DEMOCRACIA, MEIOS DE COMUNICAÇÃO E CONTROLE Belém, Pará 2015

June 30, 2017 | Autor: P. Martins Cunha | Categoria: Democracy and Good Governance
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UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ INSTITUTO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS FACULDADE DE DIREITO

PAULO ROBERTO MARTINS CUNHA

DEMOCRACIA, MEIOS DE COMUNICAÇÃO E CONTROLE

Belém, Pará 2015

PAULO ROBERTO MARTINS CUNHA

DEMOCRACIA, MEIOS DE COMUNICAÇÃO E CONTROLE

Trabalho realizado como tarefa avaliativa da disciplina Metodologia Jurídica ministrada pelo Prof. Dr. Jaime Luiz Cunha de Souza no 1o semestre do Curso de Direito da Universidade Federal do Pará.

Belém, Pará 2015

DEMOCRACIA, MEIOS DE COMUNICAÇÃO E CONTROLE

Paulo Roberto Martins Cunha1

RESUMO O presente trabalho aborda, de forma introdutória, alguns conceito relacionados à democracia, meios de comunicação, importância da opinião pública como instrumento democrático de manifestação da vontade de grupos sociais e algumas interligações entre estes temas. O questionamento sobre a possibilidade de surgimento de poderes paralelos ao Estado de Direito como consequência da viciosa concentração da propriedade de meios de comunicação de massa também é abordado. O controverso tema do controle legal dos meios de comunicação e seu viés de censura ou de garantia de benefício no uso dos meios de comunicações também é abordado. Ao final, é feita uma introdução ao tema da influência da origem da informação sobre a credibilidade e do poder da informação. Palavras-chave: Democracia, meios de comunicação, opinião pública, controle dos meios de comunicação.

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Introdução

Quando Platão fala sobre o regime democrático da Polis Atheniense, em a República, pode-se perguntar se estes escritos encerram ainda alguma verdade passível de ser aplicada aos regimes democráticos dos Estados atuais? Seria cabível realizar analogias entre as mazelas da democracia descrita por Platão e os problemas de toda ordem que enfrentamos no seio das nossas Polis modernas, cada vez mais problemáticas e fragmentadas? Este texto faz uma abordagem bastante introdutória sobre o tema, abordando primeiramente o aspectos filosóficos relacionado ao estado democrático segundo Platão. Em seguida a influência dos meios de comunicação na democracia é abordada. O tema opinião pública é situando como instrumento como essencial para os regimes democráticos e sobre como esta opinião pública necessita dos meios de comunicação para se constituir. A possibilidade do surgimento de poderes paralelos também é abordado na medida em que os meios de comunicação são concentrados em excesso, inibindo a possibilidade de expressão de ideias diferetes daquelas já estabelecidas. 1

Graduando do curso de Bacharelado em Direito da Universidade Federal do Pará (UFPa).

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A democracia como regime

Pensar sobre a melhor forma de governo tem sido um dos empreendimentos mais antigos da filósofia política ocidental e tal investigação naturalmente nos remete aos primeiros filósofos gregos. Segundo Jean-François Robinet, Platão, em sua análise sobre as cidades injustas, classifica a democracia como um dos regimes decadentes nos quais se “invertem progressivamente os princípios da organização hierárquica da cidade justa” (ROBINET, 2004, p. 38). Robinet descreve ainda como Platão, em sua busca por "salvar a cidade da confusão na qual ela tinha caído, a ponto de condenar à morte aquele que tinha compreendido a verdade da discussão" (ROBINET, 2004, p. 29) descreve as características do melhor regime e dos regimes decadentes em uma ordenação lógica que vai da aristocracia (governo dos melhores) progressivamente decaindo para a timocracia, para a oligarquia, para a democracia antes de resvalar na tirania. No que parece ser um anátema à concepção política predominante na atualidade, Platão descreve a aristocracia (e não a democracia) como o regime ideal. A aristocracia seria o regime no qual a cidade justa seria governada (ROBINET, 2004, p. 28) e na qual “o filósofo reivindica o governo da cidade a partir de uma prerrogativa, que é a do saber, a da diferença entre o saber e a opinião" (ROBINET, 2004, p. 36). De forma análoga regimes democráticos atuais não buscam saber da competência dos lideres que elegem, acreditando que a maioria numérica das votações que realizam elegerá o “melhor” líder para governar-los. Em Robinet podemos ler sobre este tema: A democracia para Platão é considerada como a decadência da oligarquia, que é o regime fundado na riqueza. A classe dominante é a dos ricos que também ocupa o poder político. Platão aponta três falhas no Estado democrática: o comando é atribuído ao rico ao invés de o ser ao competente. O Estado democrático, para Platão, não é uno e sim dividido entre ricos e pobres (o que a torna dilacerada e fragmentada pela luta de classes, poderíamos dizer em linguagem moderna). Por último o Estado democrático não tem noção de leis econômicas, tudo pode ser vendido. [...] Os desqualificados tornam-se mendigos ou delinquentes, o equivalente do zangão na colméia. (ROBINET, 2004, p. 39).

Partindo desta transcrição do texto de Robinet podemos refletir sobre algumas das fragilidades do regime democrático que permitem seja gestado dentro de si ações que eventualmente concorrerão para seu enfraquecimento ou para seu decaimento na tirânia (ROBINET, 2004, p. 39). Platão registra que na democracia governa o rico. Alguns autores apontam como abuso de poder econômico a concentração excessiva de meios de comunicação de massa sob a propriedade e a serviço de interesses que não os mesmos do Estado democrático de direito.

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2.1

Influência dos meios de comunicação na democracia

Por definição, um dos requisitos para que a democracia possa ser realizada é a participação dos cidadãos nas decisões políticas. De forma direta ou indiretamente (através do conceito de representação), para que o cidadão possa exercer conscientemente seu poder de voto é essencial que este esteja bem informado sobre os acontecimentos em questão. Neste contexto é que os meios de comunicação têm papel relevante ao se tornarem veículo das informações que influenciarão os cidadãos na formação de opiniões. As opiniões, eventualmente se refletirão em suas decisões. Almeida sintetiza essas ideias quando afirma que o regime democrático é “regido pelo critério da igualdade do voto e da maioria, da presença indeclinável dos cidadãos chamados a participar, direta ou indiretamente, e dotados de condições mínimas para a decisão soberana (liberdade de opinião, expressão, reunião, associação etc.)” (ALMEIDA; LEHFELD, 2014, p. 4), fazendo crer que, sem informações de qualidade ou com informações manietadas por interesses de pequenos grupos, a liberdade de opinião fica prejudicada, tendo como efeito as decisões que resultam em ações deletérias para a democracia e à sociedade. Frutos de um frágil equilíbrio, os direitos fundamentais exigem a separação dos poderes e a transparência no seu exercício. Se, no passado, a separação clássica de poderes foi suficiente para proteger os direitos fundamentais, o mesmo não ocorre na atualidade. O surgimento de forças paralelas ao Estado impõe a necessidade de uma teoria jurídica que estabeleça limites também para esses novos poderes. Uma delas, a midiática, pode desenvolver alianças pouco democráticas com os poderes econômico e político. Assim, os levantamentos sobre a concentração de propriedade dos meios de comunicação de massas e sua relação com os detentores do poder político no Brasil podem causar espanto, não pela novidade, mas pela verdade que colocam” (CADEMARTORI; MENEZES NETO, 2013, p. 188). Para Cademartori, a concentração dos meios de comunicação de massas no Brasil dá ênfase à relação entre sua existência e a falta de pluralismo, que é, segundo o autor, o verdadeiro “remédio” contra o abuso dos poderes. A democracia requer um nível constante de dissenso, que só pode ser garantido através da liberdade de expressão e comunicação, entendida amplamente, seja de maneira negativa, como dever de abstenção, seja de maneira positiva, como dever de ação estatal.” (CADEMARTORI; MENEZES NETO, 2013, p. 188) Nos regimes democráticos, a comunicação política tende a ocorrer constantemente entre as elites e a opinião pública das massas populares. Funciona como forma de as elites solicitarem apoio ao povo ou, mais raramente, fazendo o caminho inverso, ou seja, das massas para as elites. Contudo, o fluxo comunicativo fica prejudicado em virtude da desintegração da esfera pública política produzida pela simulação, debilitação e degradação da opinião pública, fenômenos patrocinados pela concentração dos meios de comunicação de massas. (CADEMARTORI; MENEZES NETO, 2013, p. 197) Para o autor torna-se necessária a defesa da liberdade de expressão e comunicação e,

4 consequentemente, do pluralismo político através do questionamento sobre a pluralidade dos proprietários dos meios de comunicação de massa. Esse poder midiático passa a ser perigoso quando limitado a pequenos grupos econômicos e políticos, pois adquirem a possibilidade de reprimir e silenciar as vozes dissidentes. (CADEMARTORI; MENEZES NETO, 2013, p. 200)

2.2

Opinião Pública

Apesar das argumentações de Platão em sua obra República2 , a democracia é atualmente o regime político que a maioria dos Estados ocidentais alega adotar. Nesse contexto, os governos são eleitos pela maioria dos votos, o que torna uma consequência lógica do processo democrático que a opinião pública assuma papel muito importante para o funcionamento dessas democracias (CADEMARTORI; MENEZES NETO, 2013, p. 187). Oriunda do ainda recente século XX, a frase de Joseph Goebbles3 a qual afirma que “uma mentira repetida mil vezes torna-se verdade” 4 parece soar como um chamado de atenção sobre as relações entre meios de comunicação e governo (democrático ou não). Os meios de comunicação, que são imprescindíveis à construção de um regime democrático sadio, podem ser (assim como já foram) usados para manipular ideologicamente os indivíduos, cerceando e removendo a liberdade devida aos cidadãos. O reverso da moeda é apresentado em (CADEMARTORI; MENEZES NETO, 2013, p. 188) quando afirma que “instituição por excelência da esfera pública política e, portanto, de formação da opinião pública, os meios de comunicação de massas (media) sofreram modificações históricas que os transformaram em um novo poder paralelo ao Estado, sendo necessário, pois, discutir o papel que eles exercem na esfera pública". A argumentação continua tecendo comentário sobre “ a influência particularmente importante exercida pelo espaço televisivo na constituição da opinião pública, tanto a partir da ideia de homo videns como a partir de uma realidade de controle desse espaço por parte do poder econômico e político no Brasil” (CADEMARTORI; MENEZES NETO, 2013, p. 189)

2.3

Poderes paralelos

Importante também é a avaliação feita por Cademartori de que a “existência do poder midiático não é negativa de por si só, pois é natural, e até mesmo desejável, que existam poderes paralelos ao Estado. Esses poderes não devem, contudo, permanecer invisíveis ao controle do poder exercido legitimamente no Estado democrático de direito, pois tal situação viola uma das maiores promessas da democracia: a visibilidade e controle do poder — inclusive os não estatais” (CADEMARTORI; MENEZES NETO, 2013, p. 188). O autor segue em sua aná2

Ao escrever sua obra, Platão indiretamente procurou perpetuar a memória e as ideias de Sócrates. (ROBINET, 2004, p. 29) 3 Ministro da propaganda do regime nazista na Alemanha.Responsável pelo aperfeiçoamento do uso dos meios de comunicação como instrumentos de manipulação e dominação política. 4 Ministro da propaganda do regime nazista na Alemanha.

5 lise afirmando que é “[...] indispensável, portanto, para a proteção dos direitos fundamentais e para a contenção de poderes arbitrários, compreender que a crise na democracia constitucional refere-se à crise de funcionamento das estruturas de controle e fundamento do poder exercido pelo Estado e pela maior participação de determinados grupos privados. Essa realidade de “controles invertidos”, por fim, pode ser assumido como um dos motivos da crise do Estado quanto ao seu atual modelo representativo. Afinal, se aquele fundamento último do poder (a opinião pública) passa a ser manipulado por um poder invisível e incontrolável, ameaça a legitimidade do poder exercido pelo Estado e, portanto, sua própria legitimidade. (CADEMARTORI; MENEZES NETO, 2013, p. 190) “Não é possível falar em efetiva liberdade de expressão e comunicação em sistemas que permitem a concentração, invisibilidade e incontrolabilidade dos poderes midiáticos. Muito pelo contrário: o controle deixa de ser exercido sobre as media e passa a ser exercido por elas sobre a opinião pública num verdadeiro simulacro de esfera pública política.” (CADEMARTORI; MENEZES NETO, 2013, p. 189). Em sua análise sobre este assunto Lucas Costa reflete que os “[...] meios de comunicação social alcançaram posição de destaque na sociedade contemporânea. São meios qualificados de divulgação de informações de todos os tipos, informações estas que são necessárias para a garantia de uma opinião pública livre e da própria democracia.” (COSTA, 2015, p. 218). O autor dá continuidade ao aogumento afirmando que não “[...] obstante, constantemente têm demonstrado serem também instrumentos aptos a causar severas lesões a bens jurídicos outros, a exemplo dos direitos fundamentais à honra e à imagem” (COSTA, 2015, p. 218) análise esta com profundas implicações já positivas pelo trato jurídico-legal.

2.4

Controle dos meios de comunicação

O tema controle dos meios de comunicação tem o raro poder de polarizar posições e opiniões no espectro político-social. Para alguns o controle é necessário enquanto que para outros é sinônimo de censura e autoritarismo do estado que estaria avançando sobre os direitos individuais dos cidadãos. Lucas Castro argumenta sobre esta questão observando que “[...] como tudo na vida, os veículos de comunicação, bem como as informações que divulgam, merecem estar sujeitos a limites, bem como à fiscalização e controle desses limites. Visa-se, dessa maneira, não só proteger direitos fundamentais como a honra e a imagem, como também garantir o próprio bem inestimável que necessita ser propagado para a boa ventura da sociedade democrática – a informação.” (COSTA, 2015, p. 218). Neste mesmo sentido, Cademartori argumenta que “[...] discursos pela ’liberdade de expressão’ que se opõem ao controle dos meios de comunicação de massas são, na realidade, discursos pela ’liberdade dos proprietários’, o mesmo tipo de discurso que coloca, segundo a Freedom House, o Brasil na 97a posição do Global press freedom ranking 2011.” (CADEMARTORI; MENEZES NETO, 2013, p. 208) Outro autor que dialoga sobre o tema do controle dos meios de comunicação é Lucas

6 Carvalho quando se manifesta afirmando que: de “ [...] outro lado, estão os que conferem maior peso ao princípio da regulação de conteúdo, vendo neste uma prática de viés democrático, necessária para a garantia de pluralismo e diversidade na arena midiática” (CARVALHO, 2012, p. 52). O autor completa seu pensamento afirmando ainda que a “[...] própria liberdade de expressão seria fortalecida com a atuação reguladora do Estado, na medida em que poderiam ser eliminados ou reduzidos os mecanismos de censura impostos pelo mercado a vozes dissonantes e a grupos minoritários.” (CARVALHO, 2012, p. 52). Um terceiro autor que versa sobre o assunto, manifestando um posicionamento alinhado com os programas de geverno do Partido dos Trabalhadores do Brasil é Jonas Valente que escreve sobre a questão da regulação democrática da mídia no pais da seguinte forma: A base para uma regulação democrática são os conceitos de liberdade de expressão, acesso à informação e direito à comunicação. Eles não podem ser entendidos como garantias individuais, mas coletivas. Deve-se buscar, assim, assegurar esses direitos ao maior número possível de pessoas. Frente ao quadro de desigualdade inerente à sociedade capitalista, complexificado pela formação do Brasil, cabe ao Estado, em conjunto com a sociedade civil, criar mecanismos para que haja um equilíbrio na esfera da produção e circulação de ideias, opiniões e informações. Sem isso, os detentores dos meios de comunicação permanecerão com um poder desproporcional em relação aos demais, desprovidos desses instrumentos ou que atuam em espaços de menor repercussão. Isso gera consequências não apenas na área da comunicação, mas na democracia brasileira. (VALENTE, 2013, p. 74)

2.5

O peso da origem das informações

Alguns autores ao abordarem o tema da influência da informação sobre os cidadãos, propõem uma questão que revela ter profundo impacto sobre as escolhas feitas pelos mesmos cidadãos qual seja o peso que o veículo da informação exerce sobre a aceitação ou à percepção de veracidade da informação veiculada. Sobre este tema, escreve o acadêmico peruano Aníval Sierralta Ríos abordando a revolução tecnológica dos meios de comunicação e sua relação com o direito e a democracia (RÍOS, 2012).

7 A palavra escrita em uma revista ou periódico e, sobretudo, a imagem na televisão adquiriram o status de dogma: são verdades inabaláveis. Trata-se de um poder que é utilizado pelos atores do comércio internacional, principalmente pelas empresas transnacionais e pelos Estados, para fortalecer seus interesses e impulsionar suas operações de investimento. De fato, os meios de comunicação são formadores de opinião e exercem grande influência na vida das pessoas, na política nacional, na cultura dos povos e na tomada de decisões no mercado. (RÍOS, 2012, p. 306)

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Conclusões

O tema abordado neste documento é amplo e deixa margem para diversar conclusões. Os meios de comunicação devem ser utilizados considerando principalmente o interesse público e, em segundo plano o interesse privado. Parte desse processo deve incluir o reconhecimento do espaço público e a legitimação da intervenção estatal no âmbito da vida democrática, nunca sem que haja meios de controle do processo para que se evite a invasão da privacidade e do direito individual pelo Estado. Em sintese, concordamos com a afirmação de Ríos em seu registro de que "a liberdade de imprensa, de expressão, de opinião, de informação ou de comunicação e sua resistência à sua regulação constituem as bases teóricas sobre as quais se edificou o poder dos meios de comunicação e também a dinâmica principal que determina a relação entre o Estado, o indivíduo e os mencionados meios." (RÍOS, 2012, p. 350). A mídia deve contribuir para que os cidadãos adquiram uma classificação de informação política e cultural, desde que possam se comprometer. Nesse sentido, é um recurso público. A comunicação deve ter como objetivo último a emancipação do ser humano para que este possa contribuir com sua comunidade ou grupo ao qual pertença. Se assim não o for, os meios de comunicação de massa perdem seus efeitos benéficos e passam a merecer atenção para que não mais sirvam como instrumentos de alienação.

Referências ALARCÓN, Pietro Lora; STROPPA, Tatiana. Democracia e Direito de Informação Jornalística. Revista Brasileira de Estudos Constitucionais, v. 4, n. 14, p. 1–14, 2010. ALMEIDA, Herivelto de; LEHFELD, Lucas de Souza. Democracia Participativa, Acesso à Informação e o Cidadão na Tutela dos Direitos Coletivos. Revista de Direito Constitucional e Internacional, v. 86, p. 1–18, 2014. ARAÚJO, Bráulio Santos Rabelo de. Limites à concentração de propriedade dos meios de comunicação – Poder do Estado e papel do SBDC. Fórum de Direito Financeiro e Econômico, v. 3, n. 4, p. 1–34, 2014.

8 CADEMARTORI, Daniela Mesquita Leutchuk de; MENEZES NETO, Elias Jacob de. Poder, Meios de Comunicação de Massas e Esfera Pública na Democracia Constitucional. Seqüência: Estudos Jurídicos e Políticos, v. 34, n. 66, p. 187–213, 2013. Disponível em: . CARVALHO, Lucas Borges de. Os Meios de Comunicação, a Censura e a Regulação de Conteúdo no Brasil: Aspectos Jurídicos e Distinções Conceituais. Revista de Direito, Estado e Telecomunicações, v. 4, n. 1, p. 51–82, 2012. COSTA, Lucas. Meios de Comunicação: Limites e Controles no Brasil. Revista dos Tribunais, v. 956, p. 217–231, 2015. MÁXIMO, Marcela de Fátima Menezes; AOKI, Raquel Lima de Abreu; AOKI, William Ken. Do Direito de Acesso à Informação Pública em Poder do Estado:A visão do Sistema Interamericano de Direitos Humanos. Revista Brasileira de Direito Público, v. 10, n. 38, p. 1–21, 2012. RÍOS, Aníbal Sierralta. A Revolução Tecnológica dos Meios de Comunicação e os Desafios do Direito e da Democracia. Meritum, Revista de Direito da Universidade FUMEC, v. 7, n. 1, p. 305–353, 2012. ROBINET, Jean-François. O Tempo do Pensamento. São Paulo: Paulus, 2004. 299 p. ISBN 85-349-2170-9. VALENTE, Jonas. As propostas de regulação democrática da mídia no país. In: Regulação Democrática dos Meios de Comunicação. São Paulo: Editora Fundação Perseu Abramo, 2013. p. 74–88. ISBN 978-85-7643-184-8.

1 ALARCÓN, Pietro Lora; STROPPA, Tatiana. Democracia e Direito de Informação Jornalística. Revista Brasileira de Estudos Constitucionais, v. 4, n. 14, p. 1–14, 2010.

MEIOS DE COMUNICAÇÃO DE MASSA “Os meios de comunicação de massa revelam-se instrumentos não só exclusivamente úteis para a transmissão das notícias ou a divulgação de diversas formas de entretenimento, senão também como uma ferramenta hábil para a disseminação das ideologias e dos interesses de alguns segmentos sociais, regularmente setores dominantes em cenários nacionais, regionais ou locais. Por outras palavras, e isto não é novidade, possuir meios de comunicação é possuir uma parcela de poder social ou ter a possibilidade de conduzir a opinião pública em um determinado sentido. É claro que todos os seres humanos, do ponto de vista estritamente jurídico, somos titulares do direito fundamental de sermos adequadamente informados, o que inclui, obviamente, o direito à informação verdadeira. Acontece que, paralelamente a esse direito, os agentes da comunicação ostentam a possibilidade concreta de, na prática, escolher o que pode ser considerado como uma autêntica notícia. E, ainda, como este deve ser veiculado e com que intensidade.” (ALARCÓN; STROPPA, 2010, p. 1) RELIGIÃO E LIBERDADE DE EXPRESSÃO “Destarte, a religião passou a ser um fator diferenciador das primeiras civilizações. As explicações sobre as causas que originam os mais variados fenômenos eram pautadas pela ligação com um ou vários deuses e, aos poucos, a religião passou a ser um instrumento discriminatório. Comenta Gomes Canotilho que, um pouco mais à frente na história, a quebra da unidade religiosa da cristandade deu origem a minorias que defendiam o direito de cada um à verdadeira fé. O assunto é deveras importante porque a tolerância religiosa e a limitação do poder estatal de impor ao foro íntimo da pessoa uma religião oficial parecem ser, na óptica de Jellinek, a origem dos direitos fundamentais, ainda que esta fosse apenas a ideia de professar religião diversa e não propriamente de uma liberdade religiosa. Assim, e adentrando na questão referente ao direito de comunicação, os antepassados dos modernos jornais apareceriam com a necessidade de disseminar um pensamento religioso. Ainda que depois, com a configuração do poder na polis, iniciou?se o caminho da difusão de ideias sobre o gerenciamento adequado da sociedade organizada. Durante a Idade Média é possível verificar a luta pela liberdade de expressão do pensamento quando os setores que contestavam a realeza na Inglaterra exigiram o direito de manifestar as suas crenças, verbalmente ou por escrito. É conhecido que na aurora do Constitucionalismo os direitos fundamentais surgidos da luta entre nobreza e rei na Inglaterra adquiriram a forma de documentos e, nessa medida, eram proibidos na Europa Continental.” (ALARCÓN;

2 STROPPA, 2010, p. 2) CONCENTRAÇÃO DOS MEIOS DE COMUNICAÇÃO “A verdade é que as tecnologias desenvolvidas foram construídas sob uma estrutura de concentração dos meios de comunicação. Assim, alguns poucos cuidam de expressar, quase que única e exclusivamente, os hábitos, costumes e valores que permitam a eternização de uma certa estrutura que já vem reproduzida em termos econômicos, onde, o último que interessa é a qualidade da informação.” (ALARCÓN; STROPPA, 2010, p. 4) “Nessas condições, a informação passa a ser tratada como um produto, algo a ser consumido, de maneira atraente. Conquanto se mantenha a forma o conteúdo parece pouco importante, e a perspectiva da informação tem uma relevância ainda menor. Com maior razão, não há espaço para a discussão sobre a propriedade dos mecanismos de informação digital, que como nunca antes, como jornal, podem veicular mensagens ou escolher aquilo que é considerado notícia. Anote?se ainda que, se a discussão não pode ser reduzida à questão do avanço tecnológico, também não pode ficar no terreno da maneira mais atraente de veicular as informações. Sem dúvida, as duas questões são importantes, mas não pode ocultar que existe uma discussão de fundo sobre o conteúdo da informação. Ou seja, a chamada informação surpreendente deve ser verdadeira, crítica e alicerçada no curso de história marcada pelo desenvolvimento e os direitos das pessoas.” (ALARCÓN; STROPPA, 2010, p. 4) PLURALISMO POLÍTICO E PLURALISMO DE MÍDIA “Mas o pluralismo político para se efetivar exige como antecedente lógico que as diversas correntes de opinião consigam sair da invisibilidade e fazer as suas vozes ecoar por intermédio dos meios de comunicação de massa, porque a discussão pública é "o único modo viável para a disseminação e refinamento de nossos pensamentos sobre tais questões, e seu aprimoramento constitui uma pré? condição absoluta para a existência de uma sábia política pública em um estado democrático". Veja-se como, na televisão, não é possível negar o peso e o impacto imediato da sua incidência nos processos políticos. Com efeito, as expressões vídeo - política e homo-videns acunhadas por Giovanni Sartori na obra Homo videns: televisão e pós-pensamento - assinalam para um dos aspectos mais interessantes do poder da televisão: o de gerar uma radical transformação da maneira de ser políticos e de fazer política. A questão, naturalmente, está atrelada à necessidade de que a televisão contribua à mantença das liberdades públicas e, para isso, há que entender que o regime político democrático é um regime de opinião, baseado em um sentimento coletivo a Biblioteca respeito da realidade pública, do que interessa a todos em termos de notícia porque incide no controle da coisa pública, nos valores, ideias e ideais dos seres humanos

3 que conformam uma comunidade com aspirações de paz e progresso. Portanto, o pluralismo informativo é fundamento da livre comunicação social e, por isso, pressuposto indispensável para a garantia da opinião pública livre. Contudo, faz-se mister esclarecer que não basta a existência de um pluralismo quantitativo consistente em uma multiplicidade de informações advindas dos diversos meios de comunicação, é preciso ser agregado o pluralismo qualitativo, que implica a existência de diversidade de opiniões e de fontes de informação.” (ALARCÓN; STROPPA, 2010, p. 9)

1 ALMEIDA, Herivelto de; LEHFELD, Lucas de Souza. Democracia Participativa, Acesso à Informação e o Cidadão na Tutela dos Direitos Coletivos. Revista de Direito Constitucional e Internacional, v. 86, p. 1–18, 2014.

DIREITO E SOCIEDADE "Parte-se da constatação, nos dias em curso, que a relação entre direito e democracia reflete uma sociedade fragmentada, individualista e excludente, mediante a reprodução de mecanismos e instrumentos insuficientes para a legitimação da participação cidadã nas decisões políticas e afirmação do Estado Democrático de Direito, com o privilégio do indivíduo – na acepção negativa que lhe outorgaram várias correntes do pensamento, ou seja, fomentador de desunião, discórdia e ruptura da ordem constituída – na utilização do Judiciário para a defesa dos direitos subjetivos individuais, com a correspondente sobrecarga do sistema de prestação jurisdicional pela atomização dos conflitos, em detrimento da satisfação dos interesses da coletividade, em grande parte motivados pelas promessas não cumpridas quanto aos direitos sociais."(ALMEIDA; LEHFELD, 2014, p. 3) "(. . . ) engloba mais que direitos humanos, porque, além de incluir os direitos que a todos são atribuídos, em virtude de sua condição humana, abrange, ainda, os direitos políticos. Correto, por conseguinte, falarmos numa dimensão política, numa dimensão civil e numa dimensão social da cidadania. Ser cidadão implica na efetiva atribuição de direitos nas três esferas mencionadas, porque careceria de sentido participar do governo sem condições de fazer valer a própria autonomia, bem como sem dispor de instrumentos asseguradores das prestações devidas pelo Estado, em nome da igualdade de todos."(ALMEIDA; LEHFELD, 2014, p. 11) DEMOCRACIA E ACESSO À INFORMAÇÃO "Através de um diálogo entre Jürgen Habermas e Norberto Bobbio, procuramos estabelecer como as “regras do jogo”, para o segundo, e o “espaço público comunicativo”, para o primeiro, comportam os elementos fundamentais para o verdadeiro processo democrático tendo como pressuposto fundamental e de viabilidade o acesso à informação."(ALMEIDA; LEHFELD, 2014, p. 3) "Ao permitir que o cidadão, em sentido amplo, tenha acesso a informações antes confinadas à burocracia estatal, resguardada a matéria sigilosa, garantindo-lhe prioridade na defesa dos direitos fundamentais ou afastando qualquer restrição à informação no resguardo dos direitos humanos, o legislador contemplou-o com uma ferramenta poderosa que permite obter, por exemplo, dados, informações e documentos dos órgãos públicos, de interesse geral ou coletivo, idênticos aos propiciados ao Ministério Público, via poder requisitório albergado no inquérito

2 civil ou mesmo às associações legitimadas."(ALMEIDA; LEHFELD, 2014, p. 10) "Ao longo deste trabalho procuramos comprovar como o acesso à informação perpassa a relação cidadão-administrador, cidadão-legislador e cidadão-juiz, numa posição central na concepção moderna entre democracia e direito. O círculo virtuoso que se estabelece a partir do acesso à informação pelo cidadão se estende à sua condição de sujeito coletivo e seu lócus na esfera pública e o qualifica para o exercício permanente da democracia participativa, com a utilização de seus mecanismos e instrumentos fundamentais para a construção da Justiça social."(ALMEIDA; LEHFELD, 2014, p. 12) DEMOCRACIA E DIREITO "A evolução da concepção de democracia no pensamento político remete às teorias clássica, medieval e moderna, onde o cidadão (conceito restrito na democracia ateniense) e a soberania popular se alternam na legitimação do Governo e, posteriormente, do Estado. Justamente essas concepções de Estado moldaram as doutrinas políticas pós-Revolução Francesa, do liberalismo em contraposição ao socialismo e, sob a concepção liberal do Estado, a liberdade dos antigos, que remete à esfera pública e à participação ativa no poder político, a liberdade dos modernos, vinculado à esfera privada e a representação da soberania popular através de um núcleo intangível pelo Estado."(ALMEIDA; LEHFELD, 2014, p. 3) "Essas são as bases nas quais se assentam a democracia representativa e o processo de democratização mais quantitativo (ampliação do sufrágio e dos órgãos político- legislativos) que qualitativo (críticas das doutrinas socialistas sobre a participação popular e o controle do poder insuficiente nas mãos do cidadão), refletindo seus efeitos nos regimes liberais democráticos."(ALMEIDA; LEHFELD, 2014, p. 3) "Fundado na premissa de que pode haver direito sem democracia (v.g, os regimes totalitários do século XX), mas não há democracia sem direito, surge a defesa intransigente das “regras do jogo” ou “procedimentos universais” por Norberto Bobbio, ou seja, os modos de aquisição e exercício do poder delineados pelo direito, fruto da ação política humana. Regido pelo critério da igualdade do voto e da maioria, da presença indeclinável dos cidadãos chamados a participar, direta ou indiretamente, e dotados de condições mínimas para a decisão soberana (liberdade de opinião, expressão, reunião, associação etc.), indicados estarão os elementos básicos de uma sociedade liberal democrática, que será mais ou menos democrática a partir da adoção ampla ou restrita de tais critérios de qualificação."(ALMEIDA; LEHFELD, 2014, p. 4) “Direitos do homem, democracia e paz são três momentos necessários do mesmo movimento histórico: sem direitos do homem reconhecidos e protegidos, não há democracia; sem democracia, não existem condições mínimas para a solução pacífica dos conflitos. Em outras palavras, a democracia é sociedade dos cidadãos, e os súditos se tornam cidadãos quando lhes são reconhecidos alguns direitos fundamentais (. . . )."(apud Bobio, 2005, VI) A necessidade de afirmação dos direitos humanos contra o abuso do exercício do poder nos conduz a outro

3 elemento de contenção (para além dos elementos formais da representação política): a transparência, ou seja, “um direito à informação que permite a participação consciente da cidadania na vida democrática”, nas palavras de Lafer (apud Bobbio, 2004, VIII)."(ALMEIDA; LEHFELD, 2014, p. 4) "Isso nos leva à percepção de Habermas sobre a inserção das pessoas privadas no mundo da vida e sujeitos da esfera pública. Afinal, participação consciente do cidadão e inserção no espaço público pressupõem requisitos mínimos de qualificação, dentre eles o acesso à informação. Nesse sentido, Gentilli (2002, p. 38):"(ALMEIDA; LEHFELD, 2014, p. 5) "Segundo Norberto Bobbio, no pensamento de Habermas, “entende-se que a maior ou menor relevância da opinião pública entendida como opinião relativa aos atos públicos, isto é, aos atos próprios do Poder Público que é por excelência o poder exercido pelos supremos órgãos decisórios do Estado, da ‘res-publica’, depende da maior ou menor oferta ao público, entendida esta exatamente como visibilidade, cognoscibilidade, acessibilidade e, portanto, controlabilidade dos atos que detém o supremo poder."(ALMEIDA; LEHFELD, 2014, p. 5) "Numa crítica fundada à teoria procedimental da política deliberativa e à teoria do sistema político de ação como autorregulação funcional da sociedade e demais esferas de poder – que exclui os indivíduos ou coletividades do mundo da vida, ou seja, desligados da sociedade civil, da cultura política e socialização, para um sistema destituído de “freios normativos contidos no fluxo do poder regulado pelo Estado de Direito” – capaz de “provocar déficits de legitimação e de regulação” que “favorecem uma espécie de incrementalismo muito próximo ao quietismo”, Habermas (1997, p. 59- 91) propõe uma nova teoria sociológica da democracia que garanta o nexo constitutivo entre direito e poder político através de contextos comunicacionais do mundo da vida oriundas da esfera pública e privada, ou seja, a legitimação do processo democrático, com fundamento na teoria do discurso, que pressupõe fluxos da periferia ao centro decisório administrativo, legislativo ou Judiciário, antes de retornar ao ciclo de implementação. Para sua ideia de democracia, sustentada na ação comunicativa, deve haver uma síntese entre a garantia dos direitos humanos e o princípio republicano fundamentado na soberania do povo. É na esfera pública, segundo o referido autor, que os fluxos de comunicação são filtrados e sintetizados para condensar as opiniões públicas, daí sua função de captar e tematizar os problemas da sociedade como um todo, além de intermediar a comunicação entre o sistema político e os “setores privados do mundo da vida” através do direito, numa verdadeira estrutura de comunicação. Tais conceitos de Habermas estão intimamente vinculados ao processo democrático participativo discursivo e ao acesso à informação no fluxo comunicacional que se trava na esfera pública de mediação coletiva, ‘apoiada em direitos fundamentais´ (Habermas, 1997, p. 101)."(ALMEIDA; LEHFELD, 2014, p. 5) "A concepção do cidadão, que não é reduzido à condição de eleitor, mas indivíduo que integra e participa da esfera pública e política como centro do poder democrático,6 e do acesso à informação como instrumento de integração na esfera pública, com potencial de controle da administração, não significa o menosprezo ao Estado, como associação política orgânica, ou

4 de grupos intermediários com poder de identidade e mobilização,7 ou mesmo a prevalência do direito individual ao dever coletivo na comunhão social. Apesar dos obstáculos à realização das promessas da democracia moderna, abaixo indicados, sobrelevam os ideais que iluminaram a construção das regras do jogo e informam a ideia do “cidadão ativo”. (ALMEIDA; LEHFELD, 2014, p. 5) "(...) nas duas acepções dos pensadores de referência, do “cidadão ativo” de Bobbio aos “sujeitos privados vivos e atuantes” de Habermas, o acesso à informação constitui elemento fundamental para o agir comunicativo na esfera pública, para resguardar as regras do jogo de maneira substancial, com um mínimo existencial que impede a formação de um sistema hermético não emancipatório ou deslegitimado, e posiciona o cidadão em situação ativa nesta relação entre a democracia e direito. Como esse princípio interage com os demais mecanismos e instrumentos da democracia participativa, e sua contribuição para a afirmação da cidadania e da Justiça social no âmbito da jurisdição"(ALMEIDA; LEHFELD, 2014, p. 6) "No âmbito constitucional, embora o acesso à informação permeie a concepção de inúmeras garantias fundamentais, como referido no tópico anterior, o direito foi agasalhado com primazia no Capítulo dos direitos e deveres individuais e coletivos (art. 5o , XXXII): ’todos têm direito a receber dos órgãos públicos informações de seu interesse particular, ou de interesse coletivo ou geral, que serão prestadas no prazo da lei, sob pena de responsabilidade, ressalvadas aquelas cujo sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade e do Estado´."(ALMEIDA; LEHFELD, 2014, p. 8) "A leitura desarmada do Texto Constitucional permite afirmar que o acesso à informação pública é regra e o sigilo a exceção (amplitude), ao direito do cidadão corresponde o dever do Estado (destinatário) e as informações se voltam a tutelar o interesse particular, coletivo ou geral (finalidade). No âmbito infraconstitucional, a legislação federal contemplou o acesso à informação, que se liga umbilicalmente à publicidade dos atos e ações administrativas como instrumento de democracia participativa, no controle sobre a execução do orçamento, a transferência de recursos e sua aplicação (art. 48-A da Lei de Responsabilidade Fiscal), ou para disciplinar a política nacional de arquivos públicos e privados (art. 4o da Lei 8.159/1991), por exemplo. Entretanto, a disciplina legal de maior envergadura na concreção do direito fundamental em estudo foi a publicação da Lei 12.527, de 18.11.2011 (com a entrada em vigor em 16.05.2012), com amplo potencial emancipatório e de tutela coletiva de direitos."(ALMEIDA; LEHFELD, 2014, p. 8) "Entretanto, a participação do cidadão na defesa da coletividade e dos interesses transindividuais sempre foi vista com reservas. Limitado à tutela atomizada de natureza particular, como mero direito subjetivo, ele foi alijado do processo coletivo ou, ao menos, de sua participação ampla e efetiva, restrita sua legitimação à ação popular."(ALMEIDA; LEHFELD, 2014, p. 10) DEMOCRACIA PARTICIPATIVA VS. DEMOCRACIA REPRESENTATIVA

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"A noção de democracia participativa em contraposição à representativa remonta à democracia direta, ou seja, a possibilidade de utilização de outros mecanismos, além do sufrágio universal que se funda na ótica da deliberação, para a manifestação da vontade do cidadão na esfera política de decisão estatal."(ALMEIDA; LEHFELD, 2014, p. 6) "Wolkomer (2001) traça um caminho entre a democracia representativa liberal clássica e a retomada da democracia participativa como lócus da prática e do poder local, diante dos fatores de crise que aponta, como: (a) sucessivos descumprimentos de programas, com esvaziamento dos mandatos políticos e distanciamento das demandas reais da sociedade; (b) corrupção na classe política, com tolerância dos outros Poderes; (c) declínio de vastos setores sociais, com deterioração das condições sociais causada por ajustes e políticas desiguais; (d) complexidade das demandas e especialização técnica, com aumento das diferenças sociais e funcionais sem a capacitação dos partidos e lideranças, ainda arraigados na prática do clientelismo; (e) crise dos grandes discursos de legitimação, como socialismo, sujeito coletivo, Estado-Nação; e (f) influência dos meios de comunicação, que poderiam contribuir para a democratização da política e formação ética da opinião pública. Propõe um novo paradigma, com prioridade na ação humana dos novos sujeitos sociais, descentralização democrática e participação da sociedade civil, sem a exclusão das limitadas e insuficientes regras formais (partidos políticos; ações da maioria; sistema de votos) e sim com a inclusão de novos processos de democracia direta (participação orçamentária; gestão compartilhada e sistema de conselhos) capazes de conviver com a democracia por delegação, com privilégio ao poder local e não meramente formal."(ALMEIDA; LEHFELD, 2014, p. 6) "Entretanto, o acesso à informação, nesta acepção restrita, é visto como forma de controle social do Estado pelo cidadão, que assume posição ativa na construção de sua realidade e se afasta da condição de mero destinatário da informação produzida pelos meios de comunicação, além de promover a qualificação e facilitação do acesso à devida prestação jurisdicional para a tutela da coletividade, com reflexos da esfera pública sobre a política, ou seja, com o fim de estabelecer um fluxo de comunicação para afirmação da democracia participativa e do Estado Democrático de Direito."(ALMEIDA; LEHFELD, 2014, p. 7) ACESSO À INFORMAÇÃO, CIDADANIA E DEMOCRACIA "A própria noção de democracia pressupõe transparência nas relações entre o Estado e o cidadão, através de um fluxo comunicacional contínuo e de via dupla, entre a esfera privada, o espaço público e o político, para a máxima legitimação da representação e participação. Essa percepção imanente ao sistema democrático, representativo ou participativo, formal ou substancial, sobre o acesso à informação como pressuposto básico aos procedimentos de legitimação e, portanto, um direito fundamental12 ao exercício de outros direitos, civis, políticos e sociais, foi incorporada por convenções e tratados internacionais assinados pelo Brasil, como a Declaração

6 Universal dos Direitos Humanos, a Convenção das Nações Unidas Contra a Corrupção, a Declaração Interamericana de Princípios de Liberdade de Expressão e o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos. No âmbito constitucional, embora o acesso à informação permeie a concepção de inúmeras garantias fundamentais, como referido no tópico anterior, o direito foi agasalhado com primazia no Capítulo dos direitos e deveres individuais e coletivos (art. 5o , XXXII): ’todos têm direito a receber dos órgãos públicos informações de seu interesse particular, ou de interesse coletivo ou geral, que serão prestadas no prazo da lei, sob pena de responsabilidade, ressalvadas aquelas cujo sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade e do Estado’ ” (ALMEIDA; LEHFELD, 2014, p. 8) "A leitura desarmada do Texto Constitucional permite afirmar que o acesso à informação pública é regra e o sigilo a exceção (amplitude), ao direito do cidadão corresponde o dever do Estado (destinatário) e as informações se voltam a tutelar o interesse particular, coletivo ou geral (finalidade). No âmbito infraconstitucional, a legislação federal contemplou o acesso à informação, que se liga umbilicalmente à publicidade dos atos e ações administrativas como instrumento de democracia participativa, no controle sobre a execução do orçamento, a transferência de recursos e sua aplicação (art. 48-A da Lei de Responsabilidade Fiscal), ou para disciplinar a política nacional de arquivos públicos e privados (art. 4o da Lei 8.159/1991), por exemplo. Entretanto, a disciplina legal de maior envergadura na concreção do direito fundamental em estudo foi a publicação da Lei 12.527, de 18.11.2011 (com a entrada em vigor em 16.05.2012), com amplo potencial emancipatório e de tutela coletiva de direitos. Em resumo, a lei promove as garantias do direito ao acesso, disciplina regras sobre a divulgação e rotina, como o processamento dos pedidos, recursos contra a negativa, restrições fundadas no sigilo dos dados, tratamento de informações pessoais e responsabilidade dos agentes públicos. Nos limites deste artigo, importa considerar algumas inovações de relevo. Na novel legislação, o acesso à informação é direito fundamental para o controle social, em conformidade com os princípios básicos da Administração Pública, a ampliação dos destinatários (para abranger a Administração direta e indireta dos Poderes Executivo, Legislativo, Judiciário e Ministério Público, além de entidades privadas sem fins lucrativos destinatárias de recurso ou subvenções) e da noção de informação (para abranger o suporte – documento), e a vedação a qualquer restrição para a informação necessária à tutela judicial ou administrativa de direitos fundamentais, com preponderância do acesso público ao resguardo às informações pessoais nessas hipóteses, de modo a incentivar a participação popular."(ALMEIDA; LEHFELD, 2014, p. 8) ACESSO À INFORMAÇÃO E ACESSO À JUSTIÇA "O acesso à Justiça tomou impulso novo com a Constituição Federal de 1988 e seu texto repleto de promessas, ao lado de uma sociedade carente de básicos direitos civis, políticos e sociais, ou seja, de todas as gerações de direitos fundamentais, que se refletiu na consolidação do Poder Judiciário e do processo como instrumento de participação democrática, conclusão

7 esta que retomamos mais adiante. Com propriedade, Canotilho (2008, p. 72) observa que o processo postula ’uma imbricação material com os direitos fundamentais’, sob a tríplice perspectiva: (a) como instrumento de proteção e realização dos direitos fundamentais; (b) como instrumento adequado e justo para a limitação ou restrição dos direitos fundamentais; (c) como “locus” do exercício dos direitos, liberdades e garantias. A complexidade social e a demanda por ’novos direitos’, negados pelo Estado Social a contingentes expressivos da população, sequer reconhecidos ou capacitados para o exercício, sobretudo os direitos sociais que requerem uma intervenção direta, “para sua proteção efetiva (. . . ) a ampliação dos Poderes do Estado” (Bobbio, 2004, p. 67), gerou uma das consequências visíveis que parece suscitar a denominada crise do Judiciário, da instrumentalidade do processo e a efetividade como seu escopo institucional, qual seja, o individual solapando o coletivo na distribuição equitativa da Justiça, ante à prevalência dos conflitos fundados nos direitos subjetivos individuais, de modo a provocar a sobrecarga do sistema que se relaciona com a crise da modernidade democrática e o esvaziamento do espaço público."(ALMEIDA; LEHFELD, 2014, p. 9) LIMITE DAS LEIS "A opção constitucional é decorrência lógica da natureza própria dos interesses metaindividuais, desprovido de titularidade imediata e singular, no sentido material, porquanto disperso numa coletividade de pessoas indeterminadas ou indetermináveis. Entretanto, a participação do cidadão na defesa da coletividade e dos interesses transindividuais sempre foi vista com reservas. Limitado à tutela atomizada de natureza particular, como mero direito subjetivo, ele foi alijado do processo coletivo ou, ao menos, de sua participação ampla e efetiva, restrita sua legitimação à ação popular. O sistema da lei da ação civil pública, em conjugação com a Constituição Federal (LGL/1988/3) e o Código de Defesa do Consumidor (LGL/1990/40) (Lei 8.078/1990), está conformado à regra da legitimação mista, com a indicação legal da iniciativa por órgãos públicos (Ministério Público; Defensoria; União, Estados e Municípios etc.) e grupos intermediários da sociedade (associações; sindicatos). Atrás dessa ideologia é possível afirmar a desconfiança quanto à participação do cidadão. A ação popular, embora se volte ao controle do administrador através do Poder Judiciário, é restrita quanto aos legitimados ativos e passivos e quanto ao objeto (meio ambiente; patrimônio público) e, portanto, não abrange todo e qualquer interesse difuso e coletivo (como consumidor; saúde pública etc.), na acepção constitucional que ilumina a defesa dos direitos coletivos mediante o instrumento da ação civil pública. Esse déficit de legitimação para a defesa, pelo cidadão, de outros interesses difusos e coletivos, bem como a limitação quanto ao destinatário da pretensão, não foram adotados, por exemplo, pela Constituição portuguesa, que outorgou ao cidadão poderes mais amplos, o que mereceu inúmeras críticas da doutrina pátria."(ALMEIDA; LEHFELD, 2014, p. 10) "O acesso à informação, e aqui o âmago da questão, permite ao cidadão avançar sua participação na defesa dos interesses da coletividade no âmbito da jurisdição, além de inter-

8 ferir na atividade legislativa e administrativa, como instrumento de sua expressão democrática."(ALMEIDA; LEHFELD, 2014, p. 10) "Ainda que se conclua que o manejo da tutela coletiva não é conferido em sua integralidade ao cidadão, em face da conformação legal e constitucional sobre o tema, forçoso concluir que o acesso à informação, além de contrapor o cidadão ao Estado, obrigado a garanti-lo como direito fundamental em seu aspecto material (portanto, um direito difuso na coletividade), permite superar inúmeros óbices declinados à iniciativa individual no campo processual, pois, dentre outras funções: (a) previne litígios, visto que o acesso à informação ou documento pode exaurir a pretensão do interessado; (b) tonifica a prova, já que autoriza a adequada instrução para conhecimento da amplitude do interesse tutelado; (c) qualifica o cidadão, no sentido de dotá-lo de representatividade adequada para a tutela coletiva; e (d) facilita o acesso à Justiça e fortalece a tutela coletiva como instrumento de pacificação social e democracia participativa."(ALMEIDA; LEHFELD, 2014, p. 10)

1 ANG, Peng Hwa; PANG, Natalie. Globalização da Internet, Soberania ou Democracia: o Trilema do Fórum de Governança da Internet. Revista de Direito, Estado e Telecomunicações, v. 6, n. 1, p. 45–62, 2014.

GOVERNANÇA E REGULAÇÃO GOVERNAMENTAL DA INTERNET “Desde o seu surgimento em 2006, como um resultado da Cúpula Mundial sobre a Sociedade da informação [World Summit on the Information Society], o Fórum de Governança da Internet (FGI) [Internet Governance Forum (IGF)] pretendeu ser uma plataforma para o discurso democrático sobre questões difíceis e sensíveis a respeito da maneira pela qual a Internet estava sendo dirigida e viria a ser dirigida. O objetivo relativamente modesto de ser um mero “talk show” foi intencional. Ainda que nunca dito publicamente, era comentado nos bastidores que um “talk show” sem poder decisório iria evitar debates demorados sobre a redação de acordos ou decisões. É possível dizer que o FGI foi bem-sucedido como um “talk show”. Tanto o Secretário-Geral da ONU em uma recomendação formal à Assembleia Geral quanto seus participantes em uma pesquisa informal em 2009, de maneira geral, querem que ele permanece existindo após a avaliação quinquenal (United Nations General Assembly, 2010)”. (ANG; PANG, 2014, p. 46-47) “Tendo atingido esse objetivo relativamente modesto, a próxima pergunta natural é: qual será o próximo mandato do FGI? Pode o FGI ser uma plataforma não apenas para debate, mas também para ação? Até que ponto a governança da Internet pode ser internacional?” (ANG; PANG, 2014, p. 47) “O FGI foi criado na segunda Cúpula sobre a Sociedade da Informação (CMSI) [World Summit on the Information Society (WSIS)] em 2005, a partir da recomendação do Grupo de Trabalho sobre a Governança da Internet (GTGI) [Working Group on Internet Governance (WGIG)]. O FGI tem sido bem-sucedido em reunir governos, think tanks, e acadêmicos para discutir e debater questões sobre governança da Internet, bem como perspectivas sobre com o quê a governança da Internet deveria se parecer. Os participantes representam interesses diversos e, em alguns casos, visões opostas. Então, mesmo que o seu mandato o autorize a fazer recomendações, o Fórum tem evitado fazê-lo.” (ANG; PANG, 2014, p. 47) “Este artigo é uma tentativa de enfrentar a seguinte pergunta: é possível, mesmo conceitualmente, que um organismo como o FGI se reúna em nível internacional para trabalhar sobre a governança da Internet? Se for conceitualmente possível, então pode-se atribuir a deficiência do FGI a fatores práticos de, por exemplo, diplomacia, política e, talvez, liderança. Em contrapartida, se isso não for possível, mesmo conceitualmente, então o FGI está fadado a permanecer um “talk show”, cuja atividade não deveria sequer servir como referência.” (ANG; PANG, 2014, p. 47-48) “Em uma pesquisa global da BBC World Service de 2010 com quase 28.000 cidadãos

2 adultos de 26 países, quatro em cinco participantes consideraram o acesso à Internet um direito humano fundamental (BBC). Tratar a Internet como um direito fundamental clama por envolvimento de governos, porque são os governos que possuem as instituições e os recursos para garantir direitos humanos.” (ANG; PANG, 2014, p. 48) “Enquanto a maioria (53%) daqueles consultados concordou que não deveria haver regulação da Internet “por qualquer nível de governo onde quer que seja”, as respostas à pesquisa revelam maiores sutilezas conforme o país. Por exemplo, no Canadá, onde as principais preocupações com a Internet se relacionam com fraude e privacidade, a maioria (51%) discordou da visão de que a Internet nunca deveria ser regulada. Como os canadenses, 53% dos participantes australianos apoiaram alguma forma de regulação governamental. Em contraste, 72% dos participantes no México disseram que a Internet não deveria ser regulada por qualquer forma de governo.” (ANG; PANG, 2014, p. 48-49) “Na governança da Internet, isto significa que, enquanto há espaço para acordos internacionais, há também grandes áreas em que os países “fazem o que bem entendem”, independentemente do que os outros fizerem. Há um mecanismo de autocorreção nesta abordagem: aquelas áreas que são deixadas de fora, mas ainda têm um impacto significativo nos outros, atraem atenção cedo o bastante. Isto significa que as áreas em que os países “fazem o que bem entendem” serão áreas consideradas como tendo impacto menos significativo globalmente.” (ANG; PANG, 2014, p. 51) “Talvez os três fatores mais importantes que têm de ser endereçados para alcançar a governança internacional da Internet sejam as questões interconectadas do carona, do papel dos Estados Unidos como um ator central e da produção de bens públicos como resultado da ação coletiva. Olson defende de maneira convincente que, quanto maior o grupo, maior a probabilidade do carona. Com a governança internacional da Internet literalmente englobando o mundo, isto significa que o problema do carona será um fator permanentemente presente. A presença de mais atores significa que os recursos e contribuições potenciais que podem ser trazidos para apoiar a governança da Internet também podem ser grandes. Estrategicamente, práticas de transparência e mecanismos para reconhecer as contribuições de todos os participantes são cruciais. Este princípio é, no entanto, acompanhado pela própria governança do bem coletivo, neste caso a governança internacional da Internet. Poderes hegemônicos no controle do bem coletivo, que desconsideram as contribuições individuais dos participantes, podem contribuir para o problema do carona.” (ANG; PANG, 2014, p. 55) “Em 1998, o governo dos Estados Unidos criou a Corporação da Internet para Atribuição de Nomes e Números (CIANN) [Internet Corporation for Assigned Names and Numbers (ICANN)] como uma organização sem fins lucrativos para regular todos os sistemas que podem identificar os endereços da Internet de maneira única. Tais sistemas incluem o sistema de nome de domínio [domain name system], e com esse sistema alguém poderia controlar os nomes de domínio de alto nível (i.e. .com, .org ou .net). A função técnica está clara, mas contém implicações importantes para a política de governança.” (ANG; PANG, 2014, p. 55-56)

3 “A participação de governos irá provavelmente aumentar porque a União Internacional de Telecomunicações (UIT) [International Telecommunication Union (ITU)], que havia exercido um papel-chave em começar o processo que eventualmente levou à criação do Fórum de Governança da Internet, tem tentado engajar seus membros na governança da Internet. A reunião de dezembro de 2012 da UIT em Dubai reuniu diplomatas de 193 governos e há expectativa de reuniões periódicas semelhantes no futuro. A reunião de dezembro, no entanto, terminou mal-sucedida em conseguir que os membros participantes assinassem um novo tratado, com políticas sobre como a Internet deveria ser governada como ponto principal de disputa. Embora a UIT já tenha organizado com sucesso uma reunião de países- membros interessados, as recompensas podem decrescer como demonstrado na fragilidade de manter-se o momentum, bem assim na dificuldade prática de se alcançarem acordos.” (ANG; PANG, 2014, p. 58-59) “A partir da análise acima, para que a governança internacional da Internet funcione, é necessária a conjugação de dois acontecimentos. Primeiro, os governos têm de se contentar com a globalização “magra” da Internet, ou escolher entre soberania e democracia. Em segundo lugar, é necessário que o país ainda dominante na Internet, os Estados Unidos, mantenham-se comprometidos e envolvidos com a governança da Internet a despeito de sua crise econômica atual.” (ANG; PANG, 2014, p. 59) “A criação do FGI mostra que a massa crítica dos atores já existe em direção ao objetivo da governança internacional da Internet. Mas o cenário de recompensas marginais decrescentes, em que seria racional “todos contribuírem, ou ninguém contribuir” (Oliver et al. 1985, 533), é real. A tarefa adiante é fazer os participantes reconhecerem suas funções no FGI, enquanto são articulados mecanismos pelos quais os participantes podem contribuir. Adicionalmente, contribuições aos bens coletivos acordados deveriam também ser suficientemente visíveis, de forma que se torne mais racional contribuir ao invés de pegar carona. Alguns desses mecanismos já estão endereçados nas práticas existentes do FGI, tais como as convocações abertas para contribuir que são anunciadas e a viabilização da participação remota. Como o número de participantes e interessados aumenta, no entanto, há uma complexidade maior nas diferentes maneiras pelas quais os participantes podem colaborar e em como tais contribuições podem ser tornadas visíveis, do que decorre a necessidade de uma análise cuidadosa.” (ANG; PANG, 2014, p. 60) “O artigo utilizou três argumentos centrais da economia, ciência política e teoria da comunicação para avaliar a possibilidade da governança da Internet em uma escala internacional. A análise serve para triangular perspectivas sobre a questão, bem como fornecer um raio-x dos desafios impeditivos a serem endereçados à medida que a adoção e uso da Internet cresce. A abordagem foi intencional, já que a história da governança da Internet é multifacetada. Como ocorre com muitas formas de bens coletivos, a governança não pode ser bem-sucedida por meio das forças do Estado político ou do mercado. O trabalho de Ostrom tem sido útil para ressaltar a importância de instituições dirigidas à ação coletiva para resolver os problemas da governança da Internet. Com o aumento da penetração da Internet em nível global, espera-se um aumento

4 da complexidade da governança da Internet e o FGI precisará considerar novos arranjos institucionais ou reformas de forma a alcançar uma ação coletiva bem- sucedida.” (ANG; PANG, 2014, p. 60) GLOBALIZAÇÃO, INTERNET, SOBERANIA NACIONAL E DEMOCRACIA “Portanto, há uma função clara para o envolvimento significativo do governo com relação à governança da Internet no nível nacional. Mas, no nível internacional, o desenvolvimento de políticas para a governança global da Internet é muito mais difícil devido a finalidades conflitantes. Elas existem na forma de “trilemas”, segundo o termo proposto por Dani Rodrik (2000), em que os países que desejam maior integração econômica em nível global não esperam alcançar todos os três objetivos de globalização, soberania nacional e democracia. Rodrik defende que, ao contrário, eles só esperam alcançar dois dos três objetivos. Mesmo que a perspectiva de Rodrik seja derivada da economia, seus argumentos não estão confinados à economia. Ele apresenta três cenários para reforçar seu argumento.” (ANG; PANG, 2014, p. 49) “O segundo cenário é tornar o país sensível apenas às necessidades da economia internacional, ou, no presente caso, por analogia, à política internacional para a Internet. Esta é uma renúncia da soberania nacional e é incompatível com a democracia nacional. Com a Internet, é especialmente difícil, se não impossível, alcançar acordos internacionais. A razão para a dificuldade é que uma grande parte da Internet está conectada à mídia, ou contém conteúdos de mídia. Embora o princípio da liberdade de expressão contida no Artigo 19 da Declaração de Direitos Humanos da ONU tenha ampla aceitação, na prática, o direito e a política em relação a conteúdos de mídia tendem a ser específicos de cada cultura e as diferenças culturais nesse ínterim são evidentes em um conjunto de nações, fazendo, portanto, com que acordos internacionais se tornem difíceis. A situação se diferencia, por exemplo, de acordos sobre direitos de tráfego aéreo, em que as dificuldades tendem a ser de natureza mais técnica.” (ANG; PANG, 2014, p. 49-50) “O terceiro cenário caminha no sentido de uma versão limitada da globalização. Rodrik defende que foi uma versão “magra” da globalização que permitiu que o regime de Bretton Woods de 1944 funcionasse bem como o fez até os anos 1970, quando os governos eram relutantes ou incapazes de agir no fluxo de capitais. Ele defende que a “[d]emocracia é compatível com a soberania nacional apenas se restringirmos a globalização” (2010).” (ANG; PANG, 2014, p. 50) “Tem sido apontado que, com a globalização, “eventos globais podem – por meio da telecomunicação, computação digital, mídia audiovisual, foguetes, e assim por diante – ocorrer quase simultaneamente em qualquer lugar e em todos os lugares no mundo” (Scholte 1996, 45). No coração da globalização está a velocidade acelerada em que as atividades ocorrem. Isto contém várias implicações: a mais aparente delas é a quebra de fronteiras geográficas ou territoriais, em que a informação é transmitida através do mundo, e indivíduos podem participar

5 no mesmo evento ao mesmo tempo, independentemente de sua localização geográfica. O único requisito para participação é o acesso à Internet.” (ANG; PANG, 2014, p. 50) “A globalização cria desafios significativos. As fronteiras tradicionais de estados-nação, em que a cooperação pode ser concebida de uma forma sustentável e controlada, é uma coisa do passado. Governos ligados entre si pelo objetivo comum de globalização podem buscar cooperar da maneira mais eficiente possível. Em contrapartida, a transparência democrática enfatiza a necessidade de participação de países em desenvolvimento, garantindo que as vozes de vários níveis da sociedade civil sejam ouvidas e permitindo o acesso a organizações sem fins lucrativos. Governos que perseguem a globalização no interesse de se manterem competitivos são inevitavelmente confrontados pela transparência democrática.” (ANG; PANG, 2014, p. 51) “Como o trilema é resolvido? Na análise de Rodrik, na busca pela integração global, apenas se pode escolher dois dos três objetivos de globalização, soberania nacional e democracia.” (ANG; PANG, 2014, p. 51) “A segunda opção é abandonar um dos três objetivos. Concentrar-se na governança internacional da Internet requereria aceitar a globalização como um dado. Consequentemente, em vez de dilui-la, a escolha seria entre soberania e democracia como um objetivo. O governo norte-americano, por meio da Declaração de Compromisso (DOC) [Affirmation of Commitment (AOC)], que afirma seu compromisso a, entre outras coisas, “garantir que suas decisões [...] sejam tomadas no interesse público e sejam passíveis de responsabilização e transparentes” (ICANN 2009), definiu o tom e indicou que está preparado para abrir mão de alguma soberania para a governança global da Internet. Isto é, a DOC escolheu, voluntariamente ou não, a democracia sobre a soberania nacional como um objetivo para a governança internacional da Internet.” (ANG; PANG, 2014, p. 51-52) “A segunda questão importante é o envolvimento do país dominante, os Estados Unidos. O perfil demográfico dos usuários da Internet está mudando, com a China tendo superado os Estados Unidos como o país com o maior número de usuários (MacCartney 2008). A população da Internet da Índia não estará muito atrás. O papel dos Estados Unidos como uma agência de coordenação central continuaria a ser vital para a vida da Internet, não apenas por causa do seu controle técnico sobre o recurso, mas também por causa do seu compromisso com a democracia, transparência, abertura e direito humanos, contrariamente aos outros países hegemônicos que estão disputando o controle da Internet.” (ANG; PANG, 2014, p. 55) “Há múltiplos desafios à tarefa. A tensão entre as consequências da globalização e da democracia precisam ser reconhecidas. Chua defende a viabilidade de amplas reformas e políticas de ação afirmativa para dar a certas populações uma parcela dos recursos naturais nacionais. Aplicado ao contexto da governança da Internet, a estrutura da democracia e uma globalização “magra” da Internet criam um conflito similar. Enquanto uma minoria irá contribuir como voz poderosa na conformação da governança da Internet, a estrutura da democracia obriga os governos a enfrentar a questão da participação equitativa de vários setores da sociedade civil. Isto inevitavelmente levanta o tema da ação coletiva, que foi analisado usando a teoria da ação

6 coletiva como originalmente concebida por Olson e revista por outros teóricos contemporâneos, tais como Bimber et al. Para uma ação coletiva sustentável no contexto da governança internacional da Internet, o discurso sobre os bens coletivos globais – que forma eles assumirão, como os participantes poderão contribuir, e como eles poderão ser usados para o benefício de todos os atores – é importante.” (ANG; PANG, 2014, p. 59-60) GLOBALIZAÇÃO, INTERNET E CONCENTRAÇÃO DO ACESSO À INFORMAÇÃO “Neste contexto, a globalização poderia significar que apenas uma minoria da população global se beneficia, enquanto a maioria vê-se impedida por desigualdades no acesso à Internet e insuficiência de recursos humanos ou financeiros para participar. Sendo a globalização um processo evolutivo, nações em desenvolvimento podem ainda ser desfavorecidas por sua falta de participação no seu estágio inicial, mesmo que eventualmente ganhem acesso.” (ANG; PANG, 2014, p. 50) “A escolha da democracia como um objetivo, seja no nível local ou no global, não ocorre sem seus problemas. Amy Chua defende de maneira convincente, ainda que novamente do ponto de vista da economia, que a globalização tem estado propensa a beneficiar uma minoria, deixando uma maioria marginalizada. Isto se deve a uma tendência dos mercados de “concentrar riqueza, frequentemente uma riqueza impressionante, nas mãos da minoria que domina o mercado” (Chua 2003, 6). A democracia, no entanto, dá o poder dos votos à maioria. Há, portanto, uma tendência de que as forças da democracia e da globalização se oponham uma à outra. Chua cita os casos dos chineses na Indonésia (onde 3% da população que é chinesa controla 70% da economia), dos libaneses em Serra Leoa, dos judeus na Rússia pós-soviética, dos indianos no Quênia, e dos brancos no Zimbábue como exemplos em que minorias que dominam o mercado se tornaram alvo de confisco de propriedades, violência étnica e mesmo genocídio. Na Indonésia, depois da queda do Presidente Suharto, estabelecimentos chineses foram queimados e 150 mulheres chinesas sofreram estupro coletivo. Chua aponta: “mesmo assumindo que o livre mercado seja o ponto de chegada ótimo para a maioria dos países não- ocidentais, no curto prazo os mercados e a democracia são eles mesmos parte do problema” (Chua 2003, 278).” (ANG; PANG, 2014, p. 52-53) “A solução de Chua é a introdução de amplas reformas que dariam a populações marginalizadas uma parcela dos recursos de sua nação, bem como políticas de ação afirmativa maciças. A consequência disso é o afastamento do livre mercado e da democracia, ainda que, Chua defende, no longo prazo a sociedade se volte para essa direção.” (ANG; PANG, 2014, p. 53) CONFLITOS DE INTERESSE NA GESTÃO DA INTERNET

7 “Não obstante as diferentes visões sobre regulação, existem muitas situações que pedem que governos exerçam um papel na governança da Internet. Em 2000, Joseph Gutnick, um executivo de Victoria, processou o Dow Jones & Co Inc. por difamação com relação a um artigo no Barron´s Online que o associou a negócios escusos e a relações com grupos de lavagem de dinheiro (Fitzgerald 2003). Ainda que o artigo tenha sido escrito e publicado nos Estados Unidos, a corte decidiu que, dado que a revista online contendo o artigo estava acessível em Victoria, a publicação tinha ocorrido em Victoria e, então, a lei local victoriana era aplicável. Casos como este mostram que a jurisdição do governo sobre a Internet se tornou uma necessidade. A governança da Internet reside no campo das fronteiras formadas por grupos de interesse globais e estados-nação (Goldsmith e Wu 2006).” (ANG; PANG, 2014, p. 49) “O primeiro cenário para os países que querem integração econômica global mais profunda é ir ao encontro do federalismo global, em que o escopo da política nacional está alinhado com o escopo dos mercados globais, que no presente caso seriam preocupações globais com a política. A experiência da União Europeia, no entanto, demonstra a dificuldade em alcançar o federalismo global mesmo entre países relativamente semelhantes e de orientações similares.” (ANG; PANG, 2014, p. 49) “Nossa sugestão é de que, dado que os três objetivos são desejáveis na governança internacional da Internet, duas opções são possíveis. A primeira opção é diluir um desses objetivos. Nesta opção, ainda que a globalização seja dada em razão da natureza internacional da Internet, a resolução do trilema é ter uma versão “magra” da globalização.” (ANG; PANG, 2014, p. 51) “No contexto da governança da Internet, a estrutura da democracia, que empodera a maioria, requer que os governos enfrentem questões de igualdade e participação transparente, particularmente dos vários setores que compõem a sociedade civil. Isto implica que, além de interesses governamentais, tanto os setores privado quanto sem fins lucrativos precisam ser representados na conformação da governança internacional da Internet. Tal participação triangular assegura que diferentes habilidades e interesses sejam contemplados. Esta análise sugere que os governos têm de se comprometer com os processos de governança da Internet, com o objetivo de estabelecer credibilidade e transparência.” (ANG; PANG, 2014, p. 53) “A teoria da ação coletiva de Mancur Olson sugere que a diversidade da Internet, a falta de uma agência de coordenação central, o problema do carona e o número elevado de governos envolvidos são fatores que podem ser contraproducentes à busca de um objetivo comum – a despeito do quão claro e explícito tal objetivo possa ser. Olson desenvolveu a teoria para desafiar a premissa de que grupos ou indivíduos unidos por interesses comuns iriam tomar ações coerentes para garantir o progresso desses interesses. Ele defendeu que certas condições são essenciais para que o sucesso da ação coletiva ocorra: A não ser que o número de indivíduos seja reduzido, ou a não ser que haja coerção ou algum outro mecanismo especial para fazer indivíduos agirem no seu interesse comum, indivíduos racionais, auto- interessados não agirão para alcançar seus interesses comuns ou do grupo. (Olson 1971, 2)” (ANG; PANG, 2014, p. 53-54)

8 “Trabalhos mais recentes sugerem que novas tecnologias, tal como a arquitetura de rede descentralizada da Internet, podem superar alguns dos fatores negativos, por exemplo, a falta de uma coordenação central e o problema do carona, quando aqueles que não contribuem podem ainda se beneficiar se aproveitando daqueles que contribuem. De acordo com Bruce Bimber, novas formas de ação coletiva têm emergido do ambiente de mídia contemporâneo, sugerindo que a teoria da ação coletiva de Olson pode requerer alguma reformulação. Por exemplo, a proposição de Olson de que pequenos grupos são mais propensos a realizar ações coletivas bem- sucedidas que grandes grupos pode agora ser contrastada com evidências contemporâneas de redes altamente bem-sucedidas, mesmo sendo grandes e frouxamente coordenadas, como a Wikipedia e a Indymedia. A ideia do carona como contradizendo o sucesso de uma ação coletiva está se provando uma inverdade, com a participação maciça de petições online, fóruns de discussão e comunidades virtuais, em que “contribuições úteis emergem de um processo interativo, ao invés da busca explícita de um objetivo” (Bimber et al. 2006, 371).” (ANG; PANG, 2014, p. 54) “O trabalho de Bimber ressaltou pontos importantes sobre a natureza dinâmica das tecnologias e como elas conformam a ação coletiva. Mas seu trabalho também traz de volta uma das premissas fundamentais de Olson. Olson sugeriu que um grupo poderia contribuir de maneira ótima – mesmo se o grupo não fosse pequeno – mas que essa contribuição era proporcional a quão elas fossem perceptíveis. Com a velocidade acelerada das atividades na Internet, os conceitos de tamanho do grupo e tempo podem estar mudando, e o benefício percebido de ser um colaborador para um objetivo comum pode explicar muito bem por que certas redes de grandes dimensões como a Wikipedia podem funcionar tão bem no contexto de hoje.” (ANG; PANG, 2014, p. 54-55) “Várias questões têm emergido nos últimos tempos que desafiam a posição da ICANN, tais como o debate sobre o domínio de alto nível do Iraque, “.IQ” (Bull 2005). Ainda que o controle sobre o domínio tenha sido primeiramente aprovado e concedido em 1998, a ICANN tomou o controle do domínio em 2002 quando o executivo palestino Bayan Elashi, que fazia o registro do nome de domínio .IQ, foi preso (McCarthy 2004). Apesar de várias solicitações do governo recém-constituído e de líderes empresariais do Iraque para que o controle do domínio fosse liberado, a ICANN recusou a solicitação e concedeu o nome de domínio .IQ somente quando o Grupo de Trabalho sobre Governança da Internet (GTGI) [Working Group on Internet Governance (WGIG)] estava para emitir seu Relatório Final, que iria, implicitamente, criticar sua retenção. A ICANN disse que era necessário reter o retorno do nome de domínio .IQ porque o governo do Iraque não seria estável (Mayer-Schoenberger e Ziewitz 2006). De toda forma, tais ações são indubitavelmente percebidas como contraditórias à sua perspectiva de transparência e abertura.” (ANG; PANG, 2014, p. 56) “Dados os debates em andamento sobre a ICANN e a atual crisefinanceira nos Estados Unidos, a pergunta que se coloca é se o seu compromisso à governança internacional da Internet está tão forte quanto antes. Isto pode ser difícil de atingir em face de “patriotas ignorantes”

9 (Schaar 1981, 302) que não veem bens coletivos globais como seus bens. Mesmo com o entendimento comum e o desejo de produzir bens coletivos globais, tal produção e uso de bens coletivos globais pode não ser sustentável. Na análise de Olson, não seria racional para qualquer um contribuir com o coletivo se for possível ter uma carona grátis. De fato, há muitos aproveitadores – aqueles que veem, mas não postam – em listas de e-mail, com um post famoso de um colunista online estimando-os em 98% (Katz 1998), ainda que uma tese de doutorado posterior e mais minuciosa tenha chegado a 55% (Nonnecke 2000). Todavia, como sítios eletrônicos como a Wikipedia mostram, voluntários colaboram, sim, por várias razões não-monetárias, tais como retorno positivo e identificação com a comunidade (Schroder e Hertel 2009).” (ANG; PANG, 2014, p. 56) PROPRIEDADE INTELECTUAL, SOBERANIA E INTERNET “Por outro lado, a tentativa do Congresso norte-americano de aprovar o Projeto Pare a Pirataria Eletrônica (PPPE) [Stop Online Piracy Act (SOPA)] é um caso de escolha da soberania sobre a democracia. Apesar de os Estados Unidos estarem agindo apenas domesticamente, em razão do alcance das companhias de Internet norte-americanas, o impacto do PPPE (SOPA) na prática teria sido global (Fahrenthold 2012). Um exemplo disso está no Acordo de Comércio Anti-Contrafação (ACAC) [Anti- Counterfeiting Trade Agreement (ACTA)], pelo qual vários países liderados por Japão e Estados Unidos concordaram em fortalecer a aplicabilidade de direitos de propriedade intelectual. Como o acordo fora negociado por um grupo pequeno de países, foi principalmente um exercício da soberania nacional sobrepondo-se à democracia. No entanto, como não foi um esforço unilateral, mas envolvendo alguns países, isto também é um exemplo de globalização ‘magra´.” (ANG; PANG, 2014, p. 52) MOTIVAÇÕES, COMPORTAMENTOS E AÇÕES EM GRUPOS NA INTERNET “Na visão de Olson, a ação coletiva seria em sua maior parte racional, sugerindo que há condições necessárias para que seres racionais participem. Tais condições incluem coerção, com participantes sendo “forçados” ou obrigados a participar por meio de normas institucionais ou sanções. Quando tais condições estão presentes, a ação coletiva pode ser possível, mas ainda seria difícil implementá-la em grupos intermediários ou grandes. Olson não visualizou, contudo, que grandes grupos e instituições podem realizar ações coletivas bem-sucedidas sem sanções. O trabalho de Ostrom preencheu essa lacuna, mostrando exemplos de comunidades auto-geridas que criaram instituições para a ação coletiva. Mueller defende que o caso da governança da Internet é essencialmente uma história de “inovação institucional” (Mueller 2002, 10). Isto lança mais luz sobre o papel do FGI em desenvolver arranjos institucionais e endereçar os desafios da governança da Internet.” (ANG; PANG, 2014, p.57)

10 “Gerald Marwell e Pamela Oliver, testando e desenvolvendo as ideias de Olson, demonstram de maneira bem convincente que, para atingir sustentabilidade, precisa-se de uma massa crítica de participantes. Sem essa massa crítica, a empreitada irá provavelmente falhar. Para a governança da Internet, isto implica ter uma massa crítica de participantes representando diversos setores e que interesses públicos contribuam com bens globais e coletivos para a comunidade internacional. Em outras palavras, usuários da Internet podem ser tornar relevantes na colaboração ou desestabilização da causa da governança da Internet. A partir daqui, três cenários postulados por Marwell e Oliver podem ser construídos usando a sua teoria micro-social da massa crítica na ação coletiva.” (ANG; PANG, 2014, p. 57) “No primeiro cenário, os participantes são fortemente coesos; as contribuições são claramente coordenadas e podem ser perceptivelmente reconhecidas por seus efeitos acelerados e incrementais no bem coletivo. Neste cenário, o carona não é um problema e os participantes são inspirados pelas contribuições de outros. Há, no entanto, custos iniciais e de organização consideráveis – e a massa crítica neste cenário são aqueles que suportam o peso desses custos para viabilizar a participação voluntária maciça. A dificuldade neste cenário é mais proeminente na fase inicial, em que nenhum participante enxerga qualquer benefício em colaborar, já que os benefícios para os colaboradores iniciais pode ser insignificante. Este cenário é também difícil, dada a diversidade dos usuários da Internet além dos envolvidos na governança da Internet, e pode ser difícil sintetizar opiniões.” (ANG; PANG, 2014, p. 57-58) “No segundo cenário, há apenas alguns atores que contribuem por muitos. Isto é semelhante ao princípio de Pareto da regra de 80-20, e é plausível que o carona emerja em razão do que Marwell e Oliver se referem como “efeitos da ordem” [“order effects”] e “excedente” [“surplus”]. Nos “efeitos da ordem”, “membros menos interessados pegam carona nas contribuições iniciais dos mais interessados, e as contribuições totais do grupo são subótimas” (Marwell e Oliver 1993, 82). O mecanismo do excedente descreve cenário em que o carona pode ocorrer quando o número de participantes comprometidos em contribuir com o bem coletivo decresce frente ao aumento no número total de participantes. Isto implica que um excedente de participantes será criado e os participantes iniciais “(...) que se deparam com a decisão [de colaborar] ficam ‘paralisados’.” “Eles vão contribuir porque eles consideram recompensador fazê-lo, enquanto aqueles cuja vez de decidir aparece depois vão pegar carona” (Marwell e Oliver 1993, 85). A massa crítica neste cenário se refere aos poucos que estão contribuindo com o bem coletivo de muitos. Neste cenário, Marwell e Oliver argumentam que a recompensa é decrescente. O cenário implica que nem todos os usuários da Internet podem se envolver; talvez alguns serão selecionados para agir como representantes de outros.” (ANG; PANG, 2014, p. 58) “O último cenário é uma combinação dos dois primeiros cenários. Neste cenário, o problema de ter uma massa crítica para suportar os custos iniciais de começar é primeiro apresentado e, a não ser que tal massa crítica seja encontrada, a ação coletiva pode não ocorrer. Antes de entrar no segundo cenário, em que as recompensas decrescem, a ação coletiva pode experimentar a linearidade, em que se torna racional “todos contribuírem ou nenhum contribuir”

11 (Oliver et al. 1985, 533). Muitos estudiosos defendem que o último cenário é o mais realista, e as lições deste cenário podem ajudar a enfrentar os problemas antecipados. O estabelecimento do FGI significa que a massa crítica para começar já existe. O desafio futuro é que todos os participantes se recomprometam com a causa e lidem com o problema das recompensas marginais decrescentes, já que o número de participantes aumenta.” (ANG; PANG, 2014, p. 58) “A participação de governos irá provavelmente aumentar porque a União Internacional de Telecomunicações (UIT) [International Telecommunication Union (ITU)], que havia exercido um papel-chave em começar o processo que eventualmente levou à criação do Fórum de Governança da Internet, tem tentado engajar seus membros na governança da Internet. A reunião de dezembro de 2012 da UIT em Dubai reuniu diplomatas de 193 governos e há expectativa de reuniões periódicas semelhantes no futuro. A reunião de dezembro, no entanto, terminou mal-sucedida em conseguir que os membros participantes assinassem um novo tratado, com políticas sobre como a Internet deveria ser governada como ponto principal de disputa. Embora a UIT já tenha organizado com sucesso uma reunião de países- membros interessados, as recompensas podem decrescer como demonstrado na fragilidade de manter-se o momentum, bem assim na dificuldade prática de se alcançarem acordos.” (ANG; PANG, 2014, p. 58-59)

1 ARAÚJO, Bráulio Santos Rabelo de. Limites à concentração de propriedade dos meios de comunicação – Poder do Estado e papel do SBDC. Fórum de Direito Financeiro e Econômico, v. 3, n. 4, p. 1–34, 2014.

MEIOS DE COMUNICAÇÃO E SOCIEDADE “Os meios de comunicação social constituem o espaço em que se realiza o debate público, razão pela qual desempenham um papel fundamental na democracia. Os controladores dos veículos de comunicação são os responsáveis por escolher quais e como as informações, as opiniões e a programação cultural serão reportadas ao público. Possuem, por isso, um forte poder de influenciar a opinião pública. Daí a necessidade de se controlar a propriedade da mídia de maneira a impedir que o poder de comunicação se concentre sob as mãos de poucos. Um dos instrumentos jurídicos voltados a essa finalidade são as normas que impõem limites fixos de concentração de propriedade de meios de comunicação.” (ARAÚJO, 2014, p. 1) A ATUAÇÃO DO ESTADO MEDIANTE A REGULAMENTAÇÃO DA PROPRIEDADE DOS MEIOS DE COMUNICAÇÃO “Ao lado do SBDC, o Estado dispõe de outras formas de intervenção para controlar o poder econômico no setor das comunicações, entre as quais se destaca a regulamentação do mercado mediante a imposição de normas cogentes. Para garantir a diversidade e pluralidade e impedir a existência de monopólio e oligopólio nos meios de comunicação social, o Estado tem poder para editar leis que estabeleçam limites fixos de participação nos mercados relevantes que compõem o setor, determinando níveis máximos de concentração de poder econômico horizontal, vertical e cruzada, ou proibindo o controle de veículos de comunicação por determinadas pessoas físicas e jurídicas, v.g. estrangeiros ou pessoas físicas e jurídicas nacionais que atuem em determinado setor econômico ou que desempenhem determinada atividade social. Tem também poder para editar lei que regulamente o artigo 220, §5o , da Constituição, estabelecendo de maneira clara o que se considera monopólio e oligopólio nos meios de comunicação. (ARAÚJO, 2014, p. 15) “determinada atividade social. Tem também poder para editar lei que regulamente o artigo 220, §5o , da Constituição, estabelecendo de maneira clara o que se considera monopólio e oligopólio nos meios de comunicação.” (ARAÚJO, 2014, p. 17)

1 BOFF, Salete Oro; DIAS, Felipe da Veiga. O Tratamento Jurisdicional das Liberdades Comunicativas na Sociedade da Informação no Brasil. Boletín Mexicano de Derecho Comparado, v. 46, n. 137, p. 573–599, 2013.

DIREITOS “Este pensamento convergente entre a dignidade e os demais direitos, se dá pela compreensão de que tanto os princípios orientadores do direito quanto os próprios direitos fundamentais descendem da dignidade humana, visualizando-se uma conexão entre eles e sua matriz,8 aduzindo-se a ideia de que por meio desses princípios e direitos aufere-se um grau mais elevado de concretização dos valores inerentes à dignidade humana.” (BOFF; DIAS, 2013, p. 577) "Verificada a forçosa aplicação dos mandamentos constitucionais nas espécies jurídicas, devidamente norteadas pela dignidade humana (ligada aos direitos fundamentais), pode-se analisar, rapidamente, a liberdade de imprensa e o direito à informação, para posteriormente estudá-las em lides concretas, pois conforme se afirmou esses direitos devem ser aplicados em todas as relações jurídicas, por conseguinte merecendo uma apreciação material do suporte teórico.” (BOFF; DIAS, 2013, p. 577) Iniciando-se o tracejar desses direitos é inegável a sua conexão origi- nária com a liberdade de expressão (e mais anteriormente com a dignidade humana), a qual vem, durante os últimos séculos, encarregando-se da defesa das manifestações humanas, opiniões, críticas, etcétera, sem ser com isso restringida previamente. Apesar de ser um direito amplo, hoje se apresenta com algumas nuanças restritivas, como por exemplo, a vedação ao discurso de ódio e a manifestações que preguem a violência ou a apologia ao crime, justificando-se tais limitações pela progressão conjunta entre o modelo estatal (democrático e plural) e o direito (pós-positivista com forte apelo a componentes axiológicos), bem como por inexisir direito absoluto, necessitando a harmonização com os demais mandamentos constitucionais. (BOFF; DIAS, 2013, p. 578) “A liberdade de imprensa é exercida e reconhecida pelas ferramentas de difusão da manifestação (notícias), observando-se a sua conexão com as ideias de expressão e informação, pois o meio apenas determina o espaço expressivo e ao mesmo tempo a atividade requer a transmissão de informações.” (BOFF; DIAS, 2013, p. 578) DECISÕES JUDICIAIS “Começa-se pela decisão do Supremo Tribunal Federal, AI 705630/ SC (julgado em 22 de março de 2011), na qual este tribunal deixa clara a sua postura, no sentido de que os abusos serão penalizados quando ocorrerem. Neste caso, a matéria versava sobre suposto abuso do

2 direito de informar por parte da jornalista Danusa Leão, que noticiou uma série infrações, como mau uso de verba pública e nepotismo. Contudo, entenderam os ministros que não existiu exorbitância, pois vislumbraram que a jornalista exerceu a sua liberdade de crítica, a qual compõe o exercício da liberdade de imprensa, sendo que, apesar deste pronunciamento não discorrer sobre um caso ocorrido no ambiente virtual, há clara manifestação no sentido da independência do meio de comunicação. Significa que não importa quais as ferramentas utilizadas pela imprensa, tanto poderia ser a mídia impressa quanto a virtual, o importante é ser preservado os direitos fundamentais em tela dentro de uma ótica de responsabilidade. Coaduna com essa argumentação a decisão abaixo.” (BOFF; DIAS, 2013, p. 594) “A manifestação da Suprema Corte brasileira transmite um juízo po- sitivo acerca do questionamento posto neste estudo, ou seja, a composição das posições dos Tribunais em análise, associada à manifestação final aludida acima, denota a legitimidade da Internet como meio de comunicação a prolatar as expressões humanas, especialmente, no caso deste artigo, referentes àquelas respectivas à imprensa. Assim, inexiste a noção de que esta ferramenta comunicativa é um campo apartado do direito; conforme se delineou é apenas uma outra forma de disposição de relações humanas, na qual as liberdades comunicativas podem ser exercidas e com isso auxiliar no processo de maturação democrática, efetivando direitos fundamentais.” (BOFF; DIAS, 2013, p. 57) “Diante do exposto, pode-se concluir que partindo de bases constitu- cionais sólidas, mesmo dentro dos ditames virtuais, de caráter mais libertário e menos restritivo, as liberdades comunicativas (imprensa e informação) podem ser respeitadas no sentido de resguardo de manifestação, compatibilizando-se igualmente quanto à responsabilização em casos de abusos. Nesse sentido, a jurisprudência dos tribunais superiores brasileiros não aparenta demonstrar nenhuma conotação negativa sobre esta fer ramenta da comunicação, fugindo de dogmas ou suposições com base em ideias generalizadas (por vezes um juízo equivocado de uma maioria pouco informada), estando sim, preocupada em efetivar ao máximo possível esses direitos fundamentais, sem com isso legitimar o uso excessivo das mesmas liberdades para infligir danos a outros indivíduos. Com isso o posicionamento jurisprudencial, bem como aquele ora defendido nesse estudo, visa proteger o bom uso das liberdades e ao mesmo tempo levar a luz constitucional as vielas escuras do universo digital, por onde se esgueiram alguns cidadãos que deturpam esse mecanismo da comunicação moderna.” (BOFF; DIAS, 2013, p. 599)

1 CADEMARTORI, Daniela Mesquita Leutchuk de; MENEZES NETO, Elias Jacob de. Poder, Meios de Comunicação de Massas e Esfera Pública na Democracia Constitucional. Seqüência: Estudos Jurídicos e Políticos, v. 34, n. 66, p. 187–213, 2013.

MEIOS DE COMUNICAÇÃO E PODER “Instituição por excelência da esfera pública política e, portanto, de formação da opinião pública, os meios de comunicação de massas (media) sofreram modificações históricas que os transformaram em um novo poder paralelo ao Estado, sendo necessário, pois, discutir o papel que eles exercem na esfera pública. A influência particularmente importante exercida pelo espaço televisivo na constituição da opinião pública, tanto a partir da ideia de homo videns (SARTORI, 1998) como a partir de uma realidade de controle desse espaço por parte do poder econômico e político no Brasil, justifica o enfoque que será dado durante o trabalho. A existência do poder midiático não é negativa de per se, pois é natural, e até mesmo desejável, que existam poderes paralelos ao Estado. Esses poderes não devem, contudo, permanecer invisíveis ao controle do poder exercido legitimamente no Estado democrático de direito, pois tal situação viola uma das maiores promessas da democracia: a visibilidade e controle do poder — inclusive os não estatais. Para lidar com essa necessidade de visibilidade e controle do poder, o presente artigo irá trabalhar com a fusão dos conceitos de “poder selvagem”, de Luigi Ferrajoli, e “poder invisível”, de Norberto Bobbio.” (CADEMARTORI; MENEZES NETO, 2013, p. 188) “É indispensável, portanto, para a proteção dos direitos fundamentais e para a contenção de poderes arbitrários, compreender que a crise na democracia constitucional refere-se à crise de funcionamento das estruturas de controle e fundamento do poder exercido pelo Estado e pela maior participação de determinados grupos privados. Essa realidade de “controles invertidos”, por fim, será exposta como um dos motivos da crise do Estado e do seu atual modelo representativo. Afinal, se aquele fundamento último do poder — a opinião pública — passa a ser manipulado por um poder invisível e incontrolável, soçobra a legitimidade do poder exercido pelo Estado e, portanto, sua própria legitimidade.” (CADEMARTORI; MENEZES NETO, 2013, p. 190) “O leitor poderia se questionar sobre a possível superação da televisão por outros meios multimídia, especialmente pela internet. Sobre o assunto, Sartori (1998, p. 53-61) afirma que, de fato, a tecnologia presente nos computadores é superior à da televisão. No entanto, não se deve presumir que esta seja inferior: são instrumentos que oferecem produtos diferentes. Assim como o rádio não foi anulado pela invenção da televisão, esta não parece caminhar para superação pela internet. Por isso, continuará sendo o centro das media, tendo em vista que a internet produz “saturação”, e é mais confortável ver passivamente, como ocorre na televisão, do que interagir ativamente, como ocorre com a internet. Por suas próprias características, a televisão mostra imagens que remetem à “realidade”, enquanto o ciberespaço é, como o próprio nome

2 sugere, “virtual”, “imaginário”. Acrescente-se a isso a situação de que, em muitas sociedades industriais do Ocidente, os adultos passam uma média de 25 a 30 horas semanais assistindo à televisão, e esta se transformou na mais importante fonte de informação sobre os eventos nacionais e internacionais. (THOMSON, 1996, p. 114)” (CADEMARTORI; MENEZES NETO, 2013, p. 201) “A democracia não é compatível com poderes invisíveis e/ou “selvagens”, como quer Ferrajoli, que atuam à margem da lei e do controle do poder. Assim, procurou-se identificar os fundamentos teóricos de tal incompatibilidade e demonstrar a existência desses poderes que, incontrolados, dissolvem a estrutura constitucional e, portanto, os direitos fundamentais.” (CADEMARTORI; MENEZES NETO, 2013, p. 208) “Frutos de um frágil equilíbrio, os direitos fundamentais exigem a separação dos poderes e a transparência no seu exercício. Se, no passado, a separação clássica de poderes foi suficiente para proteger os direitos fundamentais, o mesmo não ocorre na atualidade. O surgimento de forças paralelas ao Estado impõe a necessidade de uma teoria jurídica que estabeleça limites também para esses novos poderes. Uma delas, a midiática, pode desenvolver alianças pouco democráticas com os poderes econômico e político. Assim, os levantamentos sobre a concentração de propriedade dos meios de comunicação de massas e sua relação com os detentores do poder político no Brasil podem causar espanto, não pela novidade, mas pela verdade que colocam.” (CADEMARTORI; MENEZES NETO, 2013, p. 208) “A relação entre as crises do Estado e a constatação dos meios de comunicação de massas como poderes invisíveis e selvagens traz à superfície a urgente necessidade de regulamentação do setor no sentido — mas não necessariamente na forma — das propostas feitas recentemente pelo Poder Executivo brasileiro. Não se trata, como querem acreditar alguns, de censura, mas do ideal democrático de controle do poder. Afinal, não há pluralismo sem que seja permitida a efetiva participação do cidadão na formação da comunicação política através dos meios de comunicação de massas e não se pode falar em democracia representativa sem que seja garantido o livre e consciente exercício do voto. A atual situação inverte a lógica dos direitos fundamentais e deixa a liberdade de expressão e comunicação sob o controle do poder econômico. Os discursos pela “liberdade de expressão” que se opõem ao controle dos meios de comunicação de massas são, na realidade, discursos pela “liberdade dos proprietários”, o mesmo tipo de discurso que coloca, segundo a Freedom House, o Brasil na 97a posição do Global press freedom ranking 2011.” (CADEMARTORI; MENEZES NETO, 2013, p. 208) “É preciso, na luta pelos direitos fundamentais, identificar os problemas que causam a crise do Estado e possibilitar o aparecimento de uma resistência teórica capaz de lidar com o surgimento e consolidação dessa nova e ainda incontrolada forma de poder, concentrada em mãos privadas e possuidoras de um enorme aparato tecnológico de comunicação social.” (CADEMARTORI; MENEZES NETO, 2013, p. 208) CONCENTRAÇÃO DOS MEIOS DE COMUNICAÇÃO

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“Dentro do contexto dos invisíveis poderes selvagens — os meios de comunicação de massas são especialmente adequados ao conceito — o presente artigo irá discutir o problema da concentração dos meios de comunicação de massas no Brasil, dando ênfase à relação entre sua existência e a falta de pluralismo, verdadeiro “remédio” contra o abuso dos poderes. A democracia requer um nível constante de dissenso, que só pode ser garantido através da liberdade de expressão e comunicação, entendida amplamente, seja de maneira negativa, como dever de abstenção, seja de maneira positiva, como dever de ação estatal.” (CADEMARTORI; MENEZES NETO, 2013, p. 189) “Nos regimes democráticos, a comunicação política tende a ocorrer constantemente entre as elites e a opinião pública das massas populares. Funciona como forma de as elites solicitarem apoio ao povo ou, mais raramente, fazendo o caminho inverso, ou seja, das massas para as elites. Contudo, o fluxo comunicativo fica prejudicado em virtude da desintegração da esfera pública política produzida pela simulação, debilitação e degradação da opinião pública, fenômenos patrocinados pela concentração dos meios de comunicação de massas.” (CADEMARTORI; MENEZES NETO, 2013, p. 197) “Assim, é necessária a defesa da liberdade de expressão e comunicação e, consequentemente, do pluralismo político através do questionamento sobre a pluralidade dos proprietários dos meios de comunicação de massa. Esse poder das media passa a ser perigoso quando limitado a pequenos grupos econômicos e políticos, pois adquirem a possibilidade de reprimir e silenciar as vozes dissidentes. (FERRAJOLI, 2007b, p. 341)” (CADEMARTORI; MENEZES NETO, 2013, p. 200) LIBERDADE DE EXPRESSÃO E COMUNICAÇÃO “Não é possível falar em efetiva liberdade de expressão e comunicação em sistemas que permitem a concentração, invisibilidade e incontrolabilidade dos poderes midiáticos. Muito pelo contrário: o controle deixa de ser exercido sobre as media e passa a ser exercido por elas sobre a opinião pública num verdadeiro simulacro de esfera pública política.” (CADEMARTORI; MENEZES NETO, 2013, p. 189) OPINIÃO PÚBLICA E PODER “A opinião pública é essencial para o funcionamento das democracias ocidentais atuais. De maneira simples, é possível colocá-la como fudamento último do poder, afinal “Todo o poder emana do povo” . Assim, o presente trabalho pretende, inicialmente, explicar as condições de existência, formação e possível desintegração da opinião pública e relacioná-la à teoria do Estado, possibilitando a adequação desta categoria para analisar o processo de tomada de de-

4 cisões em sociedades democráticas e o aprofundamento da análise sobre os motivos da sua tão falada “crise”. Para tanto, começará demonstrando a importância do conceito de esfera pública política habermasiana, sua desintegração e a sua conexão com a opinião pública e a democracia constitucional.” (CADEMARTORI; MENEZES NETO, 2013, p. 187) “Para Matteucci (1998, p. 842), a opinião pública é uma expressão que carrega duplo sentido: na sua formação, é “pública” por ser originada fora da esfera privada, ou seja, no debate público de ideias; no seu objeto, é pública por tratar de assuntos de interesse de uma determinada comunidade. Para Bobbio (1997, p. 90), é “[...] a opinião relativa aos atos públicos, isto é, aos atos próprios do poder público”. Para Habermas (2003), ela é o conjunto de discussões públicas depois que o público, por formação e informação, torna-se apto a elaborar uma opinião bem fundamentada sobre assuntos de relevância coletiva.” (CADEMARTORI; MENEZES NETO, 2013, p. 191) “Como opinião, é expressão de juízo de valor, sempre discutível e cambiante, permitindo, portanto, a discordância e o dissenso. Como “pública”, isto é, relativa ao caráter político do homem, é plural, dada a impossibilidade de existir espaço para apenas uma única verdade política. Por ser mera opinião (doxa), afirma Matteucci (1998, p. 842), não corresponde necessariamente à verdade (episteme), mas ao pensamento racionalmente forjado através do debate crítico e bem informado. Sua função é permitir a participação ativa dos cidadãos na esfera pública política através da manifestação e divulgação das próprias ideias e, portanto, está intimamente ligada ao pluralismo e à liberdade de expressão e comunicação. Nesse sentido, é o pensamento corroborado por Luigi Ferrajoli, para quem o exercício dos direitos políticos — logo, no âmbito da esfera pública política — pressupõe que “[...] la formazione di opinioni politiche e di una pubblica opinione solo può provenire dalla libera espressione del pensiero, dal dibattito pubblico e da un’informazione independente [...] e lo sviluppo di movimenti di opinione e di opposizione”.” (CADEMARTORI; MENEZES NETO, 2013, p. 191) “Seu surgimento coincidiu com o do Estado moderno, pois dependeu, como visto, de uma sociedade civil burguesa distinta — mas simultaneamente dentro — do Estado e organizada numa esfera pública política (HABERMAS, 2003, p. 46), permitindo, assim, a formação de opiniões não individuais de grupos interessados em exercer o controle do poder estatal; todavia, foi condenada pelos teóricos do absolutismo por introduzir a semente da anarquia e da corrupção no Estado. Tais críticas reapareceram, segundo Matteucci (1998, p. 844), com Hegel. Para o filósofo alemão, a opinião pública seria um conjunto de opiniões individuais que, somadas, não seriam capazes de expressar a opinião comum do grupo. Outras críticas feitas diziam respeito ao conhecido perigo do despotismo da maioria ou do conformismo de massa, que resultariam na crise da opinião pública e, consequentemente, no colapso do diálogo racional e na impossibilidade de estabelecimento das condições de “[...] diálogo ideal do iluminista com seu público pretendido por Kant” (MATTEUCCI, 1998, p. 845). Com o advento das novas tecnologias de comunicação de massas e da formação de oligopólios com fortes poderes econômicos ligados às media, as críticas parecem razoáveis, pois essas novas situações dificultam o

5 desenvolvimento da liberdade de expressão e comunicação, do pluralismo de ideias e da pluralidade de órgãos de comunicação autônomos, condições essenciais para a evolução de uma opinião pública livre e racionalmente fundada. (CADEMARTORI; MENEZES NETO, 2013, p. 191) “A democracia, denuncia Sartori (1998, p. 68), é definida frequentemente como “governo de opinião”. Essa definição parece adequada ao aparecimento da videopolítica, fenômeno que faz com que o “povo soberano” fundamente suas opiniões de acordo com o que a televisão os induz a acreditar. Para conduzir a opinião pública (SARTORI, 1998), fabricar (CHOMSKY, 2003) ou engenhar (HABERMAS, 2003) o consenso, o poder da imagem assume papel central na política contemporânea.” (CADEMARTORI; MENEZES NETO, 2013, p. 193) “A opinião pública está intimamente relacionada à visibilidade do poder em uma democracia, ou seja, “[...] para constituir-se uma opinião pública nos moldes apontados é imprescindível que se dê publicidade aos debates e decisões político-jurídicos” (BOLZAN DE MORAIS; STRECK, 2010, p. 193). Os autores concordam com a afirmação de Norberto Bobbio (1997) de que a maior ou menor relevância da opinião pública depende também da acessibilidade que as massas têm a informações relativas aos atos públicos e atos decisórios do Estado.” (CADEMARTORI; MENEZES NETO, 2013, p. 193) “Na sociedade midiática de massas, a opinião pública é forjada na “cultura global pasteurizada”. Ela é moldada, domesticada, controlada, infantilizada e incapacitada de distinguir os próprios interesses dos alheios, defendendo-os como se fossem seus e tendo a capacidade crítica usurpada pelas media (BOLZAN DE MORAIS; STRECK, 2010, p. 193). ‘’ (CADEMARTORI; MENEZES NETO, 2013, p. 193) “Esse controle da opinião pública é mais importante para governos livres e populares do que para os Estados despóticos e militarizados, pois, enquanto nestes ocorre o controle da opinião pública pela coação, nos Estados livres há diminuição do uso da força física e, por isso, é necessário “[...] pôr o público em seu lugar [...]” através de outros meios de dominação. (CHOMSKY, 2003, p. 444)” (CADEMARTORI; MENEZES NETO, 2013, p. 194) “Assim, a comunicação política está presente em todo o comportamento humano com a função de manter e adaptar o sistema político. Os contatos informais entre os membros de um determinado grupo seriam a forma mais comum de comunicação política, com destaque para o papel especial dos líderes de opinião na formação da opinião pública. Contudo, uma importante modificação ocorreu nos sistemas modernos: a introdução dos meios de comunicação de massas, especialmente os eletrônicos. A transferência do eixo da comunicação política para esses novos meios de comunicação torna o tipo, a qualidade e a frequência das mensagens transmitidas pelas media decisivos “[...] para a formação das atitudes da opinião pública e, consequentemente, para o tipo de pressões que ela exerce sobre os centros decisórios do sistema político” (PANEBIANCO, 1998, p. 201), além de ter transformado o ocultamento em fenômeno inerente à comunicação política. (BOBBIO, 1997, p. 101)” (CADEMARTORI; MENEZES NETO, 2013, p. 198)

6 DESINTEGRAÇÃO DA OPINIÃO PÚBLICA “Coloca-se a questão sobre a desintegração da opinião pública (HABERMAS, 2003) e da esfera pública, pois elas são tão importantes que, na impossibilidade de existirem, precisam ser simuladas. A crise da democracia representativa — e, consequentemente, da democracia constitucional — é acentuada por uma opinião pública débil e artificial, pois, à medida que as funções políticas da esfera pública são fragilizadas, é enfraquecido o parlamento como órgão do Estado na esfera pública.” (CADEMARTORI; MENEZES NETO, 2013, p. 191) “Jürgen Habermas, assim como os marxistas de modo geral, partindo de uma avaliação geral negativa da comunicação de massa e de seu impacto, afirmou que a publicidade como princípio crítico, a abertura das questões públicas à discussão por cidadãos interessados, deu lugar a uma opinião pública manipulada. (THOMSON, 1996)” (CADEMARTORI; MENEZES NETO, 2013, p. 192) Logo, a ampliação da esfera pública pelas técnicas dos novos meios de comunicação de massas resulta, paradoxalmente, na desintegração da opinião pública, pois “[...] o mundo criado pelos meios de comunicação de massas só na aparência ainda é esfera pública [...]” (HABERMAS, 2003, p. 202). O público midiatizado, integrante de uma opinião pública desintegrada numa esfera pública incrivelmente ampliada, é “[...] incomparavelmente mais citado de diversos modos e com maior freqüência para fins de aclamação pública, mas, ao mesmo tempo, ele está distante dos processos de exercício do poder [...]” (HABERMAS, 2003, p. 212), o que faz com que tenha a falsa consciência de que contribui responsavelmente para a formação da opinião pública. Os meios de comunicação de massas passam a servir apenas para possibilitar um entretenimento ao mesmo tempo agradável e facilmente digerível, que tende a substituir a captação totalizadora do real por aquilo que está pronto para o consumo e que mais desvia para o consumo impessoal de estímulos destinados a distrair do que leva para o uso público da razão. (HABERMAS, 2003, p. 202) (CADEMARTORI; MENEZES NETO, 2013, p. 192) “O público-alvo também é diferenciado nessa esfera pública ampliada. Enquanto as media tradicionais da esfera pública literária atingiam geralmente as camadas sociais com maior poder econômico, na atualidade a situação passa a ser oposta, e a penetração e influência das media é mais forte nos círculos menos favorecidos, especialmente em virtude do barateamento da tecnologia necessária e do menor tempo de escolaridade associado a determinados públicos. A engineering of consent (HABERMAS, 2003), que pode ser aqui traduzida como a arte de manipular o público, permite a inserção de ideias no imaginário social, além da manutenção e transmissão de memes convenientes ao establishment. Coloca-se em risco a racionalidade do debate político gerado a partir de informações produzidas com a finalidade específica de desinformar. A formação artificial de um consenso não leva a sério a opinião pública iluminista, pois o interesse geral desaparece à medida que determinados interesses privados, privilegiados com o acesso aos meios de comunicação de massas, ignoram a concorrência aberta de ideias (HABERMAS, 2003).” (CADEMARTORI; MENEZES NETO, 2013, p. 192)

7 TRANSPARÊNCIA, PODER E DEMOCRACIA “O problema consiste, portanto, na ocultação do poder. Essa foi, inclusive, uma das razões de superioridade do regime democrático em relação ao Estado absoluto, em que eram defendidos os poderes ocultos (arcana imperii). Nas palavras de Bobbio (1997, p. 11), “[...] enquanto a presença de um poder invisível corrompe a democracia, a existência de grupos de poder que se sucedem mediante eleições livres permanece [...] como a única forma na qual a democracia encontrou a sua concreta atuação”.” (CADEMARTORI; MENEZES NETO, 2013, p. 194) “Segundo Bobbio (1997, p. 29-30), “[...] uma ação que sou forçado a manter secreta é certamente não apenas uma ação injusta, mas sobretudo uma ação que se fosse tornada pública suscitaria uma reação tão grande que tornaria impossível a sua execução [...]”. Com isso, ele reafirma a fórmula kantiana de que são injustas todas as ações que se referem ao direito de outros homens cujos princípios não suportam a publicação. (KANT, 2006)” (CADEMARTORI; MENEZES NETO, 2013, p. 194) “Os meios de comunicação de massas, quase sempre associados ao poder político ou econômico, possuem aparato tecnológico e técnicas para fazer chegar seu conteúdo em todos os lugares do Brasil com capacidade de penetração e persuasão inimagináveis.” (CADEMARTORI; MENEZES NETO, 2013, p. 195) “Os poderes extrajurídicos, por estarem fora do controle tradicional, são tendencialmente absolutos. Ainda que o sistema esteja organizado como Estado de direito, o absolutismo dos poderes selvagens está diretamente relacionado à quantidade de espaços criados por poderes extrajurídicos — ou de poderes conformes com a mera legalidade — na sociedade civil. Obviamente, a realidade não permite a normatização plena de todo exercício de poder, sendo necessárias, segundo Ferrajoli (1998, p. 934), garantias essenciais para que um poder, quando, por força das suas funções sociais, não puder ser suprimido, seja, pelo menos, o mais limitado possível pela lei. Tal perspectiva é plenamente aplicável aos meios de comunicação de massas que, em razão da sua importância e poder, devem ser fortemente limitados pela lei. Os poderes privados, assim como os públicos, devem ser submetidos ao controle, legitimação e justificação formal e substancial na democracia. Diminuir os poderes selvagens é maximizar as liberdades e os direitos fundamentais.” (CADEMARTORI; MENEZES NETO, 2013, p. 197) CRISE DO ESTADO E MICROPODERES “Ao contrário do que foi colocado no início deste artigo e na Constituição Federal brasileira, no mundo real, nem todo poder emana do povo. À situação, José Luis Bolzan de Morais (2002) dá o nome de “crise funcional do Estado”. Segundo o autor, a multiplicidade dos loci de poder resulta na perda de centralidade e exclusividade do Estado e pode ser sentida tanto pelos órgãos responsáveis pelas funções estatais típicas do modelo clássico de tripartição das

8 funções como também por órgãos que exercem outras funções estatais de natureza regulamentar ou decisória. O Estado perde parte do seu poder coercitivo frente aos poderes extraestatais, tendo dificuldades em fazer valer suas decisões.” (CADEMARTORI; MENEZES NETO, 2013, p. 195) “Os poderes selvagens, expressão utilizada por Luigi Ferrajoli (1995, 1998, 2007a, 2007b, 2011), são formas de poder incontroláveis e ilimitadas e que, por isso, podem prejudicar ou subjugar os poderes jurídicos e a ordem do Estado de direito.” (CADEMARTORI; MENEZES NETO, 2013, p. 195) “Os micropoderes selvagens se desenvolvem no âmbito das funções e instituições jurídicas abandonadas a dinâmicas substancialmente livres e incontroláveis, que atuam fora das instituições jurídicas vigentes, (...)” (CADEMARTORI; MENEZES NETO, 2013, p. 196) “Ainda que seja muitas vezes difícil estabelecer a divisão entre poderes extralegais e ilegais, os poderes selvagens geralmente atuam tanto de maneira deliberadamente ilegal como, através da distorção das regras existentes, dentro da esfera de legalidade estabelecida.” (CADEMARTORI; MENEZES NETO, 2013, p. 196) “Também vale para os poderes privados a assertiva de Montesquieu de que “[...] todo homem que possui poder é levado a dele abusar; ele vai até onde encontra limites. [...] Para que não se possa abusar do poder, é preciso que, pela disposição das coisas, o poder limite o poder” (1996, p. 166). Logo, é possível concluir que o poder tem o efeito de produzir desigualdades e relações de poder baseadas na sujeição do mais fraco, o que torna poder e direitos fundamentais antagônicos. (FERRAJOLI, 1995, p. 933-934)” (CADEMARTORI; MENEZES NETO, 2013, p. 196) “Nesse sentido, Bobbio (1997, p. 102) propõe a existência de subgovernos e criptogovernos, bem como esclarece a necessidade de uma inexistente teoria para estuda-los. Como exemplo desse invisível e selvagem exercício de poder, Luigi Ferrajoli (2007a, 2007b, 2011) traz o poder midiático proporcionado pela concentração dos meios de comunicação de massas. Para ele, a concentração proprietária e a confusão dos poderes políticos e midiáticos, gerada pelo controle das media pelos titulares de poderes políticos e econômicos, coloca em contraste outra separação de poderes produzida pela modernidade, a saber, “[...] la de poder y saber y, precisamente, de poderes, tanto públicos como privados, e información” (FERRAJOLI, 2011, p. 54). Nisso resulta a inversão da relação entre media e poderes públicos: a imprensa livre não controla mais os poderes públicos, pois estes passam a controlar aquela. A informação fica à mercê do entrelaçamento entre poderes públicos e privados, fundidos nos meios de comunicação de massas.” (CADEMARTORI; MENEZES NETO, 2013, p. 198) MANIPULAÇÃO DA MIDIA “A apropriação privada da liberdade de comunicação e expressão (FERRAJOLI, 2007b) permite que o poder econômico e o político, munidos dos aparatos tecnológicos adequados, ma-

9 nipulem a comunicação política de tal maneira que os meios de comunicação de massas podem ser considerados um quarto poder, potencialmente danoso para a democracia, o qual, na atualidade, encontra-se completamente livre para agir sob o manto de uma compreensão distorcida do que seja a “liberdade de expressão”, que, da forma como é pregada, serve unicamente para “blindar” os interesses dos controladores das media.” (CADEMARTORI; MENEZES NETO, 2013, p. 199) “As media são bens patrimoniais submetidos ao direito de propriedade e da autonomia civil da livre iniciativa econômica e, sem a devida limitação, podem restringir severamente direitos de liberdade, tornando os meios de comunicação de massas inacessíveis ao público e concentrando-os segundo a dinâmica do mercado. (FERRAJOLI, 2007b, p. 338)” (CADEMARTORI; MENEZES NETO, 2013, p. 200) “Como resultado dessa confusão, os detentores do poder midiático passam a ser também os titulares principais da liberdade de expressão e comunicação, fato que contraria sua própria natureza na democracia constitucional, que deve garantir a livre expressão a qualquer cidadão, permitindo o pluralismo de ideias e garantindo a livre comunicação política. A ideia de que o direito fundamental de manifestar o próprio pensamento dependa de fatores econômicos e de direitos civis ignora sua básica hierarquia infraconstitucional, pois o exercício de direitos fundamentais não pode depender dos meios econômicos que possui seu titular. Além disso, Ferrajoli (2007b, p. 339) lembra que a liberdade de expressão de pensamento diz respeito ao ser humano que escreve ou pronuncia a palavra, não ao proprietário dos meios de comunicação de massas. O resultado dessa confusão jurídica e subordinação da liberdade de expressão e comunicação é a geração de um círculo vicioso que impede seu avanço jurídico, violadora do pluralismo de informações. (FERRAJOLI, 2007b)” (CADEMARTORI; MENEZES NETO, 2013, p. 200)

1 CALACA, Isaac. A Dimensão Social do Direito à Determinação dos Fluxos de Informação Atinentes ao Sujeito. Revista de Direito, Estado e Telecomunicações, v. 6, n. 1, p. 109–126, 2014.

DIREITOS FUNDAMENTAIS "Entretanto, em que pese a tradição das declarações de direitos encontrar outros exemplos históricos, o grande marco para os direitos humanos e fundamentais atuais foi a proclamação da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão pela Assembleia Nacional Constituinte da França revolucionária, em outubro de 1789. Morange (2008, xvii), ao tratar do espírito motivador da Declaração, assevera que quando os constituintes resolveram expor, em uma declaração solene, os direitos naturais, inalienáveis e sagrados do homem, se referiam claramente a uma filosofia do direito natural. Esses direitos proclamados seriam inerentes à pessoa humana, incriados, independentes de reconhecimento ou atribuição de valor jurídico por qualquer assembleia."(CALACA, 2014, p. 111) "Bonavides (2006, 560) apresenta o tema dos direitos fundamentais através do problema terminológico que o cerca: podem as expressões “direitos humanos”, “direitos do homem” e “direitos fundamentais” ser usadas indistintamente? Prosseguindo, o autor assevera que há certa identidade entre os termos, preferindo os autores anglo-americanos e latinos o termo “direitos do homem”, enquanto os publicistas alemães preferem o termo “direitos fundamentais”."(CALACA, 2014, p. 111) "(...) o autor apresenta ainda dois critérios formais de caracterização dos direitos fundamentais, segundo Carl Schmitt (Bonavides 2006, 561). O primeiro atesta que podem ser designados direitos fundamentais todos os direitos ou garantias nomeados e especificados no instrumento constitucional. Pelo segundo critério, os direitos fundamentais são aqueles que receberam da constituição um grau mais elevado de garantia ou de segurança, sendo ou imutáveis ou pelo menos de mudança dificultada."(CALACA, 2014, p. 112) "(...) apresenta Bonavides a visão de Carl Schmitt relativa ao aspecto material dos direitos fundamentais, atestando que estes “variam conforme a ideologia, a modalidade de Estado, a espécie de valores que a Constituição consagra. Em suma, cada Estado tem seus direitos fundamentais específicos” (Bonavides 2006, 561)."(CALACA, 2014, p. 112) "O autor afirma que os direitos fundamentais são normas intimamente ligadas à dignidade da pessoa humana e à limitação de poder, positivadas na constituição. Isso, entretanto, não afasta a existência de valores importantes ainda não reconhecidos pela positivação, mas que também são ligados à ideia de dignidade humana ou da limitação de poderes. Costuma-se chamar esses valores de direitos do homem. Os direitos do homem seriam, portanto, “valores ético-políticos ainda não positivados”, correspondendo “a ‘instâncias ou valores éticos anteriores ao direito positivo’” (Marmelstein 2008, 25) e possuindo um conteúdo de direito natural.

2 Seriam pré-jurídicos."(CALACA, 2014, p.112) "Já quando há a positivação constitucional, no âmbito interno do país, deve-se utilizar o termo direitos fundamentais, pelo que usualmente não se fala de tratado internacional de direitos fundamentais ou direitos humanos positivados na Constituição. (Marmelstein 2008, 26) A própria Constituição brasileira se refere ao âmbito internacional utilizando a expressão direitos humanos, e ao interno com a expressão direitos fundamentais."(CALACA, 2014, p. 112) "Para Marmelstein, “os direitos fundamentais foram criados, inicialmente, como instrumentos de limitação do poder estatal, visando assegurar aos indivíduos um nível máximo de fruição de sua autonomia e liberdade” (Marmelstein 2008, 34)."(CALACA, 2014, p. 113) DIREITOS FUNDAMENTAIS "Ficou claro, então, que havia pelo menos duas espacialidades bem definidas: uma pública e uma privada. Nesse contexto, os direito fundamentais ditos de primeira geração representavam liberdades públicas, porque exercidas em face do Estado e que implicavam para este um dever negativo, de omissão, isto é, de não- intromissão no espaço privado. (Fachin e Ruzik 2006, 91) Daí se pode afirmar que os direitos fundamentais de primeira geração eram vistos externamente como limites à intromissão estatal e internamente como expressão do espaço de atuação do indivíduo, demarcando de vez a separação público/privado e impondo como condição para o seu exercício a garantia de atuação individual no espaço da liberdade privada (Fachin e Ruzik 2006, 91)."(CALACA, 2014, p. 113) "A segunda geração de direitos fundamentais encontrou sua razão se ser nos graves problemas ocasionados pela industrialização no século XIX, que levaram à consolidação do Estado do bem-estar social (Welfare State), que buscava promover maior igualdade social e garantir condições básicas para uma vida digna (Marmelstein 2008, 48). Daí derivaram direitos destinados a melhorar as condições de vida dos trabalhadores e os direitos econômicos, sociais e culturais, ligados às necessidades básicas dos indivíduos, como os de alimentação, saúde, moradia, educação, assistência social etc. O reconhecimento desses direitos parte da premissa de que a liberdade não faz sentido sem que essas condições mínimas para sua fruição sejam garantidas; a liberdade não é apenas o direito de se ver livre de constrangimentos externos, mas também a possibilidade real de autodeterminação (Marmelstein 2008, 49). Desse modo, os direitos de segunda geração impõem diretrizes, deveres e tarefas a serem realizados pelo Estado, no intuito de garantir a fruição da liberdade, com melhor qualidade de vida e um nível razoável de dignidade. "(CALACA, 2014, p. 114) "Os direitos da terceira geração buscam a universalização de padrões éticos mínimos, ou a proteção em nível internacional de todo o gênero humano. Assim, temos entre eles os direitos de desenvolvimento, direito à paz, direito ao meio ambiente e direito de propriedade

3 sobre o patrimônio comum da humanidade, além do direito à comunicação (Marmelstein 2008, 52)."(CALACA, 2014, p. 114) "Há quem fale em uma quarta geração, como Bonavides, por exemplo. Seriam da quarta geração os direitos à democracia, à informação e ao pluralismo (Bonavides 2006, 571). Marmelstein corrobora a existência de possíveis direitos de quarta, quinta, sexta e mesmo uma sétima geração, originados da “globalização, avanços tecnológicos (cibernética), e descobertas da genética (bioética)” (Marmelstein 2008, 55). Os direitos fundamentais, portanto, não são eternos e imutáveis. Pelo contrário: esses valores respondem às necessidades históricas e são bastante dinâmicos e sujeitos a saltos sem solução de continuidade ou retrocessos abruptos, acompanhando a evolução da sociedade e de sua expressão ética."(CALACA, 2014, p. 114)

1 CARVALHO, Lucas Borges de. Os Meios de Comunicação, a Censura e a Regulação de Conteúdo no Brasil: Aspectos Jurídicos e Distinções Conceituais. Revista de Direito, Estado e Telecomunicações, v. 4, n. 1, p. 51–82, 2012.

CENSURA “Ao mesmo tempo em que proscreveu a prática da censura, um dos pilares de sustentação do regime militar, a Constituição Federal de 1988 estabeleceu diretrizes de programação para as emissoras de rádio e TV. Garantiu, ainda, ao cidadão, o direito de reclamar e se opor a conteúdos por estas difundidos. A preferência a finalidades educativas e informativas, a promoção da cultura nacional, o estímulo à produção independente, a regionalização da produção e o respeito aos valores éticos e sociais da pessoa e da família foram, assim, elevados à categoria de princípios constitucionais norteadores da atuação das instituições estatais competentes e de observância obrigatória pelos meios de comunicação.” (CARVALHO, 2012, p. 52) “Desse modo, se a censura foi, do ponto de vista normativo, abolida, o mesmo não se pode dizer do controle público sobre a programação das emissoras. O problema é que a convivência entre esses dois princípios constitucionais não é de todo harmônica, nem de fácil compatibilização, fato que tem suscitado controvérsias e leituras distintas em torno do alcance e da aplicação de cada um deles.” (CARVALHO, 2012, p. 52) “Grosso modo, pode-se dizer que, de um lado, há aqueles que conferem maior peso ao princípio da vedação da censura, repudiando qualquer tentativa de regulação de conteúdo, sob a justificativa de que tais medidas constituem uma restauração velada de práticas autoritárias.” (CARVALHO, 2012, p. 52) “De outro lado, estão os que conferem maior peso ao princípio da regulação de conteúdo, vendo neste uma prática de viés democrático, necessária para a garantia de pluralismo e diversidade na arena midiática. A própria liberdade de expressão seria fortalecida com a atuação reguladora do Estado, na medida em que poderiam ser eliminados ou reduzidos os mecanismos de censura impostos pelo mercado a vozes dissonantes e a grupos minoritários.” (CARVALHO, 2012, p. 52) “Finalmente, as próprias empresas de mídia seriam agentes da censura ao impedir a efetiva livre expressão de ideias de grande parte da população.” (CARVALHO, 2012, p. 54) “O debate público, embora expresso em termos excessivamente retóricos e imprecisos – o que, aliás, é próprio do confronto político – denota a existência de divergências reais e profundas a respeito das relações entre meios de comunicação, Estado e democracia no país. São essas divergências que podem vir à tona, em termos mais precisos, com uma delimitação conceitual mais apropriada.” (CARVALHO, 2012, p. 54)

2 REGULAÇÃO DE CONTEÚDO E DEMOCRACIA Numa democracia, não há lugar para práticas repressivas sobre a livre expressão de ideias. Por isso, as duas justificativas centrais para o exercício da censura foram – ou, pelo menos, deveriam ser – tomadas “pelo avesso” após o advento da Constituição de 1988, passando a constituir limites negativos de toda forma de regulação estatal sobre os meios de comunicação. (CARVALHO, 2012, p. 68) “Nesse sentido é que se pode argumentar, seguindo Bourdieu (2005), que o peso dos interesses comerciais no campo jornalístico é cada vez maior. Trata-se de uma crescente “heteronomia” do campo, é dizer, uma forte dependência de forças políticas e econômicas, que acabam por constituir estruturas e imposições determinantes, dentre outras coisas, sobre a forma como são moldados e definidos os conteúdos relevantes que predominam no âmbito dos meios de comunicação” (CARVALHO, 2012, p. 70) “Dentre as principais normas vigentes, e que em tese servem à implementação das diretrizes de conteúdo previstas na Constituição Federal, merecem ser mencionados, no âmbito da radiodifusão, o Código Brasileiro de Telecomunicações – CBT (Lei no 4.117, de 27 de agosto de 1962) e o Regulamento dos Serviços de Radiodifusão (Decreto no 52.795, de 31 de outubro de 1963).” (CARVALHO, 2012, p. 71) “As licitações para a outorga de concessões de radiodifusão são do tipo “técnica e preço”, visto que consideram tanto elementos qualitativos na prestação do serviço, como, também, o valor a ser pago pelo interessado em contrapartida à outorga. Os critérios técnicos são considerados nas licitações por meio da atribuição de pontos, em um total de cem, aos seguintes itens, conforme estipulado no § 1o do art. 16 do decreto: (i) o tempo destinado a programas jornalísticos, educativos e informativos (15 pontos); (ii) o tempo destinado a serviço noticioso (15 pontos); (iii) o tempo destinado a programas culturais, artísticos e jornalísticos a serem produzidos e gerados na própria localidade objeto da outorga (30 pontos); (iv) o prazo para início da execução do serviço objeto da outorga, em caráter definitivo (40 pontos). Como se pode observar, a norma instituiu a obrigatoriedade de serem observadas diretrizes de conteúdo nas licitações de outorgas de radiodifusão, em conformidade – em parte, ao menos – com o disposto na Constituição Federal. No entanto, o modelo se demonstra pouco efetivo, na medida em que não há definição, seja no regulamento ou nos próprios editais publicados pelo Ministério das Comunicações, do que possa ser considerado como programas “culturais, artísticos, educativos e informativos”.” (CARVALHO, 2012, p. 72) “Além disso, o Ministério das Comunicações não possui estrutura de pessoal adequada para realizar uma fiscalização efetiva sobre a programação das emissoras ou, mesmo, para receber reclamações de usuários em face da programação ou da prestação do serviço em geral, conforme estipula a Constituição (art. 220, § 3o , II). Da mesma forma, as informações disponíveis dão conta de que tais elementos sequer são considerados por ocasião da renovação das concessões.27 Isso significa que, não bastasse o fato de estarem timidamente previstas na legis-

3 lação em vigor, as diretrizes de conteúdo possuem poucos efeitos concretos, ainda que sejam objeto de consideração na avaliação das propostas nas licitações.’ (CARVALHO, 2012, p. 73) “Em resumo, o que se tem, quanto à regulação de conteúdo das concessões de radiodifusão, é uma legislação antiquada e uma estrutura administrativa deficiente, que resultam na baixa efetividade de qualquer controle democrático sobre a programação veiculada pelas emissoras de TV e rádio. Prevalece, portanto, um modelo regulatório de matriz liberal, caracterizado pela mínima regulação estatal sobre a produção e difusão de conteúdos ou, ainda, uma política de regulação pela desconcentração, baseada em um grau reduzido de normas impositivas e na atribuição de maior proteção jurídica ao princípio da livre iniciativa.” (CARVALHO, 2012, p. 74) “Ao assumir o espaço deixado pelas demais instituições competentes, os tribunais passaram a impor limites de todo o tipo a publicações e veículos de comunicação. Como resultado, tem-se uma atuação judicial pouco consistente, que vai desde uma posição mais liberal em defesa da liberdade de expressão, tal como adotada pelo Supremo Tribunal Federal em casos recentes,29 até a reativação de práticas autoritárias de censura institucional.” (CARVALHO, 2012, p. 75) “A censura, enquanto procedimento de exclusão que incide sobre a produção e a difusão de discursos, é não só uma prática institucional, mas, também, uma prática social. Se, por um lado, as instituições estatais podem, de fato, ser um dos principais responsáveis pela restrição à livre expressão de ideias, como demonstram a atuação da Divisão de Censura e do SIGAB no regime militar e, nos dias de hoje, do poder judiciário, por outro lado, verifica-se a existência de constrangimentos, tão ou mais contundentes sobre a liberdade de expressão, provenientes de estruturas e ações sociais difusas e menos visíveis.” (CARVALHO, 2012, p. 77) “A própria atuação do poder judiciário poderia se tornar mais consistente – reduzindo-se o espaço para práticas de censura judicial – em um contexto regulatório mais bem delimitado e organizado. Aliado a isso, é essencial abrir espaço para a participação da sociedade civil organizada, seja nos procedimentos de outorga e renovação de concessões, seja, de forma geral, na discussão do esperado novo marco regulatório para as comunicações. Por fim, pouco adianta a criação de regras mais objetivas sem que se instituam mecanismos de fiscalização efetivos, aptos a acompanhar e avaliar a prestação do serviço e, se for o caso, impor sanções aos responsáveis.” (CARVALHO, 2012, p. 79)

1 CAVALCANTI, Daniel Brandão. O Papel dos Pontos de Troca de Tráfego em Políticas e Regulação da Banda Larga. Revista de Direito, Estado e Telecomunicações, v. 88, n. 2011, p. 75–88, 2010.

ASPECTOS REGULATÓRIOS “Um estudo bastante recente nas áreas de regulação, de políticas públicas e de investimento em infraestrutura de comunicações chega à conclusão de que políticas eficazes realmente influenciam investimentos, ao afetarem a estrutura e a intensidade competitiva nos mercados de plataformas de redes.” (CAVALCANTI, 2010, p. 83) “Ao se estabelecerem regras para transações entre detentoras de plataformas distintas e operadoras de redes voltadas à prestação de serviços, tais políticas tentam estabelecer um ambiente competitivo equilibrado por meio da padronização de tais transações entre os atores de mercado, visando uma redução geral dos custos de transação. Nesse sentido, os instrumentos de regulação da infraestrutura de telecomunicações tendem a se encaixar em duas grandes categorias: regulação horizontal e regulação vertical.” (CAVALCANTI, 2010, p. 83) “Ao se realizar uma análise comparativa da eficiência das medidas adotadas em regulação horizontal, tais como direitos de passagem, compartilhamento, co-localização, interconexão, desagregação e revenda, dentre outros, e em regulação vertical, incluindo separação contábil, separação funcional, separação estrutural, assim como regras de não- discriminação, tais como, por exemplo, a neutralidade de rede, verifica-se que o saldo é mais favorável às medidas de regulação horizontal.” (CAVALCANTI, 2010, p. 83) “Além dos benefícios econômicos do estímulo à competição no mercado de atacado, no transporte IP, e de se assegurar um ambiente de condições mais isonômicas para os atores de mercado, a implantação dos PTT agrega as externalidades positivas da melhoria de topologia e da eficiência de roteamento, maior conectividade e redução da latência de rede. Dado que a utilidade de um PTT é diretamente proporcional ao número de redes presentes naquele ponto de troca, isso claramente parece justificar um requisito regulatório de pontos de interconexão abertos e neutros. Ademais, é essencial que as operadoras dominantes detentoras de backbones estejam dentre aquelas presentes nesses PTT.” (CAVALCANTI, 2010, p. 85) “A regulação no mercado de interconexão IP, e em especial a implantação obrigatória de PTT neutros, é ainda mais importante no Brasil, dado que todos os backbones de internet em fibra ótica tendem a convergir em um número muito reduzido de locais – sobretudo Rio de Janeiro, São Paulo e Fortaleza – onde se interconectam com os cabos submarinos, que provêem capacidade de transporte internacional para a internet.” (CAVALCANTI, 2010, p. 85) POLÍTICAS PÚBLICAS DE ESTÍMULO

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“Ao longo dos dois últimos anos, diversos países divulgaram planos nacionais de banda larga, alguns dos quais propõem a implantação de extensas redes de transporte (backbones) de fibra ótica como forma de assegurar cobertura a áreas não atendidas ou mal atendidas. Em alguns países, esse novo backbone é visto como elemento essencial para estimular a competição no mercado de atacado de redes de transporte IP para tráfego na internet.” (CAVALCANTI, 2010, p. 76) “No âmbito de estudos relacionados ao Plano Nacional de Banda Larga dos EUA, foi realizada pesquisa em diversos países acerca das políticas públicas de estímulo à internet banda larga. Constata-se que a regulação pode ser importante ferramenta na promoção da adoção de banda larga, e que mecanismos que assegurem facilidades na interconexão com incumbents podem aumentar os níveis de investimento e de oferta do serviço. Todas as operadoras de redes de telecomunicações têm obrigações de prover interconexão, e requisitos adicionais devem ser estabelecidos para operadoras com poder de mercado significativo (PMS) ou que controlem um recurso crítico, ou gargalo, do ponto de vista da competição. A regulação de preços deve estar incluída dentre tais requisitos. Outros remédios considerados essenciais para assegurar competição nesse mercado também devem ser implementados, tais como a “regra da simultaneidade” adotada na Alemanha, que veda a prestação de novos serviços por operadoras detentoras de PMS a menos que seus competidores tenham a oportunidade de prestar serviço similar.” (CAVALCANTI, 2010, p. 82) “Um dos objetivos expressos do Plano Nacional de Banda Larga do Brasil é o de aumentar a penetração dos serviços de banda larga, com a participação ativa de pequenas e médias empresas operadoras de redes e provedores de serviço de internet.” (CAVALCANTI, 2010, p.84) “Os argumentos em favor de uma regulação mais ativa no mercado de interconexão IP parecem ter amplo apoio, como indicam estudos recentes na literatura especializada.” (CAVALCANTI, 2010, P. 86) OTIMIZAÇÃO E QUALIDADE NA INTERNET “Ao trocar parte de seu tráfego diretamente, por meio de peering, as redes podem reduzir a proporção de seu tráfego total que precisa ser entregue aos provedores de capacidade de trânsito. Assim, é possível reduzir os custos de seu serviço e aumentar o desempenho conjunto das redes interconectadas.” (CAVALCANTI, 2010, p. 76) “As funcionalidades de trânsito e de peering diferenciam-se essencialmente pelo fato de que, em uma relação de trânsito, uma rede paga à outra pela interconexão e, portanto, torna-se uma cliente de atacado da outra rede. Diferentemente, em uma relação de peering, as redes que vendem capacidade de trânsito a terceiros irão realizar o roteamento do tráfego de seus clientes de trânsito entre si, por meio de trocas diretas e sem pagamento entre os parceiros de peering.”

3 (CAVALCANTI, 2010, p. 76) REGULAÇÃO ESTATAL “A utilidade de um PTT está diretamente relacionada ao número de redes que estão presentes naquele dado ponto de troca. No entanto, os grandes backbones nacionais tipicamente interconectam-se em um número muito reduzido de PTT. Dados os claros benefícios dos PTT, isso parece indicar que há espaço para ação regulatória visando estimular a implementação de PTT.” (CAVALCANTI, 2010, p. 80) “O Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br), que foi criado em 1995 numa iniciativa do Ministério das Comunicações e do Ministério da Ciência e Tecnologia, por meio da Portaria Interministerial n. 147, com alterações no Decreto Presidencial n. 4.826/2003, é constituído por membros de governo, do setor empresarial, do terceiro setor e da comunidade acadêmica. O CGI atualmente é responsável pela maior iniciativa de implantação de PTT no Brasil – denominada PTTMetro3 – com pontos de presença nas maiores cidades do país.” (CAVALCANTI, 2010, p. 80) “Um dos objetivos expressos do Plano Nacional de Banda Larga do Brasil é o de aumentar a penetração dos serviços de banda larga, com a participação ativa de pequenas e médias empresas operadoras de redes e provedores de serviço de internet.” (CAVALCANTI, 2010, p. 84) “Como, atualmente, vários países discutem seus planos nacionais de banda larga, que, em alguns casos, incluem a estruturação de novos backbones nacionais de fibra ótica, é importante ressaltar que tais planos deveriam também abranger medidas regulatórias que assegurem acesso a essa infraestrutura de backbone e backhaul para as operadoras de rede e demais prestadoras de serviço de pequeno e médio porte.” (CAVALCANTI, 2010, P. 86) CONFLITOS DE INTERESSES “Na questão relativa a investimento em banda larga e regulação, um trabalho recente de revisão da bibliografia nesse tema aponta para um iminente conflito entre regulação, competição e investimento. As operadoras dominantes tendem a encarar a intervenção regulatória como sendo excessiva. No entanto, tanto no atacado como no varejo, medidas regulatórias podem criar condições favoráveis que induzam investimentos pelos demais atores de mercado.” (CAVALCANTI, 2010, p. 82) “No entanto, é importante observar que as operadoras de rede verticalmente integradas têm incentivos concretos para discriminar, e mesmo excluir, os competidores que não são verticalmente integrados. Aqui a questão é se a separação é a medida regulatória correta e, caso afirmativo, qual das modalidades de separação é a melhor forma de se lidar com o problema.

4 Com relação às regras de não-discriminação, a percepção é de que a discussão ainda está em estágio inicial, embora alguns resultados preliminares indiquem que tais regras trazem benefícios para o desempenho setorial.” (CAVALCANTI, 2010, p. 84) “Diante da tendência atual de migração para o ambiente NGN, e na ausência de regulação setorial específica, as operadoras dominantes verticalmente integradas têm incentivos para lançarem mão de práticas discriminatórias em relação às operadoras que não são verticalmente integradas. Elas tenderão a estabelecer um reduzido número de pontos de interconexão IP, e não terão interesse em se fazer presentes em pontos neutros de interconexão. Nesse cenário, as operadoras dominantes detentoras de backbones não permitirão que as pequenas operadoras provedoras de acesso estejam visíveis no nível de roteamento IP das suas redes de transporte.” (CAVALCANTI, 2010, p. 84) Tal como já apontado em estudos sobre o tema, as operadoras de backbones de internet se defrontam com incentivos conflitantes: de um lado há incentivos para cooperarem entre si, de forma a oferecer aos seus clientes acesso à mais ampla gama de conteúdo de internet possível e, de outro, há incentivos para competirem entre si, de forma a conquistarem o maior número possível de clientes de varejo e de atacado, para dominar o mercado. ASSIMETRIA E DIFICULDADES DAS PEQUENAS EMPRESAS “Para esses atores de mercado, um dos aspectos que mais pressiona seu modelo de negócio atualmente é o custo de trânsito para escoamento de tráfego para a internet e a falta de meios para troca direta de parte deste tráfego, por meio de peering, localmente.” (CAVALCANTI, 2010, P. 76) “O acesso a esse recurso de gargalo é um dos fatores-chave na estrutura de preços do mercado de atacado de trânsito IP no país. Devido à posição de PMS das operadoras dominantes detentoras de backbones, é essencial que operadoras de redes menores também possam acessar essas instalações de interconexão, seja diretamente nesses locais, ou indiretamente por meio de uma malha nacionalmente distribuída de PTT interconectados.” (CAVALCANTI, 2010, p. 85)

1 CINTRA, M. E. Neutralidade de Rede: O caso Comcast v. Netflix e o Marco Civil da Internet. Revista de Direito, Estado e Telecomunicações, v. 7, n. 1, p. 145–170, 2015.

NEUTRALIDADE DE REDE “A neutralidade de rede é cada vez mais discutida em nossa sociedade, na medida em que o tratamento não isonômico de pacote de dados se torna uma realidade. Um exemplo muito debatido sobre tratamento diferenciado de pacote de dados foi o caso americano da Netflix vs. Comcast, no qual o provedor de rede, a Comcast, limitava a velocidade do provedor de conteúdo, o Netflix. Diante dessa situação, faz-se necessário uma reflexão sobre como o Estado Regulador pode produzir normas voltadas às determinações de políticas, diretrizes de desempenho com o escopo de garantir prestações materiais para fruição pelos cidadãos de direitos de maneira igualitária.” (CINTRA, 2015, p. 146) “Atualmente, apesar dos inúmeros debates que são feitos em prol da neutralidade, não há dispositivos legais, nos Estados Unidos, que assegurem a neutralidade de rede. Mostraremos como o Estado brasileiro maturou a discussão sobre neutralidade no processo de construção do Marco Civil da Internet e como, apesar da não regulamentação das exceções técnicas desse princípio tão importante nos dias atuais, o Brasil saiu na frente em termos de governança da internet ao definir e tornar vigente a neutralidade de rede no país. ” (CINTRA, 2015, p. 146) “(...) o caso objeto de análise, Comcast vs.Netflix, não ocorreria no Brasil, em razão da existência do marco legal que estabelece princípios, garantias, direitos e deveres para o uso da Internet no país.” (CINTRA, 2015, p. 146) “Um dos principais temas sobre governança de internet é neutralidade. Apesar de não haver um consenso sobre a definição de neutralidade, há uma noção sobre a ideia desse conceito, qual seja a de um princípio segundo o qual os provedores de serviço não devem discriminar, restringir, privilegiar determinados pacotes de dados em detrimento de outros dados.” (CINTRA, 2015, p. 147) “Esse termo foi inicialmente cunhado em um artigo do professor de Columbia, Tim Wu, no ano de 20031. Ao longo dessa década muito foi debatido sobre o que esse conceito abarca ou não. De acordo com o professor, a neutralidade é um princípio que deve ser utilizado quando houver a elaboração de uma rede. O princípio traz consigo a concepção de que todas as informações que trafegam na rede devem ser tratadas de maneira igualitária.” (CINTRA, 2015, p. 147) “Para melhor compreensão da rede sem neutralidade, duas metáforas são utilizadas com maior frequência. A primeira de que a internet contaria com a presença de porteiros, no caso os operadores de rede ou provedores de banda larga, com poderes de deliberar sobre as condições, o tipo de conteúdo e a velocidade do conteúdo que deverá ser entregue aos usuários (ALMEIDA, 2007). A segunda, que enxerga a ausência de neutralidade como uma estrada pedagiada o que

2 pressuporia que várias cabines para cobrar pedágios poderiam ser colocadas ao longo da rede ou “da estrada” para exigir que determinados fornecedores de conteúdo ou aplicativos pagassem a mais para que os seus usuários possam usufruir de um determinado serviço (ALMEIDA, 2007). Essa ideia de estrada pedagiada explica muito bem o conflito ocorrido entre a Netflix e a Comcast que será abordado mais adiante.” (CINTRA, 2015, p. 147) “Em 1996, John Perry Barlow publicou, em Davos, a chamada Declaração de Independência do Ciberespaço17, uma documento vindo do futuro, do ciberespaço, solicitando aos governos do mundo industrial que os deixassem em paz. A declaração afirma que, nesse espaço, nenhum governo foi eleito e que eles não estão propensos a ter um governo; afirma que os governos desconhecem a cultura e a ética que regem aquele espaço; diz que o que está sendo criado é um mundo em que qualquer um, em qualquer lugar possa expressar suas crenças, não interessando o quão particulares sejam e sem o receio de sofrer coerção para ficar em silêncio ou em conformidade. Como bem apontou Guilherme de Almeida Almeida (2014), como essa concepção de ciberespaço não contém um caráter material, não haveria uma subordinação à lógica de Estado e à lógica de fronteira que advém da concepção de soberania estatal. Por essa razão, não haveria uma legitimidade de os governos, que estão inseridos nessa perspectiva industrial, regulamentarem a internet.” (CINTRA, 2015, p. 156) CONFLITO DE INTERESSES “Em 2007, houve uma mudança na lógica de negócio da empresa que deixou de enviar DVDs para a casa das pessoas para introduzir o conceito que é atualmente utilizado, qual seja o de vídeo por demanda via internet. Em 2010, essa nova lógica de negócio adotada pela empresa ampliou de maneira tão rápida que a companhia deixou de ser a maior consumidora dos serviços postais americano para ser a maior fonte de tráfego na internet norte americana no período da tarde. Nesse mesmo ano, passou a oferecer os serviços de streaming de maneira separada da locação de DVDs. ” (CINTRA, 2015, p. 149) “O litígio estabelecido entre a Netflix e esses três grandes provedores de rede ocorreu quando a velocidade do streaming de vídeo da Netflix caiu de maneira considerável, no segundo semestre de 2013, fazendo com que os usuários reclamassem do serviço prestado pela provedora de conteúdo. O gráfico abaixo demonstra essa queda drástica da velocidade.” (CINTRA, 2015, p. 149) “A culpa pela lentidão foi atribuída a ambas as partes. A Netflix alegava que o tráfego de dados foi diminuído de maneira intencional, o que significaria uma violação ao princípio da neutralidade, já as operadoras acusaram a Netflix de sobrecarregar a rede com o seu tráfego intenso de dados para conseguir prover o seu serviço.” (CINTRA, 2015, p. 150) “No caso especial da Comcast, que também é dona da National Broadcasting Company (NBC), ainda recai o questionamento sobre a possível ação para deixar mais lento os streams de seus programas rivais e aumentar a velocidade para os programas produzidos pela NBC6, o

3 que significaria uma outra ofensa à neutralidade. A primeira é a discriminação sob a alegação de que a rede não suportaria esse tráfego de dados, enquanto a segunda é a discriminação em razão de seu conteúdo, já que a empresa também conta com um provedor de conteúdo próprio.” (CINTRA, 2015, p. 150) “No início de 2014, a Netflix e a Comcast chegaram a um acordo no qual a Netflix pagaria um valor a mais para se conectar diretamente ao serviço de rede oferecido pela Comcast. Acordos semelhantes foram firmados com as operadoras Verizon7 e AT&T8, depois que o acordo com a Comcast foi firmado. Após assinar esses acordos, o CEO da Netflix reclamou sobre ter que pagar o que ele chamou de ‘taxa arbitrária´ para conseguir melhor o serviço para os seus clientes. O gráfico (...) demonstra bem que logo após a assinatura do acordo no início de 2014, a velocidade disponibilizada pela Comcast para a Netflix cresceu de maneira exponencial, o que deixou claro que não era um problema de congestão da rede, mas sim uma degradação proposital feita pela Comcast.´´ (CINTRA, 2015, p. 150) “O problema é que esses acordos específicos levantam outras questões. Uma delas é se esse tipo de acordo ficará restrito à Netflix, um provedor de conteúdo que demanda um alto volume de tráfego de dados ou isso será um modelo geral adotado pela empresa provedora de rede que solicitará aos provedores de conteúdo uma pagamento específico para obter uma interconexão direta com a rede e, caso esses provedores de conteúdo não queiram pagar, eles serão relegados a uma conexão mais lenta proposital? Se a direção adotada for esta última, na qual os provedores de conteúdo necessitarem de uma interconexão específica para oferecer os seus serviços, essa forma de interconexão significará uma nova barreira de entrada para os pequenos e novos competidores que surgirem e que não serão capazes de pagar a mais por esse serviço. A ausência de transparência nesses acordos também é um fator que deve ser levado em consideração. Se não houver critérios claros e específicos, as operadoras terão total controle sobre o tipo de conteúdo que será oferecido para os usuários.” (CINTRA, 2015, p. 151) “Assim como Obama, grandes provedores de conteúdo já fizeram esse apelo pró-neutralidade, tais como Netflix, Google, Facebook, entre outros. A maior resistência vem, é claro, dos grandes provedores de rede que argumentam ser válidos os seus direitos de cobrança para priorizar determinados serviços, que são chamados de fastlanes.” (CINTRA, 2015, p. 154) “Wu (2005) argumenta que a neutralidade de rede deve ser entendida como uma expressão concreta de um sistema de crença sobre inovação. Ao se realizar uma discriminação de preços, alguns consumidores são favorecidos e outros prejudicados, o problema é que essa discriminação pode ter efeitos externos no processo de inovação e competição entre os aplicativos. Apesar de não ser tão problemático em uma perspectiva estática, qual seja a relação dos consumidores/produtores, ela pode trazer grandes impactos na perspectiva dinâmica para o desenvolvimento competitivo de novos aplicativos. Ademais, um tratamento desigual significaria aumento nos custos de comunicação como um todo para os usuários e um fortalecimento de poderes monopolísticos. ” (CINTRA, 2015, p. 154) “Há quem questione a real necessidade de uma regulação para conseguir promover a

4 competitividade entre os provedores de rede e, especialmente, de conteúdo. Um dos mais fervorosos acadêmicos contra a neutralidade, Cristopher Yoo argumentou que a neutralidade causaria danos à lógica competitiva, especialmente nas redes de última milha, que estão mais próximas do consumidor final. Ele defende que uma discriminação no preço é a melhor forma para utilizar de maneira eficiente os recursos. Ademais, ele argumenta que a neutralidade restringiria o desenvolvimento de serviços de rede que não são relacionados à internet (YOO, 2006). Dessa maneira, as pessoas contrárias à neutralidade argumentam que a melhor forma de lidar com os possíveis problemas derivados de um exercício de poder duvidoso por parte dos provedores deva ser por corrigido após o fato, ex post, por meio de uma legislação antitruste e não por meio de uma regulação anterior.” (CINTRA, 2015, p. 154) “Parte do desafio quanto à neutralidade foi vencido: as discriminações feitas pelas grandes provedoras americanas de rede não seriam admitidas no Brasil. Resta agora aguardar por uma regulamentação que defina as exceções e garanta o enforcement dos dispositivos previstos no Marco Civil da Internet, para que o Brasil continue na vanguarda da governança de internet mundial.” (CINTRA, 2015, p. 169) ESTADO E REGULAÇÃO “Tim Wu (2005) apontou que os reguladores de comunicações gastariam parte de seu tempo para tentar solucionar conflitos entre os interesses privados dos provedores de banda larga e os interesses públicos no competitivo ambiente que é a internet. Wu explanou que, como essas questões são relacionadas às concepções mais básicas de uma política pública de comunicação, os problemas iriam surgir nas mais variadas formas. Embora algumas pessoas apontem dificuldades para uma possível regulação da internet por se tratar de um ambiente fluido, vale notar que o acesso à rede é fornecido por um número pequeno de empresas que estão dispostas a eliminar ou dificultar os passos de possíveis concorrentes que com elas tentem competir. As operadoras querem assegurar o maior lucro possível para manter a viabilidade econômica da infraestrutura atrelada à rede (ALMEIDA, 2007). Wu (2005) afirma que o desafio que se impõe sobre a promoção de uma justa competição em um setor privado, seja de telefonia ou de uma loja de revenda, não é distinto da promoção da neutralidade de rede. A regulação governamental nesses casos serve para assegurar que os interesses a curto prazo de um provedor não impeçam que os melhores produtos ou aplicativos se tornem disponíveis para os usuários de uma rede.” (CINTRA, 2015, p. 152) “Ao analisar três distintas abordagens de regulação para os provedores de banda larga, quais sejam a de remédios estruturais, regime de não discriminação e a auto/não regulação, ele defende que o mais adequado para garantir a neutralidade de rede é a renúncia aos remédios estruturais para um escrutínio direto da discriminação dos provedores. O princípio por trás da ideia de não discriminação é o de dar aos usuários o poder de utilizar de maneira não prejudicial aplicações e arquivos e de dar aos inovadores a liberdade correspondente de alimentar isso (WU,

5 2005). ” (CINTRA, 2015, p. 152) “A teoria econômica básica sugere que os operadores, os provedores de rede, têm o interesse coincidente com o interesse público a longo prazo. Ou seja, ambos têm o interesse de uma plataforma neutra que seja propícia aos surgimentos de aplicações melhores. Entretanto, as evidências sugerem que os operadores prestam pouca atenção à esse interesse de longo prazo. Os operadores tendem a focar nos interesses de curto prazo. (WU, 2005)” (CINTRA, 2015, p. 152) “A FCC, o órgão regulador americano na área de telecomunicações e radiofusão, expediu um ato, em 2010, em prol de garantir uma internet aberta: o chamado Open Internet Order12. Entretanto, esse ato, que contribuiria para um dos elementos configuradores da neutralidade de rede, ao ser questionado judicialmente pela Verizon, foi julgado como uma extrapolação da competência da FCC pela Corte do Distrito de Columbia.” (CINTRA, 2015, p. 153) “Atualmente, nos Estados Unidos, as operadoras têm implementado limitações contratuais e arquiteturais para determinadas classes de aplicações. Há uma tendência dos operadores de tentar banir novas aplicações muitas vezes por um interesse de discriminação de preço, ou seja, por interesse econômico para firmar contratos que prevejam a priorização do tráfego de determinados dados. O problema é que isso tende a distorcer o mercado e o futuro do desenvolvimento de aplicações. Por essa razão, Wu questiona a eficácia da auto-regulação ou não-regulação para essa área. Diante dessas claras discriminações e da comoção pública gerada sobre o tema, a agência reguladora norte americana lançou uma consulta pública, em maio de 201414, para que a sociedade americana se manifestasse sobre a neutralidade de rede e sobre a concepção de internet aberta. O foco era debater a inserção das operadoras de banda larga no regime do Communications Act de 1934 e estabelecer regras e princípios para que a neutralidade de rede fosse respeitada.” (CINTRA, 2015, p. 153) “Em novembro de 2014, o presidente norte-americano, Barack Obama, se manifestou pró-neutralidade15, rogando para que a agência americana, a FCC, implemente regras mais fortes quanto ao respeito à neutralidade de rede. Obama defendeu um plano que envolve quatro passos para os provedores de rede, quais sejam: no blocking; no throttling; increased transparency; no paid prioritization. O primeiro diz respeito ao não-bloqueio de acesso à um website ou serviço, caso o conteúdo seja legal. O segundo repudia a diminuição intencional na velocidade de determinado conteúdo, assim como o aumento intencional na velocidade de outro conteúdo. O terceiro ponto roga por uma maior transparência entre a conexão que é feita com o consumidor final. Já o quarto ponto rechaça o pagamento para priorização de um determinado serviço.” (CINTRA, 2015, p. 153) “Em nosso país, na mesma época que se discutiam as reformas que seriam realizadas no setor telecomunicações, o Ministro das Comunicações, por meio da edição da Norma 04/1995, iniciou a regulação do “uso dos meios da rede pública de telecomunicações para o provimento e utilização dos serviços de conexão à Internet”. Eram, como bem explicitou Guilherme Almeida (2014), os primeiros passos da internet comercial em nosso país. A norma trazia importantes

6 definições, como internet, serviço de conexão, provedor de serviço de conexão, entre outros conceitos essenciais para estruturação do tema. Ademais, acabou com o monopólio estatal no provimento de serviços de conexão à internet. No mesmo ano da edição da norma, foi criado o Comitê Gestor da Internet (CGI) no País, por meio da Portaria Interministerial no 147, de 1995 e depois por Decreto. Entre as principais atribuições do CGI, podemos destacar o acompanhamento da disponibilização de serviços de internet, as recomendações que por ele deveriam ser emitidas, com relação à estratégia de implantação e interconexão e procedimentos operacionais e técnicos. Como o CGI não é uma agência reguladora, não está dentro de suas competências a formulação de normas, mas apenas de princípios norteadores da internet (PAPP, 2014). Ainda em 1995, começaram a surgir projetos de lei no Congresso brasileiro que versavam sobre ações relacionadas à palavra informática. No final de 1995, foi proposto o Projeto de Lei no 1.070, de 1995, que buscava criminalizar a divulgação de materiais pornográficos através de computadores. Vale notar que essa primeira proposição nem mencionava o termo internet. No ano seguinte, surgiram outros projetos que já se valiam do termo, boa parte buscando criminalizar condutas ou preocupados com a autenticação eletrônica de documentos. Muitos desses projetos eram meras traduções ou adaptações de normas internacionais (PAPP, 2014). ” (CINTRA, 2015, p. 157) “Essa aprovação de uma lei que versava sobre cibercrimes esvaziou as forças que visavam aprovar o Projeto do Marco Civil, que dormitou sem acordo para realização da votação até meados de 2013. Somente com o surgimento da denúncia sobre os sistemas de vigilância global da Agência de Segurança Nacional (NSA) por Edward Snowden27 houve uma alteração desse cenário. Em razão dessa denúncia de espionagem e com o surgimento de documentos comprovando que até a Presidenta Dilma Rousseff estaria sendo espionada, a Presidenta, em resposta à atitude do governo norte-americano, adiou a sua visita oficial que seria feita na segunda quinzena de outubro de 2013 ao País. A visita presidencial só ocorreria quando uma “solução satisfatória para o Brasil”28 fosse alcançada.” (CINTRA, 2015, p. 165) “O Marco Civil da Internet, espécie de Constituição da Internet, já que estabelece “princípios, garantias, direitos e deveres para o uso da Internet no Brasil”, assegurou em seu artigo 3o a “preservação e garantia da neutralidade de rede”, além de dispor, de maneira específica, no capítulo III do dispositivo legal, as únicas possibilidade em que a discriminação ou degradação de tráfego pode ocorrer. Muito embora o Brasil esteja na vanguarda por ter assegurado esse princípio, ainda se faz necessário a regulamentação específica sobre o tema para elencar as exceções técnicas à neutralidade, cuja competência é privativa da Presidenta. Os Estados Unidos, por sua vez, apesar de debater o tema há alguns anos e já ter tentado listar como princípios não vinculantes o bloqueio, a discriminação e a proibição de dispositivos em rede, nunca obteve êxito com o seu propósito, já que sempre foi questionado judicialmente. Somente no primeiro semestre de 2014 lançou uma consulta pública, por meio da FCC, para regulamentar o tema.” (CINTRA, 2015, p. 168)

7 FRAGMENTAÇÃO DO MEIO DE COMUNICAÇÃO “Ademais, Almeida (2007) argumenta que o fim da neutralidade poderia levar à uma fragmentação da internet, já que outras redes que não se comunicam com a internet de hoje poderiam ser criadas em razão da fragmentação do conteúdo disponível aos usuários.” (CINTRA, 2015, p. 155) “Como pode-se perceber, a internet tem a natureza de um bem público, de um recurso público e, por isso, a neutralidade deve ser analisada levando isso em consideração. Não assegurar o tratamento isonômico de acesso aos dados levaria a uma modificação desse bem público que conhecemos hoje. Portanto, faz-se necessários adotar regras para a regulação dessa área para assegurar princípios tão caros ao seu funcionamento atual. Mike Feintuck (2010) defende que há certos campos que a regulação deve incorporar e dar ênfase a certos valores que vão além dos valores estritamente de mercados. Por isso, faz-se necessário uma visão que parta do interesse público e não estritamente do interesse privado. Feintuck se vale de exemplos da regulação ambiental. Um dos princípios norteadores dessa regulação é o da precaução, que serve como uma orientação de uma ação proativa para prevenir danos que sejam irreversíveis ao meio ambiente. Esse princípio exemplifica muito bem as tentativas de se preservar um bem público ao invés de se adotar ações que visam preservar determinados interesses individuais. A internet neutra e aberta deve ser compreendida como esse bem público que deve ser preservado e contar com princípios e regras que contribuam para essa tarefa.” (CINTRA, 2015, p. 155) SOCIEDADE CIVIL “A sociedade civil se organizou para combater o substitutivo proposto pelo Senador Eduardo Azeredo. Criou-se uma campanha na internet para criticar o Projeto e as ameaças ao funcionamento da rede que ele trazia. Essa mobilização passou a se referir à Proposição de Lei como “AI-5 Digital”20, analogia clara à censura que a proposição representaria à internet, caso prosseguisse com a redação proposta. Setores sociais apontavam o perigo de se aprovar o Projeto de Lei dos Cibercrimes. Afirmavam que o Projeto criaria um estado de exceção permanente na internet, que controlaria e puniria os usuários. Diziam que o Projeto significava um vigilantismo na comunicação em rede.” (CINTRA, 2015, p. 158) “Muito embora o Projeto do Marco Civil não tenha inovado por completo no sistema de possibilidade de consultas públicas, pois já existiam outros mecanismos de consulta pública por meio da internet, ele inovou ao adotar uma plataforma que permitia um debate não somente unidirecional, mas sim uma maior interação, além de não se restringir somente a um determinado público (ALMEIDA, 2014).” (CINTRA, 2015, p. 159) “A plataforma, que foi criada e lançada pelo Ministério da Cultura em conjunto com a Rede Nacional de Pesquisa em 2009. Ela permitia a construção colaborativa de uma política pública digital. Além da parceria com o portal Culturadigital.br, firmou-se uma parceria com

8 o Centro de Tecnologia e Sociedade da Escola de Direito da Fundação Getúlio Vargas. Esse Centro já tinha contribuído com o debate feito em torno do Projeto de Cibercrimes e foi fundamental para a estruturação da consulta, ao colaborar com as hipóteses de redação dos artigos e a organização de eventos sobre o tema.” (CINTRA, 2015, p. 160)

1 COSTA, Lucas. Meios de Comunicação: Limites e Controles no Brasil. Revista dos Tribunais, v. 956, p. 217–231, 2015.

OPINIÃO PÚBLICA “Os meios de comunicação social alcançaram posição de destaque na sociedade contemporânea. São meios qualificados de divulgação de informações de todos os tipos, informações estas que são necessárias para a garantia de uma opinião pública livre e da própria democracia. Não obstante, constantemente têm demonstrado serem também instrumentos aptos a causar severas lesões a bens jurídicos outros, a exemplo dos direitos fundamentais à honra e à imagem. Assim, como tudo na vida, os veículos de comunicação, bem como as informações que divulgam, merecem estar sujeitos a limites, bem como à fiscalização e controle desses limites. Visa-se, dessa maneira, não só proteger direitos fundamentais como a honra e a imagem, como também garantir o próprio bem inestimável que necessita ser propagado para a boa ventura da sociedade democrática – a informação.” (COSTA, 2015, p. 218) DIREITO E LIBERDADE DE EXPRESSÃO “Hoje em dia não é mais possível uma pessoa integrar-se à sociedade sem ter acesso aos fatos e acontecimentos importantes que ocorrem cotidianamente. Revela-se, com isso, a importância dos diversos direitos relativos ao pensamento e sua manifestação, isto é, a liberdade de manifestação do pensamento e seus consectários – os direitos/liberdades de opinião, expressão, comunicação e informação –, previstos em nossa Constituição Federal:’‘ (COSTA, 2015, p. 218) “O direito/liberdade de opinião protege a possibilidade de a pessoa formular juízos, raciocínios lógicos, e exteriorizá-los. Isso tudo, sem que seja possível ou lícito ao Estado discriminar o indivíduo em razão do conteúdo de sua manifestação. E mais, exigindo-se também o respeito por parte do Estado, que fica impossibilitado de exigir do indivíduo condutas incompatíveis com sua opinião.’‘ (COSTA, 2015, p. 218) “Já o direito/liberdade de expressão, ao contrário do direito de opinião, não se refere a raciocínios lógicos ou a juízos, mas sim a aspectos ligados à seara artística. Visa a expressão de manifestações de sentimento, emoções etc. É o caso da música, teatro, pintura etc. Outrossim, quando falamos em direito/liberdade de comunicação, temos em mente duas finalidades. A primeira, a proteção de todos os direitos/liberdades decorrentes da manifestação do pensamento (opinião, expressão e informação), quando veiculados nos meios de comunicação social. A segunda, a regulamentação ou estruturação dos meios de comunicação social propriamente ditos, a exemplo de sua titularidade, concessões etc.

2 O direito/liberdade de informação, por sua vez, tem caráter tripartite, na medida em que envolve as faculdades de informar, informar-se e ser informado. O direito de informar envolve a possibilidade de o indivíduo divulgar as informações de que dispõe, sem embaraços de qualquer ordem. Na esfera do direito de se informar, tem-se a garantia da busca de informações.’‘ (COSTA, 2015, p. 219) INFORMAÇÃO JORNALISTICA “É possível aprofundar um pouco mais a análise do direito de informação, tendo como parâmetro o conteúdo veiculado ou buscado mediante seu exercício. E a doutrina constitucional10 o faz, subdividindo-o em: (a) “direito de transmitir ideias, conceitos e opiniões (ex: livros de história, política ou direito)”; (b) “direito de veicular notícias e os respectivos comentários ou críticas”. Constitui-se a segunda subdivisão no direito/liberdade de informação jornalística, algumas vezes denominada também como liberdade de imprensa. Tal liberdade compartilha de todos os atributos do direito de informação, com a especificidade de envolver somente conteúdo noticioso. Dispõem de conteúdo noticioso aqueles fatos a que necessitam ter acesso todas as pessoas que convivem em sociedade, sob pena de sua não integração, isto é, sua exclusão social. São fatos de conhecimento imperioso para a vida em sociedade. Essa diferenciação torna-se importante tendo em vista defendermos a especial posição da liberdade de informação jornalística em nossa Constituição Federal. Em outras palavras, sua proteção e defesa é mais vigorosa se comparada aos outros direitos decorrentes da liberdade de manifestação do pensamento – tema que será adiante abordado. (COSTA, 2015, p. 221) “Conforme verificado, a democracia está intimamente ligada à informação e sua circulação. Nesse sentido, a garantia de acesso universal a todas as formas de informação deve ser buscada e garantida, pois quanto maior o número, diversidade e qualidade de informações disponíveis, maior será o grau de democracia de uma sociedade.’‘ (COSTA, 2015, p. 222) PROPRIEDADE DOS MEIOS DE COMUNICAÇÃO “Na sociedade de hoje, o Poder concentra-se não somente nas estruturas de órgãos estatais, mas também nas diversas organizações privadas existentes.23 Exemplo disso são os veículos de comunicação social que, tendo como conteúdo a informação, são entidades de grande influência na sociedade.’‘ (COSTA, 2015, p. 223) “Atualmente, o contato do cidadão com os agentes políticos se dá quase que exclusivamente mediante a transmissão dos veículos de comunicação social, em especial o rádio e a televisão. No caso destes, as informações que veiculam são as únicas recebidas pela maioria das pessoas, que acabam não tendo acesso às informações difundidas pelos jornais e revistas.’‘ (COSTA, 2015, p. 223)

3 “Observa-se então a capacidade desses meios de transformar e conformar a sociedade, sua cultura, forma de pensar, vestir etc.’‘ (COSTA, 2015, p. 223) LIMITES E CONTROLES “Outro aspecto interessante é o fato de a radiodifusão requerer, para sua transmissão, espaço físico denominado “espectro eletromagnético”, através do qual trafegam as ondas de rádio e televisão. Como esse espectro é limitado, somente algumas pessoas poderão explorar a radiodifusão para exercer a liberdade de manifestação do pensamento, sem prejuízo de a todos ser possível a recepção dessas manifestações. Tal acesso é franqueado mediante concessão pública. É necessária, portanto, a regulamentação desse espaço físico, a fim de estabelecer os titulares do direito de concessão, bem como evitar interferências. Além disso, não somente a radiodifusão utiliza as ondas eletromagnéticas como meio de propagação, senão também outros serviços de relevância pública, como as polícias e órgãos de segurança pública em geral, aeroportos, serviços de táxi etc.’‘ (COSTA, 2015, p. 223) “(...) a informação hoje em dia é requisito indispensável ao desenvolvimento individual das pessoas, para sua autodeterminação, sua consciência política. Mais ainda: serve também para tornar possível o controle e fiscalização popular de todos os atos estatais e governamentais, isto é, serve como base essencial à existência de uma opinião pública livre e informada – necessária para a democracia. Em razão desses aspectos todos, a informação, assim como os direitos que dela decorrem (informação propriamente dita, opinião, expressão e comunicação), foi positivada no Texto constitucional como direito fundamental.’‘ (COSTA, 2015, p. 223) “Não são poucas às vezes em que a opinião pública é manipulada ou traída, sendo excluída do acesso a fatos ou acontecimentos que contrariam interesses de grupos de comunicação específicos. Trata-se de interesses privados impedindo (censurando) a livre divulgação de notícias, a veiculação de opiniões e a circulação de informações em geral. A fim de evitar esses comportamentos indevidos (censura privada), repita-se, existem interessantes mecanismos de controle que não foram positivados em nosso ordenamento jurídico.’‘ (COSTA, 2015, p. 226) “Interessantes porque, não afetando o conteúdo da notícia a ser divulgada, dificultam a possibilidade de uma ampla e irrestrita condução da pauta dos veículos de informação ao arbítrio do poder econômico – o que diminui a possibilidade de manipulação da informação pelos proprietários dos meios. É o que ocorre na Espanha com sua previsão constitucional (art. 20.1, d) da cláusula de consciência (regulamentada pela Ley Orgánica 2/1997), segundo a qual é possível ao jornalista rescindir o contrato de trabalho, com todos os efeitos de uma despedida arbitrária, se o fizer em razão de mudança evidente na linha editorial do jornal. Também em Portugal, com a imposição constitucional da divulgação dos nomes dos proprietários e dos meios de financiamento (anunciantes) dos periódicos (art. 38, 5). Ou, ainda, com o direito de eleição dos conselhos editoriais, que garante aos jornalistas escolherem o conselho de redação do jornal onde trabalham, intervindo todos de alguma maneira na orientação do periódico.’‘

4 (COSTA, 2015, p. 227) “(...) vê-se que os limites, controle ou regulamentação da liberdade de manifestação do pensamento buscarão sempre: (1) o controle da informação ou dos meios de divulgação, para que não ocorram abusos danosos, garantida a reparação; (2) o acesso de todos, especialmente das minorias (políticas, sociais, econômicas etc.), aos meios de comunicação social.’‘ (COSTA, 2015, p. 227)

1 DRUMOND, Igor. Neutralidade de Rede: Finalidade, Eficácia, Efetividade e Eficiência. Revista de Direito, Estado e Telecomunicações, v. 1, n. 1, p. 117–144, 2015.

NEUTRALIDADE DE REDE “O conceito de neutralidade de rede foi concebido inicialmente por Tim Wu, professor de Direito da Universidade de Columbia, no EUA. Essencialmente, significa uma internet que não favoreça uma determinada aplicação em relação a outras, como, por exemplo, favorecer a transferência de pacotes de dados de aplicações de vídeo em detrimento dos pacotes de dados de e-mail (Wu, 2005).” (DRUMOND, 2015, p. 123) “Dessa premissa derivam algumas características que tentam sistematizar este princípio. Trata-se da garantia da não-discriminação do tráfego na rede para a preservação de um ambiente inovador e democratizante da internet. Discriminação deve ser entendida aqui como a ocorrência do gerenciamento de tráfego para tratamento diferenciado dos pacotes de dados, em razão de seu conteúdo ou de seu usuário.” (DRUMOND, 2015, p. 123) “A finalidade da neutralidade é a de garantir e preservar a internet como um ambiente inovador e democratizante e todos os benefícios derivados desta premissa. Muito se discute sobre os meios aplicados para se alcançar este objetivo.” (DRUMOND, 2015, p. 123) “A teoria econômica básica sugere que operadoras têm interesses de longo prazo coincidentes com o público: ambos querem uma plataforma neutra que favoreça o surgimento das melhores aplicações. Todavia, evidências sugerem que operadoras prestam menor atenção do que seria ideal nos interesses de longo prazo. Um estudo sobre as práticas conduzidas pelas operadoras sugere a tendência de darem prioridade a resultados de curto prazo (Wu, 2005).” (DRUMOND, 2015, p. 123) CONFLITO DE INTERESSES “Contrárias à neutralidade, as operadoras objetivam a cobrança diferenciada, alegando que a infraestrutura da internet é um recurso escasso. Afirmam que a demanda será sempre superior à infraestrutura estabelecida, pois a quantidade e qualidade de conteúdo disponível é sempre superior à capacidade da rede. Assim, a amplitude de largura de banda disponibilizada para os usuários amplia as possibilidades de mais criação na rede, o que permite a exigência por maior qualidade pelos consumidores, portanto, mais amplitude de largura de banda disponibilizada, e assim por diante.” (DRUMOND, 2015, p. 124) “Os dados podem ter sua privacidade checada, neste caso violada, para distorcer a competitividade, dificultando, não-priorizando ou bloqueando o acesso a conteúdo disponibilizado por usuários de determinada aplicação, ou fornecido por determinado provedor de conteúdo que

2 não seja parceiro da operadora.” (DRUMOND, 2015, p. 125)

1 FELIZOLA, Pedro Augusto Maia. O Direito à Comunicação como Princípio Fundamental: Internet e Participação no Contexto da Sociedade em Rede e Políticas Públicas de Acesso à Internet no Brasil. Revista de Direito, Estado e Telecomunicações, v. 3, n. 1, p. 205–243, 2011.

A SOCIEDADE EM REDE “É usual que se apresente a caracterização da sociedade hodierna como a sociedade do conhecimento ou da informação. Quer-se com isso demonstrar a relevância de tais elementos no contexto do desenvolvimento global, uma vez que este caminho de progresso passa necessariamente pelo avanço tecnológico e pela difusão de conhecimentos especializados e precisos.” (FELIZOLA, 2011, p. 234) “Entretanto, pode-se argumentar que conhecimento e informação sempre foram componentes indispensáveis para a sociedade. Sob este ponto de vista, não se poderia diferençar a sociedade atual com base em tal fundamento. Busca-se, então, um aspecto que aperfeiçoe a descrição dessa sociedade em desenvolvimento, que funciona a partir da constante e rápida comunicação.” (FELIZOLA, 2011, p. 234) “No final do século XX, três processos independentes se uniram, inaugurando uma nova estrutura social predominantemente baseada em redes: as exigências da economia por flexibilidade administrativa e por globalização do capital, da produção e do comércio; as demandas da sociedade, em que os valores da liberdade individual e da comunicação aberta tornaram-se supremos; e os avanços extraordinários na computação e nas telecomunicações possibilitados pela revolução microeletrônica. Sob essas condições, a internet, uma tecnologia obscura sem muita aplicação além dos mundos isolados dos cientistas computacionais, dos hackers e das comunidades contraculturais, tornou- se a alavanca na transição para uma nova forma de sociedade – a sociedade em rede –, e com ela para uma nova economia.” (FELIZOLA, 2011, p. 234) “Todavia, o conceito de sociedade em rede vai mais além, traduzindo a noção de globalização de modo mais analítico, enfatizando a comunicação sem fronteiras como manifestação das relações transnacionais. “Então, a sua lógica chega a países de todo o planeta e difunde-se através do poder integrado nas redes globais de capital, bens, serviços, comunicação, informação, ciência e tecnologia.”58 Em consequência, todos os setores da vida humana são transformados, a partir do estabelecimento de um quadro de difusão das redes como modelo operacional: ‘Redes constituem a nova morfologia social de nossas sociedades, e a difusão da lógica de redes modifica de forma substancial a operação e os resultados dos processos produtivos e de experiência, poder e cultura.’ ” (FELIZOLA, 2011, p. 236)

2 IMPLICAÇÕES DA INTERNET “As transformações pelas quais passa a sociedade são muito mais profundas do que parecem demonstrar as análises que se prendem apenas ao encurtamento das distâncias provocado pela globalização e pela evolução das (tele)comunicações. Trata-se do surgimento de um novo paradigma, um novo sistema, com todas as possibilidades e consequências a ele inerentes.” (FELIZOLA, 2011, p. 206) “A relevância do direito à comunicação é tanto maior quanto mais se verifica a importância dos instrumentos a ele relacionados para a efetiva participação dos indivíduos e dos grupos sociais no processo democrático, bem como para o necessário desenvolvimento humano, intimamente ligado, no contexto da sociedade em rede, ao acesso às novas tecnologias, como a internet.” (FELIZOLA, 2011, p. 221) ASSIMETRIA DE ACESSO À INTERNET “Tem-se ainda um quadro de desafios e lutas que emergem dessas transformações, sobretudo em face das desigualdades que parecem acentuar- se na medida em que poucos têm acesso às novas tecnologias, os quais tendem a se desligar ainda mais daqueles a quem esse acesso é vetado ou impossibilitado.” (FELIZOLA, 2011, p. 206) INTERNET E SOCIEDADE “A complexidade dos desafios com que se defronta o mundo de hoje não o torna necessariamente pior do que o de ontem. Com o avanço dos meios de comunicação, jamais houve tanto intercâmbio internacional e tantas oportunidades de aproximação entre os povos como atualmente, favorecendo como nunca o discernimento e a empatia. Vivemos hoje em um mundo inegavelmente mais transparente. No entanto, a despeito da revolução dos meios de comunicação, os seres humanos parecem mais isolados e solitários do que nunca, persistindo o risco da massificação e a consequente perda de valores. Tampouco o avanço das comunicações pode prescindir da capacidade de discernimento e do espírito de solidariedade humana.” (FELIZOLA, 2011, p. 234) “A sociedade em rede representa a atual fase do processo de transição da Era Industrial para a Era Informacional, na qual é possível observar a prevalência das redes como elementos centrais da organização social, tendo a internet como ferramenta tecnológica e suporte material dessa estrutura organizacional complexa e flexível.” (FELIZOLA, 2011, p. 207) “Assim, qualificado o direito à comunicação como um direito à informação de mão dupla, por meio do qual o indivíduo obtém acesso a todo tipo de informação e, simultaneamente, expressa suas opiniões e manifesta inquietações, projetos, criações e outras facetas de sua per-

3 sonalidade, tem-se que a internet é o instrumento economicamente viável, socialmente eficaz e tecnologicamente adequado para o exercício desse direito fundamental.” (FELIZOLA, 2011, p. 207) “Tanto mais clara se torna tal constatação quando se apresenta a realidade da sociedade em rede, especialmente em países marcados pela desigualdade social, onde se verifica uma tensão entre pobreza digital e transição do industrialismo para o informacionalismo. Tal tensão é, de fato, menos clara em muitos dos países desenvolvidos, que já se encontram na fase do informacionalismo, caracterizada pela penetrabilidade e flexibilidade das redes nos mercados – o surgimento da nova economia –, nas empresas, no trabalho, nas relações sociais, na sociedade, enfim. Daí a adequação de analisar o tema a partir do caso brasileiro, como faz o presente trabalho.” (FELIZOLA, 2011, p. 208) “O modelo atual de informacionalismo representa, então, um novoprincípio de organização da sociedade com o objetivo de se buscar o desenvolvimento a partir do processamento da informação.” (FELIZOLA, 2011, p. 208) DIREITOS E COMUNICAÇÃO “Destaque-se que se pretende caracterizar o direito à comunicação como direito fundamental, a partir de uma leitura constitucional fundada na abertura do catálogo de direitos fundamentais e na necessidade de sua constante atualização, em face das transformações conjunturais, sejam elas econômicas, sociais, políticas ou de qualquer outra ordem. ‘’ (FELIZOLA, 2011, p. 207) “Pode-se pensar o direito à comunicação, a partir dessa nova perspectiva, como um elemento central na agenda do século XXI, em consonância com o que expõe o professor Cançado Trindade, no ponto em que este se refere a documentos aprovados em recentes Conferências Mundiais, ao apontar para um novo ethos, indicando justamente que o caminho do desenvolvimento passa pela consideração da relevância da pessoa humana e da concretização de sua dignidade em todas as suas esferas.” (FELIZOLA, 2011, p. 208) “Os extensos documentos finais das mencionadas Conferências Mundiais vêm de formar – a partir de um enfoque necessariamente antropocêntrico – a agenda internacional do século XXI, para cuja implementação ainda não se reestruturaram as organizações internacionais. Seu denominador comum tem sido a atenção especial às condições de vida da população (particularmente dos grupos vulneráveis, em necessidade especial de proteção), – conformando o novo ethos da atualidade, – daí resultando o reconhecimento universal da necessidade de situar os seres humanos de modo definitivo no centro de todo processo de desenvolvimento.” (FELIZOLA, 2011, p. 208) “O capítulo dos direitos fundamentais ocupa lugar de destaque na seara do direito constitucional contemporâneo. As preocupações relativas ao tema ganharam relevância à medida que se observou a afirmação de categorias de direitos e garantias básicos e essenciais dos in-

4 divíduos, numa progressão que a doutrina costuma classificar como gerações ou dimensões de direitos fundamentais. Assim, em face do valor do princípio da dignidade da pessoa humana como elemento central e fundante do Estado Democrático de Direito e do papel assumido pela Constituição como título jurídico supremo deste Estado, unem-se os direitos fundamentais e a força normativa da Constituição3 no intuito de resguardar os valores máximos da humanidade, que não podem ficar à mercê dos contextos políticos do Estado.” (FELIZOLA, 2011, p. 209) “Uma teoria de direitos fundamentais mostra-se válida apenas no caso de enaltecer o papel de tais garantias para a valorização da pessoa humana, mesmo diante da soberania e do império estatais. O Estado assume papel de garantidor e provedor dos direitos básicos dos cidadãos, uma vez que foi criado por e para eles. Aliás, essa noção coaduna- se com a própria origem do constitucionalismo, cujo princípio norteador foi justamente a limitação do poder político, a fim de coibir abusos por parte dos detentores do poder, sujeitando-os às mesmas normas que alcançam os demais, o que indica a necessidade de o Estado – figura na qual se visualiza o poder político – e seus representantes servirem às pessoas, e não controlá-las.” (FELIZOLA, 2011, p. 210) “Em geral, podem-se apontar três categorias de direitos fundamentais repita-se, quanto ao critério da relação entre titulares e Estado: direitos de defesa, direitos de prestação e direitos de participação.6 Os direitos de defesa visam essencialmente à garantia das liberdades individuais frente ao poder de império do Estado. Os direitos de prestação, por sua vez, têm por finalidade a promoção dos meios necessários à efetiva concretização dessas liberdades. Finalmente, os direitos de participação constituem aqueles ‘orientados a garantir a participação dos cidadãos na formação da vontade do país, correspondendo ao capítulo da Constituição Federal relativo aos direitos políticos.’ ‘’ (FELIZOLA, 2011, p. 211) “O Estado assume papel de garantidor e provedor dos direitos básicos dos cidadãos, uma vez que foi criado por e para eles. Aliás, essa noção coaduna- se com a própria origem do constitucionalismo, cujo princípio norteador foi justamente a limitação do poder político, a fim de coibir abusos por parte dos detentores do poder, sujeitando-os às mesmas normas que alcançam os demais, o que indica a necessidade de o Estado – figura na qual se visualiza o poder político – e seus representantes servirem às pessoas, e não controlá- las. Daí a lição de Karl Loewenstein: Limitar o poder político significa limitar os detentores do poder; este é o núcleo do que, na história antiga e moderna da política, aparece como o constitucionalismo. Um acordo da comunidade sobre uma série de regras fixas, que obrigam tanto aos detentores como aos destinatários do poder, mostrou-se como o melhor meio de dominar e evitar o abuso do poder político por parte de seus detentores. (apud. LOEWENSTEIN, Karl. Teoría de la Constitución. Trad. Alfredo Gallego Anabitarte. 2a ed. Barcelona: Editorial Ariel, 1986. p. 29. Tradução livre)” (FELIZOLA, 2011, p. 210) “Em geral, podem-se apontar três categorias de direitos fundamentais repita-se, quanto ao critério da relação entre titulares e Estado: direitos de defesa, direitos de prestação e direitos de participação. (apud. HÄBERLE, Peter. Estado Constitucional Cooperativo. Trad. Marcos

5 Augusto Maliska e Elisete Antoniuk. Rio de Janeiro: Renovar, 2007 (especialmente no Capítulo III)” “Os direitos de defesa visam essencialmente à garantia das liberdades individuais frente ao poder de império do Estado. Os direitos de prestação, por sua vez, têm por finalidade a promoção dos meios necessários à efetiva concretização dessas liberdades. Finalmente, os direitos de participação constituem aqueles “orientados a garantir a participação dos cidadãos na formação da vontade do país, correspondendo ao capítulo da Constituição Federal relativo aos direitos políticos.” (apud. MENDES, Gilmar Ferreira [et al.]. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 255.)” (FELIZOLA, 2011, p. 211) “A Constituição Federal de 1998 consagrou, em seu artigo 5o , § 2o , a chamada abertura do sistema de direitos fundamentais. Mendes, Gonet e Coelho retratam com precisão o fato de que o caráter fundamental de um direito não decorre de sua presença expressa no rol constitucional, mas de sua essência, principalmente no que toca à dignidade da pessoa humana. Assim é que, a despeito da ausência de previsão constitucional, um direito pode ser materialmente fundamental, desde que corrobore os princípios da Constituição vigente.” (FELIZOLA, 2011, p. 216) “No caso específico do direito à comunicação e, dentro de sua esfera, notadamente a garantia do acesso à internet, é ainda mais evidente a sua afirmação como direito fundamental frente à necessária inclusão digital hoje propalada.” (FELIZOLA, 2011, p. 218) “De maneira semelhante ao desenvolvimento doutrinário dos conceitos de constituição formal e material, em classificação que cuida da efetividade do texto constitucional e de suas normas e do conteúdo destas27, também os direitos fundamentais são categorizados em direitos formal e materialmente fundamentais.”‘ (FELIZOLA, 2011, p. 219) “Um direito é considerado formalmente fundamental quando recebe tal qualificação por ordem expressa do legislador-constituinte, enquanto o caráter de direito materialmente fundamental depende, sobretudo, de tal garantia ser parte integrante da Constituição material, em face de sua essência e substância exigirem dito reconhecimento.” (FELIZOLA, 2011, p. 207) “Assim, à luz de tal posicionamento, o professor Ingo defende que há direitos fundamentais situados fora do catálogo, sendo que estes podem estar ou não previstos na Constituição formal. A restrição feita, porém, é que, para um direito ser considerado materialmente fundamental estando fora do rol constitucional, deverá ‘equivaler – em seu conteúdo e dignidade – aos direitos fundamentais do catálogo.’ ” (FELIZOLA, 2011, p. 207) “Dessa feita, com base em Robert Alexy, Sarlet define direitos fundamentais como posições jurídicas que, de fato, podem ser consideradas – seja nos aspectos formal e material ou tão-somente no aspecto material – parte integrante da Constituição, em função do valor a elas inerente, reconhecido ou não pelo legislador-constituinte.” (FELIZOLA, 2011, p. 207) “O direito à comunicação, como se vê, emerge como um direito materialmente fundamental, sobretudo em razão de sua substância e relevância, que é crescente no contexto da sociedade em rede.” (FELIZOLA, 2011, p. 220)

6 “O direito à comunicação é há muito reconhecido como um direito basilar da pessoa humana, em face da percepção comum da necessidade de se assegurar a liberdade de interação entre os indivíduos como elemento imprescindível da cidadania, tendo sido incluído na clássica Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789: Art. 11. A livre comunicação das ideias e das opiniões é um dos mais preciosos direitos do homem; todo cidadão pode, portanto, falar, escrever, imprimir livremente, respondendo, todavia, pelos abusos desta liberdade nos termos previstos na lei. (Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789). (FELIZOLA, 2011, p. 220)” ATUALIZAÇÃO DA SOCIEDADE E DAS LEIS “A mencionada abertura, consagrada no texto constitucional, decorre da necessidade de atualização do rol de direitos fundamentais em face das transformações experimentadas pela sociedade. É que uma nova realidade faz emergirem novas necessidades humanas e novos direitos fundamentais; de igual modo e em contrapartida, surgem também novas possibilidades de ofensa aos novos e basilares direitos. Desse modo, transformações políticas, econômicas, culturais ou de qualquer ordem podem suscitar a necessidade de se consagrarem novos direitos como fundamentais, a fim de garantir a participação dos cidadãos no novo modelo social inaugurado por tal evolução. A própria concepção de sucessivas e complementares gerações – ou dimensões, como prefere parte da doutrina – de direitos fundamentais indica a constante atualização do catálogo, indispensável para a manutenção da relevância da categoria, vez que o direito exerce seu papel social apenas quando se mantém a par das demandas existentes à época.‘’ (FELIZOLA, 2011, p. 216) “Ressalte-se desde já que, nesse contexto de dimensões de direitos fundamentais e de atualização de seu catálogo, o direito à comunicação pode ser encaixado como um direito de terceira dimensão, como direito de fraternidade ou solidariedade, pois se desprende, em princípio, da figura do homem-indivíduo como seu titular, destinando-se, consequentemente, como direitos de titularidade coletiva ou difusa. Finalmente, quanto aos novos direitos, emergentes das alterações por que passa a sociedade, merece destaque uma referência ao fato de que o reconhecimento do caráter fundamental destes não se dá, necessariamente, de forma instantânea. Tem-se, em verdade, um processo continuado, no que se pode caracterizar como matéria de Law in making.” (FELIZOLA, 2011, p. 217) INTERFERÊNCIA DO ESTADO “Quanto ao grau de interferência do Estado para a concretização de direitos fundamen-

7 tais, notadamente os direitos prestacionais, explica Alexy que os programas minimalista e maximalista estabelecem projetos e que, a partir de um diálogo entre eles, nota-se a impossibilidade de se resumir o problema dos direitos sociais a uma questão de tudo-ou-nada.” (FELIZOLA, 2011, p. 213)

1 KISCHINHEVSKY, Marcelo. Concentração e Regulação no Mercado Brasileiro de Radiodifusão Sonora. Revista de Economía Politica de las Tecnologias de la Información y de la Comunicación, v. 13, n. 3, p. 68–83, 2011.

CONCENTRAÇÃO DOS MEIOS DE COMUNICAÇÃO “Consolidou-se, nos últimos anos, nos estudos de Economia Política da Comunicação, a percepção – a nosso ver, errônea – de que o rádio seria mais democrático do que a televisão, simplesmente pelo fato de não estar hoje nas mãos de um punhado de grandes redes. Como veremos, a maioria dos pesquisadores desconsidera sinais flagrantes de concentração de mercado na radiodifusão sonora. Movimento que exige atenção, sobretudo das autoridades reguladoras.” (KISCHINHEVSKY, 2011, p. 69) “Outro fator de distorção nos dados do meio é o aquecido mercado de arrendamento de radiofrequências, impulsionado pelo proselitismo religioso e pelas disputas de poder políticopartidário, locais e regionais. Emissoras trocam de mãos, por meio de contratos de gaveta, driblando as restrições legais à venda de outorgas (RIBEIRO, KISCHINHEVSKY, ABREU, 2011). Políticos, grupos religiosos e até criminosos se utilizam de laranjas para comprar concessões que chegam a ser oferecidas em sites especializados.” (KISCHINHEVSKY, 2011, p. 71) “É certo que não há parâmetro de comparação com a concentração experimentada pela TV, fomentada pelo regime militar numa estratégia de integração nacional e de perpetuação no poder – estratégia que permaneceu durante a redemocratização, sobretudo no governo José Sarney (1985-1990). De fato, este mercado está nas mãos de cinco redes de alcance nacional (Globo, SBT, Record, Bandeirantes e RedeTV!), com liderança absoluta das Organizações Globo, que detém 32 concessões próprias, 113 geradoras e cerca de 3 mil retransmissoras, abocanhando 57(KISCHINHEVSKY, 2011, p. 72) ESCASSEZ DE INFORMAÇÕES “Diante da ausência de séries históricas confiáveis que atestem a expansão das redes no país, serão levados em consideração dados levantados por dois projetos: o site Donos da Mídia9 e o livro Panorama do rádio no Brasil (organizado por PRATA, 2011)10. Ambos têm limitações, mas constituem um raro esforço na área para mapear o mercado de rádio no país, tão estratégico para a construção da cidadania e para a negociação de identidades individuais e coletivas. Os dados têm sérias discrepâncias, fruto em geral da grande desatualização de informações institucionais das emissoras e das diferenças metodológicas entre as abordagens utilizadas. Uma vez identificadas as redes, buscou-se a confirmação dos dados por meio de

2 consultas às páginas das cabeças de rede na internet, publicações especializadas e, em alguns casos, contato direto com dirigentes das emissoras. Em seguida, os dados foram cruzados com os coletados no Panorama do rádio no Brasil.” (KISCHINHEVSKY, 2011, p. 73) “É urgente a consolidação de bancos de dados confiáveis sobre este importante segmento das indústrias midiáticas, sem o que se compromete a formulação de políticas públicas que possam garantir a diversidade na oferta de bens simbólicos, sobretudo de caráter local. Iniciativas como Donos da Mídia e Panorama... devem ser aprimoradas, para que possam fornecer subsídios a políticas setoriais, chave num momento de forte indefinição regulatória.” (KISCHINHEVSKY, 2011, p. 79) CONCENTRAÇÃO DOS MEIOS DE COMUNICAÇÃO “Em outro trabalho (KISCHINHEVSKY, 2007), alertou-se para o risco da expansão de redes de rádio, que ao fim do século 20 reduziam a oferta de conteúdos locais, principalmente em cidades de médio porte, mais atraentes para os grandes grupos de comunicação com sede em capitais como São Paulo, Rio de Janeiro e Porto Alegre. O percentual de programação própria nas emissoras que passavam a integrar redes era variável, oscilando de zero a 90(KISCHINHEVSKY, 2011, p. 80) “A situação é grave tanto no rádio musical, decisivo para a construção de identidades sociais e culturais, quanto no rádio informativo. Ao se tornar afiliada, uma emissora em geral reduz quadros em todos os níveis, deixando de cobrir – total ou parcialmente – os acontecimentos de sua praça. Executivos de redes voltadas ao segmento all news costumam argumentar de modo falacioso que a incorporação a um grande grupo leva noticiário da praça da afiliada para a rede, e não apenas o contrário. Este raciocínio não se sustenta na prática das principais emissoras, que acabam limitando a entrada de repórteres no ar a um clube restrito de cidades estratégicas – em geral, Brasília (centro de decisões políticas), São Paulo (principal centro econômico do país), Rio de Janeiro (sede de grandes empresas como Vale, Petrobras e EBX e órgãos públicos como o IBGE e o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social – BNDES) e, em menor grau, pólos regionais como Belo Horizonte, Porto Alegre e Salvador.” (KISCHINHEVSKY, 2011, p. 80) “A emergência de um mercado paralelo de arrendamento de radiofrequências expõe a necessidade de um novo arcabouço regulatório para a radiodifusão sonora. Hoje, o rádio é explorado no Brasil como uma concessão de serviço público, mas as outorgas de radiodifusão acabaram de fora da Lei 8.987, conhecida como Lei das Concessões, e têm prazo de dez anos (renováveis) previsto na Constituição (artigo 223). Além disso, as emissoras são obrigadas a transmitir noticiário do governo e propaganda eleitoral, caracterizando o setor como algo híbrido, entre a radiodifusão e as telecomunicações (CARVALHO e PIERANTI, pp. 159-160). Para complicar, cada serviço de rádio tem status e processos licitatórios distintos: estações AM são concedidas; FMs são outorgadas por meio de permissão (e há diferenças significativas para

3 emissoras comerciais e educativas); e, por fim, rádios comunitárias operam após receberem uma autorização do governo. ‘’ (KISCHINHEVSKY, 2011, p. 80) REGULAÇÃO “É urgente estabelecer um novo marco regulatório para a radiodifusão sonora, propiciando uma comunicação mais plural e que atenda às demandas locais por informação e entretenimento. É preciso estabelecer limites para a concentração do mercado e garantir, aos órgãos reguladores, instrumentos para coibir abusos, como o avanço do proselitismo religioso no dial, a perpetuação de oligarquias eletrônicas e a formação de redes controladas por conglomerados de comunicação que não mantêm laços com a realidade das praças em que atuam. O Estado precisa assumir seu papel de regulador, evitando assim que microfones se transformem em púlpito, palanque ou instrumento de homogeneização, deformação de opinião pública.” (KISCHINHEVSKY, 2011, p. 81) “Políticas públicas para o setor devem levar em consideração mecanismos mais eficientes de fiscalização do controle societário das emissoras, limites à retransmissão de programação numa mesma praça e o estabelecimento de cotas de conteúdo local qualificado (informativo). É preciso, ainda, rediscutir as fronteiras – cada vez mais tênues – entre radiodifusão e telecomunicações, para que não se mantenham reservas de mercado que acabam por privilegiar grandes grupos econômicos, livrando-os de concorrência salutar para a audiência.” (KISCHINHEVSKY, 2011, p. 81) “Caso contrário, corre-se o risco de fomentar uma concentração sem precedentes no mercado de radiodifusão, com prejuízo para a diversidade de vozes no dial e para a oferta de conteúdos locais.” (KISCHINHEVSKY, 2011, p. 81)

1 MÁXIMO, Marcela de Fátima Menezes; AOKI, Raquel Lima de Abreu; AOKI, William Ken. Do Direito de Acesso à Informação Pública em Poder do Estado:A visão do Sistema Interamericano de Direitos Humanos. Revista Brasileira de Direito Público, v. 10, n. 38, p. 1–21, 2012.

O DIREITO AO ACESSO À INFORMAÇÃO “A necessidade de construir um método de combate à manipulação da publicidade dos atos estatais nos Estados Democráticos pauta a emergente reconstrução da consciência cidadã, juntamente com a necessidade de reaproximação da esfera pública e privada. Ao encontrar um caminho que interligará governante e governado, efetivará a transparência pública e implicará na desconstrução do espaço sigiloso, criado pelo Estado, unicamente, com o propósito de manter suas ações na obscuridade. A participação popular nos atos públicos carece, ainda, de liberdade democrática, não prevendo, portanto, a publicidade de informações falsas e inexatas, principal fonte do isolamento político, estrutura esta que beneficia a decomposição do ideal governo democrático e incorruptível. Isso fomenta e faz crescer a sensação de impunidade e de discricionariedade corrupta dentro do Estado.”’ (MÁXIMO et al., 2012, p. 1) “O direito de acesso à informação pública, em poder do Estado, como espécie do direito de liberdade de expressão, e indispensável em uma sociedade democrática, tem alcançado a plenitude de sua efetivação nos Estados?Membros da Convenção Americana de Direitos Humanos. Deve?se proceder à análise da construção, garantia e efetivação do direito de acesso à informação que esteja em poder do Estado, sobre violação de Direitos Humanos, através dos princípios estipulados pela Organização e da jurisprudência interamericana sobre o tema.” (MÁXIMO et al., 2012, p. 1) “Definir o direito à informação sobre a violação maciça de direitos humanos, na sua amplitude, envolve considerar suas vertentes internas e externas. O importante é diferenciar o direito à informação como um direito coletivo e individual à pluralidade de ideias e opiniões, do direito à informação pública como um direito tanto coletivo quanto individual de ter acesso a documentos e informações de ordem pública e sob o poder do Estado, e delinear a edificação política e jurídica do direito de acesso à informação pública.” (MÁXIMO et al., 2012, p. 1) “Com o final da Segunda Grande Guerra, em 1945, a Sociedade Internacional constatou os graves efeitos de um Direito centrado em preceitos positivistas, preocupados com a forma, com o cientificismo, deixando de lado preceitos morais e éticos, os quais não fariam parte da Ciência do Direito. O Direito transformou?se em uma mera “forma”, no qual qualquer conteúdo, mesmo que antiético ou imoral, foi aceito como normativo. As atrocidades cometidas pelos regimes autoritários e fascistas nesse período fizeram com que o próprio Direito fosse repensado, gerando um novo movimento denominado Pós?Positivismo, preocupado, doravante, em “humanizar” o Direito, permeando?o de preceitos valorativos, morais e éticos, inerentes à dignidade humana.” (MÁXIMO et al., 2012, p. 2)

2 “É nesse contexto que surge o Direito Internacional dos Direitos Humanos como uma resposta da Sociedade Internacional à necessidade de repensar o paradigma do Direito dos Estados, tornando os preceitos constitucionais presentes na maior parte dos Estados, de um mero desejo político de caráter programático, em uma norma efetiva, materializada. A partir desse momento, são criados vários instrumentos normativos internacionais e tribunais internacionais com o objetivo de efetivação dos direitos humanos, garantindo a eles a máxima efetividade e a interpretação Pro Homine, mais favorável aos direitos humanos. O Estado brasileiro ratificou a Convenção Americana de Direitos Humanos, interpretada pelo Supremo Tribunal Federal como norma de estatura supralegal,2 que tem em seu art. 13 a consagração do direito à liberdade de expressão, do qual deriva o direito de acesso à informação pública.” (MÁXIMO et al., 2012, p. 2) “O acesso à informação garantido pelo Estado materializa os princípios da máxima transparência pública e da publicidade, que devem pautar as atividades da Administração Pública. Esse direito se expressa num “dever ser com força normativa máxima” (HESSE, 1991, p. 15). A publicidade e transparência pública “fundamentam a Democracia e estrutura um espaço público no qual se realiza o Estado de Direito” (KISHI, 2009, p. 274–275)” (MÁXIMO et al., 2012, p. 1) NORMA BRASILEIRA E O ACESSO À INFORMAÇÃO “Além do resguardo constitucional, o Brasil possui legislação infraconstitucional que regula o direito de acesso à informação. A Lei no 8.159/1991 é responsável por regulamentar as questões atinentes à documentação pública em poder do Estado. Regula arquivos públicos ou privados e os trata “como instrumentos de apoio à administração, à cultura, ao desenvolvimento científico ou, ainda, como elementos de prova e informação para a sociedade ou para o próprio Poder Público” (SOARES, 2009, p. 11). A referida lei regula a gestão, a disponibilização e as restrições ao acesso à documentação sob o poder estatal, considerada em si patrimônio público. Recentemente publicada, a Lei no 12.527/11, em seu art. 3o , diz que o acesso à informação e à publicidade tornaram?se regra, e o sigilo a exceção.” (MÁXIMO et al., 2012, p. 5)

1 MELO, Guilherme Orlando Anchieta. A Deformação do Espaço Público Brasileiro pela Ausência de Mecanismos Democráticos de Regulação dos Meios de Comunicação de Massa. Meritum, Revista de Direito da Universidade FUMEC, v. 2, n. 2, p. 99–118, 2010.

MEIOS DE COMUNICAÇÃO E MANIPULAÇÃO “Esse pacto firmado entre os meios de comunicação e o Governo estabeleceu uma relação de dependência, uma simbiose salutar para o regime militar, pois, com uma fábrica de símbolos, a manipulação ideológica poderia servir como importante aliado para arrefecer eventuais críticas contra o Governo.’‘ (MELO, 2010, p. 101) “Contudo, o Brasil, no governo militar, experimentava um grande paradoxo: a mesma platéia que se deslumbrava com as inovações tecnológicas e via um país não menos deslumbrante estava submetida a uma miséria que muito se contrastava com o espetáculo exibido aos seus sentidos.’‘ (MELO, 2010, p. 102) “Nesse período, a promiscuidade entre poder e meios de comunicação de massa possibilitou o sucesso do Governo e o atendimento do capital internacional. A Rede Globo de televisão, hoje, inquestionavelmente uma das maiores empresas de comunicação da América Latina, foi a grande beneficiada pela Doutrina de Segurança Nacional.’‘ (MELO, 2010, p. 102) “Tal movimento, iniciado em 1983, tinha por fim estabelecer a transição do governo militar para o civil por intermédio do sufrágio universal. A campanha das “Diretas já” tem seu marco inicial no comício realizado no dia 27 e novembro de 1983, no Estádio do Pacaembu, onde se reuniram 5 mil pessoas. Contudo, não é essa a data que nos auxiliará na compreensão do fenômeno que colocou os interesses democráticos e os meios de comunicação de massa em pólos opostos. O dia 25 de janeiro de 1984, quando um comício histórico foi realizado na Praça da Sé, na cidade de São Paulo, é que nos auxiliará a vislumbrá-lo. Nesse comício, cerca de 300 mil pessoas requeriam eleições diretas para Presidente da República. Era o crepúsculo do governo militar. O movimento, por sua espontaneidade, ameaçava uma velha e vantajosa relação da Rede Globo com o poder constituído. Era uma interferência que poderia destruir o espaço público virtual alimentado pelos militares. A solução era minimizar seus efeitos, confessar um pouco do mal para evitar todo o mal. A grandiosa manifestação realizada na Praça da Sé em São Paulo foi transfigurada nas telas da Globo. O movimento pelas Diretas, segundo a suposta miopia de repórteres da emissora, nada mais era do que a comemoração do 430o aniversário da cidade de São Paulo. Eugênio Bucci4 ressalta que o movimento foi ignorado pela Rede Globo. Seu acolhimento pelas telas da Globo só se deu quando percebida sua irreversibilidade. Somente em 10 de abril de 1984 foi exibido o comício realizado na Candelária, no Rio de Janeiro, e divulgados os motivos do acontecimento.’‘ (MELO, 2010, p. 103) “O proprietário da maior rede de comunicação do País, sem qualquer pudor, assumiu que usou seus canais para favorecer políticos de sua simpatia. Em outros termos, uma concessão

2 pública foi usada impunemente para atender a fins e a convicções particulares.’‘ (MELO, 2010, p. 106) “A televisão brasileira e os meios de comunicação de massa parecem cumprir verdadeiro pacto fáustico: fortalecem o poder político, o qual, por sua vez, para se manter, permite a ampliação dos domínios dos meios de comunicação. É uma relação de poder formada da simbiose entre interesses políticos e privados. O mais grave é saber que os interesses dos controladores dos meios de comunicação de massa não se identificam com o interesse dos cidadãos: “Hoje o que se observa é que tal prática subverte todos os fins da comunicação social, pois o interesse público é deixado de lado para que políticos utilizem as concessões com o fim de atender aliados políticos e, até mesmo, familiares. Tem toda razão o Procurador da República João Bosco Araújo Fontes Júnior (2001, p. 81) quando adjetiva tais relações de promíscuas, pois essa troca de favores políticos acabou por concentrar 30% de todas as concessões de rádio e televisão nas mãos de parlamentares.’‘ (MELO, 2010, p. 111) “A pujança sem contrastes dos meios de comunicação de massa, em especial da televisão no caso brasileiro, é agravada com a formação dos oligopólios, que são criados sem qualquer interferência de qualquer instituição democrática. Assim, poucas famílias, já beneficiadas mediante favores políticos com concessões, passam a controlar a informação e o entretenimento distribuídos pelos meios de comunicação’‘ (MELO, 2010, p. 112) “A televisão, no Brasil, passou a ser o lugar por excelência no qual a vida do brasileiro, seja a pública e a privada, se desenvolve. Nossa maneira de consumir, nossos comportamentos, a moda, tudo é influenciado, principalmente, pelas imagens e mensagens transmitidas via televisão. Esse meio de comunicação não conduz com mão-de-ferro o telespectador, mas serve como instrumento integrador de expectativas e de desejos que se encontram esparsos. Ela é um veículo canalizador de ideologias’‘ (MELO, 2010, p. 112) “O seu gigantismo no Brasil é fruto da ausência de pluralidade e da credibilidade pouco questionada dos meios de comunicação de massa. E um novo espaço do qual é banido qualquer forma de interação, apesar do seu caráter antidemocrático, é aceito de modo familiar: O lugar da TV, ou melhor, a TV como lugar, nada mais é que o novo espaço público, ou uma esfera pública expandida. O exemplo brasileiro é um dos mais indicados do mundo para quem quer observar os detalhes de como se dá a expansão da esfera pública e, mais ainda, como se dá a sua constituição em novas bases. Às vezes tenho a sensação de que, se tirássemos a TV de dentro do Brasil, o Brasil desapareceria. A televisão se tornou, a partir da década de 1960, o suporte do discurso, ou dos discursos que identificam o Brasil para o Brasil. Pode-se mesmo dizer que a TV ajuda a dar o formato da nossa democracia.’‘ (MELO, 2010, p. 113) “A rede permite também que essa produção não sofra qualquer restrição, mesmo organizacional. Sua ausência de controle, ao mesmo tempo em que garante uma violência travestida em anonimato, possibilita a comunicação informal ilimitada, ou seja, permite o resgate da ação espontânea perdida com a primazia dos meios de comunicação de massa. “ (MELO, 2010, p. 115)

3 “A Constituição busca preservar as concessões dificultando a sua cassação mediante a exigência de manifestação do Judiciário. O seu capítulo que trata da comunicação social foi o que menos avançou, pois, desde sua criação, sofreu a pressão de grupos economicamente poderosos, pouco interessados na democratização dos meios de comunicação.’‘ (MELO, 2010, p. 115) “O processo de redemocratização dos meios de comunicação de massa, para o fortalecimento da própria democracia, deverá ser acompanhado de uma legislação restritiva, que venha limitar a formação de cartéis entre as indústrias da mídia e, ao mesmo tempo, gerar condições favoráveis para o desenvolvimento de organizações da mídia, independentemente dos grupos já existentes. A liberdade de ação no Brasil, no seleto grupo que controla a informação, representando por algumas poucas famílias, é um caminho para a renovação democrática dos meios de comunicação de massa.’‘ (MELO, 2010, p. 116)

1 QUEIROZ, Paulo Roberto Clementino. Democracia e Concentração dos Meios de Comunicação de Massa no Brasil. Revista de Direito, Estado e Telecomunicações, v. 6, n. 1, p. 99–116, 2012.

DEMOCRACIA E COMUNICAÇÃO “É impossível falar de democracia, em seus atuais contornos, sem que se investigue como estão estruturados os meios de comunicação. O poder do povo torna indispensável, para ser efetivo, que o povo tenha acesso livre à informação. Nesse sentido, a imprensa se torna elemento essencial para a democracia. Contudo, não se pode afastar o fato de que, via de regra, a imprensa funciona como empresa. Desta forma, existindo como empresa, ela possui interesses específicos cuja defesa pode ser incompatível com o ideal democrático. A formação de monopólios ou oligopólios nos meios de comunicação representa um risco à democracia. A verificação da maneira como a imprensa se desenvolveu no Brasil, principalmente com as tecnologias de radio e televisão, demonstram que não apenas a configuração de oligopólios nesta área, mas que o mesmo é atuante na defesa dos próprios interesses em detrimento dos valores democráticos. Disciplinar as comunicações, por meio de regulamentação não pode ser confundido com censura à imprensa, mas um meio de efetivar a pluralidade social e cultural brasileira.” (QUEROZ, 2012, p. 100) “A feição contemporânea da democracia torna indispensável a transparência dos atos públicos. Para que o povo, como titular do poder político, tenha acesso às informações divulgadas a imprensa figura como essencial à democracia. Em que pese a possibilidade de divulgação de dados pela rede mundial de computadores, a atuação da imprensa investigativa propicia a descoberta de informações que dificilmente seriam alcançadas pelo cidadão individualmente.” (QUEROZ, 2012, p. 115) NORMATIZAÇÃO “O termo autorização mencionado nos dois dispositivos tem sentido amplo ou vulgar de consentimento do Poder Público para que o particular execute determinada atividade. Tratase, portanto, de gênero do qual concessão e permissão são espécies. Entretanto, a terceira modalidade de outorga trazida pela Constituição trata-se de autorização em sentido estrito, delimitado pelo Decreto no 2.593, de 15 de maio de 1998, que aprova o regulamento dos serviços de retransmissão e repetição de televisão. Segundo o art. 4o deste regulamento, os serviços de retransmissão (RTV) e repetição (RpTV) são executados mediante autorização, por prazo indeterminado e em caráter precário. A finalidade destas estações é “possibilitar que os sinais das estações geradoras sejam recebidos em locais por eles não atingidos diretamente ou atingidos

2 em condições técnicas inadequadas” (art. 7o ).” (QUEROZ, 2012, p. 103) CONCENTRAÇÃO E OS MEIOS DE COMUNICAÇÃO “O art. 220, §5o da Constituição Federal de 1988 estabelece expressamente que “Os meios de comunicação social não podem, direta ou indiretamente, ser objeto de monopólio ou oligopólio”. Contudo, não existe lei específica sobre o assunto, regulamentando-o, dispondo sobre critérios de verificação de concentração, parâmetros de caracterização do que pode ou não ser considerado monopólio ou oligopólio. Vale registrar que a Lei no 8.884, de 11 de junho de 1994, ao transformar em autarquia o Conselho Administrativo de Defesa Econômica – CADE, estabeleceu que dominar mercado relevante de bens e serviços constitui infração de ordem econômica, independentemente de culpa (art. 20, II). Entretanto, os termos que delimitam a atuação do CADE não suprem, nem poderiam, a lacuna referente aos limites e critérios para avaliar a propriedade dos meios de comunicação de massa.” (QUEROZ, 2012, p. 104) “A concentração horizontal refere-se a concentração de um mesmo meio de comunicação. Pode-se verificar, dentre outros aspectos, o quantitativo de propriedade de emissoras de TV (geradoras e retransmissoras), bem como a área geográfica alcançada (cobertura de municípios) e a participação na audiência.” (QUEROZ, 2012, p. 104) “A concentração vertical refere-se a empresas de áreas diferentes correspondentes a etapas de produção e distribuição do produto final. No caso do conteúdo de TV, a concentração envolve a produção do programa, veiculação, comercialização e distribuição do mesmo. Em TV aberta, por exemplo, os maiores percentuais de audiência referem-se a telenovelas, produzidas pelo próprio canal exibidor. A propriedade cruzada trata-se da concentração de diferentes meios de comunicação: jornais impressos, agência de notícias, revistas, rádios, canais de televisão, provedores de internet.” (QUEROZ, 2012, p. 104) “O monopólio em cruz refere-se à concentração dos meios de comunicação de massa em amplitude local ou regional como reflexo ou extensão de determinada rede de monopólio ou oligopólio de amplitude nacional.” (QUEROZ, 2012, p. 106) “Em 11 de agosto de 2004 foi apresentado, pelo Dep. Claudio Magrao (PPS/SP), projeto de lei, PL no 4026/2004, dispondo sobre os limites à concentração econômica nos meios de comunicação social32. A esse projeto foi apensado o PL no 6667, de 17 de dezembro de 2009, proposto pelo Dep. Ivan Valente (PSOL/SP), estabelecendo limites para a propriedade de empresas de comunicação social e proibindo expressamente a propriedade cruzada nos meios de comunicação. O PL no 4026/2004 já tramita há quase dez anos e, desde 6 de junho de 2012, aguarda parecer da Comissão de Ciência e Tecnologia, Comunicação e Informática da Câmara dos Deputados.” (QUEROZ, 2012, p. 106) “Conforme apontado no capítulo anterior, regionalmente, pode-se constatar que o domínio das comunicações se dá por famílias e que estas apresentam uma ligação político- partidária, bem como atuam como afiliadas das emissoras geradoras da região sudeste do país. Tratam-se

3 das famílias Sarney (Maranhão), Jereissati (Ceará e Alagoas), Magalhães (Bahia), Daou (Acre, Amapá, Rondônia e Roraima), Sirotsky (Rio Grande do Sul e Santa Catarina), Zahran (Mato Grosso e Mato Grosso do Sul), Câmara (Goiás, DF, Tocantins)."(QUEROZ, 2012, p. 107) “Em cada um destes estados, os grupos econômicos detêm, além de emissoras de TV, jornais impressos, sítios eletrônicos e emissoras de rádio, evidenciando, portanto, o chamado monopólio em cruz, na medida em que reflete, em termos regionais, uma estrutura nacional de oligopólio. A repercussão prejudicial à democracia dessas associações, principalmente no que se refere à concentração ideológica de conteúdo (...)” (QUEROZ, 2012, p. 107) “Pela perspectiva ideológica, a concentração de conteúdo significa que, mesmo com a existência de concorrência entre as emissoras de televisão, é possível verificar uma uniformização de todas elas, principalmente na divulgação de determinadas notícias e na produção de entretenimento, voltada para a defesa dos próprios interesses. Para melhor compreensão dessa perspectiva, necessário separar a atividade negocial das empresas de comunicação da atividade eminentemente jornalística. Como empresa, ela conta com interesses específicos e, portanto, não relacionados ao interesse geral, muito menos relacionada diretamente com a atividade da imprensa. As redes de comunicação defendem um radical liberalismo no setor, no sentido de uma total ausência de regulação estatal do mercado, o que possibilita a realização da atividade voltada quase que exclusivamente ao lucro, em detrimento de quaisquer outros valores e aspectos.” (QUEROZ, 2012, p. 110) “Na Europa, desde o final dos anos 1980 se trabalha uma regulação comum a todos os Países-Membros. Neste ensejo, referente ao conteúdo audiovisual, a norma Diretiva no 89/552/EC, de 1989, chamada de Diretiva Televisão Sem Fronteiras, estabeleceu que “os Estados devem impor cotas de tela para produtos audiovisuais da União Europeia e para a produção independente (10(QUEROZ, 2012, p. 112) “É importante enfatizar que, no tocante às comunicações, a ideia de submeter o setor a agências de regulação é comum na maioria dos países considerados como sólidas democracias. É o caso, por exemplo, de Estados Unidos, França e Reino Unido.” (QUEROZ, 2012, p. 112)

1 RIBEIRO, Cássio Lourenço. Competência Regulatória da Presidência da República no Setor Brasileiro de Telecomunicações: Política Regulatória, Republicanismo e Interesse Público. Revista de Direito, Estado e Telecomunicações, v. 4, n. 1, p. 173–196, 2011.

LEI E TELECOMUNICAÇÕES NO BRASIL “A Lei Geral de Telecomunicações – LGT confere ao Poder Executivo a prerrogativa de, por meio de decreto, instituir ou eliminar a prestação de modalidade de serviço no regime público, concomitante ou não com a sua prestação no regime privado. Dado, de um lado, a associação das Tecnologias de Comunicação e Informação - TICs a garantias e liberdades constitucionais e, por outro, que a escolha do regime de prestação de determinada modalidade de serviço influi diretamente no seu nível de fruição pelos indivíduos, assume-se que essa competência, enquanto garantia republicana, deve ser exercida no sentido de realização de interesses públicos. Cumpre dizer: a caracterização do regime público como aquele que assegura a continuidade e a universalização da prestação de determinada modalidade de serviço essencial torna essa competência um importante instrumento de implementação de políticas públicas de telecomunicações.” (RIBEIRO, 2011, p. 174) “A atribuição de prerrogativas regulatórias específicas ao Poder Executivo é um dos elementos que revela a ratio de partição de competências que o legislador ordinário conferiu à Lei Geral de Telecomunicações. Mais especificamente, cuida-se da relação entre a Presidência da República e a Agência Nacional de Telecomunicações – Anatel no que se refere à competência desta última em elaborar e propor àquela a adoção das medidas que materializam as prerrogativas constantes dos incisos I a IV do art. 18.’‘ (RIBEIRO, 2011, p. 175) “A motivação subjacente a tal desenho institucional seria o de criar um sistema dinâmico de relação entre órgãos representativos e a Agência que fosse capaz de equalizar os imperativos de eficiência e legitimidade que informam a intervenção regulatória no setor. A autonomia da autarquia reguladora, por mais que lhe sirva como garantia de que sua legitimação poderá advir justamente da sua eficiência em fazer com que o setor efetivamente opere, limita-a, mas não a insula da política.3 As matérias que o legislador entendeu exibirem elevado teor político foram confiadas a órgãos que se submetem ao crivo democrático, tal como nas prerrogativas confiadas à Presidência. (RIBEIRO, 2011, p. 176) “Perquirir, portanto, sobre a repartição de competência entre a Presidência da República e a Anatel na Lei Geral de Telecomunicações é realizar um estudo de caso entre política pública e regulação4. Estipular o sentido e alcance das prerrogativas regulatórias da Presidência da República importa como meio de determinar o procedimento jurídico para a atividade regulatória do Poder Executivo no setor brasileiro de telecomunicações. ARANHA (2005, p. 117-118) identifica nessa atribuição de regime jurídico público ou privado aos serviços de telecomunicações como necessário ao tratamento jurídico compatível com a dinamicidade dos serviços e a

2 mobilidade da evolução social. É nesse sentido que a Lei Geral de Telecomunicações elege a essencialidade como critério para qualificação, pelo Presidente da República, do rol de atividades submetido a regime público. Esse critério está expresso no art. 65, § 1o , segundo o qual caso determinada modalidade de serviço figurar na realidade social como essencial, perde-se a opção de política de governo do Presidente da República em submetê-la somente à prestação em regime privado. “ (RIBEIRO, 2011, p. 176) “Dando um passo adiante, a afirmação de que subsiste um sujeito constitucional na política de definição do regime de prestação de determinadas modalidades de serviços de telecomunicações não pode ser feita sem se considerar a relação dessa política com a efetiva fruição de direitos e garantias fundamentais. Aqui reside, para as competências regulatórias do art. 18, incisos I e II da LGT, o parâmetro de análise, à luz da teoria apresentada, do exercício das prerrogativas regulatórias da Presidência da República no Setor Brasileiro de Telecomunicações.’‘ (RIBEIRO, 2011, p. 185) ESTADO E REGULAÇÃO “Ademais, a eficiência, no Estado Democrático de Direito, é apenas um dentre outros vetores axiológicos que informam e legitimam a existência e funcionamento do Estado. Regulação extrapola expertise: é necessário instituir canais de comunicação entre agências reguladoras e poderes eleitos, sujeitando-as a controles ancilares pelo Executivo e pelo Legislativo. As agências devem representar, elas próprias, instrumentos de desenvolvimento, aperfeiçoamento da democracia e concretização de direitos fundamentais.’‘ (RIBEIRO, 2011, p. 176) “Partindo dos conceitos de espaço regulatório (HANCHER e MORAN, 1989)7, e de regulação de resposta compreensiva (responsive regulation), (AYRES e BRAITHWAITE, 1992)8, chega-se à conclusão de que é também ideológica a proeminência do Estado como agente regulador par excelence. Tal posicionamento privilegiado apenas se justifica na medida em que, em uma arena dominada por organizações, o Estado republicano é a forma institucional mediante a qual os indivíduos podem postular interesses sobre as pautas regulatórias. Emerge, aqui, a separação dos poderes como garantia institucional que preserva essa participação individual, justamente porque abriga a liberdade pública como valor central (LAENDER, 2009, p. 242).’‘ (RIBEIRO, 2011, p. 179) “Falar em separação de poderes em uma análise setorial ou regulatória, portanto, é falar na criação de ambientes institucionais em que o processo de formulação de políticas públicas seja permeável à participação dos indivíduos. É nesses termos que se pode compreender a criação da Agência Nacional de Telecomunicações como representativa de uma nova divisão dos poderes, por mais que, originalmente ao menos, não houvesse sido criada para a preservação de uma política pública de telecomunicações (LAENDER, 2009, p. 261).9 Isso porque, ao menos hoje, já é possível reputar o caráter de garantias republicanas a determinadas conformações e procedimentos, de que são exemplo as consultas e audiências públicas realizadas por esse órgão

3 regulador (OLIVEIRA, 2011, p. 204-207).’‘ (RIBEIRO, 2011, p. 179) “Avulta, nesse sentido, como ponto de análise a conformação do Conselho Consultivo da Agência Nacional de Telecomunicações ao seu propósito de atuar como o órgão de participação institucionalizada da sociedade na Agência (art. 33 da Lei Geral de Telecomunicações - 9.472/97). Tratar-se-ia de instituir, também no órgão regulador, o reconhecimento da importância transversal do setor de Tecnologias da Informação e Comunicação – TICs. Daí a sua composição por representantes indicados pelo Senado Federal, pela Câmara dos Deputados, pelo Poder Executivo, pelas associações ou sindicatos empresariais do setor, por associações ou entidades defensoras dos direitos dos usuários e por entidades gerais da sociedade civil. A crítica que se faz é quanto à inserção de representatividade do Legislativo e do Executivo nesse Conselho, especialmente quando em virtude dos mecanismos institucionais republicanos de freios e contrapesos já existentes, parece prescindível a ocupação dessas vagas por esses poderes, posto que possuem eles já outros mecanismos, institucionais e não institucionais, de exercer influência sobre as decisões da Agência (OLIVEIRA, 2011, p. 208).’‘ (RIBEIRO, 2011, p. 180) “O descompasse surge quando a percepção do espaço regulatório como um espaço de postulação de interesses legítimos resta colonizado por ideais de bem-estar que contaminam a atuação das agências para fazer delas braços governamentais de qualidade de serviços e de satisfação dos consumidores. Esse é um empobrecimento conceitual que tolhe a abertura política para a participação direta cidadã (ARANHA, 2005, p. 198). Não por outra razão haveria a agência de ser autônoma senão enquanto resposta conceitual ao pressuposto de vigência de um espaço público, cuja presença somente pode ser sentida quando este não se confunde com os interesses de Governo. (ARANHA, 2005, p. 62). É nesse arranjo institucional, mais ou menos apto a facultar participação individual no processo de formulação das políticas públicas de telecomunicações, que se insere o exercício de competência regulatória pela Presidência da República no setor.’‘ (RIBEIRO, 2011, p. 181) “HANCHER e MORAN (1989), ao proporem a superação da clássica dicotomia entre interesses privados que se reputam ao segmento industrial e interesses públicos que se reputam a todos os demais agentes setoriais (Governo, agência, sociedade, usuários) apontam para um espaço regulatório onde os diversos agentes disputariam a satisfação dos seus interesses (que não são essencialmente públicos e nem privados). Aqui, a noção de espaço regulatório é um construto analítico que informa ao poder Executivo a necessidade de não preterir ou privilegiar, a priori, interesses de determinados agentes. Nesse sentido, é preciso ter presente que, em se tratando do exercício dessa prerrogativa, o Executivo é tanto a instância com autoridade para conformar e compor as expectativas regulatórias, como também, ele próprio, um dos agentes interessados cujas expectativas devem ser conformadas e compostas na definição final dessa política pública.’‘ (RIBEIRO, 2011, p. 183) “Ao se analisar o histórico normativo do setor, logo se percebe que o êxito do poder Executivo federal em afirmar-se como esfera competente de regulação no setor, por volta da

4 década de 70, veio logo sucedido da busca de um Plano Nacional de Telecomunicações. Esse dado se torna mais que uma informação histórica quando se considera ser também o arranjo federalista como uma garantia institucional que preserva a possibilidade de participação política (em um âmbito de interesses mais bem localizado, ao menos). LAENDER (2009, p. 155-175) é quem retrata os antecedentes de criação de um sistema nacional federal, tendo uma narrativa que parte do extremo da descentralização federativa setorial, com a Constituição Republicana de 1891 e chega até o extremo da centralização federativa setorial, com a criação do Sistema Telebrás, por intermédio da Lei no 5.792, de 11 de julho de 1972.’‘ (RIBEIRO, 2011, p. 186) “Como principal resultado da pesquisa, temos a comprovação de que os conceitos de “política regulatória”, “republicanismo” e “interesse público” são variáveis jurídicas que podem ser aplicadas a setores regulados (no caso, telecomunicações) para que se lhe seja dimensionado quão mais permeável se revela um marco regulatório à concepção de uma identidade do sujeito constitucional ausente. A variável de “federalismo” originalmente proposta revelou-se inadequada a esse fim, dado que, por um processo de centralização aqui referido, muito pouco se confia hoje aos Estados federados em termos de competência regulatória.’‘ (RIBEIRO, 2011, p. 193) REPRESENTATIVIDADE “Também aqui se está a tratar da permeabilidade do setor a interesses legítimos que concorrem para a definição das suas políticas públicas. Os mecanismos institucionais republicanos de freios e contrapesos aparecem como garantia de que será difusa a produção das políticas de telecomunicações10 e, portanto, representa a ampliação do espaço regulatório para que dele se tornem agentes novos indivíduos e segmentos da sociedade civil. Essa sobreposição no Conselho Consultivo da Anatel, contudo, reforça, antes de qualquer outra coisa, a atuação da Presidência da República no setor brasileiro de telecomunicações, tendência que vem expressa não apenas em um nível formal de conformação do Conselho Consultivo, mas principalmente em outras iniciativas de índole mais concreta. É o que se percebe da postura mais proativa do Poder Executivo no setor nos episódios do processo de execução do 2o Plano Geral de Metas de Universalização, ou a coordenação do Programa Nacional de Banda Larga – PNBL e a reativação da Telebrás (OLIVEIRA, 2011, p. 202).’‘ (RIBEIRO, 2011, p. 181) MONOPÓLIO ESTATAL “Com a ineficiência na prestação de serviços sob o regime monopolista, bastante devido ao aparelhamento político e subseqüente crise de gestão do Sistema Telebrás promovida por Antônio Carlos Magalhães, é proposta a Emenda Constitucional no 8, de 15 de agosto de 1995, que introduziu no dispositivo constitucional do inciso XI do art. 21, a possibilidade de explora-

5 ção “mediante autorização, concessão ou permissão” (RAMIRES, 2005, p. 21-22). A atual Lei Geral de Telecomunicações – LGT (Lei no 9.472, de 16 de julho de 1997) é então promulgada para regular esse dispositivo constitucional.’‘ (RIBEIRO, 2011, p. 186)

1 RÍOS, Aníbal Sierralta. Revolução Tecnológica dos Meios de Comunicação e os Desafios do Direito e da Democracia. Meritum, Revista de Direito da Universidade FUMEC, v. 7, n. 1, p. 305–353, 2012.

PODER DA MIDIA “A palavra escrita em uma revista ou periódico e, sobretudo, a imagem na televisão adquiriram o status de dogma: são verdades inabaláveis. Trata-se de um poder que é utilizado pelos atores do comércio internacional, principalmente pelas empresas transnacionais e pelos Estados, para fortalecer seus interesses e impulsionar suas operações de investimento. De fato, os meios de comunicação são formadores de opinião e exercem grande influência na vida das pessoas, na política nacional, na cultura dos povos e na tomada de decisões no mercado.” (RIOS, 2012, p. 306) “A imprensa – tanto a sensacionalista quanto a séria – é um grande referencial, particularmente aquela veiculada em rádio e em televisão. Esta última, desde o fim da década de 1960 e mais concretamente a partir de 1990, é a forma de comunicação de massa com maior poder na vida da sociedade. Tanto é verdade que podemos afirmar que há um novo sentido da realidade: a realidade das imagens e das notícias ao vivo que se apresentam como verdade inabalável para milhões de pessoas. Tamanho poder e influência, contudo, têm impacto no direito e na democracia, demandando uma reflexão sobre a sua regulação.” (RIOS, 2012, p. 306) MÍDA E PODER “As grandes transnacionais da mídia abarcam não somente o campo da comunicação ou das telecomunicações; elas superam os limites da soberania dos países. A capacidade de transmissão a longas distâncias oferecida pela tecnologia via satélite – seja de forma aberta ou por assinatura – frequentemente supera os limites de qualquer território nacional. Essa realidade, inevitavelmente, sugere a necessidade de se tentar regular essa tecnologia, sobretudo em regiões como a União Europeia ou a América Latina, que não possuem meios de difusão cultural para outros contextos. No entanto, o paradigma do mercado no qual essa tecnologia vive e se fortalece – principalmente por meio da televisão –, aliado à carência de especialistas, pesquisas e estudos jussociológicos, revela um panorama incipiente em propostas.” (RIOS, 2012, p. 307) “As principais transnacionais da mídia provêm da União Europeia e dos Estados Unidos, mas também há conglomerados empresariais latino-americanos. Todas elas compartilham as mesmas características e propósitos: dominar a informação e os mercados em que operam, sobrepujando os interesses públicos e os interesses da pessoa humana.” (RIOS, 2012, p. 308)

2 CONCENTRAÇÃO DOS MEIOS DE COMUNICAÇÃO “Esse cenário revela um amplo processo de homogeneização dos meios de comunicação, que estão estruturados em uma rede de oligopólios nacionais vinculados econômica e ideologicamente às transnacionais da mídia. Como nunca e no ritmo da própria crise do capitalismo, esse processo se estabelece como uma estratégia nítida dos grupos dominantes, que têm ditado o peso dos meios de comunicação nesse momento do desenvolvimento tecnológico. Nesse processo, a tecnologia se converteu no vínculo comunicativo e ideológico de tais grupos, sem que, por outro lado, exista uma resposta do cidadão ou indivíduo” (RIOS, 2012, p. 311) IMPACTO POLÍTICO E CULTURAL DA MIDIA “O surpreendente desenvolvimento da tecnologia da informação e dos meios de informação tem dado vazão a uma revolução que afeta diariamente a cultura da sociedade e que, por conseguinte, tem impacto no direito e na democracia. Essa evolução serve a um propósito mercantilista e penetra em todas as esferas da vida pública, uma vez que a informação em massa controlada pelas transnacionais da mídia afeta a consciência popular e o real sentido da democracia.” (RIOS, 2012, p. 312) “As ameaças aos meios de comunicação e à liberdade de expressão, como aponta César Hildebrandt, são: a internalização da imprensa, o grau de concentração dos meios de comunicação, o poder econômico que interfere na orientação da mídia, a imposição ideológica e a padronização temática3 . De todas essas ameaças, podemos concluir que são dois os principais problemas a serem abordados sob a perspectiva do impacto causado à democracia e ao direito, quais sejam: o protagonismo dos recursos tecnológicos, que permitem uma imprensa individual e até mesmo pirata; e a concentração oligopolista e monopolista da mídia, que tem, certamente, um poder econômico e uma agenda comum. Essa realidade reveste a mídia de um poder surpreendente e onipresente que não tem limites, haja vista que transcende fronteiras e se sobrepõe aos limites dos próprios Estados e, naturalmente, do indivíduo. (RIOS, 2012, p. 312) “Uma distinção fundamental entre a democracia e os outros sistemas políticos é a perspectiva de que, no regime democrático, o poder nunca é ilimitado, pois se espera que aqueles que o exercem considerem aqueles que os elegeram como seus pares e trabalhem pelo bem comum, prestando contas de suas ações; além disso, esses atores que exercem o poder político também são passíveis de ser sancionados se seus comportamentos excederem os limites estabelecidos pela Constituição.” (RIOS, 2012, p. 312) “Por isso, quase a totalidade das normas constitucionais e das legislações limitam e regulam qualquer excesso de poder – não só político, mas também econômico, como é o caso das regras de concorrência que abominam o monopólio, o truste e o domínio exacerbado do mercado. Por conseguinte, aqueles que exercem o poder econômico privado, como é o caso dos investidores e proprietários de tecnologia, também devem ter seus poderes limitados, sobretudo

3 quando as corporações ou empresas transnacionais adquirem poderes equivalentes ou similares ao Estado.” (RIOS, 2012, p. 313) “Os meios de comunicação, hoje em dia, têm e exercem um grande poder ao delimitarem e construírem a informação, mostrando uma visão do mundo que chega a todos os lares por meio dos surpreendentes mecanismos tecnológicos. Aliada a essa realidade, a tendência neoliberal é reduzir o poder e a margem de atuação do Estado, deixando espaço para todos os demais atores: à medida que o poder do Estado diminui, é também diluído o princípio de autoridade pública, que passa a ser suprido pelas transnacionais da mídia e outros autores.” (RIOS, 2012, p. 313) “É indubitável a importância dos meios de comunicação como principal fonte de informação na democracia e na construção da justiça, e o próprio fato de que a democracia demanda que os cidadãos estejam bem informados para que possam atuar com pleno conhecimento já é uma justificativa prima facie para sua regulação. Esse ordenamento dos meios de comunicação se dá em todos os Estados por meio de quatro mecanismos: (i) por controle direto do governo como nos regimes comunistas ou fascistas; (ii) por órgãos governamentais, como a Comissão Federal das Comunicações (CFC) dos Estados Unidos; (iii) por propaganda ou práticas de lobby; ou (iv) por órgãos criados pelas próprias empresas proprietárias dos meios de imprensa, como os Conselhos de Ética ou os Conselhos de Imprensa. No entanto, tudo indica que é necessário regular esses mecanismos para que coexistam os diferentes atores e sua gestão seja benéfica para a população em geral.” (RIOS, 2012, p. 314) “O êxito ou fracasso das tentativas de regulação podem ser avaliadas com base no grau com que o mecanismo regulador atinge seus objetivos ou resultados predefinidos. Quando os objetivos não estão estabelecidos de forma clara, dada a falta de discussão tanto dos interesses em jogo como da razão de ser da regulação, o êxito ou fracasso se torna difícil de ser mensurado.” (RIOS, 2012, p. 314) LIBERDADE DE EXPRESSÃO “A liberdade de expressão é um direito fundamental incorporado em quase todas as constituições e consagrado no art. 19 da Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948. Trata-se do direito que toda pessoa tem, sendo a imprensa o meio para a sua realização. Embora, qualquer pessoa, é certo, possa manifestar-se livremente, o indivíduo só pode exercer ou manifestar sua liberdade de expressão se as empresas proprietárias dos meios de comunicação o permitirem. De um lado, a liberdade de imprensa ou de publicação constitui o meio mais idôneo para o pleno desenvolvimento da liberdade de expressão; de outro, essa liberdade demanda o estabelecimento de um ordenamento adequado dos meios de comunicação para que se possibilite o exercício pleno da liberdade de expressão.” (RIOS, 2012, p. 315) “A liberdade de imprensa, de expressão, de opinião, de informação ou de comunicação e a resistência à sua regulação constituem as bases teóricas sobre as quais se edificaram o poder dos meios de comunicação e também a principal dinâmica que determina a relação entre o

4 Estado, o indivíduo e tais meios. A esse respeito, podem-se vislumbrar várias concepções da liberdade de expressão, que vão desde a total supressão até a ação ilimitada em nome da liberdade de empresa, passando pela proibição seletiva e pela busca dos objetivos educacionais e, finalmente, pelo liberalismo aberto baseado no livre mercado que condena qualquer obstáculo à liberdade em todas as suas manifestações. No entanto, essas concepções estão longe das bases teóricas da liberdade de expressão que caracterizou o pensamento do século XVIII, focado na defesa da liberdade diante da repressão histórica do poder absoluto do Estado.” “É com base nesse contexto que o art. 13 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos, conhecida como Pacto de San José da Costa Rica, assinala que “toda pessoa tem direito à liberdade de pensamento e de expressão. Esse direito compreende a liberdade de buscar, receber e difundir informações e ideias de toda natureza, sem consideração de fronteiras”. No entanto, o novo contexto político, social, econômico e tecnológico em que se desenvolveram os meios de comunicação pode, na ausência de bases filosóficas explícitas, fazer com que a invocação da liberdade de expressão, um pensamento tão próximo do pensamento liberal do século XVIII, seja paradoxalmente sobrepujada pelos interesses e propósitos das transnacionais da comunicação.” (RIOS, 2012, p. 316) “Embora a Declaração Universal dos Direitos Humanos possa ter mudado a situação de alguma forma, ela não inverteu completamente cem anos de história em que simplesmente havia liberdades residuais, ou seja, é permitido o que não está expressamente proibido. Podemos observar, nesse sentido a posição dos Estados Unidos, cujo ponto de partida é a garantia à liberdade de expressão ou de imprensa, inclusa na Primeira Emenda da Constituição, que se manteve inabalada até 1919, quando apareceram os primeiros processos ante a Suprema Corte e quando então foram estabelecidas certas restrições leves, como se verifica nos casos Schenk vs. Estados Unidos, Gitlow vs. Nova Iorque, Yates vs. Estados Unidos. (RIOS, 2012, p. 318) “Por sua vez, o Pacto de San José de Costa Rica, no mesmo art. 13 supramencionado, estabelece dois limites: o primeiro (inciso 4) relativo aos espetáculos públicos, protegendo a moral da infância e da adolescência; e outro relativo à segurança (inciso 5), quando proíbe qualquer propaganda a favor da guerra e qualquer apologia ao ódio nacional, racial ou religioso que constitua incitação à violência ou a qualquer ação ilegal contra um indivíduo ou grupo de pessoas.’ (RIOS, 2012, p. 319) ‘Dessa forma, tem-se que essa importante liberdade, assim como as demais liberdades humanas, apresenta certas limitações expressas. Barendt apresenta três argumentos que sustentam a liberdade de expressão. O primeiro é o argumento da verdade, baseado na filosofia utilitarista de John Stuart Mill, segundo a qual a discussão aberta é crucial para o descobrimento da verdade e, assim, se a informação e a expressão estão restringidas, o descobrimento e a publicação de fatos verdadeiros, assim como os juízos emitidos, serão parciais ou limitados. O valor da verdade é intrínseco e autônomo, embora também possa derivar dos argumentos utilitaristas com relação ao desenvolvimento da sociedade. Por conseguinte, é possível identificar uma linha utilitária mais avançada de argumentos subjacentes à verdade. É a ideia de que a de-

5 fesa da liberdade de expressão como busca da verdade ajuda a assegurar que nenhum conjunto de valores possa dominar a sociedade.” (RIOS, 2012, p. 320) “Contudo, a busca da verdade pode levar a desvios, como é o caso da exposição de textos ou informações confidenciais ou sigilosas – caso que nos leva a questionar se a publicação de qualquer documento, conversa ou vídeo, ainda que verdadeiro, é ou não uma forma legítima de busca da verdade. Por exemplo, caberia indagar se seriam uma expressão da verdade a publicação e a difusão de documentos governamentais sigilosos, sob a justificativa de que é uma contribuição ao conhecimento da verdade. Ou, pelo contrário, caberia também questionar se esses documentos devem permanecer restritos em nome da segurança nacional ou do interesse público As justificativas a essas restrições tendem a colidir com o amplo conceito do que de fato é interesse público, o qual pode ser reforçado pelo argumento de que a liberdade de expressão é fundamental para a democracia.” (RIOS, 2012, p. 320) “O segundo argumento de liberdade de expressão identificado por Barendt parece derivar de um enfoque individualista em vez de um enfoque utilitarista: trata-se do “argumento de autorrealização”. O argumento é que as restrições à expressão inibem o crescimento individual, uma vez que as pessoas não se desenvolverão, a menos que tenham liberdade para formular suas crenças e atitudes políticas mediante discussão e crítica.” (RIOS, 2012, p. 320) “O terceiro e último argumento de Barendt é o da participação cidadã. Especialmente no contexto dos debates que suscita- ram a Primeira Emenda da Constituição dos Estados Unidos (a qual estabelece que a liberdade de expressão permite que os indivíduos se envolvam nos assuntos políticos e dá-lhes poder para participarem efetivamente como cidadãos na defesa de seus direitos), Barendt observa que, apesar de aparentemente se pautar em um modelo individualista, esse argumento apresenta um forte espírito utilitarista por estar voltado para o interesse da maioria da sociedade.’ (RIOS, 2012, p. 321) O Interesse Público “Embora, tradicionalmente, a ameaça à liberdade de expressão advenha de um Estado autoritário, essa ameaça, na era atual, vem do poder das próprias transnacionais. A lógica institucional dos meios de comunicação de massa e, particularmente, da indústria da televisão não promove o interesse público, mas, sim, o interesse de seus anunciadores ou patrocinadores, já que sua finalidade principal é maximizar os lucros. Tal questão se reflete na declaração dos próprios meios de comunicação comercial quando afirmam que seu propósito principal não é a promoção de produtos ou a audiência, mas, sim, a dos seus anunciantes e a defesa de seus interesses diante dos seus mudos espectadores ou leitores.” (RIOS, 2012, p. 327) “Esse poder é exercido nos processos políticos, influenciando na vida da comunidade e dos Estados, o que demanda certa regulação para se assegurar que seja executado de acordo com os princípios democráticos, defendendo, em vez de preterir, o cidadão e o interesse público. A esse respeito, cabe apontar que a tensão entre as aspirações do interesse público e as aspirações do interesse comercial dos meios de comunicação chegaram a se tornar o principal centro de discussão nos últimos anos.” (RIOS, 2012, p. 327)

6 “Se admitirmos que os meios de comunicação são os principais atores do mercado internacional, também temos de reconhecer que desempenham um papel e assumem, por isso, a condição de detentores de um poder real. Assim, os meios de comunicação desempenham um papel de destaque na política, atuando como um contrapeso entre o Estado/governo, o cidadão individual e os grupos sociais que fazem a intermediação entre o país e as potências estrangeiras. Essa função depende do grau de pluralidade que esses meios admitem em sua programação e do grau com que a propriedade se relaciona com o conteúdo do editorial, de acordo com a diversidade de proprietários e os interesses e propósitos que defende cada acionista.” (RIOS, 2012, p. 327) “Quando todos os meios de comunicação se encontram sob o poder de um único investidor ou de um pequeno grupo de empresários que simpatiza com o governo vigente, ou quando pertencem unicamente ao Estado, a sua efetividade como mecanismo de contrapeso é bastante discutível. Assim ocorreu na Alemanha Nazista e na União Soviética de Stalin, onde os meios de comunicação controlados pelo Estado, em vez de um mecanismo de equilíbrio, foram um braço do governo, atuando em favor do partido único, totalitário e antidemocrático ao contário de promover os objetivos cidadãos de responsabilidade e livre escrutínio público. E assim também ocorre quando o setor privado supera a intervenção estatal, assumindo a frente de uma única linha de pensamento ou a defesa dos interesses de um dado grupo político-econômico, o que leva cada vez mais à convicção e à necessidade quanto à regulação dessa seara.” (RIOS, 2012, p. 328) “A relação dos meios de comunicação com a democracia é obviamente problemática. Robert McChesney, em sua obra Rich media, poor democracy [Mídia rica, democracia pobre], demonstra como, no contexto de um mercado altamente concentrado como é o mercado midiático nos Estados Unidos, o contexto econômico no qual operam as empresas de comunicação as obriga a defender e a refletir sobremaneira os interesses corporativos dos oligopólios, o que acaba desestabilizando os valores democráticos.” (RIOS, 2012, p. 328)

1 VALENTE, J. As propostas de regulação democrática da mídia no país. In: Regulação Democrática dos Meios de Comunicação. São Paulo, Brasil: Editora Fundação Perseu Abramo, 2013. p. 74–88.

REGULAÇÃO DOS MEIOS DE COMUNICAÇÃO “Mas a influência dos meios de comunicação vai além e tem passado nos últimos anos pela Internet. Em 2013, o Brasil viveu um dos maiores momentos de mobilização popular de sua história. A organização dos atos que chegaram a levar mais de um milhão de pessoas às ruas, no dia 20 de junho, passaram fundamentalmente pelas redes sociais. A onda de mobilizações, iniciada em São Paulo com os protestos do Movimento Passe Livre (MPL) contra o aumento das tarifas do transporte público, espalhou-se para outras cidades com pautas diversas, mas sobretudo por recursos para serviços públicos como saúde, educação, transporte e medidas para combater a corrupção. O Facebook tornou-se a principal plataforma de agendamento dos atos, por meio da função de marcação de eventos.” (VALENTE, 2013, p. 13) “Regular, então, pode ter desde um sentido mais amplo de guiar até um entendimento mais estrito de estabelecer regras, em especial no âmbito legal (emendas, leis, decretos, portarias etc.). Neste livro, chamamos de regulação aquele conjunto de regras que podem estar definidas em leis, decretos e outros instrumentos normativos, bem como procedimentos que não necessariamente estejam inscritos em normas que fazem parte da legislação brasileira. Ações no âmbito do Estado que definam como os serviços de comunicação são prestados e os direitos e deveres de seus prestadores e dos usuários também são consideradas formas de regulação. Todos esses instrumentos estão sempre vinculados às políticas de comunicação, entendidas aí como as orientações de uma determinada instituição pública (governo federal ou a Câmara dos Deputados), sejam elas diretrizes estruturadas, como em um plano, ou não. Ou seja, falar em regulação é tratar desde o art. 220 da Constituição Federal, que determina, entre outras coisas, ser “vedada toda e qualquer censura de natureza política, ideológica e artística” (Brasil, 1988), até a orientação do Ministério das Comunicações se serão chamadas audiências públicas ou não para ouvir a população no momento de análise da renovação de uma concessão de rádio ou TV.” (VALENTE, 2013, p. 16) “A regulação da infraestrutura para a Internet também ocorre no caso da plataforma móvel. O central é como será feito o acesso às faixas de espectro de radiofrequências por onde passam os dados que trafegam entre os smartphones e as antenas das operadoras. Assim como no rádio e na TV, historicamente se consolidou um modelo no qual a empresa que quer prestar o serviço adquire, por meio de leilão, uma faixa de espectro. Neste caso, há inclusive mecanismos por meio dos quais o atendimento de regiões mais rentáveis é atrelado ao de áreas com menor poder aquisitivo, como foi feito nos leilões do 4G no Brasil. Ou seja, para a empresa ganhar o direito de prestar o serviço em São Paulo, teria que também garantir a oferta em

2 Roraima.” (VALENTE, 2013, p. 32) “A base para uma regulação democrática são os conceitos de liberdade de expressão, acesso à informação e direito à comunicação. Eles não podem ser entendidos como garantias individuais, mas coletivas. Deve-se buscar, assim, assegurar esses direitos ao maior número possível de pessoas. Frente ao quadro de desigualdade inerente à sociedade capitalista, complexificado pela formação do Brasil, cabe ao Estado, em conjunto com a sociedade civil, criar mecanismos para que haja um equilíbrio na esfera da produção e circulação de ideias, opiniões e informações. Sem isso, os detentores dos meios de comunicação permanecerão com um poder desproporcional em relação aos demais, desprovidos desses instrumentos ou que atuam em espaços de menor repercussão. Isso gera consequências não apenas na área da comunicação, mas na democracia brasileira. Neste sentido, as atividades de interesse e repercussão coletivas da comunicação social eletrônica (entendida como a junção de telecomunicações e radiodifusão) devem ser compreendidas como serviços públicos (como é o caso do rádio, da TV, da telefonia e da Internet). Essa definição é dinâmica e pode incorporar novos serviços que ganhem relevância (como deveria ocorrer em parte com a TV por assinatura). Se são serviços públicos, cabe ao Estado garantir a sua oferta, seja direta ou indiretamente, e estabelecer regras para que eles cumpram sua finalidade de atender aos direitos da população da melhor forma possível.” (VALENTE, 2013, p. 74)

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