos mercados financeiros. Sem um forward de bens, fica difícil conciliar as decisões de consumo, produção e investimento. Não há nexo causal bem definido entre a decisão do não consumo hoje e a decisão de um maior consumo amanhã - porque há o mercado financeiro, para o qual vaza parte da moeda que iria para a compra de bens caso ele não existisse -, e a informação per se é escassa, fazendo com que exista desemprego de alguns recursos. Uma economia monetária é, essencialmente, aquela em que a volatilidade das expectativas sobre o futuro tem forte impacto nos níveis de emprego. As implicações monetárias de um corte de investimentos podem adquirir duas formas: movimentos da eficiência marginal do investimento causando variações na função preferência pela liquidez, que são completamente absorvidas pela mudança da demanda por balanços especulativos - o que é uma proposição demasiado extrema; ou a preferência pela liquidez não se desloca, mas as firmas preferem títulos, então andamos sobre a curva da função preferência pela liquidez e choques de taxa de juros são completamente absorvidos pela variação na demanda por balanços especulativos - proposição essa que depende crucialmente de outra hipótese, que é a das expectativas inelásticas. Se os investidores se tornarem mais pessimistas sobre o futuro, então, pela preferência pela liquidez, eles irão demandar mais balanços especulativos, mas isso vem a diminuir a demanda por balanços ativos, encolhendo a renda e a demanda. Nesse sentido, a preferência pela liquidez é crucial para o desenvolvimento teórico keynesiano, porque força o ajustamento a ocorrer via demanda e não via taxas de juros, e é por isso que na economia keynesiana a política mais eficaz é a fiscal.

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Críticas à Teoria Keynesiana:

Segundo Morgan (1978), a oferta de trabalho no modelo keynesiano é um tanto quanto esquizofrênica - ora os salários nominais são assumidos rígidos, ora são flexíveis; e a demanda por trabalho não difere essencialmente da clássica. No primeiro caso - o de salários nominais rígidos -, é assumido que os trabalhadores sofrem de ilusão monetária; no segundo - o de salários flexíveis -, é provado pela propensão marginal a consumir que a economia não opera no pleno emprego, exceto sob condições muito específicas que raramente se verificam. Pigou (1947) explorou um canal pelo qual variações na quantidade de moeda poderiam estimular a demanda agregada mesmo sem alterar a taxa de juros - qual seja, o efeito renda, que está presente também em Keynes, e que leva a economia ao equilíbrio geral tipicamente Walrasiano. A descoberta desse efeito jogou sérias dúvidas quanto à validade da proposição keynesiana de que mesmo em um contexto de flexibilidade de preços e salários, o equilíbrio compatível com o pleno emprego não existe. Mais uma vez, a existência de desemprego além da taxa natural teria de ser explicada por fricções e rigidez, e não como o resultado natural de uma economia de mercado. Pigou argumenta que uma queda de preços não somente provocaria movimentos ao longo da IS mas afetaria também a posição da curva. O ponto dele é que uma diminuição do nível de preços aumentaria o gasto com consumo porque ele parte do pressuposto de que as pessoas poupam tão somente para obter um nível desejado de riqueza. Em outras palavras, o Efeito Pigou é baseado no efeito renda no setor consumo; é o setor consumo que responde a variações no valor real da riqueza e, portanto, trata-se de um efeito renda no mercado de bens, ao contrário do Efeito Keynes, que é o efeito renda no mercado financeiro. Perceba que Pigou introduz, corretamente, os conceitos de “riqueza” e “nível desejado“, podendo este último ser tido como precursor do que Friedman chama, mais à frente, de “nível esperado“, e aquela sendo a variável de interesse na análise de consumo e investimento para a qual ele usa como proxy a renda

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permanente. Porém, ele não leva em consideração o papel das expectativas no caso de uma deflação, e isso leva à conclusão errônea de que uma queda nos preços provocará inequivocamente um aumento no consumo. Se a queda de preços passar a compor as expectativas dos indivíduos, levando-os a achar que o consumo, no futuro, será mais vantajoso, então é plausível que eles posterguem o consumo, tornando o efeito renda no mercado de bens inoperante. Do ponto de vista do Efeito Pigou, um aumento na riqueza real pode ser proporcionado tanto por uma queda nos preços quanto por um aumento da riqueza em termos nominais. Logo, a política monetária pode ainda sim ser efetiva, no sentido de que uma expansão monetária, mesmo que não absorvida pelos mercados de bens e de títulos, aumenta inequivocamente a renda, sem alterar a taxa de juros. Essa objeção à conclusão keynesiana sobre a ineficiência da política monetária parece ser a mais empiricamente fraca, de acordo com estudos econométricos de vários autores. Outra objeção ao argumento keynesiano é apresentada por Bailey, que diz que ainda que as expectativas fossem as piores, e ainda que a incerteza fosse tal que os especuladores e arbitradores saíssem do mercado financeiro, haveria uma taxa de juros, não negativa, baixa o suficiente para estimular investimentos de longo prazo, a extração de petróleo e o investimento em infraestrutura, por exemplo, além do estímulo ao consumo de bens duráveis. Fazendo uso de um argumento keynesiano, a demanda geraria sua própria oferta, no sentido de que o investimento motivaria a poupança, e, portanto, a preferência absoluta pela liquidez não se aplicaria. Uma das implicações da revolução keynesiana, segundo Friedman, foi passar a aceitar a rigidez nominal como ponto de partida para se estudar as mudanças de curto prazo da economia como dados institucionais, de forma que variações na demanda nominal agregada se traduziriam só e completamente em mudanças de produto e emprego e não de preços. Tais foram as objeções teóricas à teoria keynesiana. Mas houve também várias objeções de cunho prático. Com o tempo, foi crescendo a insatisfação com

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a política fiscal. Assim como a política monetária, a política fiscal teve seus efeitos desejados - que foram os impactos iniciais sobre os gastos e a demanda agregada - e seus efeitos colaterais - como o crowding-out, o aumento e, às vezes, o descontrole do défcit público, e, em última instância, a inflação. Foi o que aconteceu notadamente na época do pós-guerra: os gastos passaram a responder muito pouco, lentamente, e com grandes defasagens às tentativas de ajustá-los ao curso da atividade econômica. Então, deu-se conta de que o ajuste fino não era algo realmente plausível de se fazer na prática. Pigou provou que Keynes só estaria certo se valesse a hipótese da rigidez nominal; Friedman acrescenta que „there is no flow in the price system that makes unemployment the natural outcome of a fully operative market mechanism‟.

A Contribuição da Curva de Phillips para explicar a Inflação

Nos modelos teóricos de inflação, a Curva de Phillips era a equação faltante capaz de explicar como variações na renda nominal se dividiam entre efeitos de preço e quantidade; nas prescrições de política, ela era capaz de especificar as condições que contribuíam para a efetividade de políticas expansionistas e desinflacionárias. Phillips inicialmente percebeu que havia uma relação inversa e estável entre o nível de desemprego e a taxa de variação dos salários; por sua vez, esta última está relacionada à mudança dos preços, tratando o excesso de preço sobre o custo dos salários como dado por um fator de markup constante e permitindo o aumento de produtividade. Essa relação logo passou a ser tratada como uma relação causal, representando um trade-off estável e permanente entre preços e desemprego. Mais ainda, era a prova prática em prol dos que argumentavam a favor de uma prescrição de política ativa de modo a atingir certo ponto de determinados níveis de produto, desemprego e inflação, ou seja, de modo a fazer o ajuste fino da economia.

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Pela Curva de Phillips, a inflação dos salários aumentaria com o declínio do desemprego e cairia com o aumento do desemprego, como indicado pela inclinação negativa. Além disso, aumentos do excesso de demanda incorreriam em retornos marginais decrescentes para reduzir o desemprego, de modo que a curva seria convexa: decaimentos uniformes no desemprego requereriam acréscimos cada vez maiores na inflação dos salários. Algum desemprego friccional poderia existir mesmo que a economia como um todo estivesse em equilíbrio; qualquer ponto sobre a curva representaria um equilíbrio do mercado de trabalho, embora apenas a taxa de desemprego correspondente à taxa de inflação nula representasse o equilíbrio de pleno emprego da economia clássica. A Curva de Phillips rapidamente passou a ser aceita pelas várias correntes de pensamento, porque era compatível com as várias teorias da inflação. Mais ainda, ela era completamente neutra às causas que geravam inflação e oferecia possibilidades de se pensar na natureza do processo inflacionário comuns às escolas de pensamento. Por último, ela dava uma justificativa para o fato de as autoridades monetárias não conseguirem atingir o pleno emprego concomitante com a estabilidade do nível de preços e, como consequência, justificava também o uso de políticas discricionárias e ativas para fazer o ajuste fino constantemente. A posição da Curva de Phillips indicava a fronteira das possíveis combinações dos pares de inflação e desemprego, ou, posto de outra forma, a restrição que inibia a economia de atingir níveis baixos de desemprego e inflação ao mesmo tempo, e era determinada pela estrutura dos mercados de trabalho e de bens. A inclinação representava a taxa de troca entre objetivos de política, i.e., a taxa a qual se deveria abdicar de um objetivo – digamos, uma baixa taxa de inflação - em detrimento do outro - no exemplo, uma baixa taxa de desemprego. Nesse contexto, defensores do ativismo econômico propunham que as políticas monetária e fiscal deveriam ser aplicadas de maneira discricionária para fazer com que a economia se movesse sobre a Curva de Phillips, trocando menos inflação por mais emprego até o ponto em que o benefício marginal de mais emprego se igualasse ao custo marginal de mais inflação. Reformas estruturais e

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de renda, em contraposição, fariam a curva se deslocar, possibilitando melhores combinações - de mais emprego e menos inflação. A ideia que surgiu entre os formuladores de política, então, foi que o controle de preços e salários poderia manter a inflação baixa enquanto o excesso de demanda se encarregaria de dar o estímulo ao emprego. Ou seja, que políticas monetárias e fiscais deveriam ser usadas em conjunto com políticas de renda para deslocar a Curva de Phillips. Mas a rigidez de salários e preços só poderia levar a economia ao equilíbrio abaixo do pleno emprego, como previsto pela própria teoria keynesiana; essas políticas de renda se mostraram impraticáveis e proibitivamente caras em termos da má alocação de recursos e dos custos restritivos da liberdade de escolha.

Críticas à Curva de Phillips: o Mecanismo das Expectativas Adaptativas:

Contrariamente às previsões da curva de Phillips original, políticas de gerenciamento da demanda sistemáticas não foram capazes de estimular a atividade real. O governo não poderia contribuir para a estabilidade econômica intervindo com políticas monetária e fiscal ativas, mas sim seguindo políticas de modo a minimizar os erros de expectativa que causam desvios do produto e do emprego de seus níveis de pleno emprego. A Curva de Phillips original se desenvolveu sobre um problema de má especificação que só poderia ser sanado mediante a introdução de uma variável que representasse as expectativas de preços futuros no trade-off: a curva era expressa em termos de variações dos salários nominais, ao invés dos reais, que embutiriam essas expectativas diretamente. Mas a antecipação de preços em si dependia crucialmente da existência de um mecanismo de formação de expectativas. E foi o que Friedman introduziu: o mecanismo de expectativas adaptativas. A correção da curva envolveu a re-especificação da variável de excesso de demanda, por um lado; a introdução da antecipação de preços, por

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outro; e, por último, a incorporação de um mecanismo gerador de expectativas. O excesso de demanda foi redefinido como o hiato entre as taxas de desemprego de mercado e natural. Esta é „natural‟ no sentido de que representa o equilíbrio de pleno emprego nos mercados de trabalho e de bens, de que é independente da taxa de inflação de estado estacionário e de que é determinada por forças estruturais reais e, como tal, não é suscetível a manipulações por políticas de demanda agregada. Friedman define taxa natural de desemprego como tendo um significado diferente que para os clássicos: é a taxa que prevalece no equilíbrio de estado estacionário em que as expectativas são plenamente realizadas e completamente incorporadas nos preços e salários e em que a inflação não está aumentando nem diminuindo; embute, em seu conceito, a separação de forças reais e monetárias; mas não significa, de maneira alguma, que seja imutável. A mudança na taxa natural de desemprego é possibilitada por características institucionais, como a presença de sindicatos e legislações trabalhistas rígidas. Em segundo lugar, a introdução da antecipação de preços implicava que no equilíbrio de longo prazo, quando expectativas eram plenamente realizadas, não havia trade-off algum entre a inflação per se e o desemprego. Essa conclusão depende basicamente de dois pressupostos, quais sejam, a ausência de ilusão monetária e o fato de as expectativas de preços serem completamente incorporadas nas variações atuais de preços. Por último, de acordo com o mecanismo de expectativas adaptativas, expectativas são ajustadas por uma fração do erro de previsão que ocorre quando a inflação efetiva se mostra diferente da esperada, ou, o que é equivalente, a inflação esperada é uma média ponderada geometricamente declinante (um processo auto regressivo) de várias taxas de inflação passadas, em que os pesos que se atribuem a cada taxa somam um - soma que garante que qualquer taxa constante de inflação será plenamente antecipada.

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A Hipótese da Taxa Natural: a Curva de Phillips Aceleracionista

A falha mais grave de Phillips, no entanto, foi ter ignorado completamente o papel das expectativas nas decisões individuais em um mundo repleto de incertezas fundamentais; implicitamente, ele derivou a curva que leva o seu nome para um mundo em que todos os indivíduos e as empresas faziam antecipações de que preços e salários nominais seriam estáveis e imutáveis, não importava o que acontecesse na economia - crises e crescimentos muito acelerados do produto eram tratados da mesma forma sob a formação de expectativas estáticas. A Curva de Phillips original, tão aceita pelos keynesianos, foi derivada e válida para um período em que havia relativa estabilidade do nível de preços do longo prazo e as expectativas também eram estáveis. Friedman, por sua vez, percebe que uma tendência à aceleração da inflação é requerida para reduzir o desemprego, pelo impacto de mudanças não previstas na demanda nominal, caracterizado por acordos de médio prazo com relação aos fatores de produção – e.g. acordos contratuais e compra de bens duráveis e de investimento. A conclusão, então, é que apenas as surpresas importam, no sentido de que se todos antecipassem que os preços subiriam a uma determinada porcentagem, essa antecipação se refletiria nos ajustes feitos nos contratos de preços dos fatores de produção; logo, seria como se todos antecipassem que, simplesmente, não haveria aumento de preços. Apenas os aumentos surpresa de preços poderiam induzir a taxa de desemprego a se desviar da taxa natural. Ou seja, o que importa não é a inflação per se, mas a não prevista - e, portanto, não inclusa nas expectativas presentes. Dessa forma, uma taxa de desemprego muito baixa pode ser sinal de que a economia está alocando seus recursos ineficientemente, de modo a forçar alguns indivíduos a trocar lazer por bens que, eventualmente, eles não valorizam tanto, por meio da esperança de que seus salários serão mais altos do que de fato são. A hipótese da taxa natural nos diz que não existe trade-off permanente

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entre inflação e desemprego, uma vez que as variáveis reais tendem a ser independentes das nominais no equilíbrio de estado estacionário; trade-offs de curto prazo podem, eventualmente, existir, mas serão fenômenos essencialmente transitórios que surgem da inflação não antecipada e que somem assim que as expectativas se ajustam plenamente à experiência inflacionária. No longo prazo, quando as surpresas inflacionárias desaparecerem e as expectativas se realizarem por completo, o desemprego tenderá a retornar para a sua taxa natural, compatível com as taxas de inflação de estado estacionário plenamente antecipadas, o que implica em uma Curva de Phillips de longo prazo vertical na taxa natural de desemprego. A taxa natural de desemprego pode ser compatível com qualquer taxa de inflação, desde que plenamente antecipada. O trade-off, portanto, é entre desemprego e inflação inesperada, e não inflação per se: uma inflação crescente deve reduzir o desemprego, enquanto uma taxa positiva e alta, não. Suponha que o Banco Central aumente a taxa de crescimento monetário; por tornar a quantidade nominal de moeda maior que a desejada pelos indivíduos, inicialmente, a taxa de juros cairá e isso estimulará os gastos em consumo e investimento. A renda proporcionalmente aumentará. No curto prazo, também, grande parte desse aumento da renda tomará a forma de um aumento no produto e no emprego ao invés de um aumento nos preços; isso porque leva tempo para que as pessoas se adaptem ao novo estado da demanda. Assim, as empresas vão reagir aumentando a produção, os trabalhadores estarão dispostos a trabalhar mais horas e os desempregados se sentirão estimulados a aceitar empregos ofertados ao mesmo salário nominal. Aqui, partimos do pressuposto de que os preços dos bens e produtos finais sobem mais e com maior antecipação do que os preços dos fatores de produção. Isso provocará uma desaceleração dos salários reais, uma vez que os salários nominais cresceram também, mas menos e mais devagar que os preços. Colocando nos mesmos termos em que Friedman coloca, o que prepondera para gerar o estímulo ao emprego é o aumento ex ante dos salários reais do ponto de vista dos trabalhadores concomitante com a queda ex

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post dos mesmos salários do ponto de vista dos produtores. Mas depois de algum tempo, os trabalhadores reverão suas expectativas e as ajustarão para o nível de preços mais alto, exigindo assim maiores salários nominais para compensar a perda real que tiveram com o aumento da inflação. Logo, o excesso de demanda por trabalho equilibrará o mercado através do aumento dos salários reais até seu nível inicial. E, o que é mais importante, resultará na diminuição do nível de emprego até seu nível natural. O que isso quer dizer, em última instância, é que a taxa de desemprego de mercado só pode ser mantida abaixo da taxa natural por meio de inflação acelerando. Outra implicação é que através de políticas monetária e fiscal, somente, o governo não consegue alcançar uma taxa de desemprego mais baixa que a taxa natural. Não se devem, portanto, usar as políticas fiscal e monetária com o objetivo de se fazer o ajuste fino das variáveis de estado; a taxa natural de desemprego não deve ser perseguida como o objetivo ortodoxo de política econômica. O motivo é simples. Em primeiro lugar, porque a taxa natural simplesmente não é observável; depois, porque a taxa de mercado varia da natural por várias razões, outras que não a política monetária; logo, se políticas fossem usadas a cada vez que a taxa de mercado se desviasse temporária e minimamente da natural, a taxa de crescimento monetário seguiria um passeio aleatório, com efeitos indesejados de longo prazo. A hipótese aceleracionista nos diz que, uma vez que não existe trade-off de longo prazo entre desemprego e inflação, qualquer tentativa de manter aquele abaixo de sua taxa natural tão somente consegue produzir uma inflação constantemente crescente; a aceleração dos preços manteria a inflação efetiva sempre à frente da inflação esperada, perpetuando as surpresas inflacionárias que inibem o retorno do desemprego à sua taxa natural. De acordo com a equação que descreve a Curva de Phillips aceleracionista, o desemprego só pode se desviar da sua taxa natural por meio de desvios da inflação efetiva em relação à inflação esperada. Mas aquele desvio não se mantém a menos que a inflação seja

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continuamente acelerada, de maneira que sempre esteja à frente da taxa esperada: é requerida uma aceleração de modo a manter o hiato de desemprego sempre aberto, com a taxa de mercado consistentemente abaixo da taxa natural; a implicação disso é que, mais uma vez, o trade-off de longo prazo é entre desemprego e taxa de aceleração da inflação. As autoridades monetárias, portanto, não poderiam fixar determinada taxa de desemprego dada uma taxa de inflação constante. Mas poderiam escolher entre caminhos desinflacionários alternativos: poderiam, por exemplo, escolher entre uma desinflação mais rápida, porém às custas de um maior desemprego por um curto período de tempo; ou uma desinflação mais lenta, mas que provocasse um menor impacto sobre o desemprego, ainda que por mais tempo. Segundo Lucas e Sargent e Mankiw e Reis (2002), uma desinflação mais rápida, desde que com credibilidade, é preferível por implicar em menores custos de informação e também por passar a incorporar as expectativas dos indivíduos o quanto antes, influenciando as decisões de formação de preços mais cedo e, assim, sendo mais efetiva.

A Teoria Monetarista da Inflação e a Neutralidade da Moeda

A teoria monetarista, desenvolvida em grande parte por Milton Friedman, dá especial ênfase ao papel da moeda em uma economia moderna, explorando seus efeitos sobre as principais variáveis do sistema econômico e suas potencialidades boas e ruins e, a partir disso, desenvolve prescrições de política econômica. Se quisermos chegar a uma teoria da inflação plausível, realista e fiel ao desenvolvimento monetarista, teremos que explorar, a fundo, a moeda. Nada mais natural, portanto, que passarmos a estudar a abordagem de Friedman sobre a Teoria Quantitativa da Moeda. Podem ser apresentadas três versões da Teoria Quantitativa da Moeda: a primeira é simplesmente a igualdade entre o valor dos bens e serviços (totais)

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transacionados e o valor monetário gasto; a segunda introduz a ideia da velocidade como dependendo dos hábitos de pagamento de uma sociedade, e.g., se o pagamento de salários fosse semanal, ao invés de mensal, a velocidade seria maior e vice-versa - embora a renda total no mês fosse a mesma -, e permite ser interpretada como uma teoria do nível de preço em última instância, se considerarmos velocidade e renda como constantes. A terceira é pensada como a quantidade demandada de moeda (para pagar o valor do produto absorvido) igual à oferta pelas autoridades monetárias. Esta última é de especial interesse para nós, principalmente porque é a partir dela que Friedman vai reconstruir a Teoria Quantitativa. Note que a Teoria Quantitativa, na sua primeira versão, é meramente um truísmo, no sentido de que estabelece que o total monetário gasto em bens e serviços num dado período do tempo é tão somente o valor desses bens e serviços. Friedman introduz, em seu artigo de 1968, o conceito da Teoria Quantitativa da Moeda como uma teoria da demanda por moeda, não do produto, da renda nem do nível de preços; e a ideia de moeda como um ativo, um modo de guardar riqueza; então, pensa a demanda por moeda como uma função da renda e dos retornos dos diferentes modos de estocar riqueza. A primeira inovação monetarista foi a substituição de um conceito crucial, mas ao qual poucos tinham se atentado até então. Na restrição orçamentária, Friedman faz uso de „riqueza‟ ao invés de „renda‟, porque esta, no curto prazo, está sujeita a flutuações erráticas; para tanto, usa o princípio básico de teoria do capital, de que riqueza é tão somente uma forma capitalizada do valor da renda e desenvolve o conceito de renda permanente, que nada mais é que a renda esperada, levando em consideração um longo horizonte de tempo. Uma implicação importante é o melhor tratamento que foi dado à variável, uma vez que a renda permanente poderia captar perfeitamente o efeito da existência - ou da ausência - de estoques em uma economia girando próxima ao pleno emprego, enquanto que a renda corrente, uma vez fluxo, não conseguiria captar o mesmo

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efeito. Outro desenvolvimento pioneiro de Friedman sobre a Teoria Quantitativa foi levar em consideração o fato de serem algumas formas de guardar riqueza mais líquidas que outras; por isso, inclui como determinante da demanda por moeda uma taxa de riqueza humana por não-humana. Dessa forma, por exemplo, quanto maior for a participação de riqueza na forma humana, maior será a demanda por moeda para se precaver em tempos em que a comercialização dessa riqueza em forma humana se tornar mais difícil (e.g. tempos de desemprego prolongado e persistente). Em segundo lugar, inclui as diferentes taxas de juros e a própria inflação - que pode ser pensada como a taxa de juros que se perde em carregar dinheiro - como determinantes da demanda por moeda. Friedman, então, escreve a velocidade de circulação da renda não mais como uma constante determinada institucionalmente, mas como uma função estável de algumas (e, portanto, de um número finito) variáveis observáveis. Como é à renda permanente que as pessoas respondem e renda corrente é somente parte daquela, então são necessárias grandes variações nesta para restabelecer o equilíbrio; isso implica que a velocidade, quando medida em termos da renda permanente, será uma função estável, ao contrário do que Keynes critica. Friedman prova, com sucesso, que a velocidade varia pró-ciclicamente sem depender de taxa de juros e o multiplicador monetário de curto prazo é alto. A implicação disso é que a velocidade de circulação da renda é a relação chave e a oferta de moeda é a variável de política monetária crucial. Logo, chegamos a uma função demanda por moeda que depende: da riqueza - note que digo riqueza, ao invés de renda, porque essa diferenciação dá conta de incorporar o papel das expectativas para dentro do modelo; de preço e retornos das diversas formas de riqueza; e dos gostos e preferências dos agentes. A demanda por moeda, então, pode ser escrita, de modo mais genérico, como função de todas as taxas de juros da economia - para sermos mais precisos, consideramos uma taxa para cada ativo substituto do dinheiro - mais um termo aleatório que pode ser considerado um termo abrangente, representando, por

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exemplo, preferências e utilidades. Para Friedman, a quantidade média de moeda por unidade monetária de transações (por exemplo, um dólar de transações) é uma resultante de um processo de equilíbrio e não de um processo físico. Note que em momento algum Friedman afirma que a velocidade de circulação da moeda é constante ao longo do tempo, mas a estabilidade que é requerida é em relação à função acima especificada, ou seja, à relação entre a demanda por moeda e às variáveis que a determinam. A função demanda por moeda, além disso, é vital para determinar a renda nominal e o nível de preços. Determinada a função demanda por moeda, passamos agora a estudar a oferta de moeda, que, segundo os monetaristas, é fixada pelas autoridades monetárias, ou seja, é estritamente exógena, alterada via política monetária. A política monetária tem limitações importantes: primeiro, ela não consegue fixar a taxa de juros por mais que um período de tempo muito limitado; e, depois, ela não consegue manter a taxa de desemprego indefinidamente baixa. Friedman levanta um ponto no mínimo interessante e pertinente, qual seja, a distinção que deve ser feita entre os efeitos imediatos e postergados de política monetária, i.e., entre os efeitos de curto e médio prazos. Fazendo uso da política monetária, não se conseguem controlar diretamente variáveis reais, mas, controlando e alterando variáveis nominais, via uso de política monetária, se afetam variáveis reais. Contrariando o argumento keynesiano de que o sistema é, por natureza, estável, mas fora do ponto de pleno emprego, Friedman argumenta que a máquina capitalista se desequilibra quando se perde o controle sobre a moeda. Afirma que a causa de toda grande recessão é justamente essa perda de controle; toda grande inflação foi produzida por uma expansão monetária. Nesse sentido, a Grande Depressão foi a prova trágica da potência da política monetária porque o FED contraiu a oferta de moeda e, com isso, a economia contraiu. Mas o contrário também é válido: a política monetária pode (e deve, segundo ele) prevenir a moeda de trazer grandes distúrbios à economia. A política monetária, portanto, seria o óleo que lubrificaria a máquina capitalista para mantê-la funcionando em seu mais perfeito estado.

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Em segundo lugar, a política monetária deve prover um ambiente econômico estável, de modo que pessoas e empresas estejam plenamente confiantes de que o nível médio de preços se comportará, no futuro, de maneira que pode ser antecipada e estável. Por último, a política monetária pode acabar ou diminuir muitos dos efeitos de distúrbios de outras fontes na economia. Isso porque nunca dispomos de informação suficiente, a priori, para fazer um diagnóstico do que está agindo pró ou contra ciclicamente ou aonde seus efeitos podem levar a economia, ou ainda, que proporções podem tomar. Friedman aconselha as autoridades monetárias a se guiarem pelas variáveis que podem controlar diretamente, isto é, as variáveis nominais, notadamente a quantidade nominal de moeda, por ela ser o melhor guia imediato de política monetária. Friedman sugere, então, que se adote um objetivo de política de atingir uma taxa de crescimento ajustado da moeda: os formuladores de política econômica deveriam escolher uma taxa de expansão (ou contração) monetária, compatível com o crescimento do produto e a taxa de desemprego de mercado, que atingiria, na média, uma inflação (ou deflação) moderada, mas desde que estável. Um crescimento (ou decrescimento) monetário estável proveria um ambiente econômico favorável à plena operação das forças que são as impulsionadoras do crescimento econômico. Com tal objetivo de política sempre em mente, as autoridades monetárias seriam capazes de evitar que a moeda em si se tornasse uma fonte de distúrbios à economia; de fazer com que distúrbios de outras fontes fossem minimizados; e de prover um ambiente econômico estável, em que os indivíduos e as empresas formariam expectativas que se realizassem plenamente, de tal forma que não haveria surpresas de grandes magnitudes, nem qualquer aceleração descontrolada da inflação. Para provar seu ponto, de que uma política monetária discricionária faria mais mal que bem à economia, Friedman lança mão de evidências empíricas que sustentem seu argumento. Andersen e Jordan estudaram os efeitos das políticas fiscal e monetária

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sobre a renda nominal, num modelo de uma única equação, em que variações no produto foram colocados como função de choques externos, parametrizados por uma variável aleatória, além de variações nas políticas; acharam que a política monetária tinha efeito grande e imediato enquanto que a fiscal tinha efeito dúbio e demorado. E de Friedman e Schwarz, que argumentaram que a contração monetária durante a Grande Depressão a tornou mais profunda e duradoura. Além disso, acharam evidência empírica de que a taxa de mudança do estoque de moeda precedia a taxa de mudança da renda e que mudanças de direção da primeira também precediam as mudanças de direção da segunda. Estes autores acham um atraso médio de 16 meses entre picos da taxa de variação da moeda e da taxa de variação da renda, mas tal estatística pode variar amplamente, de modo que no curto prazo se torne difícil de prever; então, recomendam que a política monetária não deve ser usada para fins de ajuste fino da economia. Dada a demora relativa da resposta da renda, o uso de política monetária discricionária pode tornar a economia ainda mais instável no curto prazo se usada para esse fim. E, combinados, estão os resultados de Alogoskoufis e Smith (1991), de que, para garantir uma baixa persistência da inflação, são necessários um Banco Central independente e regras monetárias que deem peso à estabilidade de preços. Por fim, Friedman trata dos efeitos econômicos e políticos sobre a relação entre a taxa natural de desemprego e a taxa de inflação em um contexto de altas incerteza e volatilidade e forte intervenção governamental na economia. A taxa de desemprego é independente da taxa média da inflação: uma alta taxa de inflação não necessariamente altera a eficiência dos mercados de trabalho nem a duração e os termos dos contratos de trabalho, nem, portanto, a taxa natural

de

desemprego.

Porém,

a

existência

de

circunstâncias

que

sistematicamente alteram o curso da economia produzindo, portanto, incerteza, consequentemente anula as condições que garantem uma curva de Phillips vertical. A taxa natural de desemprego pode ser aumentada pela maior volatilidade

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da inflação de duas maneiras: primeiro, via diminuição da duração ótima dos contratos, tornando a indexação mais atrativa - a indexação é um substituto imperfeito para a estabilidade da inflação; segundo, via diminuição da eficiência dos preços em coordenar a atividade econômica - um problema de assimetria da informação. Qual a importância de tais considerações sobre uma alta taxa de inflação, afinal? Acontece que uma alta taxa de inflação implica em alta volatilidade, grande incerteza, pressões sociais e políticas, mudanças bruscas de direção de políticas, distorção de informações e fricções, e tudo isso, por sua vez, pode levar a um aumento do desemprego. A alta taxa de inflação associada à alta taxa de desemprego seria um terceiro estágio da curva de Phillips, positivamente inclinada, aplicável a períodos de transição de política econômica. Alogoskoufis e Smith (1991) sugerem que, ao contrário de uma Curva de Phillips positivamente inclinada, a curva deveria se deslocar. Suponha que o Banco Central decida manter a taxa de juros abaixo da taxa natural por algum tempo, gerando inflação. Tal política fará com que a própria taxa natural aumente, uma vez que as antecipações de uma maior inflação futura se tornarão gerais, requerendo assim uma inflação ainda maior para poder reduzir a taxa de juros observada no mercado. A conclusão é que devem ser adotadas políticas que objetivem uma taxa de inflação relativamente baixa e estável, de modo a acabar com quaisquer distúrbios que diminuam a eficiência dos preços de coordenar a atividade econômica. Isso garantiria as condições necessárias à validade da hipótese da taxa natural. Uma volatilidade e uma interferência governamental crescentes são, provavelmente, as maiores fontes do aumento do desemprego. Além disso, durante a aplicação da política, devem-se evitar mudanças bruscas de direção: há um certo atraso - que já comentamos antes, denominando-o de „efeitos de longo prazo‟ da política monetária - entre as ações e as consequências para a economia.

Consenso?

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Pudemos perceber ao longo do desenvolvimento dos modelos keynesiano e monetarista muitas discrepâncias irreconciliáveis dentro de um mesmo ambiente econômico. A primeira delas é, sem dúvida alguma, a teoria de variação dos preços. Enquanto, para Keynes, o nível de preços depende, assim como no nível micro, do custo marginal e da escala de produção, para Friedman, a inflação é um fenômeno puramente monetário, pois a moeda é neutra no longo prazo. Segundo Morgan, a diferença crucial entre Keynes e Friedman, agora em respeito à teoria da demanda por moeda, é que aquele enfatiza o efeito substituição enquanto este, o efeito renda, i.e., Keynes vê moeda como um substituto próximo de ativos financeiros somente; como consequência, chega à proposição de maior elasticidade da demanda por moeda. (Note que foi justamente o contrário dessa proposição que levou ao motivo especulação e à preferência pela liquidez: se as pessoas preferem segurar dinheiro por este ser mais líquido, então dinheiro não pode ser um substituto próximo de ativos financeiros.) Friedman, ao contrário, assume que a moeda tem características únicas que a tornam substituto de qualquer ativo; como consequência, a elasticidade da demanda por moeda numa economia monetarista é menor. Por exemplo, se o governo aumenta a oferta de moeda então os indivíduos vão diminuir seus balanços de moeda tanto comprando títulos e ações quanto casas, carros, bens de capital etc. Logo, a demanda por moeda será insensível a variações na taxa de juros e não tem como restabelecer o equilíbrio no mercado de títulos só com variações na taxa de juros. Como a demanda maior é dividida entre bens e ativos financeiros, então não somente as taxas de juros vão cair como também o nível geral de preços vai subir, e, com ele, o nível de atividade na economia. Como consequência, melhor correlacionados estarão o estoque de moeda e mudanças na renda nominal. Resumindo, se o efeito renda se mostrar dominante, a teoria monetarista se mostrará superior à keynesiana. De fato, no longo prazo, o efeito renda parece ser dominante. Contudo, no curto prazo, é o efeito substituição que prepondera. Friedman contesta esse achado com a teoria da renda permanente, no sentido de que quem segura

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moeda o faz em vista da renda de longo prazo, e não da de curto prazo. Ainda, a renda permanente, em comparação com a renda corrente, varia menos. Como Friedman trabalha com um conceito de velocidade diferente, então é plausível, segundo seu conceito, que ela caia durante boom, por exemplo. Como consequência, se a demanda por moeda é insensível a variações na renda corrente, então a demanda real por moeda é subestimada durante os períodos de boom e superestimada durante as crises. Depois de explicar movimentos da velocidade em termos de renda permanente, Friedman conclui que o que restou de variação na velocidade não é significante para refletir um ajustamento do balanço de moeda à taxa de juros; logo, a variável que equilibra o mercado financeiro é a renda permanente, e não a taxa de juros. Mas como a renda permanente tende a variar menos se comparada à renda corrente, então temos que excessos de oferta de moeda são absorvidos grande parte pela renda corrente, gerando pressão inflacionária. Em terceiro lugar, temos a determinação das variáveis e a interação dos mercados. Segundo Friedman, a IS/LM keynesiana é subidentificada porque há três incógnitas (nível de preços, taxa de juros e nível de produto) e duas equações, e Keynes resolve isso tomando preços como dados, como determinados no nível micro, através da igualdade com o custo marginal. Monetaristas, por sua vez, acham o produto de equilíbrio no sistema Walrasiano de equilíbrio geral, daí a IS/LM monetarista (com a IS plana e a LM inclinada) determina o nível de preços e a taxa de juros. Segundo Morgan, a leitura de Friedman sobre Keynes está equivocada porque o nível de preços não é dado, mas determinado na interação dos mercados de trabalho e de bens. Nesse contexto, a Curva de Phillips original, segundo a nossa afirmativa, seria, de fato, a equação faltante do sistema Keynesiano. Por último, Keynes prescreve o uso de política fiscal; Friedman, o de política monetária. Pelo modelo keynesiano, quando o governo faz uso de política monetária, por exemplo, aumentando a oferta de moeda, os indivíduos compram títulos,

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aumentando seu preço e diminuindo a taxa de juros de mercado. Mas não para por aí; como o preço dos ativos financeiros aumenta, as firmas se verão encorajadas a emitir mais ações; com o dinheiro adicional, comprarão bens de capital. Por sua vez, o preço desses bens subirá. Segundo Tobin, é essa a variável de ajuste, e é via mercado de bens de capital que se percebe o impacto da política monetária sobre o produto, porque o aumento do preço dos bens de capital vai encorajar mais investimento e, através do multiplicador dos gastos keynesiano, aumentar a demanda agregada, da seguinte maneira: por um lado, o aumento da renda leva a um aumento da moeda pelo motivo transação; por outro, a queda da taxa de juros leva a um aumento da moeda pelo motivo especulação. Fazendo uso de política fiscal, por outro lado, a demanda agregada seria afetada mais rápida e diretamente e com mais intensidade. Por exemplo, diminuindo os impostos, os consumidores se sentirão encorajados a comprar mais, o que aumenta a demanda, uma vez que o gasto em consumo entra diretamente na conta da demanda. Por sua vez, as empresas produzirão mais em resposta ao aumento da demanda, afetando diretamente o produto, o que, pela identidade, aumenta a renda e, consequentemente, o consumo, e assim sucessivamente. A variável de ajuste é o preço dos bens de consumo, e é via mercado de bens de consumo que se dá a variação do produto pela política fiscal. Perceba que o ajuste é feito via variáveis reais, e não financeiras, do sistema. Ou seja, um incentivo inicial – a diminuição dos impostos – levou ao aumento mais que proporcional na renda, no consumo e no investimento. Pelo modelo monetarista, quando o governo aumenta a oferta de moeda, os impulsos monetários são primeiro transmitidos ao ajustamento do portfólio, depois às demais variáveis, em acordância com os keynesianos. Só que o conceito monetarista do que entra no portfólio é diferente, engloba também bens de consumo duráveis ou de capital, qualquer bem que renda um certo fluxo de caixa, i.e., afeta também variáveis reais. Logo, seu mecanismo de transmissão é muito mais direto, efetivo e rápido. No mecanismo monetarista, tanto pessoas quanto firmas ajustam seu portfólio com ativos financeiros e reais. O resultado é a

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resposta direto nos gastos agregados, explicando a rapidez empírica. Agora, o preço de bens duráveis também será afetado, alterando a decisão de gastos dos consumidores. Ou seja, o impulso é também indireto como no mecanismo keynesiano, explicando a maior efetividade empírica. Podemos notar que os mecanismos são muito similares, no sentido de que, se consumo em Friedman significasse apenas o consumo de bens não duráveis, ou, alternativamente, se consumo em Keynes englobasse todos os bens e não apenas os não duráveis, eles seriam essencialmente idênticos. Dissemos no começo da seção que entre os dois modelos havia diferenças irreconciliáveis num mesmo ambiente econômico. Isso não significa, no entanto, que ambos não possam estar certos, dependendo do contexto econômico de que se parte. Por exemplo, se tivermos uma IS plana e uma LM inclinada, então a política monetária é a mais eficaz e, caso contrário, a política fiscal é a mais eficaz. Note, porém, que a prescrição de política econômica monetarista não contradiz nem um nem outro caso; antes, não precisa dessas proposições porque prescreve regras automáticas de crescimento ajustado das variáveis de controle. Como ambos modelos podem ser incorporados dentro da moldura da IS/LM, as divergências teóricas são mínimas; em ambos, o equilíbrio pode ser rapidamente restaurado, só que em um por meio de uma política econômica, notadamente a fiscal, discricionária e, em outro, por regras de crescimento ajustado, ou seja, pelo mínimo uso de políticas econômicas possível. Sobre a teoria de emprego e inflação, Tobin diz que "A doutrina da Curva de Phillips original pode ser vista como análoga à teoria de salário e desemprego keynesiana do pós-guerra; e a doutrina da taxa natural, a versão contemporânea da visão clássica à qual Keynes se opunha". Ele erra nos dois momentos: primeiro, porque a Curva de Phillips é a equação faltante do sistema keynesiano; depois, porque a 'doutrina da taxa natural' à qual ele se refere tem diferenças fundamentais com relação à escola clássica, a começar pela introdução dos conceitos de incerteza e expectativas, passando pela quebra de alguns dos pressupostos da teoria clássica e terminando em algumas conclusões diferentes,

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e em outras postas de maneira diferente. Seguindo essa linha conciliadora dos pontos positivos das teorias das duas escolas, alguns autores propuseram uma teoria de „meio de caminho‟. É o caso, por exemplo, de Leijonhufvud. Segundo esse autor, haveria duas „cosmologias‟: segundo a primeira (clássica), em que ele, implicitamente, inclui os monetaristas, o sistema econômico tende ao equilíbrio de longo prazo no „caminho ideal‟ e, na ausência de distúrbios, a ficar nele. Choques imediatamente instigam mecanismos de reação ao desvio, de tal forma que quanto maior o choque, mais forte a tendência homeostática que traz o sistema de volta; de acordo com a segunda (keynesiana), o sistema não tem tendência automática ao equilíbrio de longo prazo no caminho ideal, exceto sob intervenção deliberada feita através do uso discricionário de políticas macroeconômicas, e não consegue se manter nesse caminho sem essa intervenção deliberada. O sistema trabalharia em qualquer lugar entre zero e o pleno emprego e, em caso de choques, exibiria tendências endógenas (o multiplicador) que amplificariam, ao invés de contra-atacar, os efeitos malévolos. O ponto, segundo Leijonhufvud, é que o sistema geralmente se comporta diferentemente dependendo da magnitude do choque. Dentro de certo limite - o corredor - os mecanismos homeostáticos de que falamos acima funcionam bem e as tendências reacionárias têm sua força aumentada. No entanto, fora desse corredor, essas tendências se tornam fracas à medida em que o sistema se torna mais e mais sujeito às falhas de demanda efetiva. No limite, a mão invisível se torna tão fraca e ineficaz que o modelo de equilíbrio consistente com existência de desemprego keynesiano se torna uma representação plausível. Em outras palavras, dentro do corredor, a prescrição de política econômica é monetarista, enquanto que fora dele, a prescrição é fiscalista; obstáculos institucionais sugeridos pela literatura Keynesiana, em certo ponto, entram em cena para agir de modo a tornar as forças de mercado ineficazes e insuficientes para trazer a economia de volta ao equilíbrio, isso pela importância do segundo ponto de Leijonhufvud, que é a existência de estoques.

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Um segundo ponto tratado por Leijonhufvud vem da crítica à fascinação de alguns autores pelos meios pelos quais uma economia de mercado, sem intervenção governamental, poderia falhar em se levar, sozinha, ao pleno emprego. Em modelos puramente de fluxos, as vendas realizadas recebem a interpretação de renda, que passa a compor a restrição para a aquisição de bens e serviços diretamente. Qualquer variação, por menor que seja, na renda realizada deve automaticamente se refletir na aquisição de bens e serviços. Uma vez que alguns mercados não se ajustam imediatamente - no sentido de que seus vetores de preços e quantidades diferem por algum tempo do vetor de equilíbrio geral então algumas trocas falsas vão ocorrer, e as repercussões do multiplicador necessariamente serão observadas. Mas essa restrição à renda é muito estrita e leva a adotarmos uma visão exagerada da instabilidade potencial da economia do mundo real - qual seja, a economia de fluxos-estoques. Nesta economia, estoques agem como amortecedores entre entradas e saídas físicas e entre renda financeira e fluxos de gastos. Estoques de ativos líquidos permitem que os gastos sejam mantidos num determinado nível mesmo quando a receita medida como renda corrente cai, temporariamente. Note que o que ocorre no espaço dentro do corredor, segundo essa abordagem, é completamente compatível e reforçado pela hipótese da renda permanente, segundo a qual os reais determinantes do consumo são muito menos voláteis que a renda corrente, como se supunha; variações na renda corrente exercerão efeitos mínimos sobre o consumo corrente e o multiplicador keynesiano será correspondentemente pequeno. Como conseqüência, a política fiscal será mais inefetiva que a monetária. Dessa forma, a teoria do equilíbrio geral representa de maneira bastante adequada o funcionamento da economia em condições normais. A consequência dessa fascinação keynesiana - mas também de outros autores - pelas maneiras pelas quais o sistema clássico pode falhar foi a elaboração de um modelo exagerado quanto às falhas que de fato ocorrem na economia do mundo real.

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Conclusão:

A história da Curva de Phillips é tão somente caso especial da história de políticas em macroeconomia; havia uma época em que se acreditava que a racionalidade humana, ilimitada, através do uso de políticas econômicas discricionárias, desde que usadas com a intensidade e direção corretas, era capaz de atingir um determinado ponto de equilíbrio com, digamos, 3% de inflação ao ano, 0.5% de desemprego e crescimento do produto de 10%. Com a introdução dos conceitos de incerteza e de expectativas adaptativas, no entanto, percebeu-se que a dificuldade em se atingirem determinados níveis de emprego, produto e inflação tornava inviável o uso, de maneira discricionária, de políticas econômicas com o objetivo de ajuste fino. Mais ainda, percebeu-se que não é possível, para as autoridades monetária e fiscal, ter controle direto das variáveis reais do sistema e impedir o aparecimento de efeitos colaterais nem a magnitude que esses efeitos, por vezes, tomavam. Nosso objetivo foi estudar os fundamentos econômicos da política monetária de Friedman. Para isso, foi pertinente reconstruir a essência da teoria keynesiana, identificar seus pontos fracos, e, a partir deles, reconstruir a teoria monetarista. Vimos que, em certo sentido, elas podem ser consideradas essencialmente similares, diferindo apenas quanto aos pressupostos de que partem. Isso não significa, porém, que esses pressupostos levem a conclusões semelhantes, pelo contrário. Enquanto a existência de incerteza no modelo keynesiano leva a prescrições de política ativa, discricionária, na teoria monetarista, ela leva à prescrição do mínimo uso possível de políticas, em especial, da adoção de políticas de regras. Por outro lado, ambas levaram em consideração a presença de incerteza e a formação das expectativas e isso as faz diferir de maneira substancial da teoria clássica e de outras escolas que, coincidência ou não, acabaram não sendo tão notáveis. A decisão de política econômica, portanto, depende mais de questões empíricas que teóricas, que, por sua vez, dependem do país ao qual se aplicam e

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do contexto econômico que vivem. Se a elasticidade do investimento for alta (IS plana) e a da demanda por moeda baixa (LM inclinada), então a política keynesiana trará efeitos colaterais indesejados. A proposição contrária sobre as inclinações das curvas implica que a política monetarista é que traz efeitos indesejados. Se o mercado de títulos permanecer mais ou menos em equilíbrio ao longo do tempo, é plausível que os especuladores ajustem suas expectativas de taxas de juros para uma constante. Logo, a elasticidade da função demanda por moeda vai crescendo e a teoria monetarista será mais bem sucedida. Nosso objeto de estudo foi a inflação. Não à toa, mas por um motivo muito simples. A função impulso-resposta do preço ao aumento do emprego tem efeito permanente, enquanto que a do emprego à redução de preço é temporária: a qualquer nível de preço vigente, o pleno emprego é garantido pela flexibilidade de salários; quando o equilíbrio é perturbado, os níveis de produto e emprego voltam ao nível natural no tempo, enquanto que o de preços não. Mais ainda, se o governo decidir manter a taxa de desemprego permanentemente mais baixa que a taxa natural, então se fará necessária uma aceleração da inflação, ou seja, a inflação efetiva correndo sempre à frente da inflação esperada, sempre surpreendendo os indivíduos e as empresas, de modo a tornar falho o mecanismo de formação de expectativas dos agentes na economia. O próprio Keynes tinha pleno conhecimento da perigosa situação que se colocaria caso o pleno emprego virasse um objetivo ortodoxo de política econômica. Não é difícil encontrar evidências empíricas que comprovam a magnitude dos efeitos colaterais dessa prescrição do uso discricionário de política econômica - notadamente, a fiscal - a qual Keynes prega: em meio à crise atual, os países da Europa, principalmente, se veem impedidos de lançar mão de política fiscal, como maiores gastos do governo com vistas a estimular a geração de empregos e também a reverter a profunda recessão em que se encontram porque seus níveis de défcit público já são exorbitantes, com sucessivos rebaixamentos de notas de crédito e crescente desconfiança por parte dos

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mercados do mundo todo. Esses são apenas os efeitos de curto prazo; o governo terá de se financiar de uma maneira ou de outra e, via de regra, os países optam por tolerar uma inflação mais alta. Decidir por uma ou outra prescrição de política econômica não é uma questão trivial. Parece que a pergunta mais pertinente a se fazer, neste caso, é se prevalece, no sistema, rigidez tal que previne que a economia se reequilibre sozinha, de modo a necessitar de políticas fiscal e monetária discricionárias para atingir o pleno emprego; ou flexibilidade suficiente para que uma simples regra monetária alcance, efetivamente, estabilidade e pleno emprego dos recursos? A resposta pode depender do contexto econômico prévio, do país a qual se aplica, de pressões populares ou políticas, i.e., a diferença entre keynesianos e monetaristas, em última instância, é uma questão empírica, ao invés de teórica, se bem que a teoria monetarista pode ser vista como uma teoria muito mais geral do que a keynesiana.

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