“Del fascista al presidente rojo”: as mudanças da imagem de Lázaro Cárdenas na imprensa comunista mexicana

July 5, 2017 | Autor: Fábio Sousa | Categoria: Mexico, Comunismo, Imprensa
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Anais do XI Encontro Internacional da ANPHLAC 2014 – Niterói – Rio de Janeiro ISNB 978-85-66056-01-3

“Del fascista al presidente rojo”: as mudanças da imagem de Lázaro Cárdenas na imprensa comunista mexicana Fábio da Silva Sousa*

Introdução

Em seu estudo clássico sobre o marxismo latino-americano, Michael Löwy sentenciou que o Partido Comunista Mexicano (PCM), enquadrou o início do regime presidencial do Gen. Lázaro Cárdenas, em 1934, como um governo “nacional-fascista”.1 Contudo, essa leitura realizada pelo PCM não ficou estática no tempo e alterou-se na segunda metade da década de 1930. Lázaro Cárdenas del Río nasceu em Jiquilpan de Juárez, Michoacán, México, em 21 de maio de 1895. Participou do período armado da Revolução Mexicana (1910-1920), onde foi nomeado coronel em 1915. Governou Michoacán, entre os anos de 1928 a 1932, foi presidente do Partido Nacional Revolucionario (PNR) em 1930, um ano depois, tornou-se secretário de governo, e em 1933, secretário de Guerra e da Marinha. Foi eleito presidente mexicano em 1934 e exerceu o cargo até 1940. Com o estouro da Segunda Grande Guerra, foi nomeado comandante das forças militares mexicanas da costa do Pacifico e foi secretário de Defesa Nacional, entre os anos de 1942 a 1945. Em 1955, recebeu da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS) o Prêmio Lenin da Paz. Faleceu na Cidade do México, em 19 de outubro de 1970, e no dia 20 de novembro do mesmo ano, no 60ª aniversário da Revolução Mexicana, seus restos mortais foram sepultados no Monumento à Revolução, localizado na Cidade do México. O sexênio presidencial de Cárdenas, indubitavelmente, foi um dos períodos mais significativos da história mexicana após o período revolucionário. Para diversos autores, os anos de 1934 até 1940 representaram a consolidação dos ideais da Revolução Mexicana. O conflito político com Plutarco Elias Calles, o processo de modernização, a nacionalização do 1

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petróleo, a reforma agrária, o apoio aos republicanos na Guerra Civil Espanhola, são alguns exemplos dos fatores positivos que serviram de base para a interpretação, de que com Cárdenas, a Revolução Mexicana havia cumprido o seu papel. Dentre esses autores, destacamos a análise de Hans Werner Tobler, que sintetizou os argumentos dessa interpretação do período cardenista. Segundo Enrique Semo: Para Tobler, las reformas introducidas por el general Cárdenas sintetizan todas las demandas populares de la Revolución, pero su precio fue la subordinación de las organizaciones sociales al Estado, que debía jugar el papel de árbitro y tenía la última palabra en todos los conflictos.2

A vitória presidencial de Cárdenas, também trouxe mudanças para o PCM. Fundado em 1919, o PC mexicano estabeleceu uma relação íntima com o governo na década de 1920. Os comunistas apoiaram o mandato de Álvaro Obregón, e estiveram ao seu lado na rebelião “delahuertista”.3 Após a morte de Obregón em 1928, essa relação amistosa dos comunistas com o poder foi abalada. Com a chegada de Plutarco Elías Calles a cadeira presidencial e o início do Maximato, o PCM foi perseguido, o seu órgão central, o periódico El Machete foi posto na ilegalidade, e foram promovidas detenções e mortes de diversos

comunistas

mexicanos.

Foi

nesse

período

de

instabilidade,

clandestinidade e repressão que o Gen. Lázaro Cárdenas lançou sua candidatura à corrida presidencial. “El fascista”

Apesar da repressão que se iniciou em 1929, o PCM manteve em circulação a publicação do seu periódico, El Machete.4 No final de 1933, o PCM articulou a candidatura à presidência do dirigente comunista Hernán Laborde, pelo Bloque Obrero y Campesino (B.O. y C.). Cabe esclarecer, que o B.O. y C. foi um importante “braço” político que os comunistas utilizaram para colocar-se na arena eleitoral, uma vez, como outrora citado, o seu partido estava sendo 2

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perseguido. A primeira menção sobre a campanha de Cárdenas foi publicado no primeiro n° de janeiro de 1934 do El Machete. Nesse pequeno texto, o candidato foi apresentado de forma depreciativa e agressiva pela publicação comunista, quando visitou sua terra natal, Michoacán. Abaixo, seguem alguns trechos do artigo:

Cárdenas

y

su

comitiva

de



propagandistas al recorrer varios pueblos de Michoacán han vuelto a repetir, solo que en forma más empalagosa y mentirosa, los discursos que pronunciaron en Querétaro, Aguascalientes, Guanajuato y Jalisco. […] El PNR, Cárdenas y sus propagandistas están haciendo demagogia de grueso calibre, y es un deber nuestro desenmascararlos con toda energía demostrando con hechos concretos que Cárdenas es el candidato de la burguesía y de los terratenientes, del Partido que mediantes el trata de asegurar la más aguda explotación de las masas, la fachistazión del Gobierno, la represión sangrienta del movimiento revolucionario y la preparación del Gobierno para la guerra imperialista del lado de los Estados Unidos.5

Ao apoiar a candidatura de Laborde, não espanta que o PCM, por meio das páginas do El Machete, publicasse artigos contra Cárdenas e outros candidatos a cadeira presidencial. Todavia, apesar dessa práxis da luta político-eleitoral, devesse destacar o trecho, no qual, o autor anônimo do artigo assegurou que Cárdenas é um candidato da burguesia, e que sua eventual vitória, conduziria a uma exploração das massas (trabalhadores do campo e da cidade) e uma “fachistazión” do Governo. Ao estabelecer um ponto de contato de Cárdenas com o fascismo, os articulistas do El Machete o converteram não apenas em um adversário político, como também, ideológico. Na afirmação de uma aliança entre a burguesia com o fascismo – que na década de 1930, estava em grande ascensão na Europa e estendia sua sombra para o restante 3

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do mundo – os comunistas mexicanos, sintonizaram sua leitura da política mexicana com a interpretação clássica da Internacional Comunista Soviética (IC). Segundo Edda Saccomani, responsável pelo verbete “Fascismo” no Dicionário de Política organizado por Norberto Bobbio, há quatro abordagens generalizantes para caracterizar o conceito fascista. Dessas, o que nos interessa é a abordagem do “Fascismo como uma ditadura aberta da burguesia”. Segundo Saccomani, nesse aferimento, o Fascismo associa-se à crise histórica do Capitalismo, que estaria em seu estágio final, e também do Imperialismo. Com o iminente colapso dos mesmos, a burguesia, para não sentir-se desamparada, encontraria no Fascismo, a instrumentalização política para manter o seu domínio “das classes subalternas e, em primeiro lugar, da classe operária”.6 Reforça esse argumento, o final do artigo do El Machete, no qual encontra-se a defesa de que se chegar ao poder, Cárdenas estará ao lado do Imperialismo estadunidense na Guerra que já se vislumbrava no velho mundo. Além de rotulá-lo como um candidato da burguesia-latifundiária, as propostas de Cárdenas também foram duramente criticadas em outros textos. Como exemplo, em fevereiro de 1934, no n° 285, foi criticada a política agrária do candidato do PNR, no mais do que sugestivo artigo “El Mentiroso Agrarismo Cardenista”: La Secretaría de del PNR ha dado a luz un aborto que se titula pomposamente , cuyos 14 puntos demagógicos son otras tantas falsas promesas pre-electorales para sentar plaza de únicos del campesino. ¿Desde cuándo los penerreanos tan corteses, () tan galantes, tan amoroso con los campesinos? Tan expontánea y espléndida generosidad recuerda los halagos de todo rufián para desollar a su presunta víctima. ¡Pero, es que tenemos elecciones para Diputados, Senadores y Presidente de la República en puerta!... 4

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Obras son amores y no buenas razones, señores penerreanos. ¿Qué hubo de las dotaciones provisionales que se iban a transformar en definitivas por decreto, qué pasó con lo de la tierra para los peones acasillados y los 20 millones de pesos para refaccionar a los campesinos?7

Demagogia e falsidade foram alguns dos adjetivos que os comunistas utilizaram para caracterizar as propostas agrárias de Cárdenas. Os articulistas do PCM aproveitaram também para atacar a Liga Nacional Mexicana (LNM) e seu líder, Úrsulo Galván, morto em julho de 1930, e que na década de 1920, era aliado do PCM. A título de curiosidade, o sarcasmo também foi outra característica desse texto. Os comunistas mexicanos ironizaram a sigla do partido de Cárdenas, PNR, ao afirmar que a mesma significava Partido de los Nuevos Ricos. No que pese a campanha ferrenha do PCM por meio das páginas do El Machete, nas eleições de julho de 1934, o Gen. Lázaro Cárdenas saiu vitorioso da corrida presidencial. Todavia, mesmo com essa derrota, os comunistas mexicanos continuaram com sua política editorial agressiva:

El resultado de las elecciones estaba previsto. El PNR tiene en su poder el aparato gubernamental, las Cámaras Federales y Locales, los fondos públicos, el ejército, la policía, etc., y serán en fin de cuentas los diputados y senadores penerreamos los que digan la última palabra al calificar la elección. […] Esa gente está encantada con el trabajo de su partido. Cárdenas continuará la política de sus predecesores y , como personalmente lo ha ofrecido. Su discurso pronunciado en vísperas de las elecciones es una recapitulación de las promesas demagógicas que hizo durante la campaña, para asegurarse el apoyo de masas trabajadores. Pero en ese mismo discurso renueva su compromiso de dar garantías al capital y pronto lo veremos 5

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presentarse ante el Presidente Roosevelt, en Washington, para ratificar ese compromiso.8

Esse foi o tom que o órgão central do PCM dedicou a Cárdenas ao longo de 1934 e início do ano seguinte. Para finalizar esse tema, em novembro de 1934, foi publicada uma caricatura da presidência cardenista que representa, visualmente, tudo o que foi exposto acima:

Figura 1 CARDENAS SUBE A LA PRESIDENCIA”. In: El Machete, n° 310, 30/11/1934, p.04. Fonte: Centro de Estudios del Movimiento Obrero y Socialista, A.C (CEMOS).

Na caricatura assinada por LAB,9 Cárdenas aparece no centro da imagem, sentado na cadeira presidencial mexicana. No topo há uma águia, símbolo da bandeira do México, e, também temos visível, acima da cabeça do novo presidente mexicano, a bandeira do seu país cruzada com a dos Estados Unidos, abaixo da sigla do PNR, que podemos interpretar como uma alusão à acusação formulada pelo PCM, de que Cárdenas atenderia os designíos estadunidenses, ou seja, estaria sob a tutela do Imperialismo dos seus vizinhos do norte. No lado esquerdo de Cárdenas encontra-se Plutarco Elias Calles, e a direita, Pascual Ortiz Rubio – de bigode pequeno e camisa branca – e outras 6

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personagens da política mexicana que não identificamos até o momento. Com o mentor do Maximato a sua esquerda, para os articulistas do El Machete, Cárdenas seria apenas mais uma marionete nesse sistema político controlado por Calles. Mais três referências merecem ser destacadas: 1°) a suástica nazista entre o “Plan Sexenal”; 2°) a legenda abaixo da bancada, “PRESIDENCIA DEL ESTADO BURGUES – ALIADO AL IMPERIALISMO. TERRATENIENTE”; 3°) a imagem de trabalhadores esmagados, com bandeiras de reivindicações sociais. Essas referências traduzem a crítica realizada pelos comunistas mexicanos: o Gen. Lázaro Cárdenas seria o representante do nazi/fascismo no México e nada mudaria em sua gestão presidencial. O texto abaixo da ilustração manteve esse ataque e alimentou um possível levante das massas populares contra o governo cardenista: “Mientras el PNR desata gritería con motivo de la toma de posesión del Presidente impuesto, los obreros, campesinos y antimperialistas deben responder con el reforzamiento de sus luchas por su mejoramiento efectivo, agrupando las fuerzas para las batallas encarnizadas de la próxima etapa”.10 A mudança de discurso da publicação comunista mexicana sobre Cárdenas ocorreu em 1935. Gradativamente, o fascista foi saindo de cena para a entrada do presidente rojo. “El presidente rojo”

Carlos Alberto Sampaio Barbosa dividiu a fase cardenista em três fases, a saber: 1°) 1934 a 1935; 2°) 1936 a 1938; 3°) 1938 a 1940. 11 Em sua primeira fase, Cárdenas libertou diversos presos políticos que estavam encarcerados nas Islas Marias, a maioria de comunistas, legalizou o El Machete e, aos poucos, o PCM voltou a ser ativo na sociedade mexicana. Contudo, apesar dessas medidas, os membros do PCM ainda desconfiavam de Cárdenas, e o primeiro sopro de mudança, ocorreu em julho de 1935, no VII Congresso da IC de Moscou, onde foi adotada a estratégia das Frentes Populares, no qual, os PC’s deveriam unir-se a governos democráticos que possuíssem em suas plataformas políticas, propostas anti-imperialistas, sociais e radicais. Cabe 7

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ressaltar, que essa tática foi adotada como uma forma de resistência à influência fascista que se fortalecia com enorme rapidez no final da década de 1930. Nesse Congresso, o PCM foi representado pelo seu Secretário-Geral Hernán Laborde, e pelos dirigentes José Revueltas e M. A. Veslasco:

La delegación del PCM al VII Congreso de la Komintern envía una carta al partido; “Venciendo la resistencia y las vacilaciones que se advierten en la dirección, el partido debe apoyar expresa y categóricamente las medidas del gobierno de Cárdenas contra el imperialismo y la reacción en beneficio de las masas populares. A la vez, el partido debe concentrar real y concretamente el fuego contra el callismo… Debe exigir también la ampliación de la reforma agraria hasta la liquidación del latifundismo… el Partido Comunista debe tomar una posición definida, rechazando los ataques de la Iglesia y apoyando resueltamente la ‘educación socialista’, no por socialista, que no lo es, sino como un programa de reformas democráticas avanzadas en el ramo de la educación pública…”12

Essa orientação da IC, o embate de Cárdenas contra Calles, e as medidas anteriores e favoráveis aos comunistas, não podiam mais ser ignoradas, e o presidente mexicano, de fascista, passou a ter uma interpretação positiva nas páginas do El Machete. O primeiro ponto de união dos comunistas com o presidente mexicano foi o confronto com Calles. Para o PCM, era imprescindível que o mentor do Maximato fosse escorraçado do México. Na segunda metade de 1935, o El Machete publicou diversos editoriais de repúdio a Calles e de aprovação ao governo cardenista. Como exemplo, temos o editorial “Frente Único Popular de Apoyo a Cárdenas” publicado em dezembro de 1935. Por ser tratar de um grande texto, destacamos abaixo, apenas o seu último parágrafo: No hay tiempo que perder. Hay que empezar enseguida. Tenemos que organizarnos, prepararnos y estar listos para 8

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responder en CUALQUIER MOMENTO Y EN CUALQUIER FORMA, inclusive en las armas en la mano. Nuestro lema en este

momento

debe

ser:

TODO

EL

PUEBLO

CON

CARDENAS, TODO EL PUEBLO CONTRA CALLES.13

Por mais pragmática que tenha sido essa aliança, salta aos olhos, a afirmação no editorial acima, de que o povo mexicano deveria unir-se a Cárdenas. Indubitavelmente, foi uma giro de 180° da imagem do outrora presidente fascista nas páginas da publicação comunista. Calles foi derrotado e exilou-se nos EUA no começo de 1936. A queda do inimigo em comum e o início da segunda fase do governo cardenista, os comunistas mantiveram sua aliança. Coube a Hernán Laborde a tarefa de caracterizar o governo cardenista e de explicar, aos leitores da publicação comunista mexicana, o apoio do PCM ao seu outrora adversário político no artigo “CLARIDAD Y FIRMEZA EN LA POLITICA Y LA TACTICA DEL PROLETARIADO”.14 Primeiramente, Laborde apresentou o que seria uma “confusão” sobre o significado desse governo. Segundo suas análises, o comando de Cárdenas não era operário e nem camponês, e sim, “NacionalReformista”. Sob essa definição, Cárdenas estaria governando mediante os diversos interesses nacionais e suas mudanças estavam sendo executadas a partir de reformas. Com base nesse argumento e também como uma forma de defrontar os resquícios que poderiam ter sobrevivido do Maximato, Laborde defendeu o apoio total de todos os setores populares ao presidente. O Secretário-Geral do PCM concluiu sua análise com a afirmação que somente o proletariado poderia guiar a classe camponesa em seu objetivo de extinguir o latifúndio, e, consequentemente, conquistar suas terras reivindicadas. Também argumentou

que

Cárdenas

poderia

conferir

um

caráter

“Popular

Revolucionário” ao seu governo, o que o tornaria um continuador da Revolução Mexicana de 1910. O apoio dos comunistas a Cárdenas foi incondicional. Os adjetivos degradantes foram substituídos por elogios e o El Machete publicou diversos artigos de aprovação ao presidente mexicano.

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Em 18 de março de 1938, Cárdenas assinou o decreto de expropriação das empresas petrolíferas. O PCM ficou do lado do presidente mexicano e lançaram, no dia 23 de março de 1938, um boletim especial do El Machete, no qual, saudavam com entusiasmo esse medida. Para os articulistas comunistas mexicanos, a expropriação petrolífera de Cárdenas representou um embate do governo com a política Imperialista estadunidense. Inclusive, em vários artigos, foi defendido que a expropriação seria um segundo grito de Independência do México. As mudanças não pararam por aí. Em fevereiro de 1936, o Comité Nacional de la Defensa Proletaria, organizou um congresso nacional de união entre operários e camponeses, e desse encontro foi fundada a Confederación de Trabajadores de México (CTM). Essa organização teve como objetivo unir todos os sindicatos mexicanos. O controle da CTM efetuado Vicente Lombardo Toledano e Fidel Velázquez Sanchéz colocou o PCM num papel secundário na organização do movimento operário urbano mexicano no período cardenista. Outra medida de Cárdenas que recebeu o apoio do PCM foi à transformação do PNR no Partido da Revolução Mexicana (PRM). A aprovação dos comunistas evidenciou-se na fala de Hernán Laborde, realizada na Convenção de fundação do PRM e publicada no El Machete. Abaixo, seguem alguns trechos do seu discurso:

La transformación del Partido Nacional Revolucionario señala el comienzo de un nuevo capítulo de la Revolución Mexicana. […] El Partido Comunista ha afirmado siempre que para asegurar la victoria del pueblo sobre todos sus enemigos hace falta solamente una cosa: la unión del pueblo mismo. […] Por eso también, queremos exponer modestamente nuestra opinión en el sentido de que el nuevo movimiento que aquí va a estructurarse, debe dar cabida a todos los mexicanos dignos de este nombre, sin distinción de ideologías o 10

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creencias, con la sola condición de que respalden la política emancipadora del Presidente Cárdenas. […] En esta coalición de fuerzas populares, en esta concentración organizada del pueblo, nosotros los comunistas pedimos solamente un puesto de lucha y de peligro. Queremos cooperar, queremos servir, queremos ser útiles a la Revolución y a su gobierno, al pueblo y a la patria. Queremos que se nos permita arrimar el hombro y poner el pecho en la obra y en la lucha común. Que se nos señale el sitio y las condiciones en que, dentro del gran Partido de la Revolución Mexicana, podemos cumplir con nuestro deber.15

O tom de exaltação de Laborde revela um papel de coadjuvante que, aos poucos, os comunistas começaram a exercer na sociedade mexicana nesse período. Além de exaltar em demasia a criação do PRM, o dirigente comunista, em diversas passagens do seu discurso, qualificou Cárdenas como uma grande liderança e como um continuador das metas sociais da Revolução Mexicana. O protagonismo do PCM foi eclipsado pela sombra de Cárdenas. Em julho eclodiu a Guerra Civil Espanhola, que mobilizou um massivo apoio da opinião pública mexicana aos combatentes republicanos, e no começo de 1937, o Partido entrou em crise. Trotski chegou ao México e sua presença tencionou as relações até então amistosas do PCM com Cárdenas. Todavia, apesar da presença do nêmesis de Stálin em terras astecas, o presidente foi isento da culpabilidade de ter aberto as portas da casa mexicana ao “grande traidor da Revolução Russa”. Os articulistas do El Machete concluíram que Cárdenas, no auge de sua bondade e “boa-fé”, foi ludibriado por Diego Rivera e Frida Kahlo. Na terceira fase do governo cardenista, iniciada em 1938, o presidente mexicano defrontou-se com a rebelião de Saturnino Cedillo. Esse conflito durou oito meses e o El Machete manteve sua linha editorial de apoio ao presidente mexicano e de combate aos seus adversários. 11

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Para finalizar, em junho de 1938, o El Machete publicou um longo artigo elogioso a Cárdenas, que sintetiza todo esse sentimento de apoio, e não seria demasiado

afirmar,

também

de

devoção

realizado

pelos

comunistas

mexicanos:

Decir que Lázaro Cárdenas es el gobernante más ilustre de América es decir lo consabido. Ningún hombre de Estado muestra hoy su singular relieve. Su personalidad ha sido forjada en el más difícil y leal de los aprendizajes: en el servicio del pueblo. Servidor de su pueblo, eso ha sido en todo tiempo Lázaro Cárdenas, ese es su título más alto. […] México está viviendo, a tono con la época, una bella etapa de nacionalismo revolucionario. Para vivirla a plenitud, eficazmente, precisan condiciones excepcionales de audacia y de realismo. Los enemigos son fuertes, poderosos, con nombres atemorizadores en el panorama mundial. El pueblo se levanta contra ellos en la iracundia del hombre digno en trance de esclavitud. Viene la acometida inevitable. Importa el acomodamiento estricto entre el ímpetu y la obra, entre el intento y la posibilidad. México, gallardía y pensamiento, valentía y serenidad, pone a ritmo preciso su obra libertadora, su ejemplo americano. Lázaro Cárdenas, mexicano, profundo, valor y serenidad, - llama a su pueblo a la rebeldía y la enseña, (gran maestro rural, se ha dicho de él) a dar en el blanco sin perder disparos. Humanidad rica y simple a un tiempo, Cárdenas es la encarnación de un momento de su tierra. Por eso será visto mañana como hermano de Hidalgo, de Morelos, de Juárez y de Zapata. Honrar a Cárdenas no es sólo rendir tributo al hombre sino loar las más altas virtudes de un pueblo. En esta hora atribulada da América, en que se decide la marcha final de nuestro Continente la figura de Lázaro Cárdenas es, a un tiempo, símbolo y ejemplo.16 12

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Não é preciso explanar novamente sobre os adjetivos elogiosos a Cárdenas, contudo, cabe destacar o trecho em negrito acima, no qual, o presidente mexicano foi comparado ao padre Miguel Hidalgo, o iniciador da Independência Mexicana, ao presidente Benito Juárez, o indígena que governou o México por diversos anos, e a Emiliano Zapata, o principal líder das facções camponeses e populares do período armada da Revolução. Para o PCM, Cárdenas colou o trem da Revolução Mexicana nos trilhos e era o principal condutor em tornar reais as demandas sociais desse acontecimento. E o seu exemplo não apenas para o país asteca, como também para toda a América Latina. Da água para o vinho, o fascista deu lugar ao presidente vermelho e socialista.

Considerações parciais

Esse tamanho apoio teve o seu preço. Em 1940, no final da era cardenista, foi realizado no mês de março o I Congresso Extraordinário do PCM. Além da discussão sobre a situação de Trotski no México, nesse encontro, os comunistas discutiram a sua aliança com Cárdenas. Nos debates que se seguiram, ficou evidente para os comunistas mexicanos, que eles estavam atados no governo. Uma das causas detectadas dessa “domesticação revolucionária” que consumou o PCM foi à política de “unidad a toda costa”, defendida por Earl Browder, dirigente do Partido Comunista dos Estados Unidos:

Si bien había sido una realidad la política izquierdista y sectaria, que en los primeros tiempos del gobierno cardenista estorbó el despliegue de una política justa, y por otro lado era verdad que a raíz de la “unidad a toda costa” el partido marchó en gran medida detrás de la burguesía nacional afectado sensiblemente por la tendencia cardenista, sin exonerar de responsabilidad a los dirigentes mexicanos, era indiscutible que había influido fuertemente en el PCM el peso de la organización comunista internacional. 13

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No obstante, la determinación de expulsar a quienes se juzgó principales responsables fue irreductible. Los métodos aplicados por la comisión depuradora estaban a tono con las prácticas en boga en el movimiento comunista internacional y, particularmente, en la URSS bajo la dirección de Stalin.17

Tanto Browder quanto a IC foram isentos desse “erro estratégico” e a culpa decaiu sobre diversos dirigentes do PCM. O resultado final foi à expulsão de diversas lideranças do Partido, o que criou uma divisão no seio do movimento comunista mexicano, entre elas, estava o Secretário-Geral, Hernán Laborde. Em maio, Trotski sofreu um atentado a balas em sua residência localizada em Coyoacán, e, em agosto, foi morto por Jaime Ramón Mercader, agente a serviço de Stalin. Miguel Ávila Camacho sucedeu Cárdenas na presidência mexicana e distanciou-se do PCM, que se afogou em um mar de problemas internos, com intensas crises ideológicas e organizacionais. A transformação da imagem do Gen. Lázaro Cárdenas perante os comunistas mexicanos foi intensa e complexa, e esteve associada a fatores internos e externos, como a ameaça fascista e a influência que a IC procurou exercer na América Latina. No presente texto, foi demonstrado um pouco dessa relação contraditória. A imprensa comunista mexicana na década de 1930, representada pelo órgão central do PCM, o periódico El Machete, apresentou inicialmente Cárdenas como um fascista, aliado ao Imperialismo estadunidense. E posteriormente, o mesmo periódico, o qualificou como um grande líder, um presidente socialista e um continuador da Revolução Mexicana. A leitura que os comunistas realizaram de Cárdenas não ficou estacionada. Ela movimentou-se e mostrou, que ao torná-lo um presidente rojo, o discurso de que os anos de 1934 a 1940 representaram a consolidação da Revolução Mexicana, não foi construído posteriormente pelos pesquisadores desse período. Ele já foi forjado no calor do momento das reformas cardenista, em uma época de intensa mudança na sociedade mexicana, tanto no campo cultural, como no político e no social, e onde os comunistas, exerceram um papel de figurantes. 14

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Notas e bibliografia *

Doutorando em História e Sociedade pela Faculdade de Ciências e Letras, UNESP – Univ. Estadual Paulista e bolsista da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo/FAPESP. 1 O conceito de “nacional-fascismo” foi originalmente elaborado pelo militante comunista italiano Vittorio Codovilla, ao analisar os governos latino-americanos, depois da Conferência dos Partidos Comunistas da América Latina, realizada em 1929, na cidade de Buenos Aires, Argentina. In: LÖWY, Michael. Introdução. Pontos de referência para uma história do marxismo na América Latina. In: _____. (Org.). O marxismo na América Latina. Uma antologia de 1909 aos dias atuais. 2 ª ed. ampl. São Paulo: Editora Fundação Perseu Abramo, 2006, p.21. 2 SEMO, Enrique. TOBLER, HANS WERNER. In: TORRES PARÉS, Javier & VILLEGAS MORENO, Gloria. Diccionario de la Revolución Mexicana. México: Universidad Nacional Autónoma de México, 2010, p.601. 3 Em 1923, Adolfo de La Huerta contava com o apoio de Obregón para sua possível candidatura à presidência, contudo foi preterido por Plutarco Elias Calles. Descontente com essa decisão, De la Huerta rebelou-se contra o governo federal, e iniciou uma rebelião que ficou conhecida como “delahuertista”. Esse levante se concentrou na região de Veracruz, e foi desmantelada, entre fevereiro e maio de 1924, com um saldo de sete mil pessoas mortas. O PCM, que nesse período mantinha uma relação de proximidade com o governo obregonista, tinha uma grande influência de vários setores camponeses, os armou, e, junto com as forças do exército federal, liquidaram o movimento rebelde. Entre as vítimas comunistas desse embate, pereceram alguns dirigentes, como José Cardel, José María Caracas, Guilhermo Lira, José Fernádez Oca y Antonio Ballesco. In: PELÁEZ, Gerardo. Partido Comunista Mexicano. 60 años de historia. I (Cronologia 1919-1968). México: Universidad Autonoma de Sinaloa, 1980, p.23. 4 Para realizar um estudo do PCM nesse período, o periódico El Machete é uma fonte valiosa de informações. Todavia, não será apresentado nesse texto um resumo sobre a sua trajetória, que pode ser consultado em outros trabalhos. In: SOUSA, Fábio da Silva. Dos e Para os operários. Questões metodológicas de pesquisa em jornais comunistas (El Machete e A Classe Operária). In: Revista de História Comparada. PPGHC, Rio de Janeiro, Ano 6, v. 6, n. 2, p. 4967, 2012. Disponível em:. Acesso em: 23 jul. 2014. 5 El Machete, “La Gira de Cárdenas”, n° 281. 10/01/1934, p.01 e 04 – negrito nosso. O Partido Nacional Revolucionário (PNR) foi criado em março de 1929 por Plutarco Elias Calles. Em 1938, o Gen. Lázaro Cárdenas, apoiado pela classe operária e camponesa mexicana, modificou o PNR e fundou o Partido da Revolução Mexicana (PRM), que recebeu apoio do PCM. Em 18 de janeiro de 1946, no final do mandato do presidente Manuel Ávila Camacho, que sucedeu Cárdenas, o PRM converteu-se no Partido Revolucionário Institucional (PRI), que desempenhou um papel de intenso controle na vida política mexicana até os dias atuais. O Plano Sexenal foi proposto por Calles no Segundo Congresso do PNR, que definiu as bases da sucessão presidencial de 1934 a 1940. As reformas defendidas nesse plano eram amplas, visando atingir os campos econômicos e sociais do México. Ao se lançar candidato, Cárdenas defendeu a execução das medidas do Plano Sexenal. 6 SACCOMANI, Edda. Fascismo. In: PISTONE, Sergio. Bonapartismo. In: BOBBIO, Norberto (et al.). Dicionário de Política. 3a ed. Brasília: Editora de Brasília. São Paulo: Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 1991, Vol. 1 (A – K), p.470. 7 El Machete, “El Mentiroso Agrarismo Cardenista”, n° 285. 20/02/1934, p.02. 8 El Machete, “EL RESULTADO DE LAS ELECCIONES”, n° 296. 10/07/1934, p.02. 9 LAB são as iniciais de Luis Arenal Bastar. Ingressou ao PCM em 1932, foi um dos fundadores da Liga de Escritores e Artista Revolucionários (LEAR) e de seu periódico oficial, o Frente a Frente. Em 1937 participou da fundação do Taller de la Gráfica Popular (TGP) participou do atentado contra Trotski em 1940, que foi organizado por Siqueiros. Ambos, Arenal Bastar e Siqueiros, obtiveram asilo no Chile em 1941. Arenal Bastar regressou ao México em 1943,

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onde viveu até maio de 1985. Pintor e gravurista, publicou diversas charges e caricaturas no El Machete e em diversas publicações mexicanas. In: PABLO HAMMEKEN, Óscar de. La Rojería (Parte I). Diccionario biográfico de la izquierda socialista mexicana. In: Memoria. México/DF: CEMOS, mayo 2010a, nº 242, p.38. 10 El Machete, “CARDENAS SUBE A LA PRESIDENCIA”, n° 310. 30/11/1934, p.04. 11 BARBOSA, Carlos Alberto Sampaio. A Revolução Mexicana. São Paulo: Editora UNESP, 2010, p.105. 12 PELÁEZ, Gerardo. Partido Comunista Mexicano. 60 años de historia. I (Cronologia 19191968). México: Universidad Autonoma de Sinaloa, 1980, p.52. 13 El Machete, “Frente Único Popular de Apoyo a Cárdenas”, n° 374. 18/12/1935, p.03. 14 El Machete, “CLARIDAD Y FIRMEZA EN LA POLITICA Y LA TACTICA DEL PROLETARIADO”, n° 391. 11/03/1936, p.01 e 04. 15 El Machete, “Discurso del Secretario General del Partido Comunista de México en la Convención Constituyente del P.R.M”, n° 519. 09/04/1936, p.01 e 10. 16 El Machete, “Cómo ve el Mundo a Lázaro Cárdenas”, n°554. 28/06/1938, p.04 – negrito nosso. 17 ENCARNACIÓN PÉREZ, J. En el sexênio de Cárdenas. In: MARTÍNEZ VERDUGO, Arnaldo (Org). Historia del comunismo en México. México: Ediciones Grijalbo, 1985, p.186.

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