Desacordo, especialistas e sabedoria

May 28, 2017 | Autor: Leonardo Ruivo | Categoria: Epistemology, Wisdom, Social Epistemology, Epistemologia, Sabedoria, Epistemologia Social
Share Embed


Descrição do Produto

Desacordo, especialistas e sabedoria: notas para a mesa redonda “reconsiderando a sabedoria coletiva” José Leonardo Ruivo Objetivo: apresentar dois problemas desenvolvidos por Sarah McGrath (Moral Disagreement and Moral Expertise) de como o desacordo mina a noção de expertise. Justificativa: Tais problemas são importantes para teorias que tem expertise como condição necessária para sabedoria.

I O primeiro problema formulado por McGrath diz respeito a crenças morais. Ela inicia com algumas considerações: 1. Uma crença P que é negada por um par epistêmico é CONTROVERSA 2. Uma crença P pode ser controversa sem ser CONTROVERSA: por exemplo, quando S crê que quem nega a crença P não é seu par epistêmico 3. Um par epistêmico é uma pessoa da qual S não tem qualquer razão para imaginar que ela pode estar errada tanto quanto S está. 4. Se uma crença P é CONTROVERSA, então S não pode saber que P.



Dadas tais considerações McGrath formula o seguinte argumento: Ceticismo Moral (p.91) P1. Nossas crenças morais controversas são CONTROVERSAS P2. Crenças CONTROVERSAS não resultam em conhecimento C. Logo, nossas crenças morais controversas não resultam em conhecimento. P1 estabelece a natureza problemática das crenças morais. P2 se segue da noção de CONTROVÉRSIA adotada. E a conclusão estabelece um ceticismo localizado sobre crenças morais. A premissa que precisa de defesa é P1. Em primeiro lugar é certo que as crenças morais são controversas, em sentido lato. Afinal há imenso desacordo sobre questões como a permissibilidade da pena de morte, da moralidade do aborto, da obrigação moral para com os necessitados etc. O campo da ética aplicada parece ser o campo da controvérsia. Mas o que estabelece crenças morais como controversas em um sentido estrito? O fato de que há um desacordo genuíno com um par epistêmico. Digamos que Carolina e Rafael entram em desacordo sobre a moralidade do aborto. Se eles são pares epistêmicos, ainda que um deles tenha conhecimento sobre a questão, uma vez que não possuem qualquer razão para imaginar que o outro esteja errado, ambos precisam

suspender a crença sobre risco de irracionalidade. Uma vez que crença é condição necessária para o conhecimento, logo ambos não podem ganhar conhecimento sobre a matéria. Agora suponha que Carolina e Rafael, enquanto sujeitos epistêmicos virtuosos buscam os especialistas morais. Supondo que existam especialistas morais, ou os especialistas morais concordam sobre o assunto e, portanto, Carolina e Rafael possuem uma razão independente para crer ou descrer, ou então os especialistas morais discordam sobre o assunto. É um fato de que não há consenso entre especialistas morais sobre a moralidade do aborto (assim como outras questões morais). Isso nos faz concluir que, se, na primeira situação (o desacordo entre Carolina e Rafael) a crença era controversa em sentido lato, no caso do desacordo entre os especialistas vemos que a crença em questão é CONTROVERSA. Embora o argumento de McGrath seja aplicado a crenças morais podemos ver que ele pode ser generalizado para qualquer casos onde dois especialistas que são pares entram em desacordo sobre determinado assunto D. Uma vez que eles são pares eles não possuem qualquer razão para imaginar que o outro esteja errado. Como sustentam crenças contraditórias ambos devem suspender o juízo sobre D, já que seria irracional simplesmente manter a crença sem qualquer razão suplementar para quebrar a paridade. Tal desacordo entre especialistas gera uma consequência direta que afeta a existência de especialistas. Considere que, de acordo com Goldman (2001, 2016), um especialista no domínio D possui ou extenso conhecimento sobre D (2001)1 ou um número de crenças verdadeiras sobre D é substancial (2016)2. Logo se as crenças em um domínio D são CONTROVERSAS, então não é possível que alguém possua extenso conhecimento ou uma quantidade substancial de crenças verdadeiras. Assim, se o argumento força a suspensão da crença então fica claro que a existência de especialistas sobre D fica comprometida. II O segundo problema que McGrath levanta é de que o desacordo generalizado entre especialistas em D ataca a possibilidade de identificar especialistas. Ela diz: “em geral, identificar aqueles com expertise genuína em algum domínio pode ser feito de modo direto através de uma ​confirmação independente [independent check], que não seja afetada pela controvérsia em questão, e que possa dizer quem está (e quem não está) correto (…). Mas, particularmente, nós não possuímos (…) confirmação independente para especialidade moral” (p. 97)

1

...an expert...in domain D is someone who possesses an extensive fund of knowledge (true belief) and a set of skills or methods for apt and successful deployment of this knowledge to new questions in the domain” (Goldman 2001, p. 92). 2 [TL2] S is an expert about domain D if and only if (A) S has more true beliefs (or high credences) in propositions concerning D than most people do, and fewer false beliefs; and (B) the absolute number of true beliefs S has about propositions in D is very substantial.

Generalizando o problema, em domínios onde há desacordo generalizado as questões envolvidas são CONTROVERSAS assim como é a crença de quem é e quem não é especialista. Desse modo, mesmo que existam especialistas em áreas CONTROVERSAS nós não podemos confiar neles porque não conseguimos identificá-los. III Meu objetivo aqui foi o de mostrar duas consequências do desacordo entre pares. Relativo a determinados assuntos o desacordo entre pares mina a possibilidade de que especialistas existam ou então, ainda que eles existam, o desacordo pode minar a capacidade de identificá-los. Tais problemas, de modo indireto, são um entrave para qualquer teoria que tenha expertise como condição necessária para sabedoria. Como vimos no caso da moralidade do aborto, o desacordo persistente mina a existência de especialistas morais. Se para ser sábio é necessário ser especialista moral (o que quer que isso seja), então não há como alguém ser um sábio moral. E, mesmo que existam especialistas morais, e portanto sábios acerca da moralidade, ainda assim não seria possível identificá-los, uma vez que a CONTROVÉRSIA mina a capacidade de identificar quem está em erro e quem não está. Creio que é claro que áreas CONTROVERSAS como religião, política e filosofia, para citar três, seria impossível atingir a sabedoria ou identificar sujeitos sábios, considerando teorias que defendem a necessidade de expertise para sabedoria.

REFERÊNCIAS McGrath, Sarah. 2008. “Moral Disagreement and Moral Expertise,” in Russ Shafer-Landau (ed.), ​Oxford Studies in Metaethics 3: 87-107. Goldman, Alvin. 2001.“Experts: Which Ones Should You Trust.” ​Philosophy and Phenomenological Research 63: 85-110. _____. 2016. “Expertise”. ​Topoi 1-8

Lihat lebih banyak...

Comentários

Copyright © 2017 DADOSPDF Inc.