DEFINIÇÃO PARTICIPATIVA DE ROTAS DE FUGA EM CASO DE MOVIMENTO DE MASSA NO BAIRRO DO BRITADOR – CAMPOS DO JORDÃO – SP

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DEFINIÇÃO PARTICIPATIVA DE ROTAS DE FUGA EM CASO DE MOVIMENTO DE MASSA NO BAIRRO DO BRITADOR – CAMPOS DO JORDÃO – SP Michael Ademilson Santos da Silva Faculdade de Tecnologia Professor Jessen Vidal - São José dos Campos

Débora Olivato Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (CEMADEN)

Victor Marchezini Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (CEMADEN)

Irineu de Brito Jr. Faculdade de Tecnologia Professor Jessen Vidal - São José dos Campos Programa de Pós Graduação em Engenharia de Sistemas Logísticos, Escola Politécnica da USP RESUMO Em desastres relacionados a deslizamentos, a população nem sempre está preparada para uma evacuação emergencial, tampouco os órgãos governamentais para fornecer assistência aos desabrigados e desalojados. Diante desse contexto, torna-se indispensável a construção de capacidades locais dos órgãos públicos e comunidades residentes em áreas de risco. Este trabalho aplica uma metodologia que utiliza conceitos das Ciências Humanas e da Engenharia para a definição participativa e dimensionamento de rotas de fuga, em caso de movimentos de massa, favorecendo o processo de preparação e resposta a um desastre. A metodologia foi aplicada no Bairro Britador, no município de Campos do Jordão–SP, que possui um histórico de eventos de escorregamento de terra com destruição de grande número de residências e com vítimas fatais. Os resultados mostraram que a participação da comunidade proporciona melhorias qualitativas nos planos da Defesa Civil. ABSTRACT In landslides, the population isn’t always prepared for an emergency evacuation, either the government agencies to provide assistance to homeless and displaced people. In this context, it is essential to build local capacity of public organizations and communities living in risk areas. This article applies a methodology that uses concepts of Human Sciences and Engineering for participatory definition and design of evacuation routes in case of mass movements, supporting the process of preparation and response to a disaster. The methodology was applied in a slum called Britador, in Campos do Jordao - SP city, which has a historic of landslides events with fatalities and destruction of many houses. The results showed that community participation provides qualitative improvements in civil defense plans.

1. INTRODUÇÃO Nos últimos anos tem-se percebido um aumento no número de ocorrências de desastres associados a deslizamentos, inundações, enxurradas e estiagens. Desastre é definido como resultado de eventos adversos, naturais ou provocados pelo homem, sobre um ecossistema (vulnerável), causando danos humanos, materiais e/ou ambientais e consequentes prejuízos econômicos e sociais (Castro, 1998). A construção social do risco de desastre deve-se, principalmente, ao aumento da população, a ocupação desordenada e ao intenso processo de urbanização e industrialização (Masato Kobiyama et al., 2006) sobre áreas suscetíveis a inundações e deslizamentos. Em outras palavras, as ameaças (chuvas, secas) podem ser fenômenos naturais, mas os desastres não (Valencio et al., 2005; Marchezini, 2014). O município de Campos do Jordão–SP possui um histórico de acidentes de natureza geológica associados, principalmente, a escorregamentos das encostas. Segundo o Instituto Geológico (IG-SMA, 2013), com bases em dados da Defesa Civil Estadual, entre 1999 e 2013, foram 38 ocorrências com acionamento desse órgão, em sua maioria associadas aos deslizamentos. Desses eventos, destaca-se o desastre de janeiro de 2000, no qual foram registrados 8 óbitos e 1840 desabrigados devido aos deslizamentos em diversos bairros, dentre os quais o Bairro do Britador.

O Bairro do Britador compreende uma extensa porção de encosta de morro, cuja vertente, ocupada, predominantemente, por população de baixa renda, está voltada para o Córrego do Capivari, na porção central da cidade. O Bairro do Britador sofreu grande interferência antrópica devido à implantação desordenada na área, na década de 1920, da denominada “Pedreira do Britador”, que funcionou entre 1928 e 1976 (Carvalho, 2003). A partir de 1970, a área foi ocupada por processos de invasão, sofrendo adensamento populacional nos últimos anos, devido a proximidade com o centro comercial da cidade. Segundo relatos obtidos durante a pesquisa de campo, na década de 1970, os moradores iniciaram a ocupação ainda com a pedreira em atividade, convivendo com as detonações para o processo de lavra. Durante esse longo processo de ocupação da área, primeiramente devido a exploração da pedreira e, em seguida, para provimento de moradia próxima ao centro comercial, que provê oportunidades de geração de trabalho e renda, produziram-se espacialmente as denominadas áreas consideradas de risco. Segundo relatório do Instituto Geológico (IG), o Morro do Britador contém 7 setores de risco de escorregamentos, com um quantitativo de 343 moradias e 1.372 pessoas (2,8% da população do município). Desses setores, 3 apresentam risco muito alto e 4 apresentam risco alto (Santoro et al., 2015). A Figura 1 mostra as principais áreas de riscos e suas respectivas nomenclaturas: as áreas demarcadas com a cor vermelha são as de maiores riscos, seguindo-se das áreas nas cores laranja, amarelo e, por último, as áreas delimitadas na cor verde com menor grau de risco.

Figura 1: Região do Morro do Britador com as áreas de riscos destacadas Fonte: Acervo do IG-SMA (2013)

Devido ao adensamento populacional e a existência de diversos setores de risco, o Bairro do Britador foi selecionado para a organização de um simulado de evacuação de área em caso de movimento de massa. O simulado, organizado em dezembro de 2015 pelas Defesa Civil Estadual e Municipal, contou com participação de diversos órgãos públicos e mais 400 moradores. Nessa atividade de preparação voltada à resposta em desastres, foi elaborada, pelos órgãos da Defesa Civil, uma rota de fuga para ajudar os moradores a evacuarem a área o mais rápido possível. Entretanto, a definição foi baseada somente no conhecimento do corpo técnico da Defesa Civil, sem considerar os pontos de vista dos moradores, que são os principais interessados em definir, conhecer e planejar suas rotas de fuga. Em desastres, os moradores são os primeiros a socorrerem-se e protegerem-se, como ocorrido durante os deslizamentos no Morro do Baú, em Ilhota/SC, em 2009 (Marchezini, 2014), e durante as inundações de janeiro de 2010, em São Luiz do Paraitinga/SP, quando os moradores, praticantes de rafting, realizaram mais de 800 salvamentos (Marchezini, 2015). O presente artigo tem como objetivo apresentar os resultados de uma metodologia para a definição participativa de rotas de fuga, em caso de movimentos de massa e com consequente melhoria em planos e mapas estabelecidos pela Defesa Civil. A metodologia foi aplicada por meio de oficinas participativas, que permitiram avaliar e aprimorar as rotas de fuga para evacuação em caso de um deslizamento de terra no Bairro do Britador, em Campos do Jordão–SP. Através do conhecimento das Ciências Humanas, utilizou-se a cartografia social para obter informações sobre os caminhos utilizados pelos moradores no cotidiano e, possivelmente, utilizados em caso de evacuação. Através desse mapa social, construído em conjunto com a comunidade, pôde-se identificar as rotas possíveis para evacuação, registrar as restrições dos caminhos e otimizar, ao máximo, a rota de fuga para evacuação do local. Através da Engenharia, avaliou-se tecnicamente as condições dessas rotas para verificação da capacidade em atender a população em caso de emergência. Por meio deste trabalho interdisciplinar pôde-se aprimorar o processo da logística humanitária na preparação para resposta a um desastre. Ao final do artigo são propostas ações e melhorias para que os órgãos municipais de planejamento e da Defesa Civil integrem suas políticas públicas com o objetivo de melhorar as condições das rotas de fuga. É importante ressaltar que planos de preparação e resposta a emergências bem concebidos não apenas salvam vidas e propriedades, mas também contribuem, frequentemente, para a capacidade local de gerir os riscos de desastres (Valdés, 2012). 2. METODOLOGIA A fim de criar uma rota de fuga com a participação da comunidade local no Bairro do Britador, em Campos do Jordão – SP, o desenvolvimento do trabalho envolveu a Cartografia Social (Olivato, 2013). Para que fosse possível obter sucesso no método, foi preciso, além de envolver os moradores do bairro, obter um mapa ou uma imagem de satélite detalhado e nítido. Sendo que a imagem, que fora utilizada, foi cedida pelo Instituto Geológico (IG), através do “Mapeamento de riscos associados a escorregamentos, inundações, erosão e solapamento de margens de drenagem” (IG, 2013). Com o intuito de criar um estudo de evacuação para o local, para a definição de alguns pontos seguros para servir de referência, foi levado em consideração o estudo feito por Zhang et al. (2015), onde são destacados alguns nós seguros para a população, ou seja, aquele em que não há risco de deslizamento e/ou inundações.

Para otimizar as rotas de fuga foi preciso fazer um estudo de fluxo de pessoas. O principal referencial utilizado nessa etapa da pesquisa foi o trabalho desenvolvido por Nelson e Mowrer (2002), que detalha o fluxo de pessoas através da largura dos corredores, densidade populacional e velocidade das pessoas. 3. CARTOGRAFIA SOCIAL Uma das metodologias utilizadas para apoiar o trabalho de dimensionamento da rota de fuga do Bairro do Britador foi a cartografia social. Esta metodologia está no rol das atividades de planejamento participativo, em especial, da fase de diagnóstico local. É uma atividade estruturada que auxilia no diálogo entre as pessoas da comunidade, representantes de instituições públicas e pesquisadores, permitindo fazer uma reflexão das potencialidades e das fragilidades do lugar onde a comunidade vive. Um princípio básico desta metodologia é ouvir e registrar, numa base cartográfica (mapa, imagem de satélite, croqui etc.), as informações dos moradores de uma determinada localidade, pois eles vivem (residem, estudam, trabalham) num determinado lugar, desenvolvem um conhecimento empírico da dinâmica espacial (social, econômica, natural etc.), além de percepções, anseios e receios, expectativas etc., estimuladas pela vivência cotidiana e por outros fatores, tais como: psicológico, intelectual, físico, cultural, histórico etc. (Olivato, 2013; Olivato e Trajber, 2015). A cartografia social é usada para objetivos bem diversos, tais como: legalização de terras públicas, posse legal da terra, melhorias habitacionais, publicização de fenômenos e/ou situações de vida, divulgação de serviços, infraestrutura e/ou cultura de um determinado lugar/povoação etc. (Gorayeb e Meireles, 2014). A metodologia pode apresentar grandes potencialidades para outras áreas como gestão de riscos de desastres, logística humanitária etc. Segundo Olivato e Trajber (2015) e Carpi Jr (2013), o trabalho de cartografia social sobre percepção de riscos ambientais junto aos representantes da comunidade deve ser pressentido de uma revisão simplificada dos conceitos - de risco, perigo, ameaça, prevenção de riscos etc. - e dos principais elementos cartográficos para nivelar o conhecimento sobre os assuntos. Para a realização dessa atividade os integrantes da comunidade e/ou representantes de associação de bairro são reunidos em locais de fácil acesso como, por exemplo, escolas, centros comunitários para conversar sobre os elementos e as áreas de riscos ambientais do entorno, e também as estratégias de prevenção de desastres. (Olivato e Trajber, 2015). Para a realização da oficina de cartografia social com a comunidade é necessária uma base cartográfica em escala de detalhe (1:1.500), podendo ser uma imagem de satélite, mapa topográfico, carta de ruas, ou croqui. Para esta pesquisa foi utilizada uma imagem de satélite em escala 1:1673, impressa em A2. Utilizou-se também material de escritório (canetas coloridas, adesivos, lápis, régua e plástico para forrar o mapa). Participaram da oficina, aproximadamente, 12 moradores, com perfil predominante de mulheres entre 14 e 50 anos, além de um líder da comunidade. O evento foi acompanhado por um vereador, pelo coordenador municipal e um agente da Defesa Civil. Da equipe de pesquisadores havia dois profissionais de logística, dois geógrafos e um cientista social. Inicialmente, a oficina estava prevista para ocorrer na capela da igreja católica existente no bairro, entretanto, antes do início da atividade, alguns moradores não adentraram por

convicções religiosas e, por isso, foi sugerido que a oficina ocorresse fora da capela para que todos participassem. Assim sendo, bancos e mesas foram colocados no lado externo. Alguns moradores levaram também seus filhos, que participaram de uma oficina de desenhos sobre os riscos de desastres no bairro, conduzida por um dos integrantes da equipe de pesquisa. As crianças apresentaram informações relevantes sobre a área de estudo, que será relatada em futuras publicações. Para facilitar o alcance dos objetivos do trabalho, os participantes/moradores foram reunidos em volta do mapa para realizar as seguintes atividades, divididas em seis etapas: 1ª. Localização dos principais pontos de referência locais (escola, igrejas, bares, mercados, rio, etc) e suas respectivas residências, com o intuito de facilitar a localização dos outros pontos necessários. 2ª. Identificação dos riscos percebidos no bairro e desenho da área de abrangência. 3ª. Identificação de grupos vulneráveis, como: creche, asilo, casas de pessoas com deficiência ou idosos. 4ª. Definição e desenho no mapa de um local considerado seguro, com a justificativa sobre o porquê da escolha daquele local. 5ª. Delimitação da rota de fuga desde a residência até o local seguro, e também a rota dos grupos vulneráveis até o local seguro. Além disso, foi sugerido que destacassem no mapa possíveis rotas (escadas, vielas e trilhas) alternativas. 6ª. Observação do mapa oficial da rota de fuga para escorregamento de terra na área do Morro do Britador, elaborado pela Defesa Civil Municipal, para empoderamento e validação das informações e possíveis complementações (vide Figura 2).

Figura 2: Validação e complementação da rota de fuga elaborada pela Defesa Civil Fonte: Autores. Data: 16/04/2016 3.1. Resultados da oficina de cartografia social A oficina de cartografia social promoveu um amplo espaço de diálogo entre moradores do Bairro do Britador, representantes do Sistema de Proteção e da Defesa Civil (COMDEC e CEMADEN), pesquisadores de universidades. Como resultado, foi gerado um mapa temático de percepção de riscos socioambientais, locais seguros, rotas/caminhos que a comunidade utiliza cotidianamente, além de um conjunto de sugestões para a rota de fuga oficial. Também foram identificados habitantes com dificuldades de locomoção e suas moradias. Na Figura 3 é possível visualizar um exemplo de mapa temático elaborado em conjunto com a comunidade.

Figura 3: Exemplo de imagem do mapa do Bairro do Britador, com as possíveis rotas, áreas de riscos, grupos vulneráveis e nós seguros destacados pela população. Fonte: Autores. Data 16/04/2016 Os moradores levantaram muitas demandas em relação a prevenção de riscos, destacando a fragilidade da infraestrutura básica local (água, esgoto, locomoção e segurança). Em relação à mobilidade no bairro, apresentaram rotas/caminhos que a comunidade utiliza cotidianamente e discutiram sobre as possibilidades de usá-los em caso de emergência. Um dos pontos destacados pelo grupo foi a escadaria principal do bairro, de passagem única, estreita e sem corrimão. Os moradores que residem acima da escadaria afirmaram que a mesma seria o melhor meio para evacuar a área. Mediante tal situação foi preciso verificar as condições dessa passagem cuja largura é de 1m e inclinação de 32°. A estreiteza e a irregularidade dos degraus (alguns quebrados e lisos diante de chuvas intensas), comprometem a mobilidade diante de um risco iminente de deslizamento. O “escadão” faz uma ligação entre a área A4S1R3esc (vide Figura 1) até a parte baixa do bairro. Aproximadamente 172 moradores tenderiam a utilizar essa passagem em uma eventual evacuação. Nesse local residem, pelo menos, duas pessoas com dificuldade de locomoção, o que demandaria uma operação especial para tal situação. Outro ponto abordado durante o diálogo com os moradores foi que, após o deslizamento de terra, em janeiro de 2000, aproximadamente, 41 famílias ainda estão sem suprimento de água e são abastecidas através de caminhão-pipa. A coleta de lixo no bairro também foi outro ponto observado, pois o lixo é depositado em um único local no bairro e, muitas vezes, acumula-se em grandes quantidades, gerando problemas de passagem e de saúde. A melhoria da infraestrutura do “escadão” também foi uma prioridade levantada, pois é uma via utilizada frequentemente no bairro, além de ser uma possível rota de fuga diante do risco de desastres. Através da metodologia da cartografia social, foi detectado que o maior gargalo da rota de fuga é justamente a escadaria principal, pois é a opção de passagem mais visada pelos moradores em uma situação de evacuação. Nas próximas etapas deste artigo será verificado se

realmente a escadaria suporta essa quantidade de pessoas em um curto espaço de tempo. Para essa análise serão utilizadas metodologias de fluxo de pessoas em escadas. 4. DIMENSIONAMENTO DA ROTA DE FUGA Os desastres exigem que a população esteja preparada para atuação num momento de emergência (Huang e Wu, 2011). O planejamento das rotas de fuga torna-se essencial para que os integrantes das comunidades evacuem a área e cheguem com segurança aos abrigos (Zhang et al., 2014). E também para que equipes de emergência sejam capazes de orientar e mover os afetados para um local seguro no menor tempo possível (Zhou et al., 2010). O princípio geral dos modelos de evacuação propostos na literatura é que o projeto das rotas de evacuação influencia diretamente a eficiência do plano de evacuação. (Huang e Wu, 2011). Devido ao pequeno número de pesquisas sobre o tema, não foi identificado um modelo estabelecido como padrão para dimensionamento e verificação de rotas de fuga de locais com grande risco de deslizamento de terra. Artigos sobre evacuação em escadas, em caso de incêndios em edifícios, foram utilizados para referenciar este trabalho. Aspectos referentes à geometria, em especial largura e inclinação das vias, permitem a verificação da quantidade de pessoas que podem passar pela via em um certo período de tempo. A largura é um fator de influência relevante em uma evacuação e determina o tempo de evacuação diretamente, porque quanto mais larga a via for, maior será sua capacidade para transportar pedestres (Osman e Ram, 2013). Também foram identificados na literatura (Gwynne e Rosenbaum, 2008; Peacock et al., 2012) que a largura da escada, a geometria da escada e a distância total percorrida influenciam no fluxo de pessoas em escadas. Peacock et al. (2012) estabelece também tempos entre a ordem para evacuar e o início de evacuação. Esses valores são de 137 segundos para a melhor condição, 171 segundos para uma condição intermediária e 224 segundos na pior condição. Nelson e Mowrer (2002) também destacam como fatores chaves para uma evacuação: densidade populacional (ocupantes / m2); velocidade (m / s); largura da porta (corredor ou rampa (m)); e vazão específica (ocupantes / m / s). Segundo os autores, de maneira similar a conceitos de Engenharia de Tráfego, em uma evacuação a velocidade de um indivíduo depende da densidade de população. Por sua vez, a densidade da população e a velocidade que a população está caminhando determinam a taxa de fluxo. 5. O ESTUDO DE CASO Na comunidade onde foi feito o estudo, as vias consideradas em caso de uma evacuação de pessoas não são restritas somente as ruas oficialmente mapeadas, mas também algumas vielas, trilhas e escadas relatadas durante a oficina de cartografia social. Muitas dessas vias não são visualizadas em documentos e mapas oficiais utilizados pela Defesa Civil, dessa forma, este estudo aborda o fluxo de pessoas em uma eventual evacuação, no caso de um potencial deslizamento de terra, utilizando essas vias, após um eventual alerta emitido pela Defesa Civil do município, através de SMS enviados aos líderes da comunidade ou alertas sonoros. O caso avaliado foi a escadaria principal do bairro (“escadão”), detectada na oficina de cartografia social como uma rota de fuga utilizada pelos moradores (visualizado na Figura 4) e não identificada nos planos da Defesa Civil. A quantidade de pessoas que pode vir a evacuar a área através dessa escadaria é de, aproximadamente, 172. Para definir o melhor meio de realizar a evacuação, primeiramente, é necessário, analiticamente, avaliar o fluxo pelo local.

Figura 4: Imagens da escadaria principal do bairro Fonte: Autores. Data: 16/04/2016 Através dos dados obtidos por Pauls (1983), Nelson e Mowrer (2002) desenvolveram correlações, baseadas na ideia de que a velocidade do fluxo de evacuação de um grupo em escadas é resultado direto da densidade de ocupação dessa escada. Nesses casos, quando a densidade populacional é menor do que 0,54 pessoas/m2, as pessoas podem se mover com sua própria velocidade, sem serem afetadas pelo movimento das outras (fluxo livre). No entanto, uma densidade maior do que 3,8 pessoas/m2 proporcionaria congestionamento na locomoção desses indivíduos (Nelson e Mowrer, 2002). Através dessa análise definiram um modelo linear dado por: S= k – akD (1) Onde: S: velocidade (m / s) ao longo da linha de deslocamento; D: densidade (pessoas / m2); a: constante igual a 0,266 quando velocidade e densidade são em unidades métricas; k: constante com base nas dimensões espelho do degrau e do piso. Com base na equação da velocidade, Nelson e Mowrer (2002) desenvolveram a correlação para o fluxo específico de pessoas passando na rota de saída (escada) por unidade de tempo, por unidade de largura efetiva em função da velocidade e da densidade. Esta correlação é dada por: Fs = S x D (2) Onde: Fs: Fluxo específico de pessoas / s / m de largura eficaz; S: velocidade de movimento (m / s); obtido através da equação (1); D: densidade (pessoas / m2). A taxa de fluxo é, então, calculada em função do fluxo específico e da largura da escada: Fc = Fs We Onde: Fc: Taxa de fluxo (pessoas / s); Fs: Fluxo específico de pessoas / s / m de largura eficaz; We: Largura efetiva (m).

(3)

Para a escada em estudo a largura efetiva considerada foi de 1m, o piso dos degraus é de 25cm e o espelho de 19cm e, segundo Nelson e Mowrer (2002), constante k igual a 1. 5.1. Resultados Os resultados foram obtidos de acordo com a densidade, a partir da aplicação das equações (2) e (3), e mostram uma função dessa densidade de ocupação da escada em relação a quantidade de pessoas evacuadas por segundo. A Figura 5 apresenta essa relação. Fc

Pessoas evacuadas por segundo (Fc) 1 0,9

0,8 0,7 0,6 0,5 0,4

0,3 0,2 0,1 0

0

0,5

1

1,5

2

2,5

3

3,5

4

Densidade (pessoas / m2)

Figura 5: Relação Densidade x Pessoas evacuadas por segundo através da escada. Um fator de correção foi estabelecido, pois os estudos de Nelson e Mowrer (2002) foram realizados em condições de incêndio em edifícios com escadas cobertas, regulares e com corrimão. Essas condições são diferentes das apresentadas na escadaria do Bairro do Britador durante uma eventual evacuação. O fator foi estabelecido com base em medições de campo, onde um dos pesquisadores, em plenas condições físicas, realizou o deslocamento em condições de fluxo livre, tempo seco e luz do dia. Através do tempo médio obtido foi calculada a velocidade e comparada com os resultados teóricos obtidos, através do método de Nelson e Mowrer (2002) sob as mesmas condições. Esse tempo obtido foi de 101 segundos para deslocamento, que proporcionou uma velocidade de 0,46 m/s e um fator de correção igual a 0,53. O tempo total para a evacuação das 172 pessoas foi calculado levando-se em consideração os seguintes parâmetros:  Tempo de início de evacuação (conforme Peacock et al., 2012).  Velocidade de movimento (calculada conforme Equação 1) e fator de correção.  Densidade e taxa de evacuação (obtidas a partir da Figura 5).  Tempo de evacuação (razão do total de pessoas e taxa de evacuação = 172 / Fc).  Tempo para que a última pessoa adentrar na escada realize o deslocamento (54 / velocidade). Os resultados foram avaliados em 4 situações e estão descritos na tabela 1:  Condição ótima de evacuação.  Condição em que as pessoas possam se deslocar sem interferência de outras (fluxo livre).  Na densidade em que o valor de Fc é semelhante a condição de fluxo livre.  Na condição de densidade próxima ao limite de congestionamento.

Tabela 1: Tempo total de evacuação conforme condição. Parâmetro Início de evacuação (s) Densidade (pessoas/m2) Velocidade (m/s) Taxa de evacuação (pessoas/s) Tempo de evacuação (s) Última pessoa realize o deslocamento (s) Tempo para evacuação completa (s)

Condição Fc semelhante Próxima ao Fluxo livre ao fluxo livre congestionamento

Ótima 137

171

171

224

1,9

0,54

3,2

3,6

0,94

0,46

0,48

0,15

0,26

0,46

0,08

0,02

183

372

361

1127

204

118

679

2382

524

661

1211

3733

Convém ressaltar que condição ótima representa uma condição ideal de densidade populacional ocupando a escada, o que, muitas vezes, em uma situação de evacuação, passa a ser irreal. Especialmente em deslizamentos de terra, existe a possibilidade de evacuação durante a ocorrência de chuva, que geram enxurradas na escadaria; no período noturno, diante da pouca iluminação existente na área; fluxo de pessoas seguindo uma rota sem corrimão e que só permite uma “fila indiana”; pessoas acompanhadas de criança; além de idosos. Outras situações como, condições sociais, físicas e mentais das pessoas também podem influenciar o dimensionamento de uma eventual evacuação (Cutter et al., 2000). A forma de disseminação do alerta também compromete a evacuação, tanto em questões de agilidade e prontidão para evacuar, assim como o comportamento das pessoas a serem evacuadas (Zhang et al., 2013). Deslizamento de terra é um desastre de início súbito e, consequentemente, o tempo entre a emissão do alerta e a ocorrência do evento é bastante curto, algumas vezes apenas minutos (Carter, 2008). Ao considerarmos que, em uma melhor situação hipotética, a evacuação pela escadaria levaria pouco menos de 9 minutos, podemos considerar que em uma situação real esse tempo seria maior. Em uma condição extrema, em que muitas pessoas dirigem-se à escada simultaneamente e a densidade fica próxima ao congestionamento, esse tempo seria cerca de 62 minutos, que é elevado para situações como essa. Os resultados mostram que a evacuação somente pela escadaria é demasiadamente arriscada para a população local. Melhorias nas condições do local possibilitaria aprimorar essa evacuação. Essas melhorias consistem, primeiramente, no fator segurança, pois a falta de um corrimão resulta em um fluxo mais lento e com riscos de acidentes como quedas; aprimoramento das condições de iluminação; melhorias nos degraus, pois são irregulares. A manutenção e a limpeza promovem o aumento na largura efetiva da escadaria e consequente incremento na capacidade de evacuação. A utilização de outras vias para a evacuação também é recomendada, especialmente, para pessoas com dificuldades de mobilidade. 6. CONSIDERAÇÕES FINAIS A realização da oficina de cartografia social com os moradores revelou que esses possuem informações relevantes sobre o lugar em que vivem, que podem colaborar para o planejamento dos sistemas de alerta e de rotas de fuga. A associação das informações

empíricas da comunidade, em conjunto com conhecimento técnico e expertise da Defesa Civil e das instituições científicas, pode ser um caminho para o planejamento e aumento da capacidade local de gestão de risco de desastres. A diminuição da vulnerabilidade na gestão de riscos ambientais é possível, mas só será eficaz se a comunidade estiver empoderada e envolvida no processo (Veyret, 2007), sendo a cartografia social uma metodologia capaz de ensejá-lo. O tempo entre a emissão de um alerta de deslizamento de terra e o real acontecimento do evento é muito curto, por isso é necessário construir um plano participativo de evacuação do possível local afetado, incluindo rotas de fuga definidas em conjunto com a população. Este artigo trouxe uma metodologia para esse aspecto, a partir de uma aplicação prática para o Bairro do Britador, em Campos do JordãoSP, município que apresenta inúmeras áreas sujeitas a deslizamentos. O estudo pode subsidiar políticas da Defesa Civil local, dando ênfase à rota mais crítica identificada durante o estudo. Por se tratar de uma escadaria, foi utilizado a metodologia de fluxo de pessoas em escadas de edifícios, adaptando-se, através de um fator de correção, para a situação e o ambiente local. Foi possível identificar que a capacidade da rota e a velocidade do fluxo de pessoas estão diretamente ligadas a largura do caminho e a densidade populacional no local. Recomendações podem ser estabelecidas em dois aspectos, um técnico e outro orientativo/comportamental. No tocante a recomendações técnicas seriam a melhoria das condições das rotas que a população apresentou, como a escadaria, a iluminação, instalação de corrimão e manutenção do local, proporcionando facilidades para quem utilizasse essa via durante a evacuação com consequentes melhorias na velocidade. No aspecto comportamental, a orientação da população sobre como utilizar a escada, procurando evitar excesso de pessoas, assim como a orientação para utilizar também outras vias relacionadas nas rotas de fuga do planejamento da Defesa Civil, principalmente por pessoas com dificuldade de locomoção. Nesse sentido o artigo buscou contribuir com o plano de evacuação do Bairro do Britador, alertando os órgãos responsáveis sobre melhorias na execução da evacuação ou até mesmo na estrutura física da escadaria que foi tida como o maior gargalo durante a pesquisa. Melhorias neste trabalho estão previstas, principalmente, no tocante ao fator de correção, através de medições sob diferentes condições de densidade populacional e ambiente de evacuação. Agradecimentos A Wander Firmino Vieira, coordenador da Defesa Civil de Campos do Jordão e à comunidade do Morro do Britador, pelo apoio nas pesquisas de campo. A Humberto Gallo Junior, pelas fotos no dia do evento. Ao IG, pelas imagens de satélite e materiais de apoio fornecidos. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS Carvalho, M.L.F. de O. (2003) Percepção Ambiental e Caracterização do Impacto Ambiental: O caso do bairro Britador em Campos do Jordão. Dissertação (Mestrado). Universidade de Taubaté- Unitau-SP. Carpi Jr. S. (2012) Identificação de riscos ambientais e proteção da água: uma aproximação necessária. (Org.) Lima-Guimarães, S.T et al. Gestão de áreas de riscos e desastres ambientais. Rio Claro: IGCE/UNESP/Rio Claro, 2012 p. 32 – 59 Carter, W. N. (2008) Disaster Management: A Disaster Manager’s Handbook. (2o ed). Asian Development Bank, Mandaluyong City. Castro, A. L. C. (1998) Glossário de defesa civil: estudo de riscos e medicina de desastres. Brasília: MPO/Departamento de Defesa Civil, 1998. 283 p. Cutter, S. L., Mitchell, J. T., e Scott, M. S. (2000) Revealing the Vulnerability of People and Places: A Case Study of Georgetown County, South Carolina. Annals of the Association of American Geographers, 90(4), 713–737.

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