Depois do Milagre

July 26, 2017 | Autor: Glaucio Soares | Categoria: Ciencia Politica, Brasil, Ditadura Militar
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GLAUCIO ARY DILLON SOARES

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Depois do Milagre

SEPARATA DA REVISTA DADOS, N.• 19, 1978, PÁGINAS 3 A 26

Depois do Milagre (*) Gláucio Ary Dillon Soares

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Continuidade ou Mudança?

Os analistas e os comentadores da política brasileira contemporânea podem ser classificados numa de duas categorias: os que enfatizam as diferenças entre o regime militar pós-1964 e o anterior e os que enfatizam as semelhanças e continuidades entre eles. Os que acentuam as políticas econômicas tendem a perceber uma forte continuidade, argumentando que o curso dos eventos, ao menos até o início da década de 1970 foi grandemente influenciado pela política de substituição de importações de bens de consumo duráveis estabelecida durante as décadas de quarenta e cinqüenta (Homem de Mello, 1978: 2). Por sua vez, os que criticam as medidas sociais e políticas adotadas pelo regime tendem a enfatizar as diferenças, embora alguns vejam diferenças importantes entre as várias administrações militares (Castello Branco, 1976). Luciano Martins .é um exemplo daque·

les que acentuam as diferenças: ele tem dois modelos opostos para descrever as políticas brasileiras, Alpha e Omega. O modelo Alpha era abrangente, na medida em que incluía uma percentagem maior da população entre os beneficiários do crescimento; era democrático, no sentido de uma distribuição mais igualitária de poder através das eleições e era autônomo, no sentido de tornar o Brasil cada vez menos sensível às pressões internacionais, de orientar a economia do país para o mercado interno, de dar importância à propriedade nacional dos meios de produção. O modelo pós-64, Omega, era exatamente o contrário: excluía o povo dos benefícios do crescimento, era autocrático, era dependente de outros países, de governos estrangeiros e de multinacionais (Martins, 1968:18-21). Obviamente, aqueles que são ou fize. ram parte do regime tendem a acentuar as diferenças positivas (por exemplo, Simon· sen, 1969; Simonsen, 1972). Para Lo-

( *) Artigo escrito para o Simpósio sobre Mudança Sócio-Econômica no Brasil, Madison ,. Universidade

de Wisconsin, de 10 a 13 de maio de 1978. Partes da seção IV foram extraídas de Gláucio Ary Dillon Soares, "Military Au thoritarianism in Brazil; before, during ... and after? ", artigo inédito apresentado no Seminário sobre Problemas de Democracia, Autoritarismo e Desenvolvimento em Assuntos Hemisféricos, Nova Iorque: Centro para as Relações Inter-Americanas, 1976. A tradução é de Patrick Burglin.

nzdos, Rio de Janeiro, n. 19, p. 3 a 26, 1978

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renzo-Fernandes (1976), o Programa de Ação Econômica do Governo (PAEG) de Castello Branco foi crucial e estabeleceu os fundamentos econômicos do novo regime. Nessa perspectiva, as políticas econômicas implementadas desde então foram muito mais desenvolvimentos das linhas mestras do PAEG do que políticas inovadoras em si. Rosenbaum e Tyler (1972:13) formularam de maneira clara o argumento principal dos que percebem uma continuidade na política econômica entre os regimes pré e pós-1964: "Não houve mudanças básicas nos fundamentos estruturais da economia. Em agudo contraste com a mudança radical no sistema po'lítico, o que se fez com relação à economia se resume à manipula·ç ão do sistema atual mais do que uma re-estruturação drástica das instituições." Rosenbaum e Tyler (1972:21) também observaram que as políticas econômicas não foram planejadas pelos militares, mas por tecnocratas, muitos dos quais ocuparam cargos importantes nos governos pré-64.-Implícita nesta observação encontra-se a crença de que a continuidade de homens leva à continuidade de políticas. Rosenbauni e Tyler situam-se entre os muitos economistas que concebem as políticas econômicas pós-64 como simplesmente "mais do mesmo" . Mesmo entre aqueles que percebem uma ruptura entre os dois períodos, alguns, como Fishlow (1973), argumentam que as mesmas medidas já tinham sido aplicadas, tentadas ou sugeridas antes. Entretanto, o argumento mais comum, subjacente à idéia da continuidade, não é o de que não houve modificações nas políticas, mas que os fundamentos da economia foram estabelecidos anteriormente, através das políticas de substituição de importações, reduzindo assim a

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margem de liberdade das pol lticas subseqüentes. Qualquer que seja sua posição. con· tudo, esses autores compartilham uma suposição básica: as políticas são relevantes. O Estado brasileiro não é liberal: ele é um Estado poderoso que intervém na economia. Suas políticas têm, portanto, grande peso.

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O Hstac/o Ubfq110 i\trihuir ao Estudo hrasikiro uma posiç!Io privilegiada na análise crnnômica, social e pol ít lca nflo ~ uma escolha teórica arbitrária: o Estado hrnsllciro te m reforçado se u poder pol fl 1co l' cco110111ico nas últimas décadas e, cm cn mp11111çno com os de outros países latino americanos, ele é um Estado muito forte. O número de leis, dec1cto~ e lodo tipo de regulamentações é imprcss1011nn te. Só o governo de Castello Bran co ptomulgou 319 atos e decretos, uma média de vinte por mês; o governo de Costa e Silva promulgou 489, uma média de dezesseis por mês (dos Santos, 1974: 135-6). Cerca de 3.6% desses atos do ~xecutivo regulamen-· tavam, de uma forma ou de outra, atividades econômicas. Esses dados referem-se apenas a decretos do ·.Executivo (decretosle1): eles não inci ucm a legislação regular aprovada pelo Congresso, nem os milhares de regulamentações de nível inferior, tais como portarias e instruções. Assim, a economia brasileira é tudo menos liberal: ela é regulamentada em detalhe. A tributação no Brasil é pesada, dada a renda per capita do país. Este não é um fenômeno recente: Lotz e Morss ( 1967) utilizando uma análise de rcgress!Io e dados de, aproximadamente, 1960, mostram que a razão Impostos brasileiros/PNB é 50% mais elevada do que a esperada dado o padrão prevalecente entre países subdesenvolvidos. O governo brasileiro emprega subsídios



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diretos, empréstimos a taxas negativas de juros (dada a taxa de inflação), e outros incentivos para as atividades econômicas que deseja estimltlar. Os subsídios diretos desempenham um papel importante na · política· brasileira de exportação: Tyler (1976b) calcula que os preços de exportação são 16,8% inferiores aos do mercado doméstico, graças somente aos subsídios. A proteção, particularmente a proteção tarifária aos manufaturados, tem sido extensamente estudada (Bergsman, 1972; Berg!:man e Malan, 1970; Tyler, 1976a e 1976b), permitindo a conclusão de que o nível global de proteção no Brasil é elevado em comparação com outros países em desenvolvimento. A magnitude da proteção, no entanto, pode ser facilmente superestimada se não se der atenção às isenções tarifárias. De acordo com Tyler (1976b: 870-1), "em 1972 os impostos de importação devidos alcançavam 27,7% do valor das importações, mas apenas 9,5% foi efetivamente pago; as isenções de impostos de importação foram quase o dobro dos impostos recolhidos". Outrossim, a proteção é desigual: em 1973, a proteção efetiva foi estimada em cerca de 293% para vestuário e aproximadamente 17% para produtos farmacêuticos (Tyler, 1976b: 870). Assim, o Estado não oferece um nível de proteção igualitário para as diferentes indústrias: ele favorece algumas mais do que outras. O Estado forte é também arbitrário.

Empresas Públicas De acordo com um estudo de 5.256 empresas, as empresas públicas possuíam 46% dos ativos líquidos. 1 O Estado tem o controle total de bancos de desenvolvimento, Caixas Econômicas, estradas de ferro, companhias de dese~volvimento; cerca de 75 % dos ativos de empresas de gás, água e esgotos, correios, telégrafos e telefones, a.dministração portuária, ener-

gia elétrica (produção e distribuição), petróleo {refinamento e distribuição incluídos) e armaz.enagem e estocagem (Pairo, 1975). Ao se considerar apenas as 100 ma.fores (e, portanto, as mais poderosas) empresas, a participação das empresas públicas em seu ativo líquido total correspondia a 75% em 1974, cerca de 15% a mais do que em 1968 (Mendonça de Barros e Graham, 1977). Em 1977, vinte e duas das vinte e cinco maiores empresas operando no país eram públicas! O desempenho econômico das empresas públicas brasileiras tem sido geralmente excelente: o aumento do valor real adicionado entre 1966 e 1975 pelas empresas públicas excedeu de longe o crescimento do PNB e o do setor manufatureiro. Os números- índice (1966 = 100) seriam 213 para o PNB brasileiro; 25 7 para a manufatura e 371 para as empresas públicas (Treblat, 1977). As empresas públicas brasileiras não são redistributivas, orientadas para o trabalhador, nem de espírito socialista. A produtividade média por trabalhador nas empresas públicas aumentou de 131% entre 1966 e 1975, mas os salários reais médios aumentáram apenas em 92% (Treblat, 1977: 9). A participação do setor público no total de formação de capital já está em torno de dois terços, quase 50% a mais do que no início da década de sessenta. As empresas públicas desempenham um papel importante nessa área. O aumento da par-ticipação das empresas públicas na formação de capital, ativos líqwdos ou vendas, etc. não esgota sua importância na economia brasileira: o fato de importantes conglomerados públicos terem sido criados (Eletrobrás, Siderbrás, Telebrás, etc.) é relevante. A diversificação de várias companhias públicas que criaram subsidiárias é importante, tal como a crescente propensão das empresas públicas a participarem em empreendimentos conjuntos (joint ventur
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