Defesa da liberdade de concorrer e políticas públicas: aspectos das recentes mudanças no sistema brasileiro de defesa da concorrência

July 3, 2017 | Autor: C. Monteiro Rodri... | Categoria: Political Economy, Antitrust Law, Direito Antitruste, Defesa da concorrência, Liberdades Individuais
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COLEÇÃO DIREITO E DESENVOLVIMENTO VOL. 1

DEFESA DA LIBERDADE DE CONCORRER E POLÍTICAS PÚBLICAS: ASPECTOS DAS RECENTES MUDANÇAS NO SISTEMA BRASILEIRO DE DEFESA DA CONCORRÊNCIA1 Por João Marcelo de Lima Assafim2 e Cássio Monteiro Rodrigues3 SUMÁRIO I – APRESENTAÇÃO; II - DIREITO DA CONCORRÊNCIA COMO INSTRUMENTO DE POLÍTICA ECONÔMICA; III - NOÇÕES GERAIS; IV – COMPETÊNCIA DO SISTEMA NACIONAL DE DEFESA DA CONCORRÊNCIA; V – ALTERAÇÕES INSTITUÍDAS ATRAVÉS DA NOVA LEI DE DEFESA DA CONCORRÊNCIA; VI – A CONCORRÊNCIA EM SETORES ESPECÍFICOS: SETOR DE ALIMENTOS; VII – CONCLUSÃO. I - APRESENTAÇÃO No Brasil, a promulgação da Constituição da República consagrou a noção de economia de mercado, o que não significa ausência de intervenção estatal. Ao contrário, ainda que extinguindo a “política de substituição de importações”4 (e seus elevadíssimos níveis de intervenção estatal proibindo a importação de bens acabados , substituindo-os por bens de capital – como política de industrialização e desenvolvimento), a manutenção da economia de mercado depende de determinados níveis de intervenção outros, seja em matéria de regulação (quando há características de mercado comumente designadas 1

Trabalho realizado com a colaboração do Grupo de Pesquisa em Direito da Concorrência no PMD-UCAM, com a participação dos seguintes pesquisadores: 2

Doutorado em Direito - Universidad de Santiago de Compostela (2002) re. Doutor em Direito Comercial pela Universidade de São Paulo – USP (Departamento de Direito Comercial); Professor adjunto da Faculdade Nacional de Direito da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Professor coordenador do Programa de Mestrado em Direito da Universidade Candido Mendes - UCAM,. 3

Graduado em Direito pela Faculdade Nacional de Direito da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). 4

Para acesso a informações sobre o debate acerca da “dicotomia” industrialização e desenvolvimento, veja FURTADO, Celso. Os ares do mundo, São Paulo: Paz e Terra, 1991, pp. 269 e ss.. 8

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como “falhas”) ou mesmo, ainda que excepcionalmente (dependendo das políticas públicas de que se tratem), para a manutenção das liberdades de empreender (liberdade de empresa ou livre iniciativa) ou, e verificar concorrer (ou livre concorrência). Do ponto de vista do direito administrativo, a literatura esculpiu noções como a de “subsidiariedade estatal”, i.e., dada a escassez de recursos e a difícil viabilidade do “estado de bem estar social” (sobretudo após a crise de 2008, que assola as economias centrais), o Estado tende a se abster de intervir de forma direta (empreendendo) na econômica (fazendo-o de forma subsidiária5) e, restringir-se a atuação às suas funções típicas e que não podem ser delegadas a particulares. O Direito mercantil reconhece e incorpora a infusão de direito público na disciplina dos comerciantes e seus atos, como também, no direito dos negócios como um todo6. Naturalmente, ao mesmo tempo em que a nova Ordem constitucional deu lugar à importante reforma legislativa e, não só introduziu novos sistemas de disciplina dos negócios e aperfeiçoar os existentes – de proteção do consumidor, de proteção da livre concorrência, regulação setorial, disciplina do capital estrangeiro, tributação de investimentos, reforma da disciplina do comércio de tecnologia, etc.), como também, com o objetivo de “capitalizar” (no sentido de alavancar caixa) o Estado, introduziu os planos nacionais de desestatização (transferindo ativos e concedendo atividades). Nesse sentido, segundo parte da literatura, à luz das políticas públicas concebidas nesta nova ordem, tão somente seria recomendável, inclusive por questões de contabilidade social, como também de eficiência (não confundir com a noção e efficiency do antitust), ao Estado explorar atividade econômica (intervenção indireta) quando necessário à segurança nacional ou ao interesse coletivo. Entretanto, a redução do estado-empresa não significa que intervenção dos poderes públicos é despicienda. O ingresso da iniciativa privada no cenário econômico, na hipótese de, por exemplo, concessão para prestar serviços de interesse geral (incluindo os antigos serviços públicos), inclui riscos de externalidades negativas ou distorções na formação dos preços públicos (viza-viz a extinção da noção de “tarifa” nos serviços concedidos, com a infusão do “elemento lucro”). Situações como essas não podem gozar de imunidades 5

No Brasil, a reforma do Estado foi uma consequência da promulgação da Constituição de 1988, mas as teses acerca do Estado Mínimo começaram a se materializar em meados dos anos 1990. Para mais informações sobre uma posição importante sobre a questão veja BRESSER PEREIRA, A Reforma do Estado dos anos 90: Lógica e Mecanismos de Controle, Cadernos de Reforma do Estado, 1997. 6

Vicent Chuliá , F., Introducción al Derecho mercantil, Barcelona, 2008. 9

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contra a intervenção dos Poderes Públicos, que deve atuar na defesa de interesses coletivos. Certo é o fato de que, na “praia” do mercado, a “faixa de areia” ocupada quase integralmente pelo estado, e por agentes que funcionam sob sua interferência direta e/ou em regime de monopólio legal, até então, agora, passa a ser ocupada por particulares, predominantemente em regime de concorrência (salvo distorções do plano de outorgas derivadas do modelo regulatório setorial de que se trate ou de seu controle). Do ponto de vista socioeconômico, o risco de distorções é substancialmente incrementado nas novas relações entre particulares nos anos 1990 (fornecedores da iniciativa privada e consumidores inexperientes) que, por vez primeira, entabulam contratos entre si, sem a interferência estatal direta (distorções surgiram mais evidentes nas relações de consumo entre adquirentes finais e as concessionárias, como, também, na formação de cartéis, mas, por certo, não restrita a estas situações). O estado, nas suas funções, quais sejam, empreender, regular e controlar (fiscalizar), parece ter encolhido, tão somente, na primeira, e, em contraposição, crescido nas outras duas (regulação e controle). Tem-se, portanto, como elemento essencial do controle social da atividade econômica, determinados níveis de intervenção dos Poderes públicos, seja mediante a regulação, seja mediante o controle instrumental das liberdades de concorrer como garantia da ordem econômica e do bem estar social. Neste novo quadro, há de se ter mecanismos capazes de regular a atuação privada no que tange à atividade econômica padrão e tida como aceitável em determinada sociedade política, modelo prestigiado com a consagração da economia de mercado. Deste modo, não se admite, por parte dos agentes econômicos, o exercício abusivo de diretos com fins de impor restrições à livre concorrência, seja mediante abuso de poder econômico, seja mediante restrições horizontais ou verticais que possam impor barreiras à entrada ou funcionar de instrumento para distorção na captação de clientela com vistas à concentração ilícita e criando obstáculo ao comércio entre os estados da Federação, indo de encontro aos interesses do Estado e desenvolvimento social, haja vista a inequívoca preponderância dos interesses coletivos e público sobre os individuais, obedecidos determinados parâmetros e critérios. O bem jurídico de que se trata é a ordem econômica (que não se confunde com a noção de disposições de ordem pública),i.e., o somatório de patrimônio de toda a coletividade que atua no mercado e tira dele o seu meio de vida. A hipótese de externalidade negativa derivada da atividade econômica, se concretizada, tende a gerar impactos adversos sobre o mercado, prejudicando a ordem econômica (em detrimento de cada empresário, trabalhador, consumidor, 10

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do Estado, i.e., de cada cidadão). Assim, não há imunidade antitruste para tais externalidade negativas, em nenhuma hipótese. Alguns argumentos, embora há muito já superados, vez por outra ressurgem entre os críticos das normas de defesa da livre concorrência, como por exemplo, a suposta preponderância da relação jurídica objetiva privada, o suposto “postulado” de não intervenção sobre determinadas posições jurídicas e bens (que em algum momento já fora justificado, até, como direito natural, como a patente, a marca e o direito de autor7), ou em nome de uma suposta autodeterminação do agente econômico que, ao fim e ao cabo, com a infusão de matéria pública no direito privado, está definitivamente em crise. Uma das formas de se tutelar a ordem econômica e procurar manter o mercado competitivo ocorre através da legislação antitruste, que institui regras visando coibir a atuação e a concorrência lesiva entre os agentes econômicos, a interação entre fornecedores e adquirentes, as liberdades, bem como o respeito aos consumidores e as regras protetivas destes, enfim, combatendo, ao fim e ao cabo, a formação de monopólios em sua concepção mais ampla. A concorrência tem importante papel nos fundamentos de uma economia de mercado, haja vista o fato de que possibilita aos consumidores acesso a melhores produtos a menores preços no mercado. Nesse sentido, esse protagonismo reverbera, também, nas políticas econômicas e de controle da carestia. De igual forma, níveis mais elevados de concorrência induzem à concorrência dinâmica na medida em que “forçam” os agentes econômicos a investir em pesquisa, desenvolvimento e inovação. Dessa forma, induzem o investimento em P&D&I, favorecem a concorrência por superação e um ambiente favorável à criação de novos mercados, ainda que possam implicar na superação e, até mesmo, destruição de mercados antigos ocupados pelos produtos e serviços eventualmente superados pelo avanço tecnológico (como ocorrera, por exemplo, com o mercado de videocassetes). Para tanto, i.e., para expurgar as restrições anticompetitivas e concentrações estruturais economicamente injustificadas, existe o Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência, ao qual cabe tutelar a ordem econômica, coibindo a concorrência ilícita e o abuso de poder e posição econômica, por parte dos players.

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Ainda que existam infrações que não dependam de análise econômica para respectiva caracterização, como, por exemplo, demonstra a jurisprudência administrativa em casos de acordos horizontais ou, ainda, situações considerados como sendo “sham litigation” (vide caso Comissão de Defesa dos Consumidores da Câmara dos Deputados v. Box3 Video, proc. núm. 08012.004283/2000-40, que parte do intento de proteção por direito de autor realidades não protegíveis, o que vale, também, para obras carentes de um contributo mínimo) 11

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Dessa forma, o setor primário da economia nacional é diretamente afetado por tais normas específicas, no que tange à atuação dos agentes econômicos, seja na produção, negociação ou distribuição de produto em diversos setores, especialmente naqueles em que o país passou por um surto de concentração estrutural, como ocorre, por exemplo, com os produtos alimentícios8. Observa-se, neste trabalho de pesquisa, em que medida o Sistema Nacional de Defesa da Concorrência aplica a norma antitruste e se tal instituto pode ser usado como instrumento de política econômica no âmbito do setor de alimentos e distribuição, tal como sua competência e disposições normativas relevantes ao tema, em virtude da publicação da Nova Lei de Defesa da Concorrência, Lei nº 12.529/11. II - DIREITO DA CONCORRÊNCIA COMO INSTRUMENTO DE POLÍTICA ECONÔMICA O direito da concorrência passou por fases. Em um primeiro momento, surge com normas disciplinadoras e/ou reguladoras das condutas dos agentes econômicos. Podem ser considerados, neste momento, desde as Forais portuguesas do Sec. XII, até a Lei núm. 4.137/19629 e o Ato Normativo núm. 8

Diversos atos de concentração foram aprovados recentemente no setor de alimentos, com destaque para a fusões Nestlé e Garoto, Brahma e Antactiva (formando a AMBEV), Sadia e Perdigão (formando a BRF). No varejo, merece destaque a fusão Carrefour e Pão de Açúcar. 9

O conceito de abuso de posição dominante na Lei de 1962 era o seguinte: Art. 2º Consideram-se formas de abuso do poder econômico: I Dominar os mercados nacionais ou eliminar total ou parcialmente a, concorrência por meio de: a) ajuste ou acôrdo entre emprêsas, ou entre pessoas vinculadas a tais emprêsas ou interessadas no objeto de suas atividades; b) aquisição de acervos de emprêsas ou de cotas, ações, títulos ou direitos; c) coalizão, incorporação, fusão, integração ou qualquer outra forma de concentração de emprêsas; d) concentração de ações, títulos, cotas ou direitas em poder de uma ou mais emprêsas ou de uma ou mais pessoas físicas; e) acumulações de direção, administração ou gerência de mais de uma emprêsa; f) cessação parcial ou total das atividades de emprêsa promovida por ato próprio ou de terceiros; g) criação de dificuldades à constituição, ao funcionamento ou ao desenvolvimento de emprêsa. II Elevar sem justa causa os preços, no casas de monopólio natural ou de fato, com o objetivo de aumentar arbitràriamente os lucros sem aumentar a produção. III Provocar condições monopolísticas ou exercer especulação abusiva com o fim de promover a elevação temporária de preças por meio de: a) destruição ou inutilização por ato próprio ou de terceiros, de bens de produção ou de consumo; b) açambarcamento de mercadorias ou de matéria-prima; c) retenção, em condições de provocar escassez de bens de produção ou de consumo; d) utilização de meios artificiosos para provocar a oscilação de preços em detrimento de emprêsas concorrentes ou de vendedores de matérias-primas; 12

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15 do INPI sobre Transferência de Tecnologia. Na sequência, surgem as regras de concorrência como aspecto de um discurso técnico-econômico, o que tem a contribuição da influência da teoria econômica da Academia na condução das políticas antitruste. Resta saber se há, neste contexto, espaço para considerar a norma antitruste como um elemento de políticas públicas. Vejamos os fundamentos da disciplina concorrencial em nosso País. A ordem econômica e financeira brasileira tem a sua pedra angular no artigo 17010 da Constituição da República Federativa do Brasil. Esse dispositivo institui entre os seus fundamentos tanto a livre iniciativa (art. 170, caput, CRFB/88), a liberdade de empreender, quanto a livre concorrência (art. 170, IV, CRFB/88), i.e., limitação da atividade empreendedora a determinados parâmetros e regras. Ao definir estes institutos, a ordem constitucional estabelece a tutela da livre iniciativa como uma liberdade (a de empreender), e, portanto, uma faculdade que resulta de um direito subjetivo. De outro lado, ao instituir a concepção de livre concorrência, ao desenvolvê-lo em âmbito infraconstitucional, o faz como o direito das limitações da liberdade de concorrer. Pois bem, inserindo tais noções em contexto econômico e social, a disciplina do livre exercício da concorrência mostra-se como verdadeiro e lídimo incentivo ao investimento ao desenvolvimento de produtos, serviço, inovação e comércio, e, ao fim e ao cabo, acarreta benefícios aos empresários e aos consumidores. O primeiro precedente legislativo é o da Lei número 4.137, de 10 IV) Formar grupo econômico, por agregação de emprêsas, em detrimento da livre deliberação dos compradores ou dos vendedores, por meio de: a) discriminação de preços entre compradores ou entre vendedores ou fixação discriminatória de prestação de serviço; b) subordinação de venda de qualquer bem à aquisição de outro bem ou a utilização de determinado serviço; ou subordinação de utilização de determinado serviço á compra de determinado bem. V) Exercer concorrência desleal, por meio de: a) exigência de exclusividade para propaganda publicitária ; b) combinação prévia de preços ou ajuste de vantagens na concorrência pública ou administrativa. 10

Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: I - soberania nacional; II - propriedade privada; III - função social da propriedade; IV - livre concorrência; V - defesa do consumidor; VI - defesa do meio ambiente, inclusive mediante tratamento diferenciado conforme o impacto ambiental dos produtos e serviços e de seus processos de elaboração e prestação; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 42, de 19.12.2003) VII - redução das desigualdades regionais e sociais; VIII - busca do pleno emprego; 13

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de setembro de 1962. Trata-se de uma lei de repressão ao abuso de poder econômico (os elevados níveis de inflação sofridos pela economia brasileira até 1994, não permitiam a aplicação de uma norma de defesa da livre concorrência, na sua acepção mais ampla, com algum significado prático, já que o impacto sobre o preço não poderia ser detectado). Esta norma de repressão ao poder econômico fundamentou uma série de políticas, especialmente, os controles sociais sobre o comércio de tecnologia durante a política de substituição de importações e, como legado, deixa o primeiro conceito de empresa no direito mercantil pátrio11, após o Regulamento número 737, de 185012, criando mais que isso, o Conselho Administrativo de Defesa Econômica - CADE. Após a Constituição de 1988 (que consagrara a econômica de mercado) fora aprovada a Lei número 8.158, de 8 de janeiro de 1991, paralela, e quase concomitantemente, à introdução de um regime especial para as relações de consumo, a Lei número 8.078, de 1990. A Lei de 1991 não teve vida longa. Três anos após surge uma norma bastante completa e atual. Com o fim de garantir a tutela do princípio da livre concorrência, no ano em que se consolida a estabilidade monetária, num contexto de liberalização (de monopólios) e desestatização dos mercados, que foi editada, em 1994, a Lei nº 8.884/94, a chamada Lei Brasileira de Defesa da Concorrência, que permitiu as principais e mais relevantes mudanças na política da concorrência de toda a história do sistema nacional. Por fim, após 17 anos, a Lei número 8884/94 fora revogada pela Lei nº 12.529/11, que estrutura o Novo Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência. Nesse contexto, tem-se o terceiro momento histórico, no qual se constroem regras de protecionismo de mercado e de incentivo à atividade econômica local como instrumento da política econômica de determinado Estado, em busca de desenvolvimento. Merecem destaque as Políticas de Desenvolvimento em Geral, as Políticas de Inovação13 e as Políticas Públicas de Saúde. De outro lado, há documentos internacionais, como por exemplo, a 11

Art. 6º Considera-se emprêsa toda organização de natureza civil ou mercantil destinada à, exploração por pessoa física ou jurídica de qualquer atividade com fins lucrativos. 12

No Regulamento número 737, desenvolve-se o conceito de atos de comércio (tarefa não cumprida pelo legislador no Código comercia de 1850), empregando-se o método enumerativa exemplificativo. Nesse catálogo, a noção de empresa (espécie) surge como mais um dos atos de comércio (gênero). Daí a nossa crítica ao uso da expressão “Direito de Empresa” para designar a nova disciplina especial dos comerciantes (agentes econômicos profissionais) e da relação entre eles. 13

Para acesso a um interessante panorama sobre as leis de inovação, veja KIM, Sun R., Commemorating the U.S. Bayh-Dole Act and It’s Impacto n Technology Transfer Around the World, Les Nouvelle, Wellington:LESI , Volume XLV no. 4, Dezembro de 2010, pp. 180-194 14

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Agenda do Desenvolvimento da OMPI14, que trata dos limites da propriedade intelectual, dando um peso relevante à manutenção dos níveis de emprego, incentivo e proteção das micro e pequenas empresas, e aperfeiçoamento (da interpretação) das normas de defesa da livre concorrência como instrumento de controle social de abuso de direitos e tutela de todos estes fins das políticas de desenvolvimento. A relação entre desenvolvimento e Constituição abrange alguns tópicos relevantes: 1- promoção do desenvolvimento como objetivo da CRFB15; 2- direito ao desenvolvimento entre os direitos fundamentais16; 3- inúmeras possibilidades de intervenção estatal; 4- políticas públicas para efetivar direitos sociais, econômicos, culturais e ambientais; 5- política antitruste para efetivar direitos econômicos como a liberdade de escolha, de empreender e de concorrer. Assim, portanto, diante do esgotamento do Estado de bem-estar social, identifica-se a redução do, até então, “forte” intervencionismo econômico do Estado, vivenciado durante a política de substituição de importações. A nova ordem constitucional fundou os alicerces da econômica de mercado, que implicaram em substancial reforma do Estado, tendo sua atuação dirigida para funções mais específicas, como a garantia da lei e da ordem pública. De igual forma, este Estado exsurge como agente incentivador, promotor e condutor do desenvolvimento econômico e social. Nesse contexto, infere-se o fato de que a satisfação das necessidades coletivas de maneira monopolística e universal é uma meta improvável, senão impossível. Como possível solução, há a hipótese de repartição de responsabilidades (Estado, iniciativa privada e sociedade civil) em atividades 14

Ávila, Jorge de Paula Costa, Política Industrial, Agenda para o Desenvolvimento e Propriedade Intelectual, in: XXVIII Seminário Nacional da Propriedade Intelectual: Inovação e Desenvolvimento, ABAPI, Anais 2008, pp.21 e ss. 15

Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: I - construir uma sociedade livre, justa e solidária; II - garantir o desenvolvimento nacional;  III - erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação. 16

Art. 5o. XXVI - a pequena propriedade rural, assim definida em lei, desde que trabalhada pela família, não será objeto de penhora para pagamento de débitos decorrentes de sua atividade produtiva, dispondo a lei sobre os meios de financiar o seu desenvolvimento; 15

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planejadas para beneficiar a coletividade. Fica prejudicada, por conseguinte, a universalidade de serviços ou beneficência de assistência social, impondose, portanto, ao fim e ao cabo, restrições da distribuição de recursos públicos a determinados serviços e segmentos da população. Estabelecer políticas significa fazer escolhas. Daí a concepção da literatura, dos governos e dos agentes “fazedores de políticas públicas” (policy makers) no sentido de se restringir um feixe mínimo de atividades do Estado. A restrição da função de administrar a um feixe mínimo de atividades do Estado, que implica na transferência de atividades a particulares, terá como provável consequência, em algum momento, a substituição do Direito administrativo pelo Direito da concorrência (disciplina das relações jurídicas intersubjetivas de entes privadas com fim de tutela do interesse público). Por todo o exposto, neste terceiro período, identificado o novo papel do Estado na economia e como agente fomentador do desenvolvimento, podese considerar o fato de que o objetivo principal das normas de defesa da livre concorrência consiste na função do agente público de (em nome dos Poderes públicos) adequar a análise das condutas consideradas anticompetitivas, cf. seus efeitos, mesmo que não sejam alcançados (rule of reason), considerando a proteção das liberdades, o funcionamento dos mercados e o interesse dos consumidores, expurgando barreiras à entrada e atos de exclusão ilícitos suscetíveis de restringir a livre concorrência, incentivando a concorrência por superação. Por suposto, a criação de uma política da concorrência mais ou menos descentralizada, impactará em outras políticas públicas, tais como, as de inovação, de saúde pública (como a de incentivo a produção de produtos farmacêuticos genéricos), e, porque não mencionar, as de incentivo a criação de sociedades “start ups” e a pequenas e médias empresas. Por fim, um mercado estruturalmente mais concentrado, acima dos limites tecnicamente aceitáveis, tende a impor aos adquirentes e consumidores, qualidade, preço e condições de contratações piores do que em mercados estruturalmente menos desconcentrados. Assim, esses limites, devem ser resultado de debates e de opção dos consumidores que, ao fim e ao cabo, pagam a conta da concentração ou, pior, sujeitam-se a escassez. Conclui-se, portanto, no sentido de que os vários sistemas nacionais estão propensos a empregar os dispositivos de defesa da concorrência como instrumentos de política econômica. III - NOÇÕES GERAIS A defesa da concorrência consiste no controle social do processo de formação de preço, tendo tido a sua construção baseada na teoria econômica 16

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neoclássica, da qual utilizou diversos conceitos econômicos, empregados, também, na hermenêutica jurídica e para fundamentar políticas e parâmetros interpretativos usados para garantir o substrato necessário às normas de tutela da ordem econômica. Nesse sentido, o “silogismo” do processo de interpretação da norma (premissa maior) depende, em grande medida, da análise de fatos (como premissa menor) e, par isso, outras disciplinas colaboram, com evidente destaque, surge a economia (especialmente o estudo da organização industrial e da estrutura dos mercados). Nos EEUU, a interpretação (giving meaning) desenvolvida pela Suprema Corte, na construção da, assim denominada, regra da razão, recebeu significativa contribuição da análise econômica do direito. O que alguns autores passaram a chamar de teoria econômica da concorrência ocupa-se com o estudo do mercado e suas relações interativas com os agentes econômicos em todos os níveis da escala produtiva, desde a fonte de matéria prima até a última relação de troca, onde aquela (escala produtiva) se consome. Destaque-se, neste diapasão, que o âmbito de aplicação da norma antitruste deverá alcançar tanto acordos e condutas realizados por agentes econômicos, sejam inseridos em um mesmo mercado relevante de produtos (preço) ou geográfico, sejam inseridos em mercados a montante ou jusante (verticalmente integrados), capazes de alterar as estruturas de mercado, com destaque para situação onde há concentração na estrutura dos mercados, mas não restritas a estas situações (como, por exemplo, tem ocorrido na repressão a acordo horizontais e, também, não só o texto legal, mas também a hermenêutica do artigo 36 da nova LDC não restringem a análise antitruste à situação de abuso de posição dominante, panorama comprovado em situações de sham litigation e de abuso de exercício de direitos de propriedade intelectual). Para efeitos da análise da estrutura de mercado, algumas noções são importantes. Determinado o mercado relevante (em função da substituibilidade de produtos, i.e., relações cruzadas de demanda elásticas), deve-se determinar a quota de participação de mercado (market share) dos “players”. O market share serve para avaliar a força do competidor e a aceitação dos seus produtos. Mas, principalmente, o que se procura avaliar é o poder de provocar escassez, também conhecido como poder de mercado (market power). O poder de mercado permite ao seu detentor, ao reduzir sua oferta, reduzir a oferta total do mercado e, assim, com a demanda maior que a oferta, provocar um “sobre preço”. O poder de mercado possibilita, então, a distorção na formação do processo de fixação do preço. A tutela da concorrência se preocupa com esta parcela de mercado, pois no exercício do poder econômico, em princípio, agentes que possuem esse poder são capazes de restringir ou lesar o processo competitivo, gerando ineficiências econômicas e sociais Por isso, as regras relativas a condutas 17

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anticompetitivas vedam o abuso de posição dominante, pois seria fácil para uma sociedade dominante de mercado alterar preços ou excluir competidores. Porém, as hipóteses de infração não se esgotam neste quesito, já que a ilicitude de determinada conduta depende da constatação anticompetitiva dos efeitos (potenciais ou efetivos) causados ao mercado. No âmbito do Direito da Concorrência, ao se valer de tais conceitos (a literatura e a jurisprudência administrativa), há preocupação em evitar a concentração de poder de mercado na mão de poucos ou de um só agente e de evitar a formação de barreiras de entrada ou descriminação de preços que restrinjam ou possam vir a restringir a concorrência, de um determinado mercado relevante de produtos ou geográfico, o que poderá ocasionar abalo na estrutura da competição e do próprio mercado. Um último fator que merece destaque é a preocupação de combater as chamadas barreiras à entrada no mercado, isto é, aquelas que imponham condições ou que limitem o acesso aos mercados pelos competidores. Para HOVENKAMP, “In general, an entry barrier is some factor that makes the cost of doing business higher for the newcomer than for the incumbents”.17 O objetivo é claramente fiscalizatório: adequar a análise das condutas consideradas anticompetitivas conforme seus efeitos (efetivos ou potenciais), em atenção ao interesse coletivo econômico. O âmbito de aplicação de suas normas está, principalmente, centrado na tutela das liberdades. O direito de defesa da livre concorrência consiste no Direito das limitações da liberdade de concorrer.18 No Direito Brasileiro, pautado em suas disposições e valores constitucionais, a doutrina antitruste emerge com a preocupação de evitar a concentração das quotas de participação e das estruturas de mercado, coibindo práticas restritivas à competição, bem como a formação de monopólios e oligopólios, para, assim, proteger a liberdade econômica dos cidadãos, de empreender e de concorrer, e a própria ordem econômica e financeira em si. Inegável o caráter disciplinador da tutela da concorrência neste aspecto. A livre concorrência tem como objetivo final o bem estar econômico e social, ao definir e coibir condutas restritivas com “ratio” anticompetitiva, garantir preços competitivos e acesso aos mercados (estes desembaraçados de monopólios e práticas anticompetitivas). Isto funciona como válvula de desenvolvimento e afirmação de política econômica (até em nível constitucional), aplicável, em tese, a todos os setores socioeconômicos. 17

HOVENKAMP, Herbert. op. cit. p. 85-86.

18

ASSAFIM, João Marcelo de Lima. Aspectos do Direito de defesa da livre concorrência brasileiro: A Lei nº 10.149/2000 e perspectivas de nova política. Revista da ABPI. Rio de Janeiro. nº 68. p. 5568. jan./fev. 2004. 18

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Um ambiente econômico saudável de competição para os mercados, com a manutenção da ordem econômica, é uma questão de fato e não pode ser criado pela legislação de determinado Estado. O que se deve fazer (em matéria de políticas), sempre almejando a proteção do bem estar econômico, é o incentivo à livre concorrência, inclusive com a utilização de políticas de antitruste. Estas, sim, visam a garantir a existência de competição saudável e, portanto, um ambiente concorrencial mais favorável ao crescimento econômico, à distribuição equitativa dos resultados e, principalmente, ao desenvolvimento. Trata-se, portanto, da tutela não só da eficiência em si, mas, também, do funcionamento dos mercados. Políticas de defesa da concorrência fortes conseguem, em muito, melhorar as condições de mercado, impedir a redução da oferta e o aumento dos preços, bem como incentivam a decisão do empresário em investir em inovações. Sob a ótica constitucional brasileira, o livre mercado é tomado e estruturado pelo equilíbrio e balizamento das liberdades econômicas instituídas, quais sejam, a livre iniciativa e a livre concorrência, através de uma equação entre os princípios em comento. O equilíbrio de um mercado concorrencial pressupõe, então, que agentes econômicos estejam competindo e sujeitos à atuação uns dos outros, utilizandose de meios lícitos e de forma autônoma, baseados em seu empreendimento e estratégia comercial. Sempre que os agentes econômicos, através das respectivas condutas, procuram falsear ou de qualquer forma prejudicar a liberdade de concorrer com o fim de afetar de maneira não natural a estrutura dos mercados, estarse-á diante de práticas restritivas da concorrência, sendo necessária a tutela das liberdades de concorrer, com o repúdio aos atos e acordos anticompetitivos. Neste contexto, a livre concorrência significa a tutela e a proteção público-coletiva da liberdade de empreender de cada cidadão. E as regras de defesa da concorrência são instrumentos que objetivam, precipuamente, o incremento da eficiência do sistema econômico, mas, entre os fundamentos do direito de defesa da livre concorrência, outros fins, tais quais as liberdades de empreender e concorrer, a proteção dos consumidores, a proteção de agentes mais sensíveis em ambientes sujeitos a falhas de mercado, o funcionamento dos mercados, elementos de política econômica e, finalmente, o incentivo ao crescimento econômico, instrumento a serviço da distribuição equitativa dos resultados e, portanto, do desenvolvimento. Ao fim e ao cabo, o escopo é o incremento da variedade de produtos e serviços ofertados (aumentando-se a liberdade de escolha), com maior qualidade e a menor preço. 19

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Isto considerado, observa-se que a política da concorrência tem mudado substancialmente, no Brasil e no mundo. O principal indicativo é o tratamento de condutas verticais e, especialmente, a partir de abuso de direitos de propriedade intelectual. Na aurora dos anos 1990, todo o SNDC (então chamado, Sistema Nacional de Defesa da Concorrência), i.e., tanto a Secretaria de Direito Econômico do Ministério da Justiça (SDE), a Secretaria de Acompanhamento Econômico do Ministério da Fazenda (SEAE), como o próprio Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE), parecia estar preocupado mais com a atribuição patrimonial do que com o exercício dos direitos de PI. Em outras palavras, segundo tal concepção, se o título de PI fosse hígido, não fosse nulo, a questão do exercício não seria de competência do SNDC. Ora, como bem destaca o Autor, a questão não está na atribuição patrimonial, senão, no exercício dos direitos de PI. Esse foi o desafio a ser enfrentado. Nesse sentido, para o Autor, sendo o direito de exclusiva sobre bens imateriais um direito (subjetivo) patrimonial como outros, não se poderia, então, dizer que a simples titularidade implicaria em imunidade antitruste. Ao contrário, há sempre o risco (ainda que excepcional) de abuso, sendo este direito tão contundente (tanto o direito positivo de uso como o direito negativo de exclusão de terceiros – o ius prohibendi), que pode gerar uma barreira à entrada ou, até mesmo, servir de instrumento de restrições anticompetitivas suscetíveis de distorcer a estrutura de um mercado – no sentido de concentrá-lo ou intento de monopolizar outros – especialmente se existe poder de mercado de parte do titular (seja no mercado de origem – a montante ou a jusante - ou no de destino). Fenômenos novos foram demonstrados, como por exemplo, o lock in do consumidor e/ou adquirente, no caso de mercados secundários. Assim nos ensinam casos paradigmáticos nos EEUU, como IBM (1956 Consent Decree) e Kodak (1992 Eastman Kodak co. v. Image Technical Servs., Inc. ), e na UE, mais recentemente, com o caso AstraZeneca (em 2005), indicando o abuso de posição dominante para impedir o acesso de genéricos ao mercado. Os avanços legislativo e político de sistemas como o dos EEUU e o da UE, parecem ter consagrado, pelo menos no âmbito das políticas, o entendimento geral no sentido de que a PI induz a concorrência dinâmica. Merece destaque, no ano de 1995, nos EEUU, as Antitrust Guidelines for the Licensing of Intellectual Property (conjunta dos Departament of Justice – DJ e Federal Trade Commission - FTC). Mesmo em havendo a presunção de concorrência dinâmica nos mercados caracterizados pela existência de DPIs (e, assim, o expurgo das proibições per se), existem mercados mais ou menos concentrados nos quais pode haver distorção decorrente de condutas. Se, de um lado, o agente inovador não pode

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ser punido pelo seu sucesso, de outro, não pode fazer uso do mesmo sucesso para impedir o desenvolvimento tecnológico de terceiros. De igual forma, esta nova análise não pode ser levada a cabo pelo policy maker mediante o método “estrutura - conduta – desempenho”, em análise estática com premissa fincada na fotografia da concorrência estática por preço, sob pena de ineficácia. O rigor aumentou para as distorções mais graves. Sendo que, para este fim, o método de análise passou a contemplar outros elementos. Outra categoria de mercado (não só o mercado de produtos) e outra categoria de concorrência (não só a concorrência de preço em análise estática). Agora o método de análise debruça também sobre o mercado de tecnologia e sobre a concorrência por inovação. O exercício dos direitos de PI pode impedir a concorrência por imitação, mas nunca a concorrência por superação. Porém, a carência de informações é um dos elementos que prejudica a eficácia das políticas de concorrência, sendo a solução prevista pelo Regulamento do Conselho UE núm 1/2003 foi, além da possibilidade das cortes nacionais aplicarem (de maneira descentralizada) o direito comunitário em defesa da livre concorrência, instituiu, também, o Inquérito Setorial. Ainda que este procedimento não leve a punição dos investigados, permite ao agente público obter informações sobre o mercado, antes inalcançáveis. O primeiro precedente nesse sentido foi aquele do mercado farmacêutico, no qual a Comissão investigou o porquê dos indícios de injustificada demora no ingresso de produtos farmacêuticos após a expiração da respectiva patente (estando, portanto, o produto em domínio público). Para acesso ao relatório final, veja o documento Comunicação da Comissão de 16 de Julho de 2008 intitulada «Uma estratégia européia para os direitos de propriedade industrial», COM(2008)465 final. Em 2004, a concepção de que a PI induz a concorrência dinâmica parece ter definitivamente chegado à UE, com a publicação do Regulamento num. 772, de 2004. Não obstante, em que pese a convergência de objetivos pregada pelas políticas de ambos os países, parte da literatura ainda identifica um potencial conflito entre exclusivos e livre concorrência, entre exclusivos e liberdades constitucionais. Mesmo para os países em desenvolvimento (e para, os agora denominados, emergentes), articulação entre exclusivos e concorrência não é nova. No âmbito dos acordos de tecnologia, que costumam ser acordos verticais (não obstante existam acordos horizontais e alianças estratégicas para novos mercados), o tema foi abordado no Acordo de Cartagena (firmado em 6 de maio de 1969), no âmbito do Pacto Andino, e no Código de Conduta da UNCTAD (ToT Code), de 1979, para transferência de tecnologia. Ambos traziam alguma disciplina para o uso de práticas comerciais restritivas mediante uma espécie de regulação da transferência de tecnologia.

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Esses documentos parecem ter, de algum modo, inspirado as políticas e o legislador brasileiros, especialmente no que tange o critério legislativo “chapeau” / lista exemplificativa, presentes até hoje na Lei de Defesa da Concorrência (LDC – Lei num. 8.884, de 11 de junho de 1994). Observase tal fenômeno seja na primeira Lei de abuso do poder econômico como tal (Lei num. 4.137, de 10 de setembro de 1962), esta que também foi a primeira a instituir no Ordenamento o conceito de empresa depois do Regulamento no. 737/1850 (que adota um elenco enumerativo exemplificativo dos atos de comercio, não mencionados no Código Comercial de 1850), seja nas políticas implantadas pela Administração pública. Nesse sentido, entre as políticas dos anos 1970 (auge das políticas de substituição de importações), merece menção o polêmico Ato Normativo INPI no. 15/1975 (que desenvolve a inscrição em registro publico ad probationem como requisito de forma), com um conteúdo notadamente antitruste, mas na linha literalistic do ToT Code, ainda sem uma análise econômica das restrições. Tratava-se, aquela, de uma regulação considerada pela literatura como sendo impositiva e trazia um elenco importante de proibições per se. Mas tudo isso restrito ao âmbito das práticas restritivas de comércio em contratos de transferência de tecnologia. Meados dos anos noventa, no curso do processo de desregulação do comércio de tecnologia (a partir da Resolução num. 22/1991), houve uma série de reuniões entre o INPI e o CADE (com destaque para o então Conselheiro Ruy Fonseca), que resultaram na redação de um inédito acordo de cooperação entre o INPI e CADE, mas que jamais fora publicado. Vários casos foram julgados pelo SBDC abrangendo elementos de PI (como, por exemplo, abstenção do uso temporal de um determinado direito de marca – como no ato de concentração Kolynos / Colgate), porém a grande maioria, dentro da análise de atos de concentração (em decorrência da obrigação de notificação previsto no art. 54 da Lei num. 8.884, de 11 de junho de 1994). Mais recentemente, casos importantes tiveram como fundamento a concepção estadunidense de abuso de direitos de petição com efeitos anticompetitivos (sham litigation) – de difícil caracterização se os critérios se importarmos testes como os do Noerr-Pennington doctrine em detrimento de entendimentos mais adequados e recentes, como aqueles do USS Posco (Uss-Posco Industries Be&k v. Contra Costa County Building & Construction). Neste ultimo, uma série de ações superpostas ou sucessivas com fundamento em direitos (materiais) inexistentes, fracos ou inconsistentes (como por ex., intento de exclusão liminar com base em direito inexistente, obtido mediante fraude ou pedido de patente sobre tecnologia no estado da técnica), em conjunto, podem produzir efeito anticompetitivo, independentemente da eventual probabilidade de sucesso de algum dos pedidos em uma ou outra ação isoladamente. Porém, deve-se

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esclarecer o fato de que, o assim chamado, abuso de direito de petição (sham litigation) trata de uma categoria alienígena, geral e, por isso, de um lado, não se restringe à PI e nem a seus respectivos efeitos sobre a concorrência (exemplo: o caso da Siemens VDO, no mercado de tacógrafos ); e, de outro, nem todo uso concorrencialmente adverso da PI consiste nesta prática (exemplo: pactos vinculados e bundling, como no caso Midia Player – EU Commission vs. Microsoft). Que está em questão é o exercício dos direitos de PI. Em seguida, vieram as políticas de desenvolvimento a partir da inovação tecnológica. Assim, a literatura alertou os agentes públicos e políticos no sentido de que de nada adiantaria a instituição de avançadas políticas de fomento e de incentivo como a Lei de Inovação (Lei núm. 10.973, de 2004) ou a Lei do Bem (que atribui incentivos fiscais para investimentos em P & D cf. a Lei núm. 11.196/2005, e, ainda, as isenções de imposto de renda para empresas envolvidas em P & D, previstas na Lei num. 11.487/2007) se, ainda institucionalmente frágeis, sujeitas a descontrole sobre o uso restrições anticompetitivas, pudessem permitir a sociedades empresárias existentes (ou entrantes) fazer uso de abusos de direito e injustificada litigiosidade com vistas a eliminar os respectivos resultados e, especialmente, prejudicar o tratamento diferenciado e constitucionalmente oferecido às micro e pequenas empresas (MPE). Na esfera da política internacional, a Agenda do Desenvolvimento foi aprovada no âmbito da Organização Mundial da Propriedade Intelectual (OMPI) por iniciativa conjunta da República Federativa do Brasil e da República Argentina. Esta Agenda foi instituída em outubro de 2007, quando a Assembleia Geral da OMPI aprovou um conjunto de 45 recomendações, para incrementar a dimensão das questões relativas ao desenvolvimento dentro das atividades da Organização. Além da adoção da Agenda do Desenvolvimento da OMPI, os Estados Membros também aprovaram uma recomendação para estabelecer uma Comissão para o Desenvolvimento e Propriedade Intelectual (CDIP). Como principal elemento, a Agenda articula o exercício de direitos de PI e concorrência, buscando equilíbrio entre as respectivas disciplinas jurídicas, com destaque para o objetivo de crescimento econômico dos países mediante o incentivo a inovação, de um lado, e repressão de abusos mediante o controle de práticas anticompetivas, de outro, incluindo a manutenção do emprego e do fomento dirigido às micro e pequenas empresas (MPE) como meios garantidores do desenvolvimento. Depois de aproximadamente duas décadas, em 2010, o INPI e o SBDC finalmente fizeram valer as intenções do antigo rascunho de compromisso redigido (em meados dos anos 1990), assinando um acordo de cooperação em uma segunda-feira histórica, dia 7 de junho de 2.010, durante o Seminário Internacional sobre Propriedade Intelectual e Política de Concorrência (7 e 8 de

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junho, no Palácio do Itamaraty, no Rio de Janeiro). O objetivo deste convênio de cooperação técnica é o de combater os abusos de direitos de propriedade intelectual que possam afetar a livre concorrência. Com este convênio, o INPI fornecerá dados valiosos para a investigação antitruste, mediante informações técnicas para que o Sistema tenha elementos mínimos para agir contra práticas de condutas anticompetitivas, envolvendo o uso de direitos de marcas, patentes e desenhos industriais registrados, entre outros. O SBDC terá condições de acesso à capilaridade dos métodos de negócio realizados pelos agentes econômicos nos mercados de tecnologia. Um exemplo dado pelo INPI nesse sentido, em sua veiculação institucional, seria a hipótese de um empresário recorrer ao poder judiciário, no fim da validade de uma patente, para discutir este prazo, com o único objetivo de impedir o ingresso de concorrentes no mercado de que se trata (barreira à entrada), ao excluí-los ou impedi-los de fabricar o produto não alcançado por exclusivos (domínio público).  A questão ganhou uma relevância tal, que, além de integrar projetos de pesquisa financiados e incentivados tanto pela Presidência da República e pelo Itamaraty, engendrou uma gama de eventos que aproximaram todos os atores interessados nesta interface entre DPI e antitruste (SDE, SEAE, CADE, INPI, Justiça Federal, Ministério Público Federal, ANVISA, Itamaraty, etc.). Neste contexto, merece destaque a colaboração do Conselheiro Kenneth da Nóbrega com os esforços de pesquisa acadêmica oriundo dos Programas conveniados com a ACAD perante o MRE. De igual maneira, o INPI e a OMPI se destacaram na realização e financiamento de trabalhos de pesquisa e eventos. No cenário internacional a questão continuou em voga tendo sido o tema (DPI e antitruste) objeto de um inédito e especifico painel no Sixième Congrès Mondial sur la Lutte contre la Contrefaçon et le Piratage (Paris, 2-3 de fevereiro de 2011), organizado sob os auspícios da OMPI, World Customs Organization (WCO), INTA, CCI/BASCAP e INTERPOL, intitulado Créer un meilleur équilibre: le rôle du droit de la concurrence. A coordenação do painel coube ao Prof. Dr. M. Josef Drexl (Diretor do renomado Max-PlanckInstitut für Immaterialgüter- und Wettbewerbsrecht) ; e como oradores contou com a presença de personalidades como a do chefe adjunto da Direção Geral de Concorrência da Comissão UE (DGIV), M. Thomas Kramler (Relator do Caso European Commission vs. Microsoft: Midia Player) e a Profa. Dra. Mireille Buydens, (advogada do escritório Liedekerke Wolters Waelbroeck Kirkpatrick, e professora da Université libre de Bruxelles), entre outras. Neste importante painel, recebi o galardão de apresentar a contribuição Brasileira, como palestrante (Orateur), por indicação da Divisão de Propriedade Intelectual do Ministério das Relações Exteriores (MRE), da Missão Permanente do Ministério das Relações Exteriores na OMC e com o indispensável apoio da OMPI. Um

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painel polêmico, em um foro improvável, que discutira livre concorrência ao tratar de contrafação, causou um importante debate, e, mais que isso, mereceu o prestigio de audiência que lotou o auditório. A coordenação do painel (Prof. M. Josef Drexl) ponderou a questão no seguinte sentido: o exercício de direitos de PI é legitimo e tende a ser prócompetitivo do ponto de vista dinâmico, mas, contudo, pode ser, também, objeto de abusos com efeitos anticompetitivos. Identificado o problema, cabe aos pesquisadores buscar a resposta. Nesse sentido, foram discutidos alguns pontos centrais, que estruturaram a discussão: 1) La protection et l’application des DPI et leur effet sur l’augmentation ou la diminution d’une concurrence dynamique et sur les incitants à l’innovation. 2) Le droit de la concurrence comme outil en vue d’équilibrer les législations et pratiques en matière de propriété intellectuelle, en ce compris les mesures d’application des droits et les sanctions, en ce qu’elles auraient d’«anticoncurrentielles». 3) La question de la nécessité éventuelle d’une application différenciée du droit de la concurrence dans les affaires de propriété intellectuelle entre les pays en développement et les pays développés. 4) La perception de vulnérabilité des PME devant l’usage anticoncurrentiel des DPI et la question de la nécessité éventuelle d’une protection spécifique des PME par le droit de la concurrence pour y faire face. (reprodução literal) Em linhas gerais, o objetivo do 6º Congresso Global contra a Contrafação e a Pirataria, neste painel, era o seguinte: “promover uma legislação em matéria de propriedade intelectual que seja, concomitantemente, favorável à concorrência e uma política de concorrência, adequada ao contexto da propriedade intelectual.” (tradução livre) No âmbito de nosso sistema, há situações sujeitas ao âmbito de aplicação da LDC. Em função de resultados preliminares em pesquisas em curso nos projetos e grupos CNPQ,, algumas já concluídas e publicadas em artigos, capítulos de livro e disciplinas em cursos de mestrado (ADAC-INPI) e doutorado (PPED - IE da UFRJ, com destaque para disciplina que ministro em parceria com a Prof. Dra. Maria Thereza Leopardi, intitulada limites concorrenciais da propriedade intelectual), à luz das fontes consultadas, na

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qual chegamos à seguinte lista de situações sujeitas à análise antitruste: 1- o uso estratégico do licenciamento: recusa de negociação e licenciamento de patentes; 2- preocupações em matéria de concorrência acerca da incorporação de patentes em acordos de colaboração para estabelecimento de padrões técnicos; 3- análise antitruste de acordos de licença cruzada de portfólios de patentes e de consórcios de patentes (pools); 4- elenco de práticas e restrições mais frequentes nos contratos de transferência de tecnologia; 5- questionamentos concorrenciais em situações de acordos vinculados ou venda casada (tying) , desconto multiproduto (multitecnologia) ou pacotes (bundling) e licenciamento em bloco; 6- aspectos relevantes sobre práticas empregadas para estender o monopólio legal dos títulos de PI além do termo legal; 7- o uso de títulos de PI obtidos com vícios (PI, MU, DI e Marcas), mediante fraude ou abuso de tais direitos (ainda que legalmente obtidos) para excluir concorrentes; 8-intento de apropriação de sinais genéricos e formas não originais para impedir a entrada ou excluir concorrente; 9- tecnologia e direitos exclusivos como facilidade essencial. Não obstante, ainda não há um precedente, no Direito Brasileiro, de julgado administrativo acerca do abuso no exercício de direitos de propriedade intelectual como instrumento de controle de determinado mercado – por isso aguarda-se ansiosamente o resultado do processo administrativo resultante da Representação do Sindicato Nacional de Fabricantes de Peças de Veículos Automotores – SINDIPEÇAS vs. FORD, VOLKS WAGEN e FIAT. Pode-se dizer que a Decisão do CADE, na forma do voto do Conselheiro Relator, Carlos Emmanuel Joppert Ragazzo, foi um divisor de águas para a disciplina, na medida em que determina o prosseguimento da investigação em PA em decorrência da importância da análise do exercício do DPIs, indo de encontro à nota técnica da prestigiosa SDE, que, considerando, tão somente, a atribuição patrimonial em si, opinara pelo arquivamento da Representação (veja interessante crítica em GRAUKUNTZ, K., O Desenho industrial como instrumento de controle econômico em mercados secundários –uma análise recente da Decisão da Secretaria de Direito Econômico (SDE), Revista Criação, número I, Rio de Janeiro, IBPI / Lumen Juris, 2009, pp. 67-113). Assim, vejamos a reprodução literal do primeiro item da conclusão do Relator.

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Este caso, ainda pendente de julgamento final pelo CADE, foi tratado com atenção pelo autor nesta obra, que merece ser consultada. São muitas as situações ainda sem solução, processos administrativos que continuam em trâmite (nos mercados farmacêuticos, de sementes transgênicas, de radiodifusão, de cosméticos, etc.). Contudo, estou convencido de que as hipóteses de resposta provisoriamente trazidas por este autor podem servir, e oxalá sirvam, de contribuição para os estudos que deverão fundamentar decisões futuras, há muito demandadas. IV – COMPETÊNCIA DO SISTEMA NACIONAL DE DEFESA DA CONCORRÊNCIA A tutela da liberdade de concorrência tem âmbito de aplicação específico e diversificado dos demais. Há inequívoca infusão do interesse público em matéria privada, no que tange à regulação administrativa das atividades dos agentes econômicos, exemplo de introdução de disposições de direito público em matéria de direito mercantil. Para isso, são utilizadas políticas que impeçam a formação de barreiras de entrada e acesso aos mercados , realizando um controle social do processo de formação de preço, evitando-se monopólios e práticas anticompetitivas. Insta ressaltar, antes da análise do âmbito de aplicação, que nos cabe recuperar dois elementos, quais sejam, qual seria o bem jurídico tutelado pelo Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência e quem seria seu respectivo titular. O bem jurídico tutelado é o somatório do patrimônio de todos que atuam no mercado, através de suas relações dinâmicas privadas, para a obtenção de recursos e bens patrimoniais e, com isso, melhor qualidade social. Sob uma ótica de maior grandeza, é nada mais nada menos que a própria ordem econômica em si.19 Apesar de tutelar as relações privadas, o titular dessa proteção normativa é a coletividade. Extrai-se isto tanto por regras constitucionais (artigo 173, CRFB/88), quanto por regras infraconstitucionais, precipuamente, o artigo 1º, parágrafo único da lei 12.529/11. Pois bem, as normas de Direito privado aplicam-se a todos, nacionais e estrangeiros (não há discriminação de sociedade em decorrência da origem do capital subscrito), excetuadas suas exceções (a norma ainda distingue entre domiciliado e não domiciliado). Tais normas estão tripartidas em seus 19

FURTADO, Rogério Dourado. Abuso de posição dominante no direito brasileiro. In:  Âmbito Jurídico, Rio Grande, XIII, n. 81, out 2010. Disponível em: http://www.ambito-juridico.com.br/ site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=8503. Acesso em 03 fev 2013. 27

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grandes ramos de aplicação. Tem-se o Direito Civil para as relações particulares intersubjetivas; o Direito Comercial para as relações entre profissionais, entre empresários mercantis; e, por fim, o Direito do Consumidor, que trata das relações mistas entre sujeitos, profissional e não profissional, sejam fornecedores ou consumidores, pessoas físicas ou jurídicas. O Direito da Concorrência e o próprio Direito do Consumidor funcionam como institutos complementares de ordem pública que visam a regular e a disciplinar a relação concorrencial (profissional) nos mercados e a relação mista (profissional – não profissional) entre os particulares.20 É objetivo principal do Direito estabelecer regras e instrumentos capazes de solucionar conflitos e interesses contrapostos, sejam privados ou públicos, e, assim, disciplinar a vida em sociedade. O exercício da liberdade econômica é fundamento de nossa noção constitucional de ordem econômica, estando inserido no rol dogmático das liberdades individuais. Deste modo, é imprescindível a existência de disciplina do exercício destas liberdades, bem como a tutela da ordem econômica e financeira (artigo 170 da CRFB/88). Tem-se aqui, portanto, como já indicamos, a pedra angular do surgimento do Direito da Concorrência, sendo este o Direito das limitações da liberdade de concorrer, para, assim, garantir o pleno exercício da liberdade de empreender e o bem estar social. No âmbito territorial, a atuação do SBDC está restrita às práticas comerciais em todo o território nacional que produzam ou possam produzir efeitos nele, conforme o art. 2º da Lei nº 12.529/11, que reproduziu integralmente o mesmo artigo 2º da lei anterior. Quanto ao âmbito de aplicação subjetivo, a atuação antitruste se aplica aos sujeitos determinados no artigo 31 da Lei nº 12.529/1121, tendo como principal objetivo a defesa do processo concorrencial e a tutela da livre concorrência. Frise-se que este artigo reproduz fielmente o amplo rol de pessoas do revogado artigo 15 da Lei nº 8.884/94, em nada alterando o âmbito de aplicação subjetivo de defesa da concorrência. Cumpre ressaltar que a atuação dos órgãos que compõem o SBDC possui três vertentes distintas de análise (1) o controle de condutas, através de atuação repressiva, (2) a repressão às condutas relacionadas com a formação de acordos horizontais (ainda que, para alguns, neste ponto, haja relação com 20 21

ASSAFIM, op. cit. 2004.

Lei 12.529/11, BRASIL, 2011, Art. 31: “Esta Lei aplica-se às pessoas físicas ou jurídicas de direito público ou privado, bem como a quaisquer associações de entidades ou pessoas, constituídas de fato ou de direito, ainda que temporariamente, com ou sem personalidade jurídica, mesmo que exerçam atividade sob regime de monopólio legal.” 28

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o controle de estruturas de mercado); e, também, (3) a análise e controle atos de concentração de estrutura de mercados (fusões e aquisições societárias), verticais ou horizontais. Toda política de defesa da concorrência é uma política de Estado e não de Governo, pois visa a proteger e resguardar um interesse coletivo, um bem difuso e individual homogêneo.22 Desta forma, as restrições à liberdade de concorrer estão sujeitas às disposições do Direito de Concorrência. V – ALTERAÇÕES INSTITUÍDAS ATRAVÉS DA NOVA LEI DE DEFESA DA CONCORRÊNCIA No Direito Brasileiro, as normas de defesa da concorrência e a política antitruste funcionam como instrumento para proteger a ordem econômica e seus fundamentos, garantindo eficiência às estruturas de mercado e liberdades individuais dos cidadãos (e empresários).23 As alterações ocorridas no SBDC24, entre outros fins, teriam por fim viabilizar a solução de conflitos institucionais do mercado, na medida em que os exercícios das liberdades e do poder de mercado não seguissem a função social que deles se espera. Mas, a política de defesa da concorrência brasileira vai além. Há notável enfoque (ou esforço para tanto) para que as práticas e decisões sistêmicas tutelem, inclusive, a defesa do consumidor, o funcionamento dos mercados, bem como a livre circulação de bens e serviços. O principal diploma brasileiro de defesa da concorrência, nos dias atuais, é a Lei nº 12.529/11, que “estrutura o Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência e dispõe sobre a prevenção e repressão às infrações contra a ordem econômica”.25 22

Sobre evolução e intervenção do Estado em matéria de concorrência, V. SILVA, Pedro Aurélio de Queiroz Pereira da. Breves linhas sobre o Direito da Concorrência. Jus Navigandi, Teresina, ano 15, n. 2518, 24/05/2010. Disponível em: http://jus.com.br/revista/texto/14886. Acesso em: 14 fev. 2013. 23

Vide: SALOMÃO FILHO, Calixto. Direito concorrencial: as estruturas. 3ª Ed. São Paulo: Malheiros, 2007. 24

RIZZO, Guilherme Franzen. A nova Lei de Defesa da Concorrência brasileira - Lei nº 12.529/11. Jus Navigandi, Teresina, ano 16, n. 3094, 21/12/2011. Disponível em: . Acesso em: 14 fev. 2013. 25

Lei nº 12.529/11, Brasil, 2011, Art. 1º: “Esta Lei estrutura o Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência - SBDC e dispõe sobre a prevenção e a repressão às infrações contra a ordem econômica, orientada pelos ditames constitucionais de liberdade de iniciativa, livre concorrência, função social da propriedade, defesa dos consumidores e repressão ao abuso do poder econômico. Parágrafo único. A coletividade é a titular dos bens jurídicos protegidos por esta Lei.” 29

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Esta lei revogou inteiramente a Lei nº 8.884/94 e trouxe alterações significativas na estruturação do Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência que temos hoje, seja nos meios de controle dos atos de concentração, seja em relação às novas prerrogativas e procedimentos do processo administrativo, dentre outras disposições, visando a garantir um efetivo exercício dos direitos e princípios constitucionalmente garantidos, como parte integrante da ordem econômica nacional. Atualmente, devido à vigência da lei 12.529/11, encontramo-nos em uma nova ordem jurídica no que tange às práticas concorrenciais, ao controle dos atos configuradores de abuso de posição econômica dominante, dentre outros. A relevante alteração legislativa ditou novos certames em matéria de concorrência, e manteve disposições imprescindíveis da legislação anterior, em clara tentativa de melhoria do sistema de defesa da concorrência. Na atual conjuntura econômica e social, a defesa da concorrência brasileira necessitava de mudanças, pois a antiga lei estava com mais de 17 anos desde sua promulgação e não acompanhou diversas mudanças no cenário econômico nacional, como a intensificação do fluxo de capital e do poder de consumo das pessoas, e o aumento tecnológico proporcionado por inovações, novos métodos de negócio através da rede mundial de computadores, bem como o processo de desestatização econômica. Quanto à estrutura do SBDC, a Lei nº 12.529/11, contudo, uniu a SDE e o CADE em uma só entidade. A SEAE, por sua vez, teve reservada a função de atuar no âmbito da advocacia da concorrência, nos termos da nova Lei de defesa da concorrência. Quanto aos aspectos materiais, a atual Lei de defesa da concorrência alterou os critérios objetivos e subjetivos do controle dos atos de concentração, bem como o próprio conceito deste. Ressalte-se, também, que houve importantes alterações na sistemática de aplicação de multas e sanções aos agentes infratores. Podem ser destacadas como principais inovações materiais: a introdução de análise prévia dos atos de concentração; o reforço das regras do instituto de leniência, por exemplo, líderes de cartéis não podem participar destes acordos sob a égide da Nova Lei; o critério objetivo mais delimitador para submissão dos atos de concentração ao devido processo administrativo, ao requerer que o vendedor possua um mínimo de R$ 75 milhões de faturamento bruto, e eliminação do critério subjetivo de cota de 20% de market share; introdução de novos critérios objetivos e subjetivos para aplicação de penalidades. Medida a destacar, o controle de concentração que era feito posteriormente ao ato em si passa a ser prévio. Desta forma, qualquer acordo ou operação que esteja enquadrado nos requisitos da Lei como atos de concentração deverão passar pelo crivo do CADE para que possa ser formalizado entre os requerentes. 30

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A Nova Lei de defesa da concorrência também inova no que tange à aplicação de sanções pelo SBDC, seja ao introduzir novos critérios objetivos para quantificação ou ao alterar os patamares de multas pré-estabelecidos na legislação anterior. Altera os valores máximo e mínimo das multas aplicáveis aos agentes econômicos que venham a praticar condutas lesivas à ordem econômica ou passíveis de lesão. Na sistemática anterior, o patamar estabelecido era o de 1% a 30% do faturamento bruto total da empresa no exercício do ano anterior à instauração do processo administrativo. Com o advento da Nova Lei, as multas aplicáveis por infração à ordem econômica poderão variar entre 0,1% e 20% do faturamento bruto da sociedade, grupo econômico ou conglomerado, com o acréscimo do critério de avaliação objetivo, no ramo de atividade em que ocorreu a infração, e não, pura e simplesmente, o faturamento total do competidor. O conceito de ramo de atividade, estranho até então sob a ótica da legislação antitruste, foi esclarecido e definido através da Resolução nº 3/2012. Pode variar de 0,1% a 20%, mas não será quantificado com base no faturamento bruto das empresas, mas, sim, do ramo de atividade exercida. Como exemplo, podemos citar a grande discussão existente no mercado de cimento, onde a base para cálculo seria avaliada através do mercado de construção civil. As inovações são virtuosas e propõem alterações imprescindíveis ao SDBC, principalmente no que se refere à opção pela notificação prévia de atos de concentração e pelo viés desburocratizante. O sistema da lei nº 8884/94 tem a sua eficiência comprometida em razão do excesso de tempo de análise, das incertezas geradas e dos custos impostos aos agentes econômicos. O mérito da nova legislação de defesa da concorrência é a construção do SBDC, sem o objetivo de romper com tudo já estabelecido ou realizar uma renovação total, utilizando critérios e políticas já bem estabelecidos pela lei anterior, em clara finalidade de aperfeiçoamento. VI – A CONCORRÊNCIA EM SETORES ESPECÍFICOS: SETOR DE ALIMENTOS O mercado brasileiro é considerado verticalmente concentrado, o que também se aplica ao mercado de distribuição de alimentos. Tanto a antiga Lei nº 8.884/94 quanto a Nova Lei Antitruste Brasileira (NLAB)26 encontram respaldo nos princípios constitucionais da livre-iniciativa, valorização do trabalho, livre 26

Art. 1º. Esta Lei estrutura o Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência – SBDC e dispõe sobre a prevenção e a repressão às infrações contra a ordem econômica, orientada pelos ditames constitucionais de liberdade de iniciativa, livre concorrência, função social da propriedade, defesa dos consumidores e repressão ao abuso do poder econômico. 31

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concorrência, função social da propriedade e defesa do consumidor, bem como a regra de repressão ao abuso do poder econômico. O que se depreende do quadro apresentado é que a nova Lei de Defesa da Concorrência trouxe algumas alterações relevantes, a saber: os prazos mais rígidos para o encerramento de análises, a não consumação das operações sem a prévia apreciação e aprovação do CADE, e, também, a alteração nos critérios de notificação, devendo uma das empresas participantes de uma operação pertencer a grupo com faturamento superior a R$ 750 milhões no Brasil e, do outro lado, uma empresa que pertença a grupo com faturamento superior a 75 milhões. Cabe ainda considerar que, sendo a legislação antitruste em vigor no Brasil, hoje, recente e tendo trazido diversas alterações, poucos são os casos ocorridos sob a égide dessa nova Lei e, da mesma forma, não se tem, ainda, decisões contendo precedentes relevantes do CADE nela pautadas. 27. Para ampliar a circulação de seus produtos em um mercado globalizado, as empresas precisam estabelecer mecanismos que permitam não somente sua sobrevivência, mas também, ampliar sua entrada em novos mercados. Para tanto desenvolvem políticas para contratação de fornecedores com vistas à diminuição do custo de transação (transaction costs), evitando a concentração de distribuidores, bem como não permitindo o surgimento, entre os fornecedores, de empresa que venha a impor uma política de preços desfavoráveis. A relação com os distribuidores, dependendo da região geográfica em que atuam, pode ser de dominação completa, caso se encontrem em posição de dependência econômica. E são essas as hipóteses que devem ser prevenidas ou, se ocorridas, punidas. Entendemos que, no Brasil, a legislação antiga, vigente até abril do ano de 2012, não suportava totalmente as questões antitruste28. Da mesma forma, julgamos prematura uma análise que não resulte de meras expectativas 27

Muito embora não se observe decisão relevante do CADE sob a égide da NLAB, em especial no mercado de distribuição de alimento (foco do presente), destacamos recente julgamento ocorrido em 12.12.2012, em que o CADE aprovou com restrições o primeiro ato de concentração. O processo foi concluído em 43 dias, tratando-se da aquisição por dois fundos geridos pela Hinea Investimento, da holding Delfpar, que detém o controle de seis clínicas de diagnóstico por imagem na Bahia e no Rio Grande do Norte. Por recomendação da Superintendência-Geral do CADE, o conselheiro relator do processo determinou a limitação do escopo geográfico da cláusula de não-concorrência. 28

O principal problema enfrentado com a Lei nº 8.884/84 era o fato de o controle se revestir de caráter Ex post , ou seja, por meio de avaliação e discussão dos efeitos da operação sendo realizadas após a assinatura do 1º documento vinculativo, já lidando com operações efetivamente consolidadas no mercado. Agora, com a NLAB, esse controle tem caráter Ex ante, cuja avaliação e discussão da operação são realizadas antes da consumação do negócio, o que possibilita examinar os potenciais riscos ao mercado consumidor. 32

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e especulações a respeito da efetividade dos dispositivos da nova lei, com tão pouco tempo de vigência e sem uma massa considerável de casos apreciados pelo CADE sob a sua égide. Independente das alterações na legislação brasileira, a atuação do CADE é de vital importância para coibir os atos de concentração horizontal29 e vertical, especialmente no que diz respeito ao mercado aqui estudado, uma vez que, nos últimos 15 anos, diversas empresas do setor de alimentos constituíram novas empresas, representando verdadeiros atos de concentração horizontal (que podem significar controle de um agente sobre os canais de distribuição e sobre fontes de insumos) e, em muitos casos, com vários efeitos verticais. Assim sendo, resta-nos destacar os casos em que o CADE analisou atos de concentração referentes a fusões de grandes empresas de distribuição de alimentos, dentre os quais o JBS-Friboi30, Ambev31 e Sadia-Perdigão32, ocorridos e julgados sob a égide da Lei nº 8.884/94. Quanto aos casos de concorrência predatória praticadas pelo monopólio do mercado sob a condição de Acordo Vertical, apenas nos cabe aguardar a 29

For antitrust purposes, a merger occurs whenever two firms had been separate come under common ownership or control. (HOVENKAMP, Herbert. Antitrust. Fourth Edition. Thomson/West: 2005. p. 256.) 30

Caso JBS-Friboi - o CADE analisou abuso de posição dominante por parte do grupo diante dos pecuaristas impondo preços aquém de seus custos, sendo praticamente obrigados a vender seu gado para um grande monopolista bem como a pressão sofrida pelos frigoríficos menores, pois estão sendo cerceados pelo grupo JBS, que adquiriu outros grupos no Brasil e no mundo (Maturata e Swift, por exemplo). Há uma ausência aliada a uma dificuldade do CADE em atuar e identificar atos lesivos à lei de concorrência (no caso, a lei antiga). 31

Caso Brahma-Antarctica (Ambev) - processo 08012.005846/1999-12, Rel. Hebe Teixeira Romano Pereira da Silva, sessão de julgamento em 29 de março de 2000. O CADE autorizou a operação, com restrições, sendo a nova sociedade obrigada a assinar um Termo de Compromisso de Desempenho, pelo qual se comprometia na implementação de um conjunto integrado de medidas, visando à entrada, em escala nacional, de concorrente no mercado de cervejas. As medidas consistiam em: 1. vender a marca Bavaria; 2. vender 5 (cinco) fábricas (indicadas no TCD); e 3. compartilhamento da distribuição com 5 (cinco) empresas independentes, uma em cada mercado relevante geográfico, cuja participação nesse mercado não seja superior a 5% (cinco por cento). 32

Sadia-Perdigão (Brasil Foods) - diante das decisões tomadas pelo CADE, foram estabelecidas, para aprovação do processo, algumas restrições, dentre as quais: vendas de marcas, venda de estrutura produtiva, limitação de atuação da Batavo, proibição para marcas substitutas, suspensão da marca Perdigão. Estabeleceu-se que deveria existir uma nova competidora, sendo que uma única compradora que deve ficar com todas as marcas, fábricas e unidades de ração vendidas, sendo que a empresa deve nascer com 20% do mercado. Na prática, houve um acordo entre concorrentes em que o BRF (Brasil Foods) e a Mafrig trocaram ativos entre si, uma empresa adquiriu ativos da outra na Argentina e no Brasil. Foi um fato estranho e que não teve a apreciação do CADE. Na verdade, parece ter havido uma divisão do mercado entre Marfrig e BRF. 33

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análise dos casos sob o foco da lei nova, ponderando a incidência - ou não- do art. 36 da nova Lei Antitruste. Por outro lado, os acordos entre os agentes que atuam no mercado, concorrentes ou não, são o foco da legislação antitruste, pois, muitas das vezes, tendem a viabilizar condições monopolistas, buscando diminuir as oportunidades de ingresso de concorrentes no seguimento em que atuam. No caso Mafrig e BRFood resta evidente o propósito de dividirem o mercado de atuação de ambas, bem como imporem restrições aos fornecedores e distribuidores com a imposição de contratos verticais. Os contratos verticais, da mesma forma que procuram fortalecer a participação dos agentes econômicos pactuados, também restringem a atuação dos fornecedores e distribuidores, prática vedada pelo artigo 36 da Lei 12.529/11. VII – CONCLUSÃO Ainda que a LDC 1994 fosse uma norma atual e completa, as reformas introduzidas pela nova LDC deverão funcionar a favor do SNDC, que deve ter seu reconhecimento incrementado dada a sua inequívoca importância no controle social da atividade econômica. Muitas críticas eram feitas ao antigo Sistema, como o critério amplo de definição de quais operações deveriam ser submetidas ao SBDC, bem como a análise a posteriori destas, a existência de dois órgãos para as decisões do CADE, gerando redundância de atribuições, dentre outras. Em síntese, o antigo SBDC era moroso e ineficaz para atender a atual demanda , gerando, ainda, custos desnecessários aos administrados e ao Poder Público. Nesse contexto, a Nova Lei foi concebida com dois objetivos principais, quais sejam: conceder mais celeridade e eficácia ao SBDC por meio de sua reestruturação e alteração significativa da forma de sua atuação preventiva e repressiva às infrações contra a ordem econômica, quais sejam os atos de concentração e condutas anticompetitivas, respectivamente, combatendo as críticas da sistemática anterior (como àquele referente a suposta superposição de atribuições), e, também, o incremento do rol de atos de concentração não sujeitos à notificação ao SBDC.33 Quanto à atuação preventiva, a Lei nº 12.529/11 definiu, em seu artigo 90 , que são considerados atos de concentração para fins de análise do CADE: quando duas ou mais sociedades anteriormente independentes se fundem; adquirem o controle ou partes de uma ou outra sociedade; quando uma ou 33

UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO. A Reforma da Lei da Concorrência – Lei nº 8.884/94, In: Faculdade de Direito – USP. Relatório – Congresso Brasileiro de Direito Comercial. São Paulo. 2011. 74 fls. 34

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mais empresas incorporam outra ou outras empresas; ou quando duas ou mais empresas celebram contrato associativo, consórcio ou joint venture. A inovação de maior destaque é que as operações de concentração econômica deverão ser analisadas “ex ante”, de maneira a priori, pelo CADE, ou seja, não podem ser consumadas antes da aprovação pelo SBDC. Agora, caso o negócio se revele prejudicial à concorrência ou à sociedade, a autoridade antitruste pode coibir sua prática antes da concretização do ato. Um dos alvos centrais da reforma foi a celeridade na análise e julgamento dos atos de concentração. A decisão final do CADE não poderá ultrapassar o prazo máximo de 330 dias. Com vistas à eficiência do Sistema, os novos parâmetros e critérios objetivos estipulados para a caracterização de um ato de concentração implicarão em diminuir o “alcance do radar”, i.e., na prática, vários atos e, quiçá, parcelas maiores de setores da economia não mais estarão sujeitos controle preventivo do CADE. Quando fazemos um paralelo com indicadores mais gerais da econômica (e resultados de políticas econômicas de curto prazo), temos um paradoxo: combina-se economia desaquecida (ou em desaceleração) com inflação elevada.   Em que pese os avanços inequívocos, não há, no país, até o momento, uma política industrial mais consistente (relacionada, especialmente, a infraestrutura), senão  surtos sazonais de incentivo público com base no consumo interno, financiado pelo crédito acessível e (nem tão) barato. Não é impossível, portanto, que, em vários setores (que não suportariam uma análise HHI em qualquer ato de concentração), este quadro paradoxal seja resultado de uma econômica extraordinariamente concentrada, com barreiras à entrada que, ao fim e ao cabo, impõem ao consumidor brasileiro preços de monopólio em uma gama considerável de bens e serviços.   Em diversos setores, como o alimentício, a entrada de novo player não é fácil, ao contrário, praticamente todos os fabricantes do setor (nos seus distintos mercados relevantes) dependem de uns poucos, senão único, distribuidores. O mercado brasileiro é substancialmente mais concentrado que o mercado americano, e mesmo, o europeu, em praticamente todos os setores. Talvez, as relações verticais, nestes mercados, não estejam sendo objeto de um controle social adequado, que possa expurgar a concentração das fontes de matéria prima (como na indústria petroquímica) e nos canais de distribuição (como no setor de bebidas frias, frigoríficos, varejo, etc.) proteger o consumidor de distorções no processo de formação de preços. Métodos de descentralização de análise são importantes para dar eficiência ao Sistema, em qualquer país (vejam, por exemplo, o caso das isenções por categoria da DGIV na Comissão Européia), e nisso a nova LDC parece ir bem, porém, deve ser objeto de controle e revisão com vistas a avaliar,

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e modificar, aquela que pareçam ter sido instituídas com fim de, tão somente, diminuir volume de trabalho e tempo na análise. Conclui-se, deste modo, que a reestruturação do SBDC resultou em um modelo mais atual e dinâmico, em consonância com a literatura internacional, quais sejam a norte-americana e da União Europeia, mais adequada às relações econômicas atuais. Acreditamos em melhora no sistema, e que suas alterações, tanto de cunho material e procedimental, como seu rearranjo orgânicoinstitucional, alcançam o objetivo de conceder maior celeridade e eficácia às decisões e atuação do SBDC como um todo. Espera-se, assim, que tais alterações e medidas, aliadas aos regulamentos vindouros, sirvam como mecanismos de instrumentalização do objetivo maior da Nova Lei, que é conferir celeridade e eficácia ao SBDC, e levá-lo, como já parece estar fazendo, a um patamar mais moderno e eficiente em matéria antitruste, capaz de atender às demandas socioeconômicas da atual realidade brasileira. Contudo, isto deve ser alcançado não em prol de maior celeridade estéril, ao arrepio da eficiência, mas, sim, colocando no centro da mesa o objetivo básico de toda política de concorrência, o de tutelar a ordem econômica e as liberdades de empreender e concorrer dos cidadãos e da própria sociedade. Assim, este sistema, o SBDC, que é verdadeiro protagonista do controle social da economia de mercado, funcionará como elemento indispensável no expurgo de distorções danosas às políticas públicas de desenvolvimento, e permitirá aos cidadãos um ambiente livre de monopólios para trabalhar, investir e empreender. O crescimento econômico sempre será consequência disso (trabalho e investimento), e o desenvolvimento virá com a distribuição equitativa dos resultados.

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