Dependerá a inércia de um corpo do seu conteúdo de energia? Ou E = mc^2?

July 25, 2017 | Autor: Alexandre C. Tort | Categoria: Ensino Médio, Ensino de Física, Ensino De Física Moderna
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Dependerá a inércia de um corpo do seu conteúdo de energia? Ou E = mc2 ? A C Tort∗

30 de março de 2015 Nesta breve nota reproduzimos a dedução da mais famosa das relações da Relatividade Restrita, a relação entre a energia de um corpo e sua massa inercial. A relação entre a energia e a massa de partículas carregadas já tinha sido estudada anteriormente por vários teóricos no contexto da eletrodinâmica. Os resultados dependem de algumas hipóteses sobre a estrutura da partícula e não concordam necessariamnte entre si. Um resumo desses resultados pode ser encontrado em [1]. O resultado obtido por Einstein é obtido de forma simples e não depende de um modelo para a partícula e sua interação com o éter luminífero. Aqui reproduzimos a abordagem original de Albert Einstein, porém, algumas simplificações foram feitas, a saber: (a) pequenas modificações na notação para adaptála ao uso moderno; (b) fótons no lugar de ondas planas; (c) tratamento unidimensional. Essas simplificações não afetam o conteúdo essencial e as conclusões do original.

Figura 1: No referencial em que o corpo está em repouso antes e depois do decaimento, os dois fótons têm a mesma frequência e viajam em sentidos opostos. No referencial em que inicialmente o corpo tem velocidade constante −v, por causa do efeito Doppler, os dois fótons produzidos no decaimento e observados no sistema O 0 x 0 y 0 têm frequências diferentes embora continuem a viajar em sentidos opostos. (Débora M. Tort desenhou a ilustração acima.) Considere um corpo isolado de massa (inercial) m em repouso com relação a um referencial inercial Oxy. Em um dado instante, o corpo emite dois fótons que por conservação do momento linear devem mover-se em direções opostas ao longo do eixo Ox, enquanto o corpo permanece em repouso. Suponha também que no instante ∗ email:

[email protected]

1

2

Notas de Aula. AC TORT 2014

da emissão, um referencial inercial O 0 x 0 y 0 que se move com velocidade constante v = v x ˆ coincida com o referencial Oxy. O princípio da conservação da energia nos permite escrever E0 = E1 + 2hν,

(1)

onde E0 é a energia do corpo antes da emissão dos fótons, E1 é a sua energia após a emissão e ν é a frequência dos fótons emitidos.. O corpo permanece em repouso mesmo após a emissão dos fótons, pois caso contrário o princípio da conservação do momento linear seria violado. No referencial O 0 x 0 y 0 , o mesmo processo também deve obedecer ao princípio da conservação da energia (e do momentum linear!), logo E00 = E10 + hν 0 + hν 00 ,

(2)

onde agora devemos tomar o cuidado de diferenciar o fóton que se afasta (deslocamento para o vermelho) do observador solidário com o referencial em movimento do fóton que se aproxima deste (deslocamento para o azul), em outras palavras, devemos levar em conta o efeito Doppler relativístico! As fórmulas que necessitamos foram obtidas por Einstein no artigo fundamental de 19051 e no nosso caso (movimento unidimensional) se lêem s p 2 1 − β 1−β =ν . (redshift!), (3) ν0 = ν 1+β 1+β e p 00

ν =ν

1 − β2 =ν 1−β

s

1+β . 1−β

(blueshift!),

onde β = v/c. Substituindo as eqs. (3) e (4) na eq. (2) obtemos p p 1 − β2 1 − β2 0 0 E0 = E1 + hν + hν . 1+β 1−β

(4)

(5)

Simplificando obtemos E00 = E10 + 2γhν,

(6)

onde γ := p

1 1 − β2

.

(7)

As equações (1) e (6) são as equações relevantes aos nossos propósitos. Subtraindo (1) de (6) obtemos E00 − E0 = E10 + 2γhν − E1 − 2hν,

(8)

E00 − E0 − (E10 − E1 ) = 2hν (γ − 1) .

(9)

ou ainda E00

A diferença entre − E0 refere-se a um mesmo corpo. O valor E0 é medido no referencial em que o corpo está em repouso e o valor E00 no referencial em que o corpo está em movimento. A diferença deve ser igual à energia cinética inicial do corpo medida no referencial O 0 x 0 y 0 , isto é: E0 − E10 = K0 + C.

(10)

Da mesma forma, E00 é medido no referencial em que o corpo está em repouso, o refrencial Oxy, e o valor E10 no referencial em que o corpo está em movimento, O 0 x 0 y 0 . Portanto, E00 − E1 = K1 + C

(11)

K0 − K1 = 2hν (γ − 1)

(12)

Segue que 1 A.

Einstein

3

Notas de Aula. AC TORT 2014

Expandindo γ em potências de β γ=p

1 1 − β2

≈ 1 + β 2 + O(β 4 ).

(13)

Mantendo apenas os termos até ordem β 2 e lembrando que β = v/c, 1 2hν 2 v . (14) 2 c2 Como v é o módulo da velocidade do corpo emissor (−v) em relação ao observador (em repouso) no referencial O 0 x 0 y 0 , escrevemos K0 − K1 ≈

K0 − K1 ≈

1 ∆m v 2 . 2

(15)

onde fizemos a substituição 2hν → ∆m. (16) c2 A quantidade ∆m é interpretada como a variação da massa inercial do corpo que emitiu os dois fótons, e a quantidade ∆mc2 como a variação do seu conteúdo de energia. Naturalmente, esta interpretação está sujeita a uma confirmação experimental. Einstein ao final do artigo original sugere que este resultado é geral (mantidas as condições externas) e que se estude experimentalmente os sais de rádio. Eis o texto original [3], Não está excluída a possibilidade de se testar esta teoria utilizando-se corpos cujos contúdo de energia seja bastante variável (por exemplo, sais de rádio). Se a teoria estiver de acordo com os fatos, então, a radiação transporta inércia entre os corpos que a emitem e a absorvem. A demostração de Einstein da relação massa- energia é incompleta! A razão é a seguinte: ao fazer a aproximação não-relativística, Einstein supôs implicitamente que a energia interna do corpo (extenso) era também não-relativística. O resultado de Einstein vale apenas para um corpo (extenso) que tem uma velocidade de translação v  c, e velocidades internas também não-relativísticas. A primeira comprovação experimental da relação ∆K = ∆mc2 se deve a John Cockcroft e Ernest Walton em 1932. Estes dois físicos experimentais estudaram a reação nuclear 7 3 Li

+ 11 H → 2 42 He

A energia medida das duas partículas α, isto é, do núcleo de hélio, é de 17, 3 MeV. A soma das massas das partículas reagentes é 8, 02634 u.m.a. e a massa dos produtos vale 8, 0077 u.m.a. Calculando ∆m, multiplicando o resultado por c2 e convertendo-o em elétron-volts (eV) obtemos ∆mc2 ≈ 17, 3 MeV. Desde então esta relação tem sido comprovada experimentalmente pela análise dos resultados experimentais de inúmeras reações e interações entre partículas fundamentais. Ela está na base do nosso entendimento sobre a geração de energia no núcleo das estrelas.

Referências [1] R. de A. Martins A dinâmica relativística antes de Einstein, Revista Brasileira de Ensino de Físiva Vo. 27 no.1 11-26 (2005). [2] A. Einstein, Annalen der Physik 17 (1905) pg. 891. Veja também a tradução para o português em A ano miraculoso de Einstein: Cinco artigos que mudaram a face da física, organizado e introduzido por John Stachel. Traduzido por Alexandre Tort. Editora UFRJ 2001, artigo 3. [3] A. Einstein, Annalen der Physik 18 (1905) pg. 639-641. Veja também a tradução para o português em A ano miraculoso de Einstein: Cinco artigos que mudaram a face da física, organizado e introduzido por John Stachel. Traduzido por Alexandre Tort. Editora UFRJ (2001), artigo 4.

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