DENTES E CRÂNIOS HUMANOS FÓSSEIS DO GARRINCHO (Brasil) E O POVOAMENTO ANTIGO DA AMÉRICA

August 11, 2017 | Autor: Niéde Guidon | Categoria: Human Settlement, Population Study
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Dentes e crânios humanos fósseis do Garrincho (Brasil) e o povoamento antigo da América Evelyne Peyre, Jean Granat, Niède Guidon

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DENTES E CRÂNIOS HUMANOS FÓSSEIS DO GARRINCHO (Brasil) E O POVOAMENTO ANTIGO DA AMÉRICA Évelyne Peyre1, Jean Granat2, Niède Guidon3

Resumo Palavras chave América, biometria, Brasil, crânio, dentes, Garrincho, morfologia, Piauí, primeiros povoamentos.

O Parque Nacional Serra da Capivara (Piauí, Brasil) apresenta sólidas provas culturais do mais antigo grupo humano descoberto até hoje na América, tendo sido descobertos, no abrigo sob rocha da Pedra Furada, uma numerosa indústria lítica desde 53kaBP e fogueiras estruturadas desde 32kaBP. O carste que está na periferia de uma parte do planalto arenítico forneceu esqueletos humanos muito antigos para a América : as grutas Antonião e Garrincho preservavam elementos odontocranianos datados de 10 e 14kaBP. A descoberta de dois novos fósseis no Garrincho, faz do mesmo, um sítio excepcional para a história dos primeiros grupos que viveram neste continente. Trata-se de uma criança (29 dentes) de 9 anos e um hemi-crânio de adulto encontrado em sedimentos datados em 24ka (por luminescência optica) e em 14ka (por termoluminescência). Este artigo apresenta o estudo odontológico do pré-adolescente, o mais antigo conhecido até hoje na América e a biometria do crânio do adulto. A existência de traços arcaicos nos dois fósseis, o que já havia sido observado nos quatro fósseis estudados anteriormente, sustenta a hipótese de uma colonização antiga da América, bem mais antiga do que a defendida pela teoria que se apoia sobre a cultura Clovis. O interesse do estudo dessa população fóssil é tanto maior quando se considera que nesta região do Piaui, a presença desses fósseis humanos perdurou até 6kaBP na gruta da Santa, que se encontra bem próxima ao Garrincho.

Abstract Keywords America, biometry, Brazil, skull, teeth, Garrincho, morphology, Piauí, first peopling

La Serra da Capivara (Brazil, Piauí) shows solid cultural evidence of the most ancient human presence in the Americas: some of the oldest archeological artefacts in Pedra Furada Rock Shelter date back to as early as 53 kaBP for lithical tools and 32 kaBP for hearths. Human skeletal remains were found in the karst outcrops around this sandstone massif : they are exceptionally old for America. The fossils (skull and teeth) found in Antoniao and Garrincho caves dates back to 10ka and 14ka ago. The more recent discovery of 2 new fossils in the Garrincho limestone cave confirms the outstanding interest of the site for the history of the first peopling of the continent. These findings consist in 29 teeth of a nineyear-old child and in one half of an adult skull unearthed from sediments dated 24ka ago (optically stimulated luminescence) and 14ka ago (thermal luminescence). This study reports the characteristics of the teeth of the pre-adolescent who is the most ancient specimen of the kind known to this day in America and goes into the biometry of the adult’s skull. The presence in these two new fossils of some notable features which can be regarded as archaic and that can also be found in the four previously discovered specimens, while being more clearly marked in the more recent discoveries confirms the hypothesis of much earlier human settlements in America than could be estimated on the basis of the Clovis findings. As far as population studies go, the interest of these fossils is all the higher as a human presence was still attested in Piauí at Santa, a cave close to Garrincho, till 6 kaBP.

A Mission Archéologique du Piauí e a Fundação Museu do Homem Americano realizam pesquisas no Brasil. Niède Guidon dirige essas pesquisas há trinta e seis anos, desde que descobriu, na região, sítios com arte rupestre pré-histórica. Evelyne Peyre é a paleoantropóloga da Mission e, estudou os fósseis humanos, desde a primeira descoberta (1992) de esqueletos humanos. Este artigo apresenta as novas

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descobertas (2003). Esta equipe delimitou uma zona rica em testemunhos, da mais antiga presença humana até hoje conhecida nas Américas. A área arqueológica da Serra da Capivara compreende dois tipos de paisagem (Fig. 1). No plano de fundo, distingue-se as escarpas do Parque Nacional Serra da Capivara, reconhecido pela UNESCO como patrimônio cultural da humanidade. Tratase de um planalto arenítico no qual foram identificados

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Fig. 1. Mapa do Piauí. Paisagem da área arqueológica do Parque Nacional Serra da Capivara. Foto E. Peyre

cerca de 900 sítios pré-históricos, com pinturas e gravuras pré-históricas, estruturas e artefatos paleolíticos, testemunhos de uma humanidade pleistocênica, principalmente a Pedra Furada, que é hoje a referência fundamental para a pré-história antiga da América. Seu estudo (Guidon et al., 2002) permitiu a descrição de uma indústria lítica desde mais de 50kaBP e, fogueiras estruturadas, de 32kaBP e pinturas de 17kaBP (Tab. I). No primeiro plano desta paisagem estão os morros calcários nos quais há grutas e cavernas. Duas dessas grutas, Janela da Barra do Antonião e Gordo do Garrincho, preservavam vestígios dos homens pré-históricos. Na Janela da Barra do Antonião, foram encontrados restos de uma fauna pleisto-holocênica e um esqueleto humano do início do Holoceno. Na gruta Gordo do Garrincho havia restos humanos mais antigos, associados com uma fauna do Pleistoceno. Os restos humanos dessas grutas, situadas nas proximidades da Pedra Furada, são portanto, contemporâneos dos mais antigos vestígios culturais americanos.

Antonião

Tabela I – A presença humana antiga no Piauí (Brasil). E. Peyre

O esqueleto pré-histórico do H. sapiens1 de Antonião (Peyre, 1993) corrresponde a uma jovem adulta, de baixa estatura, (155cm). Sua antiguidade (10kaBP) e o perfeito estado de seus ossos, fazem dele um dos três mais antigos e mais bem conservados esqueletos já encontrados na América do Sul, juntamente com Escriviana (Brasil) e Paijan (Peru). A idade desse indivíduo foi calculada, pelo estudo dos ossos em 20-25 anos e, pelo volume das cavidades pulpares (radiografia), foi definida como sendo 20-22 anos.O conjunto cranio-mandibular e os dentes apresentam, entre outros, traços arcaicos. Na mandíbula (Fig. 2), o queixo é pouco saliente (87,5°) e, o corpo mandibular é espesso em relação à sua altura, o ramus baixo e os dentes volumosos. O interêsse dessas características é tanto maior quanto esta robustez do crânio, contrasta com o resto do esqueleto que é grácil.

Primeiras descobertas de fósseis humanos Garrincho, setor T1 Os primeiros quatro fósseis humanos encontrados, têm, A importância da gruta do Garrincho foi revelada, todos, traços “modernos” e traços “arcaicos”, associação inicialmente, no setor T1, quando da descoberta em “mosaico”, típica de populações antigas. (1993) de três fósseis humanos (Peyre et al., 1998).

1

Abreviações – H. sapiens: Homo sapiens; BP: Antes do Presente (1945); K: quilo, 1000; a: ano; e: esquerda; d: direita; Schour et Massier: S&M; Peyre et Granat: P&G

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Sua datação14C de 14kaBP, os situa entre os mais antigos vestígios ósseos de americanos (Guidon et al. 2000, 2002). O fragmento craniano, fronto-parietal T1, corresponde a um H. sapiens arcaico, considerando sua espessura. O segundo fóssil T1, um fragmento maxilar alvéolodentário, tem um primeiro molar permanente, cuja coroa, com a face oclusal muito usada, é arcaico por sua forma quadrada e seu tamanho. O incisivo mandibular central permanente T1, encontrado isolado, possue uma raiz original, cuja face distal é esculpida por uma incisão média vertical que lembra 2 raizes entrelaçadas até o ápice. Isto explicaria a grande largura da polpa radicular (aspecto de taurodontismo na radiografia). Seu grande tamanho, seu aspecto comprimido e sua oclusão labiodontal são traços arcaicos.

Fig. 2. Mandibula de Antonião Alto : perfil direito e vista oclusal Centro : panorâmica e Incisivo T1 do Garrincho Baixo, e à d : faces lingual, distal, vestibular, mésial e radiografia Fotos e desenhos : E. Peyre Radiografia : J. Granat

Novas descobertas de dois fósseis humanos no Garrincho As escavações de 2003 (realizadas por G.Daltrine Felice), no Garrincho, permitiram a descoberta de dois novos fósseis nos setores T3 e T6 (Fig. 3). Esses restos cranianos e odontológicos estão sendo datados, mas os primeiros resultados (14-24ka BP) fazem supor que têm uma grande antiguidade. A descrição desses fósseis será discutida abaixo, comparando-os com os dados de uma população de referência sub-atual (Peyre & Granat, 2008), com os dados dos fósseis simpátricos do Piauí (Peyre, 1993 ; Peyre et al., 1998) e com os dos fósseis, do resto do mundo, cronologicamente próximos.

Fig. 3. Plano da gruta do Garrincho e localização dos fósseis humanos. N. Guidon

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O crânio humano do Garrincho (setor T3) A escavação do setor T3 permitiu a descoberta de um demi-crânio, direito de H. sapiens, encontrado em sedimentos datados por dois métodos diferentes (termoluminescência e luminescência óptica) que deram, respectivamente, uma idade de 14,1±1,8ka BP e de 24±3ka BP. Esse fóssil T3 (Fig. 4) é um pequeno dolicrânio (1280cm3) cujo comprimento é médio, mas que é estreito e baixo. O parietal, particularmente, apresenta uma morfologia evoluida pelo seu tamanho, por suas curvas no plano sagital e sua bossa parietal saliente e alta. Mas, esse crânio, é arcaico, por sua espessura e por seu frontal. O frontal de T3 é chato, estreito e maior que o parietal (Fig.4). Ao longo da história humana, a relação de tamanho entre esses dois ossos se inverteu. Inicialmente em benefício do frontal, hoje do parietal. Por volta de 6ka, a metade dos indivíduos têm um parietal cujo tamanho ultrapassa o do frontal e, essa evolução, corresponde ao desenvolvimento cerebral subjacente das zonas da motricidade voluntária e da sensibilidade consciente. A espessura da parede do cranio T3 (Fig. 5) é elevada (9,5mm). Ela é superior de 3ó a média da população de referência, no limite de sua variabilidade. Este caráter arcaico é próprio de populações antigas. No curso da história humana, essa espessura decresce sempre. Do ponto de vista simpátrico, uma forte espessura já havia sido notada nos crânios de Antonião e no crânio T1 do Garrincho, com 4 a 8 mm para a zona mais fina do crânio (próxima do ptérion). Este traço arcaico parece, portanto, ser generalizado na paleo-população do sudeste do Piauí e sugere uma filiação local, um grupo que permaneceu isolado durante alguns milênios. Este mesmo traço arcaico existe também na Ásia e em Java nos humanos do Pleisto-Holoceno. A forte espessura (8,5 à 10mm) encontrada (Demeter et al., 2000) poderia ser um argumento para uma filiação das paleo-populações da América que seriam descendentes das asiáticas. Mas, ao contrário, essa filiação não é sustentada se levarmos em consideração a característica dos fósseis da Ásia : a grande largura inter-orbitária (27 a 29,5mm). Na realidade, o crânio T3 do Garrincho, se distingue nitidamente por uma largura inter-orbitária (17,5mm) muito fraca, situada no limite inferior da variabilidade da população de referência.

Fig. 4 - Crânio T3 do Garrincho Alto: perfil direito (foto J. Granat); Baixo: tamanhos comparados do frontal e do parietal (diagrama E. Peyre)

O fóssil T6 do Garrincho Quando foram descobertos, os 29 dentes encontrados in situ, tinham se conservado no lugar que ocupavam na arcada alveolar (fato atestado por alguns fragmentos ósseos). Os dentes mandibulares estavam fixados no solo e os maxilares repousavam sobre seus antagônicos (Fig. 6). Este fato, raro, prova que esta série dentária pertencia a um indivíduo cujo esqueleto foi perturbado. Havia 3 dentes temporários e 26 permanentes, dos quais 18 em processo de maturação; este indivíduo, com sua dentadura mixta, não havia terminado seu processo de crescimento

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Fig. 5 - Espessura do crânio T3 do Garrincho Alto: calota em vista transversal, Foto J. Granat; Baixo: distribuição da espesssura do crânio na altura do obélion (diagrama E. Peyre)

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Fig. 7 - Dentes T6 do Garrincho. À esquerda, dentes na disposição anatômica; Alto: fotos ; Baixo: radiografia (em cima: deciduais, círculos: permanentes imaturos), À direita, dentes mandibulares e maxilares permanentes de T6 (montagem J.Granat) Fig. 6 - O fóssil T3 do Garrincho, in situ Alto: escavação dos dentes do maxilar; Baixo: os dentes da mandibula Fotos N.Guidon

A morfologia dentária desta criança (Fig. 7) é típica de H. sapiens. O grau de formação dos dentes simétricos, semelhante, elimina a hipótese de fraturas radiculares postmortem. Notamos um uso pronunciado dos 3 dentes temporários e dos M1. A radiografia confirma esse fato e não mostra nem patologia, nem má formação, nem taurodontismo.

Particularidades No maxilar (Fig. 8), os incisivos centrais têm uma forma de pá (shovel shaped), forma frequente no Paleolítico superior e no Mesolítico da Europa. Ainda hoje essa forma é frequente (80%) nas populações mongoloides, esquimós e ameríndias (Devoto et al., 1967) mas rara (10-15%) na África e na Europa. A forma de pá dos incisivos e caninos mandibulares de T3 é discreta. No maxilar, a forma original do incisivo lateral direito merece ser assinalada. A radiografia mostra uma cavidade pulpar tão vasta quanto a entrada do canal (com paredes muito finas). A raiz deste I2d, mais curta que as dos outros incisivos, foi provavelmente fraturada. Somente a face radicular lingual apresenta uma singularidade. É marcada por um sulco vertical mediano, que delimita um bombeamento de cada lado, fazendo pensar em duas raizes finas, coladas: pode se tratar de um sulco sindesmo corono-radicular. No exame, o cingulum lembra a imagem de duas mãos juntas, voltadas para o alto e, a abertura do canal, permite supor duas faces linguais coladas. Interpretamos essa morfologia radicular e coronária, muito original, pela existencia de um pseudo-dente, geminado. Esta particularidade lembra o incisivo T1 do Garrincho e, nos faz pensar, em uma filiação local, um grupo isolado durante alguns milênios.

Idade individual de T6 Para estimar a idade deste indivíduo, com uma dentadura mixta, utilizamos dois tipos de tabela, a (Schour, Massler, 1944) estabelecida a partir de homens atuais e, aquela, (Peyre, Granat, 2004) construída à partir de homens do Neolítico (7kaBP). Os resultados são diferentes. Fig. 8. Incisivos maxilaires T6 do Garrincho Alto : centrais; Baixo : lateral Fotos J. Granat

O grau de maturação dos dentes permanentes T6 corresponde ao de crianças atuais, de cerca de 10 anos (Fig. 9) e, unicamente, de 8,5 anos, segundo a tabela P&G (Fig. 9) relativa aos homens antigos. Esta criança T6 tinha tido uma maturação do tipo atual (10 anos) ou do tipo antigo (8,5 anos) ? Consideramos que, somente a idade estimada pelos dentes de leite,

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deve ser mantida. Em T6, somente dois dentes de leite são utilizáveis (Fig. 10) : o m2d cuja raiz palatina está em curso de reabsorção radicular (45% já presente) e cuja coroa, fortemente utilizada em seu centro, perdeu 30% de sua altura e, o canino, cuja coroa também está usada (50%) e a raiz já reabsorvida em 60%. A tabela de S&M propõe, para esse grau de reabsorção articular, uma idade de 8,5 anos e não de 10 anos (idade indicada pelos dentes permanentes), ou seja uma diferença de idade de 1,5 ano entre as duas dentições, como para as crianças do Neolítico. A antiguidade de T6 (15ka BP, Guidon, comunicação pessoal) o aproxima dos homens do Paleolítico superior. Estimamos a idade das duas crianças com dentadura mista da gruta de Menton (Legoux, 1966) datadas de 25ka, a partir de suas radiografias e as tabelas atuais S&M. Elas apresentam a mesma disincronia (1,5 ano) de maturação. A idade estimada segundo os dentes de leite ou os permanentes é, respectivamente, de 3 e 4,5 anos para o indivíduo 1 e de 2 e 3,5 anos para o 2. A criança T6 do Garrincho tinha a idade fornecida por seus dentes de leite ou seja 8,5 anos. Esta maturação precoce poderia explicar o forte grau de uso oclusal dos dentes de leite e dos M1 submetidos à uma alimentação de tipo duro (Fig7). Os diâmetros coronário mésio-distais (MD) e vestibulolingual (VL) somente diferenciam T6 dos dentes atuais, no caso dos M1 e M2 nos quais os VL são superiores de mais de 2ó das médias atuais. A história humana mostra

Fig. 9 - Garrincho T6 Alto: hémi-maxilar direito; Centro: tabela S&M; Baixo: tabela P&G para os Neolíticos (flechas: estágio de maturação do indivíduo T6) Fotos J. Granat

Fig. 10 - Idade de T6. Alto: molar e canino temporários ; Centro: hémi-maxilar direito; Baixo, tabela S&M Fotos J. Granat

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que M2 e M3 diminuiram de tamanho. Nos homens atuais, e isso desde o fim do Paleolítico, eles tem uma série decrescente (M1 >M2>M3). Ora, os MD de T6 mostram, no maxilar, M1 (10,2mm)< M2 (10,5mm) e, na mandíbula, M1 (11,1mm)< M2 (11,3mm). Esta ordem crescente é um traço arcaico. Na Australia, nos fósseis como o de Kow Swamp, os molares mostram uma série crescente e, ainda hoje, un certo arcaismo persiste nos aborígenes com M1=M2>M3. Comparamos os dentes T6 do Garrincho com os do Antonião e com os dentes T1 do Garrincho. No Antonião, os molares formam uma série decrescente, como no homem atual, mas o uso dos M1 e M2 é tão marcado como no do Garrincho T1. Este uso é clássico nas populações pré-históricas que usavam, precocemente, seus dentes mastigando alimentos coriáceos. Entretanto, no Antonião, este uso é estranho para um jovem adulto, pois o M3, permanente, está pouco usado. A oclusão labiodonte poderia explicar tal fato. Uma outra hipótese considera o estudo da idade do fóssil T6 : os dentes de Antonião teriam se amadurecido mais rapidamente do que acontece hoje (antes de 6 anos e 12 anos). O uso muito forte de M2, considerando que ele é funcional antes que M1, deve ter sido rápido, pois sua camara pulpar permaneceu muito grande. Além disso no Garrincho T1, o molar do maxilar, muito arcaico (forma “quadrada” da coroa e grande superfície oclusal), evoca os dentes do Pleistoceno superior. Por seus dentes, T6 e T1 parecem ser mais arcaicos que Antonião.

Conclusões Os tres fósseis T1 do Garrincho e, a mandíbula de Antonião, atestam que traços arcaicos perduram entre os Americanos pré-históricos do Piauí. Essa constatação apoia a hipótese de uma filiação regional desses fósseis, à partir dos H. sapiens chegados anteriormente, cuja presença está demonstrada desde a mais de 60ka nesse território. Além disso, essa manutenção de traços antigos, é mais evidente no Garrincho (T1, T3 e T6) que no Antonião, o que fala a favor, sem todavia provar de maneira definitiva, uma idade mais antiga do que 10ka para todos os restos ósseos do Garrincho. Esses fósseis representariam, portanto, os mais antigos vestígios biológicos humanos da América. 1

Pesquisadora CNRS, UMR CNRS 7206 Eco-anthropologie et ethnobiologie, Paris, França, [email protected];

2

Académie Nationale Chirurgie Dentaire, UMR CNRS 7206 Eco-anthropologie e ethnobiologie, Paris, França;

3

École des Hautes Études en Sciences Sociales, Paris, França; Instituto Nacional de Arqueologia, Paleontologia e Ambiente do Semi-Arido (MCT/CNPq), Fundação Museu do Homem Americano, São Raimundo Nonato, Piaui, Brasil, Pesquisadora 1A do CNPq.

Agradecimentos As radiografias foram realizadas pelo CIMI e sua interpretação pelo Professor Jean-Paul Constantin. Nós agradecemos por sua gentileza e competência.

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