DECLÍNIO DE ESTADOS, ASCENSÃO DE NAÇÕES

May 27, 2017 | Autor: Luís Eduardo Saraiva | Categoria: European Studies, Social Sciences, Segurança Internacional
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DECLÍNIO DE ESTADOS, ASCENSÃO DE NAÇÕES O reaparecimento dos nacionalismos e a reconstrução da ideia de nação na Europa

Luís Eduardo Saraiva

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À minha mulher, Teresa. Aos meus filhos, Eduardo Miguel, Alexandra Sofia e Pedro Luís.

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Agradecimentos

Este trabalho não teria chegado ao fim sem o apoio constante da minha mulher Teresa, de que quero dar aqui o devido testemunho. Sempre me estimulou para continuar, sem deixar de ser uma feroz crítica da minha escrita, reflectindo a exigência da sua formação em língua portuguesa. Ao meu amigo João Vieira Borges, o meu muito obrigado pelos estímulos. Um agradecimento especial ao Professor Doutor Carlos Motta, pela dedicação à minha dissertação, pela paciência em me ler e bem aconselhar e também pela sua determinação em levar a cabo esta minha vontade de escrever sobre este tema. Finalmente, agradeço aos meus filhos serem a referência que me faz querer mais e fazer melhor.

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Resumo

A recente ascensão de nacionalismos é um sintoma da crise do Estado-nação, tal como foi definido após a paz de Vestefália. Mas o Estado-nação permanece o elemento essencial do processo de construção da Europa. Este processo, que é de integração, estará condenado ao fracasso se se apoiar exclusivamente nos factores que caracterizam a globalização, pois esta – que vai normalizando níveis cada vez mais elevados da estrutura das relações sociais e políticas – não irá parar no patamar regional: irá ultrapassá-lo. A solução para a futura Europa Unida é serem usados, em primeiro lugar, não os factores que auxiliam e dão corpo à globalização, mas alguns dos que actualmente caracterizam a chamada “tribalização” ou regionalização. Não todos, pois alguns são por si próprios elementos desagregadores do Estado-nação, mas apenas os que têm vindo a ser usados pelos Estados europeus, ao longo da História, para dar coesão às respectivas nacionalidades. Assim se construirá uma Europa com uma identidade forte e não um ajuntamento de ocasião, com a finalidade única de favorecer as políticas de comércio. Neste processo de congregação de factores identitários, há que evitar as tentações dos nacionalismos exacerbados, que poderão destruir o processo, pelas reacções que poderão provocar. Mas será ainda possível reorientar o processo que já se encontra em marcha? Irá a entrada na Europa suscitar a perda das identidades que durante séculos foram defendidas e preservadas? Irá, assim, Portugal dissolver-se na Europa? Tal só não acontecerá se se souberem aproveitar as características nacionais portuguesas e o seu posicionamento geoestratégico.

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Abstract Decline of States, Rise of Nations The reappearance of the nationalisms and the reconstruction of the idea of nation in Europe

The recent rising of nationalisms is a symptom of the crisis of the nation-state, as defined after the Peace of Westfalia. But the nation-state remains the essential element for the construction of Europe. This process of integration will fail if supported only by the factors that characterize globalization, because this one – normalizing each time more important levels of the structure of the social and political relations – will not stop at the regional level: it will trespass it and continue up. The solution for the future United Europe is to be used, firstly, not the factors that help and give substance to the globalization, but some of those that presently characterise the so called “tribalization” or regionalization. Not all, because some are, by themselves, desegregating elements of the Nation-state, but only those that have been used by the European States throughout History, in order to give cohesion to their nationalities. This is the way to build up a Europe with a strong identity and not a mere occasional gathering with the only purpose of favouring the commercial politics. In this process of congregation of identity factors temptations of the radical nationalisms are to be avoided, because they may destroy the process due to the reactions that those factors may generate. But will it be still possible to reorientating the process that is already marching? Will the addesion to Europe cause the lost of national identities that for centuries were defended and preserved? In this case will Portugal, as other Nation-states be dissolved in Europe? This process will not happen only if the Portuguese national characteristics and the Portuguese geostrategic position are used in the correct terms.

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Lista de Abreviaturas CEE CPLP DoD EUA ICEP NATO ONU QG UE URSS

Comunidade Económica Europeia Comunidade dos Países de Língua Portuguesa Department of Defense (Estados Unidos) Estados Unidos da América Instituto de Investimento, Comércio e Turismo de Portugal North Atlantic Treaty Organization Organização das Nações Unidas Quartel-General União Europeia União das Repúblicas Socialistas Soviéticas

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ÍNDICE Resumo ....................................................................................................................... Abstract ....................................................................................................................... Lista de Abreviaturas .................................................................................................. Índice ..........................................................................................................................

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INTRODUÇÃO .........................................................................................................

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Capítulo I – A IDEIA DE NAÇÃO ......................................................................... 1. A Construção da Ideia de Nação ....................................................................... 2. A Propagação do Estado-Nação ........................................................................ 3. O Desmoronamento de Impérios e a Construção de Estados ou a Invenção de Novas Nações ................................................................................................. 4. Problemas que os Novos Estados-nação Comportam .......................................

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Capítulo II – O ESTADO-NAÇÃO EM CRISE? .................................................. 1. A extinção ou adaptação do modelo clássico .................................................... 2. Sinais de Crise ................................................................................................... 3. O Nacionalismo no Final do Século XX – Causas Globais da Crise ................ 4. Causas Regionais da Crise ................................................................................ 4.1. Hemisfério Sul ...................................................................................... 4.2. Europa de Leste .................................................................................... 5.Os Afloramentos Nacionalistas Como Consequências das Crises .....................

41 41 43 51 55 55 59 64

Capítulo III – A IDENTIDADE EUROPEIA: O FIM DAS NAÇÕES? .............. 1. Antecedentes ..................................................................................................... 2. Porquê a Construção de uma Identidade Supranacional? ................................. 3. A “federalização” da Europa pela Negação das Particularidades Nacionais ou o Resultado da sua Utilização .......................................................................... 4. A Europa Como Futura Potência ......................................................................

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Capítulo IV – DIAGNÓSTICO DO CASO PORTUGUÊS .................................. 93 1. Introdução ......................................................................................................... 93 2. Sinais de Crise ................................................................................................... 94 3. Valores Nacionais: o Seu Interesse ................................................................... 98 4. O Carácter Universalista Português e o Império ............................................... 100 xi

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5. A Implosão do Império e as Vagas de Imigração ............................................. 6. Estratégia Portuguesa do Atlântico ...................................................................

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CONCLUSÃO ...........................................................................................................

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BIBLIOGRAFIA ...................................................................................................... 121

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INTRODUÇÃO

Porque se assiste, a partir da última década do século XX, na Europa, ao reaparecimento de nacionalismos extremos? Esta obra procurará demonstrar que a popularização do nacionalismo é uma reacção directa aos avanços da globalização, tanto quando se apresenta com as roupagens de uma cultura mundial McWorld1, como ainda em reacção a passos intermédios dessa cultura, como é o caso da “federalização” europeia. Na imprensa de todo o mundo são cada vez mais frequentes as notícias dando relevo aos sucessos eleitorais de partidos nacionalistas dos países europeus. Por outro lado, são também correntes as referências a violências étnicas e raciais em muitos países da Europa, com relevo para a Grã-Bretanha, a França e a Alemanha. A literatura especializada é cada vez mais profícua no tratamento desta questão dos nacionalismos extremados. À literatura anglo-saxónica – que pouco trata deste assunto, ou que o trata de forma distante, como se lhe não dissesse respeito – contrapõe-se a riqueza da francesa que, nos últimos tempos e a propósito da Frente Nacional, acabou por levar a questão aos debates mais prementes a nível nacional. O que se pode observar é que os levantamentos nacionalistas na Europa são, na essência, reactivos a dois movimentos: por um lado, contra a globalização e, por outro, contra o processo de dissolução das características nacionais próprias de cada Estado europeu num “caldo” homogéneo visando a construção de uma futura “Europa nacional”, em contraponto ao conceito de “Europa das Nações”2. 1

Esta forma de referir os movimentos de globalização económica é usada por Benjamin R. Barber em Jihad vs. McWorld. Terrorism’s Challenge to Democracy. New York: Ballantine Books, 1996. 2 Ou “Europa das Pátrias”, como referido na Europa após a II Guerra Mundial e notado por Adriano Moreira em 1970, no ensaio “A Marcha para a Unidade do Mundo – Internacionalismo e Nacionalismo” publicado na Revista da Sociedade de Geografia de Lisboa, Lisboa, Janeiro – Setembro 1970, p. 5. 13

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É nosso intuito demonstrar que a globalização, possa embora ser um movimento irreversível da homogeneização cultural do mundo, o será apenas num futuro distante; nesse entretanto, muito há a fazer ainda em proveito das nações – nomeadamente das europeias –, consideradas como o melhor conceito de estrutura base da sociedade humana. Nesse sentido, tentar-se-á refutar os argumentos dos apologistas da globalização, seja este conceito entendido no sentido lato, seja com o significado de americanização universal dos costumes, como demonstra Vicente Verdú, no seu livro O Planeta Americano, ou como o define o chamado Grupo de Lisboa: “A globalização é uma fase posterior à internacionalização e à multinacionalização porque, ao contrário destas, anuncia o fim do sistema nacional enquanto núcleo central das actividades e estratégias humanas organizadas”3. As causas do reaparecimento de nacionalismos “fortes” na última década na Europa serão estabelecidas a partir das análises desenvolvidas por politólogos especialistas, especialmente da “escola francesa”, que têm levado a cabo um debate intenso na última década em virtude da gravidade que a questão tem assumido em França. Será também considerada a perspectiva norte-americana, com especial relevo para a opinião de teóricos como Anthony D. Smith. A abordagem da questão é, no entanto, largamente dedutiva, a partir, não só dos autores referidos, como também dos estudos que, sobre a matéria, têm sido feitos na Europa. A que se deve o reaparecimento, na Europa, de movimentos nacionalistas a partir da última década do século XX? A Europa Ocidental, particularmente, vive sobressaltos com a popularidade de discursos que identificam como alvo da sua hostilidade os imigrantes na Holanda, em França, na Áustria, na Alemanha, entre outros países. Nesse mesmo período, parece assistir-se também ao início de um processo de extinção do Estado-nação, pelo enfraquecimento do primeiro componente desse binómio, o Estado, enquanto alguns dos poderes desse Estado se deslocam para entidades supranacionais. Parece ainda, por outro lado, querer atribuir-se à ideia de nação um novo significado ou, se quisermos, a atribuição de novas (ou re-atribuição de velhas) características. Neste aspecto, os factores étnicos começam a transferir-se para os níveis inferiores, para o bairro, para as aldeias, para as Boaventura de Sousa Santos, “Os Processos da Globalização”, in Boaventura de Sousa Santos (dir.), Globalização – Fatalidade ou Utopia?. Porto: Edições Afrontamento, 2001, 32. 14 3

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pequenas comunidades. Em resumo, depois de um período que vai desde o século XVII (“Paz de Vestefália” de 1648) até ao fim da Guerra Fria – em que o Estado-nação chamou a si uma série de elementos que ajudaram à sua consolidação –, verifica-se agora que esse grande conceito estabilizador está a ser esgotado, dirigindo-se as suas energias tanto para cima como para baixo, para os aglomerados supranacionais e para o bairro ou, como escrevia Benjamin Barber, para o McWorld e para a Jihad4. Como refere Joseph S. Nye5, acaba por ser o crescimento do nacionalismo que faz então desequilibrar o Concerto da Europa acordado no Congresso de Viena (1815-1822). É na Europa que se evidencia melhor o fenómeno de ascensão de radicalismos nacionalistas. Como causas apontam-se frequentemente o fim do domínio imperial soviético (que permitiu a libertação das forças nacionalistas), o medo da perda da identidade nacional na sequência da “federalização” da Europa, as imigrações maciças dos povos antes colonizados pelas potências ocidentais, a crise económica mundial, os receios de novos avanços imperialistas – nomeadamente dos Estados Unidos – ou, finalmente, a apreensão da Europa ser submersa pelo islamismo. Noutra perspectiva, o descontentamento dos povos da Europa pode ainda atribuído ao demasiado afastamento da chamada “cultura ocidental” das culturas nacionais. A “desnacionalização” e a consciência dos seus perigos levam, assim, as populações europeias a radicalizar o seu discurso e as suas acções contra o “outro”. Relativamente ao fenómeno em França, país onde o tema tem sido objecto de aceso debate, Yves Lacoste escreve, em Vive la Nation – Destin d’une Idée Géopolitique, aquilo que poderia ser dito de outros países, ou seja, que a ideia de nação começou a aparecer numa certa época, propagou-se e transformou-se de acordo com os progressos democráticos, mas que também pode, num futuro mais ou menos longínquo, expandir-se demasiado e dissipar-se. Contudo, Lacoste sustenta que, num futuro próximo esta palavra “nação” pode ser utilizada de forma abusiva, alterando-se o seu significado por forma a se poder manipular grande número dos cidadãos franceses para que exijam a exclusão de uma parte da população. Este processo poderá então provocar uma grave crise e conduzir à 4

Benjamin R. Barber, op. cit., p. 4. Joseph S. Nye, Compreender os Conflitos Internacionais: Uma Introdução à Teoria e a História. Lisboa: Gradiva, 2002, p. 80. 15 5

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condenação da ideia de nação, pois a deturpação do conceito serviria para os racistas chegarem ao poder. Daí que aquele autor afirme que é preciso que todos se empenhem rapidamente no debate, sublinhando o papel a desempenhar pelos intelectuais e pelos académicos, mas também pelos jornalistas, pelos cineastas e pelos homens da comunicação social. Lacoste crê que ainda há tempo para vencer e evitar essa crise, embora a exclusão já funcione muito nos meios populares, a tal ponto que os patrões franceses já têm dificuldades em impor nas suas empresas alguns empregados de origem magrebina, devido à resistência dos “verdadeiros franceses”. E Yves Lacoste conclui: “Il nous faut donc discuter, commenter, discourir, réfuter, raisonner, critiquer, publier, parler haut et clair, et lutter pour que Vive la nation…”6. Mas, se é certo que a queda do império soviético provocou a ascensão de novos movimentos nacionalistas, por outro lado colocou os EUA numa situação hegemónica única na História: é a primeira vez que uma potência lidera um momento imperial sem adversários, à escala mundial. Esta situação é especialmente favorecedora do movimento de globalização. Enquadrada pelos dois fenómenos – o movimento nacionalista, por um lado, e a postura imperial americana, por outro –, a Europa tenta construir-se. Aqueles parecem obstáculos à construção, mas sê-lo-ão na verdade? Ou constituem, pelo contrário, elementos favoráveis à consolidação das antigas potências europeias num bloco único? Aceitando o desafio de Yves Lacoste, é nossa intenção analisar o recente e forte fenómeno da ascensão e popularização do nacionalismo, incluindo as suas manifestações mais extremas, tal como vem aparecendo no Mundo em geral e em alguns países da Europa em particular, como a Áustria, a Holanda, a França, a Itália e mesmo a Alemanha. É nosso objectivo obter o diagnóstico e não indicar a terapêutica, incidindo a investigação na identificação das causas e prováveis consequências do fenómeno. O resultado poderá ser uma proposta de utilização dos factores úteis dos movimentos nacionalistas para a melhor consolidação da ideia de uma Europa forte, coesa e consciente das suas possibilidades. Por outro lado, procurar-se-á demonstrar que o momento imperial que se vive poderá reforçar as condições favoráveis ao estabelecimento dessa entidade europeia. Não sendo os Yves Lacoste, Vive la Nation – Destin d’une Idée Géopolitique. Paris: Librairie Arthème Fayard, 1998, p. 330. 16 6

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fenómenos de nacionalismo extremo e de xenofobia muito salientes em Portugal, pretendese, no entanto, neste estudo, analisar também o caso português, podendo os resultados dessa análise servir, eventualmente, como forma de obviar a sua emergência ou, melhor ainda, de aproveitar essas energias para reforçar o contributo de Portugal na construção europeia e melhorar a sua capacidade de se projectar internacionalmente. O processo de investigação sobre esta matéria debruçou-se essencialmente – ainda que não exclusivamente – sobre a análise de opiniões de reconhecidos investigadores das questões da Nação e/ou do Nacionalismo, como Anthony D. Smith, Dominique Schnapper, Yves Lacoste, Eric Hobsbawm, Robert Jackson, Paul Kennedy, Ernest Gellner e Ernest Renan; de outros que estudaram algumas das áreas tratadas em particular neste trabalho, como Dominique Schnapper, Gerard Bergeron, Pierre Béhar, Yves Santamaria e Gil Delannoi sobre a caracterização do Estado-nação; de Thomas Friedman, Robert Jackson, Hans-Peter Martin, Alexandre Melo, Boaventura de Sousa Santos e Harald Schuman sobre a questão da globalização e do momento unipolar; de Marc Nouschi, E. Jones e António Covas sobre a União Europeia; e de Luís de Albuquerque, Adriano Moreira, Jaime Nogueira Pinto, Marques Bessa, António de Oliveira Salazar e José Manuel Sobral sobre a questão do nacionalismo em Portugal (e também sobre os Estados nacionais na União Europeia). O estudo sistemático destes autores visou recolher pontos de vista sobre as causas do reacendimento do fenómeno nacionalista, olhando primeiro para a história e evolução da Nação e observando o debate entre os que defendem a primazia do Estado sobre a Nação e os seus opositores, o que constitui o tema do capítulo I deste trabalho, tentando ainda identificar os factores que deram corpo à “nação étnica” e procurando demonstrar que a “nação cívica” só existe como último estádio do desenvolvimento daquela. Aceite este argumento, passar-se-á então a demonstrar, no capítulo II, que sempre que o processo evolutivo nacional não seguiu a direcção indicada, ou seja, sempre que se promoveu (ou promove) a nação cívica sem se atender ao historial étnico, então a consequência lógica é a deficiente construção de um Estado-nação, com uma fragilidade inerente à sua origem e contendo em si a tendência para uma de duas situações de fracasso:  ou o Estado falha logo após os primeiros passos da sua autonomia política; 17

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 ou o Estado persiste, mas no seu interior erguem-se os nacionalismos extremistas, que podem inclusive levar à substituição do regime político. Como quase nenhum Estado-nação actual seguiu o puro esquema evolutivo que se inicia com a nação étnica e termina na cívica, verifica-se que é possível identificar pontos fracos da coesão nacional, ou seja, há factores de coesão nacional que, tendo sido negligenciados, são abusivamente usados – logo que as condições o propiciem – pelos movimentos nacionalistas extremos que contestam a política do Estado, como por exemplo na imigração e na não protecção dos cidadãos nacionais perante os residentes estrangeiros. Estando, assim, apresentada uma das causas do reaparecimento do fenómeno nacionalista nas suas componentes de xenofobia e de exclusão social em geral (outras justificações adicionais existem, como a abertura sem condições ao comércio mundial, que serão tratadas em detalhe adiante), estudar-se-á no capítulo III a forma como aquele poderá afectar negativamente a construção europeia. Mostrar-se-á que a coesão dessa entidade supranacional tem que se basear, necessariamente, nos factores de coesão nacional de cada país, a partir dos quais se construirá um acervo próprio da Europa, que irá servir a futura União. Só assim – e não pela negação dos factores nacionais – se poderá adoptar (ou seja, utilizar) com sucesso o processo de evolução que vai da nação étnica para a nação cívica na construção europeia. O momento unipolar que se vive após a queda do império soviético não constitui um obstáculo, como poderá parecer, mas é antes uma óptima oportunidade para a consolidação da Europa. Demonstrar-se-á, assim, que tanto o fenómeno de ascensão do nacionalismo extremo na Europa como a existência do momento unipolar americano constituem factores muito favoráveis à consolidação da ideia de Europa. Finalmente, no capítulo IV, debruçar-nos-emos sobre o caso português. Portugal, tendo tido a oportunidade de consolidar a sua homogeneidade ao longo dos oito séculos da sua História, é dos países da União Europeia que se encontra em melhores condições para integrar a futura entidade – tenha essa entidade aspectos de confederação ou mesmo de federação – de carácter cívico, sem perder a sua própria identidade. Claro que essas condições se referem ao estrito âmbito deste trabalho e não às áreas que mais mediaticamente expõem as nossas fraquezas. Dizendo de outro modo, escrever-se-á apenas sobre aqueles elementos que consolidam o Estado nacional e não sobre questões 18

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económicas e estratégicas em geral. Mas, para que o processo apontado tenha êxito, é necessário que se valorizem as próprias qualidades do país, das quais se destaca o carácter universalista do povo português, característica tão evocada como fundamental pelos planeadores da construção europeia. É ainda necessário que se identifiquem mecanismos que impeçam a possibilidade de levantamentos nacionalistas de cariz extremista e xenófobo, tanto dos portugueses de “raiz” como das comunidades que vão chegando e às quais – parece – não vão sendo aplicados os devidos esforços de normalização e integração. Em conclusão, demonstra-se que a conjugação do fenómeno da globalização com o processo de integração europeia – tal como tem vindo a ser aplicado – provoca necessariamente um desvanecimento do Estado-nação. Esse desvanecimento leva inevitavelmente a uma reacção nacionalista que pode degenerar em extremismos se não forem tomadas medidas que condicionem e dirijam essas energias.

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Capítulo I A IDEIA DE NAÇÃO

Como se desenvolveu a ideia de nação até cobrir todo o globo? A nação é uma criação natural ou artificial? Quais os problemas da criação artificial de nações? Estas questões são relevantes porque vivemos num mundo de nações. Esta ideia impregna todos os aspectos da nossa vida e mantém no nosso consciente a forma de uma estrutura celular que organiza o mundo que conhecemos. Pertencemos a uma Nação e os Outros pertencem às outras. Mas poucas vezes nos passa pela cabeça que o Homem – não apenas o hominídeo primitivo, mas o homem civilizado – já viveu sem a necessidade de tal organização, sem conceber tal ideia. Pois a ideia de nação foi crescendo devagar na mente humana, desenvolveu-se e aperfeiçoou-se. A organização em células do mundo em que hoje vivemos é apenas a imagem de um momento da longa história do Homem, desde o passado mais remoto até ao futuro mais inesperado. Com a sua génese na primitiva associação natural da família, como ainda se observa nos primatas superiores, detentor de um território que protegia a todo o custo, o homem evoluiu para comunidades de interesses mais alargadas, em que a posse do território e dos seus recursos, conjuntamente com a mais-valia de uma força defensiva superior, lhe garantia segurança e paz. A expansão do território em busca de mais recursos só se detinha diante de outra comunidade de igual ou superior força. Assim se demarcava o território. Ao longo da História do Homem vai assistir-se a esses movimentos de expansão, fixação de fronteiras e, algumas vezes, à contracção do movimento de alargamento – desastre para quem a sofria – e muitas vezes à dominação por um outro povo. Mas a ideia de nação pôde 21

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resistir aos impérios e mesmo sobreviver-lhes. Algumas vezes, no entanto, o colapso de impérios não significou a libertação de nações. Aconteceu que os fragmentos de comunidades imperiais eram apenas isso, fragmentos. Então tentava-se transformar cada fragmento numa nação – considerada ideal máximo da organização política do mundo – com vista à formação daquilo que se denominaria Estado-nação. Muitas vezes se falhou. Quer isto dizer que a Nação não é o ideal perfeito e realizável que se supunha?

1. A CONSTRUÇÃO DA IDEIA DE NAÇÃO

O que é a Nação? Jorge Miranda, na Verbo Enciclopédia Luso-Brasileira de Cultura1, dá-nos a ideia de ser uma comunidade histórica de cultura, fundada numa história comum e num sentimento de destino também comum. O factor histórico materializar-se-á na afinidade de espírito e instituições, como a mentalidade, a educação, o estilo de vida e de relações sociais, os valores éticos, a maneira de estar no mundo e na natureza. O sentimento de destino comum advirá da consciência dos problemas e do futuro comuns, podendo implicar a existência de um desígnio a cumprir. O autor refere ainda outros factores que dão corpo à Nação, como a diferenciação linguística, étnica, religiosa, geográfica e política, que passarão a marcar o seu carácter desde o início. O Estado é diferente, no seu entender, e nem todas as nações corresponderão a estados. No caso da Europa, o Estado moderno apareceu como um Estado nacional: a Nação deu-lhe um quadro humano e elementos de agregação, e a unidade política passou a assentar nela, e não já nos factores étnicos tradicionais, ou seja, nos laços de sangue, de religião, de território ou de economia. O princípio das nacionalidades, aparecido no século XIX, vem afirmar o direito de cada Nação a constituir-se em Estado, ao mesmo tempo que faz equivaler nação a povo, pelo que o conceito de soberania nacional passa a significar que “o poder político pertence ao conjunto dos cidadãos enquanto unidade de ordem”2. No entanto, a teoria do nacionalismo acaba por sobrepor a soberania da Nação – que é de todos os tempos – à soberania do povo, conceito contemporâneo de colectividade. Jorge Miranda, “Nação”, em Verbo Enciclopédia Luso-brasileira de Cultura, 13º Vol., Ed. Verbo, Lisboa, 1972, p. 1641. 2 Idem, p. 1642. 22 1

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Na mesma enciclopédia, João Mendes, por outro lado, afirma que “a definição de Nação está longe de se encontrar clarificada”3. Apontando cinco principais elementos constituintes desta – o território, a raça, a língua, a cultura e a vontade de ter um destino comum –, afirma que o nacionalismo pode afectar qualquer um deles, mostrando-se ainda compatível com qualquer regime político. João Mendes reconhece cinco fases no nacionalismo moderno: a primeira, medieval ou pré-histórica, corresponde ao nascimento das línguas e das nacionalidades no meio da cristandade europeia; o segundo, renascentista, corresponde à afirmação dos Estados nacionais pela acção dos políticos e pela teorização dos pensadores; o terceiro, que apelida de absolutista, corresponde ao reforço dos Estados nacionais por acção dos monarcas de direito divino; o quarto período identificado é o revolucionário, em que se dá a explosão das nacionalidades na sequência da Revolução Francesa e da expansão napoleónica; A fase liberal e imperialista é o quinto período e corresponde à grande expansão das potências europeias, especialmente a partir de 1880; finalmente, a última fase, que apelida de autodeterminista e de orientação pluralista, é a que ocorre após o Tratado de Versalhes de 1919 até hoje, “uma grande variedade de formas, mas servindo principalmente para dar coesão a Estados independentes que nem sequer correspondiam a outra tantas Nações”4. Aceitando esta estrutura, definida por João Mendes em 1972, há no entanto que considerar um novo período, que as definições insertas na Enciclopédia não abrangem, e que correspondem ao período que vai do desaparecimento da “cortina de ferro” aos inícios do século XXI. Aqui verifica-se que o Estado começa a perder terreno face à ascensão da importância dos factores que definem a forma clássica da Nação. Se consultarmos diversos dicionários e outras referências, aparecem-nos as mais variadas definições. De acordo com o Oxford Advanced Learners Dictionary5, a Nação é uma “(...) large community of people, usually sharing a common history, language, etc, and living in a particular territory under one government”, sendo exemplo as nações da Europa Ocidental.

João Mendes, “Nacionalismo”, em Verbo Enciclopédia Luso-brasileira de Cultura, 13º Vol., ob. cit., p. 1645. 4 Idem, p.1646. 5 “Nation”, in Oxford Advanced Learners Dictionary. Oxford: Oxford University Press, 1989, p. 823. 23 3

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O Moderno Dicionário da Língua Portuguesa6 diz que Nação é “1. Conjunto de indivíduos que habitam o mesmo território e constituem ou constituíram uma sociedade política autónoma (Estado); 2. Conjunto de indivíduos unidos pela consciência nacional; 3. Um conjunto humano no qual há certa comunidade de ascendências ou estirpe, de história, cultura (dentro da qual se deve destacar uma língua comum), costumes e instituições”. O Dicionário de latim-português da Porto Editora7 dá de Nãtĭõ as seguintes definições: “1. Nascimento, deusa do nascimento. (…) 3. Povo, nação. Conjunto de indivíduos nascidos no mesmo lugar”. O Dicionário de Português da Porto Editora8 define como Nação: “Conjunto de indivíduos da mesma raça, que habitam o mesmo território, falam a mesma língua, têm os mesmos costumes, obedecem às mesmas leis feitas por eles ou por representantes seus, que livremente escolheram; conjunto de indivíduos unidos pela consciência nacional (interesses, necessidades e aspirações); casta; raça; povo; pátria; naturalidade (Lat. Natione)”. Outros dicionários definem Nação como reunião de homens habitando o mesmo território e vivendo sob o mesmo governo ou como “Réunion d’hommes habitant un même territoire, ayant une origine, des traditions communes, des moeurs semblables et le plus souvent une même langue”9. A mais conhecida definição de Nação é, no entanto, devida a Ernest Renan: “Une nation est donc une grande solidarité, constituée par le sentiment des sacrifices qu’on a faits et de ceux qu’on est disposé a faire encore. Elle suppose un passé; elle se résume pourtant dans le présent par un fait tangible: le consentement, le désir clairement exprimé de continuer la vie commune”10. Todas estas definições ajudam indiscutivelmente a entender a complexidade da questão nacional, mas não a esclarecem definitivamente. Dominique Schnapper refere que se invoca sempre a necessidade de clarificar os termos dos debates sobre as etnias, a “Nação”, in Moderno Dicionário da Língua Portuguesa. Lexicoteca. Lisboa: Círculo de Leitores, 1985, p. 279. 7 ”Nãtĭõ”, in A. Gomes Ferreira, Dicionário de Latim-Português. Porto: Porto Editora, 1973, p. 746. 8 “Nação”, in J. Almeida e Costa & A. Sampaio e Melo, Dicionário de Português. 4ª ed. Porto: Porto Editora, 1965, p. 1024. 9 “Nation”, in Larousse de Poche, Dictionnaire. Paris: Librairie Larousse, 1988, p. 278. 10 Ernest Renan, Qu’Est-Ce Qu’Une Nation? Paris: Pocket, 1992, pp. 54-55. 24 6

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etnicidade, o Estado, as nações e os nacionalismos, essencialmente por causa da sua carga de valores e de emotividade, mas que tal raramente se faz. É, todavia, necessário, antes de prosseguir, deixar bem clara a terminologia utilizada. Nesse sentido, Schnapper começa por diferenciar nação e etnia. Na sua opinião, a nação é tão só uma forma particular de unidade política. E, assim como todas as unidades políticas, a nação define-se – no seu entender – pela soberania que se exerce, no interior, para integrar as populações que inclui e, no exterior, pela sua afirmação como sujeito histórico numa ordem mundial fundada sobre a existência e as relações entre nações-unidades políticas. Mas a sua especificidade de Nação é que integra as populações numa comunidade de cidadãos, cuja existência legitima a acção interior e exterior do Estado. Schnapper nota que a nação se distingue dos grupos étnicos, por estes não se encontrarem organizados politicamente, concebendo as etnias como grupos de homens que vivem como os herdeiros duma comunidade histórica11. Já Roberto de Mattei assume uma abordagem essencialmente temporal para distinguir os conceitos de Nação e de Estado. Assim, afirma que, “geneticamente, a nação precede o Estado, mas, do ponto de vista teórico, o Estado é um grupo social mais perfeito que a nação em razão da sua finalidade e dos métodos que aplica”12. Os Estados-nação nasceram a partir de uma ideia – a natural tendência do homem para se agregar em comunidades – que tem na sua génese uma reacção ao medo da natureza, seja este devido aos predadores naturais e outros perigos da natureza, seja a outros homens. A organização dessas comunidades em estruturas sociais cada vez mais complexas é um processo natural que a inteligência humana torna possível. A constituição de nações, comunidades de homens com afinidades de ordem racial, cultural, geográfica, linguística, ou apenas produto do acaso, da oportunidade ou da necessidade, acabou por produzir e desenvolver (aperfeiçoar) características de semelhança. Os mais parecidos eram “amigos”, os menos eram os outros, o inimigo. A capacidade de defender um determinado território e os seus necessários recursos acabou por determinar a marcação de fronteiras, “inventandose, assim, outro elemento-chave da definição futura de um “país”, “reino”, “estado” ou “nação”. Essas nações primitivas diferenciavam-se, contudo, num aspecto de grande Cf. Dominique Schnapper, La Communauté des Citoyens – Sur l’Idée Moderne de la Nation. Paris: Gallimard, 1994, p. 28. 12 Roberto de Mattei, A Soberania Necessária – Reflexões sobre a Crise do Estado Moderno. Porto: Livraria Civilização Editora, 2002, p. 12. 25 11

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relevância, dos modernos Estados-nação como hoje são entendidos: era essencialmente a necessidade de viver no seio de um grupo – que garantisse protecção – que fazia o indivíduo submeter-se às regras de determinada comunidade e não “le désir de vivre ensemble”, como definia Renan13. Adicionalmente, a vontade e a opinião dos indivíduos não contava, sendo todos submetidos a um conjunto de pesadas obrigações, salvo aqueles que faziam parte da classe dirigente. Não haveria, portanto, nessas sociedades primitivas aquilo que se poderia considerar a consciência nacional. O indivíduo não teria consciência de estar junto dos seus semelhantes, aos quais se tinha associado de livre vontade, por opção. Em resumo, o nacionalismo – entendido como “preferência pelo que é próprio da Nação a que se pertence”14 – terá sido o elemento essencial para a construção do Estadonação. Mas esse processo de construção começou, todavia, muito antes, com o próprio início de uma teia de relações/ligações – identificada desde o homem primitivo (ser isolado), passando pela família nuclear, pela família alargada, pela tribo. A importância desse sentimento/movimento nacionalista teve o seu apogeu no século XVIII, quando a malha de Estados se estendeu a todo o globo. Mas o processo de complexidade crescente das ligações entre homens, grupos e comunidades continuou, ultrapassando o nível da Nação (Estado-nação), passando pelo de Império ou Federação, parecendo dirigir-se sempre em direcção ao grau último de complexidade, a globalização ou mundialização. A propósito da questão nacional, Anthony D. Smith identifica dois tipos de nacionalismo: um materializa-se numa mera resistência a intrusos culturais e políticos e existe em todas as eras e em todos os continentes; o outro é um nacionalismo concretizado 13

Ernest Renan, op. cit., p. 54. J. Almeida e Costa & A. Sampaio e Melo, op. cit., p. 1025. Outras definições existem, como: “1. Devotion to one’s own nation; patriotic feelings, principles or efforts 2. Movement favouring political independence in a country that is controlled by another or is part of another” (Oxford Advanced Learners Dictionary. Oxford: Oxford University Press, 1989, p. 824); “1. Patriotismo; 2. Preferência acentuada por tudo o que é próprio da Nação a que se pertence; 3. Atitude que exalta exageradamente os valores da própria Nação e que costuma implicar desprezo pelas demais nações e afã de expansão ou conquista” (“Nacionalismo”, in Moderno Dicionário da Língua Portuguesa, op. cit., p. 279). “1. Dedicação aos interesses da própria Nação 2. Espírito nacional 3. Política de defesa e promoção dos interesses da nação a que se pertence, considerados como distintos dos interesses de todas as outras nações. O nacionalismo é, na sua essência, menos arrogante e militante do que o chauvinismo e menos emotivo do que o patriotismo” (Harry Shaw, Dicionário de Termos Literários. Lisboa: Publicações D. Quixote, 1978, p. 311). “Doctrine qui se reclame essentiellement de la tradition et des aspirations exclusivement nationales” (“Nationalisme”, in Larousse de Poche, Dictionnaire, op. cit., p. 278). 26 14

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por um conjunto de ideologias e movimentos que pressupõem um mundo de nações, cada uma das quais com carácter próprio e dotadas de um compromisso de fidelidade básico para com a Nação, sendo esta a única fonte de poder político e a base da ordem mundial. Assim, Anthony D. Smith liga este último tipo de nacionalismo ao moderno Estado-nação, sendo a primeira característica de sociedades étnicas que, no seu entender, não configuram Estadosnação, tal como são hoje correntemente concebidos15. Anthony D. Smith refere-se ao nacionalismo como “um movimento ideológico que tenta atingir ou manter a autonomia, a unidade e a identidade de um grupo social que se considera constituir a Nação”16. Estes conceitos de nação dominaram a maior parte da história do homem. Mas outro factor se lhe sobrepôs: a agregação de tais comunidades, ou a simples conquista por uma comunidade com melhor capacidade militar, veio colocar um maior grau de complexidade nas comunidades imperiais (ou federais) assim constituídas. Dentro do império sobrevivem as comunidades que detêm um grau de individualidade maior, em que os factores de diferenciação são mais vincados. Assim, às tentativas de normalizar a língua, os costumes, as leis e até a versão oficial da história – que os primitivos impérios fariam de forma autoritária, sem contemplações para com os povos dominados –, são opostos factores de diferenciação pelas diversas comunidades, dando início a um primitivo sentimento de nacionalidade, baseado nesses factores e materializado também pela diferenciação racial. Observa-se que o colapso de um império se deve a diversos factores, não só externos como também endógenos. No primeiro caso, e seguindo o exemplo do império romano, grandes hordas de povos em migração penetraram no seu território e devassaramno, antes que as legiões fossem capazes de reagir eficazmente e de aniquilar o invasor. Mas a fraqueza assim revelada foi devida a problemas internos. Os povos dominados, longe de perderem a sua própria identidade, aguardavam apenas uma oportunidade para se libertarem; e as invasões de bárbaros pareceram-lhes boas oportunidades para o fazerem. Não o conseguiram, na verdade, mas aconteceu que os novos dominadores acataram as linhas de fractura do império e usaram-nas para dividirem o espólio (ou seja, as nações) entre si. Essas nações separaram-se do império, embora subjugadas por novos senhores. Foi assim fortalecida a diferença entre esses povos e constituíram-se comunidades de forte cariz 15 16

Anthony D. Smith, A Identidade Nacional. Lisboa: Gradiva, 1997, p. 66. Idem, p. 71. 27

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político, dirigidas por estrangeiros, que na Europa viriam a constituir os reinos cristãos da Idade Média. Segundo Anthony D. Smith17, durante aquele período assistiu-se à formação das nações por duas formas de integração de comunidades pequenas numa comunidade maior, de dimensão nacional. Por um lado, a um pequeno núcleo organizado politica e socialmente começaram a ligar-se, ou foram submetidas, pequenas comunidades frágeis, incapazes de se oporem ao processo de integração vertical. Por outro, comunidades organizadas ligaram-se, através de alianças, muitas vezes sob a forma de casamentos políticos, com comunidades vizinhas, aumentando-se o poderio e a influência através de um processo de integração horizontal. Para Anne-Marie Thiesse, “as nações modernas foram construídas de um modo bem diferente daquele que é relatado pelas histórias oficiais”. Assim, as “suas origens não se perdem na noite dos tempos, nos períodos obscuros e heróicos descritos nos primeiros capítulos das histórias nacionais. Também não foi a lenta constituição de territórios ao sabor de conquistas e de alianças que esteve na génese das nações: isso aplica-se apenas à história tumultuosa de principados e reinos. O verdadeiro nascimento de uma nação é o momento em que um punhado de indivíduos declara a sua existência e pretende proválo”18. Os primeiros exemplos datam do século XVIII, prossegue Thiesse, e antes não existiria nenhuma nação na acepção moderna da palavra, ou seja, de carácter político. Escreve Yves Lacoste que, para tentar compreender o valor simbólico e a carga emocional da nação entendida como ideia, podem analisar-se numerosos discursos, mais ou menos antigos, e considerações teóricas que traduzem sobretudo as orientações filosóficas do seu autor. O mais simples, afirma, é recorrer, de novo, ao dicionário. O Dicionário Robert – segundo aquele autor mais atento à evolução do sentido das palavras e das suas conotações do que o Larousse –, dá para a palavra “nation” três significados, os quais Lacoste adopta para a sua obra Vive la Nation. No sentido antigo, Nação seria um grupo de homens aos quais se atribuiria uma origem comum. Num segundo significado, seria um grupo humano geralmente muito vasto que se caracterizaria pela consciência da sua unidade – histórica, social e cultural – e pela vontade de viver em conjunto. Numa última 17 18

Ibidem. Anne-Marie Thiesse, A Criação das Identidades Nacionais. Lisboa: Temas e Debates, 2000, pp. 15-16. 28

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definição seria um grupo humano constituindo uma unidade política estabelecida sobre um território definido ou um conjunto de territórios definidos e personificado por uma autoridade soberana19. Estas duas posições, antagónicas, fazem, no entanto, ver que a nação não foi uma ideia surgida de repente, pensada antes de realizada, como entende Thiesse. Foi antes o processo que atrás se descreve, lento e moroso, e que teve a sua primeira concretização, embora rudimentar, nos reinos que surgiram com a dissolução do Império Romano.

2. A PROPAGAÇÃO DO ESTADO-NAÇÃO

Esses reinos são já, de certa forma, Estados-nação, mas falta-lhes o elemento fundamental que mais tarde viria a caracterizar o verdadeiro Estado-nação moderno20: a capacidade do indivíduo se assumir como cidadão e ter uma palavra a dizer na condução da política da comunidade. O indivíduo tornar-se-á, assim, a elementar célula da nação. Tal capacidade só será plenamente adquirida – de início apenas para os indivíduos adultos livres do sexo masculino –, com a propagação dos ideais da Revolução Francesa e com o exemplo da independência da primeira colónia ultramarina europeia, os Estados Unidos da América. Para Alexis de Tocqueville21, a América oferece-lhe, como sociedade e como cultura, uma democracia pura e um governo que advém dessa democracia, sem herança aristocrática, ou absolutista, nem paixões revolucionárias. Pelo contrário, com uma tradição de liberdades locais colectivas. Aqui, a nação constrói-se a partir da consciência cívica individual e da vontade de todos expressa num sistema de votações onde prevalecem as ideias apoiadas pela maioria. É realmente o povo que dirige e, embora a forma de governo seja representativa, é evidente que as opiniões, os preconceitos, os interesses e mesmo as paixões do povo não encontram obstáculos duráveis que os impeçam de se manifestarem no decurso normal da vida da sociedade. Nos Estados Unidos, afirma Tocqueville, como em todos os países onde o povo reina, é a maioria que governa em nome do povo. 19

Yves Lacoste, op. cit., pp. 223-224. Gérard Bergeron, Petit Traité de l’État. Paris: Presses Universitaires de France, 1990, pp. 81 e ss. 21 Alexis de Tocqueville, De la Democracie en Amérique. Paris: GF Flammarion, 1981, p. 255. 20

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Em França, pelo contrário, segundo Yves Lacoste22, o processo de propagação fazse pela revolução e começa por ser exclusivamente interior: o indivíduo sente-se cidadão perante os outros. Só mais tarde a ideia nacional ultrapassará fronteiras, com a eclosão da guerra entre a França e a Áustria. Em Vive la Nation, Yves Lacoste disseca esse processo de criação de uma consciência nacional a partir de um centro de ideias, que se propaga pela França, absorvendo todos os que se incluem nas suas fronteiras, falem ou não a língua francesa. Mas esse processo não teria tido semelhante amplitude se esses princípios absolutos evocados pelos “cidadãos” franceses não tivessem sido proclamados com fortes referências poéticas à democracia de Atenas, a Esparta ou à República romana, numa Assembleia dividida pela luta das tendências, por rivalidades pessoais e submetida a pressões exteriores. Devido ao abandono da Assembleia pela Direita, permaneceram aí as ideias de esquerda, o que fez com que as maiorias presentes – cada vez mais à esquerda –, persuadidas de encarnarem a verdade da Nação soberana – embora fossem apenas minorias mais agitadoras –, exercessem sem oposição um poder absoluto. O espantoso, no entanto, é que esses discursos inflamados eram perfeitamente compreendidos em todo o país e que as decisões políticas que eles propunham tenham sido rapidamente aplicadas, malgrado as dificuldades e as resistências. Escreve Lacoste que, olhando para trás no tempo, pode-se medir a que ponto esses intelectuais, que fizeram a revolução pelos seus ideais, construíram ao mesmo tempo uma representação filosófica da nação que proclamavam soberana. Não será suficiente, todavia, produzir simplesmente uma representação desse tipo; é preciso ainda que essa representação se propague e que seja compreendida e aceite por um número elevado de cidadãos. E é espectacular, afirma Lacoste, constatar que essa ideia tão abstracta se tenha difundido tão rapidamente num país de escassos e lentos recursos de transporte e quase desprovido de meios de comunicação de massas. Além disso, uma boa parte da população da França desconhecia o idioma francês. No entanto, por outro lado, os mais esclarecidos “patriotas” conheciam-no bem. Falavam francês, cada vez melhor, aliás, à medida que

22

Yves Lacoste, op. cit., pp. 75 e ss. e ainda pp. 248-251. 30

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retomavam as imagens e as fórmulas dos discursos da Assembleia. Se esta ideia se expandiu com essa rapidez foi porque, após o interminável debate sobre as reformas, a invocação da Nação respondia, muito frequentemente, a tentativas e a necessidades latentes de todos. Sentem-se responsabilizados principalmente aqueles que sabem mais ou menos ler e escrever francês e que, portanto, se mobilizam para convencer os outros. A difusão da ideia de Nação resulta, assim, da mobilização de um grande número desses militantes que se apelidam de “patriotas”. Essa mobilização acaba por se materializar também na multiplicação de jornais, de clubes e de sociedades populares políticas na província e mesmo nas pequenas cidades. O caso mais célebre referido por Lacoste é o da rede de clubes dos jacobinos e de numerosas sociedades populares que lhes estão afiliadas. Aparece também uma rede de clubes “monárquicos”, que mais tarde se tornará clandestina. Assim, uma boa parte da população francesa não só faz, brusca e contraditoriamente, a aprendizagem da vida política a partir das notícias dos acontecimentos que deram forma à revolução e à guerra, mas também pela violência ideológica das rivalidades locais à conquista do poder, entre os patriotas e os aristocratas locais, e mesmo os padres. Essa elite, tendo-se tornado representante da Nação moderna, iniciou nessa altura o ajuste de contas com a Igreja, esse velho inimigo que durante tanto tempo exerceu o magistério e a fiscalização das actividades do espírito. Os padres acabam finalmente por também terem de jurar fidelidade e obediência ao novo regime. Um outro grupo, reunindo os intelectuais e os jornalistas, adquirira um peso considerável e formava em Paris e nas grandes cidades uma verdadeira rede que constituía um grupo de pressão considerável. Sob a sua influência e, mais tarde, sob o efeito das lutas políticas, a ideia de Nação acabaria por tomar progressivamente um aspecto anti-clerical, cada vez mais marcado, em contradição com as tradições e as convicções católicas da grande parte da população. É verdade que em muitas regiões – sobretudo onde se falava francês – esta maioria deveria permanecer ligada à ideia de Nação, mesmo sob o aspecto anti-clerical que a caracterizava há muito tempo, pelo menos na forma de “esquerda” sob a qual tinha 31

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aparecido. Só muito mais tarde, no final do século XIX, é que se difundirão os ideais de laicidade. Mas ao recusar – em primeiro lugar pela rivalidade do prestígio no terreno das ideias – a autoridade ideológica da Igreja, os intelectuais vão provocar, pelo contra-golpe, a inquietude e, depois, a oposição de uma grande parte da população, nomeadamente dos camponeses, que, no entanto, tinham anteriormente apoiado fortemente a revolução. No início desta, são os levantamentos em numerosas regiões dos trabalhadores rurais que obrigam os deputados da nobreza e do clero a renunciar aos seus privilégios. Mais tarde, os padres, que na sua maior parte foram favoráveis às reformas, vão dirigir-se – em nome de Deus e do rei – aos camponeses de vastas regiões, e também aos habitantes de muitas cidades, incentivando-os contra os ideais revolucionários. O conflito ideológico entre religião e revolução, assim como a vontade dos revolucionários de controlar o clero, provocam então uma muito forte acentuação dos antagonismos políticos, uma complicação crescente de conflitos, que não têm grande relação com a luta de classes, tão cara aos historiadores marxistas. A ideia de Nação, refere Yves Lacoste23, discutida exaustivamente à medida que se acentuava a crise do Ancien Régime e, depois, reclamada para a fundação de um novo, foi encarada essencialmente no plano interior para reivindicar ou posicionar um melhor governo da França. Não era feita referência ao estrangeiro, a não ser para lhe servir de exemplo. Mas a guerra que o rei e a Assembleia declararam à Áustria modificou consideravelmente a ideia de Nação, tornando-a desta vez agressiva (com uma forte dimensão guerreira) e muito frágil. A partir daí, aqueles que não reconheciam a exclusividade da Nação ou que manifestavam o seu desacordo com a maioria na Assembleia passavam por traidores à pátria, com o mesmo estatuto, pois, daqueles que tinham abandonado a França para se aliarem ao inimigo. O nacionalismo começava a desenvolver a característica de oposição ao “outro” que mais tarde lhe seria apontada como anátema, justificando a sua repressão. Definida, assim, a ideia moderna de nação, convencionada na expressão Estadonação, irá assistir-se à sua propagação por todo o mundo.

23

Idem, p. 251. 32

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3. O DESMORONAMENTO DE IMPÉRIOS E A CONSTRUÇÃO DE ESTADOS OU A INVENÇÃO DE NOVAS NAÇÕES A expressão “Estado-nação” teria, contudo, de se adaptar às diferentes situações: no final do século XVIII, a superfície sólida do globo encontrava-se completamente dividida em Estados-nação. Eram cerca de setenta e a maior parte detinha características imperiais. Eram os casos dos impérios britânico, espanhol, francês, português, holandês. Mas, à medida que a ideia se desenvolvia e propagava, mais fracos se tornavam os factores de aglutinação desses impérios. Na verdade, se uma nação se caracterizava pela raça, pela religião, pela língua, pelos costumes, pela diferenciação territorial e muito principalmente (cada vez mais) pela vontade de estar junto, então as colónias não se sentiam (ou faziamlhes sentir que não eram) parte integrante de uma nação imperial, mas sim súbditas de um povo estrangeiro, vindo de longe. A ideia de identidade cultural colectiva começava a deixar de se aplicar a grandes conglomerados de povos e a aplicar-se cada vez mais a cada uma das comunidades étnicas submetidas. A ideia de nação começou, assim, a apoiar-se cada vez mais nas suas bases étnicas e cada vez menos na superior organização política. Nesta perspectiva, os grandes impérios ultramarinos começam a deixar de fazer sentido. O exemplo das colónias inglesas da América do Norte é seguido por um grande número de outras comunidades, primeiro no resto das Américas, estendendo-se esta consciência depois a todo o mundo colonizado. Mas se se assiste à tomada de consciência da diferença primeiramente nas colónias do Novo Mundo, nas demais regiões submetidas o fenómeno não é essencialmente espontâneo. Uma grande movimentação missionária (tanto no sentido religioso, como no cultural e político), com origem principal nos Estados Unidos, mas também em outros países com interesses alargados a regiões distantes, irá visitar as colónias europeias e espalhar a ideia da autonomização junto dos nativos, dando-lhes a consciência da diferença e inculcando-lhes a ideia de Estado-nação. A criação da Sociedade das Nações e, mais tarde, da Organização das Nações Unidas, iniciativas indubitavelmente norte-americanas, visou essencialmente transportar para um plano superior a estrutura liberal democrática que foi a génese do sistema político 33

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americano. Mas procura também ser uma base institucional para a resolução do “complexo” norte-americano de libertação de regiões que, tal como outrora a América do Norte, se encontram ainda sob domínio colonial. Mas se nas antigas colónias inglesas da América o espírito que prevalece está directamente relacionado com uma certa cultura europeia detida pelas aristocracias brancas que se libertam da terra de origem, no resto do mundo é necessário educar o espírito cívico, ensinar os princípios da Revolução Francesa, enfim, “inventar” a nação. A criação de um fórum onde, conjuntamente, as velhas e as novas nações se pronunciem em pé de igualdade sobre o direito dos povos colonizados à autodeterminação e independência, vai pressionar os povos colonizadores a libertarem regiões e povos onde a consciência nacional não existe24 e onde não resta estrutura política ou consciência democrática quando a nação colonizadora se retira. Mas quantas mais destas “nações” entram no seio da ONU maior é a pressão para que todas as gentes, ou comunidades étnicas, quer tenham ou não consciência de nação, sejam elevadas à categoria de Estado-nação. Este movimento, no entanto, tem logo à partida excepções: os povos com direito à autodeterminação têm que ser não europeus, de etnia não branca. Assim, os Estados Unidos vão apoiando as lutas de libertação em África, parte da Ásia e na Oceânia, sendo esquecidos os povos submetidos na Europa e no resto da Ásia25. Vemos, assim, que os Estados-nação são estruturas frágeis, tanto aqueles que se consolidaram na “Era das Nações”, como especialmente os que surgiram na sequência do declínio e queda dos impérios ultramarinos. Como estrutura delicada e imperfeita que é, o Estado-nação mostra-se vulnerável a ataques, muito especialmente se os seus cimentos agregadores advêm da teorização abstracta, ou seja, se o Estado-nação é “inventado”. Este último processo poderá ter fragilizado ainda muito mais o conceito de Estado-nação, podendo ter-se aberto um caminho para o abandono dessa estrutura política em favor de outras organizações humanas.

Sobre a invenção de etnias, ver André Guichaoua, “Burundi, Rwanda – des ethnies inventées?”, in Serge Cordellier (dir.), Nations et Nationalisme. Paris: La Découverte, 1995, pp. 114 e ss. 25 Sobre reacção à globalização, pela criação de novos Estados, cf. Hans-Peter Martin & Harald Schumann, A Armadilha da Globalização – O Assalto à Democracia e ao Bem-estar Social. Lisboa: Terramar, 2000, pp. 31-32. 34 24

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4. PROBLEMAS QUE OS NOVOS ESTADOS-NAÇÃO COMPORTAM Para a maioria dos novos Estados, das novas “Nações”, a origem e os primeiros tempos da sua autonomia determinam o sucesso do seu futuro. Ao fazerem frente ao colonizador, ao demarcarem-se da cultura que os dominou, procuram a sua própria identidade, supostamente esmagada pela estrutura colonial. No entanto, o que frequentemente se verifica depois da retirada do Império (por vezes com estupefacção) é que a nação não existe, e terá que se iniciar um processo, a posteriori, de criação da identidade nacional. Essa tarefa revela-se quase sempre titânica, demorada e, muitas vezes, sem resultados visíveis. Existem muitas etnias, muitos dialectos, diferentes culturas, várias religiões, e tudo e todos tentam afirmar como sendo da nova nação as características que são apenas de uma das muitas partes que se encontram dentro das fronteiras. Falta frequentemente aquilo que Renan atribuía à ideia de Nação como principal cimento agregador: a vontade de todos de viverem juntos, com um projecto comum. Por outro lado, com a saída da inteligentsia colonial, desaparecem normalmente as estruturas sociais, escolares e de trabalho, e também aqui há que iniciar processos de construção. Mas faltam ainda outros elementos. A economia, anteriormente gerida de longe, da capital do Império, na maior parte dos casos acaba por colapsar. Conforme definido por Robert Jackson, se um Estado depende do apoio económico externo para sobreviver, se a sua maturidade política ainda não foi atingida, se é a vontade de outro Estado que cria e suporta a existência desse Estado, então esta é uma soberania negativa26. Vejamos alguns exemplos e os seus problemas. Os novos Estados, com as suas fronteiras desenhadas pelas potências europeias, tiveram problemas desde o seu início. A colónia inglesa das Índias procedeu a movimentações de milhões de pessoas entre a Índia e o Paquistão, para consolidar as respectivas nações, com fundamento na religião. Nas excolónias africanas, os povos, e até famílias, viram-se separados por fronteiras artificiais que não atendiam à disposição geográfica das culturas. Muitos dos conflitos locais têm aí uma das suas origens. 26

Robert Jackson, Quasi-States: Sovereignty, International Relations and the Third World. Cambridge: Cambridge University Press, 1990, pp. 26-28. 35

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A Guerra Fria impôs alguma estabilidade ao movimento de libertação das colónias europeias. Mas o processo iniciado em meados do século XX era imparável. A pressão das Nações Unidas e a vontade dos dois blocos em chamarem às suas fileiras o maior número possível de Estados, acabou por obrigar os últimos impérios coloniais a desaparecerem. Era inevitável que muitos desses jovens Estados, apoiados pelos dois blocos em confronto, se vissem entregues à sua sorte quando terminou a Guerra Fria. Mas então deuse uma alteração da relação entre os Estados. As antigas potências coloniais e os novos poderes emergentes da última grande guerra foram forçados a sentir a obrigação de ajudarem esses países. Assim, nem o desenvolvimento económico foi atingido, nem a maturidade política foi completada. Muitos desses jovens Estados, a que Robert Jackson chama “quase-estados”27, são entidades políticas do Terceiro Mundo a que faltam muitas das características e méritos do conceito empírico de Estado, postulado pela soberania positiva. Um novo factor – o direito de autodeterminação –, aparecido no mundo das relações internacionais, precipitou uma série de ex-colónias no grupo das nações independentes. Muitos desses Estados, mesmo sem estruturas políticas consolidadas, sem uma organização económica viável, sem terem levantado as suas capacidades de defesa, viram-se de repente independentes, tendo perdido todo, ou quase todo, o suporte do colonizador, uma nação mais forte, mais organizada e mais rica. Muitas outras, a quem foi reconhecido o direito à auto-determinação, não conseguiram, na prática, levar a cabo a vontade nacional, como o Sara Ocidental, a quem foi reconhecido, pela comunidade internacional e pela ONU, o direito à auto-determinação e à independência. Porém, não reúne ainda condições para tal, nem a potência administrante, a Espanha, tem interesse na sua promoção a Estado independente, nem Marrocos, que reclama o território, tem vontade de abrir mão dessa vontade. Um outro exemplo típico viu recentemente concretizar-se a sua aspiração de independência. É o caso de Timor-Leste. Ex-colónia, foi ocupado logo após a retirada de Portugal, antigo colonizador (ou potência administrante, como mais tarde seria designado), 27

Segundo Robert Jackson, um quase-Estado é uma comunidade que obteve a independência devido a factores externos, sem ser possuidor dos factores de soberania positiva, tais como a capacidade para obter a independência, a capacidade de defesa, a viabilidade económica ou serem possuidores de instituições representativas da vontade popular. Dependerão, por outro lado, da ajuda económica para sobreviverem. Ibidem. 36

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em 1975, pela Indonésia, vendo-se o seu povo impedido de ascender ao gozo pleno da soberania. No entanto, a verdade é que Timor ainda não reunia todas as condições – para além da vontade e da determinação – para gerir sozinho o seu destino; e mesmo hoje em dia ainda não as alcançou, como mostra a permanência no território de uma força de paz. Muitos outros Estados, a quem formalmente é reconhecida a independência, e aos quais é reconhecido o direito à representação na Assembleia Geral das Nações Unidas, encontram-se na total dependência da comunidade internacional ou de outros Estados, frequentemente o próprio antigo colonizador. Muitas outras entidades não tiveram essa oportunidade de lhe serem reconhecidos os direitos à autodeterminação e à independência. Encontram-se quase todos no grupo das entidades que não se encontravam na Ásia ou na África e não tinham por colonizador um país europeu. Entidades com vontade de autodeterminação, como os curdos, os bascos e outros não puderam usufruir dessa oportunidade. São o que Hedley Bull designa por “nãoestados”, comunidades políticas independentes que meramente reclamam o direito de soberania (ou é julgado por outras como tendo esse direito), mas que não conseguem esse direito na prática28. No caso da Palestina, trata-se de um território colonial tardio da Inglaterra, a quem foi prometida a independência no seguimento do processo de declínio do império britânico. A criação do Estado de Israel, na mesma área geográfica, após a Segunda Guerra Mundial, adiou a independência. É também o caso dos curdos, povo que se espalha principalmente entre a Turquia e o Iraque, e que não pôde aproveitar as oportunidades das vagas independentistas pós-Segunda Guerra Mundial, nem mesmo após o colapso do sistema internacional bipolar, com a queda do império soviético. Já o Kosovo é um caso peculiar de não-Estado. O território estava anteriormente ocupado por povos de origem eslava e integrado no reino feudal da Sérvia até ao avanço da vaga otomana pela Europa. Com a perda da independência da Sérvia, o Kosovo acabou por ser ocupado por outras etnias, nomeadamente turcos, albaneses e outros. Com a independência da Sérvia no século XIX, no Kosovo ficaram os sérvios e, principalmente, os albaneses. Estes últimos aumentavam de número com a crescente degradação económica da Albânia a fazer crescer a emigração. A vaga de sentimentos nacionalistas e

28

Hedley Bull, The Anarchical Society: A Study of Order in World Politics. London: Macmillan, 1977, p. 21. 37

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independentistas da década de 90 acabou por atingir os habitantes albaneses do Kosovo, agora já localmente em maioria, que passaram a reclamar a independência do Kosovo da Sérvia, com vista à futura união com a Albânia. A violenta repressão dessas iniciativas pelas autoridades sérvias provocou a intervenção da comunidade internacional, que acabou por ocupar militarmente o território, com forças da NATO, sendo vedado, no entanto, à luz do direito internacional, o apoio à cisão. Um terceiro caso parte de um Estado já constituído, ou a que foi reconhecido o estatuto de independência, mas que não consegue consolidar esse estatuto, devido a factores de ordem externa, raramente, ou de ordem interna, mais frequentemente. De acordo com Robert Rotberg29, esse tipo de estado, a que chamou “Estado falhado”, é aquele que já não é capaz de controlar a totalidade do seu território, que deixou de providenciar os benefícios políticos básicos considerados como elementares num Estado devidamente constituído – ou seja, segurança, educação e saúde –, cujo produto interno bruto (de acordo com as normas das Nações Unidas sobre o desenvolvimento das nações) caiu abruptamente e que, além disso, quando passou a generalizar-se a corrupção, a liderança legítima acabou por perder importância ou desaparecer. Por fim, este tipo de Estado acaba por colapsar irreversivelmente quando a violência esporádica se torna uma guerra civil de grande escala. Estes casos de falhanço dos Estados devem-se, assim, essencialmente, a não terem sido reunidas as condições de soberania, aquando da atribuição do seu estatuto de independência. São exemplos recentes os casos do Ruanda e da Somália. No caso do Ruanda, entre 1990 e 1994 foram travados dois conflitos: uma guerra entre as forças armadas governamentais e um exército rebelde, apoiado por intervenções militares do exterior, e uma guerra política entre a oligarquia dominante e os seus oponentes políticos. O primeiro eliminou o regime oligárquico, o último terminou com genocídio. A oligarquia dominante ruandesa manipulou as tensões étnicas e os medos de forma a criar espaço para uma solução final radical. A indiferença política por parte dos países ocidentais materializou-se numa fraca missão de manutenção de paz que pretendia garantir um fim pacífico para o conflito militar, mas que acabou por ser vítima do fim 29

Robert Rotberg entrevista em 31 de Maio de 2002 a Miranda Daniloff [em linha] . [referência de 27 de Julho de 2002] . Disponível na Internet em: http://www.ksg.harvard.edu/news/experts/rotberg_failed_states_qa.htm, página da Internet visitada em 27 de Julho de 2002. 38

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violento dessa guerra. Medos relacionados com a falta de segurança, reais ou construídos, foram mais ferramentas do que causas dessa guerra. Um dos erros do antigo colonizador, a Bélgica, o reconhecimento de duas etnias principais, em detrimento de todas as outras, equilibradas e cujos elementos eram perfeitamente identificados, inclusive pela documentação oficial, alimentou a consciência da diferença das duas etnias que habitavam no mesmo território e ambicionavam da mesma forma a tomada do poder político. Assim, a construção da consciência nacional homogénea falhava logo na sua génese30. Na Somália, as origens da guerra civil que se desenvolveu em espiral, após a deposição do presidente Syaad Barre, em 1991, não deverão procurar-se nas especificidades do sistema social de linhagens somali (como defendia um analista local), nem no mais geral dilema de segurança (como alguns peritos internacionais teimavam em insistir). Antes pelo contrário, a melhor forma de explicar o conflito é pelo sistema de guerra de desgaste, causado pelo aumento da escassez de recursos disponíveis aos vencedores de golpes levados a cabo em África após o fim da Guerra Fria. Sob as condições da guerra de desgaste, as pressões internacionais sobre os novos líderes para os obrigarem a democratizar o seu país poderão ter aumentado, mais do que diminuído, as hipóteses de uma guerra civil31. Os problemas que o Estado-nação – construído a partir da ideia de Nação cívica – comporta, como se viu acima, poderão ser causa da crise desse Estado-nação, que agora se vislumbra? Existirá o mesmo problema naqueles que tiveram origem em nações étnicas, os Estados-nação de maior antiguidade e naqueles cujos processos de criação se justificavam com a tradição, a raça, a cultura comuns, embora criados recentemente? É o que veremos no capítulo seguinte, ao estudarmos os sinais da crise nacional.

Cf. Bruce D. Jones, “Military intervention in Rwanda’s «two wars»: partisanship and indifference”, in Barbara F. Walter & Jack Snyder (eds.), Civil Wars, Insecurity and Intervention. New York: Columbia University Press, 1999, pp. 116-145. 31 David D. Laitin, “Somalia: civil war and international intervention”, in Barbara F. Walter & Jack Snyder (eds.), Civil Wars, Insecurity and Intervention, Columbia University Press, New York, 1999, p. 154. 39 30

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Capítulo II O ESTADO-NAÇÃO EM CRISE?

1. A EXTINÇÃO OU ADAPTAÇÃO DO MODELO CLÁSSICO

Por todo o mundo existem sinais de uma crise nacional, inclusive no Ocidente, onde se tinha tomado como certa a solidez do Estado-nação que adoptasse como base a ideia cívica (embora a sua consolidação inicial se realizasse pela via étnica). Neste capítulo tentar-se-á responder à questão: que crises nacionais (ou nacionalistas) ocorrem no mundo – e porquê – que podem levar ao colapso do Estado-nação? Conforme escreve Amaro Carvalho da Silva, a propósito do problema do nacionalismo, “Os problemas relativos à Nação, identidade nacional, identidade cultural, Pátria e sentimento nacional estão sempre a colocar-se e sempre de modos diversos. Ora por debate ideológico ora por ocorrência de algum facto relevante, estes conceitos, que envolvem sentimentos de pertença e de identificação, estão sempre prontos a emergir. Todos os problemas relativos à origem, natureza, cultura, valores, identidade e consciência de si são determinantes para a definição de um cidadão ou sujeito social”1.

1

Amaro Carvalho da Silva, O Partido Nacionalista no Contexto do Nacionalismo Católico (1901-1910). Lisboa: Edições Colibri, Lisboa, 1996, p. 13. 41

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Portanto, os sinais de crise existem: um desses modelos de Estado-nação, o cívico, é posto em causa ultimamente por, no entender dos seus detractores, não atender aos factores tradicionais que constituirão os “cimentos aglutinadores” das sociedades politicamente organizadas. Gérard Bergeron estudou a questão do declínio dos Estados e duvida que este fenómeno exista, pelo menos com a força que lhe é atribuída. Para o autor, a falada “escola do declínio” mais não seria do que uma convergência de trabalhos individuais de economistas americanos surgidos na era Reagan e que essencialmente exprimiam a sua inquietação por um presumível desacelerar da ascensão económica dos Estados Unidos2. Nesse sentido, o “declínio do Estado” referir-se-ia exclusivamente aos campos económico e administrativo. No entanto, Paul Kennedy reitera a questão do declínio dos Estados, usando como exemplo os Estados Unidos, a quem dedica as últimas páginas do seu livro Ascensão e Queda das Grandes Potências. No entanto, a questão do declínio, embora comprovada apenas nos aspectos económicos e administrativos, revela a crise cuja reacção poderá ser a dos movimentos nacionalistas extremados. Por outro lado, a carga negativa desses movimentos nacionalistas anulou, devido principalmente às suas consequências práticas – quer sejam limpezas étnicas, ou massacres ou guerras civis ou ataques a imigrantes estrangeiros –, a validade do modelo étnico que é aquele que melhor corresponde à natureza humana. Como causas globais da crise apontam-se a própria globalização3 – de que o nacionalismo actual será uma reacção – e a política externa e económica dos EUA após a queda do Império Soviético4. O sucesso da expansão do neoliberalismo pressupõe a anulação de particularismos regionais e a adopção de ideias globais5. A questão que naturalmente se levanta é: será que o nacionalismo no final do século XX é uma ideia ultrapassada? Amaro Carvalho da Silva diz que não quando escreve que “nacionalismo é uma «reacção», é defesa de si. O nacionalismo é o recurso à última bandeira de uma

Gérard Bergeron, Petit Traité de l’État. Paris: Presses Universitaires de France, 1990, pp. 245 e ss. Cf. Hans-Peter Martin & Harald Schumann, A Armadilha da Globalização – O Assalto à Democracia e ao Bem-estar Social. Lisboa: Terramar, 2000, pp. 12-14. 4 Vicente Verdú, O Planeta Americano. Lisboa: Terramar, 1997, pp. 135-136. 5 Cf. Bertrand Badie, O Fim dos Territórios. Ensaio sobre a Desordem Internacional e Sobre a Utilidade Social do Respeito. Lisboa: Instituto Piaget, 1995, p. 298. 2 3

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Nação, é a última causa de uma comunidade, é a colagem a um percurso histórico já estratificado. Afirma ainda que “O nacionalismo enquanto autonomia, auto-suficiência e enclausuramento contrapõe-se à noção de cidadania universal e interdependência com todas as outras culturas. Nacionalismo é lugar e defesa do lugar”6. Ou seja, sempre que a Nação se encontra em crise, em perigo, o advento nacionalista vai servir para a sua defesa. Como causas da crise em algumas regiões particulares do globo, pode-se apontar o fracasso da tentativa de aí implantar o modelo cívico, como nos casos de países do leste europeu e de parte do Hemisfério Sul. Verifica-se também, em simultâneo, que acaba por se revalorizar o modelo étnico, com base na origem comum, no “sangue”. Finalmente, há ainda que analisar as consequências da crise nacional para a “região” ocidental. Por, devido ainda a essa crise, se dar o colapso social e económico nalguns países do Terceiro Mundo, vagas de emigrantes chegam ao Mundo Ocidental em busca de melhores condições. Os povos que os recebem e, dentro destes, muito especialmente as classes assalariadas urbanas, acabam por vê-los como utilizadores abusivos da sua terra, dos seus empregos, da sua segurança social. O terreno torna-se fértil para o advento dos nacionalismos extremos. É assim que, neste capítulo, se vai desenvolver a questão dos problemas suscitados pela recente ascensão do nacionalismo extremista e xenófobo em todo o mundo, com a preocupação de fazer diagnóstico e não terapêutica. Mas como o nacionalismo conduzido pelos extremistas acaba por fazer da ideia nacional um anátema, há que – como diz Lacoste7 – tomar nas mãos a ideia nacional e retirá-la à influência extremista, de forma a valorizá-la.

2. SINAIS DE CRISE Como vimos anteriormente, e conforme refere Anthony D. Smith8, a validade do nacionalismo para a criação dos Estados, e da própria estrutura internacional, não pode ser 6

Amaro Carvalho da Silva, op. cit., p. 15. Yves Lacoste, Vive la Nation – Destin d’une Idée Géopolitique. Paris: Librairie Arthème Fayard, 1998, p. 330. 8 “O próprio facto da análise desse registo [histórico] revelar dúvidas consideráveis sugere (…) uma maior continuidade entre etnias pré-modernas e etnocentrismo, e nações mais modernas e nacionalismo, do que 7

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posta em causa. Smith afirma que “as tentativas para explicar o como e o porquê do aparecimento das nações devem começar pelas identidades e pelos laços étnicos que em conjunto formaram a sua base cultural e que (…) desempenharam um papel importante na formação das primeiras e subsequentes nações”9. Barber reitera esta ideia ao afirmar que o nacionalismo estabelece a governação numa escala maior que a tribo, embora menos cosmopolita que a igreja universal, e terá mesmo dado origem, em tempos, àquelas instituições intermediárias, cada vez mais democráticas, que haveriam de constituir o Estado-nação10. Afirma que, no entanto, parece haver nos dias de hoje a intenção de recriar um mundo em que as nossas únicas hipóteses de escolha serão ou o universalismo secular do mercado cosmopolita ou o particularismo quotidiano da fracção tribo11. Na ideia deste autor, tanto a tribalização como a globalização conspiram para minar as liberdades cívicas tão duramente conquistadas e defendidas e a possibilidade de um futuro democrático global. No entanto, um outro autor norte-americano, Thomas Friedman, no seu livro The Lexus and the Olive Tree, publicado em Nova Iorque em 2000, opõe-se a esta visão pessimista e acaba mesmo por defender a globalização. Assim, no seu entender, encontrarse-á, sob o sistema da globalização, tanto o “choque das civilizações” como a homogeneização destas, tanto os desastres ambientais como fantásticos salvamentos do ambiente, tanto o capitalismo liberal e de mercado livre como movimentos de oposição àqueles, tanto a permanência dos Estados-nação como a ascensão de actores não estaduais muito poderosos12. Ou seja, o Estado-nação continuará, mas num ambiente completamente novo, numa nova era a que se chamará de globalização. No entanto, quando afirma que “o mundo tem dez anos”13, está a demonstrar que a anterioridade histórica do Estado-nação não é relevante e que só deve ser considerada na última década, o que retira à ideia nacional aquilo que tem de mais valor, a sua antiguidade. aquela que os modernistas de todos os géneros estavam preparados para admitir”. Anthony D. Smith, A Identidade Nacional. Lisboa: Gradiva, 1997, p. 72. 9 Idem, pp. 72-73. 10 Benjamin R. Barber, Jihad vs. McWorld. Terrorism’s Challenge to Democracy. New York: Ballantine Books, 1996, p. 7. 11 Ibidem. 12 Thomas L. Friedman, The Lexus and the Olive Tree. New York: Anchor Books, 2000, pp. 355-356. 13 Idem, p. xi. 44

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O nacionalismo – que Barber localiza a meio caminho entre a tribalização e a globalização, sendo, portanto, o fulcro que determinará o equilíbrio entre as duas tendências – foi a base (segundo este autor e mesmo segundo Anthony D. Smith) para a construção da maior parte dos Estados-nação modernos, cívicos, dos cidadãos supostamente conscientes dos seus direitos e deveres, do homem político. Mas a construção da nação cívica a partir do acervo nacional não foi o único processo de geração de entidades políticas independentes, reconhecidas pela Comunidade e pelo Direito internacionais, embora o recurso constante ao exemplo da fundação dos Estados Unidos possa levar a entender-se o contrário. A construção da nação cívica por excelência – os Estados Unidos – aconteceu devido à feliz conjugação de um bom número de factores propícios14, que raramente se encontram todos juntos na consolidação da consciência nacional, num mesmo momento, em toda a história do Estado-nação. O sucesso futuro seria também garantido pelo “isolamento da jovem república em relação aos conflitos de poder europeus e o cordon sanitaire que a marinha de guerra britânica (mais do que a doutrina Monroe) impunha para separar o Velho Mundo do Novo”15. A propósito dos Estados Unidos da América, Tocqueville reconhecia que o processo de construção nacional tinha por base elementos que não os da formação étnica: “Il arrivera donc un temps ou l’on pourra voir dans l’Amérique du Nord cent cinquante millions d’hommes égaux entre eux, qui tous appartiendront à la même famille, qui auront le même point de départ, la même civilisation, la même langue, la même religion, les mêmes habitudes, les mêmes mœurs, et à travers lesquels la pensée circulera sous la même forme et se peindra des mêmes couleurs. Tout le reste est douteux, mais ceci est certain. Or, voici un fait entièrement nouveau dans le monde, et dont l’imagination elle-même ne saurait saisir la portée”16. “Les Anglais du nouveau monde ont entre eux mille autres liens, et ils vivent dans un siècle où tout cherche à s’égaliser parmi les hommes”. Alexis de Tocqueville, De la Democracie en Amérique. Paris: GF Flammarion, 1981, p. 539. Já logo na página 5 deste seu livro escrevia: “La nature du pays, l’origine de ses habitants, la religion des premiers fondateurs, leurs lumières acquises, leur habitudes antérieurs, ont exercé et exercent encore, indépendamment de la démocratie, une immense influence sur leur manière de penser et de sentir”. 15 Paul Kennedy, Ascensão e Queda das Grandes Potências. Mem-Martins: Publicações Europa-América, 1997, p. 215. 16 Alexis de Tocqueville, op. cit., p. 540. 14

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Ou seja, reconhecia que os Estados Unidos não eram dotados dos elementos caracterizadores típicos usados na construção de um Estado nacional, mas que, apesar disso, seria uma construção de grande sucesso. Também a nação étnica, nascida do agrupamento de homens com consciência das suas similaridades culturais, religiosas, linguísticas, raciais e de origem comum, deu origem a Estados-nação reconhecidos e respeitados como tal, numa frequência superior à da construção pela via cívica. Os casos do Japão, do Vietname, da Malásia, da Tailândia e, na Europa, de Portugal e Irlanda, são evidentes e recorrentemente referidos. Entretanto, muitos outros existem. A transformação subtil de uma comunidade de características étnicas numa essencialmente cívica oculta muitas vezes que o sucesso desses Estados-nação modernos reside na origem e não na forma como hoje em dia se apresentam. Conforme nota Anthony D. Smith, “sem algumas linhagens étnicas, a futura nação pode desintegrar-se”17. Para além destas duas vias de criação do Estado-nação – e independentemente de quaisquer polémicas que a evocação deste par de conceitos suscita –, há que falar de uma terceira via, a que se poderá chamar da “invenção”. Chama-se-lhe “invenção”18, porquanto o aparecimento desses Estados depende em larga escala da existência prévia de condições e de um plano para a construção desses Estados, mais do que da existência de consciência nacional e de vontade. A via da “invenção” criou rapidamente – pois não foram seguidos os lentos processos tradicionais de gestação, característicos dos Estados-nação mais nitidamente consolidados –, e por vezes de forma violenta, vários (chamados) “Estadosnação” em áreas onde antes se localizavam entidades coloniais, englobando várias etnias, culturas e religiões, com fronteiras geográficas que tinham tido origem exógena, devido aos tratados e negócios entre as potências coloniais administrantes. Estas novas nações pretendiam-se cívicas pois baseavam-se no modelo de construção de Estados como os EUA. No entanto, este país teve por base comunidades de colonos europeus, possuidores de elevado grau de consciência cívica mesmo antes do advento da ideia de independência, enquanto naquelas se verifica a partida de tal tipo de comunidades quando o processo de criação do Estado se inicia. 17

Anthony D. Smith, op. cit., p. 61. Idem, pp. 138 e ss. O autor usa este termo para os processos de criação de nações como as da Europa e da América, sob grande pressão e rapidez, devido a contingências da situação política. 18

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Mas, chegados a este ponto, uma questão parece levantar-se: a nação cívica, cujos exemplos são os Estados Unidos e as democracias ocidentais em geral, opõe-se à nação étnica, construída à volta dos factores tradicionais caracterizadores da nação pré-Renan (ou mesmo anteriores à Revolução Francesa), como parece indicar a vontade de se tornarem independentes territórios delimitados por fronteiras arbitrárias dos períodos colonizadores? (No caso, claro, de se simplificar o significado da ideia “vontade de se tornarem independentes”, pois em princípio nenhum plebiscito foi feito ao povo para se saber da sua vontade, sendo exemplo de excepção o recente caso de Timor-Leste.) Ou acontecerá o contrário – a nação étnica levanta-se contra as arbitrariedades políticas e tenta delimitar-se dentro de um território, excluindo os que não são semelhantes, como é o caso dos bascos19 e dos curdos20? As guerras civis que eclodem logo após as independências, especialmente em África, mas também na Ásia e mesmo na Europa, onde se nos deparam movimentos separatistas de guerrilha e de terrorismo de certas regiões, parecem fazer tender a verdade para esta última questão. Sobre este debate, afirma Dominique Schnapper, opondo-se à ideia de duas origens distintas de comunidades políticas independentes – defendida por Anthony D. Smith –, que existe apenas uma ideia de Nação. No entender deste autor, não existem duas ideias de Nação, como vulgarmente se repetia na Europa pós-Revolução Francesa e após os grandes conflitos entre a França e a Alemanha, opondo de forma ritual a Nação cívica ou política “à francesa” ao Volk ou, noutros termos, à Nação étnica ou cultural “à alemã”. A própria noção de Nação étnica será, no seu entender, contraditória nos seus termos. Existirá – na sua óptica – uma confusão provocada entre as palavras “Nação” e “etnia”. É o esforço de colagem à identidade e às pertenças entendidas como naturais pela abstracção da cidadania que caracterizará formalmente o projecto nacional: “[…] Il existe une seule idée de la nation”21. No entanto, Yves Lacoste pensa, tal como Anthony D. Smith, de forma oposta: tem valor a ideia de nação fundada nos factores que levaram à “criação natural” daquela e que mais tarde haveriam de a fazer evoluir para a Nação cívica, mas sem esta perder de

19

Idem, pp. 155-156. Idem, p. 169. 21 Dominique Schnapper, La Communauté des Citoyens – Sur l’Idée Moderne de la Nation. Paris: Gallimard, 1994, p. 24. 20

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vista os elementos iniciais que constituem os primeiros cimentos agregadores. A crise das Nações deverá ser assim entendida como estando a ser causada pelo abandono dos factores tradicionais, em favor da integração europeia e da mundialização, com vantagens apenas para os “plus habiles ou les plus fortunés”, afirma este autor em Vive la Nation22. Se, para Yves Lacoste, há que moldar e adaptar as tendências nacionalistas de forma a reforçar a ideia de Nação (ou seja, todos os movimentos nacionalistas pós-modernos têm uma componente positiva que é preciso explorar), para Dominique Schnapper “la nation moderne est historiquement indissociable de la démocratie et essentiellement opposée au nationalisme”23. Há, todavia, que tomar atenção que a construção apressada de Estados, como referido acima, caracterizados formalmente como cívicos, produziu muitos Estados falhados, como é exemplo paradigmático a Libéria, na África Ocidental, e como mostra, pelas suas dificuldades, a mais recente reconstrução do Iraque, dividido em três comunidades com objectivos e interesses diferentes, além de muitos outros. Esta polémica demonstra um dos aspectos da crise que se instalou à volta da questão do Estado-nação. A viabilidade do modelo étnico parecia ter desaparecido com a célebre conferência de Renan, mais tarde com os debates levados a cabo no mundo ocidental após a Segunda Guerra Mundial e ainda com as iniciativas políticas e estratégicas dos Estados Unidos e seus aliados. Esse modelo parecia já então estar em vias de ser abandonado. Para que tal não acontecesse seriam necessárias profundas alterações para que continuasse a ser útil, como escreveu Yves Lacoste24, tal como ser adoptado apenas um dos factores, a língua comum, que o autor propôs como solução para o problema actual da França. Mas, como se verá mais à frente neste capítulo, os elementos caracterizadores da etnicidade estiveram e estarão sempre presentes no Estado-nação. Para além das referidas questões levantadas pela autonomização e independência das entidades políticas saídas dos impérios ultramarinos, e após as grandes vagas de descolonização que alteraram o mapa político mundial, ficaram ainda por resolver alguns casos como os dos povos esquecidos não independentes, aqueles que, ou eram de etnia 22

Yves Lacoste, op. cit., pp. 116-117. Dominique Schnapper, op. cit., p. 24. 24 Yves Lacoste, op. cit., pp. 311 e ss. 23

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caucasiana, ou se localizavam territorialmente na Europa. No entanto, acontece que a consciência política que tinha sido criada pelas descolonizações e os debates que, sobre o assunto, tiveram lugar na Assembleia das Nações Unidas tornaram esses povos atentos e inquietos. E é assim que se assiste, na década de 1980, por exemplo, no período imediatamente antes da “Queda do Muro”, a grandes pressões sobre o Império Soviético e sobre outras entidades “federais”, como a Jugoslávia, para que os povos subjugados directa ou indirectamente (no caso da URSS é de referir dois tipos, os países satélites e as Repúblicas) tivessem oportunidade de expressarem livremente a sua vontade. Grande parte da pressão era externa, exercida pela vontade de expansão do comércio mundial – ou seja, pelo liberalismo económico – e pelos adversários do Império Soviético. Mas a pressão interna era também enorme, pois as Nações Unidas tinham feito divulgar o direito dos povos à autodeterminação. O nacionalismo crescia, assim, no seio desses povos e os factores de identificação nacional ganhavam de novo a importância necessária à constituição da diferença e à criação da vontade que possibilitasse a libertação, logo que oportuno. Assim, na última década do século XX, verifica-se que é de novo o conceito étnico de Nação que tenta reocupar – num movimento que Anthony D. Smith designa de “etnonacionalismo”25 – o lugar há muito cedido à Nação cívica, de tipo anglo-saxónico ou herdado das ideias da Revolução Francesa. E a crise que se vem instalando no mundo é, na verdade, o choque entre os dois conceitos, que agora volta a lume. E se, para os dirigentes políticos dos EUA e do mundo Ocidental em geral, importa defender e continuar a difundir globalmente o modelo cívico, para o resto do mundo existe ainda outra opção que é a de se seguir o recém recuperado conceito étnico de Nação – podendo dar origem a problemas como o “Choque de Civilizações”, estudado por Samuel Huntington. Se se enveredar pela primeira opção, a via cívica, serão abandonados os factores étnicos que caracterizam cada entidade política, acabando por, ao perder a sua base lógica de nação, se desvanecerem e desaparecerem os potenciais Estados-nação, aquelas entidades nacionais que aspiram à libertação e à constituição do Estado. Tal parece ser esta a guerra de sobrevivência.

25

Anthony D. Smith, op. cit., p. 107. 49

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O problema com a construção artificial de Estados (denominados sempre como Estados-nação ou Estados nacionais), nascidos dos impérios ultramarinos ou do soviético, é que se tentou seguir de imediato para o modelo cívico, sem se percorrerem os caminhos difíceis e morosos do amadurecimento da Nação pela via étnica, a única via que esteve na origem dos próprios Estados-nação cívicos. Daí os confrontos globais de ideias e mesmo os desastres que se começam a descortinar, logo após o “descongelamento” dessa era glacial que foi o período da Guerra Fria. Daí as agitações na Europa, a Leste. Daí, finalmente, o ressurgimento de vanguardismos nacionalistas xenófobos no próprio mundo Ocidental. Ou seja, a nação étnica parece ainda existir na consciência dos povos da América do Norte e da Europa Ocidental, como fundamento, como essência, da própria existência desses países. Ainda sobre a validade superior do modelo étnico sobre o cívico, afirma Jean Leca26 que o Estado-nação cívico estaria em crise por toda a parte e, por isso, seria muito temerário deduzir o declínio dos nacionalismos e da luta dos comunalismos com o objectivo de monopolizar ou partilhar os poderes governamentais. Quando mesmo bairros, grupos ou comunidades e regiões querem escapar ao controlo do Estado-nação, continuando, no entanto, a beneficiar das suas prestações – como parece ser reflectido por alguns discursos autonómicos –, este arrisca-se a não representar nem a lei, nem a nação, mas de se encontrar em confronto com nações, quer dizer, com grupos comunalistas transformados em grupos de interesses. Nunca a distinção entre o Estado e a sociedade terá sido assim tão grande, segundo aquele autor. Façamos então o diagnóstico do Estado-nação nesta era pós-Guerra Fria, tentando identificar as causas e consequências da nova ascensão do nacionalismo, e vejamos se este é o factor exclusivo (ou mesmo se é sequer factor relevante) da crise que se instala a nível mundial, ou se se trata apenas de uma consequência de um fenómeno maior, uma mancha que o neoliberalismo vem estendendo pelo mundo e que se designa por globalização27.

Jean Leca, “De quoi parle-t-on”, in Serge Cordellier (dir.), Nations et Nationalisme. Paris: La Découverte, 1995, pp. 24-25. 27 Sobre o declínio e desaparecimento de Estados, ver Gérard Bergeron, op. cit., pp. 245 e ss. 26

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3. O NACIONALISMO NO FINAL DO SÉCULO XX – CAUSAS GLOBAIS DA CRISE

O nacionalismo pode funcionar, e assim tem sido usado algumas vezes, como uma valorização do modelo étnico sobre o cívico. Será que o confronto dos dois modelos é um confronto de civilizações? Parece que assim poderá ser, mas só se se pretender anular a importância dos factores étnicos, por exemplo, no Mundo Ocidental. As causas globais da crise do Estado-nação acabam por ser também as que provocam a ascensão de nacionalismo extremo. Será que o nacionalismo, no final do século XX, é uma ideia ultrapassada? Afirmava Boutros-Ghali que “o nosso planeta está sob a pressão de duas forças monstruosas e antagónicas: a globalização e a fragmentação”28, ideia que acaba por ser bem desenvolvida no livro Jihad vs MacWorld, de Benjamin Barber29. No meio dessas forças, como referido, encontra-se o nacionalismo. Este não deve ser considerado – conforme afirma Gil Dellanoi30 – uma doutrina política comparável ao liberalismo ou ao socialismo. Deve sim relacionar-se com aquilo que denomina as famílias ideológicas de carácter mais universal, forma pela qual é capaz de cristalizar certas identidades políticas. Nesse sentido, como um movimento de ordem político-cultural, terá existido sempre. Como mostrado, esteve na génese do próprio Estado-nação e deu forma, pela primeira vez, à consciência dos indivíduos que faziam parte de uma comunidade autónoma, que a partir da Revolução Francesa se passaram a designar por cidadãos. Após a “Primavera dos povos” (1848), a carga negativa do nacionalismo passou a ser evidente. Mas o movimento de centralismo político que caracterizou o fim da Idade Moderna opunha-se a essa tendência. Foi já no final do século XIX e início do XX que os nacionalismos europeus se exacerbaram extraordinariamente, acabando por levar às guerras balcânicas do início do século (1912-1913), às duas guerras mundiais e às segundas guerras

Citado em Hans-Peter Martin & Harald Schumann, A Armadilha da Globalização – O Assalto à Democracia e ao Bem-estar Social. Lisboa: Terramar, 2000, p. 35. 29 Benjamin R. Barber, op. cit., p. 4. 30 Gil Delannoi, “Le nationalisme et la catalyse idéologique”, in Serge Cordellier (dir.), Nations et Nationalisme. Paris: La Découverte, 1995, p. 39. 28

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balcânicas de 1991-199531. A sua grande conotação negativa tem assim fortes fundamentos. Anthony D. Smith acaba por sugerir, no seu livro A Identidade Nacional, que os movimentos nacionalistas – considerando o autor apenas aqueles que contêm uma determinada dose de extremismo – são de dois tipos: do “povo” contra o estrangeiro dominador, ocupante, e do “povo” contra o estrangeiro imigrante. Em qualquer outro caso não se tratará de nacionalismo (pelo menos Smith não o considera), pelo que o nacionalismo não extremista e não xenófobo não é abordado por este autor. No entanto, como, por um lado, é considerado que o nacionalismo se opõe fortemente à expansão do liberalismo económico, fácil é entender o opróbio nacional. Para contrariar a visão negativa, é necessário – como afirma Yves Lacoste32 – discutir, reflectir, criticar e falar alto para que a ideia de Nação viva, pois cada vez mais a ideia nacional se encontrará encurralada nos becos do extremismo. Por outro lado, de uma forma geral, um dos factores de promoção do nacionalismo xenófobo tem a ver com a chegada de novos trabalhadores, principalmente aos países do chamado “mundo ocidental”, embora o fenómeno do nacionalismo xenófobo exista em sociedades mais tradicionais desde as origens, com maior ou menor intensidade. Em algumas comunidades actuais, a xenofobia passa essencialmente pela questão religiosa, como se observa nos Estados fundamentalistas islâmicos. Isto pode pôr em risco os empregos disponíveis. Conforme afirmam Hans-Peter Martin e Harald Schumann33 relativamente a um estudo realizado em Nova Deli, foi demonstrado que a maior parte dos migrantes só se decide a partir para a grande cidade no momento em que amigos ou parentes que aí vivem podem arranjar-lhes empregos. Portanto, é frequente os recém chegados terem melhor sorte do que a imensa massa dos pobres que nasceram na própria cidade. Isto contribui para alimentar tensões susceptíveis de provocar novos movimentos migratórios, desta vez transfronteiriços. Esta é uma das formas, de acordo com aqueles autores, de o tribalismo ganhar forças por todo o lado. O que se reflecte neste exemplo será também o que neste momento se passa na Europa e noutros destinos da emigração de mão-de-obra. 31

Sobre a ascensão do tribalismo, cf. Hans-Peter Martin & Harald Schumann, op. cit., p. 32. Yves Lacoste, op. cit., p. 330. 33 Hans-Peter Martin & Harald Schumann, op. cit., p. 35. 32

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Neste período pós-Guerra Fria, as movimentações de povos, essa inquietude que alastra de Leste para Oeste e de Sul para Norte, reflecte um facto que os apologistas da ideia do “fim da história” já não esperariam: o processo de criação de novos Estados está de novo pronto a ser activado. “Como o cisma económico da sociedade se agrava mais e mais, pessoas desestabilizadas procuram cada vez mais frequentemente a sua salvação política na separação e na demarcação. Ao longo dos últimos anos, dezenas de novos Estados foram integrados no mapa do mundo”34. Verifica-se assim que, conforme notado por Martin e Schumann, contrariamente às guerras tradicionais do século XIX e do início do século XX, a maior parte dos conflitos já não se processa hoje entre Estados, mas no seio dos Estados. Uma das causas fortes dos conflitos dentro dos Estados, identificada por aqueles autores, é a reacção aos efeitos da globalização, a anulação dos factores identitários que constituíram o cimento aglutinador das sociedades, que normalmente leva os semelhantes a aproximarem-se e a viverem em conjunto. Com as migrações reacendem-se as hostilidades com o não-semelhante. Assistimos assim a um novo acirrar de velhas hostilidades, e mesmo considerando que a História não se repete necessariamente, muitos aspectos apontam para o reacender de conflitos semelhantes aos que dominaram o continente europeu nos anos 20. Assim, afirmam que se tornaram quebradiços os cimentos agregadores que mantêm as sociedades coesas. Do seu ponto de vista, “o terramoto político que se aproxima é um desafio para todas as democracias modernas. (…) Onde este fenómeno é mais visível e, surpreendentemente, menos estudado, é nos Estados Unidos da América”, escrevem Martin e Schumann. E acabam por notar, a propósito do problema do desaparecimento progressivo da classe média norte-americana, que apesar dos EUA nunca se terem considerado uma sociedade homogénea nem mesmo solidária, não se esperaria que o fenómeno de desagregação chegasse a tal ponto35. E ainda segundo os mesmos autores, é evidente que a agressão contra a classe média americana é apenas o reflexo daquilo que já acontece generosamente no resto do mundo ocidental. A desintegração – que se mostra nos conflitos raciais sem solução, o problema cada vez mais comum e disseminado da droga, os índices 34 35

Idem, p. 32. Idem, p. 181. 53

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elevados de criminalidade, a decadência das escolas – parece não ter limites, segundo esses autores. Em seu entender, é “uma revolução conduzida pelos que estão acima contra os que estão em baixo”36. Entre os efeitos do amalgamento das diferenças individuais exercido pelo globalismo – que em tantos aspectos se começam a assemelhar aos objectivos do quase extinto internacionalismo socialista –, e o outro fenómeno, o do estilhaçar das comunidades constituídas em Estados, Martin e Schumann localizam, assim, uma opção ainda de esperança para o futuro: o nacionalismo, que entendem como cultivador das diferenças e do respeito pela diferença. Não se trata aqui do nacionalismo extremista, xenófobo, baseado no ódio do não-semelhante, que tão grandes males já trouxe à Humanidade. Facilmente são as pessoas levadas à confusão deliberada entre estes dois conceitos, designados da mesma forma e da mesma forma repelidos como um mal que não mais deverá infectar o Homem. Assim, as análises feitas sobre o nacionalismo tendem a tentar confundi-lo com a política nacional-socialista alemã dos anos 1930 ou o fascismo de Mussolini, pretendendo-se desse modo retirar qualquer atractivo à ideia nacional. É assim que se atribui à Alemanha reunificada o reatar de uma política da “Europa das Nações”, pela qual alcançariam a hegemonia na União Europeia.37 O nacionalismo é, todavia, inerente ao Homem insatisfeito. É mesmo um mecanismo de reacção a grandes movimentos globalizantes, asfixiantes, descaracterizadores das particularidades do Homem, da riqueza da sua diversidade. Há, portanto, que desenvolver a ideia de que o nacionalismo não é necessariamente mau, mas que são os abusos que se fazem em seu nome que prejudicam a sua imagem. Aliás, os excessos são prejudiciais em qualquer aspecto da vida. Vejamos algumas regiões do globo onde as inquietações apontam para um novo incremento da importância de nacionalismos e da necessidade da sua regulação, que não da sua anulação.

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Ibidem. De acordo com as teorias expostas por J. Albacete no Ateneo Madrid XXI, que decorreu em Maio de 2001, em Madrid, Espanha, e que se podem consultar na Internet em http://www.uce.es/DEVERDAD/ARCHIVO_2001/10_01/28_repor.html (página consultada em 25Jan04). 37

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4. CAUSAS REGIONAIS DA CRISE

4.1. Hemisfério Sul

No Hemisfério Sul, e especialmente em África, tornam-se cada vez mais claras e frequentes as falhas nas tentativas de criar Estados de acordo com o modelo cívico ou manter viáveis aqueles que foram criados recentemente, nas últimas décadas, com base exclusivamente cívica. Nesses países o Estado-nação entra em crise. Porquê? Uma resposta imediata é-nos dada pela génese desses “Estados-nação”. A aplicação a essas regiões do “princípio das nacionalidades” não é capaz de criar automaticamente o sentimento nacional, pois o nacionalismo é diferente desse princípio. Enquanto alguns autores designam nacionalismo como a atitude mental que confere à entidade Nação um altíssimo posto na hierarquia dos valores, para outros o princípio das nacionalidades é entendido como o direito, que se reivindica, das nações se organizarem politicamente em Estados soberanos38. Este último conceito foi proclamado solenemente no Congresso de Viena de 1815, para se opor às usurpações e às violências políticas do domínio napoleónico na Europa, onde desmembrou várias nações para organizar Estados com elas, criados unicamente para outorgar coroas aos seus familiares e marechais, e outras vezes anexou nações, como fez à Bélgica e à Suíça, que foram incorporados no império francês. A realização do princípio das nacionalidades, consequência do liberalismo, deu origem à “autodeterminação” política dos povos e dominou a vida política do século XIX. Enquanto que o princípio das nacionalidades se realizava, na Europa, tanto pela anexação e unificação como pelo desmembramento, no Hemisfério Sul, principalmente em África e no Sul da Ásia, o status quo das colónias e dos seus povos permaneceu inalterado, pois a reivindicação da “autodeterminação” não se fazia sentir. Não existia um sentimento nacional que levasse os povos a exigirem a libertação do colonizador. No entanto, os fragmentos locais dos impérios europeus acabariam por ver reconhecidos os seus estatutos de “Estado-nação”, mesmo sem a existência de qualquer característica nacional, por

38

Cf. João Mendes, Enciclopédia Luso-Brasileira : Nacionalismo, ob. cit., pp. 1645 a 1647. 55

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imposição externa. É, por isso, relevante a pergunta: tiveram alguma vez Estado-nação, tal como se compreendia no Mundo Ocidental? Para quem se localiza na Europa, olhando para o Sul e Oeste do globo terrestre, quase todos os países que se podem observar foram antigas colónias. Há, no entanto, diferenças fundamentais nas suas origens, pelo que se podem identificar dois grandes grupos. Um inclui a totalidade das Américas e grande parte dos territórios da Oceânia, como a Austrália e a Nova Zelândia. O outro é constituído pela África, pelo Sul da Ásia e por parcelas da Pacífico. Relativamente ao sucesso da construção de Estados-nação, os dois blocos apresentam também nítidas diferenças. No primeiro, o sucesso da criação de uma entidade política independente, de base cívica, está directamente relacionado com a prévia existência de uma colónia cuja forte comunidade era de origem europeia e consciente das ideias sociais, políticas e religiosas que circulavam na Europa na altura em que essas fortes comunidades começaram a liderar os processos de independência. Assim se tornaram independentes os Estados Unidos da América do Norte, o Brasil e as antigas colónias espanholas da América39. Aquelas comunidades, constituindo localmente o centro de poder e encontrando-se desligados do país de origem por terem criado raízes nesses territórios, levaram a cabo uma separação política da capital do império, mantendo, contudo, todas as ligações étnicas e culturais da Europa. Os povos indígenas não foram inicialmente considerados como integrando o Estado-nação, ou por terem sido derrotados militarmente, ou por o seu número ser reduzido relativamente aos colonos que se instalavam nas suas terras, ou ainda por ter sido tornado diminuto devido a políticas de extermínio levadas a cabo através de indução de doenças fatais ou de campanhas militares. Na mesma situação de ausência de direitos cívicos se encontravam as populações negras trazidas de África como mão-de-obra escrava, não sendo, portanto, considerados cidadãos dos novos países ou só o sendo após a consolidação de uma nomenklatura forte, de base cultural e étnica europeia, que não concede oportunidades a gentes de diferente origem de participar na vida política local. A História mostra – e a prática prova – que os Estados assim constituídos

Sobre este aspecto da fundação dos EUA, cf. Élise Marienstras, “La fondation de la nation américaine”, in Serge Cordellier (dir.), Nations et Nationalisme. Paris: La Découverte, 1995, pp. 157-159. Sobre a questão da formação de Estados na América Latina, cf. Yves Santamaria, “L’État nation, histoire d’un modèle”, in Serge Cordellier (dir.), Nations et Nationalisme. Paris: La Découverte, 1995, pp. 31-32. 39

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tiveram viabilidade como comunidades políticas independentes, inclusive a África do Sul, mesmo após a transferência de poder dos “europeus” para os não-brancos. Já não é o caso, na grande maioria das vezes, quando se observa o segundo grupo, no resto do Hemisfério Sul (com as excepções já referidas da Austrália e da Nova Zelândia). Nestes casos, o advento de novos Estados surge após a criação de um conjunto de ideias consolidadas num acervo de normas jurídicas internacionais que inviabiliza a continuidade de impérios ultramarinos. As populações naturais dos territórios colonizados recebem formação sobre o direito à autodeterminação dos povos e são-lhes criados, muitas vezes do exterior, elementos étnicos que vão dar fundamento às reivindicações nacionalistas. A “autodeterminação” política dos povos é uma das consequências do liberalismo que apareceu, por sua vez, devido à implementação do princípio das nacionalidades. Mas nestes casos o princípio das nacionalidades não tinha fundamento material, tendo, todavia, o processo de “libertação” continuado, fortemente apoiado por países que lideravam o processo de “descolonização” à escala mundial. Os “movimentos de libertação” são quase todos instigados do exterior, interligados na lógica da Guerra Fria, como forma de diminuir a importância das potências coloniais no jogo das relações internacionais. Por outro lado, a própria circulação de ideias políticas, de vanguarda, no núcleo europeu dos impérios, vai-se estendendo em direcção às periferias (ao ultramar), acabando por serem aquelas absorvidas e utilizadas por uma pequena classe de locais educados intelectualmente na metrópole. Estes intelectuais locais iniciam, assim, a doutrinação de populações que vai permitir criar a base social de apoio à libertação. Após o período de frenéticas descolonizações em África, desde o fim da Segunda Guerra Mundial até aos anos setenta do século passado, começam, porém, a falhar os Estados criados com fundamento na teoria da autodeterminação dos povos, ou seja, do princípio das nacionalidades, mas sem a aplicação prática do plebiscito ou de outras formas de consultas de opinião. A democracia raramente teve oportunidades de se consolidar, ou mesmo de se instalar, a economia cai, os recursos são retirados do território, a educação não é suportada por sistemas de massa. “Estados falhados”, “não-Estados” ou “quase Estados”40 40

Para a definição destes conceitos, com especial incidência na questão dos quase-estados, cf. Robert Jackson, Quasi-States: Sovereignty, International Relations and the Third World. Cambridge: Cambridge University Press, 1990, pp. 21 e ss. 57

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são outras formas de designar quase todas as entidades políticas independentes que saíram das descolonizações impostas de fora. E, de acordo com Yves Santamaria41, não há a certeza de que as alterações que se seguiram à queda do muro de Berlim, em Novembro de 1989, tenham alterado de forma notória os processos de nacionalização das populações africanas. Sem dúvida, o fim da confrontação Leste-Oeste pesou na emergência de uma nova África do Sul multirracial. Contudo, esta excepção diz respeito precisamente a um Estado de forte componente de origem europeia. Assim, após a desilusão inerente ao fracasso da construção de um verdadeiro Estado-nação, resta o recurso à emigração. Desses povos saem contingentes que se dirigem para as sedes de antigos impérios em busca de uma vida melhor, procurando, ao menos, aquilo que o colonizador já antes, na colónia, permitia: paz e estabilidade, para além da possibilidade de viverem inseridos em comunidades democráticas. Essas migrações para Norte atravessam o deserto do Sahara ou contornam-no por mar, pelo Leste ou pelo Ocidente. É preciso entrar na Europa a todo o custo. Lá para baixo expandem-se os mitos de cidades maravilhosas, de bons empregos, de melhores acolhimentos, de acesso à cultura, de vidas estáveis para a família, com o sistema democrático por suporte político. Mas, para a larga maioria, o que se vai encontrar são condições miseráveis de vida, baixos salários, maus-tratos por patrões desonestos, perseguição policial e, muitas vezes, uma ligação de quase escravidão àqueles que os introduziram clandestinamente na Europa. Mas há uma forma de se protegerem: em vez de procurarem a integração individual nas comunidades que os acolhem, esses fugitivos da miséria e da injustiça agrupam-se nas zonas periféricas das grandes cidades, acabando por constituírem bairros fechados, separados da sociedade que servem. Excluídos, em suma. Ainda sobre o problema da crise dos novos Estados que emergiram dos antigos impérios coloniais, escreve Jean-Loup Amselle42 que as sociedades se ligaram em corrente através de processos como a inversão das correntes comerciais, o fim das guerras esclavagistas intra-africanas e o estabelecimento da “paz colonial”. As relações que 41

Yves Santamaria, op. cit., p. 36. Jean-Loup Amselle, “Ethnicité et identité en Afrique”, in Serge Cordellier (dir.), Nations et Nationalisme. Paris: La Découverte, 1995, pp. 89-91. 42

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existiam entre as diferentes sociedades ocidentais africanas mais predominantes cederam, assim, lugar à emergência e à consolidação de laços privilegiados entre cada unidade e o país colonizador devido à imposição de categorias étnicas estáveis e ao desenvolvimento da economia de mercado. As sociedades ocidentais africanas estudadas pelos antropólogos representando os interesses britânicos, principalmente, foram assim compreendidas sob uma forma elaborada que resultava do seu “congelamento” pela pax britannica, encontrando-se separadas do seu ambiente político, guerreiro e económico pré-colonial. Armados da teoria funcionalista e privilegiando uma visão idílica, democrática e igualitária das sociedades ocidentais africanas, os antropólogos britânicos fizeram realçar a natureza segmentária dessas sociedades em detrimento da sua posição periférica em relação aos Estados circundantes. Desde que esta ruptura étnica da África Ocidental foi efectuada pelos missionários, pelos administradores etnógrafos coloniais e pelos pesquisadores, os actores sociais locais passaram a utilizá-la em função dos seus interesses. Utilizando a imagem que lhes foi apresentada pelos britânicos, alguns povos africanos “inventaram” instituições que nunca tinham antes existido na sua própria sociedade. A esse título, os conceitos étnicos fazem parte das categorias inventadas, em particular nas sociedades ditas segmentárias. Desse modo, grandes organizações sociais apareceram durante a colonização, onde não existiam senão organizações de pequena dimensão. Esta temática da “invenção” pode, no entanto, ser escalonada, afirma Jean-Loup Amselle43, na medida em que as sociedades segmentárias não tiveram senão que se colar ao modelo étnico-estático dos reinos ou impérios vizinhos para se poderem integrar na “grande massa” oferecida pelo colonizador.

4.2. A Europa de Leste

Também na Europa, a Leste, se verifica que falha a tentativa de criar Estados de acordo com o modelo cívico, após o colapso do bloco soviético. Nesses países, recém saídos do domínio completo ou da simples influência da Rússia, o Estado-nação entra em crise. Tal como no Hemisfério Sul, nesta região começa a notar-se a revalorização do 43

Ibidem. 59

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modelo étnico, pois os povos incluídos nas grandes zonas de influência como a URSS só mantiveram a sua identidade devido à continuidade da sua língua, da sua religião, dos seus costumes. Logo que o laço imperial afrouxou, esses factores vão servir para delinear novos Estados-nação. Nessas zonas, o princípio das nacionalidades, que influenciou o texto do Tratado de Versalhes, impusera um modelo do Estado-nação e de fixação de fronteiras que, apesar das guerras e das alterações sofridas desde a assinatura do Tratado até ao fim da Segunda Guerra Mundial, se mantinha em vigor. O início do período da Guerra Fria permitiu congelar os sobressaltos devidos a esse princípio, mas não anulou a consciência da sua aplicabilidade. Após o colapso do sistema bipolar paralisante, de novo o processo entrou em marcha, alimentado por focos de descontentamento e fermentos de revolta. Os Estados criados de acordo com os interesses geoestratégicos, constituídos por retalhos de povos, onde se tentava implementar uma consciência cívica superior a cada etnia ou nacionalidade que os constituíam, negando, portanto, as aspirações nacionalistas, vão assim levantar-se e combater pelo princípio das nacionalidades. Na última década do século XX, período de interesse para este estudo, assistiu-se a grandes turbulências sociais e políticas na Europa de Leste e Central. A atracção do modelo Ocidental, no seio dos países sob influência do império comunista, conjugada com o declínio económico e político da URSS e dos seus satélites, provoca no final do século um turbilhão de sentimentos entre os povos há muito subjugados e que agora exigem a glasnost, a abertura das fronteiras e o acesso aos bens e valores do “lado de cá do muro”, tudo formas de concretização da aplicação do princípio das nacionalidades. A atracção pelo Ocidente materializa-se na adopção de modelos como o vestuário, as bebidas, a música. Em 1993, em plena guerra da Jugoslávia, uma canção da banda inglesa Pet Shop Boys, Go West44 incita à marcha dos povos para os “paraísos ocidentais” e torna-se um hino para a juventude sérvia. Essa guerra, civil na sua origem e características, torna-se um paradigma das lutas de libertação dos povos submetidos da Europa. Iniciada em 1992, após a declaração de independência da Eslovénia e depois da Croácia, ateada pelos rastilhos do nacionalismo apoiado em factores de identificação étnicos (significando não só a diversidade cultural, como a própria diferença racial), folclóricos e religiosos, mostra bem 44

Pet Shop Boys, álbum Go West, Ed. ERG, London, Outubro 1993. 60

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os futuros perigos do conflito de povos e reacende o problema (europeu e também mundial) nunca resolvido da xenofobia e das limpezas étnicas. As guerras balcânicas de 1992-1995 mostram ainda como é fácil manipular as consciências nacionais de forma a serem atingidos objectivos de ordem política ou estratégica. Na verdade, estando o império soviético em colapso, restava na Europa uma pequena potência – a Federação Jugoslava –, constituída por vários povos sob a mesma autoridade política, já fora do tempo das federações, dos impérios, exemplo que a História tornava necessário anular. E nada mais fácil do que evocar de novo o direito à aplicação do princípio das nacionalidades, saído do Congresso de Viena de 1815, lembrar a memória de outras guerras (as Guerras Balcânicas de 1912-1913 e a Segunda Guerra Mundial, principalmente), remarcar as diferenças religiosas, retirar do baú das memórias os antigos ódios, os mortos não vingados, os territórios perdidos, para que os conflitos voltassem a eclodir. A democratização do Leste e centro europeus vai revelar-se, assim, um processo muito demorado e difícil. Por toda a parte os povos submetidos querem a sua própria autonomia e mesmo a independência. São revelados (ou inventados) e difundidos os factores de identidade nacional que durante épocas tinham sido escamoteados e cuja evocação e defesa levava à prisão ou à morte. As nacionalidades, redescobertas ou inventadas, provocam grandes tensões sociais e políticas. Procura-se que o semelhante se liberte do jugo de estrangeiros, mostrando-lhe, por um lado, as afinidades que os aproximam de povos irmãos e, por outro, as diferenças daqueles que ainda os dominam. A aprendizagem da cidadania é, em muitos casos, um processo adiado, pois primeiro há que consolidar os factores de coesão nacional, provocando a consciência da diferença do “outro”. Só depois se pode avançar para a criação do “cidadão democrático”, seguindo-se assim, mais uma vez, o processo de geração de Estados-nação que vai da consciência étnica para a cívica. Uma das formas de acelerar aquele processo é através da adesão à Comunidade Europeia. Os povos recém “libertados” da Europa podem aceder ao clube se adoptarem uma economia e uma organização política adequadas, ou seja, se aceitarem os princípios do liberalismo económico e transformarem a sua sociedade, na essência étnica, numa sociedade cívica. Para isso têm que abandonar alguns dos recém implementados critérios de 61

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independência. As reacções são fortes, nalguns casos, e levam ao adiamento dos processos de candidatura. Esses povos temem o regresso de forças anti-nacionais, que lhes façam rapidamente perder o que tão recentemente obtiveram. Receiam um novo tipo de imperialismo que lhes retire a identidade nacional tão esforçadamente ganha e que lhes garantiu a liberdade para viverem de acordo com a sua própria vontade. Novos tipos de nacionalismo extremo começam, assim, a surgir no centro da Europa, como resultado destes processos de fim de século, especialmente devido à pressa demasiada em passar da fase étnica para a cívica. Por outro lado, a atracção do Leste pelo bem-estar e riqueza da Europa Ocidental, que se vem sentindo cada vez com mais força, provoca grandes movimentações de pessoas que buscam melhores condições de vida. Constituindo mão-de-obra barata, são aceites na Europa industrializada e aí tentam recomeçar a vida. Este movimento é de milhões de pessoas, que se concentram especialmente na Alemanha e na França, mas também na Itália, no Reino Unido, em Espanha, na Holanda, na Bélgica e em Portugal. Os povos desses países vêem essa “invasão” chegar, com novos costumes, aceitando em precárias condições quaisquer tipos de trabalho, “arrumando-se” especialmente em novos guetos à volta das grandes zonas industriais e urbanas. Com o desemprego a aumentar nesses países, esses imigrantes são vistos como usurpadores de emprego. A adicionar a isso, a precariedade da sua existência, as más condições encontradas, levam-nos a instalarem-se à margem das comunidades que servem, fazendo aumentar o rancor e a desconfiança. Não é só em países do Leste, como a Bósnia, tão observada durante o período da guerra, entre 1992 e 1995, que as pessoas são obrigadas a abandonar as suas casas porque na comunidade onde sempre estiveram inseridas a religião, a etnia, os costumes ou a língua são diferentes. Em muitos lados, mesmo na Europa Ocidental, passa-se o mesmo. Remetidos para guetos depois de chegarem em grande número, após uma fase inicial de grande permissividade das autoridades políticas e policiais, os imigrantes são excluídos e atacados, sem disporem de oportunidades de integração nas comunidades de acolhimento; também porque se jogou demasiado com o direito à diferença, diminuindo-se ou anulandose as oportunidades antes existentes de integração social nas comunidades de acolhimento. A “vontade de viver conjuntamente”, tão bem enunciada por Renan e que restava como o 62

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factor essencial da constituição do Estado-nação, é agora apenas uma recordação, negativa, no dizer de alguns apologistas da teoria do “direito à diferença”. Yves Santamaria45 analisa também esses movimentos de migração e não atribui credibilidade, no entanto, à questão étnica. O problema passa, no seu entender, pela existência de vontades políticas de alinhamento com um processo de democratização das instituições. Afirma ainda que a desagregação do império comunista europeu não pode, sem risco, ser atribuído a uma nova “primavera dos povos” nacionalitários. As forças centrífugas não entraram em acção senão devido às iniciativas (depois da paralisia) do centro moscovita. No seu entender, se certas entidades, como os países bálticos, recuperaram a sua soberania nacional (a qual tinha, no entanto, sido efémera), as outras (Ucrânia, Bielorússia) acederam-lhe pela primeira vez na História. Em todos os casos, esse novo estatuto implicou um reconhecimento internacional (que lhes não foi negado), diferentemente das ex-“democracias populares”. No plano territorial, estas não deveriam sair todas intactas da transição democrática. Assim, dá-se a unificação (ou absorção) da RFA com a RDA (1990), o divórcio juridicamente consumado da Checoslováquia (1993), a separação violenta da Jugoslávia (1991). Esta modificação dos mapas foi acompanhada quase ao mesmo tempo do pedido de adesão à Comunidade Europeia. No entanto, escreve Santamaria, o aumento do número de Estados europeus não resolve a questão das minorias (russa, húngara, albanesa, etc.). Da mesma forma, a separação de outras repúblicas da exURSS não dissipou as dúvidas quanto à emergência de um verdadeiro Estado-nação sobre o território da actual Federação Russa, nem sequer sobre as suas aspirações territoriais. Para Santamaria, o Estado-providência executa agora, certamente, um papel nunca anteriormente desempenhado. O enfraquecimento da territorialidade do Estado, mais visível actualmente, nega as suas pretensões fixadas no monopólio da gestão do espaço territorial. A sua incapacidade de controlar os “fluxos” (informação, capitais, população) em perpétuo crescimento reactiva, aqui e ali, os pruridos autárcicos46. Este confronto entre a territorialidade do Estado e a necessidade de controlo supranacional da União Europeia está, no seu entender, em vias de desregular um jogo internacional do qual se pensava saber que, após o desaparecimento do Império soviético (ou seja, também do desaparecimento do 45 46

Yves Santamaria, op. cit., pp. 36-38. Ibidem. 63

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equilíbrio bipolar), hesitava entre os objectivos wilsonianos da “comunidade internacional” e os egoísmos nacionais. Para Yves Santamaria, o perigo actualmente iminente é que parece contar-se que, a Leste da Europa, os novos nacionalismos esperam pela impaciência popular para então dominarem instituições políticas frágeis e sem raízes, frequentemente porque não existe uma sociedade civil, com cidadãos de forte consciência cívica, que as enraíze e segure, devido ao longo período de práticas pouco democráticas do regime soviético.

5. OS AFLORAMENTOS NACIONALISTAS COMO CONSEQUÊNCIA DAS CRISES

Devido às crises estudadas, especialmente os conflitos étnicos dentro dos Estados, estes tendem para o colapso social e económico. Vagas de emigrantes saem dos países em dificuldades em busca de melhores condições. Alguns elementos das comunidades que os recebem acabam por vê-los como usurpadores da sua terra, dos seus empregos. Advém, assim, uma segunda consequência das crises nos Estados e, pelo menos na forma de discurso político, dá-se o advento de nacionalismos extremos. Com os Estados-nação – em tentativa de construção ou já consolidados – a colapsarem em grande parte do Hemisfério Sul e, mais recentemente, nos territórios da exURSS (aqueles que estiveram sob o seu domínio político ou ideológico), começam os movimentos em massa de migrantes que saem dessas regiões e buscam melhores condições de vida nos países que outrora dominaram o mundo e onde, supostamente, Estados-nação de base cívica, ricos, organizados e praticantes da democracia e do liberalismo os acolherão, onde haverá trabalho e boas condições de vida para todos. Mas a abertura das fronteiras a essas gentes irá provocar sobressaltos sociais e o desequilíbrio dos mercados de trabalho. As gentes que os vêm chegar são incitadas a senti-los como usurpadores da sua terra e dos seus empregos. Os antigos sistemas de integração de imigrantes, baseados numa inclusão caso a caso, lenta, mas segura, propiciavam a diluição na mole nacional dos que

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buscavam viver na comunidade que os tinha aceitado. Com as chegadas em grande volume, a integração já não se pode efectuar da mesma forma. Os nacionalismos extremos, xenófobos, encontram, assim, uma das principais causas nos erros na condução da política internacional de cada país afectado, especialmente na sua política de trocas de cidadãos. A demasiada facilidade com que um trabalhador de uma ex-colónia entra no território do antigo colonizador não tem – na grande maioria dos casos – reciprocidade no território daquela. Esta liberdade de movimentos, a forma como tão facilmente se penetra num país, acaba por provocar reacções de defesa da nacionalidade, do território. É fácil cair-se no ultranacionalismo, pois os motivos existem e os arautos dos novos nacionalismos extremistas não se inibem de os divulgar. Mas será o ultranacionalismo uma pura reacção à liberdade demasiada de movimentos ou será antes devido a uma demasiada generalização do conceito de Estado-nação? Ambos os factores contribuem para essa reacção, mas se olharmos para a evolução do conceito de Estadonação, observa-se que existe uma dinâmica no sentido da generalização. Pois já vimos que para poder absorver o maior número possível de indivíduos, uma entidade política tem que reduzir tanto quanto pode o número das suas características identificadoras comuns; quantos menos factores um imigrante tiver que satisfazer tanto mais facilmente será integrado. Já Yves Lacoste propõe que se passe a considerar apenas a língua como factor agregador da França47. No entanto, os factores de identidade nacional estão na génese dos próprios Estados – mesmo dos Estados-nação que se intitulam de “cívicos”, como vimos – e, portanto, não podem ser alienados de forma ligeira. A reacção poderá ser as comunidades nacionais iniciarem o combate (ou seja, no mínimo, tentarem “fechar as portas”) contra aqueles que são diferentes. Criar-se-á hostilidade aos estrangeiros, aos estranhos. Passar daqui àquilo que Huntington chama um “choque de civilizações” é um passo. Os sinais estão por toda a parte: a xenofobia, o racismo, os ataques terroristas. O problema da integração de imigrantes na Europa é bem descrito por Yves Lacoste quando afirma que, antes48, as distinções entre a origem nacional dos imigrados não faziam

Escreve Lacoste: “Je pense qu’il faut repartir d’une idée tout à la fois simple et large de la nation: sont français et font partie de la nation ceux que parlent le français”. Yves Lacoste, op. cit., p. 312. 48 Ou seja (e de acordo com o livro Vive la Nation), no período anterior ao fortalecimento da Frente Nacional que passou a materializar a xenofobia dos franceses “de raiz”. 47

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sentido nenhum ao fim de uma ou duas gerações, devido aos numerosos casamentos entre pessoas de diversas origens. E fazer referência a isso seria pôr em causa, mesmo aos olhos das mulheres e homens a que dizia respeito, a sua boa assimilação e o facto de serem franceses da mesma forma que os ditos franceses de “raiz”. No entanto, hoje em dia, outro problema se coloca, o dos muçulmanos e dos negros; o discurso sobre as dificuldades de integração é a eles que visa mais frequentemente. Lacoste afirma que aqueles não tiveram tempo de se adaptarem, contrariamente aos italianos que vieram para França desde meados do século XIX, dos polacos que chegaram “entre as duas guerras”, dos espanhóis e dos portugueses que vivem em França há mais de sessenta anos e que, portanto, ainda enfrentam as dificuldades e as privações que os outros superaram antes. Mas naqueles tempos tratava-se essencialmente de europeus (questão racial), supostamente católicos (questão religiosa), que foram assimilados devido às dificuldades da época (questão de carência de mão-de-obra), enquanto que actualmente se trata, em grande parte, de muçulmanos (outra raça e outra religião) e que as relações do Islão com o Ocidente mudaram muito, por se ter extinguido a “era dos impérios” que subordinava esses povos aos europeus. Enquanto que os casamentos eram fáceis e foram numerosos entre os descendentes de imigrados italianos, espanhóis, portugueses, polacos, etc., que conseguiam “assimilarse” rapidamente, o mesmo não aconteceu com os muçulmanos. A maioria deles recusa ainda que as suas filhas casem com não-muçulmanos. Ademais, o mundo muçulmano no seu conjunto é hoje em dia manipulado pelos movimentos islâmicos que recusam precisamente a própria ideia de assimilação. Na Europa, e em especial em França, de acordo com Lacoste, a estratégia desses movimentos visa controlar os imigrantes magrebinos. Na verdade, foi através de organizações islâmicas, reivindicando a construção de maior número de mesquitas, que os franceses se deram conta que há em França mais de quatro milhões de muçulmanos – afirma Yves Lacoste. Adicione-se a tudo isso as sequelas da guerra da Argélia, tanto do lado dos muçulmanos como de certos franceses, nomeadamente dos pieds-noirs – designação equivalente, inclusive na sua carga pejorativa que por vezes se atribui, aos “retornados” portugueses –, e dos seus filhos. Estes últimos 66

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são particularmente sensíveis, sobretudo no Sul da França, aos discursos da Frente Nacional que denunciam a “invasão dos Árabes”. É preciso ainda ter em conta as repercussões da guerra civil da Argélia e os atentados islamitas em França, pois as consequências das relações franco-argelinas não cessaram de se complicar na sociedade francesa. Acabam por explicar, de algum modo, a popularidade de um partido nacionalista como a Frente Nacional. Não basta analisar as razões pelas quais a França é o país da Europa ocidental onde se encontra o mais poderoso partido de extrema-direita. É preciso também – frisa Lacoste49 – reflectir sobre a forma de evitar que possa ganhar ainda mais importância. É necessário levar a cabo o debate metódico sobre a nação, e este deve começar por uma reflexão sobre as condições pelas quais, de forma mais ou menos clara, é aquela correntemente referida. A reacção dos povos europeus que assim recebem catadupas de imigrantes, com línguas estranhas, com outros hábitos, com religião diferente e que se instalam nas traseiras das suas casas, é de receio, inicialmente, e depois de oposição. Daí a criação de bairros clandestinos, de autênticos novos guetos, onde os imigrantes se barricam para enfrentarem a oposição aos seus modos de vida e costumes estranhos. A integração torna-se, assim, cada vez mais difícil. O primeiro obstáculo é a língua; mas ultrapassado este, outro e outro se lhes deparam. No caso da França, por exemplo, a popularidade de Le Pen no seio das camadas populares é deste modo perfeitamente explicada. As populações locais reagem às ameaças reais ou inventadas do aumento da imigração. Para mais, a existência da mão-deobra imigrante, muito mais barata, começa realmente a pôr em causa muitos empregados nacionais. A taxa de desemprego aumenta em toda a Europa comunitária e um dos principais factores é a substituição de cidadãos europeus por trabalhadores clandestinos. O próprio Estado ressente-se, pois o trabalhador imigrante clandestino não paga impostos, nem o seu patrão assume a sua quota de responsabilidade fiscal ou de apoio ao sistema de segurança social de que uma percentagem elevada de imigrantes acabou também por beneficiar. Yves Lacoste afirma que, para compreender os problemas actuais da imigração oriunda de países do Terceiro Mundo, é necessário ter em conta que a colonização não foi 49

Yves Lacoste, op. cit., pp. 134-135. 67

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apenas a opressão exercida por uma autoridade estrangeira e os seus cúmplices autóctones (que lhe sucederam na maior parte dos casos). Foi também a chegada de todo o tipo de ideias novas ao seio de sociedades que podemos chamar “tradicionais” e, portanto, muito pouco democráticas. Estas ideias fizeram muitas vezes o jogo dos colonizadores, mas outras acabaram por lhes criar também dificuldades. Os europeus tinham necessidade de auxiliares locais: não só domésticos, mas também militares, amanuenses, funcionários. Tanto uns como outros tinham de aprender francês ou inglês, em suma, a língua dos colonizadores, e para tal fim foram fundadas escolas destinadas a um pequeno número de indígenas. E aí, aprendiam-se as ideias dos europeus. Dentre essas ideias, ainda de acordo com Lacoste, algumas parecem hoje em dia loucas ou surrealistas. É assim que se fazia dizer pelos pequenos vietnamitas: “Os nossos ancestrais, os gauleses”! Idiossincrasias semelhantes apareciam em muitas outras colónias dos países europeus, como no império português, em Angola e Moçambique, onde os jovens naturais conheciam Viriato e D. Afonso Henriques como heróis do seu passado. Para um certo número de africanos, de magrebinos, de vietnamitas, entre os quais se encontravam aqueles que lutavam mais duramente pela independência da sua terra, a colonização foi aquilo que era preciso combater, mas também o sistema que lhes tinha ensinado a língua do país europeu que os tinha colonizado e, paradoxalmente, transmitido as ideias de progresso e de democracia. Ora, se alguns deles se tornaram depois pessoas importantes no seu país, muitos outros, por razões diversas, vieram para a Europa, pois era numa das línguas europeias que se tinham habituado a pensar o mundo moderno e toda uma série de problemas. Hoje em dia, os seus filhos e netos nascidos em Portugal, na GrãBretanha ou em França falam e pensam na língua de um desses países. É por isso que a vasta maioria dos emigrados vindos do Terceiro Mundo para a Europa são originários de antigas colónias: falam uma das principais línguas europeias; não esqueceram a sua língua materna, mas, para todas as questões que não as íntimas, a maior parte deles pensa na língua do país de acolhimento. Se vieram para o antigo país colonizador, não foi apenas para procurarem trabalho, mas também, em muitos casos, para escaparem a regimes tirânicos e para conhecerem condições de vida mais democráticas. Aí chegados, têm muitas vezes que enfrentar a arrogância daqueles que são ainda mais 68

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modestos do que eles, mas a ligação a esses países desses novos cidadãos – e englobando aqueles que foram outrora vítimas do colonialismo – é, sem dúvida, muitas vezes, maior e mais consciente que a dos próprios naturais. É verdade que nem todos os que falam a língua de um país partilham a totalidade dos valores dessa comunidade que os acolheu. Por exemplo, os princípios de laicidade e de igualdade entre as mulheres e os homens são rejeitados por grande número de muçulmanos, que prefeririam um certo tipo de apartheid que protegesse as regras de uma comunidade onde aspiram salvaguardar as esposas e os filhos. O que os conduz, por vezes, curiosamente, a alianças discretas com movimentos de extrema-direita favoráveis, esses também, ao apartheid das comunidades, como no caso da França. Neste caso particular, há também o problema dos jovens muçulmanos aí nascidos, na maioria dos casos de nacionalidade francesa. Relativamente ao problema na Alemanha, Martin e Schumann afirmavam, em 1996 (referindo-se também ao Mundo Ocidental em geral)50, que a dimensão política de Helmut Kohl continuava a esconder algo que em quase todos os outros Estados – até à data – industrializados não se podia ignorar: um número crescente de eleitores abandonou os seus representantes tradicionais. Como que conduzidos por uma mão invisível, retiraram o seu apoio aos partidos do centro e procuraram refúgio nos partidos populistas de direita. Na Alemanha, a reacção às grandes vagas de imigração já se faz sentir. Os alemães não se coíbem de comentar o que para eles parece ser um processo de invasão, como afirmava um alemão ocidental, Peter Tischler: “Recebemos 200 mil imigrantes por ano, é claro que todos troçam de nós por causa disso, os franceses, os espanhóis. O barco está cheio e agora ainda vêm os de Leste. Pagam-lhes tudo e nós temos de nos matar a trabalhar. Na minha vizinhança, alemães vindos da Rússia têm uma propriedade magnífica. Nós precisaríamos de cauções bancárias, mas as deles é o Estado que paga.” Esse alemão, técnico informático, desabafava com os autores de A Armadilha da Globalização, numa sala de espera de um aeroporto51. “Como eleitor, Tischler não vê ainda 50 51

Hans-Peter Martin & Harald Schumann, op. cit., 186. Idem, p.185. 69

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nos «republicanos» o partido ideal, apesar de se reconhecer nas suas palavras de ordem”. E continuava: “O problema é que infelizmente não temos, por enquanto, um verdadeiro partido na Alemanha. Tudo mudaria se tivéssemos alguém como Jorg Haider, na Áustria”52. Realmente, as ideias de Haider eram transmitidas por Johan Hatal durante a campanha para as eleições parlamentares de 1996, do seguinte modo: “Posso imaginar perfeitamente que numa verificação encontremos alguém com visto de residência (…) que cometa frequentemente delitos de trânsito por excesso de velocidade ou por estacionamento proibido. Isto também é demonstrativo de falta de vontade de integração. Nestes casos, o visto de residência deverá ser retirado”53. As antigas instituições políticas começam, assim, a entrar em decadência, facto que é, na opinião daqueles autores, mais visível nos Estados Unidos, a quem dedicam alguma atenção nos seus estudos. O Presidente Bill Clinton foi eleito em 1992 por apenas 24,2% da população inscrita nos cadernos eleitorais, enquanto que o populista de direita Ross Perrot, na sua estreia política, conseguiu chegar aos 10,6%, que perfazem 19% de todos os votos válidos nos Estados Unidos54. Ali, os republicanos de extrema-direita – observam esses autores – têm uma estreita ligação ao espectro neonazi e às autodenominadas “milícias” bombistas. Ainda nos Estados Unidos, observando os movimentos dos chamados “loucos de Wyoming”, que proclamaram a independência dos seus Estados antes de serem neutralizados, e os movimentos, como a seita da “cientologia”, Hans-Peter Martin e Harald Schumann escrevem que, no seu entender, “está para acontecer algo de muito funesto”55. Afirmam ainda que é devido a um excesso de neoliberalismo que o autoritarismo lavra pelo mundo, como fogo num campo ressequido56. Observando agora um outro nível, verifica-se que um novo fenómeno se generaliza, em reacção à imigração e, aparentemente, sem ligação ao nacionalismo. É a globalização, que se estende inexoravelmente pelo mundo, normalizando as línguas, os costumes, os trajos, a alimentação e o consumo em geral, incluindo os programas normalizados e normalizadores dos meios de comunicação social. Os seus grandes veículos são a 52

Idem, p.186. Idem, pp. 190-191. 54 Idem, p.186. 55 Idem, p.187. 56 Idem, p.188. 53

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comunicação social e todos os outros meios de transmissão de informação em massa e para as massas. Cada vez mais a informação e o seu sucedâneo, a publicidade, se padronizam: o indivíduo normal (normalizado) é de tipo europeu, mais propriamente anglo-saxónico e de religião cristã. Esse modelo é indicado como o indivíduo esteticamente ideal pelos técnicos de “imagem” e todas, ou quase todas, as grandes instituições (com a grande excepção dos últimos secretários-gerais mandatados para as Nações Unidas) têm líderes com essas características. A xenofobia nos países de maioria branca cristã é, assim, subtilmente alimentada. Aliada ao factor desemprego favorece as grandes hostilidades sociais nesses países. Este condicionamento parece transportar-nos para o modelo do superior indivíduo Alfa, retratado por Aldous Huxley no Admirável Mundo Novo57, globalizado na sua plenitude. Verifica-se, pois, que existe um confronto entre os valores da democracia – que dão corpo ao Estado-nação cívico e que aceitam todos aqueles que pela vontade se querem integrar nas sociedades ocidentais – e os interesses da globalização, que tenta anular as características específicas de cada povo e de cada indivíduo, substituindo-as pelos elementos normalizados do homem “consumidor” puro, oposto ao homem cívico. Esse confronto já era entrevisto muito antes do período “pós-moderno” (de 1989 ao presente) a que este trabalho se dedica. Já o Professor Adriano Moreira lançava em 1970 a questão: “Haverá uma contradição inexorável entre estes dois factos, o internacionalismo e o nacionalismo do nosso tempo, ou poder-se-á distinguir algum princípio ou acomodamento entre ambos, alguma necessidade comum a que ambas as atitudes respondam de maneira complementar?” O Professor reconhecia que “A evolução recente e conhecida do Mercado Comum é um exemplo que pode inspirar a busca de um entendimento do problema que fica desenhado.” Assim, segundo o seu argumento, “Muitas nações antigas, algumas delas evidentemente motrizes dos nacionalismos mais definidos da nossa história das ideias, como a França e a Alemanha, ali se encontram a braços com o acomodamento de ambas as tendências.”

57

Aldous Huxley, Admirável Mundo Novo. Lisboa: Livros do Brasil, 2001. 71

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Para Adriano Moreira, essas tendências eram, “Uma das tendências, o internacionalismo, a encaminhar para soluções políticas que são supranacionais ainda quando os cuidados da linguagem não lhe permitem chamar assim claramente; a outra, a do nacionalismo, gritando uma fórmula de grande valor comercial e até estético, que é a da Europa da Pátrias, ao procurar salvaguardar a essência da Nação.” Assim para ele, “[d]e facto, tanto quanto pode entender-se, é o problema da viabilidade dos grupos que ressurge, não é o problema da subsistência do nacionalismo que realmente está em causa”58. Martin e Schumann abordam este problema no livro A Armadilha da Globalização de um ponto de vista mais actual (escreveram trinta anos depois) e preocupando-se com o conflito entre o mercado e a democracia. No seu entender, a persistente vaga de xenofobia na população europeia e norte-americana é um sinal infalível integrado na política. Assim, notam que em quase todos os países da Europa e nos Estados Unidos leis crescentemente rigorosas sobre a imigração e métodos de vigilância cada vez mais severos, sempre que se trate de refugiados e de migrantes, constituem atentados aos direitos do homem. Adicionalmente, prevêem que o patamar de exclusão que se irá seguir irá dizer respeito aos grupos economicamente desfavorecidos da sociedade: beneficiários da assistência social, desempregados, deficientes e jovens sem formação. No seu entender, estes estão já a sentir na pele o facto de os que (ainda) ganham a sua vida começarem a perder o sentido da solidariedade. “Temendo perder os seus privilégios sociais, pacíficos cidadãos das classes médias transformam-se em chauvinistas da prosperidade e recusamse a terem de pagar pelos perdedores do mercado mundial.” Aqueles autores afirmam ainda que “Os políticos que representam esta facção da nova direita estão a provocar a inversão do ressentimento popular e, por isso, atacam cada vez mais, de preferência, aqueles que consideram parasitas sociais e cada vez menos dedicam a sua atenção aos grandes beneficiários.” Assim, no seu ponto de vista, “[s]ão esses que clamam que deve ser deixada à vontade individual a forma de assistência à terceira idade, a protecção na doença e em caso de perda do emprego.”

Adriano Moreira, “A Marcha para a Unidade do Mundo – Internacionalismo e Nacionalismo”, em Boletim da Sociedade de Geografia de Lisboa, nº 1, Lisboa, 1970, pp. 6-7. 58

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Para provarem este seu argumento dão como exemplo os EUA: “Nos Estados Unidos – onde o interesse dos mais desfavorecidos pelas questões políticas é cada vez menor –, aqueles que defendem que o sucesso pessoal deve estar acima de qualquer tipo de solidariedade conquistaram mesmo a maioria parlamentar”59. Martin e Schumann observam que os que assim pensam acabam por iniciar a transformação da sociedade americana num sistema de estratificação social de grandes desigualdades, quais seguidores dos princípios de Darwin. Relacionado com a criação do mito nacionalista da época das descolonizações – concretizado no princípio das nacionalidades do século XIX, atrás referido –, assiste-se ao reacendimento de outro conjunto de fenómenos dentro dos Estados-nação considerados mais estáveis. Tentativas de separatismo vêm-se assim por toda a parte: na Padânia, em Itália, onde a Liga do Norte60 tenta separar-se do Sul61; na Bélgica, onde os flamengos reclamam cada vez mais autonomia; na Irlanda do Norte, onde a violência não tem fim, opondo rivais que se diferenciam essencialmente pela religião; no país basco, em Espanha e França, onde pelo terrorismo se reclama a independência, e na Catalunha, cujas reivindicações de representação autónoma junto da União Europeia vão sendo satisfeitas. Os afloramentos de nacionalismo são muitos, portanto. Quase todos esses movimentos reclamam a separação de uma entidade que consideram supranacional e hostil à sua própria nacionalidade. O aumento desta consciência de “perigo nacional”, esta vulgarização do fenómeno, é, por paradoxal que pareça, uma das consequências directas do aumento da velocidade do processo de globalização, que vai aplainando as diferenças entre as comunidades que influencia. É precisamente a velocidade, a aceleração do processo da destruição criativa, que constitui uma novidade no capitalismo da economia de mercado dos dias de hoje, segundo a análise do economista americano Edward Luttwak, que introduziu a concepção

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Hans-Peter Martin & Harald Schumann, op. cit., p. 244. A Liga “declarou” a independência do Norte italiano em Setembro de 1996. Cf. Gina Marques, “Padania Nasce do Pó”. Jornal Público, Lisboa, 14 de Setembro de 1996. 61 Para conhecer as linhas programáticas da Liga do Norte, consultar a página da Internet (existente desde 1998) http://www.lapadania.com, onde se podem ler também as edições on-line do jornal La Padania, cujo director é Umberto Bossi. Na sua edição de Domingo, 25 de Janeiro de 2004, Bossi declarava a “Padania contra il nacionalismo italiano”. 60

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de “turbocapitalismo”62. Esse veloz ritmo de mudança torna-se, assim, um trauma para a maioria da população, que reage exigindo o reconhecimento e o respeito das suas particularidades. Assim, quem considera importante a estabilidade da família e das comunidades não pode ser a favor da desregulação e de globalização da economia. A desintegração das famílias tradicionais, o colapso, observável em muitos pontos do mundo, de comunidades coerentes e estáveis e os conflitos em países como, por exemplo, o México são os resultados da mesma força destruidora, como afirmam Martin e Schumann63. Outra, igualmente grave, consequência dessa velocidade alucinante é que na competição internacional a oferta de bens muda tão depressa que até mesmo pessoas relativamente jovens desconhecem o universo de consumo de jovens de idade ligeiramente inferior à sua. Os jogos electrónicos e a informática transcendem a sua compreensão, afirmam aqueles autores. E assim, ao ritmo de desenvolvimento observado, é inevitável que cada vez mais pessoas fiquem para trás, aquelas que “não estão dispostas ou que não podem nem mudar constantemente a sua visão do mundo nem continuar a esforçar-se continuamente para a obtenção do máximo rendimento”64. Observa-se, em suma, que a globalização leva a uma velocidade de transformação de estruturas sociais e profissionais impossível de assimilar por um número cada vez maior de pessoas. Sobre a tribalização e a globalização, essas dinâmicas de sinal contrário, a primeira dirigida pelos ódios comunais e a outra pela universalização dos mercados, uma recriando antigas fronteiras sub-nacionais e étnicas a partir do interior, a outra tornando as fronteiras nacionais porosas de fora, afirma Benjamin Barber que acabarão ambas por colaborar para o declínio do Estado65. Mas se o fenómeno neo-nacionalista se observa um pouco por todo mundo, é na Europa que a rapidez e violência associadas se fazem sentir com mais força. Todos ligam esta virulenta emergência aos recentes acontecimentos de limpezas étnicas, perseguições e

62

Cf. Hans-Peter Martin & Harald Schumann, op. cit., p. 192. Ibidem. 64 Idem, p. 193. 65 Benjamin R. Barber, op. cit., p. 4. 63

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assassínios em massa, destruição e fragmentação de países e cruéis guerras sucessivas que assolaram a Jugoslávia. Mas esta é apenas a parte mais mostrada, visível e estremecedora de um processo muito maior que afecta muitos países e nacionalidades, não só no Leste como na própria Europa dita desenvolvida. O fenómeno terá começado a aparecer durante a implosão do império soviético, com as diversas nacionalidades a movimentarem-se para fora do abraço sufocante de Moscovo. E ainda na Checoslováquia; na Hungria, onde a maioria magiar se opôs violentamente à coabitação com a diversas minorias; na Roménia, onde cerca de meio milhão de ciganos foram expulsos; ou na Bulgária onde se pressionam os cerca de dois milhões de turcos a assimilar-se ou a abandonar o país. Mas não se passa só nos países do Leste europeu, como vimos. A ascensão de partidos com discursos nacionalistas, alguns deles com conteúdos xenófobos, vê-se por toda a Europa Ocidental: na Áustria, onde o partido de Haider teve uma subida espectacular ganhando cerca de 25% do eleitorado; na Suiça, onde o Partido Popular de Cristoph Blocher se converteu no ano de 2000 no mais votado, com 23% dos votos; na zona flamenga da Bélgica, onde a extrema-direita do Vlaams Blok alcançou 30% dos votos na segunda cidade do país, Antuérpia. Também na Dinamarca, onde se verifica a popularização do Partido Popular; na Itália, com a Liga do Norte tentando a separação; na França; no Reino Unido; em Espanha. Num artigo recente publicado na Internet, J. Albacete atribui todos estes movimentos, não a manifestações espontâneas, em vários lugares, ao mesmo tempo, mas a um plano. No seu entender, este refundar (mais do que fundar) Estados de base étnica é a manifestação da vontade alemã de ver toda a Europa construída da mesma forma que foi a construção do Estado alemão66. A tese de que os movimentos nacionais que despontam são uma reacção – tese defendida também pela chamada esquerda europeia – é refutada por Albacete, que atribui esse despontar à determinação e à vontade da política alemã. E teríamos assim o advento de mais uma tentativa hegemónica ou de preparação do caminho para isso, por parte da Alemanha. Nesse sentido, afirma no referido artigo que, desde a queda do muro de Berlim, um novo centro de poder terá emergido no coração da Europa, com a vontade, os meios, os J. Albacete, Reportage “Un incendio provocado”, artigo publicado na página http://www.uce.es/DEVERDAD/ARCHIVO_2001/10_01/28_repor.html, visitada em 25 de Janeiro de 2004. 66

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recursos, as vias e os instrumentos para a fundação de uma “nova ordem” europeia. A Alemanha proclamaria assim que a Identidade Europeia seria o fim das Nações, pelo que estas teriam de reagir. Será assim?

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Capítulo III A IDENTIDADE EUROPEIA: O FIM DAS NAÇÕES?

A integração europeia, como vimos, é um dos factores de desvanecimento do Estado-nação. E o afloramento de nacionalismos extremos é, em grande parte, devido a este processo. Mas haverá outros factores que ameaçam a validade dessa entidade política que nos habituámos a aceitar como perene? A construção europeia faz-se a partir de elementos que estão em crise, portanto. Essa construção poderá ser afectada desfavoravelmente pelas consequências desta crise? Por outro lado, poderão utilizar-se os factores nacionais europeus (exclusivamente aqueles que cada Estado-nação reconhece e defende, ou seja, aqueles que foram incorporados como características distintivas) e usá-los como ingredientes de uma receita que produza uma “sopa saborosa” chamada Europa? Essas nações desaparecerão ou, pelo contrário, serão a única garantia da manutenção da futura estrutura política e social chamada União Europeia? Em resumo: que crises nacionais (ou nacionalistas) ocorrem na Europa (e porquê) que podem levar à crise da Nação? Amaro Carvalho da Silva, respondendo parcialmente a essas questões, observa que existe a pretensão de “a actual definição de União Europeia pretender ser a construção de uma nova nação e de uma nova pátria abandonando-se os chamados regionalismos nacionais”. No seu entender, “pretende-se unidade na diversidade, pretende-se que o cidadão se possa movimentar em vários níveis de cidadania (região, nação, continente e

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universo). Por conseguinte, na futura Europa, estas diversas dimensões deverão ser simultâneas e orgânicas, mas não hierárquicas”1.

1. ANTECEDENTES

Tal como hoje para a União Europeia, já anteriormente tinha sido tentada a criação de uma “nação” Europa. Excluindo os períodos imperiais em que a Europa teve uma única capital (e.g. Roma) e as tentativas de conquista da totalidade do território europeu, como no caso dos avanços otomanos do século XVII, que chegaram até Viena, as outras tentativas de “homogeneizar” a Europa, por exemplo, no século XIX ou mesmo no século XX, levaram sempre a fortes reacções das nações que temiam ser absorvidas. Num caso, o da França, aparecia o primeiro conceito moderno de Nação, saído directamente da Revolução, correspondente ao pensamento político do Iluminismo. A Nação era definida pelo conjunto dos cidadãos ligados ao Estado por um contrato que subscreviam de livre vontade. A França lançava, assim, as bases de uma forma de nacionalismo moderno que dá corpo ao Estado-nação, como o concebemos hoje. As aventuras napoleónicas conseguiram garantir para a França, pelo menos durante algum tempo, um império terrestre cujo controlo se estendia, em determinado momento, de Lisboa a Moscovo, mas que rápida e violentamente – qual mola demasiadamente esticada – se retraiu até ao colapso. A única potência deixada para trás nessa voragem, a Inglaterra, fezlhe frente e ajudou à reacção dos povos submetidos, levando à retirada dos imperiais franceses. Os exemplos de Portugal, onde, com a corte no Brasil, os exércitos de ingleses e portugueses expulsaram os invasores, e principalmente de Espanha, onde o povo se sublevou contra a nomeação de um “rei” imposto por Napoleão, são paradigmáticos da força da consciência nacional exacerbada em tempos de crise. O efémero III Reich, cujo tipo de expansão e cujo retrocesso foram semelhantes ao Francês, baseava-se, no entanto, no conceito oposto, romântico, de Nação. O nacionalismo hitleriano ia buscar as suas raízes ao espírito do povo – Volksgeist – e foi primeiramente 1

Amaro Carvalho da Silva, O Partido Nacionalista no Contexto do Nacionalismo Católico (1901-1910). Lisboa: Edições Colibri, Lisboa, 1996, p. 16. 78

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desenvolvido por Johann Gottfried Herder (1744-1803) e Joseph de Maistre (1753-1821). Em vez da associação baseada na vontade do cidadão, o nacionalismo alemão evocava o vínculo de cada indivíduo ao passado, sendo a adesão livre substituída pelos vínculos naturais orgânicos, implicando pertencer a uma comunidade viva de língua ou de raça. Fazia-se, pois, a apologia da diferença, situando-se os povos numa escala de valores, em que os alemães ocupariam o topo. Mas, tal como o Império Francês, também o III Reich alemão encontrou a resistência dos povos que procurava dominar. Os Estados-nação que baseavam a sua existência numa comunidade voluntária de cidadãos opunham-se naturalmente aos avanços de um conceito homogeneizador. De igual forma se comportavam aqueles que a teoria nacionalista alemã considerava “inferiores”. Actualmente a questão permanece, como se pode observar nas reacções do povo italiano, exemplo do que se passa noutras regiões do globo onde se assiste ao desmembramento de países prósperos. Actualmente, cinquenta anos apenas após a fundação da República Italiana, votam na Liga do Norte cerca de metade dos eleitores das províncias que existem desde a fronteira da França à da Eslovénia. Em Setembro de 1996, Umberto Bossi, líder daquele movimento de protesto, chegou mesmo a proclamar um Estado independente, a Padânia2.

2. PORQUÊ A CONSTRUÇÃO DE UMA IDENTIDADE SUPRANACIONAL?

O mosaico que é a Europa, um conjunto de países que outrora controlaram a maior parte do mundo, encontra-se actualmente enfraquecido nas suas consciências nacionais e cede pouco a pouco à pressão homogeneizadora da globalização3. A riqueza da diversidade cultural e as ligações preferenciais com todos os pontos do planeta vão-se, assim, perdendo num caos de acções e reacções das diversas políticas de negócios estrangeiros. Afirma Roberto de Mattei, referindo-se ao programa de uma nova Esquerda enquadrada por aqueles que chama de “teóricos do caos”, como Bucchi, Ceruti e Edgar

2

Cf. Gina Marques, op. cit. Cf. Pierre-André Taguieff, “Nationalisme et antinationalisme: le débat sur l’identité française”, in Serge Cordellier (dir.), Nations et Nationalisme. Paris: La Découverte, 1995, pp. 132-135. 3

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Morin, que “a dissolução dos Estados nacionais desenvolve-se em duas direcções: para o vértice, através da formação de macro-organismos supranacionais; e para a base, através do desmembramento regionalista e da fragmentação da Europa (e do Mundo) numa caótica confederação de micro-nações autogeridas”4. De acordo com Mattei, Morin afirma que este processo exigirá “duas conversões aparentemente contraditórias, mas, na realidade, complementares”, sendo uma a renúncia à identidade nacional e a outra a promoção das identidades locais. Assim a Europa transformar-se-á, ao mesmo tempo, em província e em mega-nação. “O projecto da nova Esquerda pós-moderna não consiste em transferir a soberania dos Estados nacionais para um novo Estado federal, seja ele europeu ou mundial; consiste, antes, em dissolver a própria ideia de soberania, criando não tanto um ‘superEstado’ quanto um ‘não-Estado’; a ‘República Universal’ não será centralizada, mas caótica, embora organizada. Com efeito, a negação da soberania caracteriza, a todos os níveis, o processo diante do qual nos encontramos: um processo que seria melhor definido como de «desconstrução» mais do que de «construção»”5. A solução para fazer face a esse eventual plano de uma nova Esquerda poderá passar por uma confederação, onde as características vantajosas de todas as comunidades organizadas como Estados-nação sejam aproveitadas para o bem comum. Ou seja, deverão ser adoptados factores étnicos, retirados à vontade assimiladora da “tribalização” (que esta usurpa como sendo as suas próprias características), e terão de ser minimizados os factores “normalizadores” da globalização, que empobrecem a diversidade cultural, que é a grande riqueza da Europa. A construção de uma “supranacionalidade” europeia só se justificará pelo grau de debilidade política e estratégica a que cada uma dessas potências do passado chegou actualmente. O problema não surgiu de repente com a queda do império soviético e o surgimento do momento unipolar. Quando se dissiparam os fumos e assentaram as cinzas da Segunda Guerra Mundial, as únicas verdadeiras potências presentes nesse teatro eram apenas os Estados Unidos e a União Soviética. A Europa tinha-se “extinguido”. A tensão

Roberto de Mattei, A Soberania Necessária – Reflexões sobre a Crise do Estado Moderno. Porto: Livraria Civilização Editora, 2002, pp. 148-149. 5 Ibidem. 4

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criada entre os dois gigantes deu óptimas oportunidades para a Europa se levantar e iniciar a reconstrução dos seus países. Mas a “idade de ouro” tinha desaparecido. A necessidade da Europa se unir adveio da evidência das fragilidades dos seus países. Enquanto a sua parte ocidental era erguida de acordo com os valores mais positivos que os norte-americanos tinham herdado dos seus antepassados europeus – e que agora devolviam –, a outra metade sofria a opressão imperial da URSS. Assim se reconstruíram duas Europas diferentes, de costas voltadas, até à queda do império soviético. Assim sendo, reitera-se a questão: porquê a construção de uma entidade supranacional como a União Europeia? Para além das fragilidades apontadas acima, dois conjuntos de argumentos podem ser evocados. Por um lado, motivos podem ser encontrados dentro dos próprios países que constituem o núcleo inicial da Comunidade. Todos eles foram outrora poderosos, orgulhosos dominadores de vastos impérios mundiais. Essa saudade do poder pode levá-los a coligarem-se para voltarem à condição de senhores do mundo. Por outro lado, existem em permanência perigos latentes, que já no passado se fizeram notar com grande evidência e que hoje se apresentam de novo, não já às portas da Europa, mas exactamente no seu seio. É o perigo do advento daquilo que Oriana Fallaci chama a “Eurábia, colónia do Islão”6, como repetição do avanço dos impérios árabe e otomano sobre a Europa que no século XVII – depois da conquista de vastos territórios da Europa – começaram lentamente a retrair-se até Istambul se encontrar cercada nas Guerras Balcânicas de 1912-1913. De acordo com aquela autora, o que se verifica é que a invasão da Europa que agora acontece se processa através de migrações, que vão instalando no seio de países da Europa comunidades que não respeitam as leis e os costumes dos países que os acolhem. Antes pelo contrário, vêm impor o respeito pelos seus próprios costumes e religião, enquanto negam aos povos seus anfitriões as suas próprias práticas religiosas, como a exibição pública do crucifixo. E os cimentos aglutinadores dos povos da Europa, as suas línguas, os seus credos religiosos, os seus costumes vão sendo abatidos e negados, para que os filhos do Islão não sintam a opressão do “infiel” quando vêm trabalhar e

6

Oriana Fallaci, A Força da Razão. Algés: Difel, 2004, p. 298. 81

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instalar-se na Europa, tornando-se europeus sem o serem. E não é a América, tão ferida recentemente por esse Islão terrorista, que poderá vir defender a Europa, pois a América sozinha não basta. Já por duas vezes a América apagou incêndios aqui na Europa: um foi o nazismo e o outro o comunismo. Mas o terrorismo islâmico é mais forte que aqueles e já feriu profundamente os Estados Unidos, que agora têm que cuidar do seu interesse. Esse terror islâmico pretende agora “destruir a nossa alma, as nossas ideias, os nossos sentimentos, os nossos sonhos”7. A questão do porquê da construção de uma entidade supranacional europeia como a União é respondida, assim, tanto pela necessidade da recuperação de poder a nível global – que individualmente cada uma das potências europeias já quase não possui, como pela necessidade de fazer frente a novas ameaças, nomeadamente o terrorismo islâmico, que poderão destruir aquilo que é o modo de viver do Ocidente, de que a Europa é o paradigma.

3. A “FEDERALIZAÇÃO” DA EUROPA PELA NEGAÇÃO DAS PARTICULARIDADES NACIONAIS OU O RESULTADO DA SUA UTILIZAÇÃO Segundo Gérard Bergeron8, a identidade europeia9 não significa o fim das nações que a constituem, pois afirma que quando os Estados procuram associar-se em formas políticas mais alargadas (de tipo federal, de comunidades de segurança, de integração funcional ou regional, etc.) é sempre com a ideia de melhor poderem persistir como Estados plenos. Roberto de Mattei, por seu lado, afirma que é a Europa o continente no qual as nações têm maiores diferenças entre si. “Estas diferenças dizem respeito à história, aos costumes, à língua, a todas as formas e expressões civis. A única Europa de que se pode falar é a das Nações, das Pátrias, dos Estados”. Assim, segundo este autor, “Uma Europa 7

Idem, p. 297. Gérard Bergeron, Petit Traité de l’État. Paris: Presses Universitaires de France, 1990, p. 246. 9 Sobre a identidade europeia, cf. Yves Lacoste, Vive la Nation – Destin d’une Idée Géopolitique. Paris: Librairie Arthème Fayard, 1998, pp. 298 e ss., especialmente as referências às ideias de Robert Reich em The Work of Nations. 8

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que dissolva os Estados nacionais de que é composta suicida-se, porque é exactamente dessas nações que ela sempre recebeu, e ainda recebe, a vida e o alimento”10. Mais à frente, no seu livro A Soberania Necessária, de Mattei afirma que o projecto de Maastricht é o da criação de um “não-estado policêntrico e caótico, caracterizado pela multiplicação dos centros de decisão, com competências complexas e confusas e em permanente conflito entre si”11. Também Yves Lacoste, numa entrevista sobre a ideia de Nação, concedida em Novembro de 199812, partilha a mesma opinião. No seu entender, a construção europeia não significa o desaparecimento da ideia de nação, mas, inversamente, significará um incremento da consciência das diversidades de conceitos de Nação que existirão dentro da própria União. Um outro autor francês, Pierre-André Taguieff13, pelo contrário, sustenta que quando se pretende sugerir que continuará a existir a Nação num mundo supranacional, se está apenas a tentar velar a verdade com uma falsa compensação, ou seja, que a essência da nação se irá desvanecer gradualmente até à sua plena substituição por entidades superiores, supranacionais. Esses autores parecem apontar, assim, para duas alternativas de futuro para a Europa, como resultado de dois diferentes tipos de construção. Ou seja, aproveitar as particularidades nacionais, usando-as como potenciadoras da futura União, ou negligenciálas. Analisemos então os dois caminhos. Que quer dizer Taguieff? Que o Mundo se vai tornar mais extremista na afirmação de nacionalismos exacerbados? Parece ser esta a dedução lógica das suas afirmações. Não têm razão Lacoste e Bergeron quando sugerem que vamos assistir à aproximação dos Estados-nação europeus, que assim se tornarão individualmente mais fortes? Esta visão é optimista, mas esse não será o caminho que se percorrerá se não houver vontade e determinação. Os Estados-nação da Europa têm que se encontrar consolidados internamente para que a adesão à União Europeia sirva os seus interesses.

10

Roberto de Mattei, op. cit., p. 152. Idem, p. 153. 12 Yves Lacoste, “La nation comme idée géopolitique” (entretien avec). Res Publica, nº19, 4e trimestre 1998. 13 Pierre-André Taguieff, op. cit., p. 132. 11

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Benjamin Barber sai em defesa do caminho da inevitabilidade do fortalecimento dos países europeus quando afirma que é necessário aproveitar as particularidades nacionais para uma boa construção da Europa. Diz ele: “We need markets to generate productivity, work and goods; and we need culture and religion to assure solidarity, identity, and social cohesion – and a sense of human spirit.” No entanto, barber nota que “But most of all, we need democratic institutions capable of preserving our liberty even in parochial communities; and (...) capable of maintaining our equality and our precious differences even in capitalist markets”14. Já Robert Jackson, num livro publicado em 2000, intitulado The Global Covenant15, afirmava a correspondência do homem com os Estados, quando dizia que estes são o reflexo daquele, reforçando a ideia de que se a diversidade produz o enriquecimento da raça humana, fenómeno que também se verifica a nível dos Estados. Do mesmo modo, a diversidade (cultural, étnica, etc.) é uma característica necessária a ter em conta quando os Estados se relacionam. Este relacionamento é necessário para a estabilidade da ordem internacional, pois as fraquezas dos Estados têm aqui uma boa solução para se colmatarem. Assim, as diferenças entre os Estados são a principal característica do enriquecimento das relações internacionais, pelo que aqueles devem olhar para as características humanas para regularem o seu relacionamento. Em resumo, a futura entidade política europeia supranacional deverá construir-se sobre as características individualizantes enriquecedoras dos Estados-nação europeus, para seu próprio benefício.

4. A EUROPA COMO FUTURA POTÊNCIA

Parece que fica assim demonstrado que o futuro da Europa comunitária, onde se tenta dar consistência à ideia de uma “cidadania europeia”, não se alcançará com o fim dos

14

Benjamin R. Barber, op. cit., p. 300. Robert H. Jackson, The Global Covenant: Human Conduct in a World of States. Oxford: Oxford University Press, 2000, p. 14. 15

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Estados-nação, mas sim com o reforço da sua ideia. Conforme escreve Yves Lacoste: “Il est nécessaire de faire comprendre l’évolution sur le long terme de l’idée de nation, en évoquant bien sûr le passé, mais aussi en esquissant l’avenir. ” Mas, no seu entender, é preciso mais ainda: “Il faut montrer que cette idée peut continuer de se développer avec la démocratie, et qu’elle peut avoir un rôle très positif dans le cadre de l’Union européenne, pour équilibrer les effets de la mondialisation. ” Assim, afirma que “ Il importe de récuser la thèse de l’obsolescence prochaine de la nation qui est à la mode dans les milieux d’affaires comme parmi les intellectuels”16. E Lacoste, embora reconheça que o papel económico dos Estados poderá vir a tornar-se menos importante no quadro da União Europeia, chama a atenção de que a Nação, independentemente dos Estados, deverá jogar ainda um papel cada vez mais reforçado. “Si, dans le cadre de l’Union européenne, le rôle économique des États doit s’affaiblir, il n’est pas sûr et moins encore obligatoire, contrairement aux proclamations de certains, que les nations se dissolvent peu à peu dans une sorte de magma métanational de dimension européenne. ” Por isso mesmo argumenta que “Sur le plan politique et culturel, ce serait même à mon sens tout à fait déplorable, sinon même désastreux, avec de surcroît les risques de «retours de manivelle» nationalistes, notamment en France”17. Como anteriormente se observou, o alargamento dos impérios faz-se por consecutivos actos de domínio sobre outros povos. A consciência nacional desses povos, se não existia antes, começa desde logo a desenvolver-se. Assim, é o próprio império que cria um dos factores para o seu futuro desaparecimento. As lutas de libertação e o desenvolvimento da consciência nacional e do nacionalismo no seio das camadas populares são os grandes factores para o alcance da independência. Mas se no período imediatamente a seguir a essa independência o poder político pretender iniciar um processo de adesão a uma organização supranacional, irá encontrar pela frente a reacção nacionalista, recém alimentada, aquando da libertação. Actualmente, este paradoxo revela-se nos países recém saídos do domínio do império soviético ou de situações similares. “O fim do comunismo foi acompanhado por uma explosão de movimentos nacionalistas retrógrados que o mundo 16 17

Yves Lacoste, Vive la Nation ..., op. cit., p. 316. Idem p. 317. 85

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inteiro considerava há muito pertencentes ao passado”18. A criação de regiões de interesses, tipo federação ou confederação, como a Comunidade de Estados Independentes ou a União Europeia, tem assim de ser cautelosa na forma como enfrenta os novos nacionalismos, e as suas expressões mais radicais, tanto dos povos ciosos da independência recém-criada como daqueles que sempre se viram com a vontade e o poder suficiente para garantirem velhas e duradouras independências e que olham com saudade para o seu passado de gloriosos impérios. As alianças regionais constituem uma forma de se alcançar mais poder mantendo a liberdade, mas as “Uniões Europeias” podem, assim, aparecer como uma ameaça, o perigo do aparecimento de um neo-imperialismo, que frequentemente é associado – pelos seus defensores – à necessidade de acompanhar a evolução da globalização. Para alcançar esse estatuto de potência, ao nível dos Estados Unidos na sua relevância internacional19, a União Europeia desenvolve, no entanto, mecanismos de integração nacional onde um dos mais notórios efeitos – e um grande erro – é a tentativa de minimização das particularidades nacionais (um efeito comum à própria globalização), conduzindo a reacções de ascensão nacionalista. Veremos mais adiante, em detalhe, quais os inconvenientes (e as vantagens, se as houver) desse processo. Existem ainda outros problemas. Levantou-se desde os anos oitenta do século XX, primeiro nos Estados Unidos da América e depois nos países da Europa Ocidental, um “culto da diferença” a aplicar como estatuto a todos aqueles que, não sendo apoiantes da ideia de integração – seja ela cultural, religiosa ou mesmo linguística – na comunidade de acolhimento, pretendem que esta apoie a sua própria cultura, costumes, religião e mesmo a língua. A noção de Ethnicity, forjada pelo norte-americano David Riesman em 1953, “visava romper com a conotação pejorativa das particularidades de cor, de língua, de religião ou de origem de certas categorias de população: os Negros americanos, os «Hispânicos» e ainda outros. ” No seu ponto de vista, “Considerados até então como subalternos, marginais, em vias de desaparecimento, essas minorias viam-se levadas pela primeira vez, em nome da sua 18

Hagen Schulze, Estado e Nação na História da Europa. Lisboa: Editorial Presença, 1997, p. 16. Sobre as relações da futura potência europeia com a actual potência hegemónica, ver Vasco Rato, “O transatlantismo em mudança: a NATO, a América e a Europa”. Análise Social, vol. XXX, nº 133, 1995, pp. 765-801. 19

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«etnicidade» finalmente valorizada, a cultivar o orgulho de se sentirem, já não distintos, mas diferentes, a trabalharem para a sua sobrevivência” e, conforme afirmava, ”com esses fim, a organizarem-se e a mobilizarem-se também perante o Estado, para o fazer aceitar a legitimidade do seu particularismo, daí em diante manifesto”20. Mas esta abertura, por parte do Estado, provoca uma “exaltação demasiada das entidades diferenciais”21, escreve Guy Hermet, que na verdade só serve para definir o terreno onde se desenrolará o conflito entre grupos ou organizações que afirmam representar determinadas comunidades perante o poder estabelecido. A este multiculturalismo com a forma de “culto da diferença” opõem-se de forma vigorosa, mais uma vez, os novos movimentos nacionalistas extremistas. Afirma Hermet que “o que é aborrecido é as boas intenções encobrirem por vezes armadilhas.” Pois, notava, “Omnitolerante, o multiculturalismo opõe-se ao nacionalismo estreito para promover uma nova forma de identidade cívica, baseada em alguns valores de alcance universal, em especial a liberdade de realização pessoal de cada indivíduo”. No entanto, Hermet alerta que o multiculturalismo “exalta, contraditoriamente, em nome da dignidade de cada grupo, os seus traços específicos que entende tornar perenes nas suas diferenças culturais e mesmo étnicas”22. Estes fenómenos não se aplicam apenas àqueles que vêm de fora da Europa comunitária. Dentro do seu próprio espaço assomam resistências, tanto à integração nacional como à europeização, e defende-se cada vez mais o conjunto de características próprias de cada grupo étnico, cultural ou religioso, bem como de cada país da União. Relativamente à questão da resistência das nações à europeização existem, como adiante se verá, duas abordagens distintas (e, de certo modo, opostas) deste problema, embora ambas pareçam poder levar a Europa a uma maior integração. Uma é a via da negação das particularidades identitárias nacionais, a outra a da utilização dessas particularidades de forma a criar um corpo de características ricas propiciadoras de uma grande comunidade. Desta última perspectiva é exemplo a criação (ou invenção) de uma nação como os Estados Unidos da América. As diversas ex-colónias europeias da América que decidiram unir-se 20

Guy Hermet, História das Nações e do Nacionalismo na Europa. Lisboa: Editorial Estampa, 1996, pp. 1415. 21 Idem, p. 268. 22 Idem, p. 15. 87

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para criar um Estado independente fundamentaram a sua coesão no respeito geral pelas características próprias de cada um dos Estados, para além de factores de identidade comuns. Assim se mantiveram autónomos, por exemplo, na lei e na administração da justiça. A questão dos Estados Unidos serem ou não um modelo a seguir permanece, no entanto, em debate no seio da Europa. Porém, há que realçar que os diversos Estados procuram criar, desde o início, um corpo de características identitárias nacionais próprias. Um aspecto, como se procurará demonstrar, parece ter validade: os “cimentos agregadores” de cada Estado membro deverão ser os elementos fundamentais na construção da identidade europeia. A constituição de um grande mercado como o europeu, que obrigará à normalização de muitos aspectos da vida geral dos cidadãos da Europa comunitária, não deverá, todavia, ser uma forma de normalizar o pensamento, os costumes, etc. dos povos europeus, porquanto acreditamos que é na diversidade que se alcançará o maior nível de riqueza, nos seus diversos aspectos. Mas isto só é válido a um certo nível, o dos Estados-nação europeus existentes actualmente, que representam agregações de sucesso e que se constituem como referências do potencial geral da Europa. O apoio ao desenvolvimento de multiculturalismos dentro desses países, pelo contrário, levará à sua fragilização e anulará a concentração de factores nacionais ao nível supranacional da União Europeia. É o que descreve Guy Hermet quando afirma que o multiculturalismo opera a fragmentação de unidades nacionais já constituídas23. O sucesso da União Europeia, que já se delineia no horizonte, apesar de todos os obstáculos que se lhe deparam, é essencialmente atribuível ao sentimento de pertença a uma região e a povos identificados com uma das grandes civilizações do Homem e à vontade de viver em conjunto e de construir um futuro comum. Para Guy Hermet, os valores comuns à Europa Ocidental que constituem factores de aglutinação – e mesmo de solução para os tribalismos e para os conflitos étnicos dentro dos Estados europeus – são: a legitimidade do governo consentido, reprimido por contrapoderes que limitam os seus excessos, o apego às liberdades formais garantes das liberdades reais, bem como a tradição mais recente de uma justiça distributiva que atenua os desvios da riqueza24. Contudo, prossegue este autor, “o 23 24

Ibidem. Idem, p. 268. 88

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mal é que bem pouco foi feito para tirar partido deste fundo partilhado”25. Daí que os factores de coesão nacionais sejam necessários para a construção da consciência de cidadania europeia. Daí que haja a necessidade de enquadrar e disciplinar os novos nacionalismos europeus. Sendo os EUA o líder incontestado da civilização ocidental, poderá esta situação servir os interesses do futuro da Europa? Parece que não, se atendermos principalmente aos factores acima apontados. A Europa, pela primeira vez em fase de consolidação autónoma após o desastre da Segunda Guerra, ajudada pela NATO, encontra-se agora em condições de seguir o seu próprio caminho. Este caminho não deverá, todavia, ser feito em direcção ao mito da “pátria europeia”, a uma Europa unida no sentido da unidade nacional. Porque, conforme escreve Franco Nogueira, citando Duroselle, “em mais de mil anos a Europa unida nunca foi possível – porque não é possível”26. Essa ascensão da Europa unificada (ou unida) pode, contudo, aparecer como uma ameaça ao momento unipolar que vivemos. Existe, assim, um desafio à única potência presente no teatro estratégico. Em concordância com esta ideia, recentemente, em 2001, o Departamento de Defesa norte-americano estabeleceu uma nova estratégia para a defesa dos Estados Unidos, com quatro grandes objectivos. Um deles afirma: “Dissuading adversaries from undertaking programs or operations that could threaten U.S. interests or those of our allies and friends”27. Embora esta frase tenha sido construída de forma a sugerir a oposição entre “adversaries” e “allies and friends”, o que contém é a ideia que quaisquer entidades que levem a cabo programas ou operações que ameacem os interesses dos EUA deverão ser dissuadidas e serão tratadas como adversários. E a Europa corresponde a um grande adversário nas áreas económicas e científicas. A construção da “entidade supranacional europeia” faz sentido, no entanto, do ponto de vista dos apologistas do equilíbrio de poder e tem o seu fundamento no próprio conceito de democracia ocidental, onde a bipolaridade constitui o elemento de auto-regulação das acções do partido que se encontra de momento no poder. 25

Ibidem. Franco Nogueira, Juízo Final. 2ª ed. Porto: Livraria Civlização Editora, 1993, p. 84. 27 Cf. Department of Defense (DoD) dos EUA, Quadrennial Defense Review Report [em linha], 30 de Setembro de 2001, [referência de 25 Janeiro 2004]. Disponível na internet em: http://www.defenselink.mil/pubs/qdr2001.pdf, p. IV. 26

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A Europa tem, portanto, todas as capacidades e características para se tornar uma grande potência (em todos os aspectos do significado deste conceito), e o processo tendente a isso já se encontra a rolar, sendo difícil ou impossível pará-lo. Porém, como se pode deduzir da política norte-americana, do seu planeamento a médio e longo prazos e dos comentários dos seus mais relevantes politólogos, a ascensão de uma nova potência não serve o interesse norte-americano, pelo que Washington tudo fará para evitar o aparecimento desse ou de qualquer outro rival, nomeadamente contrariando o levantamento de todas as estruturas e forças militares na Europa que não pertençam à NATO 28, por forma a manterem a supremacia militar mundial29. Para dar mais força a esse projecto, a ascensão de novos nacionalismos extremistas poderá ser interpretada como sinal de um perigo mundial similar ao que deu origem à Segunda Guerra Mundial e levar à hostilização por parte dos povos do outro lado do Atlântico. Conforme escreve Hagen Schulze, “Não há hesitação possível: o veneno do nacionalismo de massas, que quase destruíra a Europa, continua virulento.” No entanto, há um outro ponto de vista necessário: “Porém, seria falso ver este fermento apenas sob o seu aspecto negativo e destruidor. Sem a força unificadora e mobilizadora do nacionalismo, os países da Europa de Leste não teriam podido libertar-se do comunismo”30. Por outro lado, sabendo-se que um dos nutrientes do nacionalismo é a sensação de que a “Nação está em perigo”, essa sensação poderá ser artificialmente exacerbada de forma a poder ser aproveitada politicamente levando à exclusão de estrangeiros, tal como já sucedeu recentemente no interior dos países participantes nas guerras balcânicas de 1992-1995. Tal discurso, de cariz racista, não

Conforme referido por Paul Kennedy na Conferência “Relações Transatlânticas Europa–EUA”, organizada pela Fundação Calouste Gulbenkian, a 21 e 22 de Outubro de 2003, em Lisboa. Paul Kennedy, “Os Futuros Euro-americanos: Afastamento, Reaproximação ou Divisão do Trabalho?”, in Fundação Calouste Gulbenkian, Relações Transatlânticas Europa–EUA. Lisboa: Publicações Dom Quixote, 2004, pp. 220-221. 29 Cf. G. John Ikenberry, “Conclusion”, in G. John Ikenberry (ed.), America Unrivaled: The Future of the Balance of Power. Ithaca: Cornell University Press, 2002, pp. 301-302. Cf. também Robert Kagan, O Paraíso e o Poder. Lisboa: Gradiva, 2003, pp. 102-103. No entanto, outros autores avançam o contrário: “The United States may well react to a more independent Europe by stepping back and making room for an EU that appears ready to be more self-reliant and more muscular”, escreve Charles A. Kupchan, em “Hollow Hegemony or Stable Multipolarity?”, in G. John Ikenberry (ed.), America Unrivaled: The Future of the Balance of Power. Ithaca: Cornell University Press, 2002, p. 90. 30 Hagen Schulze, op. cit., p. 305. 28

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ajudará a Europa comunitária, mas poderá constituir inclusive um pretexto para a intervenção política dos Estados Unidos da América na Europa. As nações europeias não irão desaparecer com a previsível maior integração futura. Porque o sucesso dessa futura grande potência – se se constituir como tal – derivará essencialmente da manutenção da riqueza da sua história, dos seus costumes e culturas e da sua diversidade. Só cultivando esses modos de estar diferentes é que a Europa se poderá tornar relevante. Para conseguir isso, há que moldar os sentimentos nacionalistas, inclusive os extremos, adaptando-os às necessidades dos povos europeus e trabalhando-os de forma a obter-se uma mais-valia que possa equivaler-se àquelas que levaram os EUA à posição de supremacia incontestada que actualmente detêm. A construção de um novo patamar (união, confederação, federação) onde os factores caracterizadores dos antigos Estados-nação se acumulam permitirá evitar que se radicalize o mundo entre a Jihad e o McWorld de Benjamin Barber31. Pois cada Estado-nação europeu está realmente em crise e já não pode – sozinho – opor-se às forças da globalização ou às reacções tribais a esta. Assim se justifica a necessidade da consolidação da “União das Nações Europeias”. Mas para esta ter validade terá de se apoiar, quase exclusivamente, nas características nacionais de cada “Estado-membro”32. Preservando-se o interesse nacional de cada país membro, através principalmente da manutenção das suas características nacionais, contribuir-se-á para o enriquecimento cultural da Europa, alimentando-se o motor de desenvolvimento de todos os Estados-membros. O próprio Tratado de Maastricht propõe como seu objectivo o respeito e desenvolvimento da variedade de culturas nacionais (e, no entanto, também regionais). “Para que uma identidade política colectiva se desenvolva neste continente, é sem dúvida necessário que primeiro se consolide um espaço público de debate para dar consciência aos europeus dos seus interesses solidários e do interesse geral, superior ao das partes”33, escreve Guy Hermet. 31

Benjamin R. Barber, op. cit., p. 4. Nem todos os factores nacionais, os chamados “cimentos aglutinadores”, serão úteis para a construção da unidade europeia (Yves Lacoste leva este conceito a um nível extremo, quando aponta como solução para a coesão da nação francesa – no seu livro Vive la Nation – a adopção de um único factor, a língua). Para isso, terá que ser levado a cabo um sério estudo de identificação, de forma a minimizar a importância dos elementos menos válidos, criando espaço, nas mentes e nas sociedades, para o engrandecimento dos factores válidos. 33 Guy Hermet, op. cit., p. 269. 32

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Escrevia Adriano Moreira, em 1970 que “a marcha para a unidade do Mundo vem acompanhada de uma progressiva multiplicação quantitativa e qualitativa dos centros de decisão e de uma multiplicação quantitativa e qualitativa das relações entre elas.” No seu entender, é possível identificarem-se “Dependências e interdependências crescentes. Uma clara situação em que a unidade passa pelo pluralismo. Um pluralismo obrigado a respeitar a Nação como valor fundamental”34. O momento imperial americano que vivemos, possa embora parecer desfavorável à construção europeia, é, todavia, a melhor altura para que uma potência europeia (ou seja, a Europa como potência) se desenvolva e consolide. Sendo, portanto, cada vez mais imprescindível a relação entre a unidade dos Estados-membros e a identidade nacional de cada um deles, é necessário definir o que se entende por características nacionais, identificá-las em cada Estado-nação constituinte da União Europeia, separando as que são potenciadoras da União das que são perniciosas para a união dos povos. O capítulo seguinte debruçar-se-á sobre estas questões no caso específico de Portugal, procurando também descortinar se existem indícios de atitudes nacionalistas extremas e xenófobas.

Adriano Moreira, “A marcha para a unidade do Mundo: Internacionalismo e Nacionalismo”, em Boletim da Sociedade de Geografia de Lisboa, ob. cit., p. 12. 34

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Capítulo IV DIAGNÓSTICO DO CASO PORTUGUÊS

“A Nação portuguesa é um precipitado de um longo período histórico que remonta à Idade Média” Josep Llobera1

1. INTRODUÇÃO

A globalização e a integração europeia são dois processos que, como se observou, podem levar ao desvanecimento do Estado-nação e seu posterior desaparecimento. Alguns sintomas do que se passa no mundo apontam para isso. Por outro lado, essa dinâmica de enfraquecimento leva a reacções como o fenómeno europeu de afloramento de nacionalismos, alguns com características extremistas, cujos porta-vozes apontam como grandes perigos nacionais, tanto a integração do seu país na União Europeia, como a integração de estrangeiros no seu país. Estes perigos poderão ser reais na medida em que os processos conhecidos da integração de uma nação num espaço supranacional necessitam de se apoiar nos factores comuns a todas as nações, menosprezando tudo o que sejam características exclusivas de cada nação. Por outro lado, é também real algum perigo de que o fluxo contínuo de entrada maciça de comunidades estranhas fragilize os cimentos agregadores da comunidade que os recebe, criando instabilidade no âmbito social e mesmo político. Os países onde esses fenómenos de nacionalismo (radicalizado ou não) ocorrem poderão, no entanto, utilizar as suas próprias características identitárias nacionais para fazer Citado por José Manuel Sobral, “A formação das nações e o nacionalismo: os paradigmas explicativos e o caso português”. Análise Social, vol. XXXVII, n.º 165, 2002, p. 1122. 1

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face ao problema. Para isso há que identificar as que são adequadas, ou seja, distinguir em primeiro lugar quais as que – sendo valorizadoras da identidade nacional – são, ao mesmo tempo, de valor para o aumento de poder geral da Europa e, em segundo lugar, quais as potenciadoras de processos de acolhimento e integração de novos cidadãos – concorrendo necessariamente e em simultâneo para o fortalecimento da identidade nacional – e que anulem as reacções daqueles movimentos nacionalistas que exortam à exclusão dos que são diferentes. Existirão em Portugal os problemas referidos? Neste capítulo procurar-se-á identificar, tal como no anterior a um nível europeu, mas agora numa escala menor, que crises nacionais (ou nacionalistas) ocorrem em Portugal (e porquê) passíveis de levar à crise da nação. Irá Portugal dissolver-se no grande “caldo” europeu, ou não? Terá o País valor para a Europa apenas pelo território nacional e a sua localização geográfica, ou existirão outros elementos valorizadores da futura Europa? A ser assim, será então necessário dar forma a um nacionalismo português, nesta era pós-moderna, a que alguns cedem à tentação de chamar pós-nacional? Irão aparecer reacções nacionalistas extremas à integração europeia? Existirão já sinais disso? Poderão as reacções à integração ser usadas, apesar de tudo, como ingrediente do tal “caldo” europeu? O diagnóstico deverá incidir essencialmente sobre as características que, no passado, garantiram a Portugal vantagem sobre as outras potências da época – entre aquelas destacando-se o carácter universalista português – e que poderão ainda hoje proporcionar ao país alguns trunfos a serem jogados no tabuleiro de xadrez europeu. As razões das vagas de imigração após o fim do império ultramarino encontram-se nas características atractivas de Portugal, como se verá. Daí que nos debrucemos sobre a estratégia de Portugal no Atlântico, tentando discernir o seu valor para o futuro do país integrante da União Europeia.

2. SINAIS DE CRISE

Os fenómenos de crise da identidade nacional portuguesa não são recentes. Este tema tem vindo a ser debatido, principalmente desde o século XIX, quando se desenvolveu 94

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uma tentativa de construção de uma literatura nacional portuguesa, uma recolha de literatura oral ou uma elaboração de uma História de Portugal. O Estado-nação português não parecia, no entanto, alguma vez ter estado em causa. Embora existisse esse movimento para definir elementos da cultura nacional portuguesa, a existência da realidade Nação era inquestionável, como afirma José Manuel Sobral: “Existia, no seio dos círculos da elite romântica, na época de implantação do liberalismo […] um movimento para definir elementos de uma cultura nacional portuguesa, mas a existência da realidade nação era inquestionável”2. De acordo com o que escreve João Mendes, o nacionalismo inspirou boa parte da literatura portuguesa, como a historiografia dos monges de Alcobaça, a História do Futuro e o Mito do Quinto Império, do Padre António Vieira, além de todos aqueles que basearam a esperança de sobrevivência nacional em mitos messiânicos e sebastiânicos. “O nacionalismo romântico, particularmente o de Garrett, caracterizado pelo fundo amor aos homens e às coisas nacionais, é o amor de quem procura e reencontra, na sua própria família, motivos de nobreza, sem precisar de comparar-se com antigos heróis. Amam-se as tradições próprias um tanto contra os protótipos da Antiguidade, e contra a excelência estrangeira”3. João Mendes distingue António Nobre, Eça de Queirós, Oliveira Martins, Teixeira de Pascoaes, António Sardinha, Afonso Lopes Vieira e António Correa de Oliveira como os principais autores que debateram a questão do nacionalismo português nos períodos moderno e contemporâneo4. Todos eles ou referiam a crise da identidade nacional e do nacionalismo, numa análise pessimista, ou dedicaram os seus esforços a promover as características nacionais portuguesas, num esforço de valorização positiva. De acordo com José Manuel Sobral, a emergência e consolidação da identidade nacional portuguesa passou por diversas fases, cada uma delas incompleta e, portanto, capaz de dar origem a uma crise de identidade. Assim, a emergência histórica da identidade

2

Idem, pp. 1093 e ss. João Mendes, “Nacionalismo”, em Verbo Enciclopédia luso-brasileira da cultura, ob. cit.,p. 1645. 4 Idem, pp. 1646-1647. 3

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nacional terá tido lugar no período medieval, através da congregação de factores como o aparecimento do nome dessa identidade e do dos seus habitantes, uma dinastia nativa, uma língua e um território. Terão surgido nessa altura as primeiras manifestações de identificação com esse colectivo5. Mais tarde, a partir do século XVI, as elites elaboram narrativas sobre essa identidade, procurando objectivar características nacionais. A língua é estudada e normalizada. Criam-se e divulgam-se mitos de ascendência e elaboram-se descrições míticas sobre o reino de Portugal e os portugueses. Para além dessa produção erudita, é criada ainda uma consciência nacional a nível popular, através da guerra e da mobilização colectiva, de identificação com símbolos – do significado de “nós” em oposição a “eles”. Um terceiro processo, com origem exclusiva nas camadas intelectualizadas, produz, no período de Oitocentos, representações elaboradas da Nação, envolvendo cada vez mais o papel do Estado na vida das populações, do sistema educativo, dos meios de comunicação, da unificação económica. No período em que estes processos se desenvolvem, assiste-se também a outros procedimentos de “construção de uma identidade nacional pelo(s) nacionalismo(s), pela via do discurso, dos rituais comemorativos, da preservação dos dispositivos mnemónicos de uma dada memória – os monumentos”6. De acordo com Amaro Carvalho da Silva, “durante o século XIX em Portugal o conceito nacionalismo desenvolveu-se a partir de uma consciência crescente dos valores nacionais (religião, língua, história, cultura, tradições e costumes)”. Essa consciência seria “alicerçada no desenvolvimento dos estudos arqueológico-etnológicos, divulgação do cancioneiro e romanceiro e incremento dos estudos de História de Portugal (Alexandre Herculano e Oliveira Martins)”. Carvalho a Silva sublinha, a este propósito que, No nacionalismo privilegiam-se os valores da Tradição, Memória e História na presunção de que há um «modo de ser e de viver exclusivamente nacional». O nacionalismo encerra, assim, uma certa metafísica dos povos, uma conservação social. Este conceito pode entender-se em tantos âmbitos

5 6

Ibidem. José Manuel Sobral, op. cit., 1117-1119. 96

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quantos os domínios da actividade humana: arte, literatura, política, cultura, história e filosofia”7. Este último período, “consequência do fim do Antigo Regime, da aventura napoleónica, do romantismo literário e político das ideias «francesas» e da resistência às suas consequências”8 teve o seu apogeu há quase duzentos anos, mas – como refere Jaime Nogueira Pinto – foi o antecessor da nova “idade das nações” a que parece assistir-se a partir do final do século XX, embora, no dizer daquele autor, este conceito possa ser “incorrectamente político”9. Embora alguns problemas tenham surgido, especialmente a partir da primeira grande vaga de imigração para Portugal, em 1974-75, como adiante se verá, o Estado-nação português não parecia estar em perigo. Porém, alguns indícios técnicos da última década do século XX levam a pensar que existirá agora uma fragilização da coesão nacional portuguesa. Admitindo que existe agora uma nova crise nacional, Jaime Nogueira Pinto chama a atenção que “no extremo ocidental da Europa e na sua mais antiga nação nos limites físicos actuais, os portugueses devem mais do que nunca compreender este fenómeno [de crise] e saber pensar e querer a Nação – e o Estado – como garantes de quase tudo o que vale a pena defender”10. Pois, no seu entender, a lógica política de Carl Schmitt, baseada no binómio amigo-inimigo, “passa agora da ideologia global – capitalismo-liberalismo ocidental – para uma lógica múltipla em que as categorias voltam a ser as tradicionais da diferença: a religião, a nação, a raça, a conquista do Estado e dos recursos”11. E, nesse sentido, essa grande mudança é um sinal de que existe uma crise do Estado-nação, de que o modelo de Carl Schmitt já passou de moda e que o modelo étnico regressa novamente, como já observara na Jugoslávia, em muitos outros países da Europa com menor gravidade e, finalmente, em Portugal, onde o modelo cívico nunca se implantou na totalidade.

7

Amaro Carvalho da Silva, O Partido Nacionalista no Contexto do Nacionalismo Católico (1901-1910). Lisboa: Edições Colibri, Lisboa, 1996, p. 16. 8 Jaime Nogueira Pinto, Visto da Direita – 20 anos de «Futuro Presente». Lisboa: Hugin, 2000, p. 96. 9 Ibidem. 10 Idem, p. 97. 11 Idem, p. 88. 97

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Embora actualmente o discurso xenófobo não seja adoptado por nenhuma força ou movimento político português, existem indícios na comunicação social e noutros meios de divulgação de informação, como a Internet, da existência de alguns “incómodos” na sociedade. A recente divulgação na net do manifesto – de origem duvidosa – sobre as intenções dos “Nzingalis” 12, onde se projecta a tomada do poder na Grande Lisboa por etnias de ascendência africana, e as reacções que se registaram até na imprensa estrangeira, embora contenham aspectos que se podem classificar de caricatos, demonstram que a harmonia étnica portuguesa se encontra algo agitada. A recente cobertura dada a uma manifestação de “mães de Braga” que se opunham à presença de mulheres brasileiras em bares nocturnos daquela cidade, com cobertura da revista portuguesa Visão e alguma atenção do periódico Times, é mais um indício da inquietude perante potenciais alterações da maneira de ser nacional. No entanto, quando imigrantes de Leste se pronunciam sobre o que os levou a vir para Portugal, verifica-se que existem neste país características que atraem os outros povos.

3. VALORES NACIONAIS: O SEU INTERESSE

A ideia portuguesa da Europa assenta, como bem referem Braga de Macedo, Adelino Maltez e Castro Henriques no seu livro Bem Comum dos Portugueses, “em valores portugueses, bissectriz criativa entre o liberalismo global britânico, com que partilhamos uma sensibilidade ao Atlântico Norte, o centralismo nacional francês, cujas instituições republicanas adoptámos, e a vizinhança espanhola, permanente desafio à nossa identidade lusófona”13. Esses valores portugueses, entre os quais se contam “a vitalidade do povo português”14, o “espírito de liberdade pessoal”15, a língua e o carácter universalista – que 12

NZINGALIS [em linha], [referência de 30 de Agosto de 2001]. Disponível na Internet em: http://www.blackmind.com/hosting/nzingalis. (actualmente indisponível, mas referida ainda no relatório da Organização Não Governamental (ONG) SOS Racismo [em linha], [referência de 12 de Abril de 2005]. Disponível na Internet em: http://www.sosracismo.pt/2002/direita.htm) 13 Jorge Braga de Macedo, José Adelino Maltez & Mendo Castro Henriques, Bem Comum dos Portugueses. Lisboa: Vega, 1999, p. 237. 14 Idem, p. 178. 15 Ibidem. 98

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na era gâmica nos projectou pelo mundo –, são mais-valias para o futuro da entidade europeia que se forma e aperfeiçoa continuamente. A vitalidade deste povo permitiu-lhe desbravar o mar cheio de perigos, chegar a praias desconhecidas e penetrar nas selvas e sertões onde antes nenhuma civilização tinha chegado. Permitiu-lhe ainda ver reconhecido o seu valor por outros povos com quem estabeleceu relações comerciais, culturais e políticas. O espírito de liberdade pessoal garantiu-lhe a iniciativa para se lançar em projectos ousados pelo mundo fora, e ultrapassar os laços que o fixavam à terra natal. A língua, que se espalhou pelo mundo, permitiu-lhe facilitar as trocas comerciais e propiciou aos povos com que lidava uma comunicação franca com vantagens para ambos os lados. Sobre esse aspecto, afirmam aqueles autores que “A difusão universal do português operada desde o século XVI ao serviço de uma política de domínio político, depressa ganhou autonomia própria como língua de evangelização cristã e de relacionamento comercial. Deste falar divulgado por navegadores, missionários, aventureiros e soldados, bandeirantes do sertão brasileiro e exploradores de África, emigrantes em todo o planeta, ficaram vestígios em 150 idiomas e dialectos”16. “Se no passado as navegações portuguesas expandiram o idioma a partir dos interesses do comércio, no presente também se pode expandir o comércio a partir dos interesses do idioma comum”17. Destes valores permanece – em parte por ser uma amálgama de todos – o carácter universalista português que, latente, espreita a oportunidade de se revelar de novo. O retomar da tendência universalista portuguesa é necessário e útil para a União Europeia, na resolução dos seus problemas de integração nacional e da própria integração dos estrangeiros que aí buscam uma nova vida. Os fenómenos de nacionalismo, mesmo os extremistas, mostram que Portugal pode contribuir para a solução. O reacendimento do orgulho nacional perdido, daquilo que fomos e daquilo que fizemos, dando a devida forma a tipos de nacionalismos que se extremam, não os destruindo, mas moldando-os, poderá 16 17

Idem, pp. 230-231. Idem, p. 232. 99

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permitir que o nosso papel no mundo volte a ser valorizado e importante para povos que aspiram à paz e ao progresso. Os valores nacionais, que dão forma à identidade de Portugal, têm sido tema de discussão e debate durante um alargado período, que começa no regime liberal do século XIX e se prolonga pelos nossos dias.

4. O CARÁCTER UNIVERSALISTA PORTUGUÊS E O IMPÉRIO

Um dos lemas associados mais comummente ao investimento de Portugal no alémmar durante Quinhentos é o que refere “a expansão da fé e do império”. Parece, no entanto, à luz do pensamento político actual, que é uma visão condicionante, limitada, das motivações que levaram os portugueses a lançar-se ao mar. Outras abordagens serão possíveis, como a pressão que Portugal sofria de Leste e que o fez lançar-se para Ocidente, para o Mar Oceano desconhecido, a pobreza em que se encontrava o reino nas vésperas dos Descobrimentos, a natural audácia dos pescadores e marinheiros lusos, desafiando o desconhecido e tentando vencer aterrorizadores mitos, as notícias e lendas de cidades ricas e tesouros sem fim para lá do horizonte. Ou ainda a pura ganância, a cruel vontade de exterminar ou escravizar outros povos. Ou ainda, finalmente, o conhecimento da existência de paganismo noutras paragens, sendo dever de cada português cristão converter a bem ou pela força das armas. Mas não será no seio destes argumentos, debatidos há séculos, que deverá ser procurada a real intenção ou motivação. É na própria gente, no seu íntimo, na alma portuguesa, que se encontram as razões dos sucessos passados. “Em lugar de se interessarem por investigações teóricas […] preocupam-se com os problemas desse mar navegado em condições sem precedentes”18. E assim, Albuquerque nota “como os pilotos e aqueles que mais de perto se encontravam ligados à marinha foram capazes de procurar, na astrologia que os precedeu, os elementos que mais convinham à resolução dos seus problemas”. Mas o brilhantismo dessas mentes fez também coim que soubessem “adoptar esses elementos às condições práticas em que tinham de os aplicar; como tentaram e 18

Luís de Albuquerque, Introdução à História dos Descobrimentos Portugueses. Mem-Martins, Publicações Europa-América, 1989, p. 291. 100

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conseguiram resolver por si as poucas questões que não estavam previstas nos textos tradicionais”. Finalmente, como parte final desse brilhante projecto, “empreenderam simplificar, da maneira mais útil, o que recebiam por herança. É esta a mais importante das lições a tirar da acção prática desenvolvida pelos marinheiros dos descobrimentos”, afirma Luís de Albuquerque19. Mas, mais ainda do que o espírito prático e bem sucedido assim retratado, o português é universalista, é curioso dos outros, gosta de misturar-se com outros povos, de lhes admirar a diferença. Adapta-se bem a novos costumes, sem alienar os seus. Daí que tenha sido, durante muito tempo, o único povo a ser admitido na elevada e requintada corte do Japão, que só voltaria a abrir as suas portas à custa de canhonadas de navios ocidentais, alguns séculos depois dos portugueses. Este carácter universalista existe ainda tão forte como nesses áureos momentos do passado. Escrevia António de Oliveira Salazar, em 1936, que “Vocação missionária se tem podido chamar a esta tendência universalista, profundamente humana do povo português, devido à sua espiritualidade e ao seu desinteresse.” Mas opunha-se a que fosse confundidocom outras correntes: “Em qualquer caso ela não tem ponto de contacto com o suspeito internacionalismo humanitário de hoje a defender que as fronteiras se abatam para alargar as próprias em prejuízo das alheias. – Não discutimos a Pátria”20. Este carácter universalista, conjugado com a audácia ganha no confronto diário com um mar traiçoeiro e muitas vezes brutal – o Atlântico –, permitiu moldar o espírito português e levou-o à descoberta do mundo. Mas o português haveria de regressar. Com ele traria todas as riquezas e conhecimentos que a sua viagem proporcionou. E atrás dele viriam outros povos. Tal como todos os outros impérios dos europeus, também o português estava condenado a passar.

5. A IMPLOSÃO DO IMPÉRIO E AS VAGAS DE IMIGRAÇÃO

Tendo-se expandido muito para lá da pequena dimensão que ocupava na Europa e, de seguida, tendo sido reduzido ao longo dos séculos, o Império português ocupava ainda 19 20

Idem, pp. 290-291. António de Oliveira Salazar. Discursos e Notas Políticas, vol. II. Coimbra: Coimbra Editora, 1946, p. 132. 101

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na segunda metade do século XX vastos territórios. A súbita implosão, há muito esperada, não pôde, porém, deixar de provocar um grande refluxo de migração, na direcção do seu centro. É assim que, nos anos de 1974 e 1975, o território metropolitano recebe cerca de meio milhão de refugiados vindo do Ultramar21. Esta grande vaga provoca sobressaltos na população local e alguns fenómenos de xenofobia despontam naqueles tempos conturbados. Mas todos – excepto os que demandaram pouco depois outras paragens, emigrando – acabam, de forma geral, por se integrar, pois todos eram portugueses e era apenas o Império que agonizava. Restaram poucos vestígios dessa primeira vaga, para além do aumento da diversidade étnica e cultural e, um pouco, da religiosa. Com a independência das ex-colónias, começa um novo ciclo desses povos de alémmar. Após o inicial entusiasmo, advém a preocupação de construir a sua nacionalidade. Mas a esses novos Estados, que se pretendem Estados-nação, faltam de imediato as estruturas coloniais, que se retiraram. E não é fácil construir um Estado apenas a partir da vontade e da oportunidade concedida pela situação internacional. Esses Estados, ainda não consolidados, afundam-se nas dificuldades económicas. E os mais audazes seguem o rasto deixado pelo antigo colonizador, em busca de trabalho, de estabilidade e de melhores condições de vida para a família. Inicia-se um largo movimento em direcção a Norte, em busca do antigo colonizador. É uma segunda vaga que chega a Portugal, com um pico de entradas em 1983 (total de imigrantes legais residentes, 67.484, significando um crescimento de 15,1% – mais do dobro do ano anterior) e que se prolonga até à data de adesão, em 1986 (crescimento de 9,28%), diminuindo rapidamente a partir desse ano22. Em pleno processo de dinamização da sua economia, com a entrada preparada na CEE, Portugal precisa de muita mão-de-obra, se possível barata, e abre as portas à imigração, vinda principalmente das suas ex-colónias. Esta segunda vaga, que se espalha por um período de mais de cinco anos, tem já maiores dificuldades de integração e adaptação que a anterior. Para além de agora serem estrangeiros, são recebidos com o estatuto de mão-de21

Cf. Rui Pena Pires, Migrações e Integração. Teoria e Aplicações à Sociedade Portuguesa. Oeiras: Celta Editora, 2003, p. 202. 22 Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF), Relatório Estatístico de 2003, [em linha]. [Lisboa] [referência de 28 de Março de 2005]. Disponível na Internet em http://www.sef.pt/data/relatorios/2003/relatorio_estatistico.pdf. 102

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obra barata, temporária, e a grande maioria entrou ilegalmente em Portugal. Instalam-se principalmente perto dos locais de trabalho, frequentemente junto das grandes cidades. Diferentemente da primeira vaga, não os move um grande desejo de integração no país, nem as oportunidades são as mesmas dos que vieram na década de 1970. Antes pelo contrário, criam-se movimentos no sentido de ser defendida a sua diferença. Propicia-se, assim, a criação de zonas suburbanas de exclusão, quase guetos, com todos os problemas de hostilização, de falta de inserção social e ainda de aumento de violência e de criminalidade. Uma terceira vaga de imigração aparece na década de 1990, com um pico de crescimento de 14,7% em 1994, traduzindo-se em 157.073 imigrantes com residência legal em Portugal. Este crescimento virá a diminuir muito até 2001, ano que vai disparar para valores de crescimento de 68,83% (total de 350.503 residentes legais), começando logo nos anos seguintes a tendência para diminuir para valores normais 23. O colapso económico a Leste e a notícia da prosperidade da União Europeia contribuem muito para esse movimento, mas a maioria dos imigrantes com permanência legal em Portugal continua a vir da África lusófona (42,7%), da Europa comunitária (21,3%) e do Brasil (10,6)24. No entanto, são de referir os imigrantes de Leste que, desempregados ou com baixos salários nos países de origem, vêm para Portugal buscar novas oportunidades. De acordo com o Programa do XVI Governo Constitucional, o acréscimo de imigração na década de 1990, que elevou a 4% da população, ou mais, a quantidade de estrangeiros em Portugal, ficou a dever-se essencialmente ao período de prosperidade que pôs a descoberto as limitações de mão-de-obra em alguns sectores da actividade económica25. Têm características diferentes dos imigrados das anteriores vagas, embora procurem os mesmos trabalhos que a vaga anterior. Com níveis de educação e de formação profissional superiores, com uma determinação que em parte se fundamenta nas memórias da estabilidade económica e social perdida, estes trabalhadores são mais diligentes e mais organizados. Tão organizados que, com a vinda dos primeiros, se começam a delinear estruturas de apoio à imigração, controladas pelos próprios, em que infelizmente se assiste, muitas vezes a extorsão e a um 23

Idem. Idem. 25 XVI Governo Constitucional, Programa do XVI Governo Constitucional, [referência de 10 de Abril de 2005]. Disponível na Internet em http://www.portugal.gov.pt/NR/rdonlyres. 24

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regime de subordinação de quase escravatura. Têm que pagar aos organizadores da viagem elevadas percentagens dos seus salários e devem submeter-se às regras dessas organizações, que lhes controlam os empregos e mesmo a sua vida pessoal. Esta terceira vaga inclui também, por razões similares, trabalhadores vindos de outras partes do mundo e principalmente do Brasil26. Comparando estas vagas, pode concluir-se que são principalmente as últimas que provocam os efeitos que anteriormente se referem, relativamente à criação de sentimentos de hostilidade e exclusão. Para evitar, em Portugal, os movimentos de xenofobia e de racismo tal como surgiram e se desenvolveram noutros países da Europa comunitária, há que controlar e moldar os sentimentos da população autóctone relativamente aos imigrantes, evitando que esses sentimentos sejam manipulados por interesses políticos, dando origem à xenofobia e à violência. Aquilo que Yves Lacoste afirma sobre o problema da França e da sua ideia de nação poderá vir a ser o caso de Portugal: “à beaucoup plus court terme, dans un futur proche, ce maître mot [nation] peut être utilisé, en manipulant l’idée pour abuser et mobiliser nombre de nos concitoyens afin d’exiger l’exclusion d’une partie de la population”. No seu entender, há que alertar para o perigo de que “Cela risque de provoquer la grave crise que je redoute, et ce serait sans doute la fin par opprobre de l’idée de nation, après qu’elle serait devenue l’outil par lequel des racistes seraient arrivés au pouvoir”27. A integração dos imigrantes constitui, para além da prática objectiva de uma regulação estatal da imigração, “o outro lado das políticas de imigração”, nas palavras de

26

A maior entrada de pessoas desde o período de descolonização verifica-se, conforme já indicado no texto, em 2001. De acordo com dados do SEF entraram no País nesse ano 142,896 imigrantes. Esta quarta vaga é originária de África, da América do Sul e também da Europa, donde continuam a vir grandes contingentes de Leste. De acordo com o Instituto Nacional de Estatística, as principais nacionalidades representadas em 2003 foram: Cabo Verde (21,5%), Brasil (10,6%), Angola (10,2%), Guiné-Bissau (8,1%), não aparecendo, no entanto, nenhum país do Leste Europeu na lista dos 10 mais representados no boletim Destaque do INE (Instituto Nacional de Estatística, Destaque – Informação à Comunicaçao Social, Lisboa, 28 de Junho de 2004 [referência de 28 de Março de 2005]. Disponível na Internet em: http://www.ine.pt). Há que tomar atenção, no entanto, que estes valores se referem apenas aos imigrantes controlados (legais ou não) pelas autoridades portuguesas, nomeadamente pelo SEF. Os clandestinos continuam a ser uma grande parte dos estrangeiros presentes em território português. 27 Yves Lacoste, Vive la Nation – Destin d’une Idée Géopolitique. Paris: Librairie Arthème Fayard, 1998, p. 330. 104

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Rui Pena Pires28. Para evitar os fenómenos de etnização, ou seja, de criação de ilhas étnicas dentro e nas proximidades dos grandes centros urbanos, há que assumir duas premissas: a primeira é que não é possível recrutar trabalhadores estrangeiros numa base temporária e depois devolvê-los à origem; a segunda é que o recurso à mão-de-obra estrangeira fica essencialmente a dever-se à baixa da natalidade em Portugal e deverá então ser usado para recrutar novos cidadãos, conforme afirma Pena Pires29. Portugal detém, como mostrado, características que poderão propiciar e facilitar a descoberta de soluções para o problema do extremismo nacionalista que alastra na Europa. Para isso, há que entender o espírito particular do povo português relativamente aos outros povos, após o que poderá servir de exemplo aos europeus que mais se debatem com as dificuldades de aceitação e assimilação de estrangeiros. A nossa relação privilegiada com as antigas colónias – não suficientemente desenvolvida, no entanto – poderá dar a pista para onde se deverão deslocar os esforços nacionais. Nas costas ocidental e oriental do Atlântico Sul as oportunidades esperam. E aqueles povos que outrora estiveram ligados a Portugal têm todas as potencialidades para se desenvolver e proporcionar vantagens dentro do quadro de cooperação com países da União Europeia. Porque não Portugal voltar ao Mar? Diz Eduardo Lourenço que “atirarmo-nos ao Atlântico não é solução”30, no sentido de que isso não constitui alternativa a uma não natural conversão “a uma identidade europeia hipotética e indiferenciada”31. Pois, no seu entender, “dele viemos e nele continuamos com uma presença legítima, como língua e símbolo, se isso for do interesse dos novos povos africanos e nosso – mas nunca como os heróis do Eça que iam a África para restaurar as terras de todos os Ramires de Entre Douro e Minho”32. Estamos já no Atlântico, portanto, e, de uma forma ou de outra, para sempre ligados aos povos que falam a mesma língua que nós: há que aproveitar as vantagens que daí advêm. Rui Pena Pires, “Transformar imigrantes em cidadãos”, in Economia Pura, Ano III, nº 28, 2000, p. 31. Ibidem. 30 Eduardo Lourenço, A Nau de Ícaro. 2ª ed. Lisboa: Gradiva, 1999, p. 82. 31 Idem, p. 58. 32 Idem, p. 83. 28 29

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6. ESTRATÉGIA PORTUGUESA NO ATLÂNTICO

Mas estará Portugal, na realidade, a utilizar essas suas particularidades e as vantagens que detém nas relações com os povos a que anteriormente esteve ligado? O Atlântico, e especificamente a sua parte Sul, foi outrora um mar português. A influência de Portugal foi enorme nas duas margens, com vantagens que agora, parece evidente, se encontram desaproveitadas. A maior ligação aos povos com os quais tem afinidades – que deriva muito de um passado comum – poderá ser uma via de facilitar a sua relação e a própria integração dos seus imigrantes na Europa. A Comunidade de Países de Língua Portuguesa (CPLP) poderá, nesse aspecto, ter um papel importante a desempenhar. O Governo de Lisboa dá actualmente muita importância ao seu triângulo estratégico formado pelo continente e pelos dois arquipélagos. “Os dois milhões de Km2 da zona económica exclusiva multiplicados pelas regiões autónomas dos Açores e da Madeira mostram uma inequívoca vocação de país atlântico”33. Mas pode fazer mais: esse mesmo conceito deverá ser alargado para benefício de todos os povos do Atlântico Sul. “Portugal pode assumir-se como intermediário no Norte, dessa comunidade majoritariamente situada a Sul, porque pertence a organizações como a UE e em especial o Grupo do Euro e a NATO”. Assim, apresenta-se o argumento de que “em Em vez de falar de semi-periferia, a pertença a um fórum para posições comuns que a comunidade lusófona possa tomar na cena política internacional deve antes ver-se como um trunfo português”34. Mesmo em detrimento da nossa imagem de “bom aluno” europeu, deverá ser esse benefício para todos que se esperará obter do Grande Triângulo do antigo Mar Português. Voltar às rotas marítimas – vocação nacional e um dos fundamentos da continuidade da nossa independência – poderá abrir a solução para a integração de estrangeiros lusófonos. Portugal poderá assim liderar a Europa no “Cruzeiro do Atlântico”, pois, dentre os países da União, é o que tem melhores condições a Sul. No entanto, há que questionar a vontade nacional. Existirá uma “doutrina Monroe” portuguesa? Ou seja, existirá a vontade e a intenção de identificar uma área vasta do globo como de interesse vital para Portugal? Se 33 34

Jorge Braga de Macedo, José Adelino Maltez & Mendo Castro Henriques, op. cit., p. 227. Ibidem. 106

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for abordado este problema através de um aparente paradoxo, tudo se torna mais claro: os novos países, nascidos das antigas colónias portuguesas, têm um interesse vital em que o seu antigo colonizador seja importante no teatro das relações internacionais. Este motivo, por si só, dá a Portugal um papel de relevo nesse contexto. A conclusão deste raciocínio é que, quanto mais Portugal se dedicar às áreas geográficas onde foi influente, tanto mais esses novos países (e incluindo também o Brasil) apoiarão Portugal na sua estratégia internacional. Relativamente ao Brasil, poderá ser um pouco mais difícil, conforme explica Eduardo Lourenço, pois “em sentido próprio (...), não como realidade inerte (...) mas como aventura humana, histórica, nunca foi uma colónia, se se supõe com isso um colonizador e um colonizado, situação que foi a de Angola, Moçambique, São Tomé, etc. (...)”35. E por isso não sofre do trauma de ter renegado o “pai” para se autonomizar, mas também por isso é difícil que, com Portugal, forme um conjunto, um grupo de interesses comuns, para além da ligação linguística. Escreve Eduardo Lourenço que “a comunidade luso-brasileira é um mito inventado unicamente pelos portugueses”36. Isso não inviabiliza o desenvolvimento das relações bilaterais, no entanto. “Por mais estranho que pareça, é a África, onde fomos colonizadores no sentido mais imperial que estava ao nosso alcance, que hoje vivemos com mais familiaridade”37, afirma ainda. A proposta do Governo para, em 2002, serem debatidas a nível nacional as bases para um novo conceito de defesa nacional salientava a necessidade de apoio aos objectivos de política externa38. Ora estes só poderiam ser definidos em legislação que se encontrasse a montante, em termos de precedência jurídica, do Conceito Estratégico de Defesa Nacional e que se poderia intitular “Conceito Estratégico Nacional”. Tal documento não existe. No entanto, o anterior Conceito Estratégico de Defesa Nacional apontava algumas directrizes que poderiam pertencer de direito àquele Conceito, nomeadamente no que se refere ao

35

Eduardo Lourenço, op. cit., p. 137. Idem, p. 158. 37 Idem, p. 166. 38 XVII Governo Constitucional, Bases do Conceito Estratégico de Defesa Nacional. Lisboa: Ministério da Defesa Nacional [s/d], p. 22. 36

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plano político externo39. O actual Conceito Estratégico de Defesa Nacional, aprovado pela Resolução de Conselho de Ministros nº6/2003 de 20 de Dezembro, já não explicita as linhas orientadoras da política externa, devido talvez a encontrarmo-nos num período de transição no ambiente internacional, o que vem “obrigar os agentes internacionais a adequarem as suas posturas e mesmo as suas estruturas, à nova realidade, o que, obviamente, introduziu factores de instabilidade e de imprevisibilidade no seu seio”40. No entanto, é afirmado que “a definição dos aspectos fundamentais da estratégia global do Estado adoptada para a consecução dos objectivos da política de segurança e defesa nacional necessita de ser adequada à nova realidade político-estratégica”41 e, mais à frente: “A modernização dos nossos documentos conceptuais é, ainda, imperativa à luz de compromissos institucionais que, na ordem interna, têm consequências na política de defesa nacional”. O novo Conceito vem ainda definir o Espaço Estratégico de Interesse Nacional, diferenciando os “elementos matriciais considerados como espaço estratégico de interesse nacional permanente” (onde se inclui o território, o espaço de circulação entre parcelas do território e os espaços aéreo e marítimo sob responsabilidade nacional) do “Espaço Estratégico de Interesse Nacional Conjuntural” (espaço euro-atlântico, o relacionamento com os Estados limítrofes, o Magrebe, o Atlântico Sul, a África lusófona e

Directivas referentes ao plano político externo: “a) Afirmar a presença de Portugal no mundo, pautando as relações internacionais pela clara prossecução dos valores e interesses nacionais e pelo empenhamento de Portugal no respeito do direito internacional e dos direitos do homem e nos ideais da paz, da segurança e da cooperação; b) Valorizar o papel das comunidades portuguesas no mundo, ajudando-as a reforçar o seu peso político nos países de acolhimento e robustecendo os laços culturais e económicos que os ligam a Portugal; c) Participar em alianças, designadamente a OTAN e a UEO, em moldes consentâneos com os interesses nacionais, tendo em conta o posicionamento geoestratégico nacional; d) Participar, no âmbito de organizações internacionais, nomeadamente a ONU e a CSCE, no reforço da paz, do desanuviamento, do aumento da transparência, da confiança e da estabilidade e colaborar no novo esforço de diálogo e cooperação; e) Contribuir, no âmbito da UEO, para a a criação de uma verdadeira identidade europeia de segurança e defesa, num espírito potenciador da complementaridade necessária com a Aliança Atlântica; f) Desenvolver o diálogo e a cooperação com os outros povos, em especial com os países lusófonos e com os países vizinhos; g) Desenvolver e consolidar as relações bilaterais de Portugal que possam contribuir, pelo reforço da nossa posição, para um mais correcto equilíbrio regional; h) Acompanhar a evolução da conjuntura internacional, especialmente no âmbito regional, no sentido de contribuir para prevenir, limitar ou gerir eventuais situações caracterizadas pelo aumento de tensão, por forma que não degenerem em conflitos abertos, pondo em causa a segurança e a estabilidade” (Conselho de Ministros, Conceito Estratégico de Defesa Nacional, Resolução nº 9/94, Lisboa, 1994). 40 Conselho de Ministros, Conceito Estratégico de Defesa Nacional, Resolução nº 6/2003, Lisboa, 2003, Art. 1.1. 41 Ibidem. 39

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Timor-Leste, os países com fortes comunidades portuguesas e os países de origem das comunidades de imigrantes em Portugal). Da análise comparativa dos dois Conceitos em questão, verifica-se que nenhum preenche o espaço legislativo que competiria a um Conceito Estratégico Nacional, onde as linhas de força da actuação permanente de Portugal no Mundo estivessem claramente desenhadas, documento que se deveria inserir entre a Constituição e o Conceito Estratégico de Defesa Nacional. O Conceito de 1994 continha, no entanto, algumas linhas mestras características de um Conceito Estratégico Nacional permanente, suprindo parcialmente a necessidade de tal documento, o que deixou de aparecer no Conceito de 2003. A existência de tais indicadores nos programas de Governo não constitui um compromisso perene da Nação ou do Estado, mas tão só da legislatura em exercício. A análise comparativa dos programas dos XVI e XVII Governos indica, todavia, que existe alguma continuidade em certos objectivos de Política Externa definidos por esses governos. Os “eixos estratégicos” do XVI Governo deram assim origem aos “objectivos estratégicos” do XVII:  O “reforço do papel de Portugal como sujeito activo no processo de construção europeia” corresponde agora à presença de “Portugal na Construção Europeia, pelo aprofundamento do projecto europeu”.  “Reforçar a relação privilegiada com o espaço lusófono, nomeadamente através da projecção de valores e interesses nos PALOP, no Brasil e em Timor”, referido pelo XVI Governo deu origem, no programa do Governo actual, a “Relançamento da Política de Cooperação” e “Política Cultural Externa”.  “Privilegiar a ONU, a OTAN e a OSCE como instituições basilares da arquitectura de Segurança e Defesa” foi continuado em grande parte por “Participação activa nos centros de decisão da vida e das instituições mundiais”.  O eixo estratégico “Aprofundar as relações bilaterais com os países vizinhos e

os

parceiros

estratégicos”

continuou-se

parcialmente

na

“Internacionalização da economia portuguesa” do XVII Governo. 109

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 O “Reforço da presença nas organizações internacionais” tem a sua continuação no Objectivo “Responsabilidade na manutenção da paz e da segurança internacional”, onde se explica que “Portugal deve assumir um papel mais activo na preparação de uma nova agenda global”.  Por último, o Eixo Estratégico “Manter uma estreita ligação às Comunidades Portuguesas e aos Estados que as acolhem” tem correspondência directa na “Valorização das Comunidades Portuguesas” do XVII Governo. Um segundo estudo comparativo, desta vez da parte dos programas de Governo referidos no que diz respeito à Política de Defesa, permite realçar o seguinte:  Verifica-se muito pouca clareza no programa do XVI Governo relativamente aos objectivos fundamentais da Defesa, embora a sua finalidade seja definida no ponto 1 do parágrafo I por “Garantir a segurança e bem-estar dos cidadãos”.  Este programa, relativamente à Defesa, faz diversos tipos de abordagens, o que complica ainda mais a definição clara de uma política de Defesa Nacional. Em primeiro lugar, descreve as preocupações nesta área como “Seis eixos fundamentais” (ou objectivos), que vão desde a reforma dos documentos estruturantes até à legislação referente à dignidade dos antigos combatentes do Ultramar. Por outro lado, a propósito da necessidade de repensar e adequar os instrumentos de Segurança e Defesa ao novo cenário politico-estratégico refere um leque de opções estratégicas (ou políticas) que vão do funcionamento das instituições internacionais à reforma da Defesa Nacional e das Forças Armadas.  Já o programa do XVII Governo, o actual, define três Objectivos Fundamentais da Defesa: “Capacidade para garantir a segurança do Estado e dos Cidadãos”, “Capacidades para projectar segurança no plano externo” e “Cooperação no quadro do sistema de alianças em favor da segurança Internacional e da paz”.

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Voltando ao raciocínio anterior, parece que actualmente Lisboa não quer ou não se preocupa com a definição de uma área de influência, com a criação de uma “doutrina Monroe” portuguesa. Mas em tempos passados isso já aconteceu. Há pouco menos de dois séculos, o triângulo estratégico português tinha os seus vértices sul no Brasil e em Angola. Mas, apesar de tudo, no nosso tempo, os restantes países da UE não se encontram tão bem posicionados como Portugal para iniciar uma estratégia de influência que poderá conceder ao conjunto da União grandes vantagens. O próprio apoio do Brasil poderá ser conseguido, na medida em que essa eterna quase-potência necessita apenas de uma pequena vantagem para que o seu potencial se revele: e essa vantagem pode ser dada pela nossa presença no seio da União Europeia. A estratégia portuguesa tem, portanto, de passar pelo investimento, em todas as frentes, nos países lusófonos, com especial realce para o Brasil, visto que este grande Estado não tem os problemas de ligação com a antiga capital imperial, que é característica de todos os demais países americanos. Aliás, o momento histórico em que tal capital esteve localizada no seu próprio território é um sintoma forte da sua particularidade. Portugal tem feito nos últimos anos importantes investimentos no Brasil. Contudo, de acordo com dados obtidos no II Congresso Empresarial Brasil-Portugal – “Desafios do Novo Milénio”, que se realizou em S. Paulo a 12 de Novembro de 2003, “as empresas portuguesas ainda desconhecem as brasileiras”42. Não obstante, os dados do Instituto do Investimento, Comércio e Turismo de Portugal (ICEP), disponibilizados no Congresso, indicavam que Portugal era, no momento, um dos principais investidores no Brasil, com mais de 12.000 milhões de dólares investidos desde 1996. Contabilizavam-se também mais de 300 médias empresas portuguesas no Brasil, essencialmente distribuídas pelos Estados de São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais43. No entanto, na perspectiva das vendas ao estrangeiro, em relação ao Brasil os números representam apenas 0,6% do total das exportações portuguesas e 1,5% das compras de Portugal no estrangeiro. Segundo as conclusões do II Congresso Empresarial, o comércio bilateral entre Portugal e o Brasil é 42

António Pedro de Bacelar Carrelhas, Presidente do Conselho das Câmaras de Comércio Portuguesas no Brasil (CCCPB), discurso proferido na Sessão de Abertura do II Congresso Empresarial Brasil-Portugal [em linha]. [S. Paulo, Brasil]. [referência de 30 de Março de 2005]. Disponível na Internet em http://www.marinhamercante.com.br/notícias.asp?Id=4454. 43 Dados do II Congresso Empresarial Brasil-Portugal [em linha]. [S. Paulo, Brasil]. [referência de 30 de Março de 2005]. Disponível na Internet em http://www.marinhamercante.com.br/notícias.asp?Id=4454. 111

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considerado irrisório, sendo a falta de divulgação o principal motivo apontado44. Portugal precisa, portanto, de fazer um esforço de maior investimento no Brasil, confirmando-se esta necessidade pela constatação da quebra do investimento. Segundo dados do ICEP, o investimento português no Brasil chegou mil milhões de dólares em 2002, acompanhando o aumento do investimento directo português no estrangeiro (IDPE) na última década, mas no ano de 2004 estima-se que não terá chegado nem a metade45. O Brasil emergiu, nesse período, como o principal mercado para os investidores portugueses, chegando a representar 40% do IDPE, justificável pela maior vulnerabilidade dos investimentos na América Latina46. Ao analisar as características específicas portuguesas, observa-se, portanto, que Portugal detém vantagens que poderão jogar a seu favor. Vejamos mais um exemplo da nossa importância no seio das relações internacionais, que afecta muito favoravelmente a posição na UE e que advém da nossa forte ligação ao mar. A mais importante aliança militar de sempre, a NATO, sempre atribuiu um grande papel ao nosso espaço. Enquanto confinada ao Atlântico Norte, a Aliança tinha o seu centro de gravidade no território português, por onde circularia quase todo o auxílio necessário à Europa, vindo da América do Norte, durante o período da Guerra Fria. Ao modificar profundamente o seu conceito estratégico, ao acabar com a restrição de acções na sua área, ao referir como uma das suas novas missões principais o combate ao terrorismo, esteja onde estiver, a NATO abriu novas perspectivas de actuação. As acções “fora de área” são possíveis desde a implementação do Novo Conceito Estratégico da Aliança47, aprovado na Cimeira de Chefes de Estado e de Governo, em Washington, e assinado a 24 de Abril de 1999. Mesmo após as recentes reduções do seu potencial e do número de centros de decisão e quartéis-generais, a Aliança manteve o QG em território português, atribuindo-lhe – entre outras importantes tarefas – o planeamento e a direcção das operações navais no Atlântico. Esta prova da importância 44

Idem. Dados de Brasil on Line, [em linha]. [S. Paulo, Brasil] . [referência de 30 de Março de 2005] . Disponível na Internet em http://www.noticias.bol.com.br/economia/2003/11/12/ultglu76559.jhtm 46 Dados do Instituto do Investimento, Comércio e Turismo de Portugal (ICEP), [em linha]. [Lisboa] . [referência de 30 de Março de 2005] . Disponível na Internet em http://www.icep.pt/portugal/investimento.asp. 47 Cf. NATO, The Reader’s Guide to the NATO Summit in Washington, 23-25 April 1999. Brussels: Office of Information and Press, NATO, 1999. 45

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estratégica nacional é uma oportunidade que nos é concedida para levarmos os limites do nosso interesse até onde se entender o próprio interesse da NATO. Entendendo a vontade dos EUA na manutenção desse Comando, podemos perceber como, com a ajuda desse forte aliado, sempre que possível, ou com a da União Europeia, sempre que esta considerar o Atlântico vital, o próprio interesse português será apoiado até possivelmente incluir os nossos países amigos da CPLP. Mas, para que possamos aproveitar todas as vantagens destas áreas de interesse, há que corrigir o rumo que actualmente parece levar a consciência nacional. Portugal encontra-se actualmente – nos últimos 20 anos – a viver uma metamorfose que nunca sofreu antes. Tal metamorfose não é obra sua, como outras foram, noutras eras. Trata-se agora de “um fenómeno mais vasto, o fim da civilização europeia sob paradigma cristão e iluminista, se é lícito associar estas duas matrizes da milenária e agora defunta Europa”, escreve a propósito Eduardo Lourenço48. Esta metamorfose que decorre, ainda não completada, em Portugal e no íntimo dos portugueses, arrasta consigo o medo que estes têm de serem excluídos do “centro de normalidade”, como refere José Gil, onde se localiza também a entidade “União Europeia”49. Dentro de um “espaço normalizado de autocontentamento”50, não se estão a formar “novas relações, novas unidades sociais ou uma nova «comunidade», nenhuma prática real correspondente ao discurso humanista que, em Portugal, acompanha a globalização.” Gil identifica mesmo um novo perigo: “Pelo contrário, é à erosão das práticas comunitárias da velha sociedade portuguesa das solidariedades, do associativismo, da entreajuda, que assistimos, ao mesmo tempo que assistimos à aceleração da competitividade, dos desafios ameaçadores, do desemprego e da exclusão.” Existe um processo de perdaem toda esta dinâmica, pois “se outras formas de coesão social nascem aqui e ali, a erosão do arcaico é dez vezes mais rápida do que a formação que tarda a substituí-lo”51.

48

Eduardo Lourenço, O Labirinto da Saudade. 3ª ed. Lisboa: Gradiva, 2004, p. 13. José Gil, Portugal, Hoje: O Medo de Existir. 4ª ed. Lisboa: Relógio d’Água, 2005, pp. 125-126. 50 Ibidem. 51 Ibidem. 49

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Portugal tem que voltar a recobrar o alento necessário à realização de grandes obras, o que é possível, como o demonstra o seu passado. Dizia Adriano Moreira, a propósito da era gâmica, iniciada com Gil Eanes ao dobrar o Cabo Bojador, seguido por Bartolomeu Dias dobrando aquele Cabo das Tormentas, que se havia de chamar da Boa Esperança, e que terminaria na década de 1970: “Sabendo […] que a aventura não era sua, era de um povo, mais do que isso ainda, era a aventura do género humano. E por isso continuaria. Sempre sem renúncia. Porque a aventura não foi só nossa. Porque a aventura não é, daqui em diante, só dos outros. Porque a aventura continua a ser do género humano numa escalada difícil”52.

Adriano Moreira, “A Marcha para a Unidade do Mundo: Internacionalismo e Nacionalismo”, in Boletim da Sociedade de Geografia de Lisboa, série 88ª, nº.1, Lisboa, 1970, p. 12 52

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CONCLUSÃO

A ideia de Nação foi crescendo lentamente na mente humana, desenvolveu-se e aperfeiçoou-se. A organização do Mundo em células nacionais, como o conhecemos hoje, é apenas um momento da História de milhares de anos do homem civilizado. Essas associações desenvolveram-lhe a ideia nacional, por oposição ao outro, ao estranho. Os conceitos de Nação e de Nacionalismo, que desse processo advieram, foram consolidados na Idade Moderna e resistiram até ao fim dos grandes conflitos do século XX. A partir daí tem sido notado o início de um processo de declínio. Os Estados-nação da Europa, como os conhecemos actualmente, começaram a ser drenados dos seus factores identitários e dos elementos aglutinadores logo após a queda do muro de Berlim. Esta drenagem dirige a aplicação desses factores no fortalecimento da ideia de globalização. Como reacção a este processo, os homens começaram a tribalizar os Estados-nação, como se pode verificar com o fortalecimento dos movimentos independentistas, com a criação de novos guetos, com a ascensão de defensores de factores étnicos de pequenos grupos identitários e principalmente com a crescente popularização de partidos políticos cujos discursos se inflamam com ideais nacionalistas extremos e apelos à xenofobia das populações europeias. Entretanto, uma consciência tende a propagar-se e a ser aceite pacificamente: é a ideia de que os Estados-nação, tal como têm existido, irão desaparecer num futuro próximo, diluindo-se numa outra entidade, supranacional, nuns quaisquer “Estados Unidos da Europa” ou mesmo “Nações Unidas da Terra”.

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É a chamada “escola do declínio” americana (de acordo com Bergeron), que difunde a falsa, mas popular, ideia de que os Estados irão desaparecer por causa principalmente da globalização. “Le déclin se vend bien, devient même best-seller”, afirma esse autor1, que sustenta que muito resta por fazer por tantos Estados ainda tão jovens2. Não só os Estados jovens, como também os velhos Estados europeus, se vêm agora confrontados com a visão da sua extinção. Pois cada vez mais se tende a fazer crer que o futuro rico da humanidade se conseguirá apenas com o desaparecimento do último obstáculo à globalização: o Estado-nação. Por isso, a rejeição da visão “nacionalista” da identidade nacional não deve conduzir a uma satanização desta, que acabaria por favorecer a captação exclusiva da referência nacional, pelos partidos ultranacionalistas europeus, conforme afirma Yves Lacoste, a propósito da Frente Nacional francesa3. O ser humano caracteriza-se tanto pela diversidade como pelas fraquezas. Aquela leva os homens a distinguirem-se, estas levam-nos a aproximar-se. Quanto mais diversificado o acervo cultural do homem tanto mais ricas serão as civilizações. Esta riqueza na diversidade contém fragilidades, mas se todos se respeitarem e aproximarem vantagens acrescidas serão obtidas. Os Estados cada vez mais – e especialmente agora que parece que o momento unipolar que vivemos é favorável ao desvanecimento dos factores identitários dos Estados – devem olhar para as características humanas para melhorarem as suas relações4. Se a federalização da Europa se apoia exclusivamente nos factores da globalização (a cultura audiovisual única, a exaltação do valor material das coisas, a normalização dos costumes, etc.) estará condenada ao fracasso, pois a manobra normalizadora que caracteriza a globalização não irá parar no patamar regional; irá ultrapassá-lo, acabando por ser dissipados os factores característicos da União. A solução para a futura Europa Unida é serem usados, em vez dos factores que auxiliam e dão corpo à globalização, aqueles que actualmente caracterizam cada povo Gérard Bergeron, Petit Traité de l’État. Paris: Presses Universitaires de France, 1990, p. 249. Idem, p. 256. 3 Yves Lacoste, Vive la Nation – Destin d’une Idée Géopolitique. Paris: Librairie Arthème Fayard, 1998, pp. 95 e 330. 4 Sobre esta questão do valor da diversidade, cf. Robert Jackson, The Global Covenant: Human Conduct in a World of States. Oxford: Oxford University Press, 2000, p. v. 1 2

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europeu enquadrado por um Estado-nação e que alguns autores dizem serem reclamados pela chamada “tribalização”. Não todos, mas apenas os que têm vindo a ser usados pelos Estados europeus, ao longo da História, para dar coesão às respectivas nacionalidades e que são adoptados como valores sagrados pelos respectivos povos. Assim se construirá uma Europa com uma identidade forte e não um ajuntamento de ocasião, criado unicamente para favorecer as políticas de comércio. Neste processo, que enriquecerá a futura união dos povos da Europa, há que evitar as tentações dos nacionalismos exacerbados que podem levar ao desastre de ser anulada a validade dos factores nacionais, por os terem chamado a si, tornando-se odiosos à maior parte dos velhos povos da Europa, e contribuindo assim para o inevitável declínio destes. A globalização e o processo de integração europeia estão claramente a provocar o desvanecimento dos factores de coesão dos Estados – com especial clareza na Europa comunitária. Este processo provoca inevitavelmente reacções de nacionalismo extremo e podem mesmo conduzir à violência social dentro das entidades políticas da União Europeia. Só com a exaltação dos valores nacionais de cada Estado se poderá evitar o declínio futuro da Europa e da própria civilização ocidental. Sob um manto aparentemente homogéneo que cobre todo o globo – cujos elementos constituintes são o comportamento politicamente correcto do homem cívico, a laicidade, o novo liberalismo económico – fervilham a etnicidade e o desejo de revolta contra essa uniformização abafante. Notam-se já algumas “bolhas”, alguns afloramentos. Esse tranquilizante manto já se começa a agitar. Dentro em breve poderão ser já muitos os movimentos: a globalização não faz parte dos sonhos do Homem. O Homem europeu não está ainda convencido a alienar uma parte importante do seu património nacional – os seus factores identitários tradicionais que caracterizaram as comunidades – em favor de uma maior facilidade de integração nessa entidade supranacional, cuja sombra ainda desvanecida parece no entanto tender inexoravelmente para se corporalizar, para ganhar substância. Ou, afirmando de outra forma: os cimentos agregadores de cada entidade política constituinte da União Europeia – as Nações a que uma nova linguagem “eurotecnocrata” chama “Estados-membros” – dificilmente poderão ser aproveitados para num grande “caldeirão” se fabricar um alargado e único factor 117

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identitário, europeu, que dê forma à “Nação Europa”. Pelo contrário, é pela riqueza da sua diversidade que as Nações poderão dar força à ideia de uma potência “Europa”, conjugados esses factores diversos com aqueles que foram herdados da formação comum cristã e humanista, conforme notado por Eduardo Lourenço5. Também no caso português parece haver uma crise da Nação. Do estudo deste caso ficam duas ideias: a primeira é de que o movimento de drenagem dos factores nacionais agregadores está realmente em movimento e portanto o Estado-nação português está a enfraquecer, no que diz respeito à defesa dos valores nacionais e à própria consciência de si. Poderá então haver, como consequência, um advento da reacção nacionalista portuguesa, de características extremistas. A segunda ideia é a de que as características nacionais de cada Estado membro da União são cruciais para a consolidação da futura entidade europeia, seja ela uma aliança de Estados, uma união apenas no plano económico, ou ainda uma confederação. Mesmo no caso do projecto europeu conduzir a uma federação, a única forma de um estado-membro pequeno e frágil como Portugal sobreviver será por anteriormente ter sabido consolidar um conjunto de factores nacionais característicos que lhe permitiram a existência como uma comunidade de forte afirmação política. Assim a construção europeia poderá validar-se pelo desvio do fluxo de drenagem da globalização para o enformar da “nação europeia”. Neste processo, os factores nacionais portugueses poderão ter um papel muito importante a desempenhar. Para poderem desempenhar esse papel, no entanto, têm que ser, primeiramente, defendidos e exaltados, e passarem a fazer parte tanto da consciência individual dos cidadãos portugueses como da consciência nacional. Perguntava António Covas: “Numa sociedade composta de episódios e fragmentos, como transformar o «cidadão flexível» que se anuncia, num patriota constitucional do projecto europeu que se desconhece?”6 E questiona ainda: “Estaremos nós, sem disso darmos conta, a passar, subliminarmente, do Estado-nação para a Nação-estado, impelidos pelos ventos globalitário, cosmopolita e europeu, cegos, porventura, porque sem recuo suficiente, face ao espectáculo da História que se desenrola à nossa frente?” 5 6

Eduardo Lourenço, O Labirinto da Saudade. 3ª ed. Lisboa: Gradiva, 2004, p. 13. António Covas, A União Europeia e os Estados Nacionais. Oeiras: Celta Editora, 2002, p. 269. 118

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Pergunta ainda: “Será o nosso caso tão especial, que já estamos a viver, a antecipar, a síndrome pós-traumática da separação entre o Estado e a Nação, dizendo, afinal, que preferimos a protecção do Estado à protecção da Nação?”7 A esta pergunta poderá Portugal responder, de forma exemplar, consolidando os seus objectivos estratégicos permanentes, fundamentados nos valores que deram forma à Nação Portuguesa e que já constituíram, no passado, os factores que nos garantiram a supremacia nos mares e nos atribuíram os primeiros passos de uma globalização cuja sombra paira agora de forma ameaçadora, por poder vir a descontrolar-se, sobre todas as nações.

7

Idem, p. 273. 119

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