Democratite Palaciana e o Sufrágio Teocrático: a sintetização republicana do \"Direito Divino dos Reis\"

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Democratite palaciana e o sufrágio teocrático: a sintetização republicana do "Direito Divino dos Reis" Democratite palaciana e o sufrágio teocrático: a sintetização republicana do "Direito Divino dos Reis" Antonio Caleari Publicado em 05/2015. Elaborado em 05/2015.

A  sacrossanta  “liberdade  religiosa”,  tida  praticamente  absoluta  e  cujo  vetor coletivo  está  imiscuído  com  o  fisiologismo  político,  tem  se  constituído  em verdadeiro salvo­conduto para a exploração dos desesperados e dos suscetíveis à manipulação psicológica Para além do comedimento de uma insípida digressão teórica, costumeiramente entrincheirada no padrão de  discurso  “técnico  e  jus­acadêmico”,  há  de  se  denunciar,  sem  subterfúgios  e  à  vista  dos  mais  altos valores  envolvidos,  o  caráter  nada  menos  do  que  bestialógico  atinente  à  iniciativa  do  “socialista  e libertário”  deputado  federal  Cabo  Daciolo  (ex­PSOL/RJ),  traduzida  na  Proposta  de  Emenda  à Constituição nº 12 de 2015. Pretende tal parlamentar que o parágrafo único do Art. 1º da Carta Magna passe a vigorar com a seguinte redação: “Todo o poder emana de Deus, que o exerce de forma direta e também por meio do povo e de seus representantes eleitos, nos termos desta Constituição“. Empreendida  uma  leitura  bastante  atenciosa,  tanto  da  minuta  normativa  quanto  de  sua  pretensa justificativa, chega a ser inacreditável constatar tamanha desinibição; esta última a indicar uma tendência de gradual receptividade ao rompimento com o Princípio da Laicidade do Estado. Trata­se, unanimemente entre os cidadãos com o mínimo de massa encefálica, de uma rara e declarada coleção  de  impropérios  obscurantistas.  E  pasmem:  inconsequentes  cento  e  setenta  e  dois  congressistas subscreveram o documento! Para além do ponto de partida, no qual o demérito do projeto é pressuposto, há de se simular um cenário futuro, muitíssimo factível, em que o fundamentalismo ganhe cada vez mais espaço na política nacional. Não há quem negue – salvo improvável juízo – o já elevado e ainda crescente nível de influência que as seitas  religiosas  detêm,  insinuando­se  em  todas  as  esferas  sociais:  meios  de  comunicação,  governos, editoras, instituições de ensino, grandes empresas, bancadas legislativas suprapartidárias e, inclusive, por meio de milícias paramilitares em formação. A sacrossanta “liberdade religiosa”, tida praticamente absoluta, tem se constituído em verdadeiro salvo­ conduto  para  a  exploração  dos  desesperados  e  dos  suscetíveis  à  manipulação  psicológica.  Seu  vetor coletivo se mostra a cada dia mais imiscuído com o fisiologismo político, revelando um explícito projeto de poder, a pretexto do exercício de liberdades individuais irrestritas.

Até  mesmo  os  partidos  reputados  historicamente  ligados  a  esta  ou  aquela  virtude  ideológica  têm  sido, diuturnamente, apropriados pelo poderio econômico e tomados de assalto pelo crime organizado. Quem ousaria  chamar  à  responsabilidade  os  líderes  de  quadrilhas  sacerdotais,  para  os  quais  a  salvação espiritual, no Reino de Deus, é antecedida pela dominação material, no Reino dos Homens? No suposto “governo do povo”, à crua quantificação de vontades não corresponde qualquer compromisso qualitativo: a manada entoa seu coro e quem não gostou que vá, ingenuamente, elucubrar sobre o direito das  minorias.  Se  todo  o  poder  emana  de  uma  maioria  lobotomizada,  e  esta  resolve  delegar  sua representação aos incólumes pontífices divinos, restará aos humanistas chuparem o dedo. Manda quem pode,  obedece  quem  tem  juízo.  Ou  alguém  realmente  acredita  que  no  âmbito  dos  ditos  “movimentos sociais” e demais concílios populares não há alguém puxando a cordinha por detrás? Só se vence eleição e se governa após anuir com as regras de um jogo sujo, de cartas marcadas, não nos cabendo  encampar  as  teses  embasadas  na  ilusão  do  institucionalismo,  que  é  relegado  à  virtualidade quando de transições como as que se anunciam. Soa  irônico  o  fato  de  que  a  defesa  dogmática  do  sufrágio  universal,  causa  primária  da  atual  ameaça, seja feita justamente pela “elite da elite” brasileira: parte dos intelectuais e das pessoas de destaque em nossa sociedade. Nunca cogitaram eles próprios a fatalidade de serem fagocitados pela horda de inimputáveis? Não  vislumbram  os  esclarecidos  e  os  catedráticos  que,  em  hipótese­limite,  fosse  referida  Emenda  à Constituição  declarada  desconforme  ao  texto  originário,  o  problema  prático  e  conceitual  restaria,  ainda assim,  muito  longe  de  ser  sanado.  Nada  impede  que  se  tenha  o  acinte  de  convocar  nova  assembleia constituinte  onipotente,  incondicionada  e  cuja  autonomia  e  desvinculação  com  a  ordem  anterior  são características reconhecidas intrínsecas. A  Democratite  Palaciana,  disseminada  entre  os  seres  pensantes  que  se  rebaixam  ao  nível  da  plebe, assenta, invariavelmente, as bases de um vindouro Sufrágio Teocrático. Por ocasião desta possível refundação de nossa república, os democratas convictos terão de – finalmente – se assumir ventríloquos da mítica “Vox Populi”, relegados ao passado e submetidos, agora, ao império da “Vox Dei”. Superado o erro original, hão de declarar ilegítima a ditadura da ignorância. A  concepção  aristocrática  virtuosa  deverá  emergir  impoluta  e  alheia  ao  discurso  majoritário, tempestivamente, sob pena de ingressarmos em uma nova Idade das Trevas, em pleno Terceiro Milênio, ao molde das teocracias já existentes e que se encontram em nítido movimento de expansão. E o pior de tudo: a justa resistência acabará por desencadear uma guerra civil de prognóstico incerto. 

Autor Antonio Caleari Bacharel  em  Direito  pelo  Largo  de  São  Francisco  (FD­USP)  e  autor  do  livro “Malleus  Holoficarum:  o  estatuto  jurídico­penal  da  Revisão  Histórica  na  forma do Jus Puniendi versus Animus Revidere” (Chiado Editora: Lisboa, 2012). Site(s): www.malleusholoficarum.com.br www.revisionismo.com.br

Informações sobre o texto Como citar este texto (NBR 6023:2002 ABNT) CALEARI, Antonio. PEC  12,  democratite  palaciana  e  sufrágio  teocrático:  todo  o  poder  emana  de  Deus?. Revista  Jus  Navigandi,  Teresina,  ano  20,  n.  4348,  28  maio  2015.  Disponível  em: . Acesso em: 27 jun. 2015.

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