DEFICIÊNCIA MÚLTIPLA: DESAFIOS E POSSIBILIDADES NO PROCESSO DE REABILITAÇÃO SOB A ÓTICA DO EXERCÍCIO TRANSDISCIPLINAR

July 13, 2017 | Autor: F. De Souza Dias | Categoria: Direitos Fundamentais e Direitos Humanos, Deficiência Múltipla. Reabilitação.
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DEFICIÊNCIA MÚLTIPLA: DESAFIOS E POSSIBILIDADES NO PROCESSO DE REABILITAÇÃO SOB A ÓTICA DO EXERCÍCIO TRANSDISCIPLINAR

MULTIPLE DISABILITIES: CHALLENGES AND OPPORTUNITIES IN THE PROCESS OF REHABILITATION THE PERSPECTIVE OF EXERCISE TRANSDISCIPLINARY

Francine de Souza Dias Assistente Social na Associação Fluminense de Amparo aos Cegos – AFAC e na Associação de Pais e Amigos dos Deficientes da Audição – APADA Niterói. Michelle Costa de Castro Terapeuta Ocupacional na Associação Fluminense de Amparo aos Cegos – AFAC e na Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais – APAE Niterói. Aline Antunes da Costa Paes Fisioterapeuta na Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais – APAE Niterói. Regina Del Pino Psicóloga na Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais – APAE Niterói.

Endereço: Rua Professora Adelia Martins, 189-208 – Mutondo, SG – RJ. CEP. 24.452-150. Tel: (21) 8644-2654 – 9821-5821- 6990-2183 [email protected] [email protected] Autor de Referência: Francine de Souza Dias ([email protected])

II FININC 1

Este trabalho foi apresentado no II Fórum Internacional de Inclusão: Discutindo Autismo e Deficiência mú ltip la, no Rio de Janeiro, em 2013.

DEFICIÊNCIA MÚLTIPLA: DESAFIOS E POSSIBILIDADES NO PROCESSO DE REABILITAÇÃO SOB A ÓTICA DO EXERCÍCIO TRANSDISCIPLINAR

Resumo: Este trabalho tem por objetivo analisar os desafios do processo de reabilitação da pessoa com deficiência múltipla e da efetivação de seus direitos e participação social. Fundamenta-se especialmente na experiência de profissionais especialistas no atendimento do público em questão, sobretudo no que se refere à cegueira e à deficiência intelectual, atreladas a outro tipo de deficiência, e nos documentos legais que visam a garantia de seus direitos. Defende a mudança de cultura no âmbito do Estado, o enfrentamento do modelo biológico de reabilitação e a transformação do espaço público como principais alternativas para alcançar este objetivo. Esta pesquisa está correlacionada à reflexão sobre a finalidade das intervenções em reabilitação da pessoa com deficiência múltipla, bem como seus conceitos, a relação equipe- famíliapaciente e a dinâmica entre corpo,

funcionalidade

sociocomunitário.

Palavras-chave: Deficiência Múltipla. Reabilitação. Direitos.

e estética

no

espaço

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DEFICIÊNCIA MÚLTIPLA: DESAFIOS E POSSIBILIDADES NO PROCESSO DE REABILITAÇÃO SOB A ÓTICA DO EXERCÍCIO TRANSDISCIPLINAR Introdução

O atendimento de crianças, adolescentes e adultos com deficiência múltipla (DMU) é um constante desafio para os profissionais de saúde e reabilitação, que raramente dispõem de recursos suficientes para organizar o trabalho tal como se faz necessário à garantia de respostas às demandas de seus usuários. Aliados às dificuldades na manutenção de recursos, tem-se ainda os diferentes modelos de reabilitação e uma visão muitas vezes mecanicista desse processo, o que impede a visão da pessoa com DMU como um sujeito de direitos que pode e deve opinar e participar do seu tratamento como um sujeito ativo, não mais passivo, e do cotidiano familiar e comunitário, tendo seu poder de contribuição e decisão respeitados. São diversos os fatores sociais, econômicos, políticos, familiares e institucionais que influenciam diretamente no processo de tratamento da pessoa com DMU e de sua família, o que muitas vezes inviabiliza um trabalho de qualidade que possa alcançar, de fato, todas as suas potencialidades. No caso da DMU, sua representação nos espaços de participação e controle social se dá de forma muito reduzida, o que certamente reflete no planejamento de ações voltadas a este público em todas as suas especificidades. O desenvolvimento de estudos científicos também é pouco estimulado nas diversas áreas de formação, sendo este um debate construído muito timidamente em poucas instituições e universidades. Apesar destas e outras dificuldades é necessário a formação de propostas criativas ao enfrentamento das barreiras vivenciadas por estes sujeitos, para tanto, é preciso a união dos esforços entre a pessoa com deficiência, a fa mília, instituição, Estado e sociedade a fim de transformar o espaço público, a cidade e, sobretudo, a cultura hegemônica excludente alimentada pelo sistema vigente. Este trabalho tem por objetivo proporcionar a reflexão desses enfrentamentos na sua totalidade, sem a pretensão de esgotar o debate, mas sinalizando e propondo alternativas para os principais desafios no processo de reabilitação e participação social das pessoas com DMU.

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Tem como fundamentação teórica estudos de caso realizados com pacientes da Associação Fluminense de Amparo aos Cegos – AFAC, da Associação de Pais e Amigos dos Deficientes da Audição – APADA Niterói e da Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais – APAE Niterói, além das obras de Winnicott, Faleiros, Rocha e documentos do Ministério da Saúde, do Plano Viver sem Limites, a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e demais legislações brasileiras que versam sobre o assunto.

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I Reabilitação da Pessoa com Deficiência: Conceitos, Desafios e Organização do Trabalho

I.I Sobre o que é e para que(m) habilitar/reabilitar

Os termos habilitar/reabilitar são concebidos de diferentes formas pelos profissionais que atuam neste processo com pessoas com deficiência. Um dos conceitos mais recentes, presente nos instrutivos de reabilitação divulgados pelo Ministério da Saúde em 2012, traz a seguinte explicação:

“Habilitar é tornar hábil, no sentido da destreza/inteligência ou no da autorização legal. O “re” constitui prefixo latino que apresenta as noções básicas de voltar atrás, tornar ao que era. A questão que se coloca no plano do processo saúde/doença é se é possível “voltar atrás”, tornar ao que era. O sujeito é marcado por suas experiências; o entorno de fenômenos, relações e condições históricas e, neste sentido, sempre muda; então a noção de reabilitar é problemática. Na saúde, estaremos sempre desafiados a habilitar um novo sujeito a uma nova realidade biopsicossocial. Porém, existe o sentido estrito da volta a uma capacidade legal ou pré-existente e, por algum motivo, perdida, e nestes casos, o “re” se aplica.” (Instrutivo Deficiência Visual, 2012: 1)

A interpretação do conceito de adaptar a uma nova realidade ou tornar ao que era sofre diferentes influências se for considerado a visão de cada profissional na avaliação do caso, o tipo de modelo de habilitação/reabilitação preponderante na equipe de saúde, as condições familiares, comunitarias e as relações deste sujeito com o mundo, além da própria diversidade de interesses e/ou esforços na direção de determinado objetivo. O julgamento das capacidades de determinado sujeito ou de suas potencialidades mediante situações diversas, pode variar de acordo com a análise de diferentes fatores. O momento de avaliação deste indivíduo com os especialistas de saúde é muitas vezes determinante na sua maneira de enfrentar as limitações causadas pela sua deficiência e pelo meio ambiente. É muito comum o relato de famílias que ao chegarem em um novo centro de reabilitação a fim de iniciar novo estímulo para a pessoa com DMU, terem recebido de outros profissionais a informação de que esta não teria condições de evoluir no processo de reabilitação, que seu grau de funcionalidade não poderia avançar, ou mesmo que não há outros tratamentos, tecnologias e serviços que possam contribuir com o

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desenvolvimento das capacidades do sujeito e a melhoria na sua qualidade de vida e autonomia. Não raras as vezes este tipo de avaliação é realizada ainda na infância. O setor de Reabilitação, responsável por habilitar e/ou reabilitar pessoas com deficiência, embora tenha papel primordial no processo de inclusão social desses sujeitos, muitas vezes é protagonista de situações de segregação ou marginalização do usuário e sua família. É justamente neste ponto onde está situado um dos maiores desafios deste serviço. Assim como qualquer outro setor de atuação profissional, a Reabilitação deve ser considerada um espaço de conflitos e de interesses muitas vezes divergentes, onde o trabalho interdisciplinar surge como um grande desafio para toda a equipe. Entender a correlação de forças existente neste espaço e buscar construir meios alternativos e criativos para o processo de mudança no âmbito da reabilitação, bem como contextualizar o espaço institucional, a pessoa com deficiência e o desenvolvimento comunitário é fundamental no processo reabilitacional, tornando-se necessidade central para vencer os desafios que serão desenvolvidos a seguir.

I.II Trabalhando em equipe: a organização do trabalho em saúde e reabilitação

Os principais documentos que norteiam o serviço de reabilitação nas suas novas configurações são as Portarias: GM 793 de 24 de abril de 2012 e Portaria GM 835 de 25 de abril de 2012, além dos instrutivos por tipo de deficiência que estabelecem as diretrizes para a formação da rede de cuidados às pessoas com deficiência e a estrutura dos centros especializados de reabilitação – CER. No entanto, a rede de reabilitação no Brasil ainda é formada basicamente pelas instituições do terceiro setor. As ações e serviços de reabilitação são financiados, em suma, através de convênios e/ou contratos entre os órgãos responsáveis pela gestão das políticas de saúde e assistência social nas três esferas de governo e as instituições da sociedade civil. Esta verba tem por objetivo o pagamento e manutenção de equipamentos, confecção e fornecimento de órteses e próteses, além do salário dos profissionais envolvidos. As instituições de reabilitação de natureza não governamenta l apresentam grande dificuldade na captação destes recursos, a gestão municipal também, o que reflete

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diretamente na oferta dos serviços prestados à comunidade e no próprio estímulo ao desenvolvimento da formação dos profissionais que atuam nestes locais. Os desafios também são encontrados na organização do tempo de trabalho desta equipe. Normalmente os diversos profissionais dos centros de reabilitação atuam numa carga-horária socialmente dividida para a intervenção em cada caso, ou seja, numa carga horária de X horas, são compreendidos X atendimentos, independente das especificidades de cada caso, prevalecendo, apesar de todas as reconfigurações da política pública, a lógica de produtividade em nível quantitativo. Este é um fator de grande discussão entre as diferentes formações de equipes de saúde em reabilitação, sobretudo pelo grau de comprometimento de cada paciente, especialmente daqueles com DMU, considerando que cada sujeito necessita de determinado período de tempo para responder aos estímulos realizados em cada seção. Neste contexto, ainda que o profissional tenha uma visão biopsicossocial no seu modo de exercer a prática profissional, a condição em que esta acontece está vulnerável ao sistema econômico vigente. Atualmente, os CER possuem uma norma específica para a composição da equipe mínima, de acordo com cada tipo de deficiência a ser atendida, além dos serviços necessários em cada unidade. Este foi um grande avanço no sentido do reconhecimento dos profissionais envolvidos, já que nos primórdios o modelo médico de reabilitação ignorava

todas

estas

práticas

e

potencialidades

oportunizadas

através

do

acompanhamento com uma equipe multidisciplinar. A nomenclatura das equipes é outro fator de constante mudança e reflexão no âmbito da saúde, existindo diferentes abordagens sobre equipes multidisciplinares, interdisciplinares e, atualmente o de equipes transdisciplinares, o que para muitos representa uma evolução dos conceitos anteriores. Por equipe multidisciplinar entende-se um grupo de profissionais de diferentes especialidades que formam uma equipe e atuam cada qual na sua área de conhecimento, sem troca de informações ou estudo de caso, tampouco intervenção conjunta num mesmo objetivo socialmente construído com os demais profissionais, com o paciente e com a família.

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No caso da equipe interdisciplinar tem-se o mesmo formato de diferentes especialidades, no entanto, o objetivo do tratamento é construído e/ou discutido junto aos demais profissionais. No modelo transdisciplinar além do envolvimento da família e do paciente na organização do plano de intervenção de cada profissional, existe um diálogo que ultrapassa a discussão do caso e dos objetivos do tratamento em reabilitação, onde o saber de cada profissional é inserido no campo de atuação do outro, formando a construção de um novo modo de reabilitar mais abrangente, que busca, de fato, compreender todos os atores envolvidos na prática terapêutica. Independe do formato da equipe é consensual que uma das maiores dificuldades no processo reabilitacional é a aproximação dos profissionais com o cotidiano da pessoa com deficiência, a possibilidade de conhecer suas relações sócio-comunitárias e familiares, bem como as características destes espaços a fim de criar mecanismos criativos para o enfrentamento das barreiras existentes na vida cotidiana dos pacientes atendidos. Para construir possibilidades que dêem conta da dinâmica reabilitacional e das diversas demandas apresentadas através destes e de outros desafios, é urgente a reflexão sobre o tipo de trabalho realizado nos centros de reabilitação, a verdadeira proposta e objetivo institucional de cada unidade e, sobretudo a reorganização ou reorientação do trabalho em equipe a fim de possibilitar o alcance dessas metas. Sem repensar a intervenção profissional, não é possível obter qualquer transformação no processo de saúde e reabilitação.

II Pessoa, Família, Sociedade, Estado e Instituição: a Intervenção e m questão

II.I Sobre expectativas, objetivos e Possibilidades

Conforme sinalizado até aqui, a compreensão da totalidade do processo de habilitar/reabilitar não é apreendida por todos os envolvidos, e esta reflexão é fundamental para a efetivação de um modelo de reabilitação que vise o enfrentamento da abordagem tecnicista e biológica da deficiência. “Entender o significado da deficiência para cada caso torna-se o eixo do trabalho institucional; a resposta da

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instituição e suas estratégias, buscarão desvelar o sentido dessas questões.” (ROCHA, 2006: 96) Nesta relação existe uma série de expectativas, valores, culturas e objetivos envolvidos que raramente estarão em sintonia. E a pessoa com deficiência que representa o eixo central deste debate, nem sempre tem a oportunidade de externalizar seus anseios e/ou desejos neste processo. O espaço social ocupado pelo profissional de reabilitação é um espaço de correlação de forças onde tem-se a omissão do Estado no fornecimento dos recursos necessários para o processo reabilitacional e para a assistência às famílias, uma sociedade alienada e excludente que reproduz o preconceito e a discriminação dos diversos grupos sociais, uma família que é desprotegida mas muitas vezes também desprotege, que se vê enquanto vítima e enquanto culpada na assistência da pessoa com deficiência. Numa dinâmica polarizada por desresponsabilidades, fragilidade e vulnerabilidade diante do não saber agir com a realidade vivenciada, os profissionais de reabilitação ocupam este espaço social conflituoso e repleto de expectativas que nem eles mesmos são capazes de dar conta.

Da parte da instituição de reabilitação vem a promessa de esperança de mudança. No entanto, também há angústia por parte dos profissionais ao anotarem sua incapacidade em oferecer o que é pedido. Como reação, explicam que ou a patologia é muito grave e não há o que fazer, ou que a família não colaborou o suficiente, ou ainda que a sociedade não tem estrutura para esses casos. Enfim, saídas evasivas, em que o problema está fora, nunca dentro da instituição.

(ROCHA, 2006: 97)

Esse tipo de resposta é ainda mais comum quando se trata de uma pessoa com DMU. A dificuldade presente na avaliação do paciente e na organização do plano terapêutico, bem como na formação dos profissionais para trabalhar com demandas dessa natureza, resultam na negação de direitos e na segregação destes cidadãos, que muitas vezes não tem acesso ao tratamento adequado ou não tem todas as suas potencialidades exploradas devido a fragilização da formação e da capacitação dos profissionais de reabilitação e da própria organização do Estado que não prevê e não oferece meios para que seus direitos sejam garantidos.

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Transformar o processo reabilitacional em uma possibilidade de potencialização de ação, como já previa, em 1993, o projeto elaborado com base nas pontencialidades da pessoa, uma vivência que não fique apenas marcada pelas impossibilidades, mas sim pelas construções, elaborações e redefinições de um lugar existencial para além da trajédia da deficiência, é uma proposta de positivação da ação terapêutica.

(ROCHA, 2006: 103) Positivar a ação terapêutica é algo que depende primeiramente dos profissionais responsáveis pelas ações. Está ligado não somente ao que este sujeito/terapeuta acredita, defende e segue enquanto corrente terórica, mas sobretudo ao seu desejo de experimentar novas possibilidades e sua capacidade criativa de buscar meios alternativos que possam subsidiar o seu trabalho junto ao paciente, à família, à comunidade e dentro da própria instituição.

Trata-se da necessidade de deslocar o foco da intervenção de um corpo patológico e individual para um corpo relacional, singular em sua constituição, que prevê estar em uma determinada comunidade, cultural e historicamente contextualizada, com necessidades e possibilidades específicas. Assim, o processo de adoecimento, de instalação de uma deficiência e de determinadas incapacidades, bem como o de possibilidades de participação social e acesso a bens e equipamentos de ajuda também tem relações com esse contexto. A intervenção passa, portanto, a considerar esses aspectos e deve interagir com eles na direção do fortalecimento da emergência das potencialidades do sujeito. (ROCHA,

2006: 130)

A partir do momento em que o processo de intervenção em reabilitação transcende à simples intenção de recuperar uma função ou minimizar a lesão de determinado membro ou sentido, ele passa então a oportunizar a criação de estratégias que de fato possam contribuir com a verdadeira compreensão do sentido da prática terapêutica e do papel das instituições de reabilitação. Alcançar esta reflexão buscando entender a pessoa com deficiência múltipla como um ser social em desenvolvimento numa sociedade historicamente constituída é primordial para garantir o respeito às suas necessidades e a seu papel enq uanto membro de um grupo social. É a partir deste entendimento que será possível criar mecanismos para viabilizar e potencializar suas relações com o meio.

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II.I O corpo, o espaço ou o outro? Transformando o sentido da incapacidade

Apesar de algumas décadas de visibilidade e organização do movimento de pessoas com deficiência, ainda vivemos em uma sociedade limitada ao convívio com a diversidade. Essas dificuldades em lidar com o outro e conceber as diferentes formas de existência resultam na segregação, discriminação e preconceito com este e outros grupos sociais. O corpo com deficiência, seja ela física, intelectual ou sensorial não pode ser visto como um corpo individual. Quando concebido desta forma a intervenção reabilitacional é pontual, mecanicista, e não percebe este sujeito como parte de um todo, da mesma forma que a sociedade não o concebe como um sujeito de direitos, como um ser livre, com pensamentos, desejos, direito à participação, sobretudo porque não o percebe como parte deste meio. As desvantagens materializadas nas relações da pessoa com DMU com o outro e com o meio ambiente são alvo frequente de embates cotidianos onde as principais discussões estão na busca de uma justificativa e/ou responsabilização para a existência desta limitação, pelo seu cuidado ou pela garantia de acesso e exercício aos direitos. O conceito de funcionalidade da CIF (Código Intermacional de Funcionalidade) oportunizou o enfrentamento destes embates de maneira positivada para a pessoa com deficiência, já que o meio ambiente tornou-se eixo central de análise, sendo este determinante para o acesso da pessoa nos diversos espaços. A carga de culpabização da pessoa e da família foi diminuída, criou-se a possibilidade e responsabilzar e conscientizar a sociedade sobre a necessidade de respeitar e atender à diversidade. Podemos considerar um passo importante na mudança de cultura no que se refere aos direitos das pessoas com deficiência. “Assim, pode-se dizer que o deficiente, nessa concepção, é o portador de uma deficiência advinda de uma patologia, que enfrenta dificuldades decorrentes da mesma e que vive em uma sociedade que produz desvantagens e incapacidades.” (ROCHA, 2006: 130) No entanto, ao se tratar de pessoas DMU ainda são imensuraváveis os tabus, não somente sobre sua participação, mas sobre sua própria condição de responder sobre si próprio e se representar enquanto cidadão.

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É urgente a necessidade de se pensar a responsabilidade do Estado e da sociedade na promoção de oportunidades de desenvolvimento e participação para todos. O conceito de incapacidade está frequentemente mais relacionado à ausência de ações e de aceitação do outro do que das condições físicas ou patológicas que este apresenta. E considerando que tais ações são realizadas por um sociedade em determinado contexto histórico, polarizadas por padrões sociais baseados numa cultura hegemônica e excludente, este movimento torna-se ainda mais desafiador. É preciso entender o significado da deficiência no cotidiano da comunidade, da família e dos sujeitos buscando meios de positivar a diversidade, promover a transformação social por meio da participação de todos.

Entender, desvelar esse fenômeno é o que aqui estamos chamando de método genético da intervenção. Ou seja, a emergência dos sentidos que a deficiência tem para todos os envolvidos – deficientes, familiares, terapeutas e comunidade – e as possíveis elaborações desses significados deve ser a meta reabilitacional.

(ROCHA, 2006:

104)

Os centros de reabilitação tem papel fundamental neste processo, é preciso repensar o papel destas unidades não somente no que se refere ao plano terapeutico de intervenção, mas na sua responsabilidade enquanto instituição do governo e da sociedade civil no espaço público, na promoção de direitos e no estímulo ao controle e participação social. O trabalho em reabilitação precisa estar articulado à realidade de cada sujeito, caso contrário sua finalidade não será atendida. Não há como pensar um modelo biopsicossocial de reabilitação sem entender a relação da pessoa com deficiência como um sujeito social que faz parte de outros contextos além de uma sala de atendimento.

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Considerações Finais

Discutir a reabilitação de pessoas com deficiência, como foi possível observar, é analisar uma complexidade de fatores que vão muito além das paredes institucionais. Dimensionar este debate ao campo da deficiência múltipla é ainda mais complexo, já que esta análise é menos frequente em relação às demais abordagens possíveis. No entanto, faz-se necessário pensar alternativas para ampliar este debate tanto no meio acadêmico como nos demais espaços de participação profissional, pois somente a discussão e o estudo deste cenário poderá promover ou incentivar a criação de mecanismos para o enfrentamento de tantos desafios na prática reabilitacional. No que se refere à DMU, especificamente, romper os estigmas e tabus sobre as possibilidades de desenvolvimento e participação deste grupo é o primeiro passo na relação de respeito à dignidade destes sujeitos. No entanto, não é possível fomentar espaços de discussão no campo profissional e acadêmico sem participar a sociedade deste processo. É preciso expandir estas ações e reflexões para a comunidade, entendendo que é no cotidiano em que as relações são formadas e aonde se constroem todo o processo de marginalização, segregação ou participação de cada cidadão. Entender a significação da deficiência para cada sujeito ou grupo envolvido é fundamental neste processo, pois a partir desta análise é possível refletir e encontrar alternativas para positivar este processo de maneira favorável à pessoa com deficiência múltipla.

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Referencias Bibliográficas

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