Democratização da comunicação: controvérsias teóricas e práticas políticas

June 13, 2017 | Autor: L. Ferreira Stevanim | Categoria: Movimentos sociais, Políticas De Comunicação, Economia Política Da Comunicação
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V Encontro Nacional da Ulepicc-Brasil – Rio de Janeiro – 26 a 28/11/2014

Democratização da comunicação: controvérsias teóricas e práticas políticas1 Luiz Felipe Ferreira Stevanim2 Resumo: A democratização da comunicação é um conceito para o qual existe uma diversidade de sentidos, gerados no debate social das políticas de comunicação, no contexto brasileiro e internacional. Este artigo se propõe a analisar as concepções formuladas em torno desta noção tanto na produção teórica quanto nas lutas sociais deste movimento no Brasil, de meados dos anos 1980 até os dias atuais. Por meio da análise de documentos históricos e manifestos públicos elaborados por teóricos e militantes, busca-se compreender como estes atores sociais têm se articulado politicamente nas demandas deste movimento, cujo ator central passa a ser o Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC). Pretende ainda compreender as articulações entre os projetos e as ações políticas, assim como suas possibilidades e limites. Conclui-se que há uma disputa de sentidos em torno deste conceito, em que predomina uma concepção institucional que reconhece a necessidade de fortalecer a negociação política com o Estado e outros atores sociais. Palavras-chave: Democratização da comunicação; sociedade civil; políticas democráticas de comunicação; movimentos sociais; Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação.

Abstract: The democratization of communication is a concepct with a diversity of meanings, generated on the social debates about the communication policies, in the brazilian and international context. This article aims to analyze the conceptions formulated around this notion both in the theoretical perspective and in the social struggles of this movement in Brazil, since the mid-1980s to the present day. Through analysis of historical documents and public manifestos elaborated by theorists and activists, this text seeks to understand how these social actors have politically articulated theirs demands, with a central role performed by the Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC). It also proposes to understand the articulations between the projects and the political actions, as well as its possibilities and limits. We conclude that there is a dispute of sense around this concept, in which predominates an institutional conception that recognizes the need to strengthen the political negotiation with the state and other social actors. Keywords: Democratization of communication; civil society; democratic communication policies; social movements; Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação.

1. Questões iniciais: Sentidos e práticas da democratização

A democratização da comunicação ainda é um desafio para sociedades como a brasileira, em que predomina a concentração midiática e uma lógica vertical na comunicação social. Entretanto, no bojo dos discursos da sociedade civil em torno do 1

Trabalho apresentado no GT1 – Políticas de Comunicação, V Encontro Nacional da ULEPICC-Br.

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Doutorando e Mestre em Comunicação pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Jornalista concursado do Ministério da Saúde desde 2010. Membro do Grupo de Pesquisa em Políticas e Economia Política da Informação e da Comunicação (PEIC). Email: [email protected]. 1

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tema, há uma diversidade de sentidos construídos desde os anos 1980, de tal modo que a expressão funciona como um conceito que abriga ou se relaciona com noções e processos tão diversos quanto direito à comunicação, liberdade de expressão, pluralidade de conteúdo, participação social e reforma nos marcos legais. Trata-se, portanto, de um conceito gerado no debate social, em torno do qual não há um sentido homogêneo. Ainda que seja envolta de perspectivas diversas, por vezes contraditórias, a ideia de democratização da comunicação adquiriu uma dimensão prática ao ser utilizada pelos atores da sociedade civil, em seus movimentos reivindicatórios e de articulação com o Estado para a formulação de políticas. O tema tornou-se uma bandeira defendida nas principais disputas setoriais por políticas de comunicações no Brasil, desde a aprovação da Lei do Cabo (em 1995), até as discussões mais recentes sobre a TV Pública (entre 2006 e 2008) e para a aprovação de uma nova lei de TV paga (entre 2007 e 2011), apenas para citar alguns exemplos. Sua presença nesses debates deve-se, em grande medida, à atuação do Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC), que carrega a expressão em seu nome e em sua proposta de luta. Como se trata de um conceito amplo, foi durante a I Conferência Nacional de Comunicação (Confecom), em 2009, encontro organizado pelo Governo Federal com a participação da sociedade civil, que o tema da democratização da comunicação encontrou a maior diversidade de perspectivas. Em vista da necessidade de atualização do marco legal para o setor de comunicação eletrônica, as reivindicações propostas durante o encontro serviram de base para a constituição da campanha "Para Expressar a Liberdade", a partir de 2012, que articula diversos atores sociais que defendem políticas de comunicação mais democráticas. Diante dessa mobilização da sociedade civil em torno do tema, cabe a pergunta: como podemos compreender a democratização da comunicação, tanto em sua dimensão teórica quanto na luta política? A proposta deste texto é analisar esse conceito em um duplo viés: do ponto de vista teórico e a partir das formulações concretas da ação política. Ao invés de serem duas dimensões estanques, elas se articulam e se influenciam, de acordo com uma perspectiva que busca compreender a totalidade social e entende a teoria como práxis, como se caracteriza a abordagem da economia política da comunicação, segundo Vincent Mosco (1996). Na primeira parte, serão analisados os sentidos agregados a esta 2

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noção, no debate internacional e por pesquisadores e militantes brasileiros. Em um segundo momento, o foco serão as lutas concretas pela democratização da comunicação no Brasil, principalmente pela atuação de uma entidade específica (o FNDC). Pretendese ainda, a partir deste texto, contribuir com aportes teórico-metodológicos que possam auxiliar na reflexão do papel da sociedade civil no processo de negociação das políticas de comunicação.

2. Dimensão teórica: a diversidade de sentidos em torno da democratização da comunicação

As raízes teóricas da luta pela democratização da comunicação remontam às discussões em âmbito internacional fomentadas pela Unesco (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura), entre os anos 1970 e 80, na tentativa de compreender os desequilíbrios nas relações de comunicação e propor caminhos para uma Nova Ordem Mundial da Informação e Comunicação (NOMIC). Após a Conferência Geral de Nairóbi, no Quênia, em 1976, a Unesco criou a Comissão Internacional para o Estudo dos Problemas da Comunicação, composta por 16 membros de diferentes países, que trouxe para a agenda de debates a necessidade de uma comunicação mais democrática, que fosse capaz de abranger o respeito à diversidade cultural e à pluralidade de vozes existentes no interior de cada nação e entre as diferentes culturas. O resultado dos quatro anos de trabalho do grupo foi um documento publicado em 1980, com o título emblemático "Um Mundo e Muitas Vozes", conhecido como Relatório MacBride, em homenagem ao presidente da comissão, o irlandês Sean MacBride3. A partir das formulações do relatório, o "direito à comunicação" passa a ser compreendido como composto de três dimensões, que incluem a participação, a liberdade de informação e o desenvolvimento autônomo do indivíduo. Difere-se, portanto, do sentido dado ao conceito de "liberdade de expressão", entendido de um 3

O debate estancou pela oposição crescente das empresas de comunicação e dos governos da Inglaterra e dos Estados Unidos, sob o argumento de que o avanço das democracias e do capitalismo internacional já havia consolidado um contexto de “livre fluxo da informação” e qualquer tentativa de intervenção na comunicação se tornaria uma ameaça à liberdade. Essa postura encontrou respaldo na emergência dos governos da primeira-ministra inglesa Margareth Thatcher (1979-1990) e do presidente americano Ronald Reagan (1981-1989) sob a bandeira neoliberal, tendo como ponto alto da contenda a saída dos dois países da Unesco, em 1984-85.

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ponto de vista liberal como um atributo de cada indivíduo, tal qual postulado pela Assembleia das Nações Unidas, em 19484, ou ao de "liberdade de imprensa", como o livre exercício da atividade jornalística por parte das empresas de comunicação, que podem obter informações e divulgá-las com base no princípio de interesse público. Já a ideia de democratização da comunicação, de acordo com o Relatório MacBride,

é o processo mediante o qual: a) o indivíduo passa a ser um elemento ativo, e não um simples objeto da comunicação; b) aumenta constantemente a variedade de mensagens intercambiadas; c) aumentam também o grau e a qualidade da representação social na comunicação ou na participação. (UNESCO, 1983, p. 277)

Em paralelo a esta discussão no âmbito da Unesco, formou-se na América Latina uma corrente de estudos que compreendia o papel estratégico da comunicação para reverter o quadro de desigualdades existentes nesses países. Entre as propostas teóricas que começaram a ser formuladas então estava a busca por uma comunicação dialógica, tomando como base os escritos do pedagogo brasileiro Paulo Freire. Essa abordagem é gerada no bojo da ação política de setores da esquerda latino-americana, que uniam segmentos da Igreja católica ao movimento de trabalhadores urbanos e camponeses. Um dos expoentes desse pensamento, o teórico paraguaio Juan Díaz Bordenave (1983), considera a comunicação participativa como um processo de tomada de consciência crítica e aquisição de poder pelos indivíduos, que não existe em estado puro, mas depende de outros processos e lutas próprias dos grupos sociais, como a educação popular, a questão sindical e a ação política. Nesta perspectiva dialógica e crítica, a democratização da comunicação é compreendida por Bordenave (1981) não apenas como uma mudança nos aspectos formais e metodológicos que constituem os meios, mas como a construção de uma ética alternativa capaz de mobilizar e transformar as forças populares. Não basta, portanto, a expansão dos canais e fluxos; antes, tal processo de renovação requer uma nova filosofia orientadora das relações sociais. Quanto aos meios de comunicação, sua atuação no processo de democratização se daria pela mudança no modo de operação e por não se constituírem em canais exclusivos de expressão. Em articulação dialética 4

Segundo o artigo 19 da Declaração Universal dos Direitos Humanos, referendada em 1948, "Todo o homem tem direito à liberdade de opinião e expressão; este direito inclui a liberdade de, sem interferências, ter opiniões e de procurar, receber e transmitir informações e ideias por quaisquer meios, independentemente de fronteiras".

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com a noção marxista de "revolução", a perspectiva comunicativa de Bordenave não propõe a substituição de uma classe dominante por outra, mas pressupõe a supressão de toda forma de dominação e a renovação da estrutura da sociedade5, pois "a democratização da comunicação está condicionada à democratização de toda a sociedade" (BORDENAVE, 1981, p. 20, tradução nossa). No contexto brasileiro, a agenda da comunicação democrática passa a ser uma das frentes da luta pela redemocratização do país, no início dos anos 1980, mobilizando jornalistas, radialistas, artistas, estudantes e alguns parlamentares em um movimento com perfil eminente de denúncia e crítica construído em duas direções: contra o Estado autoritário, representado pela ditadura militar-empresarial que teve início em 1964; e contra a hegemonia dos meios de comunicação de massa, especialmente a TV Globo, que estiveram associados ao projeto dominante de poder (RAMOS, 2005a). Assim se constitui a Frente Nacional por Políticas Democráticas da Comunicação (FNPDC), entre 1984 e 1986, como um esforço para inserir um conjunto de reivindicações na nova Constituição, que permitiriam a construção de um campo da comunicação mais plural e democrático. Diante do recuo do movimento, após a aprovação da Constituição com um capítulo da Comunicação Social que esvaziava suas principais propostas, a luta pela democratização da comunicação passa por uma autocrítica em 1992 formulada por um de seus principais atores, o jornalista Daniel Herz. Na visão do teórico militante, predominava uma concepção do tema com viés corporativista, em razão dos enfoques particulares dados pelas categorias profissionais do setor, além de oposicionista e sem hierarquização de objetivos, centrada em desqualificar os meios privados. Em outras palavras, democratizar a comunicação parecia se resumir à luta para restringir o poder da TV Globo. Daniel Herz propõe, assim, um entendimento da democratização da comunicação como uma luta processual e estratégica, “consequência do caráter extremamente dinâmico do desenvolvimento dos meios de produção, da tecnologia e da correlação de forças políticas” (HERZ, 1992, p. 09).

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"O único código de conduta possível é o estabelecimento de estratégias alternativas de desenvolvimento sobre a base de uma democratização real da sociedade e fundada em formas de organização social nas quais a participação seja uma característica generalizada." (ib., p. 17, tradução nossa)

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Essa abordagem do conceito definiu a lógica de atuação do Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC), criado em 1991: o caminho escolhido foi o da negociação das políticas junto aos Poderes Legislativo e Executivo e ao setor empresarial, buscando implementar alguns pontos da agenda de mobilização, ainda que cedendo em outros, diante das possibilidades apresentadas pela conjuntura histórica. O caso emblemático foi a participação do fórum, entre 1993 e 94, nas discussões para a criação da lei do Cabo (lei 8.977/1995). Compreendia-se, então, que “nenhum resultado obtido será pequeno demais para ser desprezado e nenhum resultado será suficientemente grande para caracterizar uma vitória definitiva” (HERZ, 1992, p. 09). Se por um lado a democratização da comunicação é entendida como uma luta da sociedade civil, o conceito também assume o sentido de uma política pública a ser empreendida pelo Estado para abrir instâncias de participação em seus processos decisórios e garantir o exercício da comunicação como um direito. No entendimento de Murilo César Ramos (2005b), este movimento tem como agenda central o “reconhecimento da comunicação como política social, derivada do direito à comunicação” (RAMOS, 2005b, p. 251), entendido como um direito de quarta geração, complementar aos direitos civis (1ª), políticos (2ª) e sociais (3ª geração). Tal pauta de reivindicação integra um projeto de democratização do Estado que busca, na visão de Murilo Ramos, reafirmar o caráter participativo das políticas, com a inclusão de diferentes atores sociais relevantes. Já a noção de direito à comunicação emergiu na agenda social brasileira nos primeiros anos do século XXI, em consonância com a Campanha CRIS (Communications Rights on the Information Society - Direitos da Comunicação na Sociedade da Informação), que surgiu como uma articulação de movimentos sociais para a Cúpula Mundial sobre a Sociedade da Informação, que aconteceu em 2003 (Genebra) e em 2005 (Tunis). Depois de duas décadas do debate interrompido no seio da Unesco, as discussões são retomadas em âmbito internacional, diante de um novo componente histórico contextual: as Tecnologias da Informação e Comunicação (TICs). No cenário brasileiro, dá-se a emergência de novos atores oriundos da sociedade civil e voltados para o tema da comunicação, entre os quais se destaca o Coletivo Brasil de Comunicação Social - Intervozes.

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Em termos da configuração do debate sobre a democratização da comunicação, opera-se um deslocamento para a questão do direito à comunicação, adaptando o conceito postulado no Relatório MacBride às condições da globalização econômica e da convergência tecnológica6. Com a nova agenda política que passa a definir o movimento, nos primeiros anos do século XXI, pode-se apontar algumas mudanças nos projetos e nas práticas políticas. Em primeiro lugar, ocorre a ampliação do escopo tecnológico para além da radiodifusão (ainda que esta continue ocupando um espaço central), diante dos processos de convergência que trazem temas novos, como a neutralidade das redes e a democratização do acesso. Em segundo, observa-se a possibilidade de articulação do debate em nível internacional, ainda que os espaços de ação política concreta permaneçam predominantemente na esfera nacional, nível em que se dá a regulação e a formulação das políticas públicas. E, por fim, talvez a alteração mais significativa no sentido da democratização, proporcionada pela perspectiva de uso das tecnologias digitais: a revitalização da ideia de que a própria sociedade possa se apropriar da comunicação e desenvolver seus canais de fala7. Entretanto, ainda permanece um sentido predominante que aponta para a necessidade de transformação nas políticas públicas a fim de modificar as estruturas do setor8. Entende-se, portanto, que não é possível a consolidação de uma comunicação democrática sem alterar o poder majoritário da mídia privada comercial, como consequência da regulação estatal guiada pela lógica privatista, para prejuízo da diversidade e da pluralidade de vozes existentes em potencial na sociedade. 6

Segundo a nova definição (INTERVOZES, 2005), esse direito adquire quatro dimensões: a criação de uma esfera pública que permita a consolidação de ambientes democráticos, abrangendo as noções clássicas de liberdade de imprensa e de expressão, às quais se acrescentam a ideia de participação social e de acesso às informações públicas; o uso do conhecimento e do domínio público, favorecido pelas condições de intercâmbio de saber propiciadas pelas novas técnicas; a condição das liberdades civis e dos direitos políticos na assim chamada Sociedade da Informação; e o acesso equitativo às TICs. 7

Segundo Cabral Filho e Cabral (2006, p. 01), esse movimento produz "uma tensão que a sociedade civil enfrenta em todo o mundo no campo da comunicação, dentre outros setores, relacionada com o confronto entre um viés institucionalizado, de expectativas num diálogo possível com governos e a iniciativa privada, e um mais característico das ações diretas implementadas por grupos diversos, articulados ou não, que realizam experiências de comunicação em eventos específicos ou na sua prática cotidiana." 8

Na observação de Chalini Barros (2014, p. 133), em contrapartida à "fragilidade de fundamentação epistemológica da proposta", este conceito apresenta-se como uma tendência de se voltar para a práxis, como um movimento constante de sugestão de políticas. Ainda de acordo com ela, "a ideia de democratização da comunicação consiste essencialmente em um processo mediante o qual se busca alterar estruturas deste setor com o intuito de integrar valores assumidos classicamente como democráticos, a exemplo de liberdade (vista como autonomia ou independência), a igualdade (referente à justiça distributiva em geral), e a inclusão (relativo à participação de cidadãos pertinentes a diferentes grupos sociais)” (ibid., p. 139).

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Democratizar seria, sob esse entendimento, a mudança nas relações entre o Estado e os meios de comunicações, permitindo o controle público. Uma das críticas ao conceito de democratização da comunicação é formulada por Wilson Gomes (1993) ao apontar que o tema é reduzido a uma questão de legislação, de acordo com uma visão que destaca tão somente os cálculos políticos para alcançar objetivos. Pela carência da dimensão ética nos problemas colocados por essa discussão, o autor compreende que a questão privilegia apenas os meios e as estratégias para democratizar, negligenciando os princípios e os fins. Afinal, qual é a justificativa ética da democratização? Ao propor um novo entendimento para o conceito, como um esforço para “impedir a constituição e manutenção da comunicação despótica” (GOMES, 1993, p. 89), o autor reconhece dois princípios que poderiam fundamentá-la: a possibilidade do "contraditório", pela exposição do outro lado, e a existência da "publicidade", como abertura dos debates a qualquer participante. Bastaria que ambos estivessem garantidos no círculo midiático, para que a comunicação se fizesse democrática. Trata-se de uma visão que privilegia a pluralidade do discurso em detrimento do equilíbrio na estrutura econômica e social, entendida como um problema secundário. Desconsidera, portanto, que a ausência do contraditório e dos princípios públicos nos meios privados é consequência do modo como se organizam estruturalmente as comunicações no Brasil e não poderiam ser modificados apenas por uma alteração no imperativo ético. Diante da diversidade de abordagens em torno do tema, a democratização da comunicação pode ser compreendida como uma questão de ordem ética, que diz respeito à transformação dos valores e das práticas da sociedade, assim como de ordem econômica estrutural, pela mudança no modo de operação das instituições de comunicação. Esse duplo sentido também remete aos dois conjuntos de ações concretas empreendidas pelos atores sociais: seja atuando pelas margens do sistema, com o estímulo à expressão da própria sociedade, por meio de canais alternativos, seja no centro a partir das margens, com a negociação por políticas públicas democráticas, que possam alterar a organização de todo o setor.

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3. Dimensão concreta: a mobilização social em torno da democratização da comunicação

A necessidade de reverter aquilo que William Carroll e Robert Hackett (2006b) chamam de "déficit democrático" nas comunicações não nos exime de encarar as limitações ainda vivenciadas pelo movimento, tanto do ponto de vista conceitual quanto em sua prática política. O tema da democratização é um dos sentidos em disputa nas políticas de comunicação, o que define os enquadramentos que assume. De um lado, é defendido por setores organizados da sociedade civil, opondo-se diretamente aos interesses da mídia comercial, que são sustentados pela noção de liberdade irrestrita de mercado, sem qualquer regulação do Estado (a comunicação entendida como atividade livre de restrições, ainda que sejam para evitar abusos e garantir direitos). De outro, essa questão é levada em disputa no interior do próprio campo que discute e toma a pauta como uma agenda de lutas. Para entender essa correlação de forças, deve-se compreender a sociedade civil não como o espaço das ideias progressistas ou que visam a transformação, mas como o terreno do embate e da negociação entre o conjunto de atores sociais, entre forças de modificação e outras de conservação da ordem. Esse entendimento deriva da obra do teórico italiano Antonio Gramsci (2003), escrita nos anos 1920 e 30, para quem a sociedade civil é a arena de luta ideológica e de construção de consensos e rupturas. De acordo com o pensador, é nessa esfera que as classes disputam e negociam a sua hegemonia política e cultural, que se soma ao exercício da coerção por meio dos aparelhos institucionais do Estado. Como parte do processo de transformação da sociedade civil brasileira, o movimento pela democratização da comunicação constituiu-se no início dos anos 1980, por meio da coalizão entre um conjunto de atores sociais que reivindicavam o fim da ditadura. Sob a liderança política da Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj), reunia os projetos da Igreja católica, representada pela União Cristã Brasileira de Comunicação Social (UCBC), dos estudantes de comunicação (pela Executiva Nacional de Estudantes de Comunicação - Enecos) e de outras organizações de trabalhadores do setor (Federação Interestadual dos Trabalhadores das Telecomunicações - Fittel e Federação Interestadual dos Trabalhadores em Empresas de Rádio e Televisão - Fitert), além de 9

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contar com o apoio de entidades como a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e a Associação Brasileira de Imprensa (ABI) 9. Eram entidades com interesses diversos que convergiram para um propósito comum de democratização das políticas de comunicação, com a perspectiva de ação política concreta na Assembleia Constituinte através da Frente Nacional por Políticas Democráticas de Comunicação (FNPDC), lançada em julho de 1984. A luta pela democratização da comunicação constitui-se assim como movimento social, na definição proposta por Maria da Glória Gohn (2002, p. 14): Um movimento social é sempre expressão de uma ação coletiva e decorre de uma luta sociopolítica, econômica ou cultural. Usualmente ele tem os seguintes elementos constituintes: demandas que configuram sua identidade; adversários e aliados; bases, lideranças e assessorias - que se organizam em articuladores e articulações e formam redes de mobilizações -; práticas comunicativas diversas que vão da oralidade direta aos modernos recursos tecnológicos; projetos ou visões de mundo que dão suporte a suas demandas; e culturas próprias nas formas como sustentam e encaminham suas reivindicações. (2002, p.14)

É possível compreender a história desse movimento em quatro fases de atuação, tomando o Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC), criado em 1991, como ator central e locus de agregação de diferentes projetos e mobilizações10. A primeira delas abrange o período de 1984 a 1991, considerado como a gênese política do movimento, que se constitui por meio de uma frente nacional de lutas, mas que depois da Constituinte passa por um processo de dispersão. A segunda fase (1991-1995) inicia-se com a fundação do FNDC, que representa a formalização do projeto de luta, e caracteriza-se por intensa articulação pela via institucional, por meio de negociações com o Estado e o setor empresarial. O movimento passa a buscar a regulamentação dos artigos da Constituição Federal de 1988 que fazem referência à comunicação, tomando como linhas de ação: a implantação do Conselho de Comunicação Social, a disputa pela regulamentação da TV a Cabo, a proposta de uma nova Lei de Imprensa (chamada de projeto da Lei da Informação Democrática) e a luta pelos direitos dos trabalhadores da Rede Manchete, grupo de mídia privado em crise (FNDC, 2006). 9

Para entender as origens do movimento pela democratização da comunicação, o trabalho de referência é o de Márcio Vieira de Souza (1996), que analisa a atuação desse conjunto de atores em torno do tema entre 1984 e 1994. 10

Márcio Vieira de Souza considera o movimento pela democratização como uma "rede de movimentos sociais que atua de forma a estabelecer intercâmbios entre si, através de metas comuns e conjuntas" (SOUZA, 1996, p. 97)

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Apesar do lançamento de um texto com princípios fundadores em 1994, chamado de "Bases de um Programa para a Democratização da Comunicação no Brasil", e do reconhecimento como ator social relevante durante as negociações políticas para a implantação da lei do Cabo (1995), o FNDC passa por um processo de dispersão e recuo em suas frentes de ação durante o governo do presidente Fernando Henrique Cardoso (1995-2002), o que caracteriza a terceira fase do movimento. A quarta fase (2003 até o presente) abrange a reestruturação dos projetos e a proliferação de novas demandas, com a emergência de questões relacionadas à convergência tecnológica. A partir de então, a entidade retoma seu papel relevante nas discussões do setor, tais como a política de radiodifusão pública, participando dos dois Fóruns de TVs Públicas (em 2007 e 2009), e o movimento em torno da I Conferência Nacional de Comunicação (2009), entre outros momentos estratégicos. Por meio da análise dos documentos que reúnem suas propostas e reivindicações, pode-se afirmar que o FNDC tem uma concepção processual das políticas de comunicação, entendendo a democratização como uma transformação das condições estruturais pelo avanço em etapas. Esse sentido define sua lógica de ação, baseada na luta conjuntural, de acordo com as condições históricas do presente e voltada para um esforço permanente. Compreende-se, portanto, que nunca teremos uma plena democratização da comunicação. O alcançável é um determinado grau de democratização que será, permanentemente, recorrente ao estágio de desenvolvimento tecnológico, e ao conflito entre as distintas vontades (FNDC, 1994, p. 05, grifos no original).

Desse modo, o movimento surge voltado para uma articulação com o Estado, predominando as ações dirigidas para as mudanças estruturais do campo, por meio da formulação de leis, da pressão sobre o poder público e da mobilização de condições que permitam ampliar as instâncias de comunicação democrática. Como está orientado para uma atuação no terreno institucional, não é um movimento centrado prioritariamente na construção de bases - em última instância, não é um movimento que "produz" diretamente comunicação, embora reúna representações sindicais de trabalhadores do setor. Suas estratégias de luta se baseiam em quatro linhas de ação: o controle público dos meios de comunicação, que deve ser exercido pela sociedade; a reestruturação do mercado; a capacitação dos cidadãos; e a política de desenvolvimento da cultura 11

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(FNDC, 1994). Ainda assim, percebe-se um predomínio das ações voltadas para os dois primeiros eixos, isto é, para mudanças no Estado e no setor privado. Na visão de Robert Hackett e William Carroll (2006a; 2006b), a luta pela comunicação democrática não se restringe apenas a uma postura defensiva, na tentativa de reverter os impactos negativos da mídia comercial. O movimento abrange também iniciativas consideradas "pró-ativas", na produção de mídia alternativa e de projetos que buscam incentivar audiências críticas. Ao estudar os movimentos que compõem o chamado "ativismo de mídia" (democratic media activism) em três países (EUA, Reino Unido e Canadá), Hackett e Carroll (2006a) apontam ainda quatro formas predominantes de intervenção para democratizar o setor: a) a influência sobre o conteúdo da mídia tradicional, em campanhas para mudar aspectos específicos de representação, como no caso de minorias desfavorecidas (negros, homossexuais, outros movimentos sociais etc.); b) a reforma das políticas públicas para o setor e da regulação da mídia; c) a construção de uma mídia independente, democrática e participativa; e, por fim, d) o incentivo à educação para a mídia e ao olhar crítico das audiências. De acordo com essa perspectiva, as reivindicações por uma comunicação democrática estabelecem duas frentes de ação: de um lado, as estratégias são endereçadas ao poder institucional (a mídia corporativa e o Estado), buscando modificar as políticas públicas e a operação dos meios privados comerciais; de outro, as intervenções se voltam para construir alternativas na mídia contrahegemônica. Na interpretação de Hackett e Carroll, há a necessidade de compreender a democratização da comunicação para além dos limites da democracia liberal. Inclui-se nesse processo, portanto, as noções de participação popular e igualdade social, além de novos direitos, como a de comunicar. No caso desse movimento no Brasil, articular essas duas linhas de ação política ainda permanece um desafio. Ao centrar sua atuação na mudança do ambiente regulatório, com foco no arcabouço legal, essa agenda de lutas se distancia das pessoas comuns, sem interesses diretos na questão da comunicação (tais como motivações profissionais), mas que vivenciam os impactos de uma regulação privatista em seu cotidiano. Além de enfrentar as barreiras do setor privado comercial, que entende qualquer intervenção como censura, o movimento pela democratização ainda tem o

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desafio de lidar com o baixo apelo social de suas demandas, não raro pela predominância de abordagens técnicas e com pouco diálogo com os cidadãos. Tal desafio foi colocado para o conjunto de atores sociais que integram a campanha "Para Expressar a Liberdade" ao propor um projeto de lei para a comunicação eletrônica no Brasil, uma vez que o setor de radiodifusão ainda é regulado pelo Código Brasileiro de Telecomunicações (CBT), de 1962. A mobilização, liderada pelo FNDC, reúne centenas de grupos, associações e movimentos sociais com suas causas específicas em torno de uma questão comum. Entretanto, para constituir um projeto de lei de iniciativa popular, o movimento precisa lidar com o desafio de fazer com que as pessoas compreendam a relação da lei com sua vida cotidiana e passem a apoiá-la. A campanha apresenta "20 pontos para democratizar a comunicação no Brasil", reunindo reivindicações formuladas pelos setores organizados da sociedade civil durante a I Conferência Nacional de Comunicação. Entre as propostas, um grupo de intervenções se dirige para alterações na mídia convencional (privada comercial), principalmente quanto ao conteúdo veiculado: inclui-se aí a promoção da diversidade na programação e de mecanismos para garantir a produção nacional, regional e independente. Outro grupo de ações está centrado em transformações no ambiente regulatório, pela mudança na lógica de formulação das políticas de comunicação com a participação da sociedade. As medidas incluem ainda propostas para o campo tecnológico, adaptando o cenário da convergência aos princípios da universalidade, da neutralidade e do serviço público. Por fim, uma terceira linha de ações, mais reduzida, é dirigida à construção de saberes e práticas críticas na sociedade em torno da comunicação. Na realidade, esses três eixos de propostas encontram-se articulados, uma vez que as mudanças no ambiente regulatório podem gerar impactos no conteúdo dos meios convencionais ou na relação das audiências com a mídia, assim como o pouco engajamento da sociedade em questões dessa ordem e a hegemonia de conteúdos que disseminem o apego aos interesses privados podem dificultar avanços nas negociações das políticas. Entretanto, pela análise do conjunto de demandas colocadas pela campanha, percebe-se ainda o predomínio de intervenções no campo da mídia comercial e do Estado. Desse modo, impõe-se como desafio para o movimento a possibilidade de 13

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fazer com que essas questões de impacto na sociedade sejam de fato compreendidas como relevantes e ganhem adesões e apoios. Quadro 1: As 20 propostas da campanha "Para Expressar a Liberdade" de acordo com o foco da intervenção Tipos de intervenção Intervenções centradas na mídia convencional (privadacomercial): mudanças no conteúdo e nas regras de produção e programação Intervenções centradas no ambiente regulatório: mudanças na estrutura

Intervenções centradas nos cidadãos: construção de saberes e práticas críticas na sociedade

Demandas da campanha "Para Expressar a Liberdade" 12) Garantia da produção e veiculação de conteúdo nacional e regional e estímulo à programação independente 13) Promoção da diversidade étnico-racial, de gênero, de orientação sexual, de classes sociais e de crença 14) Criação de mecanismos de responsabilização das mídias por violações de direitos humanos 15) Aprimoramento de mecanismos de proteção às crianças e aos adolescentes 16) Estabelecimento de normas e códigos que objetivem a diversidade de pontos de vista e o tratamento equilibrado do conteúdo jornalístico 17) Regulamentação da publicidade 20) Acessibilidade comunicacional 1) Arquitetura institucional democrática (formulação democrática das políticas de comunicação) 2) Participação social nas políticas de comunicação 3) Separação entre infra-estrutura e conteúdo 4) Garantia de redes abertas e neutras 5) Universalização dos serviços essenciais 6) Adoção de padrões abertos e interoperáveis e apoio à tecnologia nacional 7) Regulamentação da complementaridade dos sistemas e fortalecimento do sistema público de comunicação 8) Fortalecimento das rádios e TVs comunitárias 9) Democracia, transparência e pluralidade nas outorgas 10) Limite à concentração nas comunicações 11) Proibição de outorgas para políticos 18) Definição de critérios legais e de mecanismos de transparência na distribuição da publicidade oficial 19) Leitura e prática críticas para a mídia

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4. Por uma outra comunicação democrática

Entender a democratização como um processo de aperfeiçoamento da sociedade exige, entretanto, que se evitem as armadilhas de experiências que se camuflam sob esse nome e mantêm condições de exclusão e injustiça social. Uma questão que não pode ser negligenciada é: que democracia queremos? Ao contrário de certa visão que tende a compreender a democracia como um regime político ideal, portanto, inquestionável e definitivo, um dos desafios para a sociedade brasileira é transpor os limites impostos por uma experiência democrática que não conseguiu resolver as contradições sociais. Como nas palavras de Norberto Bobbio (2011), é preciso distinguir entre a democracia formal, garantida pela lei, e a substancial, como um processo permanente de transformação dos valores e da ética da sociedade. Essa distinção afirma ainda a necessidade de qualificar o sentido de democracia para superar as limitações de um modelo liberal em que a participação social não é uma realidade. Em outras palavras, o caminho para uma sociedade mais justa só pode ser pela passagem para a democracia social, "onde o indivíduo é considerado na multiplicidade de seus status" (BOBBIO, 2011, p. 156). Essa renovação necessária para o sentido de democracia requer a superação de alguns mitos que tendem a acompanhar essa noção. Um deles é a crença no formalismo, como se a única via de exercício da cidadania fosse pelos canais institucionais concedidos pelo Estado. O outro é a suposição de que as sociedades progridem inexoravelmente para uma democracia de padrão liberal, a partir das trajetórias de referência dos Estados Unidos e da Europa Ocidental. Essa compreensão falaciosa da democracia acredita na suplantação do passado como tempo do atraso e na expectativa de um futuro que será necessariamente melhor, desconsiderando as experiências alternativas, as vontades não hegemônicas e as culturas específicas de cada grupo social. Esses breves apontamentos em torno dos limites da democracia formal ajudam a compreender os desafios que se colocam para o movimento pela democratização da comunicação no Brasil. O primeiro deles é que temas como regulação e controle público são compreendidos pelo segmento empresarial como intervenções políticas na liberdade de expressão - isto é, se o regime democrático está garantido pela Constituição de 1988, incluindo a abolição da censura, não haveria necessidade de regular ou intervir em uma 15

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atividade livre por natureza. O segundo dilema é a necessidade de fazer com que as reivindicações dos movimentos sociais da comunicação dialoguem com o conjunto da sociedade, tanto para ampliar a diversidade de suas demandas quanto para obter apoio a suas pautas. A luta por uma comunicação mais democrática pode implicar em maior aproximação com o Estado, entendido como promotor das políticas, em uma perspectiva de reforma e aprimoramento das instituições. Esse viés corresponde à noção de "democratização da política", permitindo a abertura de arestas para a participação social. De outro modo, pode envolver também uma noção de transformação cultural a partir da mídia não-hegemônica, tomando como referência a ideia de justiça social e a proposta de construção de uma sociedade mais atenta aos problemas da comunicação. O terceiro desafio para o movimento é articular essas duas frentes de luta. Ao considerar a democratização como uma transformação processual, com idas e vindas, resultantes da correlação de forças em disputa em cada momento histórico, os movimentos sociais pela democratização da comunicação atuam como agentes de aperfeiçoamento até mesmo das práticas democráticas no Brasil. No entanto, é preciso que renovem seus projetos éticos e políticos, a partir do reconhecimento de que somente a democratização pelas bases e não pelo alto pode conduzir a uma sociedade mais justa. Esse olhar implica em reconhecer que a democracia formal é condição necessária, mas insuficiente para a promoção da igualdade de direitos e da diversidade de vontades.

5. Referências bibliográficas BOBBIO, Norberto. Estado, governo, sociedade: Para uma teoria geral da política. Tradução de Marco Aurélio Nogueira. São Paulo: Paz e Terra, 2011. BORDENAVE, Juan Díaz. Democratización de la comunicación: Teoría y Práctica. Chasqui, v. 1 (2), n.1, p. 13-20, 1981. ______. Além dos meios e mensagens: Introdução à comunicação como processo, tecnologia, sistema e ciência. Petrópolis, RJ: Vozes, 1983. CABRAL FILHO, Adilson Vaz ; CABRAL, Eula Dantas Teixeira. Não começou em Genebra, não vai terminar em Tunis: desafios a partir das organizações da sociedade civil para concretizar a sociedade da informação e do conhecimento. Eptic On-Line (UFS), v. 8, n. 1, 2006. FNDC - Fórum Nacional pela Democratização da Comunuicação. Bases de um programa para a democratização da comunicação no Brasil. FNDC: Salvador, 1994. 16

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