DEMOCRACIA E EDUCAÇÃO POPULAR: UMA DISCUSSÃO SOBRE A FORMAÇÃO DE PROFESSORES

September 12, 2017 | Autor: Mara Brum | Categoria: Teacher Education
Share Embed


Descrição do Produto

DEMOCRACIA E EDUCAÇÃO POPULAR: UMA DISCUSSÃO SOBRE A FORMAÇÃO DE PROFESSORES BERTINETI, Elizane Pegoraro1 - UFPEL LEIRIA, Rossana Daniela Cordeiro2 - FURG OLIVEIRA, Neiva Afonso3 - UFPEL BRUM, Mara Lúcia Teixeira4 - UFPEL Grupo de Trabalho - Didática: Formação de Professores e Profissionalização Agência Financiadora: não contou com financiamento Resumo A Educação ocorre em diferentes espaços, sejam eles formais ou não-formais. E discutir a educação exige uma reflexão a respeito da formação que ocorre na escola e para além de seus muros. A Educação que ocorre no espaço escolar, considerada a Educação Formal, principalmente na rede pública de ensino, é permeada por problemas e passa por inúmeras dificuldades que surgem na cotidianidade escolar. Problemas como a falta de recursos financeiros e humanos, como também a ausência de espaço para a efetiva participação dos indivíduos que fazem parte desta comunidade. O presente trabalho é resultado das reflexões organizadas a partir de uma pesquisa realizada com professores da rede municipal de ensino de Canguçu/RS. Tratou-se buscar compreender as percepções destes educadores sobre a concepção de Educação Popular. Buscou-se desta forma discutir a importância da escola fundada nos princípios da democracia e baseada na perspectiva da concepção de Educação Popular, abordando a partir destas questões uma discussão acerca da importância da formação acadêmica e continuada que são oferecidas aos professores. Procuramos discutir o que é Educação Popular, analisar qual a visão dos educadores do município de Canguçu sobre esta perspectiva de educação e a real importância desta discussão nos cursos de formação de professores que estarão atuando nas redes públicas, diretamente com a camada oprimida da 1

Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Educação da FaE/UFPel, Licenciada em Pedagogia – UFPEL; Pós-Graduada em Gestão Escolar; tutora a Distância do Curso Licenciatura em Educação do Campo/UFPEL/UAB e Professora Efetiva de Rede Municipal de Canguçu/RS. e-mail: [email protected] 2 Acadêmica do Curso de Ciências Econômicas- FURG. Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Educação da FaE/UFPel. Licenciada em Matemática( FURG) – [email protected] 3 Professora no Programa de Pós-Graduação em Educação da FaE/UFPel. E-mail: [email protected] 4 Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Educação da FaE/UFPel, Licenciada em Pedagogia – FURG (1999). Pós - Graduada em Educação Infantil pela UCB (2004); Pós – graduada em Psicopedagogia Institucional pela UCB (2005). e-mail: [email protected]

9381

sociedade. O debate que aí ocorre é um debate entre a escola real e a escola ideal para o povo e as perguntas e respostas ocorrem sobre os entraves e possibilidades de alcançarmos a partir desta concepção de educação, uma educação justa, coletiva, democrática e que rompa os muros escolares. Palavras-chave: Educação Popular. Democracia. Formação de Professores. Introdução Muitos são os anos de luta pela democracia na Educação, em prol do desenvolvimento integral da escola e de seus atores. Porém, para isso, é preciso que os professores das instituições tenham liberdade e interesse em discutir e decidir juntamente com toda a comunidade escolar as questões relativas à escola. Buscar a democracia e a liberdade na escola supõe-se de imediato que a educação na instituição que se dispõe a este tipo de trabalho voltado para a participação, deve estar baseada na perspectiva de uma nova concepção de educação, a Educação Popular. Nesse sentido, é preciso levar em consideração que este novo formato de educação teve avanços, porém há muito para prosseguir, ela está voltada para quem precisa de atenção em nossa sociedade capitalista, pois [...] educação popular é educação das classes populares. É uma prática pedagógica politicamente a serviço das classes populares. Isto porque a operários, camponeses, lavradores sem terra e trabalhadores sem emprego, é atribuída a tarefa histórica de realização das transformações sociais a que deve servir a educação (BRANDÃO, 1995, p. 27).

As propostas de participação popular nas escolas não são medidas fáceis, pois esbarram nas relações de poder que se expressam claramente em nossa sociedade que é dominada e influenciada por ideologias dominantes e colocam em risco um modelo baseado na democracia. Este trabalho tem por objetivo compreender a visão dos professores da rede Pública no que tange à perspectiva de Educação Popular, discutindo a partir deste ponto a importância da formação acadêmica e continuada que são oferecidas a estes educadores, Metodologia Nossa metodologia esteve alicerçada na pesquisa qualitativa indicada por Minayo (2000), em que tomamos por base as entrevistas semi-estruturadas, na busca de percebermos as percepções dos sujeitos sobre a concepção de Educação Popular. Realizamos entrevistas

9382

com professores da Rede Municipal de Canguçu/RS, e estes educadores pertencem a dez escolas distintas. Visamos perceber o entendimento sobre como estes professores compreendem o conceito de Educação Popular e quais relações conseguem estabelecer com a realidade na qual atuam. Os momentos de interação foram realizados por meio de entrevistas semi-estruturadas com aproximadamente 25 estudantes. Os sujeitos participantes (MINAYO, 2000), analisaram suas próprias vivências no contexto das escolas e os estudos que fizeram através de formação acadêmica ou formação continuada. Para darmos início ao estudo, visitamos as escolas e distribuímos somente um questionário aos professores que se dispuseram responder: A partir do que estudastes no decorrer da tua formação e relacionando com as tuas vivências dentro da Escola Pública, o que entendes por Educação popular? As respostas dadas nortearam a compreensão sobre a visão dos professores sobre Educação Popular e quais as necessidades de uma formação que atenda a efetivação desta perspectiva de Educação. Os dados observados foram analisados a partir do mapeamento da respostas, o que possibilitou a organização para elaboração das considerações finais. Educação popular e democracia: base para a escola do povo Compreendemos que a temática da educação não deve ser assumida como mercadoria e, consequentemente, a escola não deveria ser assumida como uma casa comercial em que podemos comprar o conhecimento que desejamos e nos retiramos. A partir desse diagnóstico subreptício, percebemos um dos grandes agravantes oriundos do capitalismo. Falar em escola, em conhecimento, em formação exige uma visão mais ampla e uma reflexão séria, pois não podemos deixar a escola ser vista como simplesmente um palco de formação de mão de obra para atender a competitividade da sociedade capitalista na qual estamos inseridos. Com a democratização do acesso à educação, a escola passa a ser um direito de todos e como todo direito, a conquista passou por um processo de luta, porém a escola significa bem mais do que um prédio e do que uma aquisição de um diploma. É o lugar em que acontecem a oportunidade e o espaço de debate, de discussão, ou seja, um espaço para desenvolver habilidades e visão de mundo. Se há a democracia, deve haver obrigatoriamente os espaços para que esta aconteça, pois:

9383

Não há nada que mais contradiga e comprometa a imersão popular do que uma educação que não jogue o educando às experiências do debate e da análise dos problemas e que não lhe propicie condições de verdadeira participação (FREIRE,1979, p. 101).

Somente a democratização do acesso à escola não basta, é preciso discutir o tipo de escola que temos e a que queremos. A conquista do acesso à escola pela camada oprimida exige o repensar da prática e também da formação dos professores, pois todos têm direito ao acesso aos bancos escolares, porém não podemos considerar todos os indivíduos como sujeitos iguais. É preciso considerar o contexto da escola e quais os anseios, necessidades e problemas que estes educandos consideram importantes na sua própria formação, ou seja, precisamos de uma escola mais próxima da realidade. Ressaltando que isso não significa que tudo que ocorre na escola pública esteja errado, na verdade o que se pretende discutir é a diversidade com a qual estamos nos deparando em nossas instituições. Pensar em uma educação de qualidade exige pensar em uma educação democrática, coletiva, onde todos têm a liberdade de participação na construção da escola na qual estão inseridos, ou seja, precisam ter espaço de percepção sobre as condições de vida dos indivíduos, acesso ao debate e, acima de tudo, precisam ver na escola um espaço de luta e confiança onde possam agir para mudar, para buscar o melhor, pois de nada adianta somente reconhecer a condição de oprimido. E preciso atuar e colocar em prática a teoria da participação. Para que haja a liberdade (do debate das ideias) na escola, precisamos de uma escola eficaz que, de acordo com Freitas (2003), é a escola que ensina além do conteúdo, prepara o estudante-cidadão para a autonomia, auto-organização e eliminação da exploração do homem pelo homem. Há, entretanto, uma distância muito grande entre uma escola eficaz e uma real, e de acordo com o referido autor, a nossa escola real é feita por conhecimentos partidos, disciplinas, dividida em anos, anos subdivididos em partes menores que acabam com os motivadores naturais, criando assim os motivadores artificiais, ou seja, o processo de avaliação (FREITAS, 2003, p. 28).

O olhar atento à realidade e distanciamento entre o eficaz e o real são perceptíveis quando a escola distancia-se da sua função real frente à camada oprimida da sociedade, sendo que o objetivo da educação deveria ser a libertação do oprimido, ou seja, dar meios de transformar a realidade social a sua volta mediante a conscientização (FREIRE, 1987).

9384

Desta forma, a escola assume-se voltada à formação de mão de obra, capaz de atender à demanda de mercado, porém sem a capacidade de fazer com que o sujeito reconheça-se como alguém que têm direitos e que pode transformar a sua realidade. Por isso, a escola precisa de uma pedagogia dialógica e emancipatória, para que o oprimido tenha consciência crítica da opressão e se disponha a transformar esta realidade (FREIRE, 1987). A escola e os próprios indivíduos ainda percebem a escola como uma forma de adquirir melhores empregos e assim garantir melhores condições de vida. A escola reproduz a ideia de que é somente um local passageiro onde todos buscam um diploma e esta visão utilitarista da aprendizagem deixa de ser a base das discussões da realidade, da busca do desenvolvimento. E os sujeitos acabam ficando novamente presos e dependentes ao modelo de sociedade capitalista. A discussão sobre uma nova escola, mais cidadã, democrática e com participação popular é algo que não acaba em somente algumas páginas de reflexão, pois de fato este é o caminho para uma educação feita não para o povo, mas com ele. Esta luta está travada e estas mudanças vão ao poucos se configurando como realidade. A educação é algo que só se resolve no cotidiano, através do esforço dos alunos, da participação das famílias, da competência e dedicação dos professores, e da liderança da escola (FREITAS, 1995, p. 31).

Neste trabalho diário, apostando na contribuição e capacidade de todos os sujeitos, estaremos caminhando para as mudanças. Nesta lógica de trabalho com o povo, estamos respaldados pelas perspectivas existentes de uma educação popular e, embora encontremos dificuldades inúmeras, – como nos adverte Freitas (2010) –, os limites que podemos encontrar nas escolas atualmente existentes não podem ser os limites da teoria que projeta a direção do nosso trabalho em relação a elas. Uma educação democrática não pode ser alcançada com atitudes antidemocráticas e sem a clareza de que a democratização interna da escola não significa a democratização da sociedade, porém pode ser o passo inicial para esta conquista. O processo educativo é a passagem da desigualdade à igualdade. Portanto só é possível considerar o processo educativo em seu conjunto como democrático sob a condição de se distinguir a democracia como possibilidade no ponto de partida e a democracia como realidade no ponto de chegada (SAVIANI, 2009, p. 70).

Frente ao desafio de uma nova escola baseada nos princípios da Democracia e na perspectiva da Educação Popular, cada vez mais se faz necessário uma formação de

9385

professores voltada a este modelo de educação, pois na formação de educadores no Brasil, há uma tradicional disjunção entre teoria e prática e separação entre forma e conteúdo (SAVIANI, 2008). Neste contexto, defende-se mais que uma nova educação, um projeto de sociedade, que, além de defender a democracia e a Educação Popular, luta contra a opressão produzida pelo sistema econômico, que se torna cada vez mais excludente e opressor. Formação de professores baseada nos princípios da educação popular Quanto à formação de profissionais, é preciso olhar atento à formação dos professores e à clientela que os professores atenderão, após receber esta formação. É impossível não fazermos a constatação de que a maioria dos professores atua em realidades bastante frágeis economicamente em que as demandas são ainda mais delicadas. Sabemos que discutir uma nova concepção de Educação em uma sociedade capitalista significa travar uma disputa séria no campo das ideias, onde concordamos com o autor Florestan Fernandes (2009) defende que as ideologias dominantes procuram intimidar as ações, pois os excluídos são necessários para a existência do estilo de “dominação burguesa”. Porém, mesmo com a repressão e opressão, a escola permite brechas que podem ser assumidas como espaços de lutas. Neste processo, realizar um movimento de reflexão sobre a formação acadêmica dos professores, formação esta que precisa ajudar a conviver melhor com os conflitos e as contradições sociais com as quais estes se deparam diariamente no ofício de educador. Esta reflexão deve estar fundada na busca de ações coletivas concretas, sendo necessário que se faça a reflexão de forma conjunta e com vista na ação. Para Paulo Freire, Ao defendermos um permanente esforço de reflexão dos oprimidos sobre suas condições concretas, não estamos pretendendo um jogo divertido em nível puramente intelectual. Estamos convencidos, pelo contrário, de que a reflexão conduz a prática (FREIRE, 1987,p.29).

Em uma sociedade capitalista como a nossa, a reflexão a respeito do trabalho dos educadores torna-se cada vez mais complexa e a formação destes educadores dentro de uma perspectiva de Educação Popular não pode ser vista tão somente como um mero treinamento, mas sim como “Formação Permanente” (FREIRE, 1996, p.40). Todo educador precisa de formação, porém esta formação não pode ser qualquer formação e com os educadores populares não é diferente, pois todos educadores precisam, sim, de uma formação baseada no

9386

princípio do diálogo problematizador, da participação sempre em busca e a favor da humanização. Trabalhar com o povo e não para o povo é um dos princípios da concepção de Educação Popular, mas isso requer estudo, responsabilidade com o meio e conhecimento da realidade e deve ocorrer de forma que o educador esteja diretamente em diálogo com sua própria prática para suprir as necessidades de cada grupo, de cada realidade (...) por isso é que, na formação permanente dos professores, o momento fundamental é o da reflexão crítica sobre a prática. É pensando criticamente a prática de hoje ou de ontem que se pode melhorar a próxima prática (FREIRE, 1996, p.22). Passamos por várias mudanças sociais e educacionais, com avanços tecnológicos e científicos, porém este desenvolvimento tem atingido as camadas populares mais como fornecimento de mão de obra barata do que como sujeito que poderia usufruir destes avanços, de forma que rejeita os saberes culturais dos grupos oprimidos. A Educação Popular tem sua história enraizada na organização dos trabalhadores, e de acordo com Paludo (2001) é nos anos 80 que se intensifica a realização de estudos e debates acerca dos princípios da Educação Popular. A leitura do processo histórico brasileiro que interpreta a educação do popular como toda a educação que se realiza junto a estes setores, e a concepção de Educação Popular como uma prática educativa que se propõe a ser diferenciada, isto é, compromissada com os interesses e a emancipação das classes subalternas (2001, p.82).

Para pensar a construção de uma educação realmente crítica em uma sociedade capitalista, é fundamental a superação da lógica desumanizadora do capital, pois é preciso entender que a educação não se encerra no terreno estrito da escola e da sala de aula, mas também acontece para além dos muros da escola, abrindo-se para a sociedade, com vistas a promover a participação de seus agentes em movimentos da sociedade, a fim de construir novas possibilidades de organização. A luta pelo acesso à educação é histórica, baseada em diferentes grupos que necessitam da valorização de suas especificidades para que assim possam frequentar as escolas para receber uma educação que emancipe, liberte, coloque a todos em condições verdadeira e humanamente iguais nesta sociedade tão desigual. A realidade na qual atuam os professores que são formados em nossas graduações mostra a diversidade, abrange a parte oprimida da sociedade que vive em condições precárias

9387

nas periferias da cidade. Assim, conhecer a realidade da educação pública no que diz respeito ao atendimento desta clientela é necessário à ampliação das discussões e conhecimentos para efetivamente agir em favor de uma concepção de Educação Popular. Considerando as relações sociais que se constituem nos movimentos sociais, nas escolas, relações que nos afetam no mundo globalizado em que estamos inseridos, socioeconômica, cultural e politicamente e as práticas pedagógicas dentro das instituições, faz-se necessário saber que tipos de profissionais estão sendo formados, qual a importância da discussão de Educação Popular nos cursos de formação e quais as possibilidades de trabalhar com esta concepção de Educação nas escolas públicas. Para isto, se faz necessário ter consciência dos limites, mas também das possibilidades a fim de que se possa traçar o caminho rumo ao processo de libertação dos sujeitos para que ao descobrirem a realidade que os cerca, pela mediação realizada no processo educativo, se emancipem interagindo com o outro. E, também, para que, no coletivo, percebam alternativas de transformação da situação de oprimido, sem tornar-se opressor, pois para Paulo Freire, “a superação autêntica da contradição opressores-oprimidos não está na pura troca de lugar, na passagem de um polo a outro. Mais ainda: não está na ideia de que os oprimidos de hoje, em nome de sua libertação, passem a ser novos opressores (FREIRE, 1987, p. 43). Essa superação, apesar de todo avanço, ainda encontra, nas escolas, práticas pedagógicas fragmentadas e desvinculadas da realidade das comunidades nas quais estão inseridas e isso se dá pela organização da escola que não oferece espaços coletivos para discussão e planejamento e também devido à formação acadêmica e continuada oferecida a estes educadores. Por isso, compreendemos que fornecer meios de reflexão durante o processo formativo dos professores é uma possibilidade para obtermos mudanças no cotidiano da escola. A formação inicial e a continuada podem contribuir para práticas e vivências coletivas que permitam levar este educador a perceber que a educação ocorre em todos os âmbitos do desenvolvimento humano. Perspectiva de educação popular na visão dos educadores de Canguçu Hoje, as discussões acerca da Educação Popular já possuem sua base fundada nas discussões da coletividade, porém ainda nas universidades, estas discussões ainda são genéricas, devido à falta de clareza de conceitos e também de práticas efetivas nesta perspectiva de Educação.

9388

A educação popular é uma concepção de educação e nesta perspectiva de educação popular, a educação é pratica social, que está inserida em algo maior, de forma global, construídas diariamente por pessoas concretas (PALUDO, 2001). Atualmente, existem várias teorias e exemplos de práticas que norteiam os trabalhos voltados para esta perspectiva de Educação, o que aponta a importância das discussões no âmbito da escola e de uma educação crítica. A educação formal ou não-formal tem compromisso com as camadas populares. E neste sentido, no contexto da Educação-Formal, acentua-se a necessidade do conhecer para agir, pois enquanto instituição educacional deve reconhecer estar a serviço e defender os interesses da população que nela estão inseridos e deve possibilitar a busca por ações numa perspectiva popular. A Educação Popular é permeada por diversos empecilhos que são impostos pela organização da sociedade capitalista, onde o ter vale mais o que o ser e, por isso, opressores e oprimidos vivem em constante confronto, sendo que, neste contexto, os opressores temem os movimentos sociais, pois sabem que um grupo organizado é um grupo capaz de promover mudanças e libertar-se. Os possuidores do poder têm um único interesse que é manter a classe de oprimidos cada vez mais em situação pior para que assim possam preservar a oferta de força de trabalho barata. Frente a isso, Freire nos faz refletir quando diz: Somente quando os oprimidos descobrem, nitidamente, o opressor, e se engajam na luta organizada por sua libertação, começam a crer em si mesmos, superando, assim, sua “convivência” com o regime opressor. Se esta descoberta não pode ser feita em nível puramente intelectual, mas da ação, o que nos parece fundamental é que esta não se cinja a mero ativismo, mas esteja associada a sério empenho de reflexão, para que seja práxis (FREIRE 1987, p.29).

Abordando esta condição de opressão em que se encontram as camadas populares, percebe-se que o trabalho junto a estes grupos vai além de reflexões. Precisam perceber-se como sujeitos, necessitam identificar as opressões que sofrem para que possam agir ancorados numa reflexão crítica da situação, mas visando sempre a ação concreta, pois Paulo Freire (1980) acentua que os oprimidos vivem sob os ideais humanos dos opressores, e por isto, a práxis da libertação é um dos exercícios para esta superação. Freire (1979) ressalta a necessidade urgente de uma educação humanizadora, para a sociedade e homens concretos, que seja capaz de superar a alienação e que seja suporte da mudança e da libertação social:

9389

Que cada vez mais cortasse as correntes que a faziam e fazem permanecer como objeto de outras, que lhe são sujeitos. (...) A opção, por isso teria de ser também, entre uma “educação para a domesticação”, para a alienação e como educação para a liberdade. “Educação” para o homem-objeto ou indivíduo para o homem sujeito (FREIRE, 1979, p36).

Fundadas nestas questões que norteiam a Educação popular como humanizadora e capaz de libertar os indivíduos da alienação na qual se encontram, procuramos ouvir professores de diferentes escolas da rede municipal de ensino, onde esta pesquisa foi realizada, para que pudéssemos ter uma breve noção do que estes educadores entendem por Educação Popular, já que esta perspectiva de educação só angariará ênfase nas instituições e no seu entorno, se estes profissionais compreenderem ou se dispuserem a compreender esta concepção de educação e perceber nela as possibilidades de libertação para indivíduos que compõem a nossa realidade educacional. Dentre todos os educadores ouvidos, destacamos cinco observações feitas sobre o entendimento desta concepção de Educação: Profª A – “Entendo que seja uma educação que oportunize a participação da população na construção da mesma, suprindo as necessidades da maioria que se situa naquele contexto, não impondo regras ou decisões, que não sejam muitas das vezes do contexto vivido”. Profª B – “Entendo que seja uma Educação com liberdade de expressão e temas abordados, porém uma aula conduzida com ordem, ética e limites dentro do aprofundamento dos temas em debate”. Prof C – “É uma Educação para todos, igual em conteúdo programático, método de avaliação, para todos os âmbitos escolares, particulares, públicas (municipais ou estaduais). Profª D – “Uma Educação com a Participação de todos, é uma chance de ser ouvido e atendido”. Profª E – “Educação que esclarece, informa, questiona e está a serviço das pessoas que dela precisam para poder exercer melhor seu papel de cidadão atuante e transformador na sociedade em que vive”.

Lendo atentamente as respostas dadas pelas professoras acima mencionadas e também as que não foram citadas, logo percebemos que a maioria apresenta uma visão de educação exclusivamente escolar. Em sua maioria, compreendem que a Educação Popular é um espaço aberto, que tende a dar o direito de participação da população nas decisões da escola e que através desta participação podem obter mudanças. Sabemos, ainda, que Educação Popular transcende os espaços físicos da escola, dada sua abrangência social, política e humanizadora.

9390

Um fato que merece destaque é que boa parte dos professores das redes públicas também faz parte desta camada oprimida, que vive com medo de agir, de refletir, buscar e conquistar seus espaços e sua libertação. Dessa forma, são atrelados ao sistema capitalista, vivendo sem grandes resistências à hegemonia dominante. No caso da educação, o trabalho educativo e professores são estrategicamente atados aos modelos do mercado capitalista globalizado. A educação assume o contorno de mercadoria e os professores são nomeados como os seus produtores e/ou fornecedores (VIEIRA 2004, p 43).

Em uma perspectiva ampla, percebe-se que é possível trabalhar aspectos da Educação Popular nas escolas públicas, sendo que a formação de professores neste sentido é de extrema importância. A reflexão e o desenvolvimento da capacidade de análise da realidade possibilitam ao professor sentir-se um sujeito com habilidade de perceber os problemas e os anseios dos alunos e de suas famílias. Freire ressalta: A minha grande preocupação é o método enquanto caminho de conhecimento. Mas a gente ainda tem que perguntar em favor de que conhecer e, portanto, contra que conhecer; em favor de quem conhecer e contra quem conhecer. Essas perguntas que a gente se faz enquanto educadores, ao lado do conhecimento que é sempre a educação, nos levam à confirmação de outra obviedade que é a da natureza política da educação. Quer dizer a educação enquanto ato de conhecimento é também e por isso mesmo também um ato político. No momento mesmo em que a gente se pergunta em favor de que e contra que, em favor de quem e contra quem eu conheço, nós conhecemos, não mais como admitir uma educação neutra a serviço da humanidade, como abstração. (FREIRE, 1982. p. 97).

Evidencia-se novamente a necessidade do conhecer para agir, de estar atento a tudo e a todos de forma a agir pela coletividade e por aí, começar a luta por uma Educação Popular em nossas escolas públicas, pois de acordo com VALE “a Educação Popular na escola pública pode começar no interior da escola Pública burguesa, basta que a invadimos, pois não adianta a espera da mudança da sociedade e do estado primeiro, esta espera é inútil, sabemos que a escola não poderá mudar tudo, mas é um dos locais importantes para tal mudanças (VALE, 1996, p. 79). A luta pela Educação Popular na escola pública não anula a importância dos conteúdos escolares. De acordo com Freire, a busca pelo conhecimento programático é o ponto de partida para o diálogo, sendo que estes não podem ser escolhidos por uma ou outra pessoa, pois devem ser elaborados, mas em consideração com as aspirações e conhecimentos prévios dos educandos. Ou seja, devemos buscar um equilíbrio entre “o desenvolvimento da

9391

capacidade de trabalhar manualmente (tecnicamente, industrialmente) e o desenvolvimento das capacidades de trabalho intelectual” (Gramsci, 1978.p. 118). Levando em consideração esta escolha e trabalho com os conteúdos programáticos, fica claro para nós que os professores precisam estar cientes do seu papel enquanto agentes mediadores de discussões críticas. Este ponto nos remete à questão da importância da formação dos profissionais, para que possam ter a compreensão do seu papel na instituição, pois precisam ter uma postura diferenciada, já que não serão mais neste espaço os únicos detentores do saber, e isso gera um conflito, pois nem todos estes profissionais se reconhecem enquanto seres inacabados, nem têm consciência da dimensão do seu trabalho. No entanto, Freire deixa claro o quanto o entorno, os saberes teóricos e práticos são importantes aspectos na formação dos professores. A formação dos professores e das professoras devia insistir na constituição deste saber necessário e que me faz certo dessa coisa óbvia, que é a importância inegável que tem sobre nós o contorno ecológico, social e econômico em que vivemos. E ao saber teórico desta influência teríamos que juntar o saber teórico-prático da realidade concreta em que os professores trabalham (FREIRE, 1996, p.155).

Sabemos que muitos são os aspectos que envolvem a discussão de uma Educação Popular dentro da escola pública, a importância de tal concepção no processo de valorização dos indivíduos, bem como de seus saberes e sua cultura. Precisamos estar cientes de que a escola não á a única alavanca da transformação radical da sociedade, porém ocupa uma função importante neste processo de transformação (VALE 1996). Deparamos-nos, diariamente, com vários obstáculos que dificultam o trabalho nas instituições, mas os professores precisam estar cientes das dificuldades que irão enfrentar quando optam por entrar nesta luta. É preciso estar atentos aos limites de implementação do horizonte formativo da Educação Popular, já que se busca de fato a construção da Escola Pública Popular. Existem sim as possibilidades e discutir somente os entraves, que são diversos, talvez, não nos permita perceber estas possibilidades de realizar uma educação na perspectiva popular em nossas escolas públicas, precisamos estar abertos ao diálogo, sendo que este deve ser feito entre o homem e sua realidade, para que chegue próximo de alguma transformação. De tal forma que,

9392

A relação dialética do homem com a realidade é que vai possibilitar a gestação de uma educação que, em sendo transitória, busca incessantemente um novo saber, uma nova qualidade de aprender, fundamentada na criticidade, na problematização, no questionamento, condições essenciais a uma ação transformadora (VALE, 1996. p. 71).

O que somente acontece mediante a análise e consideração da realidade, dos acontecimentos que permeiam as relações que se estabelecem no campo educacional, pois nada é fixo, tudo está em constante movimento e no que tange à educação, não é diferente. Desta forma, e levando em consideração todas as questões e dados levantados até aqui, percebemos a importância do professor neste processo, de seu agir a favor das classes populares na escola burguesa em que: O professor comprometido com a Educação Popular deve atuar engajando-se no interior da escola burguesa, pela transformação dessa escola e da sociedade. A escola não é um corpo isolado e ela deve ser vista como um palco de uma dimensão da luta de classes (VALE, 1996. p. 76).

Esta mudança de pensamento principalmente por parte dos profissionais da educação demanda tempo, como toda mudança social. Possibilidades existem e, nos espaços que a escola pública oferece, é possível termos uma educação voltada aos interesses das camadas populares. Advêm das diversas camadas da sociedade os diferentes entraves e obstáculos que enfrentaremos. Essas dificuldades, contudo, podem ser suplantadas por meio de fundamentação teórica e ação prática e encontrar caminhos possíveis é viável. Algumas Reflexões Conclusivas Frente às discussões elencadas neste trabalho, evidencia-se claramente que alguns professores fecham os olhos para as possibilidades que têm frente às famílias com as quais atuam, simplesmente porque se deixaram dominar por uma ideologia que pretende a reprodução de conteúdos pré-estabelecidos, já que formar um cidadão crítico e que compreenda sua função e capacidade dentro da sociedade não é viável. Em contrapartida, ao perceber que é possível uma organização popular, ao estabelecer movimentos que, como já foi dito anteriormente, intimidam a classe dominante, coloca em coletividade os indivíduos e os torna mais fortes e capazes de mudanças em prol da libertação do grupo. Ao nos considerarmos como sujeitos históricos, consideramos que as respostas dadas pelos professores, fundamentam-se em sua historicidade e destacam a sua visão de mundo, o que permitiu expressar sua compreensão sobre o que é Educação Popular e nos possibilita

9393

entender que se faz necessário promover espaços de discussões que ampliem a compreensão dos educadores no que concernem as discussões sobre a concepção de Educação Popular. Dessa forma, envolver-se com a teoria, inserir-se na prática de uma educação contrahegemônica, conhecer a disputa travada pelos trabalhadores que acreditam na Educação nãoformal ao assumir as escolas públicas como espaços que favorecem a preocupação com os saberes populares, sendo essas formas de resistência a uma Educação opressora e endereçada a formação de mão de obra capitalista.

REFERÊNCIAS BRANDÃO, Carlos Rodrigues. Em campo aberto: escritos sobre a educação e a cultura popular. São Paulo: Cortez, 1995. FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. 37. Ed., RJ: Paz e terra, 2003. _______. Conscientização: Teoria e Prática da Libertação: Uma introdução ao pensamento de Paulo Freire. 3. ed. São Paulo: Moraes, 1980. _______. Educação como prática da Liberdade. – 9. Ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1979.

_______. Pedagogia da Autonomia: Saberes necessários à prática educativa. São Paulo: Paz e Terra, 1996. _______. Educação: O Sonho Possível. Rio de Janeiro: Ed. Graal, 1982. FREITAS, Luis Carlos de. Crítica da Organização do Trabalho Pedagógicos da Didática. Campinas. SP: Papirus, 1995. _____________________ . Ciclos, Seriação e Avaliação: Confrontos de Lógicas. SP: Moderna, 2003. _____________________ . Projeto Histórico Comunista e Educação. Germinal: Marxismo e Educação em Debate, Londrina, 2010. FLORESTAN, F. Capitalismo Dependente e Classes Sociais na América Latina. 4ª ed. SP: Global, 2009. GRAMSCI, Antonio. Os Intelectuais e a Organização da Cultura. 2 ed. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1978.

MINAYO, Maria Cecília de Souza. O Desafio do Conhecimento: pesquisa qualitativa em saúde. 7. ed. São Paulo: Hucitec – Abrasco, 2000.

9394

PALUDO, Conceição. Educação popular em busca de alternativas: uma leitura desde o campo democrático popular. - Porto Alegre: Tomo Editorial; Camp 2001. SAVIANI, D. Escola e Democracia. 42. Ed. Campinas, SP: Autores Associados, 2009. __________________. A pedagogia no Brasil: história e teoria. Campinas, SP: Autores Associados, 2008. (Coleção Memória da Educação) VALE, Ana Maria do. Educação popular na Escola Pública: Cortez, 1996. VIEIRA, Jarbas Santos. Um negócio chamado educação: qualidade total trabalho docente e identidade. Pelotas: Seiva, 2004.

Lihat lebih banyak...

Comentários

Copyright © 2017 DADOSPDF Inc.