DENÚNCIA DE TRATADO NÃO DEVE DEPENDER DE APROVAÇÃO PARLAMENTAR

May 30, 2017 | Autor: Pedro Sloboda | Categoria: International Law, Direito Internacional
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DENÚNCIA DE TRATADO NÃO DEVE DEPENDER DE APROVAÇÃO PARLAMENTAR 1

Pedro Muniz Pinto Sloboda2

RESUMO Encontra-se em xeque a prática histórica brasileira de denunciar tratados sem autorização

prévia

do

Poder Legislativo.

O

julgamento

da Ação

Direta de

Inconstitucionalidade 1.625, que tramita no Supremo Tribunal Federal, tende a exigir anuência congressual anteriormente à retirada do Brasil de um acordo internacional. O presente artigo tem o objetivo de demonstrar que esse entendimento é equivocado. A competência para denunciar tratados é exclusiva do Poder Executivo, e não é cabível a intervenção do Congresso Nacional. É o que evidencia a correta interpretação do artigo 49 I da Constituição da República, mormente quando analisado à luz da história constitucional brasileira e da reconhecida prática de celebração de Acordos Executivos. O Presidente da República goza de discricionariedade para obrigar o Brasil por um tratado aprovado pelo Parlamento. Dessa forma, ele pode, mas não é obrigado, a ratificar um tratado aprovado por decreto legislativo. Se o Poder Executivo não está obrigado a contrair a obrigação, com igual razão, não está obrigado a permanecer vinculado pela obrigação eventualmente contraída. Não cabe ao Poder Legislativo decidir sobre a ratificação de um tratado. Igualmente, não recai sob sua competência a decisão sobre denúncia de acordo internacional. Palavras-chave: denúncia de tratados; Poder Legislativo; Poder Executivo.

ABSTRACT It is in check Brazil's historical practice of denouncing treaties without prior authorization of the legislature. The trial of the direct action of unconstitutionality number 1625, which is being processed in the Supreme Court, tends to require 1

Referência: SLOBODA, Pedro Muniz Pinto. Denúncia de tratado não deve depender de aprovação parlamentar. In MENEZES, Wagner. Direito Internacional em Expansão. Volume VII. Belo Horizonte: Arraes, 2016. PP. 301 – 312. 2 Professor de Direito Internacional da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

congressional approval prior to the withdrawal of an international agreement. This article aims at demonstrating that this understanding is wrong. It is up to the Executive to decide on the denunciation of treaties, and congressional intervention is not appropriate. This is clear from the accurate interpretation of Article 49 I of the Constitution, especially when considered in the light of the Brazilian constitutional history and the practice of concluding executive agreements. The President of the Republic enjoys full discretion to compel Brazil by a treaty approved by Parliament. Therefore, he is not obliged to ratify a treaty approved by legislative decree. If the executive is not obliged to contract the obligation, for the same reason, it is not obliged to keep bound by possibly contracted obligation. It is not for the legislature to decide on the ratification of a treaty. Likewise, it does not fall under its competence to decide on the denunciation of international agreement. Keywords: Denunciation of treaties; Legislative Power; Executive Power.

1. INTRODUÇÃO

Tramita no Supremo Tribunal Federal a Ação Direta de Inconstitucionalidade 1.625, em que se questiona a prática histórica brasileira de não obter aprovação congressual previamente à denúncia de tratados internacionais. Alega-se, por meio de interpretação extensiva do art. 49-I da Constituição Federal, que, como a ratificação, a denúncia de tratados internacionais também deveria contar com a aprovação do Poder Legislativo. Alguns autores simpáticos ao pedido alegam que o consentimento do Congresso

Nacional

seria

mesmo

necessário

para

que

houvesse

legitimidade

democrática no processo. Por fim, há quem sustente que o Poder Executivo não pode denunciar tratados sem a anuência do Legislativo porque os acordos internacionais supostamente seriam leis ordinárias federais, não podendo ser revogados por decreto presidencial. Nenhum desses argumentos se sustenta, contudo. O objetivo do presente artigo é demonstrar que não cabe ao Poder Legislativo aprovar a denúncia de tratados internacionais realizadas pelo Poder Executivo nem previamente, nem a posteriori. Para tanto, analisa-se, inicialmente, a participação do Poder Legislativo na celebração de tratados pelo Brasil, verificando-se os nuances de sua relação com o Executivo, nos

procedimentos subjetivamente complexos. Em seguida, analisa-se a exegese do artigo 49 – I da Constituição Federal de 1988, identificando-se que a competência do Poder Legislativo para celebrar tratados não advém de sua legitimidade democrática, da qual também goza o Poder Executivo, mas de sua competência orçamentária. Apenas os tratados que acarretam encargos ou compromissos gravosos ao patrimônio nacional devem ser aprovados pelo Legislativo antes de sua ratificação pelo Executivo. Como a denúncia de um tratado não acarreta encargo ao patrimônio nacional, não há necessidade de aprovação parlamentar. Por fim, analisa-se a aplicação dos tratados no ordenamento jurídico nacional; verifica-se, assim, que não se trata de lei ordinária federal: trata-se de acordo internacional com hierarquia normativa equivalente à de lei ordinária no ordenamento jurídico brasileiro. O decreto de denúncia simplesmente dá publicidade ao ato internacional que desvincula o país do acordo. Conclui-se, portanto, que a prática brasileira no que concerne à denúncia de tratados, que remonta ao Parecer Consultivo de Clóvis Beviláqua, de 1926, é acertada e não deve ser alterada. A competência para denunciar tratados é do Poder Executivo, dispensando-se aprovação parlamentar.

2. A CELEBRAÇÃO DE TRATADOS E A PARTICIPAÇÃO DO PODER LEGISLATIVO

De acordo com a Constituição Federal de 1988, compete privativamente ao Presidente da República manter relações com Estados estrangeiros e celebrar tratados internacionais3 . Dessa forma, cabe ao Poder Executivo negociar, adotar, autenticar, assinar, ratificar e aderir a tratados internacionais. Grande parte dos tratados, contudo, acarretam encargos ou compromissos gravosos ao patrimônio nacional. Ocorre que o Poder Executivo não tem competência para deliberar isoladamente sobre assuntos que acarretem impacto orçamentário, devendo, nesses casos, submeter os tratados à aprovação do Poder Legislativo, consoante o art. 49 –I do texto constitucional. Ao Congresso Nacional cabe autorizar o Presidente da República a ratificar um tratado já assinado. Sem anuência parlamentar, o Poder Executivo não pode manifestar Constituição Federal, art. 84: “Compete privativamente ao Presidente da República: (...) VII – manter relações com Estados estrangeiros e acreditar seus representantes diplomáticos; VIII - celebrar tratados, convenções e atos internacionais, sujeitos a referendo do Congresso Nacional;” 3

consentimento definitivo em estar obrigado por um tratado internacional – salvo os acordos do Executivo, os quais serão abordados adiante. O Poder Legislativo realiza tal aprovação por meio de decreto legislativo. Como a competência para negociar tratados é do Poder Executivo, o Congresso Nacional não pode emendar textos convencionais; pode, no máximo, fazer ressalvas a alguns artigos, as quais terão de ser convertidas em reservas pelo Presidente no momento da ratificação 4 . Ocorre que mesmo após o decreto legislativo de aprovação do tratado, o Poder Executivo não é obrigado a ratificá-lo. Verifica-se, portanto, que o Congresso Nacional apenas autoriza o Presidente da República a fazê-lo. Caso decida ratificar o tratado, o Poder Executivo deve ratificá-lo, no âmbito internacional e, em seguida, promulgá-lo, no plano interno, por decreto Executivo. De acordo com a equivocada jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, o tratado entrará em vigor para o Brasil, no plano internacional, no momento da ratificação, caso o tratado já esteja em vigor no plano internacional; no plano interno, contudo, o tratado só passará a viger após a publicação do decreto de promulgação5 . Para o Supremo Tribunal, no interregno entre a ratificação e a promulgação, o tratado estará em vigor para o Brasil, mas não estará em vigor no Brasil. O Poder Legislativo tem, portanto, papel relevante no iter de celebração de um tratado. Não é o decreto legislativo, contudo, que determina a internalização do tratado no direito brasileiro. Em verdade, a aprovação parlamentar, de per si, tampouco cria obrigação internacional para o Brasil. Não é ela que determina a entrada em vigor do tratado para o país, senão a ratificação, a ser realizada pelo Poder Executivo. A referida aprovação parlamentar também não obriga o Presidente da República a ratificar o tratado, ato que recai sob sua discricionariedade. Nas palavras de Valério Mazzuoli, a aprovação parlamentar: “Trata-se, portanto, de uma fase intermediária entre a assinatura e a ratificação do tratado pelo Presidente da República, que não internaliza o ato internacional ao direito estatal, apenas dando condições jurídicas para que o Chefe de Estado leve a cabo o procedimento de assunção do compromisso internacional. Em outras palavras, a 4

Foi o caso dos arts. 25 e 66 da Convenção de Viena sobre Direito dos Tratados, de 1969. As ressalvas feitas pela Câmara dos Deputados a esses dispositivos foram convertidas em reservas pelo Poder Executivo. 5 STF, Carta Rogatória 8.279, de 1998. Essa exigência de publicação especificamente por meio de diário oficial contradiz a própria jurisprudência do STF, que se satisfaz com publicidade não escrita em casos de normas internacionais não consuetudinárias . Trata-se de interpretação equivocada, mas que ainda perdura na prática dos tribunais.

manifestação congressual tão somente autoriza o Presidente da República à ratificação do tratado (ratificação esta que é discricionária, todavia)” 6 .

A denúncia de tratados internacionais é, igualmente, competência do Poder Executivo. Se o Presidente da República não está obrigado a ratificar um tratado após sua aprovação parlamentar, não está igualmente obrigado a manter o Brasil no tratado indefinidamente. Pode, em verdade, denunciá-lo sem a anuência do Poder Legislativo. Esse costume constitucional remonta ao Parecer Jurídico de Clóvis Beviláqua, de 1926. Na ocasião, o Brasil desejava denunciar o tratado constitutivo da Liga das Nações, e o Ministério das Relações Exteriores pretendia saber se a denúncia dependeria de anuência prévia do Poder Legislativo. Clóvis Beviláqua respondeu negativamente ao questionamento. De acordo com o jurista: “Se há no tratado uma cláusula, prevendo e regulando a denúncia, q uando o Congresso aprova o tratado, aprova o modo de ser o mesmo denunciado; portanto, pondo em prática essa cláusula, o Poder Executivo apenas exerce um direito que se acha declarado no texto aprovado pelo Congresso 7 ”.

O raciocínio continua válido atualmente. Enquanto regra, os tratados preveem as formas pelas quais pode ser denunciados. Se o Poder Legislativo, ao aprovar o tratado, não realiza nenhuma ressalva quanto a esses dispositivos, está naturalmente aprovando as condições para a denúncia do tratado. Poder-se-ia argumentar que alguns tratados não possuem cláusulas de denúncia. Nesses casos, o Poder Legislativo não consentiria, portanto, com nenhum modo específico de denúncia do tratado. Esse argumento seria equivocado, contudo. Em 2009, o Congresso Nacional aprovou a Convenção de Viena sobre Direito dos Tratados de 1969, tratado que contém normas gerais relativas a acordos internacionais. O artigo 56 da convenção, que não foi objeto de qualquer ressalva por parte do Poder Legislativo brasileiro, regulamenta justamente os casos em que os tratados internacionais não preveem cláusulas de denúncia. Nesses casos, o tratado não pode ser denunciado, a menos que uma retirada possa ser inferida da natureza jurídica do tratado. De qualquer modo, a denúncia só exerce efeitos doze meses depois de ter sido comunicada. Verificase, portanto, que o Congresso Nacional já aprovou norma geral sobre a denúncia de 6

CANOTILHO, Gomes J.J; Mendes, Gilmar Ferreira; SARLET, Ingo Wolfgang; STRECK, Lenio Luiz. Comentários à Constituição do Brasil. São Paulo: Saraiva, 2013. P. 1019. 7 BEVILÁQUA, Clóvis. Parecer do Consultor Jurídico do Ministério das Relações Exteriores, Clóvis Beviláqua, sobre a Questão da Denúncia de Tratado (Caso da Retirada do Brasil da Liga das Nações), emitido no Rio de Janeiro, em 5 de julho de 1926. In TRINDADE, Cançado. Repertório da Prática Brasileira do Direito Internacional Público, Vol. 3, Brasília: FUNAG, 2012.

tratados em casos de ausência de dispositivo sobre denúncia em algum tratado específico. De todo modo, o Poder Legislativo aprovou os modos pelos quais os tratados podem ser denunciados. Além de poder denunciar tratados sem a anuência do Legislativo, o Poder Executivo está autorizado ainda a aderir novamente a um tratado que fora denunciado, sem a necessidade de nova aprovação congressual. É a prática seguida pelo Estado brasileiro, com amparo no parecer de Antônio Augusto Cançado Trindade 8 , por ocasião de nova adesão do Brasil à Convenção 81 da OIT. O então consultor jurídico do Ministério das Relações Exteriores deixou claro que, enquanto vigorar o decreto legislativo de aprovação do tratado, o Poder Executivo encontra-se autorizado a obrigar o Brasil pelo acordo. Como se sabe, isso não significa que o Brasil tenha de estar necessariamente vinculado pelo tratado. O Poder Executivo goza de discricionariedade para ratificar ou não tratado, para eventualmente denunciar ou não o mesmo tratado, e, igualmente, para aderir novamente ao tratado outrora denunciado. A razão para tanto radica-se no princípio da simetria das formas. O ato internacional de denúncia de um tratado é incorporado no ordenamento jurídico brasileiro por meio de um decreto presidencial, que revoga o anterior decreto de promulgação. Enquanto ato administrativo, o decreto executivo não pode obviamente revogar decreto legislativo, considerado lei em sentido amplo, nos termos do artigo 59 da constituição da república. Dessa forma, se a autorização do Congresso continua em vigor, o Poder Executivo continua gozando da autorização para obrigar o Brasil pelo tratado. Portanto, caso tenha denunciado um tratado, o Poder Executivo poderá novamente a ele aderir, sem que seja necessária nova aprovação parlamentar. Nesse caso, basta que a nova adesão seja internalizada por decreto presidencial, que terá o condão de revogar o decreto de denúncia e consequentemente repristinar o decreto de promulgação. Foi exatamente o que aconteceu com a Convenção 81 da OIT, a qual o Brasil denunciou e aderiu novamente, sem nova aprovação congressual.

3. O SENTIDO DO ARTIGO 49 I DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988

8

MEDEIROS, Antônio Paulo Cachapuz de. Pareceres dos Consultores Jurídicos do Itamaraty. Volume VIII (1985-1990). Brasília: Senado Federal, 2004.

Alguns Ministros do Supremo Tribunal Federal votaram pela procedência da ADI 1625, declarando a inconstitucionalidade de decreto Executivo que denunciou, sem aprovação parlamentar, a Convenção 158 da OIT, com base em uma interpretação conforme a constituição, tendo como base o artigo 49 –I, que determina ser da competência exclusiva do Congresso Nacional “resolver definitivamente sobre tratados, acordos ou atos internacionais que acarretem encargos ou compromissos gravosos ao patrimônio nacional”. De acordo com esse raciocínio, quase que por paralelismo, se os tratados devem ser aprovados pelo Parlamento para que possam vincular o Estado brasileiro, para que o Brasil deles se desvincule, deveria haver, igualmente, aprovação parlamentar prévia. Esse

raciocínio

contraria,

contudo,

a

correta

exegese

do

dispositivo

constitucional. A lógica aplicada ignora que nem todos os tratados devem ser aprovados pelo Congresso Nacional para que o Brasil se possa vincular a eles. O art. 49-I determina que devem ser submetidos à apreciação do Poder Legislativo tão somente os tratados que acarretem encargos ou compromissos gravosos ao patrimônio nacional. Esse sentido é evidenciado pela oração subordinada adjetiva restritiva usada no inciso. Efetivamente, os constituintes tinham em mente a necessidade de o Poder Legislativo exercer controle sobre acordos celebrados com instituições como o Fundo Monetário Internacional, do Banco Mundial e o Clube de Paris 9 . Dessa forma, acordos internacionais que não tenham impacto no orçamento não precisam ser submetidos a aprovação parlamentar. Trata-se dos Acordos Executivos, assim chamados justamente por não dependerem da vontade do Legislativo. Da perspectiva internacional, são conhecidos como acordos unifásicos, ou de procedimento abreviado, exatamente porque a assinatura, a troca de notas ou a troca dos instrumentos constitutivos do tratado é suficiente para sua entrada em vigor. A manifestação de consentimento definitivo em estar obrigado pelo tratado, nesses casos, ocorre sem a necessidade de ratificação, nos termos dos artigos 12 e 13 da Convenção de Viena sobre Direito dos Tratados de 1969. No Brasil, há dois requisitos para que um tratado seja celebrado por meio de Acordo Executivo: ele deve ser reversível, e deve haver cobertura orçamentária prévia. Em outras palavras, o Brasil deve poder desvincular-se igualmente por troca de notas, e 9

CACHAPUZ DE MEDEIROS, Antônio Paulo. A Constituição de 1988 e o poder de celebrar tratados. Brasília a. 45 n. 179 jul./set. 2008. P. 105.

o acordo não pode impactar o orçamento público. Os acordos executivos são tratados que fazem parte da rotina diplomática, como é o caso dos acordos que simplesmente estabelecem as bases para uma negociação futura,10 como os modus vivendi. Apesar de serem celebrados por procedimento simplificado, esses tratados têm a mesma força vinculante dos acordos bifásicos, ou de procedimento complexo, e sua violação igualmente representa ilícito internacional, que sujeita o país à responsabilidade internacional. A possibilidade de celebração de Acordos do Executivo no Brasil lança luz sobre a verdadeira exegese do artigo 49-I. O Poder Executivo é o principal responsável pelas relações exteriores do Brasil e cabe a ele celebrar tratados internacionais, nos termos do artigo 84-VIII da Constituição Federal. Quando um acordo dessa natureza afeta o orçamento público, contudo, o Poder Executivo depende da autorização do Congresso Nacional. O Brasil não pode contrair obrigação financeira internacional, ou qualquer outra que acarrete encargo ao erário senão pela vontade conjugada dos Poderes Executivo e Legislativo. Nesse sentido, o artigo 49 deve ser interpretado à luz do artigo 48 da Constituição: “Art. 48. Cabe ao Congresso Nacional, com a sanção do Presidente da República, não exigida esta para o especificado nos arts. 49, 51 e 52, dispor sobre todas as matérias de competência da União, especialmente sobre: (...) II - plano plurianual, diretrizes orçamentárias, orçamento anual, operações de crédito, dívida pública e emissões de curso forçado”

A aprovação congressual é necessária quando há impacto orçamentário com a celebração do tratado, sendo dispensada em caso contrário. É o que revela a necessária interpretação sistemática da Constituição Federal. Decisões orçamentárias dependem de um procedimento subjetivamente complexo, em que haja aprovação dos Poderes Legislativo e Executivo, concomitantemente. A denúncia de um tratado internacional obviamente não acarreta nenhum encargo ou compromisso gravoso ao patrimônio nacional. Ao se retirar de um tratado, o Brasil não contrai nenhuma obrigação orçamentária, que dependa da vontade conjugada dos dois Poderes da República. Pelo contrário, o país se desobriga do tratado. Se o Brasil pode contrair obrigação sem a anuência do Congresso Nacional, desde que não haja impacto orçamentário, com muito mais razão, pode se desobrigar sem a referida 10

REZEK, Francisco. Direito Internacional Público. São Paulo: Saraiva, 2014.

anuência. A exigência de aprovação congressual para denúncia de tratados levaria a resultados manifestamente desarrazoados, como, por exemplo, a necessidade de aprovação parlamentar para a retirada de um Acordo Executivo, para cuja celebração a manifestação parlamentar não foi necessária. Há autores,11 contudo, que entendem que todos os tratados devem ser submetidos à apreciação do Poder Legislativo. A interpretação extensiva do artigo 49-I realizada por esses autores se justificaria porque realizada, do ponto de vista sistemático, à luz do artigo 84 VIII, segundo o qual compete privativamente ao Presidente da República “celebrar tratados, convenções e atos internacionais, sujeitos a referendo do Congresso Nacional”. A parte final do inciso deixaria claro, para esses doutrinadores, a necessidade de aprovação parlamentar de todo e qualquer tratado internacional. Com a devida vênia, essa interpretação não se sustenta do ponto de vista histórico-teleológico

e

não

é

adequada

a

partir

da

perspectiva

sistemática.

Historicamente, ela não se sustenta, porque o Estado brasileiro celebra Acordos Executivos, sem a anuência do Poder Legislativo, há décadas, sem qualquer oposição a essa prática por parte do Congresso Nacional. Somente entre 1946 e 1981, foram celebrados 317 acordos dessa natureza, e, sob a égide da constituição de 1988, apenas até a 1993, foram registrados 180 acordos em forma simplificada 12 . Diante da ausência de objeção, essa prática reiterada é suficiente para constituir verdadeiro costume constitucional. Com base em interpretação teleológica, deve-se considerar a alteração da redação constitucional realizada pela Carta de 1988. O artigo 47 da Constituição de 1967, determinava, em seu inciso I, ser da competência exclusiva do Congresso Nacional “resolver definitivamente sobre os tratados celebrados pelo Presidente da República”. A ausência de qualificações passava a impressão de que todo e qualquer tratado deveria ser referendado pelo Congresso após sua assinatura, mesmo que fossem abundantes os exemplos de acordos em forma simplificada celebrados pelo Estado “Na sistemática do texto constitucional brasileiro atual, todos os atos internacionais (quaisquer que sejam) devem ser submetidos ao crivo do Congresso Nacional, uma vez que o art. 84, inc. VIII, assim dispõe”. MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Artigo 49, inciso I. In CANOTILHO, Gomes J.J; Mendes , Gilmar Ferreira; SARLET, Ingo Wolfgang; STRECK, Lenio Luiz. Comentários à Constituição do Brasil. São Paulo: Saraiva, 2013. P. 1021. 12 ALMEIDA, Paula Wojcikiewicz; PEREIRA, Maíra Fajardo Linhares. Revisitando os efeitos da assinatura de um tratado internacional: da obrigação de boa-fé à sujeição internacional do estado. Revista Direito GV, São Paulo, 9(1), pp. 171-198, jan.-jun. 2013. P. 190. 11

brasileiro. As constituições de 194613 , de 193414 e de 189115 continham fórmulas igualmente genéricas, que não especificavam quais tratados deveriam ser aprovados pelo Congresso. Vicente Marotta Rangel, referindo-se ao dispositivo da Carta de 1967, criticava sua imprecisão, que gerava incerteza no plano interno e internacional, e sugeria que as constituições dos Estados, em geral, determinassem claramente os casos em que os tratados não precisassem ser submetidos ao Poder Legislativo 16 , recomendação que foi reiterada durante a constituinte de 1987 17 . A Constituição de 1988 solucionou essa incerteza jurídica, ao especificar os tratados que devem necessariamente ser submetidos à apreciação do Congresso Nacional, deixando a celebração dos demais tratados a cargo exclusivo do Poder Executivo. Como visto, apenas os tratados que acarretem encargos ou compromissos gravosos ao patrimônio nacional devem necessariamente passar por iter subjetivamente complexo18 . Sob a égide da Constituição de 1988, portanto, a questão sobre se todos os tratados deveriam obter aprovação legislativa, que remonta ao clássico debate entre Hildebrando Accioly e Haroldo Valladão, parece superada19 . A possibilidade de celebração de Acordos Executivos não deve ser questionada. Nem todos os tratados, portanto, precisam ser submetidos à apreciação do Congresso Nacional. Aqueles que sejam inerentes à rotina diplomática, como os que se destinam simplesmente a executar ou a prorrogar a execução de um tratado em vigor, ou que apenas estabeleçam as bases “Art. 66 - É da competência exclusiva do Congresso Nacional: I - resolver definitivamente sobre os tratados e convenções celebradas com os Estados estrangeiros pelo Presidente da República”. 14 “Art 40 - É da competência exclusiva do Poder Legislativo: a) resolver definitivamente sobre tratados e convenções com as nações estrangeiras, celebrados pelo Presidente da República, inclusive os relativos à paz”. 15 “Art.34 - Compete privativamente ao Congresso Nacional: 12 resolver definitivamente sobre os tratados e convenções com as nações estrangeiras”. 16 MAROTTA RANGEL, Vicente. Os Conflitos entre o Direito Interno e os Tratados Internacionais. In Boletim da Sociedade Brasileira de Direito Internacional, Rio de Janeiro, 1967. P.96. 17 CACHAPUZ DE MEDEIROS, Antônio Paulo. A Constituição de 1988 e o poder de celebrar tratados. Brasília a. 45 n. 179 jul./set. 2008. P. 100. 18 É bem verdade que o constituinte não primou pela precisão, ao optar pela fórmula genérica “encargos ou compromissos gravosos ao patrimônio nacional”. Contudo, para os presentes fins, a redação escolhida é suficiente para se verificar que nem todos os tratados devem obter necessariamente aprovação parlamentar. 19 Em conhecido debate, o primeiro diretor do Instituto Rio Branco defendia a celebração de alguns tratados, afetos à competência exclusiva do Poder Executivo, sem aprovação Parlamentar, ao passo que Valladão entendia que todo e qualquer tratado deveria ser submetido ao Congresso Nacional. ACCIOLY, Hildebrando. A ratificação e a promulgação dos tratados em face da Constituição Federal brasileira. In Boletim da Sociedade Brasileira de Direito Internacional. Rio de Janeiro, n.º 7, jan./jun. 1948, pp. 5-11. VALLADÃO, Haroldo. Aprovação de ajustes internacionais pelo Congresso Nacional. In Boletim da Sociedade Brasileira de Direito Internacional, Rio de Janeiro, n.º 11-12, jan./dez. 1950, pp. 95-108. 13

para negociações futuras, podem ser celebrados por simples troca de notas ou notas reversais. Como tratam de assuntos de natureza administrativa, para os quais há cobertura orçamentária prévia, não dependem de anuência parlamentar para serem celebrados. Vicente Marotta Rangel, enquanto consultor jurídico do Itamaraty, já sob a égide da constituição de 1988, esclarece, em parecer de 1990, que a mera prorrogação de acordo, por exemplo, é ato da competência do Poder Executivo, que independe de aprovação parlamentar20 . A existência dos Acordos Executivos no Brasil é inquestionável, e eles contêm a mesma natureza jurídica formalmente vinculante dos demais tratados internacionais. São, nesse sentido, igualmente fontes de direito internacional e não se confundem com o memorandos de entendimento, parte do soft law.

Nesse contexto, se a aprovação

parlamentar ocorre tão somente nos casos em que a ação internacional do Poder Executivo acarreta encargo ou compromisso gravoso ao patrimônio nacional, não há que se falar em intervenção parlamentar em casos de denúncias a tratados internacionais, que não cria esse ônus orçamentário. Ainda assim, há doutrinadores que tentam sustentar tese diversa. Valério Mazzuoli, por exemplo, defende a necessidade de aprovação parlamentar anteriormente a denúncia de tratado, porque o Congresso Nacional “representa a vontade de todo o povo brasileiro” e “todo o poder emana do povo, incluindo-se nesta categoria também o poder de denunciar tratados”21 . Os argumentos do eminente internacionalista parecem fiar-se na legitimidade democrática do Congresso Nacional. Trata-se de argumentação eloquente, talvez, mas juridicamente imprecisa. Afinal, não se cogita de plebiscito para a denúncia de tratados, e o Poder Executivo é igualmente dotado de legitimidade democrática. O Presidente da República, a quem cabe denunciar tratados é, assim como os parlamentares, eleito diretamente pelo voto popular. Não há que se falar em necessidade de aprovação congressual para que se verifique a legitimidade do processo. É bem verdade que grandes juristas, como Pontes de Miranda, adotavam também interpretação conforme a constituição para entender que o equilíbrio entre os Poderes da República exigiria paralelismo entre a celebração de tratados e sua denúncia, 20

MAROTTA RANGEL, Vicente. Parecer Jurídico sobre Modificação de Acordo anterior e a necessidade ou não de aprovação parlamentar de ajuste adicional ao Acordo, de 29 de outubro de 1990. In CACHAPUZ DE MEDEIROS, Antonio Paulo. Pareceres dos Consultores Jurídicos do Itamaraty. Vol. IX. Brasília: FUNAG, 2009. 21 MAZZUOLI, Valério de Oliveira. STF, Poder Legislativo e Denúncia de Tratados Internacionais. Revista Jurídica Consulex. N. 434 (2015) p. 50-51.

com vontade conjugada do executivo e do legislativo em ambos os casos. Pontes de Miranda, contudo, escrevia sob a égide da Constituição de 1967, Carta essa que não especificava os tratados que deveriam ser submetidos à apreciação do Parlamento. Em verdade, o documento dava a entender que todos os tratados deveriam contar com aprovação congressual. A interpretação do jurista, ainda que minoritária, era muito mais razoável, portanto, no contexto da antiga Carta. Sob a égide da constituição de 1988, contudo, e estando consagrada a possibilidade de celebração de Acordos do Executivo, a tese deve ser afastada. Atualmente, não deve haver dúvida, a prática histórica é acertada: não há necessidade de aprovação parlamentar anterior à denúncia de tratados.

4. A NATUREZA JURÍDICA DOS TRATADOS INTERNACIONAIS NO DIREITO BRASILEIRO

Em voto recente na ADI 1625, a Ministra Rosa Weber afirmou que a denúncia realizada pelo Poder Executivo depende de aprovação do Poder Legislativo, uma vez que o decreto presidencial de denúncia não teria o condão de revogar o decreto legislativo de aprovação. A Ministra votou pela inconstitucionalidade formal do decreto 2.100/96, que tornou pública a denúncia da convenção 158 da OIT. Segundo ela, um decreto presidencial, enquanto ato administrativo, não poderia revogar um tratado incorporado no ordenamento jurídico brasileiro como lei ordinária. O argumento da Excelentíssima Ministra, no entanto, não se sustenta. O raciocínio adotado por ela faz parecer que tratado internacional, no Brasil, é lei ordinária. Não é o caso. Tratado internacional, no Brasil, é tratado internacional. Sua entrada em vigor se dá, portanto, nos termos da Convenção de Viena sobre Direito dos Tratados, de 1969. Mesmo que já promulgado o decreto presidencial de promulgação, o tratado não estará em vigor no Brasil se não estiver em vigor no plano internacional, conforme procedimento previsto no próprio tratado. Se o tratado for extinto no plano internacional, seja pela ocorrência de uma condição resolutiva, seja por vontade unânime das partes, seja por qualquer outra causa prevista na convenção de Viena, o tratado será igualmente extinto no plano doméstico, sem necessidade de revogação do decreto presidencial de promulgação. Da mesma forma, tratados internacionais devem

ser interpretados, no Brasil, pelos meios de interpretação previstos nos artigos 31 e 32 da referida convenção. Tratado internacional, no Brasil, não é lei ordinária: equivale a lei ordinária. Trata-se de equivalência hierárquica, adotada em função da retrógrada jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, que ainda tem o julgamento do RE 80.004, de 1977, como marco. Se tratado fosse lei ordinária, não seria aprovado por decreto legislativo. O Presidente da República seria obrigado a promulgá-lo após a aprovação parlamentar, e decorrido o prazo de 15 dias, o silêncio importaria sanção, por força do Art. 66 §3º da CF. Isso, no entanto, não acontece. Ao Presidente faculta-se a possibilidade de ratificar o tratado aprovado pelo Congresso, dentro do prazo que julgar mais conveniente, ou simplesmente de não dar continuidade ao processo de celebração. Se tratado internacional fosse lei ordinária, não deixaria de valer no Brasil após sua extinção no plano internacional. Se fosse lei ordinária, o tratado entraria em vigor logo após a promulgação por decreto executivo, mesmo que não estivesse em vigor no plano internacional, o que também não acontece.

Se fosse lei ordinária, eventuais

reservas formuladas pelo Presidente da República, quando da ratificação, seriam equivalentes a vetos presidenciais, que poderiam ser derrubados pelo Congresso, o que tampouco é o caso. Além disso, se tratado internacional fosse lei ordinária, o Congresso Nacional poderia emendar o texto do tratado, o que também não acontece. Tratado internacional, no Brasil, não é lei ordinária; é tratado internacional. Como tal, é passível de retirada por meio de denúncia, que faz com que deixe de viger para o país. Lei ordinária posterior não pode revogar tratado internacional. Apesar da jurisprudência desatualizada adotada pelos tribunais brasileiros no que concerne à hierarquia de convenções internacionais, uma lei incompatível com tratado anterior simplesmente suspende sua aplicação; não o revoga. Ele continuará a obrigar o país, que, se desrespeitá-lo, deverá ser responsabilizado internacionalmente. Os tratados, no Brasil, apenas possuem hierarquia normativa equivalente à de lei ordinária. Não há que se falar, portanto, em decreto executivo revogando lei. Não é o caso. Trata-se de simples publicidade interna dada ao ato internacional que denunciou o tratado, única forma legítima de se desvincular unilateralmente de um acordo internacional.

Realmente,

como

reconhece

o

Supremo

Tribunal Federal,

um decreto

presidencial não tem o condão de revogar o decreto legislativo de aprovação do tratado. Isso não significa, contudo, que a denúncia de tratados dependa de nova anuência legislativa. Significa, diferentemente, que a autorização do Congresso para que o Brasil se vincule ao tratado continua em vigor. Pelo princípio da simetria das formas, o decreto de denúncia revoga simplesmente o decreto de promulgação. É justamente por isso que o Poder Executivo pode, posteriormente, se julgar conveniente, aderir novamente ao tratado. Com efeito, o decreto legislativo de aprovação não é afetado. Ocorre que, como visto, não se trata de uma lei ordinária, mas de uma autorização parlamentar para que o Brasil seja parte no tratado, conforme juízo posterior do Poder Executivo. O fato de a denúncia de um tratado não depender de aprovação parlamentar prévia não significa que o Congresso Nacional não tenha nenhuma participação no processo de terminação de tratados. Em verdade, o Poder Legislativo pode tomar a iniciativa de pôr fim à aplicação de tratado, ainda que por meios heterodoxos. De acordo com Márcio Garcia, a “crônica parlamentar” registra episódios relacionados a duas formas de terminação de tratados por iniciativa do Poder Legislativo: os de “desfazimento” do decreto legislativo de aprovação do tratado e os de adoção de lei posterior incompatível com o acordo internacional22 . No primeiro caso, o Parlamento, também por decreto legislativo, revoga seu ato de aprovação do tratado, o que deixaria sem efeitos o decreto presidencial de promulgação, uma vez que este compõe ato administrativamente complexo. No segundo caso, uma lei adotada posteriormente à promulgação do tratado, que seja com ele incompatível, suspende sua eficácia no direito brasileiro, uma vez que ambas as normas encontram-se me mesmo patamar hierárquico. É verdade que, em nenhum dos dois casos o tratado é revogado. Ele continua a vigorar para o Brasil, e o país continua sujeito a ser responsabilizado internacionalmente caso o viole. No plano interno, contudo, o documento deixará de produzir efeitos. Em uma situação como essa, em que o tratado vigora internacionalmente para o Brasil, mas não internamente, a conduta mais adequada do Poder Executivo seria a de denunciar o tratado, de modo a preservar o país de eventual responsabilização. Não faz sentido que essa denúncia dependa de aprovação parlamentar.

22

GARCIA, Márcio, P.P. Terminação de Tratados no Brasil por iniciativa do Poder Legislativo. In Revista de Direito UPIS. Brasília: UPIS, 2011. P. 113.

Dessa forma, os Poderes Executivo e Legislativo podem, cada qual dentro de suas competências, tomar a iniciativa de deixar sem efeitos um tratado internacional no ordenamento jurídico brasileiro. No caso específico da denúncia, a competência para realiza-la recai sobre o Poder Executivo, sem a necessidade de qualquer autorização, prévia ou ad referendum, do Congresso Nacional. 5. O

CASO

DOS

TRATADOS

INTERNACIONAIS

DE

DIREITOS

HUMANOS

Tratados de Direitos Humanos regulam matéria constitucional: os direitos e garantias fundamentais. São, portanto, materialmente constitucionais. O Art. 5º §2º deixa claro que esses tratados compõem o bloco de constitucionalidade do direito brasileiro.

A

jurisprudência

brasileira,

contudo,

nega-lhes

hierarquia

normativa

compatível com sua matéria, entendendo que, enquanto regra, são supralegais, mas infraconstitucionais23 . Os tratados dessa natureza que contudo forem aprovados mediante procedimento análogo ao de aprovação de emendas constitucionais serão a equivalentes a elas. Mais uma vez, trata-se de equivalência hierárquica. Esses tratados não são emendas constitucionais; equivalem a emendas constitucionais. Não são promulgados pelas mesas da Câmara e do Senado, como as referidas emendas; são, como qualquer outro tratado, promulgados por decreto presidencial. Também podem, como qualquer outro tratado, ser extintos, anulados ou denunciados. Muitos autores propõem, a nível de lege ferenda, que esses tratados não possam ser denunciados, ou que sejam denunciados apenas mediante aprovação parlamentar prévia. Efetivamente, algumas propostas dessa natureza foram realizadas ao longo dos trabalhos

da

Assembleia

Nacional

Constituinte,

mas,

infelizmente,

não

foram

aprovados24 . Nenhum dispositivo foi adotado nesse sentido, e essas propostas, atualmente, por mais bem intencionadas que sejam, não são lege lata. Constituem bemvindas propostas acadêmicas a serem levadas em consideração pelo constituinte derivado. No que concerne aos tratados equiparados a emendas constitucionais, alguns eminentes internacionalistas entendem que eles são formalmente constitucionais, e, Entendimento consolidado no RE 466.343 –SP, julgado em 2008. CACHAPUZ DE MEDEIROS, Antônio Paulo. A Constituição de 1988 e o poder de celebrar tratados. Brasília a. 45 n. 179 jul./set. 2008. 23 24

portanto, constituem cláusulas pétreas. Não poderiam, portanto, ser suprimidos por emendas constitucionais, nos termos do art. 60 §4º da Constituição Federal. Por interpretação extensiva do dispositivo, entendem esses autores que não se poderia denunciar esse tipo de tratado25 . Esse entendimento, contudo, deve ser analisado com cautela. Do ponto de vista internacional, não há proibição geral de denúncia a tratados de direitos humanos, e muitos contêm cláusulas de retirada 26 . Do ponto de vista do direito doméstico, a referida tese é de difícil conciliação com o fato de que os tratados de direitos humanos podem ser extintos por causas diversas, como a vontade unânime das partes ou a realização de uma condição resolutiva de vigência 27 . Também podem ser anulados, caso se verifique, por exemplo, um vício na manifestação de consentimento por parte do Estado. Diante de sua extinção ou anulação, o tratado perde vigência como um todo, no plano internacional e no plano doméstico. Mesmo os autores que defendem a tese supracitada reconhecem a possibilidade de denúncia da maior parte dos tratados de direitos humanos 28 . Apenas aqueles aprovados nos termos do art. 5º §3º não seriam suscetíveis de denúncia. Essa tese, contudo, baseia-se em confusa distinção entre tratados com “status constitucional” e tratados “equivalentes a emendas constitucionais”29 . A distinção não convence. Se tratados materialmente constitucionais podem ser denunciados, tratados com hierarquia constitucional também o podem. Não é a hierarquia normativa do acordo internacional que determina sua possibilidade de denúncia. Como visto, tratados aprovados nos termos

25

do

art.5º

§3º

não

são

emendas

constitucionais,

apenas

equivalem

PIOVESAN, Flávia. Direitos Humanos e o Direito Constitucional Internacional. São Paulo: Max Limonad, 1997. MAZZUOLI, Valério de Oliveira. O novo §3º do art. 5º da Constituição e sua eficácia. Revista Forense, Rio de Janeiro, v. 378, p. 107-111, mar./abr., 2005. P. 106. PRONER, Carol. Os direitos humanos e seus paradoxos: análise do sistema interamericano de proteção. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris Editor, 2002, p. 157. 26 Por exemplo, a Convenção de Nova Iorque sobre os direitos das pessoas com deficiência, que, no Brasil, equivale a emenda constitucional determina: “Art. 48 Qualquer Estado Parte poderá denunciar a presente Convenção mediante notificação por escrito ao Secretário -Geral das Nações Unidas. A denúncia tornar-se-á efetiva um ano após a data de recebimento da notificação pelo Secretário-Geral”. 27 A Convenção sobre os Direitos Políticos da Mulher, de 1953, por exemplo, determina: “Art.8(2) A presente Convenção cessará de vigorar a partir da data em que se tenha tornado efetiva a denúncia que reduz a menos de seis os Estados Contratantes”. 28 Para Flávia Piovesan, “Enquanto os tratados materialmente constitucionais podem ser suscetíveis de denúncia, os tratados material e formalmente constitucionais, por sua vez, não podem ser denunciados”. PIOVESAN, Flávia. Direitos Humanos e o Direito Constitucional Internacional. São Paulo: Max Limonad, 1997. 29 MAZZUOLI, Valério de Oliveira. O novo §3º do art. 5º da Constituição e sua eficácia. Revista Forense, Rio de Janeiro, v. 378, p. 107-111, mar./abr., 2005. P. 106.

hierarquicamente a elas. Esses tratados, como quaisquer outros, podem ser anulados, extintos e denunciados.

CONCLUSÃO

A denúncia de tratados é ato internacional que cabe ao Poder Executivo realizar. A ausência de necessidade de aprovação parlamentar para tanto, seja prévio, seja a posteriori, é costume internacional que deve ser reconhecido. O trâmite congressual para a aprovação de tratados é lento, e não raro dura décadas. É necessário, contudo, quando a entrada em vigor do acordo internacional acarreta encargos ou compromissos gravosos ao patrimônio nacional. Não é cabível, contudo, quando a conduta do Poder Executivo tem o condão de apenas desvincular o país de obrigações internacionais. Entendimento diverso levaria a resultados manifestamente desarrazoados, como seria o caso da necessidade de aprovação parlamentar para a retirada de Acordo Executivo, para cuja celebração não foi necessária a anuência congressual. Ainda, o Brasil

poderia

encontrar-se

agrilhoado

a

situação

de

permanente

insolvência

internacional, sujeito à sanções contínuas, como ocorreria se um tratado tivesse sua aplicação suspensa por lei ordinária, e o país dependesse da lenta aprovação parlamentar, para se desvincular internacionalmente do compromisso. Espera-se que o Supremo Tribunal Federal julgue a ADI 1.625 de modo a não sujeitar o Brasil a sanções internacionais por descumprimento de obrigações, devido a dificuldades para se desvincular de compromissos contraídos. Não cabe ao Poder Legislativo aprovar a denúncia de tratados. O Poder Executivo é o responsável por depositar internacionalmente os instrumentos de denúncia e por dar publicidade interna a eles por meio de decreto.

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