Desafios da Arqueologia: depoimentos

July 8, 2017 | Autor: P. Funari | Categoria: Archaeology, Arqueología, Arqueologia
Share Embed


Descrição do Produto

DESAFIOS DA ARQUEOLOGIA depoimentos

Organizadores

Lourdes Domínguez Pedro Paulo A Funari Aline Vieira de Carvalho Gabriella Barbosa Rodrigues

Erechim - RS 2009

Todos os direitos reservados pela Habilis. Proibida a reprodução total ou parcial, de qualquer forma e por qualquer meio mecânico ou eletrônico, inclusive através de fotocópias e de gravações, sem a expressa permissão dos autores.

Editoração: Darcy Rudimar Varella Capa: Christian Sergi Aparecido da Silva Revisão Técnica: Luciano C. G. Pinto

D441

Desafios da arqueologia : depoimentos / organização Pedro Paulo A. Funari ...[et al.] ; revisão Luciano C. G. Pinto. – Erechim, RS : Habilis, 2009. 240 p. ISBN 978-85-60967-28-5 Organização: Lourdes Dominguez, Aline Vieira de Carvalho, Gabriella Barbosa Rodrigues. 1.Arqueologia pública 2. Depoimentos – arqueólogos 3. Arqueólogos pioneiros I. Funari, Pedro Paulo A. II. Pinto, L uciano C. G. C.D.U.: 902 Catalogação na fonte: bibliotecária Sandra Milbrath CRB 10/1278

www.habiliseditora.com.br

IMPRESSO NO BRASIL PRINTED IN BRAZIL

SUMÁRIO A experiência arqueológica ...........................................

5

Pioneiros da Arqueologia Latino-Americana ..............

9

André Prous .............................................................. Eduard Alexandrenkov ............................................. Igor Chmyz ............................................................... Lourdes Domínguez ................................................. Maria Beltrão............................................................ Pedro Ignácio Schmitz.............................................. Robert L. Carneiro....................................................

11 34 37 46 49 60 71

Mulheres arqueólogas ....................................................

77

Maria Dulce Gaspar.................................................. Denise Pahl Schaan .................................................. Solange Nunes de Oliveira Schiavetto ..................... Dione Bandeira ......................................................... Diana I. López Sotomayor........................................ Glenis Tavarez María ............................................... Martha Cecilia Cano-Echeverri ................................ Dolores Elkin............................................................ Almudena Hernando Gonzalo .................................. Margarita Díaz-Andreu ............................................ Ana Mª Mansilla Castaño ......................................... Ana Cristina Sequeira Fernandez (Ana Piñon) ........

80 89 100 107 114 119 126 140 145 157 162 172

Kathleen Deagan ...................................................... Susan Kepecs............................................................

175 186

Arqueologia Pública: definições e ações plurais ..........

201

Maria Dulce Gaspar.................................................. Marcia Bezerra ......................................................... Paulo Zanettini ......................................................... Leilane Patricia de Lima........................................... Catherine Westfall .................................................... Charles E. Orser Jr. ...................................................

203 207 216 221 227 234

4

A experiência arqueológica Este volume dá início a uma coleção de volumes que documentam a História da Arqueologia contemporânea, por meio de depoimentos dos próprios arqueólogos. Esta coleção resulta de um trabalho conjunto, de longos anos de cooperação, entre a Oficina del Historiador, de Havana, Cuba, e do Núcleo de Estudos Estratégicos, da Universidade Estadual de Campinas, com apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP), do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e do Congresso Mundial de Arqueologia. Os coordenadores da coleção, Lourdes Domínguez e Pedro Paulo A Funari, iniciaram essa colaboração no Segundo Congresso Mundial de Arqueologia, em 1990, na Venezuela, participantes de sessões sobre os caminhos da Arqueologia na América Latina, em particular no contexto do ocaso da Guerra Fria (1945-1989) e das transformações no subcontinente. A partir do novo milênio, essa interação intensificou-se, com o apoio institucional já mencionado e a vinda da Profa. Lourdes Domínguez, todos os anos, como pesquisadora visitante. Dentre os projetos voltados para temas como a etnicidade, identidades sociais, relações de gênero e patrimônio, desenvolveu-se um estudo de longo prazo no âmbito da História da Ciência. Entendemos, ab initio, que a História de uma disciplina científica não pode ser desvencilhada das circunstâncias históricas, sociais e de poder. De alguma forma, essa constatação já estava presente em reflexões epistemológicas da disciplina em nosso subcontinente desde a década de 1960, ao menos. Para além disso, foi a criação e o crescimento do Congresso Mundial de Arqueologia, fundado em 1986, que impulsionou essa consciência histórica. Ainda no âmbito disciplinar, em 1987, Michael Shanks e Christopher Tilley, em sua 5

Depoimentos

obra inspiradora, Re-Constructing Archaeology, propunham que a disciplina fosse não apenas o conhecimento sobre o antigo, como revelam os étimos gregos que originam o termo, mas também “o estudo das relações de poder”, outra acepção dos mesmos termos gregos. A abordagem adotada consistiu, portanto, em uma ótica externalista, atenta àquilo que também se convencionou denominar de História Social da Ciência1. Como resultado, duas linhas de investigação principais foram esboçadas. A primeira voltou-se para a Arqueologia Social Latino-Americana, movimento autóctone do subcontinente, de matriz materialista, de inspiração marxista, em termos gerais, e especificamente ancorado nas obras de Vere Gordon Childe. Esse movimento floresceu em países de idioma castelhano, ainda que tenha tido influência também muito mais ampla, em particular no mundo anglo-saxão2. Uma segunda vertente dirigiu-se a outro campo: as autorepresentações. No campo científico, nada substitui o testemunho e a narrativa que cada qual tem da sua atividade. Sem abdicar de questões comuns3 que pudessem orientar a auto-reflexão4, a preocupação maior foi permitir que o estudioso pudesse articular sua experiência num relato coerente, em aproximação a um memorial. Essa ênfase na subjetividade5 significa encorajar aquilo que os gregos chamavam de parrhesia, uma fala sincera e desobrigada6. Assim, aspectos relacionados a temas como relações de gênero7 e sociais, em termos gerais, podem encontrar toda sua expressão, a critério do sujeito narrador da sua trajetória. 1

Cf. Steven Shapin, Discipline and bounding: the history and sociology of science as seen through the externalist-internalist debate, History of Science, 30, 1992, pp. 333-369; Thomas Patterson, A social history of Anthropology in the United States, Oxford e Nova Iorque, Berg, 2001.

2

Cf. Randal McGuire, A Marxist Archaeology, San Diego, Academic Press, 1992.

3

Cf. Robert K. Merton, Marjorie Fisk, Patricia L. Kendall, The focused interview, Nova Iorque, Free Press, 1956.

4

Cf. Grit Laudel , Jochen Gläser, Interviewing scientists, The Australian National University, 2004.

5

Cf. Magali Uhl, Subjectivité et Sciences Humaines. Essai de métasociologie. Paris, Beauchesne, 2004.

6

Cf. Michel Foucault, http://foucault.info/documents/parrhesia/foucault.DT4.praticeParrhesia. en.html.

7

Cf. Magali Uhl, Jean-Marie Brohm, Le sexe des sociologies. La perspective sexuelle en sciences humaines. Bruxelas, La Lettre Volée, 2003.

6

Desafios da arqueologia

O volume está organizado em torno de três grandes temas, a começar pelos pioneiros vivos da Arqueologia na América Latina. Dentre os pioneiros consultados, aceitaram participar desta empreitada grandes arqueólogos: André Prous, Eduard Alexandrenkov, Igor Chmyz, Lourdes Domínguez, Maria Beltrão, Pedro Ignácio Schmitz e Robert Carneiro. Em seguida, seguem-se os depoimentos de uma série de arqueólogas que refletem sobre os desafios da profissão para as mulheres. Por fim, alguns estudiosos tecem considerações sobre a inserção social da Arqueologia, como prática pública. Os depoimentos dos arqueólogos pioneiros foram organizados por ordem alfabética do primeiro nome do pesquisador. No caso dos depoimentos das mulheres arqueólogas e sobre a Arqueologia Pública, a seqüência de depoimentos foi escolhida de acordo com critérios geográficos e de ordem de entrega dos textos. Em todos os casos, como publicação científica e de caráter documental, mantivemos todos os depoimentos em suas estruturas e idiomas originais (português, castelhano e inglês). Para cada sessão, há uma breve introdução e, para cada depoimento, uma pequena apresentação biográfica do arqueólogo8. O objetivo último do volume consiste em fornecer um manancial a ser utilizado por pesquisadores dedicados à História da Arqueologia na América Latina.

8

Ficou a cargo dos autores a decisão de nos enviar, suas informações biográficas, acompanhadas de uma fotografia. Nos casos em que não as recebemos, organizamos uma breve biografia, baseada em informações dos próprios depoimentos. Estes casos estão indicados em nota de rodapé.

7

Depoimentos

Agradecimentos Agradecemos a Randal McGuire, Thomas Patterson e Michael Shanks. Agradecemos, em especial, Ana Piñón, que participou do projeto e foi essencial para que este livro contasse com depoimentos preciosos. Tivemos o apoio institucional da FAPESP, CNPq, Núcleo de Estudos Estratégicos (NEE/Unicamp), Oficina del Historiador, Havana, Cuba, e World Archaeological Congress. A responsabilidade pelas idéias restringe-se aos autores. Lourdes Domínguez Pedro Paulo A Funari Aline Vieira de Carvalho Gabriella Barbosa Rodrigues

8

Pioneiros da Arqueologia Latino-Americana A Arqueologia latino-americana possui uma longa tradição, desde o início dos estados independentes, ao menos. Apenas no século XX a disciplina passou a ocupar espaços acadêmicos e ter, portanto, foros científicos. Essa institucionalização ocorreu em diferentes países latino-americanos com particularidades, mas, no geral, pode afirmar-se que a disciplina tornou-se acadêmica no período subseqüente à Segunda Guerra Mundial (1939-1945)9. Isso significa que muitos arqueólogos pioneiros estão vivos e constituem, portanto, uma mina inesgotável de informações. Propusemos algumas reflexões comuns a todos: • O que motivou sua “opção” por essa área de trabalho/pesquisa? • Quais as circunstâncias de seu ingresso na área? • Quais as principais referências de início de carreira (textos e pessoas)? • E as principais referências na carreira como um todo? • Como o seu trabalho se inseriu/insere na área? Quais as dificuldades, acertos e erros? • Quais são os seus procedimentos de trabalho/pesquisa? • Quais suas principais contribuições para a área no Brasil e/ou no mundo? 9

Cf. Pedro Paulo A Funari, Mixed features of archeological theory in Brazil, Theory in Archaeology, a world perspective, Londres, Routledge, 1995, pp. 236-250; Gustavo Politis, The sociopolitics of the development of archaeology in Hispanic South America, Theory in Archaeology, a world perspective, Londres, Routledge, 1995, pp. 197-235.

9

Depoimentos

Solicitamos que cada depoimento tivesse até vinte mil caracteres. Os arqueólogos pioneiros que participaram desta pesquisa foram os seguintes: André Prous, Eduard Alexandrenkov, Igor Chmyz, Lourdes Domínguez, Maria Beltrão, Pedro Ignácio Schmitz e Robert Carneiro.

10

Desafios da arqueologia

André Prous

Nascido na França em 1994, veio para o Brasil em 1970, radicando-se definitivamente no país em 1971. Graduou-se e fez o Mestrado em História; também se graduou em História da Arte e Arqueologia, e estudou, por dois anos, geografia física, na Universidade de Poitiers. Doutorou-se em Pré-História pela EPHE/Sorbonne (Paris). Foi professor de História na Universidade de Angers, França (1968/70), e de Pré-história no Departamento de História da USP (1971/75). Atualmente ensina no Departamento de Sociologia e Antropologia da Universidade Federal de Minas Gerais (desde 1976), sendo atualmente Professor Titular. Em 1976, fundou o Setor de Arqueologia do Museu de História Natural da UFMG, tendo sido co-fundador do grupo de música antiga da Escola de Música da mesma Universidade (1982/2000). Participou da missão franco-brasileira de Lagoa Santa (1971/1977), sendo atualmente responsável pela Missão Arqueológica de Minas Gerais. É pesquisador do CNPq. Estudou inicialmente a pré-história do litoral meridional do Brasil, paralelamente aos trabalhos na região de Lagoa Santa (MG). A partir de 1981, estendeu as pesquisas para outras partes do território mineiro (vales dos Rios Peruaçu e Cochá; Vale do Rio Doce, etc.). Desenvolveu pesquisas em tecnologia lítica para além do estado de Minas Gerais, ao abordar a tecnologia pré-histórica, a arte rupestre brasileira e a pintura sobre cerâmica tupi-guarani. 11

Depoimentos

Editou 18 volumes da revista “Arquivos do Museu de História Natural da UFMG”. Publicou vários livros no Brasil, na Espanha e na França, e um grande número de artigos em revistas brasileiras e estrangeiras.

Desbravando a arqueologia brasileira André Prous

Primeiros passos Desde criança, interessei-me por mitologias e pela História Antiga. Depois de P. Bahn ter escrito que não se deve acreditar em nenhum arqueólogo que se reclama de Schlieman para justificar sua vocação, tenho quase vergonha de dizer que este foi o meu caso e, no entanto, é a mais pura verdade. Um amigo alemão ofereceu-me, para meus dez anos, uma autobiografia do descobridor de Tróia, que decidiu a minha vocação. Um ano depois, eu ouvia no rádio Louis Bodin apresentando seu livro “A vida quotidiana no tempo dos Incas”, que determinou minha vocação americanista. Aos treze anos, participava pela primeira vez de uma escavação no monastério de Ligugé, onde se procuravam os restos da vila que São Hilário tinha doado a São Martinho no século IV, para que lá fundasse o primeiro monastério do Ocidente. Mais tarde fiz estudos superiores de Letras clássicas, de História e Geografia; de História da Arte (graduações) na cidade de Poitiers. Nesta cidade também apresentei um DES e Maîtrise de História Antiga, uma dissertação sobre Sidonius Apollinaris, bispo de Clermont no momento das invasões Bárbaras no Império Romano e outra, sobre as citações de autores da latinidade clássica na obra de Suger, um historiador medieval. Em 1967, fui a Paris para preparar-me a ser pré-historiador e americanista. Estudei, então, com Leroi-Gourhan (tecnologias tradicionais e arte rupestre), M. Brézillon (tipologia e pré-história 12

Desafios da arqueologia

geral), além das matérias de geologia do Quaternário, paleontologia do Quaternário e bio-antropologia. Fiz estágios com C. Baudez e P. Becquelin (estudando cerâmica Maia de Honduras) e treinei um pouco a restauração de cerâmica no Departamento de África do Museu do Homem. Ao mesmo tempo, aproveitava seminários de etnologia (Maranda, Leroi-Gourhan) e, em 1969, matriculava-me em tese sob a orientação de A. Laming-Emperaire, passando a freqüentar o seminário que ela dirigia na École Pratique des Hautes Études (EPHE), Rue de Varennes. O seminário tratava da entrada do Homem nas Américas. Foi lá que ouvi falar pela primeira vez da “raça de Lagoa Santa” e da hipótese lançada no início do século por P. Rivet, segundo a qual os Homens de Lagoa Santa seriam aparentados aos Aborígenes australianos e não aos indígenas mongolizados que se teriam difundido mais tarde nas Américas. Pesquisadores conhecidos, como o tecnólogo J. Tixier, o bioantropólogo J. Ruffié ou J-C. Gardin vinham apresentar seus trabalhos. Independentemente do seminário, A. Laming-Emperaire reunia a turma de doutorandos para atualizar, em francês, o “Guia para o estudo das indústrias líticas”, preparado com pesquisadores brasileiros e recém publicado pela UFPR. O objetivo era dispor de um vocabulário e de uma mesma sistemática descritiva que permitisse os pesquisadores de toda a América Latina comparar seu material. Pretender-se-ia elaborar um sistema descritivo preciso e completo, que permitisse tratar as peças e coleções através de computadores, usando-se um código apropriado. A elaboração deste código exigia uma precisão muito grande nos termos e nas definições; este trabalho sistemático, embora árduo, foi muito formador, pois nos obrigava a não esquecer nenhuma possibilidade, evitando cuidadosamente qualquer contradição. Iniciei então uma pesquisa sobre os sistemas de encabamento dos instrumentos etnográficos conservados nas coleções da Oceania do Museu do Homem, prevendo mudar de tema quando pudesse ir para América do Sul. Fui iniciado nas técnicas de escavação pré-histórica em sítios do Paleolítico médio (Tarterets I), superior (Pincevent com A. Leroi13

Depoimentos

Gourhan) e do Calcolítico (dólmen de La Chaussée Tirancourt, com C. Masset). No primeiro, conheci as delícias da decapagem de amplas superfícies e da escavação paleo-etnográfica – infelizmente, ia aprender que esta somente é possível em raros sítios, seja quando houve apenas uma ocupação única, seja quando existe uma sedimentação extremamente rápida, que separa ocupações relativamente curtas. No último, aprendi que os pisos pré-históricos podiam ser bem acidentados e que, neste caso, o bom escavador não é aquele que cria “níveis” planos, mas aquele que recupera uma superfície esburacada, aparentemente confusa aos olhos do espectador. Em La Chaussée Tirancourt, o dólmen tinha sido inicialmente usado como câmara sepulcral, porém reaproveitado séculos depois, como fonte de matéria-prima lítica; seu teto e pilares – feitos de uma rocha trazida de longe – tinham sido queimados para provocar a saída de grandes lascas térmicas. O resultado era a presença de covas de fogueira, encaixadas umas dentro das outras e cuja escavação deixava um terreno parecido com o de um campo de batalha da primeira guerra mundial em miniatura. Lá também, percebi a importância de se conhecer as marcas da ação térmica nas rochas, um conhecimento que não costumava ser ministrado aos estudantes. Ao estudar pré-história nesses anos (1968-70), preocupei-me em encontrar alguma lógica nas etapas da evolução humana, sem deixar de focalizar também a diversidade das culturas. Desta forma, não me sentia satisfeito com um ensino que (com exceção das origens africanas do Homem) privilegiava a arqueologia que passei a chamar de “temperada”, desconhecendo a arqueologia “tropical”. Sem o saber, estava pensando de uma forma convergente com a dos pesquisadores norte-americanos que salientavam o determinismo ecológico sem, no entanto, acreditar num estrito evolucionismo cultural. Esta formação, na Paris dos anos de 1960, deixou obviamente marcas – influência das perspectivas estruturalistas, interesse pelas tecnologias tradicionais, alguma curiosidade pela arte rupestre. Os movimentos de maio e junho de 1968 foram também marcantes na trajetória estudantil e política pouco ortodoxa que foi a minha. Em 1969, conheci, no seminário de A Emperaire, N. Guidon e Luciana Pallestrini; esta última, que acabava de defender sua tese 14

Desafios da arqueologia

sobre os sítios tupis-guaranis do Paranapanema (SP), convidou-me a participar das escavações que devia realizar no sítio Almeida, perto de Piraju, e informou também que a Universidade de São Paulo (USP) procurava um professor francês para lecionar pré-história. A. Emperaire, que preparava uma Missão no Brasil, estava interessada em ter um apoio local e se prontificou a me recomendar. Paralelamente aos meus estudos em Paris, eu tinha lecionado História na Universidade de Angers durante dois anos, o que me tinha permitido economizar dinheiro para realizar uma viagem de vários meses na América Latina. Desta forma, podia aceitar o convite de Luciana; depois de alguns meses de viagem na América Central e nos Andes, terminaria o meu giro no Brasil, onde veria os responsáveis pelo Departamento de História da USP.

Enfim, o Brasil Cheguei ao Brasil no final de 1970, escavando durante um mês em Piraju. Também conheci os pesquisadores do Instituto de Pré-História da USP e me encontrei com P. Duarte, o fundador do Instituto de Pré-História, aposentado pelos militares por ter criticado a repressão que se seguiu ao golpe de estado, que ele mesmo tinha apoiado inicialmente. Voltei para França por alguns meses para resolver minha situação e retornei ao Brasil em fevereiro de 1971, no primeiro dia de carnaval. Em São Paulo, lecionei no Departamento de História e comecei a estudar a bibliografia e ver as coleções no Instituto de PréHistória. Logo saí com uma pequena equipe dirigida por Caio del Rio Garcia para escavar o “sambaqui” do Tenório, em Ubatuba. Esta experiência em sítio de ocupação pré-histórica litorânea foi muito enriquecedora. Encontrava matérias-primas líticas trabalhadas para mim estranhas (o quartzo lascado, o diabásio polido); o Caio mostrava-me os artefatos de osso e de concha, e me mostrava como reconhecer as conchas e os peixes – ele estava fazendo um trabalho pioneiro de identificação da ictiofauna a partir dos otólitos. Aprendi muito com este pesquisador, muito inteligente e competente; infelizmente desprovido de qualquer ambição, publicou muito pouco e é, provavelmente, desconhecido das novas gerações de arqueólogos. 15

Depoimentos

Primeiro contato com Lagoa Santa Pouco depois de nossa volta de Ubatuba, A Laming-Emperaire chegava ao Brasil para iniciar a Missão franco-brasileira de Lagoa Santa. No primeiro ano, a meta era apenas realizar prospecções e localizar um sítio com estratigrafia que pudesse servir de referência. Encontramos um abrigo que, embora mostrasse baixa densidade de vestígios (o que o salvou das escavações da Academia de Ciências de Minas Gerais, cujos membros desistiram após uma sondagem limitada), apresentava uma espessa sedimentação - cerca de 1m por milênio -, permitindo uma diferenciação excepcional, praticamente ano por ano, dos estratos sedimentares. A grande quantidade de fogueiras deixava esperar uma pesquisa interessante de antracologia. Tratava-se da Lapa Vermelha IV de Pedro Leopoldo, que foi escolhida como sítio base para os anos seguintes. De fato, de 1973 a 1977, data de falecimento da pesquisadora francesa, Lapa Vermelha IV foi objeto de escavações (três meses anuais), com a participação de numerosos escavadores de sete nacionalidades; entre estes podemos lembrar o Pe. João Alfredo Rohr, Arno Kern, Solange Caldarelli; numerosos membros da equipe do Instituto de Arqueologia Brasileira participaram de forma intensa, especialmente Lilian Cheuiche e Eliana Carvalho, Quina e Paco Pavia – com este último treinei os macetes da topografia sem teodolito e iniciei uma amizade duradoura. O abrigo serviu de campo de treinamento para numerosos pesquisadores de todo o Brasil. Acredito que tenha contribuído a ensinar a muitos participantes a escavação por níveis naturais, excepcionalmente evidentes neste abrigo. Para quem trabalhou nas camadas pleistocênicas, trabalhadas por micro-falhamentos, o sítio ilustrava magnificamente o fato de que dois objetos situados a poucos centímetros de distância podem ser separados por dez milênios de tempo, e que apenas uma escavação minuciosa permite detectar estas armadilhas. Na Lapa Vermelha IV encontramos, pela primeira vez no Brasil, pinturas e gravuras enterradas – permitindo datações mínimas para arte rupestre do país. Nem precisa falar do achado do esqueleto 16

Desafios da arqueologia

– muito mais tarde popularizado sob o nome de Luzia por W. Neves. A possibilidade de se datar a arte rupestre animou A. Emperaire a montar, em 1974, uma equipe especial para levantar os conjuntos pintados e gravados da região; ela me encarregou desta tarefa, o que pouco me agradou, pois me sentia totalmente incompetente para esta tarefa. A meu pedido, ela incluiu na Missão, a partir de 1976, Pierre Colombel, com quem tive uma aprendizagem intensiva.

Viagens ao sul do Brasil e a fase “sambaquieira” das minhas pesquisas Enquanto ainda morava em São Paulo, e entre as campanhas realizadas em Lagoa Santa, terminava meu doutoramento sobre a pré-história do litoral meridional do Brasil, com ênfase sobre as esculturas de pedra (zoólitos) e de osso e seu papel na “cultura” dos sambaquis meridionais. Com isto, participei das escavações dirigidas por M. J. Meneses no sambaqui do Toral, perto de Paranaguá e realizei escavações limitadas na ilha do Casqueirinho, com o auxílio do meu grande amigo Guy Collet, membro da Sociedade Brasileira de Espeleologia. Com meus parcos recursos (nunca ninguém me disse que existia uma FAPESP, durante minha estada no estado de São Paulo) realizei várias viagens para conhecer os sítios e estudar as coleções provenientes de sambaquis do litoral meridional. Já em 1971, visitava o Museu Nacional e M. Beltrão. Em Curitiba, visitei Loureiro Fernandes, o Museu Paranaense e o CEPA, conhecendo I. Chmyz e O. Blasi. Procurei também Guilherme Tiburtius. Logo a seguir, fui estudar parte da sua coleção – então guardada no Museu Histórico da Colonização, em Joinville. Admirei a meticulosidade deste simples marceneiro, que tinha elaborado uma ficha descritiva (em alemão) de todos os milhares de objetos da sua coleção, cada uma, acompanhada por um ou vários desenhos. Fui estudar coleções em Brusque, Blumenau, Rio do Sul etc. Em Florianópolis, provei a hospitalidade de Alroino Eble e visitei W. Piazza; conheci o Padre Rohr e sua fabulosa coleção guardada no Colégio Catarinense. Fui muito bem recebido por S. Coelho, Diretor do então Museu de Antropologia da UFSC, e por sua equipe A. M. Beck, G. Duarte, e Tereza Fossari, que já conhecia do Instituto de Pré-História da USP. Viajei para Laguna, Tubarão, Pescaria Brava onde a hospitalidade 17

Depoimentos

espontânea dos colecionadores meridionais contrastava com as reticências iniciais dos seus vizinhos do norte do estado. O mesmo ocorreu em terras gaúchas, quando conheci os colegas Pe. P. I. Schmitz, A. Kern, P, A. Mentz Ribeiro e Frei G. Naue, visitando coleções em Osório, Porto Alegre - no Museu Júlio de Castilhos (este material foi, mais tarde para o MARSUL de Taquara) -, São Leopoldo, Santa Cruz do Sul e Santa Maria. Fui a Taquara, mas não pude conhecer então E. Miller que estava fora da cidade. Pode parecer estranho, mas fui provavelmente, e até a criação da SAB em 1981, o único arqueólogo que conheceu e estabeleceu relações cordiais com quase todos os seus colegas do país. Havia então alguns grupos de pessoas que tinham relações de trabalho e, eventualmente, de amizade, mas não parecia haver o sentimento de que seria desejável: estabelecer relações pessoais com o conjunto da nossa ainda pequena comunidade. Havia vários grupos de pesquisadores gaúchos; havia a “turma” dos PRONAPISTAS, a turma dos “afrancesados” etc., que não se misturavam; uma delas recusava-se inclusive a encontrar e até, dialogar – mesmo que através de publicações. Eu não me via entrar em nenhuma destas capelas, muito menos desejava ficar isolado. Em São Paulo também aproveitei uma viajem de D. Uchoa a Rio Claro para conhecer seu orientador, Altenfelder Silva, e Tom Miller, que desenvolvia uma linha de pesquisa em tecnologia lítica, um assunto que muito me interessava e que não tinha tido tempo de abordar em Paris. Durante os cinco anos que passei em São Paulo, T. Miller foi praticamente o único arqueólogo “profissional” com o qual pude discutir problemas concretos de arqueologia. Fui a Monte Mor conhecer D. Aytai, cujas – infelizmente raras – incursões no campo da arqueologia mostraram-se também tão cheias de objetividade quanto de criatividade. Além de viajar, lecionava no Departamento de História, onde fui professor de muitos atuais arqueólogos e professores atuais da USP. Também estudava muito, particularmente no rico acervo da Biblioteca Municipal e no Museu de Arqueologia e Etnologia da USP. O MAE não incluía, nesta época, a arqueologia brasileira (desenvolvida no Museu Paulista e no Instituto de Pré-História) nem 18

Desafios da arqueologia

a etnologia, mas dispunha, mercê a Ulpiano Bezerra de Menezes, da melhor biblioteca de arqueologia internacional do Brasil. Nela conheci a versão norte-americana da New Archaeology (que tinha estudado em Paris, essencialmente através dos ingleses – particularmente de D. L. Clarke cujo livro Analytical Archaeology tinha sido muito comentado no seminário) – e tomei conhecimento, com bastante atraso, da ecologia cultural. Segui também no MAE o curso intensivo de arqueologia amazônica ministrado por Mário Simões, o patrão da arqueologia no Museu Goeldi, do qual se devia receber o aval para qualquer pesquisa na região amazônica brasileira.

Primeira produção bibliográfica sobre o Brasil e fim do episódio paulista Minhas primeiras publicações sobre arqueologia brasileira (1973-1977) foram preparadas durante minha estada em São Paulo, para inserir-se na série de Documentos para a Pré-História da América do Sul que A. Emperaire estava iniciando na EPHE, com títulos sobre a pré-história brasileira, O objetivo era reunir e apresentar de forma crítica a documentação disponível sobre várias regiões do Brasil: síntese geral, apresentação dos sítios de referência e bibliografia comentada. O primeiro volume a sair tratava da préhistória do estado de São Paulo, tendo como autores N. Guidon, A. Emperaire, L. Pallestrini e eu mesmo; entrei também como coautor (A. Laming-Emperaire, A Prous, A. V. Moraes & M. Beltrão) no segundo volume da série, dedicado a pré-história da região de Lagoa Santa, incluindo as prospecções que acabávamos de realizar em 1971. Envolvi-me muito mais nos dois volumes seguintes, que aproveitavam o material reunido para minha tese de Doutoramento (defendida em 1974 na Sorbonne). Um deles foi L’Etat de Santa Catarina, para o qual solicitei que W. Piazza participasse, com uma apresentação do ambiente geográfico do estado, e com a análise de títulos bibliográficos – particularmente aqueles escritos em alemão. Um desentendimento ocorrido com o técnico que devia fazer a ilustração desta obra levou-me a executar, eu mesmo as pranchas, embora nunca tivesse até então desenhado peças que não fossem 19

Depoimentos

lascadas. Tive que inventar minhas próprias normas, inspirando-me dos desenhos de outros autores. No livro sobre Les sculptures zoomorphes du Brésil et de l’Uruguay, tratei dos famosos “zoólitos”, típicos da fácies meridional dos sambaquis e das regiões adjacentes. Mostrava, neste trabalho, a existência de duas categorias de esculturas (uma, generalizada e outra, comportando tipos locais) e a coincidência entre os tipos regionais e certas características das indústrias líticas e de osso; avaliava o investimento necessário a sua produção, comentava a temática e os níveis de realismo. Esperava assim contribuir de forma significativa ao conhecimento da pré-história do litoral sul brasileiro. Estudar a arqueologia do litoral convenceu-me da possibilidade de existirem sociedades relativamente numerosas e com residência permanente nas regiões de enseada, onde havia recursos abundantes o ano todo. Em sua tese sobre o Pacífico Norte, A. Leroi-Gourhan já tinha frisado a riqueza cultural de vários grupos de caçadorespescadores especializados. Por sua vez, J. C. Testard acabava de mostrar que a base para a estratificação social não exigia obrigatoriamente a emergência de uma economia neolítica, mas podia basear-se na existência de reservas alimentares obtidas pela exploração de recursos selvagens (salmonídeos nas regiões frias; cereais nativos em zonas mediterrâneas). Desta forma, a diferença entre agricultores ou horticultores e caçadores-coletores poderia não ser muito grande como apregoavam os evolucionistas norte-americanos. Por outro lado, a ligação tradicionalmente afirmada sem nenhuma ressalva pelos arqueólogos americanos em geral (e brasileiros em particular) entre horticultura e cerâmica parecia-me muito estranha, já que no Próximo Oriente a agricultura antecede em muitos milênios a olaria, o contrário acontecendo no Japão. Ao mesmo tempo em que preparava estes livros, ficava isolado na USP, onde os contatos com os colegas tornaram-se difíceis, em razão de brigas internas que eu sequer podia entender. Trocar idéias sobre arqueologia era possível, portanto, apenas durante minhas raras e curtas visitas a T. Miller, ou as breves expedições que fazia com membros de origem francesa da Sociedade Brasileira de Espeleologia. Com G. Collet, realizei prospecções na região de 20

Desafios da arqueologia

Itararé e Itapeva, que levaram às primeiras descobertas de “casas subterrâneas” em território paulista (isto seria o tema de um artigo para a revista de Pré-História criada pelo Pe. Passos, nomeado Diretor do IPH pouco depois da minha partida de São Paulo). Os meus amigos da SBE levaram-me também a sítios tupis-guaranis que P. Martin tinha descoberto no vale do rio Taquarituba, e onde, por falta de recursos, realizamos escavações de porte modesto. Querendo localizá-los nas fotografias aéreas da região, notei, em vários morros dominando o rio, a presença de manchas de vegetação; como estavam em situações semelhantes às dos sítios tupis-guaranis que tinha conhecido com Luciana Pallestrini, pensei que estas anomalias poderiam indicar a presença de um solo modificado – como eram as “manchas pretas” dos sítios do Paranapanema. Apresentei esta hipótese ao geomorfólogo Aziz Ab’Saber, que achou a coisa muito possível. Encarreguei, portanto, G. Collet de verificar in situ, o que ele fez depois da minha partida de São Paulo, encontrando de fato cerâmica tupi-guarani nos locais levantados nas fotos. Guy Collet foi também responsável pelo achado do abrigo de Guarei, cuja escavação iniciou com S. Caldarelli, que acabou defendendo sua tese sobre este local; descobriu vários sítios rupestres no centro paulista, informando da descoberta à equipe do IPH (D. Uchoa, W. Neves, S. Caldarelli) que foi realizar o levantamento de um deles, sob a orientação de P. Colombel. G. Collet prospectou o vale do rio Ribeiro de Iguape, descobrindo vários sambaquis fluviais – levou inclusive U. Bezerra de Menezes para visitá-los, esperando convencê-lo a realizar pesquisas. G. Collet descobriu uma fonte de matéria-prima excepcional para treinar o lascamento: os resíduos industriais vitrificados de uma usina de produção de garrafas. Ele não somente passava muitos fins de semana lascando, mas me enviava carregamentos para Belo Horizonte, quando precisava para os primeiros cursos de tecnologia que ofereci na UFMG – levei o último bloco para Porto Alegre, para curso que ministrei a pedido de Silvia Moehlecke em 1996. Em 1975, Annette Emperaire estava interessada em que voltasse para França para representar sua equipe no centro de pesquisa arqueológica que estava sendo montado em Valbonne, no sul do país. De fato, não tinha mais o que fazer na capital paulista. Foi 21

Depoimentos

quando o Reitor da Universidade Federal de Minas Gerais e o Diretor do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico deste mesmo estado, preocupados de ver as pesquisas arqueológicas serem realizadas exclusivamente por grupos de outros estados ou do exterior, decidiram criar um “Museu do Homem”. Entraram em contato com Mme. Emperaire que me perguntou se estaria interessado em participar deste projeto. Tinha que escolher, portanto, entre voltar para França e participar de Missões nas Américas, ainda vários anos sob a responsabilidade de um pesquisador sênior, e voar pelas minhas próprias asas – talvez de forma algo prematura – montando meu próprio grupo de pesquisa num país em desenvolvimento onde me projetaria talvez menos internacionalmente, mas onde desenvolveria pesquisas pioneiras em terreno quase virgem, num estado tão grande quanto meu país. Aceitar a proposta da UFMG era também me aproximar de dois locais que me tinham encantado em 1971: o parque do Museu de História Natural da Universidade Federal, onde poderia instalar minha base, e o encantador teatro barroco de Sabará, onde tinha jurado tocar um dia. Brincar de desbravador da pré-história do sertão na proximidade dos berços da civilização mineira pareceu-me logo bem mais excitante que a perspectiva de tornar-me um distinto e sisudo especialista europeu. De fato, o projeto faraônico de Museu do Homem, para o qual se trouxe na UFMG Darcy Ribeiro – recém voltado de exílio – não vingou, mas se criou informalmente, o Setor de Arqueologia do Museu de História Natural no início de 1976.

As pesquisas realizadas a partir do Setor de Arqueologia da UFMG e da Missão Arqueológica Franco-Brasileira de Minas Gerais: Com a morte de A. Laming-Emperaire em 1977, a Missão Franco Brasileira de Lagoa Santa deixou de existir. No entanto, em 1981, eu passava a dirigir uma Missão franco-brasileira de Minas Gerais, que funciona em simbiose com o Setor de Arqueologia da UFMG. Aos poucos, os projetos sucessivos levaram-nos a pesquisar de forma mais aprofundada o Médio São Francisco (regiões arqueológicas de Januária/Itacarambi e Montalvânia), a Serra do Cipó, o Alto Jequitinhonha, o Vale do Rio Doce e, mais recentemente, o alto 22

Desafios da arqueologia

São Francisco. A variedade de terrenos e experiências levou-nos a diversificar nossas práticas de campo, adaptando-as às condições de cada região. Além dos projetos regionais, fomos levados a desenvolver pesquisas temáticas de importância inter-regional. A abundância e complexidade da arte rupestre mineira requeriam novas abordagens e uma tentativa de inserção das suas manifestações num quadro geográfico bem mais amplo que o do estado. A utilização, freqüente no Brasil, de matérias-primas líticas, então pouco conhecidas ou valorizadas nos centros internacionais dominantes, requeria um programa de estudos experimentais cujos resultados iam influenciar grupos de pesquisa fora do país e, até, do continente americano. O estudo de sítios tupis-guaranis obrigou-nos a ultrapassar a análise tecnológica dos fragmentos cerâmicos para estudar os temas e o código decorativo; também sentimos a necessidade de analisar aspectos até então negligenciados pela maioria dos pesquisadores, como a indústria lítica (apenas estudada, até então por alguns arqueólogos gaúchos) ou a estruturação interna de sítios arqueológicos (abordada de forma, sobretudo preliminar, essencialmente por pesquisadores do Museu Paulista).

Estudos de indústrias e a experimentação Tive a chance de aprender alguns rudimentos a respeito do lascamento da pedra com F. Bordes (que me mostrou os princípios do retoque por pressão, em 1981), com J. Tixier (que recebemos em Belo Horizonte em 1984), J. Flenniken (que convidamos naquele mesmo ano, ficando 3 meses na capital mineira) e, mais recentemente, J. Pelegrin. Os contatos com nativos de vários continentes ajudaram-me a perceber quanto nossos gestos eram marcados por nossa cultura, até na maneira de segurar os instrumentos de lascamento. Aliadas ao meu gosto pelo conhecimento concreto, estas iniciações levaram-me a incentivar a prática experimental dentro da nossa equipe. A análise das indústrias do Brasil central (particularmente, de Santana do Riacho) levou-nos, no início dos anos de 1980, a focalizar o trabalho do quartzo. Entendemos assim a importância 23

Depoimentos

das técnicas sobre bigorna no trabalho das variedades mais comuns – não somente de quartzo, mas também de outras variedades de rochas silicosas (que experimentamos sobretudo no início do século XXI). Os conhecimentos que adquirimos neste campo não só foram úteis para colegas de vários países da América do Sul, mas também, para arqueólogos europeus que trabalhavam com coleções da África oriental, da Itália, da Espanha ou da América central e das Antilhas. Os trabalhos que publiquei com Márcio Alonso Lima nos Arquivos do Museu de História Natural nº 11 refletem a primeira fase desta pesquisa. Mas o quartzo era trabalhado também por percussão manual quando de qualidade excepcional, como mostram as pesquisas recentes do nosso colaborador Andrei Isnardis em Diamantina. Estas nos levaram a estudar também o “redescobrimento”, no início do século XX, de técnicas de percussão à mão livre por parte dos garimpeiros do Jequitinhonha e da Serra do Cabral. Estes devem vender o cristal descorticado e totalmente puro aos fabricantes de ligas metálicas. De forma que, nos abrigos decorados com pinturas milenares, os detritos de lascamento préhistóricos dos níveis superiores misturam-se aos restos de atividade recente, e precisava-se aprender a reconhecer as características de cada um destes dois conjuntos para diferenciá-los. As pesquisas realizadas na região de Montes Claros – e, mais tarde, no médio São Francisco – mostraram também a grande freqüência da utilização de blocos de pedra em estado bruto, ou com pouca preparação. Estes instrumentos (que eu já tinha observado nas coleções provenientes de sambaqui) tinham recebido pouca atenção na bibliografia internacional; quebra-cocos, bigornas diversas, martelos, percutores, instrumentos de moagem, requeriam uma atenção maior. Iniciamos então, no final dos anos de 1980, trabalhos experimentais para diferenciar os vestígios de utilização e identificar melhor as categorias funcionais destes instrumentos, cujos primeiros resultados foram divulgados em 1989. Ao abordar as indústrias mais recentes da pré-história mineira, sentimos a necessidade de avaliar o investimento necessário para a fabricação de objetos polidos, assim como o rendimento das lâminas de machado. Insatisfeito com as informações bibliográficas, orientei meus colaboradores para que fabricassem no Museu vários machados (lâmina, encabamento), que foram utilizados para cortar árvores. 24

Desafios da arqueologia

Além de promover cursos abertos a estudantes de todo o Brasil e favorecer a análise experimental na UFMG, instalamos o primeiro (e ainda único) laboratório de micro-traceologia (estudo dos vestígios microscópicos de utilização) do Brasil, após um curso ministrado em Belo Horizonte por M. E. Mansur, que garantiu também um treinamento complementar a nosso técnico em seu laboratório do CONICET, em Ushuaia. No final dos anos de 1980, pude examinar amostras das indústrias lascadas sobre seixo de Minas Gerais (Buritizeiro), da Bahia (vários sítios ao longo do São Francisco, estudados pelos pesquisadores da UFBA, que vieram estagiar na UFMG) ou de Goiás. Interessei-me, então, pelas técnicas específicas utilizadas no Brasil central para debitar esta forma de matéria-prima. Todas estas pesquisas sobre indústrias líticas levaram-me a escrever um manual sobre as indústrias líticas (publicado em 2004, em espanhol) a pedido da Fundação Ortegalia. Nesta obra, tentei apresentar mais que as informações tradicionalmente fornecidas pelas obras clássicas. Quase todas se limitavam a descrever indústrias lascadas por técnicas tradicionais, e apenas nas matérias-primas mais comuns da Europa, no Próximo Oriente ou na América central e nos Estados Unidos (sílex e obsidiana). Queria que os estudantes tomassem conhecimento dos instrumentos brutos, picoteados e polidos; entendessem concretamente a prática do trabalho da pedra; que soubessem das peculiaridades do trabalho do quartzo e outras matérias “exóticas” – e, no entanto, muito utilizadas em várias partes do mundo; que soubessem reconhecer as marcas do lascamento sobre bigorna. Quis apresentar instrumentos completos, encabados; mostrar os gestos e os vestígios de utilização. Talvez este livro não faça muito sucesso, mas foi muito importante para mim, finalizar este texto, que eu já tinha esboçado na oportunidade das aulas que eu tinha ministrado em Porto Alegre e Montevidéu. Não me interessei apenas pelo trabalho da pedra. Ao estudar as conchas de gastrópodes perfuradas de Lapa Vermelha IV em 1976, iniciei um trabalho sistemático de revisão das indústrias de concha, que acabei utilizando para um concurso público para a UFMG, e que publiquei mais tarde, nos Arquivos do Museu de História Na25

Depoimentos

tural nº 11. Demonstrei que os orifícios não podiam ter sido feitos para extrair a lesma; tratava-se de plainas muito eficientes, como pude verificar ao fabricar e utilizar réplicas. Paralelamente, uma colaboradora bioquímica analisava o valor nutritivo das centenas de Megalobulimus, que criamos no banheiro do Setor de Arqueologia, antes de sacrificá-los no altar na ciência, transformando-os em farinha para alimentar ratos. Ao estudar a arte rupestre, incentivei também os meus colaboradores a usar pigmentos minerais e vegetais, preparar tintas com cargas e testar fixadores; praticar a incisão e o picoteamento com vários tipos de instrumentos. Em campo, nossos colaboradores Xacriabá ensinavam como fazer cordas e recipientes em cestaria, fazer setas e arcos, endireitar galhos no fogo etc. Sempre entendi que não se deviam estudar artefatos sem ter um mínimo de conhecimento dos seus materiais; já tínhamos organizado, nos anos de 1990, cursos de fabricação de cerâmica para os estagiários e bolsistas, com a ajuda de colegas da Escola de Belas Artes da UFMG. Recentemente, quando trabalhamos os sítios tupis-guaranis do Rio Doce, orientei meus jovens colaboradores a praticar também a experimentação para entender os processos de fabricação e decoração das vasilhas. Hoje, meu desejo é encontrar um estudante disposto a investir tempo e esforço no estudo das indústrias ósseas, lançando mão da experimentação. Talvez este interesse pelo conhecimento concreto das matérias estudadas seja um dos legados mais importantes que desejo deixar aos estudantes. Experimentar as técnicas tradicionais não garante resolver dificuldades de interpretação, mas evita muitas interpretações absurdas.

Estudos de arte rupestre A arte rupestre não era um assunto do meu interesse, quando A. Emperaire encarregou-me de iniciar os levantamentos em Lagoa 26

Desafios da arqueologia

Santa e demorei em envolver-me com este tipo de vestígio. Tanto que, quando o Reitor da UMG pediu-me indicação de pessoas a serem contratadas, em 1977, entrei em contato com N. Guidon que acabava de defender sua tese sobre as pinturas do Piauí e não tinha emprego seguro, propondo-lhe que viesse trabalhar na UFMG para cuidar deste campo. Tendo ela recusado a oferta, a riqueza dos registros gráficos no estado obrigou-me a dedicar a eles um mínimo de atenção. Era fácil perceber a existência de vários estilos sucessivos nos abrigos de Sumidouro, Cerca Grande, e na Serra do Cipó. A minha visita aos abrigos de Montalvânia, em 1976, mostroume também o quanto as variações temáticas eram importantes de uma região para outra: não eram apenas sucessões que se podiam vislumbrar, mas também, fronteiras. Enquanto o centro de Minas Gerais fornecia sobretudo elementos de datação absoluta (pinturas e gravuras enterradas), o norte do estado fornecia impressionantes seqüências estratigráficas que permitiam a elaboração de uma complexa cronologia relativa. Seguindo o exemplo de N. Guidon, comecei a definir tradições, que subdividi em estilos e fácies. A partir destes recortes, trabalhei com meus colaboradores no sentido de estabelecer seqüências crono-estilísticas regionais. Esta orientação reflete as possibilidades oferecidas pelo registro rupestre do Brasil central. Por isto, é diferente da dos pesquisadores do Brasil nordestino, onde a tradição rupestre dominante quantitativamente (a Tradição Nordeste) apresenta cenas descrevendo personagens em ação que permitem interpretações. Para contextualizar as ocorrências encontradas em território mineiro, era obviamente necessário extrapolar os limites modernos do estado; aproveitamos os convites feitos por outras equipes para medir a extensão das manifestações “mineiras” e conhecer outras expressões gráficas. Nestes últimos anos, a realização de viagens em todo o Brasil com um fotógrafo (projeto patrocinado pela PETROBRAS) foi particularmente útil, permitindo visualizar as manifestações de várias regiões que conhecíamos até então apenas através da bibliografia. A Missão que nos foi confiada pelo ICOMOS na Colômbia e os contatos que realizamos desde 1989 com colegas de outros países da América Latina levaram-nos inclusive a pesquisar a extensão até 27

Depoimentos

países vizinhos de algumas das tradições definidas inicialmente no Brasil. Sínteses das reflexões que nos inspiraram o estudo da arte rupestre foram apresentadas em 2006 através de dois livros – muito diferentes um do outro, mas complementares, que publicamos – um deles, sozinho (Arte Pré-Histórica brasileira”) e outro, com Loredana Ribeiro e o fotografo Marcos Jorge (“Brasil Rupestre”). A abordagem crono-estilística continua sendo a base dos trabalhos de reconhecimento regionais realizados pelos pesquisadores da UFMG. Mas, uma vez esta base assegurada, a jovem geração – na qual as mulheres têm uma participação relevante – pretende desbravar novas direções até agora pouco abordadas. Discutemse, particularmente, alternativas às interpretações “etnicistas” dos estilos que tinham imperado, explícita ou implicitamente até então. De qualquer forma, a dificuldade de se combinar as seqüências estabelecidas para a arte rupestre com as cronologias conseguidas para os demais tipos de vestígio a partir das escavações permanece um desafio para os próximos anos. A minha atuação no campo da arte rupestre fez com que eu fosse eleito conselheiro do CAR/ICOMOS, de 1997 a 2002.

O meu papel na arqueologia? É difícil avaliar a própria participação dentro da sua comunidade profissional. No máximo poderia, nestas linhas que cheiram a notícia necrológica precoce, dizer o que gostaria de ter deixado aos que trabalharam comigo e de quem também recebi muito. Em primeiro lugar, uma vontade de conhecer através da experiência própria, antes de aceitar os conhecimentos – geralmente muito úteis, mas, insuficientes – propostos pela bibliografia. E uma exigência intelectual de receber justificações concretas antes de aceitar qualquer afirmação, fosse ela feita por um Doutor e autoridade reconhecida – inclusive o professor e orientador. Mesmo um iniciante tem direito de criticar. A falta de crítica positiva dos trabalhos é, aliás, uma das pragas da arqueologia brasileira. Sem crítica, não podemos corrigir nossas fraquezas, escutamos o próprio discurso e acreditamos em nossas fantasias com demasiada facilidade. Cansei, 28

Desafios da arqueologia

por minha parte, de representar o papel de chato, e espero que outro se sacrifique para desempenhá-lo; mas seria melhor se a nossa comunidade passasse a aceitar a crítica como uma coisa necessária e valiosa – para a própria pessoa criticada. Como exemplo, mencionaria as primeiras críticas dirigidas por A. Roosevelt a B. Meggers, que levaram esta pesquisadora a aprofundar suas interpretações e buscar novas direções para explicar a arqueologia amazônica nos anos de 1990, criando um debate muito frutuoso. Quando recebemos uma crítica concreta, ou ela é válida, ou não é. No primeiro caso, é natural ficar muito chateado... mas, consigo mesmo e não com o crítico, que nos pegou acertadamente. Deve-se então mudar de opinião, ou fundamentar melhor a hipótese ou, ainda, explicar melhor um pensamento mal exposto nas publicações anteriores. Quanto mais rápida a crítica, menos tempo perde-se com o erro. Em compensação, muitos jovens arqueólogos brasileiros repetem à exaustão as mesmas críticas já tradicionais a posturas teóricas abandonadas há muito ou indevidamente caricaturadas; mas se evita criticar publicamente o conteúdo concreto dos relatórios e das pesquisas, o que parece ser aqui considerado como ataque pessoal. Da mesma forma, vemos em muitas publicações finais (de pesquisas acadêmicas ou de contrato) – sobretudo nos mestrados e doutorados – uma longa parte apresentando o “marco teórico”, cheia de longas e eruditas citações de autores estrangeiros. Apresentam-se as minúcias da metodologia utilizada, indicando o tipo de numeração de quadrículas, os detalhes técnicos do GPS utilizado etc. Mas, quando se trata de analisar os vestígios e estruturas encontrados, analisar as feições regionais do levantamento, encontram-se curtos textos que afirmam resultados cuja fundamentação concreta geralmente não aparece. Quanto às orientações sugeridas pela parte teórica inicial, parecem ter sido esquecidas no caminho, ou não se vê muito bem em que foram aproveitadas. Desta forma, a pretensão e a superficialidade acabam reinando em grande número de publicações, oferecendo ao leitor um discurso tão pretensioso quanto vazio. Não se trata de desprestigiar a reflexão, mas de praticá-la de forma eficiente a partir do próprio material de pesquisa em vez de repetir mais uma vez os discursos já conhecidos da moda sem operacionalizá-los de maneira apropriada. Poucos no Brasil são capazes de reunir qualidade de pesquisa e reflexão arguta; entre eles, faço questão de destacar T. 29

Depoimentos

Andrade Lima, cujos textos brilhantes (e magnificamente escritos!) podem servir de modelo para todos nós. Visão (auto)crítica e criatividade na hora de abordar as questões arqueológicas, eis o que meus (ex) estudantes costumam dizer ter recebido ao trabalhar comigo; em compensação, frisam a falta de estímulo para reflexões teóricas; mas, afinal, acredito ser fácil para eles preencher esta lacuna com outros pesquisadores. De fato, sempre os incentivei a não ficar “em casa”, mas arriscar-se fora, com outras equipes e outros orientadores – de preferência, aqueles que possam proporcionar a eles experiências bem diferentes daquelas que tiveram comigo. Outro ponto para o qual gostaria de ter sensibilizado os que acompanharam minha carreira: a necessidade do arqueólogo se adaptar ao sítio, ou à região que estuda. Quando cheguei ao Brasil, havia os fanáticos da escavação por estratigrafia “natural” e os praticantes das escavações por níveis arbitrários; os adeptos das sondagens e os que se empolgavam por escavações de grande extensão; os que prospectavam e os que escavavam etc. Sempre me pareceu tão absurdo deixar de utilizar os indicadores de deposição “naturais” ou antrópicos quando eles existem quanto fingir realizar escavações por níveis “naturais” quando eles não podem ser encontrados. Opor levantamentos, sondagens e escavações, como se não fossem instrumentos – todos adequados, para objetivos diferentes – era-me incompreensível. Hoje em dia, as modas para oporem-se “escolas” são outras, mas continuam redutoras e contraproducentes. Podemos fazer projetos, mas, durante o trabalho de campo ou de laboratório, devemos aceitar a pressão da realidade. Cada objeto de pesquisa é único e devemos estar sempre prontos a nos adaptar a ele, às suas manhas: como o ser amado, que recusa muitas vezes o que esperávamos, mas pode também nós oferecer oportunidades imprevistas. Como já escrevi, plagiando um ditado francês (l’Homme propose et Dieu dispose), o arqueólogo propõe, o sítio (a região, a coleção etc.) dispõe. Caso contrário, somente vamos sempre encontrar o que pretendíamos demonstrar, eventualmente ajudados por um aparato pseudocientífico destinado a mascarar as tautologias e os paralogismos. 30

Desafios da arqueologia

Falar de ser amado não foi uma palavra vã; o arqueólogo deve ser, antes de tudo, um apaixonado. Ele não está preenchendo uma função vital para a sociedade (não mais que o astrônomo, o artista de televisão e muitas outras profissões). Como qualquer pesquisador, trata-se de um adulto que guardou a característica infantil de querer descobrir o mundo, tendo-se, no caso, fixado no passado. Como dizia um dos primeiros Diretores da FAPEMIG, ele precisa acreditar, de certa maneira, que a pesquisa que está realizando é a mais importante do mundo – caso contrário, não será um bom investigador. Neste sentido, sinto-me um amador na arqueologia e não me vejo como um profissional. De fato, tenho até vergonha de ser pago para fazer o que me dá gosto, enquanto tantos precisam, para viver, fazer um trabalho mal pago e que não os satisfaz (uma sensação que era também a de A. Emperaire!). Acho uma pena que tantos, para aparentar seriedade, apresentam-se de forma quase kantiana como profissionais e antiamadores, recusando o aspecto lúdico da profissão. Pois, de fato, a sociedade pode sobreviver sem a gente – a melhor prova é que o modelo de arqueólogo popularizado pelos filmes não tem nada a ver com o quotidiano da maioria dentre nós. Ou seja, como todo cientista, o arqueólogo (bem como o agente patrimonial) precisa também humor e autogozação, sob pena de ficar insuportável de arrogância. Afinal, se houvesse arqueólogos e Serviço do Patrimônio na Atenas do século V a.C., a Acrópole de Atenas teria sido restaurada no estágio arcaico e não teríamos o modelo arquitetônico “clássico” que permeia boa parte da arquitetura ocidental tradicional. Desta forma, compomos uma categoria nascida do romantismo do século XIX, com herança de aventurismo, que tenta ganhar uma nova credibilidade lutando contra um mundo pós-moderno, onde nos inseriram no nicho da ecologia. Como os ecologistas, ao estudarmos um passado que mostra mudanças incessantes, somos levados a valorizar e promover a permanência de estruturas obviamente ultrapassadas. Afinal, uma profissão para loucos!

Erros e frustrações Falar dos erros e frustrações não é menos difícil do que falar dos sucessos. 31

Depoimentos

Certamente errei não prevendo que a arqueologia brasileira (e mundial!) ia transformar-se, de uma atividade acadêmica para uma profissão ligada cada vez mais ao setor privado, inserindo-se na sociedade capitalista. Desta forma, não previ o crescimento da demanda, com a decorrente possibilidade de se formar arqueólogos em grande quantidade para um mercado de trabalho em expansão. Não briguei para a criação de um Departamento de arqueologia na minha Universidade, quando esta possibilidade foi-me sugerida por um Reitor; agora, é difícil lutar por um espaço maior, em momento de restrições orçamentárias que contrastam com a relativa folga existente trinta anos atrás. Minha ojeriza a qualquer atividade administrativa e burocrática certamente contribuiu para limitar minha ação em empreendimentos que poderiam ter levado a um maior desenvolvimento da arqueologia em Minas Gerais. De fato, não me adapto – nem desejo me adaptar – à fase atual da arqueologia, na qual a grande maioria dos profissionais, sem acesso a uma Universidade que não tem como os contratar, deve sobreviver “prestando serviços” a empresas e não ao conhecimento. Tentando ganhar contratos oferecendo o menor custo, como se o patrimônio cultural fosse uma simples mercadoria e não uma riqueza a ser explorada e estudada da melhor forma possível. Raros parecem ser aqueles (felizmente, existem!) que se esforçam para garantir a seriedade do trabalho e sobretudo, sua publicação de forma a que seu resultado possa ser utilizado cientificamente. Pior, não me conformo vendo a maioria dos raros arqueólogos contratados pelas universidades dedicando-se à arqueologia de contrato, em vez de aproveitar seu salário para dar prioridade à pesquisa acadêmica. Lamento não existir, nas Universidades públicas, ou sob responsabilidade do CNPq, centros de pesquisa com técnicos de nível superior e pesquisadores especializados que fossem encarregados de dar apoio aos arqueólogos que precisam de ajuda em áreas específicas durante suas pesquisas – sejam elas acadêmicas ou contratuais. Imagino que seria de interesse nacional ter um ou dois centros especializados em paleozoologia ou paleobotânica; em tecnologia cerâmica e lítica; em aplicações da informática para arqueologia etc., aos quais recorrer cada vez que fosse preciso. 32

Desafios da arqueologia

Algumas coisas eu gostaria de realizar antes de desaparecer da cena. A primeira é uma nova versão, totalmente modificada, do livro “Arqueologia Brasileira” que, apesar dos seus defeitos, foi útil a uma geração de estudiosos, mas encontra-se totalmente desatualizado. Minha idéia inicial era realizar uma trilogia, da qual esta obra fosse apenas o primeiro volume. A segunda parte deste projeto (“Arqueologia americana”) está depositada na editora da Universidade de Brasilia há vários anos, mas emperrada porque o ilustrador que devia realizar as pranchas desapareceu e não me animo a, mais uma vez, encarregar-me de realizar a ilustração de uma obra deste porte. Quanto à terceira parte (métodos e técnicas em arqueologia), parece ser ainda um sonho distante, que talvez eu realize com ajuda de vários colaboradores, depois de enfim ter publicado a síntese sobre os trabalhos da nossa equipe no vale do Peruaçu (em fase de realização), sobre os tupis-guaranis e sobre as pesquisas em curso na região de Pirapora e Buritizeiro. Finalmente, posso dizer que não queria ter seguido outra profissão; ela ofereceu-me generosamente tudo o que queria: colegas interessantes com quem trilhar a aventura do conhecimento, mesmo que por caminhos diferentes e, por vezes, conflitantes; campo inesgotável a pesquisar para uma curiosidade insaciável; viagens para lugares maravilhosos; contatos com pessoas extraordinárias, como o dom Quixote do sertão, Antônio Montalvão; aventuras variadas, com direito a queda de helicóptero, passagens em zona de guerrilha na Colômbia ou negociações arriscadas com indígenas na América central. Por que negar este aspecto sob pretexto que seriamos “cientistas”? No quotidiano, desfrutamos uma longa e estreita co-existência com estudantes e colaboradores, muitos dos quais acabam compondo uma segunda família. Requerendo campo e laboratório, colocando-nos em contato com especialistas de quase todas as especialidades das ciências da terra, da vida e do Homem, a arqueologia, é bem a disciplina mais atraente que se possa imaginar.

33

Depoimentos

Eduard Alexandrenkov

10

Nasceu em 1937, em Smolensk, antiga União Soviética. Formou-se em 1965, na Universidade Estatal de Moscou M. V. Lomonossov, em Estudos Históricos, com ênfase em Etnografía. Em seu doutorado, obtido em 1969, estudou os indígenas das Antilhas antes da chegada dos europeus. Trabalhou como intérprete em Cuba, quando entrou em contato com pesquisadores locais. Mais tarde participou do projeto que produziu um atlas etnográfico de Cuba. Participou, no início da carreira acadêmica, de trabalhos de campo em diversas áreas da antiga URSS. É membro de diversas sociedades de pesquisa e, desde 1972, colaborador do Instituto de Etnografia da Academia de Ciências da União Soviética, atualmente Instituto de Etnologia e Antropologia da Academia de Ciências Russa. Desde 1993, conduz seminários sobre etnografía americana nas universidades Estatal de Moscou, Estatal Russa de Humanidades e também no Instituto Eslavo Internacional. Tem interesse em história antiga das Antilhas e de seus entornos, história étnica de Cuba, e da América Latina, história da etnografia, etnografia da América Latina, fontes e métodos da pesquisa etnográfica na América Latina.

10

Texto produzido pelos organizadores do livro.

34

Desafios da arqueologia

Desde Rusia hacia Cuba, de la etnología a la arqueología Eduard Alexandrenkov11

No soy arqueólogo profesional, aunque, eso sí, siempre me han interesado las antigüedades, primero de mi país, más tarde – de América. Cuando era joven, residía no lejos de un monumento célebre de época medieval, montículos de Gnezdovo, al occidente de Smolensk. Frecuentaba el museo de esta ciudad. Después de pasar el servicio militar en 1956-1959, ingresé a la Universidad Lomonosov en Facultad de Historias. Todos los estudiantes de primer año tuvimos un curso de arqueología y una práctica a fin del curso, que yo pasé con Boris A. Rybakov en una ciudad ucraniana Liubech; еso era el verano de 1960. Siendo estudiante participé en excavaciones en Turkmenia nor-occidental y en la península Mangyshlak, en 1961 y 1962 bajo la dirección de Serguey. P. Poliakov (en Mangyshlak estuve una vez más dentro de unos años). A fines de mis estudios de postgrado, en 1969 fui obrero en excavaciones que Valery I. Guliaev realizaba en provincia Voronezh. Más tarde, si no me equivoco, en temporadas de 1975 y 1976 y en la misma calidad, estuve en la península Taman junto con Stanislav S. Dolgurukov. Pero más, durante los trabajos agrícolas en el patio (huerto) de la casa de mis padres se me encontraban los artefactos de sílex, que yo seguía acumulando. Resultaron ser restos mesolíticos, que se han publicado al fin de cuentas con ayuda de unos amigos arqueólogos. Por cuanto el tema de mi tesis de postgrado (1966-1969) trató sobre habitantes de las Antillas antes de llegada de los europeos, además de fuentes escritas tenía que acudir también a las arqueológicas. Utilicé mis primeras estancias en Cuba (trabajé como intérprete) en 11

Dr. en Ciencias Históricas, Investigador Titular del Centro de Estudios Europeos y Americanos. Instituto de Etnología y Antropología de Academia de Ciencias de Rusia.

35

Depoimentos

1963-1964, 1965-1966 y otras para familiarizarme con la literatura correspondiente. Afortunadamente conocí al antropólogo Manuel Rivero de la Calle y al arqueólogo Ernesto Tabío que me mostraron algunos sitios en provincia de Matanzas. Al mismo tiempo o algo más tarde conocí a Ramon Dacal, Milton Pino, José Guarch, Lourdes Domínguez y otros más jóvenes. Todos me ayudaban tanto en conseguir la literatura como en que yo entienda mejor la arqueología cubana. En Cuba también conocí a Betty Meggers y Ricardo Alegría. En cuanto a los textos arqueológicos, desde estudiante me hice el lector de la revista “American Antiquity” y primero que he leído sobre Cuba era un artículo de Cosculluela. Después por mis manos pasaron muchos textos de arqueología de Antillas y de otras partes de América, así como varios libros sobre América antigua en general. Verdad es que últimamente no seguía esta literatura tanto como antes, porque me ocupaba de la historia étnica de Cuba. Pero, por cuanto ahora me interesé en la cosmovisión de los aborígenes de América del Sur (incluidos Antillas por supuesto) acudo también a las publicaciones arqueológicas correspondientes, que lamentablemente vienen pocas a nuestras bibliotecas y especialmente periódicos regionales.

36

Desafios da arqueologia

Igor Chmyz

12

Possui graduação em História e Geografia pela Universidade Federal do Paraná (1963) e Doutorado em Ciências (Antropologia - Arqueologia) pela Universidade de São Paulo (1972). Atualmente é Pesquisador Associado do Centro de Estudos e Pesquisas Arqueológicas e professor sênior junto ao PPGAS da Universidade Federal do Paraná. Tem experiência na área de Arqueologia, com ênfase em Arqueologia de Salvamento, atuando principalmente nos seguintes temas: arqueologia brasileira, arqueologia paranaense, arqueologia pré-histórica e histórica, arqueologia de salvamento e arqueologia histórica.

Um longo (e difícil) percurso pela Arqueologia Igor Chmyz

O que motivou sua “opção” por essa área de trabalho/pesquisa? Creio que foi vocação. Desde a infância sentia atração por tudo que se relacionasse ao meio-ambiente. Ao participar de piqueniques 12

Texto informado pelo autor – Plataforma Lattes. Data de acesso: 27/07/2009. Disponível no site: http://buscatextual.cnpq.br/buscatextual/visualizacv.jsp?id=S61457 )

37

Depoimentos

com meus pais nos arredores de União da Vitória (PR), minha cidade natal desde 3/11/37, sempre voltara com amostras de plantas e rochas e, com elas, montava exposições no quintal de casa. Era, na verdade, um pendor para a pesquisa. Na adolescência, com meus colegas de escola, fazia excursões nas margens do rio Iguaçu ou morros das cercanias, produzindo relatórios ilustrados que ainda conservo. As cavernas e abrigos lá existentes eram palmilhados na expectativa de que neles houvesse vestígios arqueológicos. Na época, ao freqüentar as poucas bibliotecas da cidade, os livros que mais atraíam a minha atenção eram os de ciências humanas, especialmente os raros de arqueologia e antropologia. Comprei os famosos “Deuses, túmulos e sábios”, de Ceram, e “A Bíblia tinha razão”, de Keller. Relatos dos meus avós maternos, imigrantes da Ucrânia, certamente alimentaram o meu imaginário com relação às populações indígenas. Minha avó, quando criança, quase foi raptada por índios Jê. Meu avô, marceneiro da rede ferroviária em implantação e encarregado da construção das primeiras estações, contava que havia serrado, em várias ocasiões, flechas cravadas nos corpos de operários das frentes de trabalho. Vi vagões carregados de conchas retiradas de “cemitérios indígenas”, como me explicavam, que eram utilizadas para o revestimento das ruas, assim como pontas de flechas extraídas do leito do rio pelos exploradores de areia e que eram por eles atribuídas aos índios antigos. Acredito que essas impressões contribuíram para o meu direcionamento à profissão que abracei, em detrimento da geologia ou botânica e, principalmente, em detrimento da medicina, a carreira para mim projetada pela família. A minha decisão foi traumática porque ocasionou, por algum tempo, a ruptura. Não contando com o apoio familiar nos anos seguintes e, mesmo me beneficiando de uma universidade pública para minha formação, tive de lutar para sobreviver. Encadernava livros para particulares e bibliotecas, inclusive a do Museu Paranaense, os quais hoje consulto e vejo que ainda estão em boas condições. Minha mulher trabalhava em gráfica, reforçando o orçamento. 38

Desafios da arqueologia

Quais as circunstâncias de seu ingresso na área? Ao concluir o científico, passei alguns meses em Apucarana (PR), ajudando meu tio na resolução de problemas que tinha no seu cartório. Acompanhando-o em uma das excursões que fazia pelas matas do Paraná em 1958, tive a oportunidade de ver e sentir as ruínas de Ciudad Real Del Guayrá, fundada pelos espanhóis na margem do rio Paraná em 1557. Elas estavam, ainda, cobertas pela densa floresta. Não havia estradas; o local foi acessado de barco, pelo rio. Retornando, depositei as peças recolhidas em Ciudad Real no Museu Paranaense. Recebeu-me o prof. Oldemar Blasi, que lá trabalhava com o arqueólogo Wesley R. Hurt Jr. e alunos do curso de formação promovido pelo Centro de Ensino e Pesquisas Arqueológicas (CEPA), da Universidade do Paraná. O sítio-escola do curso foi o Sambaqui do Macedo, localizado em Paranaguá (PR). Percebendo meu interesse pela arqueologia, o prof. Blasi informou-me que no ano seguinte estaria coordenando pesquisas programadas pelo CEPA nas ruínas de Villa Rica del Espíritu Santo, sítio pertencente ao mesmo contexto histórico de Ciudad Real, e adiantou-me que, caso o prof. dr. José Loureiro Fernandes, seu diretor, autorizasse, delas poderia participar. Isso aconteceu e tive a oportunidade, durante um mês, de trabalhar em escavações, coleta de dados e levantamento topográfico. Começamos, também, as escavações em um sítio tupi-guarani nas proximidades. Cheguei a localizar, na mesma ocasião, um sítio lítico, denominado Riacho Pequeno, no qual, nos finais de semana, aplicava os conhecimentos que estava adquirindo. Publiquei o resultado dessa abordagem em Pesquisas-Antropologia n. 13, em 1962. Pouco antes da pesquisa de Villa Rica, Blasi, Hurt e José Wilson Rauth visitaram um abrigo-sob-rocha que havia localizado em 1955, na região de União da Vitória; escavei esse sítio nos anos seguintes. Depois da etapa de campo em Villa Rica, estagiei voluntariamente no Museu Paranaense, trabalhando com restaurações, análise do acervo recolhido e confecção de ilustrações para publicações. Além dessas atividades internas, desenvolvi outras de campo, 39

Depoimentos

acompanhando o prof. Blasi. No então distrito de Itaperuçu, nos arredores de Curitiba, encontramos um abrigo que fora ocupado por ceramistas diferentes daqueles constatados anteriormente nos vales do Ivaí e Paraná. Se as evidências recuperadas tivessem sido estudadas, a definição da tradição Itararé seria antecipada em seis anos.

Quais as principais referências de início de carreira (textos e pessoas)? O estágio que desenvolvi no Museu Paranaense propiciou-me valioso contato com a equipe do curso coordenado por Hurt que, além dos já mencionados, incluía Margarida Davina Andreatta, Maria José Menezes e Maria da Conceição de Moraes Coutinho. Conheci a arqueóloga francesa Annette Laming que se preparava para coordenar outro curso do CEPA, desta vez junto ao sítio José Vieira, no planalto paranaense. Seu marido, o arqueólogo Joseph Emperaire, havia morrido no ano anterior, durante pesquisas que realizavam na Patagônia Chilena. Tive a oportunidade, também, de conversar muitas vezes com o prof. Loureiro. No ano seguinte fui por ele convidado para permanecer no CEPA, na época instalado em uma sala entre os departamentos de História e Antropologia, no edifício da Faculdade de Filosofia. Concedeu-me uma bolsa do CEPA, o que me possibilitou dedicar mais tempo aos estudos. Passei a ajudá-lo nas exposições do seu departamento e na montagem do Museu de Arqueologia e Artes Populares no antigo Colégio dos Jesuítas de Paranaguá. Embora tenha participado com o prof. Blasi de mais uma etapa de campo em Villa Rica, em 1960, quando foram concluídas as escavações no sítio J. Lopes, recebi apoio do prof. Loureiro para retornar aos sítios da região de União da Vitória, para escavá-los. Retornei, também, às ruínas de Ciudad Real, realizando escavações e levantamento topográfico da sua malha urbana. Iniciei o meu curso de Geografia e História, na então Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade do Paraná. Paralelamente, por deferência do prof. Loureiro, assistia as aulas dos 40

Desafios da arqueologia

cursos do CEPA, que eram em nível de pós-graduação. Eu já havia assistido as últimas aulas do curso de Hurt. Assim, absorvi as lições de Hurt, Annette Laming, Blasi que também dava aulas no CEPA, João José Bigarella, Riad Salamuni, Luiz de Castro Faria e Peter Paul Hilbert, entre outros. Beneficiei-me, ainda, de curtos cursos de atualização dados por visitantes, como: Pedro Bosh Gimpera, Raoul Hartweg, Emilio Willems e Juan Comas. Recebi orientações de Fernando Altenfelder Silva, Helbert Baldus, José Maria Cruxent, Osvaldo Wenghin e Virginia D. Watson, quem primeiro trabalhou em Ciudad Real. No ano de 1962 o prof. Loureiro convidou-me para uma viagem ao Rio Grande do Sul. Em Caxias do Sul prospeccionei uma habitação subterrânea e um abrigo com vestígios de práticas funerárias (um sítio cemitério). Conheci, em Porto Alegre, o prof. Pedro Ignácio Schmitz. Meus primeiros trabalhos foram publicados em 1962 e 1963, em Pesquisas-Antropologia, Runa e Revista de História, enfocando o sítio Riacho Pequeno, os sítios de Caxias do Sul e Ciudad Real, respectivamente. São de 1963, também, as publicações sobre os sítios da região de União da Vitória, nos Anais da 6ª Reunião da ABA e J. Lopes, no Boletim Paranaense de Geografia, em colaboração com o prof. Blasi. Em 1964, já formado, participei do curso coordenado por Clifford Evans e Betty Megers, cuja tônica foi o Método Ford. Este curso havia sido cogitado pelo prof. Loureiro desde 1954, mas não implementado porque não havia alunos capacitados para assimilar aquela metodologia. Sítios que registrei em 1964, durante pesquisa em área ampla no Vale do Paranapanema, serviram de base para as análises laboratoriais e para a definição da fase Cambará. Do curso resultou uma pesquisa financiada pelo Smithsonian Institution e apoiada pelo CNPq e Iphan, que foi desenvolvida em vários Estados brasileiros, entre 1965 e 1970. Integrei esse Programa Nacional Pesquisas Arqueológicas (Pronapa), trabalhando em trechos que selecionei no Paraná, São Paulo e Mato Grosso do Sul. Acompanhei ainda, os cursos de 1966 e 1973, ambos coordenados por Annette Laming-Emperaire. 41

Depoimentos

As aulas dos cursos mais antigos eram preparadas pelos professores e distribuídas mimeografadas. Nos mais recentes, textos xerocopiados eram disponibilizados para os alunos. A biblioteca do CEPA dispunha de vários livros, como os de M. Wheeler, V. G. Childe, C. Arambourg e L. Pericot y Garcia, além de periódicos, entre os quais American Antiquity. Terminologias produzidas pelos participantes dos cursos, para a cerâmica e o lítico, foram publicadas. Em 1964, ainda, como instrutor voluntário, passei a ensinar arqueologia para diversos cursos da Universidade, e comecei a formar equipes. Posteriormente, aprovado em concurso público, assumi essa função à qual me dediquei ininterruptamente até hoje. Doutorei-me na USP, em 1973. Foram meus orientadores e/ou examinadores os professores João Baptista Borges Pereira, Ulpiano Bezerra de Meneses, Eurípedes Simões de Paula, Egon Schaden e Erasmo D’Almeida Magalhães. Este substituiu o prof. Loureiro que, adoecendo, não pôde compor a banca.

E as principais referências na carreira como um todo? Além da atividade didática na Universidade, lecionando disciplinas de antropologia e arqueologia a princípio e depois só as de arqueologia, dediquei a maior parte do meu tempo à pesquisa de campo e laboratório. Todos os meus períodos de férias foram empregados no campo. Fora os Estados já mencionados, com a equipe do CEPA trabalhei em outros situados na Amazônia. Em Minas Gerais, dois grandes projetos ligados a hidrelétricas foram executados. Assumi, em 1966, em substituição ao prof. Loureiro, a direção do CEPA. Embora seja avesso à função administrativa, exerci em algumas ocasiões a chefia do Departamento de Antropologia, coordenação de cursos de graduação e pós-graduação e, interinamente, a direção do Museu de Arqueologia e Artes Populares. Representei o Iphan, entre 1968 e 1988, nos assuntos de arqueologia no Paraná. Fora da Universidade, tenho colaborado com instituições culturais e científicas, participando de conselhos. 42

Desafios da arqueologia

Quais são os seus procedimentos de trabalho/pesquisa? Na minha formação recebi influência das chamadas “escolas” francesa e americana. Não tive a oportunidade de ouvir o iugoslavo Adam Orssich, mas da sua metodologia interei-me recorrendo à sua correspondência e relatórios arquivados no CEPA. Estes, inclusive, foram por mim editados, em 1977, nos Cadernos de Arqueologia de Paranaguá. Algumas conclusões de Orssich para o Sambaqui escavado em 1952, em Guaratuba (PR), especialmente a relacionada a evidências de fundos de cabana naquele sítio, foram duramente criticadas na época, como se pode ver no artigo publicado por Paulo Duarte, nos Anais do 31º Congresso de Americanistas. Com relação às “escolas”, acho que se complementam dependendo do enfoque da pesquisa. Escavei sítios acompanhando a estratigrafia natural, como em habitações subterrâneas, e outros por meio de níveis arbitrados. Sempre procurei delimitar as áreas das ocorrências, registrando-as como sítios, embora, em muitos casos, depois das análises laboratoriais e da construção das seqüências seriadas, tenha-se verificando que comportavam várias ocupações da mesma tradição arqueológica, temporalmente separados. Ao enfocar uma área de pesquisa, minha preocupação sempre foi o registro de todas as evidências de ocupação pretérita; nunca privilegiei sítios líticos em detrimento dos cerâmicos ou de qualquer outra natureza. A pesquisa feita em área ampla possibilita a periodização da sua ocupação. Isso já havia feito no vale do Rio Vermelho, cuja publicação data de 1963.

Quais suas principais contribuições para a área no Brasil e/ ou no mundo? Durante as comemorações programadas para o cinqüentenário do CEPA, em 2006, foi produzido um mapa assinalando os sítios arqueológicos registrados e/ou pesquisados pela casa nos Estados do Paraná, São Paulo, Mato Grosso do Sul e Santa Catarina. Nele figuram 1.351 sítios; na representação não foram considerados os sítios que perderam o potencial informativo, embora suas ocorrências tenham sido coletadas e anotadas em mapas regionais. 43

Depoimentos

Grande parte dessa produção é resultante de abordagens realizadas em ritmo de salvamento em áreas que foram submersas ou modificadas em seguida. Mesmo aquelas áreas vinculadas ao Pronapa ou a outros projetos que não dependiam dos rígidos cronogramas físicos de obras, hoje podem ser considerados como trabalhadas em ritmo de salvamento. A degradação ambiental, as práticas agro-pastoris e agro-industriais entre outras atividades antrópicas processadas, ocasionaram danos ao patrimônio arqueológico constatado inicialmente. Em espaços que foram pesquisados na década de 1960 no vale do Paranapanema, por exemplo, ainda com porções de mata entre os cafezais, sítios eram encontrados em boas condições de conservação. Novos trabalhos neles executados nas décadas de 80 e 90, em função de estudos de impacto ambiental ou salvamento, evidenciaram o que acima comentei. Pesquisas desenvolvidas em um daqueles trechos em 2006, em decorrência da instalação de usina de açúcar e álcool, revelou um quadro ainda mais preocupante. As prospecções abrangeram a área da unidade processadora e a de plantio de cana-de-açúcar e evidenciaram 26 pontos com ocorrência de material arqueológico. Deles, apenas 9 puderam ser registrados como sítios e, mesmo assim, sem que apresentassem o potencial informativo que norteava o cadastramento de sítios daquele trecho nos anos 60. A que conclusão poderia chegar um jovem arqueólogo pesquisando esse espaço em 2006, sem os referenciais obtidos nas décadas anteriores? Antes, quando os sítios ofereciam boas condições de pesquisa, os recursos para tal eram escassos; hoje os recursos existem, principalmente em conseqüência do aperfeiçoamento legislativo, mas o objeto da atividade foi destruído ou diminuído na sua potencialidade informativa. Se contribuí com algo para a arqueologia brasileira, além dos dados que tenho fornecido nas publicações, creio que foi na questão do salvamento. Em 1964, ao atender ocorrências na foz do Itararé com o Paranapanema, constatei na área da UHE Salto Grande, sítios temporariamente emersos no seu reservatório. Constatei, também, que as obras da UHE Xavantes estavam em andamento, comprometendo sítios em trechos daqueles rios. Tentei, junto aos 44

Desafios da arqueologia

empreendedores, o patrocínio do salvamento. Diante da recusa, consegui sensibilizar o diretor do Iphan, que obteve do MEC os recursos necessários para o início do projeto. A conclusão das pesquisas dependeu de recursos do CEPA. Em 1965 sofri outra recusa de financiamento de projeto pelos promotores de UHE Salto Grande, no rio Iguaçu; o salvamento foi executado novamente com recursos do CEPA. Para o desenvolvimento dos projetos seguintes (p. ex.: UHE Itaipu, UHE Salto Santiago e UHE Foz do Areia), adotei estratégias que não deixavam margem argumentativa para os empreendedores, algo parecido com o diagnóstico de áreas nos estudos de impacto ambiental agora praticado. Obtive os financiamentos, mas poucas vezes consegui que os empreendedores custeassem, além das atividades de campo, os trabalhos de laboratório e a publicação dos dados e conclusões. Esta é uma situação comum e preocupante na questão do salvamento, ocasionando uma defasagem entre a obtenção dos dados e a divulgação dos resultados. O monitoramento feito em 1964 na área da UHE Xavantes e que me direcionou para as pesquisas de salvamento, repetiu-se em outras hidrelétricas nos anos seguintes. Agora sabemos o que acontece com sítios submersos há mais de 50 anos. Apresentei algo sobre essas atividades complementares ao salvamento durante a reunião da SAB em 2001; em 2003 o Iphan baixou a Portaria nº 28 tornando obrigatório o monitoramento arqueológico. A realidade dos salvamentos arqueológicos no Brasil antes da edição da Resolução nº 001/86, do Conama, foi tema de uma comunicação que apresentei durante uma reunião sobre a arqueologia de resgate em Dallas, em 1984. Contribuíram para essa avaliação poucos arqueólogos brasileiros que ao tema se dedicavam. A maioria o execrava na época, inclusive muitos dos que hoje a ele se dedicam inteiramente.

45

Depoimentos

Lourdes Domínguez

13

Lourdes Sarah Domínguez Gonzalez é arqueóloga e membro da Academia de Ciências de Cuba. Como pesquisadora da Oficina del Historiador, Havana (Cuba), Domínguez desenvolve uma série de pesquisas em seu país a partir de discussões relativas à Arqueologia Colonial e Pós-colonial. Vinculada aos projetos de salvamento, restauro e conservação do Patrimônio Nacional, tornou-se uma referência sobre Arqueologia Histórica Cubana.

La arqueologia y yo, o mejor dicho, yo en la arqueologia Lourdes Domínguez

Qué me motivó la opción de la arqueología. Y qué circunstancias tuvieron en la entrada en la disciplina. Mi interés desde mis años de estudiantes fueron las raíces indígenas de nuestra América, la visión de José Martí y su concepto de NUESTRA AMERICA estuvo y está siempre muy profundo en mí. Mi interés en la arqueología parte de la imposibilidad, dada por 13

Texto produzido pelos organizadores do livro.

46

Desafios da arqueologia

las circunstancias de Cuba en los años 60, de estudiar in situ a la América, me inclino a buscar a la arqueología como la ciencia más afín a mis intereses. Mi intención de estudiar arqueología fue nula, no había y no hay carrera de arqueología en mi país, pero lo que me hizo introducirme en la arqueología a toda costa y con toda mi fuerza fue la negativa del funcionario que regia la arqueología de mi país, y que xenofóbicamente me dijo, ante mi interés de optar por ayuda económica que me permitiría estudiar en la Universidad la Carrera de Historia y trabajar en un Departamento que tenia la Academia de Ciencias que hacia Arqueología. Las palabras fueron tajantes: El trabajo arqueológico no es para mujeres. ESE FUE EL MOMENTO EN QUE ERNESTO TABIO DECIDIÓ QUE YO FUERA ARQUEÓLOGA.

Cuáles fueron las referencias generales que tuvo. Dentro de los estudios universitarios mi relación con el arqueólogo José Manuel Guarch, mi hermano, que me ayudó mucho en ese aspecto y me puso en contacto con la obra de Felipe Pichardo Moya, arqueólogo cubano y la obra de Vere Gordon Childe el padre del pensamiento progresista en arqueología.

Como se inserta su trabajo en la arqueología y procedimientos de investigación. Las dificultades fueron muchas, pero no insalvables, desde tener que copiar libros a mano, cuando me los prestaban, hasta sobrepasar todo tipo de discrimen por ser mujer y por querer unir la historia a la arqueología y sobre todo el arte. Todo esto me hizo estudiar dos carreras en la Universidad tanto Historia como Historia del Arte, leer infinitamente de todo, vivir consecuentemente en mi país socialista y sobre todo teóricamente darme cuenta muy temprano que el único camino para hacer un buen trabajo en la arqueología es a partir del materialismo histórico y dialéctico. Eso que hoy se habla de eclecticismo o sea de tomar de todo un poco, es una falacia que el postmodernismo nos regala y hay quien se enriquece con el regalo. 47

Depoimentos

Principales contribuciones. Que he aportado, eso lo dirá la historia si es relevante, yo solo sé que he estudiado toda mi vida y si algo he dado a la arqueología con toda mi alma, es la docencia, la única manera de resarcir a la vida la oportunidad de ejercer la profesión más bella del mundo.

48

Desafios da arqueologia

Maria Beltrão

14

Maria da Conceição Beltrão é arqueóloga vinculada ao Museu Nacional da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Participou dos trabalhos da Missão Francesa no Brasil (entre eles a escavações no Sambaqui de Guaraguaçu, no litoral do Paraná, sob a direção da Dra. Annette Laming-Emperaire, em 1959) e, desde então, participa de trabalhos arqueológicos no Brasil e no exterior. Entre suas publicações, encontram-se livros e textos voltados para a educação patrimonial de crianças.

Breve Histórico Maria Beltrão

Minha carreira começou em 1955, ao concluir o Bacharelado em Geografia e História pela Faculdade Fluminense de Filosofia e, no ano seguinte, a licenciatura em Geografia e História pela mesma Universidade. Ao me diplomar, fui convidada pelo professor Antônio Teixeira Guerra, grande especialista em Geomorfologia, para ser sua assistente. 14

Texto produzido pelos organizadores do livro.

49

Depoimentos

O professor Antônio Teixeira Guerra depositou tanta confiança em meu trabalho, que me permitiu ministrar aulas no curso. Fiz grande esforço para manter-me a sua altura. Mas, sempre achei que meu caminho era, também, a Antropologia. Ao final de um ano e meio, fui convidada pelo professor Luiz de Castro Faria para estagiar no Departamento de Antropologia do Museu Nacional. Durante o estágio, percebi que a área do conhecimento que mais me interessava era, sem dúvida, a da Arqueologia. O professor Castro Faria, homem de inteligência cintilante e respeitado antropólogo, exerceu papel destacado em minha formação. Com seu aguçado senso crítico, colocava-se na posição de virtual adversário de seus alunos para, através de pertinentes questionamentos de nossas idéias, obrigar-nos a refletir sobre nossas próprias proposições. Como não freqüentava sua sala no Museu Nacional resolvi, certo dia, comunicar-lhe meu desejo de fazer Arqueologia. Respondeu-me ele: “você vai se casar um dia e terá filhos; a arqueologia não é uma profissão para mulher porque exige muito trabalho de campo. Você terá problemas em adequar a sua vida pessoal com a de Arqueóloga e Paleontóloga Humana”. Sua afirmação parece ter sido premonitória; por isso abro pequeno parêntese para um esclarecimento com relação à Dra. Betty Meggers. Agradeço-lhe, ainda que tardiamente, por ter-me generosamente incluído, há muitos anos, na relação dos arqueólogos que integrariam sua equipe, no Brasil. Infelizmente, à época, não me foi possível aceitar o convite, em razão de minhas responsabilidades como esposa de homem público e de mãe de crianças muito pequenas. Betty Meggers, José Loureiro Fernandes, Castro Faria, Annette Laming-Emperaire, Wesley Hurt, entre outros, ajudaram a formar arqueólogos brasileiros que ainda trabalham em prol da disciplina que cada vez mais se aprimora, cria raízes, abre novas linhas de pesquisa, internacionaliza-se e alicerça-se com base científica sólida. Retomando meu depoimento, relembro que na ocasião em que conversava com o professor Castro Faria, adentrou a sala o professor José Loureiro Fernandes que, além de médico, criou e dirigiu o Centro de Ensino e Pesquisas Arqueológicas da Universidade do 50

Desafios da arqueologia

Paraná e foi responsável pela reorganização do Museu Paranaense, sendo seu diretor de 1936 a 1943 e, depois, de 1945 a 46. Pertenceu, ainda, ao Conselho Administrativo do Museu. Loureiro Fernandes contratou, com o apoio da CAPES–Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior, professores franceses e americanos para ministrarem o Primeiro Curso de Arqueologia do País, junto a Universidade Federal do Paraná. O curso, em nível de Extensão Universitária, após o candidato passar por diversas provas de seleção, oferecia ao primeiro colocado um contrato com a Universidade Federal do Paraná. Foi quando ouvi o professor Loureiro Fernandes dizer ao professor Castro Faria que surgiu um problema: a CAPES exigia que houvesse pelos menos um candidato de outro Estado, no processo de seleção. A dificuldade estava no tempo: faltava apenas um mês e meio para os exames. No Paraná, cerca de 40 alunos já se preparavam há dois anos para as provas. O professor Castro Faria perguntou: Quem irá se candidatar nessas circunstâncias? Sem refletir, ergui a mão e apresentei-me para o desafio. O professor Loureiro Fernandes perguntou: mas quem é ela? Castro Faria informou que eu era sua estagiária e que me recomendava. Fiquei feliz e surpresa, com a recomendação. Começava, naquele momento, a corrida contra o tempo. Já com a bolsa da CAPES, eu tinha apenas um mês e meio para prepararme para as provas no Paraná. Foi uma surpresa para muitos eu ter obtido o primeiro lugar, porque quase não tivera tempo para estudar. Mas costumo render bem quando desafiada, e aquele havia sido um desafio e tanto! Graças à pontuação obtida nesse curso ingressei, mais tarde, na Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ. Foi fundamental a experiência na Universidade Federal do Paraná, onde atendi a vários cursos que formaram a base do meu conhecimento na área de arqueologia. Sou profundamente grata ao professor Castro Faria, pelo sólido fundamento que tenho em Antropologia; sou também gratíssima ao professor Loureiro Fernandes pelo conhecimento que adquiri em Arqueologia. Nos dois anos que passei no Paraná, aprendi a importância da organização e da sistematização para os estudos e os trabalhos de 51

Depoimentos

Arqueologia. Antes do curso no Paraná, todos os arqueólogos eram autodidatas. A arqueologia brasileira estava, naquele momento, muito voltada para o estudo da região litorânea e, somente pouco a pouco, se foi interiorizando. Tenho orgulho de ter colaborado nesse sentido. O professor Loureiro Fernandes foi fundamental em minha vida acadêmica. Na Universidade Federal do Paraná conheci os professores Wesley R. Hurt, da Universidade de South Dakota, Madame Annette Laming-Emperaire, da Universidade de Paris, Sorbonne, e João José Bigarella. Mais tarde, em 1969, fui novamente aluna do professor Bigarella, no Curso de Sedimentologia no Instituto de Geociências da Universidade Federal do Rio de Janeiro. No Paraná, trabalhei em diversos sítios arqueológicos, onde aprendi técnicas específicas – metodologia de campo, tanto a praticada por americanos como a adotada por europeus – que me proporcionaram visão mais ampla desse universo. Foram esses excelentes professores que ajudaram a consolidar meus conhecimentos. Nesses dois anos no Paraná, convivi com outros, à época, alunos como eu, que se tornaram meus amigos até os dias de hoje: Margarida Andreatta, Maria José Menezes e Igor Chmyz. Igor é hoje arqueólogo brasileiro de reconhecimento internacional e editor da Revista de Arqueologia, que ajudei a criar e da qual participo como membro do Conselho Editorial. Há uma frase do Igor que me lembro sempre em momentos muito particulares e que, constantemente, me aquece o coração. Quando me vê, ele diz: “Maria Beltrão é nossa!”. Obrigada, Igor, pelo seu fraterno carinho. Quando comecei a dedicar-me à Arqueologia, senti muita resistência, em especial entre meus próprios familiares, com relação às pesquisas de campo. Não de meu pai, que era homem de mente bastante arejada, mas de algumas pessoas da família, que diziam que eu jamais me casaria, porque eu andava sempre em grupos de homens e mulheres pelos matos. Esta não era, ao contrário do que muitos possam pensar, a visão particular e exclusiva de minha família. Representava, na época, a maneira de compreender o mundo, de forma estreita e preconceituosa. No meio acadêmico, que passei a freqüentar, aprendi a superar 52

Desafios da arqueologia

os obstáculos e não me deixar abater pelas críticas adversas e pelos preconceitos. Embora o mundo tenha mudado, as mulheres continuam trabalhando em condições bastante adversas. Por exemplo, em 1963, no Estado de São Paulo, fui ameaçada de morte, pelas costas, com espingarda de cano duplo carregada. O dono da fazenda, Sr. Josef Böer, achou que eu estava garimpando no local. Esse homem simples, do campo, desconhecia o que era uma escavação arqueológica, como, aliás, ainda acontece em pleno século XXI. Naquela ocasião, o que me salvou foi a facilidade que tenho em dialogar com o homem do campo, porque cresci em contato com a terra e com as pessoas simples. Sou muito mais corajosa no mato do que na grande cidade. Nas minhas andanças arqueológicas, eu estive perto da morte por várias vezes. Embora convidada para trabalhar em Harvard e no Musée de L’Homme, preferi trabalhar em terras brasileiras, porque sempre acreditei que o Brasil é um grande Museu a Céu Aberto. Julgava que aqui era um campo ainda inexplorado. Desde muito cedo, eu já tinha idéias a esse respeito e nunca me arrependi de ter acreditado no meu país! Lembro-me que aos nove anos vi, pela primeira vez, uma peça arqueológica. Morávamos em São Fidélis, pequena cidade próxima ao município de Campos, onde meu pai trabalhava como engenheiro agrônomo. Um dia ele me levou ao Horto Florestal e me mostrou um machado polido de pedra, encontrado naquela região. Recordo meu pai ter dito: “Veja que interessante o objeto que achamos aqui no chão!” A segunda influência foi também vivida aos nove anos. Como eu gostava muito de ler e já havia devorado tudo que havia disponível em casa para a minha idade, meu pai autorizou-me o acesso a alguns livros de sua biblioteca. Certo dia, ele me viu lendo Nana, de Émile Zola – livro considerado bastante avançado para a minha idade. Delicadamente, disse-me que aquela leitura não era apropriada para uma jovem e indicou-me um interessante livro de ciências naturais, acrescentando: - “Maria, você gosta muito da natureza, 53

Depoimentos

vive observando tudo e cavoucando a terra. Tenho certeza que você vai gostar de ciências”. Ele tinha razão. Foi folheando esse livro de ciências naturais que vi pela primeira vez a figura da preguiça gigante. A partir daquele dia, nunca mais deixei de interessar-me pelo assunto. Curioso é que, nas escavações que realizei, ao longo de minha vida profissional, na Bahia, encontrei vários ossos de preguiça gigante. A influência dos primeiros anos de aprendizado é facilmente percebida ao longo de toda minha carreira. A pesquisa que desenvolvo desde então tem caráter eminentemente inter e trans-disciplinar, como conseqüência do vínculo que mantive com o Museu Nacional; inicialmente como estagiária depois como docente e atualmente como professora associada, além do contato diário com os demais professores de disciplinas afins. Como arqueóloga fui responsável, no Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas durante quinze anos em companhia do eminente pesquisador Dr. Jacques Danon, pelo desenvolvimento de pesquisas na área de arqueo-física, que resultaram na produção de 23 trabalhos publicados no Brasil e no Exterior. Registre-se que foi a partir do trabalho da Dra. Bethy Meggers e de suas importantes conclusões sobre a cerâmica amazônica, datada pelo C14, que desenvolvemos, no CBPF, a pesquisa que nos permitiu datar diretamente a cerâmica pelo método da Termoluminescência, corrigindo a pequena distorção relativa à fase Marajoara. Para este trabalho, contamos com o valioso apoio do saudoso arqueólogo Mário Simões, que integrou a equipe da Dra. Meggers. Mais recentemente fui convidada pelo Professor Dr. José Marcus de Oliveira Godoy – Pesquisador coordenador do Instituto de Radioproteção e Dosimetria - IRD/CNEN/MCT para integrar a equipe que irá participar da implantação do Laboratório de Datação Radiocarbônica no Estado do Rio de Janeiro. Quanto à pesquisa arqueológica, trabalhei e ainda trabalho em vários Estados brasileiros como São Paulo, Rio de Janeiro, Minas, Paraná e Bahia. Em cada um pesquisei vários tipos de sítios arqueológicos: tupi-guarani (aldeamentos e acampamentos), sambaquis, 54

Desafios da arqueologia

sítios do tipo atelier, sítios em terraços fluviais pleistocênicos ou em rampa de colúvio, grutas e abrigos sob rocha, cânions, sítios históricos etc. No princípio, privilegiei o estudo dos sítios localizados no litoral, mas depois, apresentei na Academia Brasileira de Ciências justificativa sobre a necessidade de interiorizar-se a pesquisa; o que fiz a seguir. Trabalhei no interior do Paraná, de São Paulo, do Rio de Janeiro e trabalho em boa parte do interior da Bahia. Entretanto, discordo da afirmação de que os sítios mais velhos estejam sempre no interior como nos era ensinado há 40 anos. O sítio de Itaboraí é exemplo de ocupação antiqüíssima nas proximidades do mar. Outra característica das pesquisas que desenvolvo, é não restringir as realidades arqueológicas brasileiras investigadas, isto é, publico sobre sítios arqueológicos do período Histórico e PréHistórico. Quanto à antiguidade da ocupação humana nas Américas, tomando por base as pesquisas arqueogeológicas, acredito que o limite inferior cronológico hoje estabelecido para a ocupação do Continente Americano será aprofundado gradualmente. Por razões históricas acreditou-se em uma ocupação de apenas 12 mil anos e agora 30 mil, visto que as primeiras pesquisas de arqueologia, realizadas ainda no século XIX, falavam de idades relativamente altas para a época, sem qualquer comprovação científica. Além disso, somos vítimas do rótulo imposto ao continente americano: NOVO MUNDO. E o que é novo? O novo é quase sempre olhado com desconfiança; o novo é muitas vezes considerado kitsch; o novo não está bem sedimentado e o que é pior, o novo não tem tradição. Acresce dizer que boa parte de tudo que aprendi, nos anos 60, no campo da Paleontologia Humana, tive que reformular. Por exemplo, ao contrário do que se pensava, hoje sabemos que alguns pré-humanos também eram bípedes; em segundo lugar, o Homo erectus não se desenvolveu na África e, se o processo de evolução ocorreu ali, como explicar a presença do Homo erectus na Ásia, com dentes característicos de Australopithecus? Finalmente, a ocupação 55

Depoimentos

humana na África alcançou pelo menos 2 milhões e 500 mil anos (Homo habilis), que morfologicamente tem as características do Homo sapiens. A ocupação na Ásia recuou de algumas dezenas de milhares de anos para um milhão e oitocentos mil em Java. Um milhão e oitocentos mil anos no centro da China e no Paquistão. Na Geórgia (país do Cáucaso) atingiu um milhão e novecentos mil anos e, agora, outros esqueletos foram datados de um milhão e oitocentos mil anos. Curiosamente, o esqueleto da Geórgia datado de um milhão e novecentos mil anos tem características que o aproximam do Homo habilis africano. No Congresso de Paleontologia Humana realizado na África do Sul, ouvi de arqueólogos russos, a afirmação de terem provas de ocupação humana, na Rússia, datada de 2,5 milhões de anos. Quanto à América, está comprovado em laboratório que já há 5 milhões de anos, pelo menos, os animais passaram da Ásia para a América e vice-versa. Ora, sendo o homem um caçador, por que ele teria dito não à América, deixando de seguir a caça nos últimos 2 ou talvez 3 milhões de anos? Como geóloga, que também sou, venho aconselhando que se procurem sítios arqueológicos em grutas ou outros depósitos calcários que tenham suas superfícies seladas pela marga (como no caso da Toca da Esperança, na Bahia), ou em regiões próximas aos locais onde tenha havido atividade vulcânica (como no caso do sítio arqueológico de Itaboraí). Junto com Paepe, em 1978, propus outra rota migratória entre o extremo sul da África do Sul e o extremo sul da América do Sul, que poderia ser percorrida durante um período glacial bastante rigoroso a partir do surgimento de um caminho de terra e/ou de gelo. A travessia também seria viável em virtude do metabolismo do homem pré-histórico possivelmente ser diferente do homem atual, permitindo-lhe suportar baixas temperaturas. Foi, ainda, graças à Universidade Federal do Paraná, que me tornei a primeira professora titular de Arqueologia no Brasil. Como docente, espelhei-me no exemplo do Professor Loureiro Fernandes e, como ele, devotei particular atenção à formação de arqueólogos. 56

Desafios da arqueologia

Tenho recebido, como estagiários, alunos de diversos cursos de graduação e pós-graduação, estudantes do 2º grau, como os do Colégio Pedro II, que participam do Programa “Jovens Talentos para a Ciência”, projeto de pré-iniciação científica oferecido pelo Governo do Estado do Rio de Janeiro através da Fundação CECIERJ com apoio financeiro da FAPERJ. Criei o primeiro curso de PósGraduação, lato senso, em Arqueologia, no país. Mais recentemente, oriento alunos do ensino médio do Colégio Estadual Francisca Carei também integrantes do Projeto Jovens Talentos para a Ciência, no município de Itaboraí, como parte das atividades para implantação do Parque Paleontológico de São José de Itaboraí. A preocupação com a divulgação científica é uma herança da iniciação que recebi no Paraná. Durante os 40 anos que estive como responsável pelo Setor de Arqueologia do Museu Nacional – UFRJ publiquei trabalhos sobre todas as coleções pré-históricas do Setor de Arqueologia, explicitando suas características; assim como publiquei sobre a Coleção Egípcia (cerca de 1000 peças) e, ainda, sobre a Coleção Greco-Romana. Nos dois últimos casos contei com a ajuda de vários especialistas. Quando terminei, fiquei com a impressão do dever cumprido, mesmo não sendo especialista no Egito pré-clássico e nas civilizações ditas clássicas, como os gregos. Publiquei um livro infantil e tenho dois outros em preparação, com o objetivo de levar para as crianças de 4 a 9 anos noções de arqueologia, patrimônio e ecologia. Registro, ainda, que em 1962, aos 28 anos de idade, fui escolhida pela UNESCO, por unanimidade e por indicação técnica, para ser a primeira representante do Brasil como Membro do Conselho Permanente da União Internacional de Ciências Pré-históricas e Proto-históricas. Nos anos 70, por escolha de Dra. Anette Laming-Emperaire, fui credenciada pelo CNPq como a Coordenadora da importante missão arqueológica da Região de Lagoa Santa. Posteriormente, em 1985, fui novamente escolhida pela UNESCO para participar do seleto grupo que compõe o Comitê Superior da Associação Internacional de Paleontologia Humana. 57

Depoimentos

Sempre visando divulgar e impulsionar a ciência arqueológica participo de diversas Academias e Instituições nacionais e internacionais. Criei e dirigi, durante alguns anos a Revista de Arqueologia, hoje em mãos da prestigiosa Sociedade de Arqueologia Brasileira; agremiação institucionalizada pelo Professor Pedro Inácio Schmitz, a partir da iniciativa da professora e querida amiga Dorth Pinto Uchoa e do professor Napoleão Figueiredo, que arregimentaram pequeno grupo de arqueólogos, no qual me incluo, e que levou avante a discussão sobre a necessidade de se criar uma instituição científica atuante em prol da arqueologia brasileira. Guardo em meu currículo outros indicadores da marcante influência dos anos de estudante do CEPA. Por essa razão, valhome constantemente de exposições como forma de divulgar a informação científica e a cultura nos mais diversos lugares. Já realizei 89 exposições, sendo três delas no exterior (Roma, Lisboa e Nova York, no World Trade Center, coincidentemente também no mês de setembro, porém cinco anos antes do atentado). A preocupação ecológica e educativa foi outra incorporação decorrente do convívio com meus queridos e saudosos professores. Busco, dentro das atividades do Projeto Central, projeto de pesquisa arqueológica que desenvolvo na Bahia, formar equipes volantes, que auxiliam no resgate da memória local com o objetivo de manter vivo nosso saber tradicional. Seria importante sublinhar que o Projeto Central também inclui o subprojeto “O sertão vai virar museu”, do qual já resultou a implantação de dois museus: o Museu Arqueológico de Central, no município de Central e, o Museu da Terra, no município de Luiz Eduardo Magalhães, que limita com a fronteira do Estado de Tocantins. Essa é a reflexão que faço de minha trajetória humana e profissional. Certamente valeu a pena conhecer, crescer e aprender com todos aqueles com quem tive a oportunidade de conviver, especialmente com meus alunos que constantemente me estimulam a olhar o Outro, a partir de novas perspectivas. Valeu a pena contribuir para o desenvolvimento da disciplina em nosso país e tenho a certeza de que não há volta, não há o menor perigo de retrocesso. 58

Desafios da arqueologia

As bases da disciplina já se encontram solidificadas. A cada dia, a arqueologia se fortalece e se amplia mais e mais, alimentada pela produção de conhecimento advinda de todas as regiões do Brasil. Soma-se a isso, a crescente sofisticação dos equipamentos e das ferramentas que podem ser utilizados em favor da pesquisa arqueológica permitindo-nos chegar a conclusões mais precisas por vias mais seguras. Obrigada.

59

Depoimentos

Pedro Ignácio Schmitz

Brasileiro, nascido em Bom Princípio, RS, em 30.08.1929. Bacharel em Filosofia e em Teologia pelas Pontifícias Faculdades de Filosofia e Teologia Cristo Rei, São Leopoldo; Bacharel e Licenciado em Geografia e História pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul-UFRGS, Porto Alegre; Doutor em História e Geografia e Livre-docente em Antropologia pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul-PUCRS, Porto Alegre. Membro da Companhia de Jesus desde 1948, sacerdote desde 1961. Professor de Antropologia na UFRGS de 1958 a 1987. Professor de Antropologia, Arqueologia e Pré-história na Universidade do Vale do Rio dos Sinos-UNISINOS desde 1963. Membro do Instituto Anchietano de Pesquisas-IAP desde 1956, várias vezes diretor. Sócio fundador e primeiro presidente da Sociedade de Arqueologia Brasileira–SAB. Membro da Associação Brasileira de AntropologiaABA, da Associação Brasileira de Arte Rupestre-ABAR, da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência-SBPC, da Society for American Archaeology-SAA. Bolsista de produtividade em pesquisa do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico-CNPq.

60

Desafios da arqueologia

Arqueólogo no Brasil: o território, as culturas e a passagem do tempo Pedro Ignácio Schmitz15

Raízes Em dezembro de 1957, quando terminei o bacharelado em História e Geografia na Universidade Federal do Rio Grande do Sul, o catedrático de Antropologia e Etnologia, Prof. P. Balduíno Rambo, me convidou para seu assistente e dividiu comigo a tarefa de pesquisa na cátedra. Ele continuaria estudando as populações indígenas do Estado e eu faria pesquisa em arqueologia. Lembro que ele me disse que, não havendo arqueólogos no país, eu poderia fazer carreira. Rambo tinha uma visão do seu tempo e prometeu ajudar-me em tudo o que pudesse. Ele faleceu em 1961, ficando a cátedra sob minha responsabilidade. Na passagem da década de 1950 para 1960 não havia disciplinas regulares de arqueologia nos cursos de graduação, nem existia pós-graduação no país. Estrangeiros desenvolviam projetos pontuais: Wesley R. Hurt em abrigos de Minas Gerais e sambaquis do litoral meridional, o casal Adam e Elfriede Orsich, Alan L. Bryan, Joseph Emperaire, Oswaldo F. Menghin também em sambaquis, Betty J. Meggers, Clifford Evans e Peter Paul Hilbert estudavam culturas amazônicas. Brasileiros treinados por eles, como Luis de Castro Faria, Oldemar Blasi, Fernando Altenfelder Silva e Wilson Rauth continuaram alguns trabalhos. O casal João José e Iris Köhler Bigarella, junto com Guilherme Tiburtius e P. João Alfredo Rohr faziam pesquisas independentes. Também Prof. Paulo Duarte, da Universidade de São Paulo, promovia pesquisas. Enquanto Balduíno Rambo era vivo, fiz contatos esporádicos com vários deles. O treinamento de novos profissionais será iniciativa principalmente do Prof. José Loureiro Fernandes, da Universidade Federal 15

Instituto Anchietano de Pesquisas/UNISINOS. E-mail:[email protected].

61

Depoimentos

do Paraná, que trouxe da França a Annette Laming-Emperaire e dos Estados Unidos o casal Evans. Ambos estão nas raízes de minha formação, mas não só eles. Buscando cumprir a destinação de Rambo, procurei oportunidades de treinamento. Assim, no verão de 1958, passei um mês vivendo no meio do povo das antigas reduções jesuíticas do Paraguai, para melhorar meu conhecimento da língua guarani, que lecionei durante anos. Em 1960, consegui espaço entre três dezenas de estudantes da Universidad Nacional de Córdoba, Argentina e durante dois meses, sob a coordenação do Dr. Alberto Rex González, escavei desde fortalezas incaicas e assentamentos do formativo templário andino até velhos sítios de caçadores pré-cerâmicos, na província de Tucumán. Em 1962, durante um mês, junto com numerosos universitários brasileiros, participei nos trabalhos de Annette Laming-Emperaire no sambaqui do Toral 51, na baia de Paranaguá. Em 1963 estagiei, durante três meses, no Museu Etnográfico de Viena, Áustria, olhando especialmente material das altas culturas americanas. Depois trabalhei mais uma vez, durante um mês e meio, sob a coordenação de Annette Laming-Emperaire, na escavação do sambaqui da Ilha dos Rosas, na baía de Antonina. Em 1970 voltei à Argentina, ficando no Museo de La Plata durante um ano, sob a orientação do Dr. Alberto Rex González e do Dr. Eduardo Mário Cigliano, pensando num doutorado, que não se realizou por incompatibilidade de currículos. Com carta de recomendação de professores do Museo, pude, então, visitar as instituições de pesquisa e os sítios arqueológicos mais importantes do Chile, do Peru, do México e da Guatemala. A partir de 1965, embora não ligado ao Programa Nacional de Pesquisas Arqueológicas (PRONAPA), mantive contato regular com Betty J. Meggers, que mais tarde me proporcionou dois curtos estágios na Smithsonian Institution, Washington. E para coroar a prática com a teoria, reuni uma respeitável biblioteca de Antropologia e Arqueologia, que continha os principais temas desses campos de conhecimento. Este treinamento fragmentário teve seu coroamento com o concurso de livre-docência em Antropologia, na Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, em 1976, que me proporcionou também o título de Doutor em Geografia e História. 62

Desafios da arqueologia

Foram variadas as tendências teóricas e metodológicas, que entraram em minha formação, mas predominou a da Antropologia Cultural americana, com tendência histórica e evolucionista multilinear. A convivência, durante as atividades de treinamento, com grupos diversificados do Brasil e da Argentina e a visita a instituições e sítios arqueológicos da América Latina, criou uma plataforma inicial de comunicação. Mas, apesar de dois estágios nos Estados Unidos e de várias passagens mais longas pela Europa, não cheguei a estabelecer contato eficiente com o Primeiro Mundo. Diversas circunstâncias, e finalmente uma decisão consciente, me levaram a dirigir a produção mais para o mercado nacional que para o internacional.

O quê e como fazer Com isso chego ao objetivo de minha atividade como arqueólogo. Ele foi condicionado pelo tempo em que foi estabelecido. A maioria dos países, na década de 1950, já conhecia seus principais sítios arqueológicos, ao passo que praticamente nada se tinha pesquisado no Brasil. Meu objetivo pode, então, ser enunciado como a intenção de colaborar na localização dos sítios arqueológicos e na identificação e caracterização das culturas pré-históricas das variadas regiões do território nacional. Para isto usaria testemunhos materiais de todo tipo, que levassem ao conhecimento da apropriação e produção de recursos sociais; da variabilidade tecnológica; da organização do espaço; da implantação no ambiente; das formas de representação e comunicação; dos contatos entre formações coetâneas; da formação e evolução dessas culturas através do tempo; e, quando possível, da identificação dos sobreviventes históricos ou atuais dessas culturas. Esta abordagem implicava em não rejeitar nenhum tipo de sítio pré-histórico, quer este se encontrasse a céu aberto ou em abrigo rochoso, estratificado ou superficial, incluindo pinturas e gravuras em paredes ou blocos rochosos; desde o começo do Holoceno, passando pelo “ótimo climático”, chegando ao momento do contato com o colonizador europeu. E sem escolher entre sítios provenientes de 63

Depoimentos

populações caçadoras, pescadoras, coletoras ou cultivadoras, com ou sem cerâmica. E supunha uma equipe que assumisse tarefas especializadas decorrentes dessa opção. Evitei trabalhar sítios da história da ocupação européia para não ampliar, ainda mais, o leque já demasiado amplo de sítios e problemas. A metodologia estava ajustada a esses objetivos. Para cobrir rapidamente amplos espaços, delimitavam-se, em mapa correspondente, áreas de amostragem, que não necessariamente correspondiam a regiões naturais. Geralmente, as áreas de amostragem cobriam 20.000 km², aproximadamente 100 por 200 km. Para a localização dos sítios, elas eram divididas em três ou mais subáreas. A meta era localizar ao menos 40 sítios em cada área de amostragem, mantendo certo equilíbrio entre as subáreas. O trabalho de campo imitava as orientações seguidas pelo PRONAPA, fazendo-se coletas superficiais, cortes estratigráficos padronizados, descrição dos sítios e de sua implantação, e recolhendo amostras de carvão para datação por carbono 14. Também em laboratório imitavam-se as orientações do PRONAPA. Apesar de nunca ter pertencido ao programa dirigido por Betty J. Meggers e Clifford Evans, eram eles que forneciam todas as datações necessárias para enquadrar os sítios no tempo. Também forneciam parte da bibliografia necessária. Quando se tratava de sítios fortemente impactados pela agricultura e o pastoreio, com o material reduzido à superfície do terreno, a previsão era estudar uma área de amostragem por ano. Mas quando havia sítios com espessas camadas estratificadas, pinturas e/ou gravuras, o estudo naturalmente se prolongaria por mais tempo e seria mais aprofundado. Usando esta metodologia, foi estudado o Rio Grande do Sul em suas diversas regiões, numa colaboração espontânea entre pesquisadores de várias instituições universitárias, sob a coordenação do Instituto Anchietano de Pesquisas/ UNISINOS (1965-1972); o Estado de Goiás, parte do Tocantins e o sudoeste da Baía, numa colaboração entre o Instituto e a Universidade Católica de Goiás (1973-1985, 1997); o planalto e o pantanal do Mato Grosso do Sul, num convênio entre o Instituto e a Universidade Federal do Mato Grosso do Sul (1985-2001). 64

Desafios da arqueologia

Com o falecimento de João Alfredo Rohr, que era associado ao Instituto, foram também assumidos trabalhos no litoral de Santa Catarina, estendendo-os, depois, para a planície costeira do Rio Grande do Sul. Primeiro foram estudados e publicados os três sítios pré-cerâmicos e os três sítios com cerâmica Itararé, nos quais Rohr tinha feito grandes escavações. Em continuação, mais dois sítios pré-cerâmicos foram escavados e publicados. A partir de 1998 a equipe do Instituto retomou as pesquisas no planalto do Rio Grande do Sul, onde escavou diversas “casas subterrâneas” com cerâmica da tradição Taquara; em 2004 começou pesquisas em “casas subterrâneas” sem cerâmica, na borda oriental do planalto, em Santa Catarina. Com estes trabalhos tocava-se a origem e formação dos grupos Jê do Sul do Brasil. Os recursos necessários para esses trabalhos foram recebidos de várias fontes nacionais: no começo o IPHAN proporcionava pequenas somas para levantamento de sítios arqueológicos, que cobriram a pesquisa inicial no Rio Grande do Sul e no Estado de Goiás. Posteriormente o CNPq começou a disponibilizar verbas e bolsas, em diversos níveis, com o que se criaram equipes nas instituições, que foram surgindo com os projetos. Grande parte dos recursos, em pessoal, instalações, veículos e publicações foi investimento das instituições de pesquisa, principalmente da Universidade do Vale do Rio dos Sinos, da Universidade Católica de Goiás e da Universidade Federal do Mato Grosso do Sul. É preciso registrar, finalmente, que a maior parte dessa pesquisa pioneira resultou da dedicação de jovens universitários, interessados em contribuir para o conhecimento das populações nativas e da história da nação.

Resultados O trabalho começou em 1965, paralelamente com o PRONAPA e nunca foi interrompido, nem mesmo nos anos de maior aperto econômico. Ele interiorizou a pesquisa, desbravando o cerrado do Brasil Central, o Pantanal do Alto Paraguai e os variados ambientes subtropicais do Sul do Brasil. Percorrendo espaços e ambientes indevassados, houve a oportunidade de estudar sítios arqueológicos de períodos cronológicos, 65

Depoimentos

níveis de organização social e modos de subsistência muito variados. Para uma apresentação rápida, divido-os em duas grandes classes: sítios de populações que predominantemente se apropriavam de recursos naturalmente disponíveis, através da caça, da pesca e da coleta, sem muitas outras intervenções no ambiente; e sítios de populações, as quais produziam grande parte da subsistência através do cultivo. A distinção não é perfeita, havendo todo um gradiente entre uma e outra classe, mas ajuda a expor rapidamente um conteúdo. Pude notar que há grande variabilidade na formação dos chamados caçadores, pescadores, coletores. Fatores da diversidade podem ser encontrados na interação de ambiente, período climático, ancestralidade, contatos entre os grupos e, fundamentalmente, dinâmica interna dos grupos. Indico, a seguir, as principais formações pesquisadas. Nos cerrados do Brasil Central foi estudada uma formação de caçadores e coletores generalizados, que produziram numerosos e densos sítios em abrigos rochosos e a céu aberto. Seus artefatos lascados, usando como matéria-prima rochas locais, eram trabalhados numa só face, com o que seriam úteis, principalmente, para cortar, raspar e furar madeiras ou couros; pontas de projétil, bifaciais, são absolutas exceções. No período antigo, de 11.000 a 8.500 anos A.P., denominado Tradição Itaparica, os instrumentos eram cuidadosamente talhados e formatados. No período de 8.500 a 6.500 anos A.P., denominado Fase Serranópolis, sem diminuição na intensidade do povoamento, os artefatos bem acabados desapareceram, permanecendo simples lascas sem maior trabalho ulterior. Depois da última data, incompreensivelmente, os sítios deixam de existir ou se tornam invisíveis. Se desconsiderarmos achados mais antigos de São Raimundo Nonato, que ainda carecem de plena aceitação pela comunidade científica, a Tradição Itaparica se apresenta como a ocupação inicial, bem sucedida, da imensa extensão dos cerrados e caatingas do Planalto brasileiro e do Nordeste. Essa ocupação do cerrado mostra imensa criatividade e variação nas pinturas e gravuras, que espalhou pelos abrigos, paredões e blocos rochosos da região. Nas áreas por nós pesquisadas tivemos oportunidade de caracterizar o estilo Serranópolis e o estilo 66

Desafios da arqueologia

Caiapônia e de trabalhar pinturas da Tradição São Francisco, já anteriormente estudada por outros arqueólogos. Quando nos deslocamos do cerrado do Brasil Central para o Pantanal do Alto Paraguai encontramos outras centenas de sítios deixados por populações, cuja subsistência se baseava na pesca, na coleta de moluscos de água doce e de arroz nativo e na caça de todo tipo de animais. Estes recursos podiam ser encontrados nas grandes lagoas, no rio e nos campos, que ficam alagados durante meses. Para alcançá-los, os grupos se estabeleciam na proximidade da água, acompanhando sua subida e descida anual. Mas, para evitar que a água inundasse os acampamentos, escolhiam pontos mais elevados, que ainda aumentavam com o lixo cotidiano, criando aterros, “capões” na linguagem local. A exploração indígena do Pantanal pode ser acompanhada até mais de 8.000 anos atrás. A 2.800 antes de nós, os grupos, que aí viviam, começaram a produzir uma cerâmica, denominada Tradição Pantanal, que se tornou patrimônio de grandes extensões das planícies alagadas e do árido Chaco vizinho. Aparentemente esta nova tecnologia não modificou a essência do modo de vida dos grupos. Ao tempo da colonização espanhola havia na região uma densa e aguerrida população indígena, que controlava o rio e os campos adjacentes, dificultando a passagem do colonizador. Mas é difícil ligar estas culturas com as que os arqueólogos estudam. Esta população também produzia sua arte-comunicação sob a forma de extensas figuras estilizadas ou geométricas, gravadas nos grandes lajedos horizontais do sopé dos morros do Complexo Urucum. Quando nos deslocamos das regiões tropicais para os matos e campos do Sul do Brasil, encontramos outro grande conjunto de sítios de caçadores generalizados, que também tinham seus acampamentos em abrigos rochosos ou a céu aberto, mas produziam instrumentos muito diferentes: É a Tradição Umbu, que se estende por todo o Sub-trópico, até limitar com o cerrado do Brasil Central. Nos sítios há grande quantidade de pontas de projétil bifaciais e os demais artefatos também costumam ser lascados nas duas faces. A ocupação começa ao redor de 11.000 anos e perdura até o segundo milênio de nossa era. A chamada Tradição Umbu não deve ser con67

Depoimentos

siderada uma cultura, mas uma tecnologia, que podia ser usada por populações de línguas e etnias diferentes. Atualmente estudamos uma área com numerosos desses sítios, na expectativa de identificar uma população viva cujos ascendentes tivessem usado esta tecnologia, concretamente, os Xokleng, da família lingüística Jê. Também esta população fazia gravuras, mas não pinturas, nos abrigos em que acampava e nos blocos isolados da paisagem na qual se movia: é o que se chama Tradição Meridional ou “Estilo Pisadas”. Ao longo das grandes lagoas do Sul e em terrenos que alagam com as chuvas de inverno, encontramos novamente centenas de “aterros”, parecidos com os do Pantanal, construídos por populações que baseavam a subsistência na pesca, na caça e na coleta de frutos naturais, especialmente os das palmeiras Jerivá e Butiá. Já se tornou hábito ligar estes sítios à Tradição Umbu, mesmo que para isso haja poucas certezas. Ao redor do tempo de Cristo aparece nesses sítios um estilo de cerâmica, denominado Tradição Vieira, que se estende para a vizinha república do Uruguai. Mencionei acima que também trabalhei em sítios pré-cerâmicos e cerâmicos do litoral de Santa Catarina e do Rio Grande do Sul. Ali chama atenção a diversidade cultural das populações estabelecidas, ou que aí passavam o período quente do ano, e a variedade de ligações que se estabeleceram entre os grupos ceramistas do planalto e os moradores tradicionais do litoral. Em alguns desses sítios, verdadeiras aldeias, acompanhadas de numerosas gravuras nos penhascos fronteiros ao mar bravio, é difícil separar o que seria o componente físico e cultural de cada uma das populações que aí se encontraram. Com isso chego ao frio planalto com Araucárias, onde se registraram inúmeros sítios com as chamadas “casas subterrâneas” que, na verdade, são habitações com estrutura aérea de ramos e palha e o piso profundamente rebaixado. Elas vêm acompanhadas de numerosos montículos funerários e de abrigos rochosos cheios de ossos, de mortos depositados sem enterrar. Nelas costuma ser encontrada uma cerâmica pequena e doméstica, denominada Tradição Taquara/Itararé. As datas mais antigas remontam aos primei68

Desafios da arqueologia

ros séculos de nossa era. A subsistência, baseada na combinação da colheita e manipulação das abundantes sementes do pinheiro (Araucaria angustifolia), da caça e de alguns cultivos tropicais, proporcionou aos grupos maior estabilidade que a normalmente atribuída aos caçadores do interior. O padrão de assentamento dos grupos era de casas isoladas ou em duplas. Quando registramos que o sítio se compõe de um número maior dessas casas, costuma tratar-se de re-ocupação do lugar em tempos diferentes, por até 800 anos. Seria esta a forma de os grupos familiares ou tribais garantirem o acesso aos pinheirais dos quais dependia seu sustento. A estruturação dessa cultura, nos frios pinheirais do Sul, por grupos Jê migrados dos cerrados tropicais do Brasil Central, é um dos temas mais fascinantes de nossos estudos. Os índios Kaingang, considerados descendentes desses antigos construtores, formam hoje um contingente de 25.000 indivíduos. Grandes grupos de agricultores aldeões foram também estudados. Nas áreas florestadas do Estado de Goiás, foi localizado denso povoamento de agricultores da Tradição Aratu. As aldeias desse grupo, com as casas dispostas em círculos ao redor de um pátio, podiam ser habitadas por mil ou mais pessoas. A cerâmica usada no dia-a-dia era simples, mas variada na forma, comportando todo tipo de vasilhas que um grupo agricultor necessita na sua lida diária, familiar, social e ritual; os grandes jarros, normalmente usados para armazenagem ou para fermentação de bebidas, quando necessário, se transformavam em urnas funerárias para os mortos. Este foi um dos grupos agricultores bem sucedidos nos matos e cerrados do Brasil Central e do Nordeste, já estabelecido no primeiro milênio de nossa era. Era forte e numeroso ainda no período colonial. Outro grupo, um pouco mais recente, estendeu-se para o oeste, a partir do Rio Araguaia. Recebeu o nome de Tradição Uru. Distingue-se pela forma das aldeias, o estilo da cerâmica, as plantas cultivadas e o espaço ocupado. Os índios Carajá e grupos da reserva indígena do Alto Xingu ainda produzem cerâmica semelhante à dessas antigas aldeias. No ambiente de cerrado do Centro e Sudeste do Brasil preciso incluir ainda pequenos grupos de agricultores, os mais antigos 69

Depoimentos

da área, cujos assentamentos ainda se encontram muito ligados a abrigos rochosos: a chamada Tradição Una. Esta ligação com os abrigos não é prova de que sejam descendentes diretos dos grupos pré-cerâmicos, que ocuparam os mesmos locais. Mais intensamente nossas pesquisas se ocuparam com o ramo meridional das populações agricultoras, cuja cerâmica os arqueólogos chamam de Tradição Tupi-Guarani. Seu representante, chamado Guarani, seria originário da borda da Amazônia donde, a partir de princípios de nossa era, se teria expandido, até ocupar a maior parte das matas do sul do Brasil e áreas próximas de países vizinhos. Segundo cálculos de antropólogos, teria contado, no século XVI, cerca de um milhão de indivíduos. Na área portuguesa ele foi escravizado, na espanhola, sujeito ao serviço pessoal dos colonos, depois reunido em missões, de que sobram fantásticos testemunhos. Hoje sobrevivem grupos ainda densos no Mato Grosso do Sul, no Paraguai e na Argentina. Destes vêm-se destacando indivíduos e famílias que, entrando pelo Rio Grande do Sul, e seguem migrando ao longo do litoral atlântico em busca da “terra-sem-males”. Esta tinha sido, essencialmente, minha proposta inicial. Dela pouco me desviei.

70

Desafios da arqueologia

Robert L. Carneiro

Though I am primarily an ethnologist, I see ethnology and archaeology as closely related joint disciplines, together engaged in reconstructing the details of human prehistory. The broad objective of this endeavor is to trace the trajectory of cultural evolution, and this has been one of my principal interests in anthropology. I have devoted particular attention to the origin and evolution of forms of political organization, especially the chiefdom and the state. Almost all of my field research has been in Amazonian ethnology, and has been largely devoted to the study of the Kuikuru of central Brazil, the Amahuaca of eastern Peru, and the Yanomamö of southern Venezuela. I have also carried out a small amount of archaeological research. In the 1950s I excavated a cave in Matanzas province in Cuba, and later dug some test pits in the Upper Xingú area of central Brazil, where the Kuikuru reside, calling attention to the trenches existing there, the origin of which, unknown by the present day native inhabitants of the area, nevertheless point to the former presence there of a more complex culture than is found in the Upper Xingú today. My joint interest in ethnology and archaeology led me to propose a theory of the origin of the state (the “circumscription theory”), first suggested to me by a comparison of the ethnology and archaeology of Amazonia and the Andean region.

71

Depoimentos

There is no archaeology without ethnology and vice versa Robert Carneiro16

I am an ethnologist, but my interest in the prehistory of Amazonia is substantial, beginning with my initial ethnographic fieldwork (1953-54) among the Carib-speaking Kuikuru, a single village located in the Upper Xingú. I had not been in the village very long before I discovered the existence of an important archaeological feature there, namely, a double set of trenches, about a mile and a half long, around the base of a peninsula that juts into a fairly large lake near which the Kuikuru lived. The Kuikuru explanation of the trenches (valetas, they are called in Brazil) was that they had been dug by Fitsifitsi, a spirit with one leg sharpened to a point. Thus it was clear that the Kuikuru had lost any oral historical connection with the Indians who dug the trenches, and so they didn’t know the actual reason why they were dug. The trenches represented an impressive piece of work. Their scale suggested that they had been dug by a people with village larger than that of the existing Kuikuru village (145 persons), a group that must also have had a stronger political leadership than the Kuikuru had then. But what was the purpose of the trenches? It has been suggested that they are a natural feature, and, alternatively, that they were dug as a canal to get from one part of the lake to another. Both those ideas can be ejected out of hand. To me, they were clearly defensive works. (I have been readier to see the presence and importance of warfare in Amazonia in general, and the Upper Xingú in particular, than some of my colleagues.) As part of my field work I also determined that, given the various factors involved in Kuikuru subsistence, especially their system of slash-and-burn cultivation, it would have been possible for them (or their ancestors) to have had a sedentary village of as 16

Curator of South American Ethnology, American Museum of Natural History, New York.

72

Desafios da arqueologia

many as 2,000 people—far more than the 145 they currently had. Thus, I was becoming aware of the possibilities for large, fairly permanent villages in at least some parts of Amazonia. Accordingly, when Betty Meggers’ article appeared in 1954 on the limitations on aboriginal cultural development in the Amazonian rain forest, I was prepared to challenge her—which I did in an article that appeared in 1960. Since then, this has continued to be an issue between Meggers and me: she has minimized the cultural development achieved prehistorically by Amazonian Indians, and I have held the opposite view. I should add that Meggers is today virtually alone in her position, which she has scarcely modified since she first expressed it. Other Amazonian archaeologist, such as Lathrap and Roosevelt have argued against Meggers’ position as well, although I think Roosevelt goes too far when she suggests that the sites of Santarem had a population of 10,000. In my argument with Meggers I used two sources of evidence. One was the account by de Carvajal of Orellana’s voyage down the Amazon in 1542, during which they encountered groups like the Omagua that were clearly chiefdoms. I also found in the early ethnohistorical literature information about villages with a population of more than 1,000 persons, whereas Meggers had denied that villages could obtain that size. Meggers conceded that Marajoara culture was at the chiefdom level (although at the time the concept of chiefdom had not yet been cleared formulated). However, she thought Marajoara culture was intrusive in Marajó Island, having come down from the Andes, where it arose. Though it settled on Marajó, the tropical forest environment made it impossible for it to sustain that level of culture and it finally watered down to a Tropical Forest (autonomous village) level. Had Meggers been familiar with de Carvajal’s account, she probably would have been readier to acknowledge the fact that chiefdoms could arise in Amazonia and be sustained there. She therefore might never have adopted the position she did then, which she still clings to. I continued to examine Amazonian ecology and subsistence, trying to isolate those factors which made possible to the rise of 73

Depoimentos

chiefdoms, or at least of a higher culture than that typical of Amazonian Indians today. The availability of great riverine food resources in large rivers like the Amazon, as well as other favored regions, like the Upper Xingú, provided virtually inexhaustible sources of the protein required for large, sedentary populations, and therefore of chiefdoms. I’ve also pointed out how productive and reliable manioc is as a staple crop, even when not intensively cultivated and grown on relatively poor soils. The existence and distribution of terra preta has more recently been recognized as a factor which, on the one hand, favors productive agriculture, and, on the other, is evidence of prolonged occupation and large settlements in sites where it occurs. The importance of the difference between the interfluvial regions and regions of várzea, while already recognized by Steward and Lowie, is something I have stressed in my writings on Amazonian prehistory. Although even without várzea (as in the Upper Xingú) ecological conditions can be so favorable that nearchiefdom-level culture can be attained. As I said, from the start I was very impressed with the trenches in the Upper Xingú. Gertrude Dole and I made a test pit in one of them in 1954 and found potsherds in great profusion down to a meter or so in depth. Clearly a large village had been involved. But I’m only an ethnologist, and for more than thirty years I went round saying that I could guarantee the career of a young archaeologist who came and dug in the Upper Xingú. Michael Heckenberger turned out to be the one who did it! Through very careful excavations in the area near an old Kuikuru village he has found evidence of large villages, causeways, wide paths, and other indications that there had been a network of large villages there circa A.D. 13001500, villages as large as the 2,000 I had predicted would have been possible. Heckenberger, though, is disinclined to see warfare playing the significant role I think it did, although he does agree that the trenches were for defensive purposes. I have had some disagreements with Anna Roosevelt over Amazonian prehistory. After her excavations at Parmana on the Orinoco, she developed the theory that it was the introduction of 74

Desafios da arqueologia

maize that provided the source of protein that made possible the rise of chiefdoms there. But in arguing this, she completely overlooked the incredible riverine food resource reported for that river. They provided far more protein than maize ever could. Roosevelt and I are on the same side as against Meggers’ on most issues, but I think Roosevelt has exaggerated the size of Santarem and the culture level of Marajoara. The origin of chiefdoms has probably been my principal interest in connection with Amazonian prehistory. Based on ethnohistorical sources for the Tupinambá of the coast of Brazil and for the tribes on the Caribbean coast of Venezuela, I have been able to piece together a plausible account of how, in certain regions, Amazonian societies went from the autonomous village level to that of chiefdoms. Amazonia is an area where ethnologists and archaeologists need to work together to provide a full and accurate picture of what prehistoric Indian cultures were like and how they developed. Relying on one or the other discipline alone tends to result in a false, or at least an incomplete picture of how it all happened. The more experience one has with as much of the ethnology and the archaeology of the region as possible, the better the interpretations of its prehistory will be. For example, in 1960-61 I worked with the Amahuaca of the Peruvian Montaña and found that the Kuikuru were not nearly as typical of Amazonian Indian culture as I had thought. Living in hilly country, on small streams, fishing could contribute only negligibly to Amahuaca subsistence. Hunting had to provide the necessary protein. But this meant keeping their settlements small and having to move them fairly frequently, with all the cultural ramifications that has. This is a far different situation than one finds in the Upper Xingú. Ecological conditions (in which I include warfare along with subsistence) are the basic factors determining, in general, the form and level of cultural attainable in Amazonia. For this reason I focused primarily on Amazonian ecology in trying to account for cultural developments there.

75

Depoimentos

76

Desafios da arqueologia

Mulheres arqueólogas Associa-se, tradicionalmente, a Arqueologia à “caça ao tesouro”, e o arqueólogo, portanto, deve ser alguém capaz de enfrentar todos os desafios que tal tarefa empreende: ele precisa ser forte, atlético, destemido, para resistir às paisagens mais extremas (desertos, montanhas congeladas, florestas tropicais, cenários debaixo d’água), trabalhar em condições precárias, manusear armas e saber lutar para defender o artefato – ou seria melhor dizer a “relíquia”? – das mãos de bandidos. Em suma, a imagem que o estereótipo invoca é, antes de tudo, a de um homem! A Arqueologia, desde seu surgimento como disciplina, por suas escolhas temáticas e metodológicas, caracteriza-se como androcêntrica17. Nas Ciências Humanas em geral, a idéia iluminista de um sujeito universal masculino passou a ser questionada por movimentos sociais característicos do pós-guerra, que se destacaram a partir da década de 1960. Algumas das críticas feministas foram incorporadas às discussões teóricas da Arqueologia nos anos 1980 e culminaram numa série de trabalhos sobre o papel da mulher na disciplina. Interpretações sobre o passado que, numa ótica feminista, excluíam as mulheres18 também se tornaram objeto de crítica19. Atualmente, a arqueologia de gênero, a arqueologia feminista ou a inspirada na teoria queer têm tido destaque nos esforços de 17

Roberta Gilchrist, Sex and Gender. The Oxford Handbook of Archaeology, OUP, 2009, pp. 1029-1077, p. 1030.

18

Margareth Ragoe Pedro Paulo A Funari, (orgs.) Subjetividades antigas e modernas, São Paulo, Annablume, 2008, p. 11.

19

Kelly Ann Hays-Gilpin, Gender, Handbook of Archaeological Theories, Altamira Press, 2008, pp. 335-349.

77

Depoimentos

tornar a Arqueologia uma disciplina mais diversificada, igualitária e inclusiva20. Reconhece-se, então, seu papel político não só como crítica ao sexismo da disciplina, mas também como novas possibilidades de leitura sobre o passado21. Neste volume, propusemos a algumas arqueólogas que refletissem sobre a importância da contribuição feminina para a história da Arqueologia na América Latina. Nesse sentido, não se trata de um trabalho sobre a questão do gênero, lato sensu, na Arqueologia, porque a intenção é divulgar, em forma de depoimentos, experiências de algumas mulheres-arqueólogas; por outro lado, como não poderia deixar de ser, cada história menciona, à sua maneira, relações de gênero, em geral. As perguntas feitas às pesquisadoras propunham as seguintes reflexões: • O que motivou sua “opção” pela Arqueologia? • Quais as circunstâncias de seu ingresso na área? • Quais as principais referências de início de carreira (textos e pessoas)? • E as principais referências na carreira como um todo? • Quais os procedimentos de trabalho/pesquisa e como a condição feminina os determinou? • Quais as dificuldades e facilidades de trabalho/pesquisa encontradas na profissão de arqueóloga, considerando a condição feminina? • Existem diferenças entre países ou regiões em relação à condição feminina? Em caso positivo, quais são e qual sua importância? • Como você avalia, em geral, a contribuição feminina para a Arqueologia mundial e latino-americana, em particular? 20

John Norder e Uzma Z Rizvi, Reassessing the present for an archaeology of the future: Equity, Diversity, and Change, The SAA Archaeological Record, Society for American Archaeology.,Sept. 2008, v. 8, n 4, pp. 12-14, p. 12.

21

Barbara Voss, Feminisms, Queer Theories, and the Archaeological Study of Past Sexualities. World Archaeology, Queer Archaeologies, Taylor & Francis, Oct., 2000, v. 32, n 2, pp. 180-192, http://www.jstor.org/stable/827864 .

78

Desafios da arqueologia

Participam do projeto as pesquisadoras brasileiras Maria Dulce Gaspar, Denise Schaan, Solange Schiavetto e Dione Bandeira. De Porto Rico, temos o depoimento de Diana López; da República Dominicana, participa Glenis Tavarez; Martha Cano, da Colômbia, e Dolores Elkin, da Argentina. Em seguida, os depoimentos das pesquisadoras espanholas Almudena Gonzalo, Margarita Díaz-Andreu, Ana Mansilla e Ana Piñón. Por fim, as norte-americanas Kathleen Deagan e Susan Képecs. Todas foram convidadas a escrever um depoimento de até vinte mil caracteres, em português, castelhano ou inglês, aqui publicados como documentos para o estudo da história da disciplina arqueológica.

79

Depoimentos

Maria Dulce Gaspar

Maria Dulce Gaspar tem graduação em Ciências Sociais pela Universidade Federal Fluminense (1976), mestrado em Antropologia Social pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (1984), doutorado em Arqueologia pela Universidade de São Paulo (1991). Realizou Pós-doutorado na universidade do Arizona (1998). É professora do Departamento de Antropologia do Museu Nacional, UFRJ. Realiza pesquisas arqueológicas nos sambaquis do Rio de Janeiro e Santa Catarina, e atualmente estuda a ocupação de grupos africanos e seus descendentes no recôncavo da Baía de Guanabara. Publicou livros e artigos sobre garotas de programa em Copacabana, sobre a ocupação sambaquieira do litoral brasileiro e sobre arte rupestre. Coordena e participa de vários projetos nacionais e internacionais, foi editora da revista Latin American Antiquiy e é membro da Sociedade de Arqueologia Brasileira, Society of American Archaeology e membro executivo do UISPP.

80

Desafios da arqueologia

Antropologia, Arqueologia e Gênero Maria Dulce Gaspar

Motivação pela Arqueologia e circunstâncias de entrada na disciplina. Principais referências da carreira e em geral. A minha atração pela Arqueologia remonta à minha infância, ao antigo hábito de ir ao jornaleiro e comprar fascículos lindamente ilustrados sobre o Egito Antigo, seus faraós e sarcófagos. Manifestou-se outra vez na época do vestibular e me acompanhou durante a Faculdade de Ciências Sociais da Universidade Federal Fluminense. Não era algo muito claro e definido, mas algo como um desejo que eventualmente se manifestava e era esquecido durante os cursos de Antropologia que me fascinavam durante a faculdade. Fiquei atraída pelos estudos sobre religiões africanas, simbolismo e rituais, mas no final da faculdade eu, conduzida pela mão de meu pai, iniciei o meu estágio no Setor de Arqueologia do Museu Nacional, a minha casa de pesquisa. Porém, o meu interesse pela Arqueologia, a ponto de se transformar em minha própria profissão, só se consolidou com o estimulante convívio com o Prof. Osvaldo Heredia, arqueólogo argentino com formação em História e que inaugurava, no Museu Nacional, uma Arqueologia fortemente orientada pelas Ciências Sociais e que se coadunava com a minha formação na graduação. No início da década de 1980, Heredia começava estudos nos sambaquis dos manguezais da Baía de Guanabara e tinha questões que me interessavam. Ele estava preocupado com a ordenação espacial intra-sítio, em criar uma interpretação alternativa à versão difundida à época pelos arqueólogos vinculados ao PRONAPA sobre a ocupação costeira. Com ele trabalhei em inúmeros sambaquis no Rio de Janeiro, aprendi a escavar contextos funerários, comecei a estudar implantação dos sítios na paisagem e elaborei o meu primeiro projeto de pesquisa no qual adotei a decapagem em superfície ampla como estratégia de abordagem de um sambaqui. Estava participando de escavações, analisando material ósseo e lítico, mas sentia falta de formação teórica. Continuava fascinada com a Antropologia e decidi cursar o Programa de Pós-Graduação 81

Depoimentos

em Antropologia Social (PPGAS-Museu Nacional), no qual desfrutei da instigante atmosfera deste curso. No início fui orientanda de Tony Seeger e pretendia realizar a minha dissertação na área indígena. Fui assistente de pesquisa de Vanessa Lea, que desenvolvia o seu doutorado entre os Txukarrmãe. Paralelamente, começava no PPGAS uma disciplina intitulada “Perspectivas Antropológicas da Mulher” e fiquei fascinada com os estudos de gênero e mais interessada pela Antropologia Urbana de Gilberto Velho. Gilberto foi o orientador de minha dissertação de mestrado intitulada “Garotas de Programa: um estudo sobre prostituição e identidade social”, realizado em Copacabana. Maria Luiza Heilborn, hoje professora da UERJ, era minha colega de curso e apresentou-me o campo de estudos sobre gênero no qual se tornou especialista. No Mestrado travei contato com as principais referências teóricas que norteiam os meus estudos, Marcel Mauss, Hertz, Arnold Van Gennep, LeviStrauss, Geertz, Dumont, Victor Turner entre outros. Gostei muito de estudar Antropologia Urbana e sobretudo da orientação do Gilberto, agora meu amigo. Ele soube aproveitar minha criatividade e apontar caminhos para que eu pudesse superar minhas deficiências. Quando decidi dar continuidade aos meus estudos em Arqueologia foi ele que me encaminhou para Ulpiano Bezerra de Meneses, que na década de 1980 estava orientando temas relacionados com a Pré-História do Brasil, na USP. Foi uma experiência muito diferente do Mestrado e marcada pela erudição de meu orientador e pela leitura crítica da minha produção acadêmica. Lembro que o primeiro capítulo da minha tese no qual construo um quadro de referência sobre a pesquisa arqueológica em sambaqui, foi escrito e re-escrito inúmeras vezes. A cada leitura do Ulpiano, voltava para o Rio para aprofundar mais o meu quadro e fazer mais críticas aos meus predecessores. Foi ele que me apresentou aos trabalhos produzidos nos Estados Unidos e Inglaterra, fortemente marcados pelo movimento denominado de Nova Arqueologia, e que tratavam de área de captação de recursos, território, sistema de assentamento, relações de trocas, circulação de informação (Flannery, Dennel, Gibbon, Judge, Longrace, Reid, Vita-Finzi, Plog e Hill). Assim aprendi a estudar o espaço, construí uma nova maneira de analisar os artefatos, não mais a partir de uma visão segmentada por tipo de matéria prima (ósseo, lítico, concha...), mas estudando 82

Desafios da arqueologia

todos os artefatos e considerando que compunham a tecnologia dos sambaquieiros. Passei a trabalhar com a noção de cultura material e o sítio deixou de ser apenas um espaço que continha material para análise e passou a ser, ele mesmo, considerado como um artefato. Artefato construído a partir de regras sociais passíveis de estudo e, seguindo esse caminho, passei a estudar a implantação dos sambaquis na paisagem, a relação entre sítios e a própria paisagem ocupada e ao mesmo tempo construída pelos pescadores que ocuparam a faixa litorânea brasileira. Com o falecimento prematuro do Heredia, durante trabalhos de campo na Argentina, em 1989, aos 35 anos e ainda no Doutorado, tornei-me responsável pela sua equipe, que contava com vários bolsistas do CNPq, e pelo projeto ‘O Aproveitamento Ambiental das Populações Pré-Históricas”, financiado pela FINEP e que tinha apoiado a maioria das pesquisas em sambaquis que eu havia participado. Contei com o apoio de João Pacheco, chefe do Departamento de Antropologia, de Pe Ignácio Schmitz, que após uma entrevista de mais de 8 horas deu parecer positivo para a renovação do projeto de pesquisa junto à FINEP. Lembro com clareza que passei dias lendo, analisando, traçando novas estratégias de pesquisas e metas para impressionar Pe. Ignácio e assegurar que eu tinha condições de ser a nova coordenadora do projeto. Em termos acadêmicos já estava pronta para coordenar o grande projeto e tracei como estratégia propiciar que teses e dissertações fossem desenvolvidas em seu âmbito, mas tinha pouca experiência em gerenciamento e, nesse sentido, Cristina Tenório, colega do Museu Nacional e também integrante do projeto, foi fundamental. Durante o Doutorado, estabeleci uma sólida amizade com o meu colega Paulo DeBlasis e até hoje trabalhamos juntos. Um dia, após ele ter participado em meu trabalho de campo no sambaqui Ilha da Boa Vista, estava em minha casa em Santa Tereza quando recebi um telefonema no qual Paulé me convidou para trabalharmos juntos em um novo projeto. A sua idéia era que elaborássemos um projeto para estudar os grandes sambaquis e que nessa empreitada teríamos a missão de assumir a coordenação da pesquisa para assegurar a participação de vários colegas. Entramos em contato com Edna Morley do IPHAN de Santa Catarina, visitamos os sambaquis monumentais do sul do Brasil e bolamos o projeto, criando 83

Depoimentos

um profícuo intercâmbio com a Universidade do Arizona, através de Suzanne e Paul Fish, meus caros amigos dos Estados Unidos. Eu já estava pensando em uma nova maneira de estudar os sambaquis, e o meu encontro com Paulé amadureceu a idéia de que era fundamental desenvolver uma abordagem estrutural para este tipo de sítio, mas foi o encontro com Suzy e Paul fundamental para que desenvolvêssemos uma série de estratégias de pesquisa para os sambaquis brasileiros. O casal Fish que tornou viável e exeqüível a aplicação da abordagem estrutural dos sambaquis em ampla escala. Como avaliação final, tenho orgulho de constatar que levamos adiante a nossa proposta inicial e que já reunimos muitos mestres e doutores em nossos trabalhos de campo, laboratórios e publicações. Na realidade, acho que é a melhor maneira de fazer Arqueologia, nosso lema é que toda e qualquer intervenção em um sítio arqueológico propicie inúmeras análises. São abordados, ao mesmo tempo e na mesma intervenção, o processo de formação do sítio, zooarqueologia, antracologia, cronologia, análise de sedimento e do ritual funerário. Trata-se de perspectiva de trabalho comprometida com a preservação do patrimônio arqueológico brasileiro. A publicação encabeçada pela minha colega de Museu Nacional, Rita SchellYbert et al (2006), é uma boa ilustração dessa estratégia que se torna visível para a comunidade acadêmica através de nossos artigos que muitas vezes reúnem nove ou dez autores (ver Gaspar et al 1999) Um dos desdobramentos da pesquisa nos grandes sambaquis de Santa Catarina foi a realização de meu Pós-Doutorado na Universidade do Arizona. Adorei viver no deserto e aproveitei a oportunidade para estudar como os professores desta importante universidade ensinam Arqueologia. Não posso deixar de mencionar que tive uma pitada de inveja dos alunos de Michael Schiffer, Fred diretor, Suzanne e Paul Fish, novas e importantes referências para mim. No momento sou professora do Museu Nacional, participo do grupo de docentes que criou o Mestrado em Arqueologia do Museu Nacional. Sou pesquisadora do CNPq e coordeno um grande projeto no Rio de Janeiro exatamente na mesma área em que comecei a dedicar-me à Arqueologia. Cabe destacar que a coordenação de pesquisa tomou uma dimensão muito mias criativa após a benéfica influência de Cris Pierotti, que não é da área de Arqueologia, mas 84

Desafios da arqueologia

que tem uma percepção aguçada do mundo profissional moderno. Estou feliz em voltar a estudar os sambaquis da Baía de Guanabara e em manter uma dimensão comparativa com as pesquisas desenvolvidas em Santa Catarina. Pretendo reunir um grupo de profissionais para que possamos investigar de maneira detida as diferenças e semelhanças entre a ocupação sambaquieira do sul de Santa Catarina e do entorno da Baía de Guanabara. Não posso concluir sem mencionar que cada dia eu me interesso mais por Educação Patrimonial e nessa empreitada são meus colegas Iramar Venturini, Rosana Najjar e Jorge Najjar.

Quais os procedimentos de trabalho/pesquisa e como a condição feminina os determinou. Nunca pensei nesse tema, mas acho que um olhar voltado para a “totalidade” é uma característica relacionada à condição feminina. Preocupo-me com segurança, bem estar das pessoas que trabalham comigo. No que se refere à pesquisa, estar preocupada com a “totalidade” orientou meu olhar para o sítio arqueológico como um todo e, por isso mesmo, rompi com o viciado olhar da Arqueologia Brasileira que estava voltado apenas para a área escavada. Rompi com a visão segmentada que tornava legítimas análises voltadas apenas para uma fração da tecnologia utilizada pelo grupo social em estudo, nunca entendi muito bem qual o sentido de estudar apenas o “material lítico”, por exemplo. Fui discípula de Flenniken, grande tecnólogo americano, e logo constatei que artefatos lascados eram manufaturados com seixos coletados no rio ou galhadas de animais; que para compor uma flecha era necessário contar com resina, cinza, ligamento de alce para fixação da ponta lítica em uma haste de madeira. E que era necessário fazer também um arco com um outro tipo de madeira e que na obtenção desta madeira entra um outro tipo de artefato lítico e que as tais árvores que produzem madeira adequada para arcos muitas vezes ficam distantes do local de moradia e, que por isso mesmo, os enxós muitas vezes eram guardados muito longe de casa. Rapidamente trabalhei com cadeias de atividade de Michael Schiffer e com a noção de área de captação de recursos e de território, procurando sempre ter uma visão da totalidade da prática social do grupo em estudo. 85

Depoimentos

Penso que esta perspectiva está relacionada com a condição feminina, já que mulheres são treinadas para fazer e pensar em inúmeras coisas ao mesmo tempo. Certamente este treino facilita para que tenhamos uma visão da totalidade de ações envolvidas na prática social.

Quais as dificuldades e facilidades de trabalho/pesquisa encontradas na profissão de arqueóloga, considerando a condição feminina. Desde o início da minha carreira busquei fazer formação fora do Brasil, cheguei a me preparar para fazer pós-graduação no México. Preparei a documentação, fiz prova de espanhol, fui aprovada. Fiz uma entrevista com o então embaixador do México, pai de minha amiga Sara Escorel, conhecendo bem as suas jovens filhas e o modo de vida liberal carioca, ele me aconselhou fortemente a desistir do meu projeto. Seguindo os princípios da época, não dei ouvidos a quem tinha mais de 30 anos e dei continuidade ao meu projeto que felizmente não se concretizou por algum motivo relacionado a alguma instância superior (pessoal ou institucional). Quando surgiu a oportunidade de encaminhar um estudante para França, Heredia não pensou em meu nome e um colega foi indicado. É bem possível que um viés de gênero, além de outros fatores, tenha orientado a escolha do chefe da equipe, mas eu certamente teria feito as malas e seguido para Paris. Por outro lado, ficar no país e continuar trabalhando no projeto financiado pelo FINEP criou condições para que eu fosse contratada como arqueóloga do Museu Nacional. Tive sorte e soube aproveitar a oportunidade. Suspeito que ser mulher e bastante independente dificultou minha vida junto aos professores do setor de Arqueologia do Museu Nacional. Nunca aceitei desenvolver tarefas que considerava distante do meu projeto acadêmico. Acatei pelo menor tempo possível a incumbência que me foi impingida de ser secretária do Curso de Especialização de Arqueologia, mas graças à sugestão de Gilberto Velho agarrei com força a oportunidade de ministrar disciplinas no mesmo curso. Acho que outras chances não me foram oferecidas exatamente pelas duas características mencionadas acima: ser mulher e orientada por um projeto próprio. 86

Desafios da arqueologia

Atualmente, o fato de ser mulher tem uma significativa repercussão na coordenação de projetos. Tenho o hábito de tratar com educação os meus discípulos, quando esbravejo a pessoa já está fora de minha equipe. Procuro sempre explicar os princípios que norteiam as minhas decisões, nesse momento abro a discussão com o meu interlocutor, depois não admito que as minhas determinações sejam alteradas. Esta maneira de conduzir a coordenação provoca reações distintas entre os membros de minha equipe, os rapazes demoram a perceber que apesar de estar falando com um timbre de voz normal, o que eu estou falando é uma ordem. Não discutem na hora que o debate está aberto e depois tentam fazer o que lhes dá na telha. As mulheres geralmente discutem as minhas determinações, fazem inúmeras ponderações, mal me deixam terminar a segunda frase, e depois seguem a minha orientação aperfeiçoada com a inclusão de suas sugestões de maneira muito tranqüila. É claro que estou me referindo às tendências relacionadas com a maneira que coordeno as pesquisas e que há inúmeras reações marcadas pelos diferentes tipos de personalidade com que eu lido diariamente. Tento, sempre, identificar as aptidões de cada interessado em Arqueologia que me procura e, por isso mesmo, trato cada futuro arqueólogo de maneira diferenciada.

Diferenças entre países e regiões. Em minha vida profissional trabalhei com argentinos, americanos e mexicanos. Os mexicanos se destacam por um refinadíssimo treinamento técnico, indispensável no trabalho de campo. Tenho tentado fazer com que os membros de minha equipe tenham autonomia em fotografia, desenho, topografia, programas que auxiliem os estudos arqueológicos e sinto uma certa resistência como se o “fazer Arqueologia” pudesse prescindir de um bom registro de campo e até mesmo da curadoria de coleções. Parece existir um certo fascínio por instâncias da produção de conhecimento que são consideradas “mais nobres”. Lembro que a teoria sem uma boa prática não é muita coisa. Os que insistem em trilhar esse caminho correm o risco de cair em um discurso circular e não contribuir para a produção de conhecimento. Trata-se de uma tendência da Arqueologia Brasileira do final da década de 1990 quando se descobriu que a teoria 87

Depoimentos

é uma esfera importante da disciplina. Arqueólogos e arqueólogas mexicanos dominam inúmeras técnicas e são extremamente companheiros e alegres no campo. Os americanos têm enorme capacidade de planejamento, dificilmente em um campo coordenado por um deles ou delas será iniciada uma tarefa que não tenha objetivo claro e que poderá ser desenvolvida durante a temporada de escavação. As tarefas têm uma ligação direta e clara com o projeto de pesquisa e o órgão financiador terá contribuições relacionadas com todos os itens propostos. Acho que esta é uma grande diferença na maneira que coordenamos nossos trabalhos, percebo que há uma certa dificuldade de planejamento e uma certa relutância em levar as atividades previamente estabelecidas até o fim. Americanas e americanos parecem ter oportunidades equivalentes, as universidades se preocupam em ter um número equivalente de profissionais de cada sexo, muito embora suspeite que nas constantes mudanças de instituição que caracterizam a ascensão dos arqueólogos dos Estados Unidos, os homens consigam salários mais altos. Isto fica claro quando casais são contratados por uma mesma instituição. Argentinos... argentinos. Tenho dificuldade em falar sobre eles, talvez porque sejam muito parecidos com os brasileiros e porque o tempo já vai longe.

Contribuição feminina para a Arqueologia. No Brasil a Arqueologia é uma profissão que atraiu inúmeras mulheres e muitas delas fizeram contribuições importantes para a Ciência. A própria formação da disciplina se deu através da contribuição de pesquisadoras francesas e americanas e atualmente muitas brasileiras estão em posição de destaque no ensino, pesquisa e política acadêmica. Suspeito que o número significativo de mulheres está associado à necessidade de longa formação associado à instabilidade profissional e aos baixos salários. Mas desde o advento do que se denomina de “Arqueologia de Contrato” este quadro mudou muito e imagino que a presença masculina venha a aumentar de maneira significativa nos próximos anos. 88

Desafios da arqueologia

Denise Pahl Schaan22 Formou-se em História, na Universidade Federal do Rio Grande do Sul, em 1987. Em 1996, tornou-se Mestre em História, com ênfase em Arqueologia Amazônica, pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul e, em 2004, Ph.D. em Antropologia Social (Arqueologia) pela Universidade de Pittsburgh, Estados Unidos. Atualmente é professora da Universidade Federal do Pará, onde leciona cursos na graduação, especialização em Arqueologia e no Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais. Desenvolve pesquisas de arqueologia na Amazônia e é, também, editora de revistas sobre o tema. É Presidente da Sociedade de Arqueologia Brasileira (SAB), da gestão iniciada em 2007.

Reflexões de uma arqueóloga e mulher na Amazônia Denise Pahl Schaan23

O igarapé dava voltas e mais voltas, isso eu já tinha constatado pelo mapa, mas a realidade, como sempre, era bem mais cruel. A 22

Texto produzido pelos organizadores do livro.

23

Ph.D. Universidade de Pittsburgh, 2004, Professora da Universidade Federal do Pará, Pesquisadora do CNPq, Presidente da Sociedade de Arqueologia Brasileira.

89

Depoimentos

maré estava baixando e tínhamos que desviar constantemente dos pedaços de pau que obstruíam a passagem da água e agora também de nosso bote. As árvores curvavam-se preguiçosas sobre a água, sombreando todo o trajeto, e os cipós vinham tocar na superfície, que refletia as folhas e galhos como num espelho. O silêncio só era quebrado pelo barulho do motor, que ecoava no tronco das árvores, um ruído surdo que propagava-se pelo ar quente e úmido. Seguíamos em silêncio. Um silêncio que se tornava mais denso cada vez que nosso piloto desligava o motor para levantá-lo na passagem por sobre troncos submersos. Nesse momento usava os remos, que ao penetrar as águas quase paradas do Anajás-mirim produziam um ruído ameno de coisa molhada. Depois de duas horas chegamos a nosso destino: a casa do único morador daqueles centros, pois dali para diante a água escasseava tanto que morar lá não era mais possível. Seu Dadá, como era conhecido, estava na varanda vendo o tempo passar. Duas meninas e uma mulher que estavam no pátio lavando roupas prontamente entraram para dentro da casa quando perceberam nosso bote se aproximando. Seus rostos se aglomeraram na janela dos fundos, que, entreaberta, permitia que espiassem os visitantes, raros naqueles dias. Como em todos os lugares do Marajó, seu Dadá nos recebeu gentilmente, pedindo que entrássemos e não reparássemos que era casa de pobre. Gritou lá para dentro que a mulher trouxesse café para as visitas e mandou que sentássemos em uns bancos de madeira, dispostos em volta da varanda. Um dos rapazes que estava comigo preferiu ficar de pé, próximo à grade da varanda, de onde podia vez ou outra olhar para os fundos da casa onde as meninas espiavam, cochichando e tapando com a mão os risinhos abafados, meio envergonhadas com a presença do pessoal de fora. Seu Dadá perguntou aos meninos, já para antecipar surpresas: - Vocês dois são casados? Um era solteiro, o outro... bem, mais ou menos... A conversa transcorreu cordial, expliquei a seu Dadá sobre a razão de nossa visita, o diagnóstico que íamos fazer, mas ele queria mesmo era saber se a hidrovia ia sair realmente e quando ele receberia a indenização. Em verdade, não sabíamos porque não era conosco, havíamos sido contratados apenas para o levantamento arqueológico. Seu Dadá disse que alguns homens o haviam 90

Desafios da arqueologia

visitado, que falaram da indenização, mas depois não voltaram. Ele realmente não queria sair dali, mas se não havia jeito... Depois de ter nos dado autorização para trabalhar nas suas terras e ainda ter contribuído com algumas informações sobre prováveis locais de sítios arqueológicos permitiu que as mulheres se integrassem à conversa. Lá vieram as moças trazendo o café, já com outras roupas, e se postaram de pé junto à porta, nos olhando com curiosidade. Eu estava de calças compridas e botas sujas de lama, camiseta comprida e cabelo preso em um boné, certamente uma imagem nada feminina para os padrões locais. *** Aprendi que há uma diferença entre gênero enquanto categoria cultural e a maneira como essa categoria é entendida e negociada nas relações sociais. No interior da Amazônia, especialmente nas comunidades ribeirinhas, as relações entre os gêneros são bastante desiguais. O homem é o chefe da casa, é quem recebe o visitante; as relações dos visitantes com as mulheres se estabelecem depois. Em todas as casas que visitei, fui inicialmente recebida por homens (a não ser que eles não estivessem em casa). Os assuntos eram invariavelmente os mesmos. Depois de me apresentar, eu perguntava sobre a ocorrência de objetos arqueológicos (cacos de antigas panelas de índios, pedras de raio), pedia autorização para trabalhar ou indicação de lugar para ficar, perguntava sobre a disponibilidade de pessoas para trabalhar, acertava aluguel de bote, compra de comida, coisas assim. Somente depois de algum tempo vinha o relacionamento com as mulheres, que ficavam na cozinha enquanto conversávamos com os homens na sala. Eventualmente contratávamos alguma mulher para lavar nossas roupas ou para cozinhar. Os homens eram contratados para o trabalho mais pesado na escavação, para carregar equipamentos, peneirar solo, abrir picadas no mato etc. Enquanto estive em campo nunca me questionei sobre essa divisão de trabalho, pois era a divisão já estipulada pelo senso comum. Somente mais tarde é que comecei a refletir sobre o fato de que, em locais onde a circulação de dinheiro é bastante restrita, o fato de eu trabalhar e conseqüentemente remunerar predominantemente homens, de certa forma reforçava as assimetrias de poder nos contextos domésticos. 91

Depoimentos

Num fim de tarde em 1999, depois de voltarmos do sítio onde estávamos escavando, eu conversava com meus assistentes e os trabalhadores braçais (todos homens) na proa do barco, enquanto esperávamos a janta. Foi quando observei uma mulher lavando roupa junto ao rio, carregando a pesada tina e batendo a roupa em uma prancha de madeira. Já querendo provocar meus interlocutores lhes chamei a atenção para a cena: – Eu acho que lavar roupa no rio é um trabalho muito pesado, deveria ser feito por homens... Suas reações de repúdio foram imediatas e veementes. Uns riram, outros agiram como se eu tivesse dito uma coisa totalmente absurda. A simples idéia de desempenhar uma tarefa feminina lhes parecia totalmente descabida. E a justificativa primeira da divisão de trabalho baseada nas condições físicas de cada sexo (homens fazem trabalho pesado e perigoso, mulheres fazem trabalho leve e doméstico) também ia por terra, afinal era um trabalho pesado e, mesmo assim, era um trabalho de mulher. Um deles completou brincando: - “Não vá conversar com nossas mulheres”. Ficava também clara aí a possível subversão da ordem causada por uma estrangeira que vinha relativizar os conceitos estabelecidos. De minha parte, só a partir daquele momento de descontração é que comecei realmente a refletir sobre minha identidade de gênero naquele lugar onde nada disso me parecia, inicialmente, ter importância. Dando seguimento à brincadeira nos dias seguintes passei a questionar os papéis de gênero nos momentos de folga e descontração. Em alguns momentos tive a impressão de que eles achavam que o sol forte tinha me feito mal aos miolos. De qualquer maneira me ouviam, já que eu era a chefe. Mas havia aí outra questão. Eles se engajavam livremente comigo em conversas que não teriam com suas mulheres, mães e irmãs, ou mesmo com uma amiga ocasional. Qual era exatamente na visão deles minha identidade de gênero? Como eu me encaixava nos modelos esperados de comportamento feminino? Cheguei à conclusão de que simplesmente não me encaixava. Meu comportamento às vezes era de homem (como quando comandava uma equipe numerosa apesar da minha estatura baixa – 1,57m), o que chegou a gerar comentários admirados de um senhor mais velho do lugar que se disse impressionado em como aqueles homens todos me obedeciam. Mas às vezes meu comportamento 92

Desafios da arqueologia

era de mulher – como quando dançava nos bailes que fazíamos nos fins de semana. Mas penso que na maior parte das vezes era algo indefinido, que não se encaixava nos estereótipos com os quais as pessoas estavam acostumadas. Por isso penso que não é possível pensar a questão de gênero sem prestar atenção a outras categorias que organizam as relações sociais, como, por exemplo, idade, profissão e classe social24. *** Nunca pensei em ser arqueóloga e posso dizer que me tornei arqueóloga por acaso. Depois de formada em História pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, e mesmo enquanto era estudante, experimentei várias outras atividades: teatro, produção cultural, editoração, artesanato, dança. Foi somente alguns anos mais tarde que encontrei na arqueologia aquilo que procurava: a possibilidade de desenvolver um trabalho que fosse intelectual e físico, que demandasse criatividade e paixão, que exigisse dedicação e responsabilidade, no qual eu poderia dar vazão a meus interesses por antropologia, desenho, arte, literatura, através do qual pudesse viajar e conhecer novas pessoas, ensinar e aprender. Acho que se eu tivesse optado mais cedo pela arqueologia não teria me preparado tanto para exercê-la com a determinação com que me dedico a minha carreira, hoje em dia. As pessoas que são apaixonadas por sua profissão e que gostam do que fazem sabem do que estou falando. O que me fez optar por arqueologia foi a perspectiva de estudar arqueologia amazônica, especialmente pelas leituras que fiz da arqueóloga Anna Roosevelt e do historiador Antonio Porro, que falavam sobre os grandes cacicados encontrados pelos conquistadores ao longo do rio Amazonas durante o século XVI. A obra de Antonio Porro especialmente me fascinou pelas possibilidades que abria para a pesquisa arqueológica, ao traduzir em termos de lugares geográficos aquelas províncias relatadas pelos cronistas. 24

E. M. Brumfiel, Distinguished lecture in archaeology: breaking and entering the ecosystem – gender, class and faction steal the show. American Anthropologist, 1992, n 94, pp. 551-567. O. Oyewùmí, The Invention of Women: Making an African Sense of Western Gender Discourses, Minneapolis, University of Minnesota Press, 1997. D.P. Schaan, Is there a need to (un)gender the past? Advances in Gender Research, 2005, n 10: no prelo.

93

Depoimentos

Encontrei na Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul dois arqueólogos que haviam trabalhado na Amazônia – Klaus Hilbert e José Brochado – que me abriram portas, apresentandome bibliografias e possibilitando que eu percebesse à minha frente infinitas possibilidades de estudo e crescimento. Klaus foi sem dúvida uma grande referência para mim. Através dele tive contato com a literatura processualista, em inglês, e meu empenho em ler todos os textos e acompanhar as discussões em sala de aula foram fundamentais para que eu adquirisse a competência na língua que é imprescindível para qualquer arqueólogo. José Brochado, que foi meu orientador de mestrado, foi igualmente muito importante em minha trajetória, sobretudo porque acreditou no meu trabalho e me apoiou durante todo o curso. Algumas pessoas muito especiais, além dos professores do curso, acabam cruzando nossos caminhos de maneira indelével. A professora Teresa Fossari, da Universidade Federal de Santa Catarina foi uma dessas. Além de me indicar várias leituras, me relatou uma estória que gosto de repetir ocasionalmente para meus alunos, pois diz muito a respeito de nossa profissão. Ela conta que certa vez estava dirigindo uma escavação onde encontraram ossos humanos. Dentre todas as pessoas da equipe, um dos trabalhadores não especializados que havia sido contratado mostrou-se extremamente habilidoso durante a escavação. Aprendeu rapidamente como fazer: sabia identificar os ossos e tinha todo o cuidado ao retirar os sedimentos e expô-los sem danificá-los. Impressionada com tamanha destreza em um leigo, a professora perguntou-lhe qual era sua profissão. Ele lhe respondeu que era coveiro. A mensagem dela era muito simples. Não é necessário estudar arqueologia para ser um bom técnico, para saber escavar ou para identificar materiais arqueológicos em escavações ou em laboratório. Um arqueólogo não é um técnico, o arqueólogo tem que ir além da técnica. De certo modo aquela idéia me animou muito, pois passei aquele julho de 1995 basicamente examinando peças de cerâmica e desenhando-as desde cedo da manhã até o cair da noite. Saber que mais alguém compartilhava comigo a certeza de que aquela tarefa entediante era apenas parte do processo era sem dúvida muito reconfortante. Na verdade, toda minha ligação pre94

Desafios da arqueologia

térita com a arqueologia – e minhas dúvidas quanto ao meu futuro como arqueóloga – decorriam do sentimento de tédio que eu sentia quando via bancadas cheias de cacos de cerâmica esperando para serem examinados com uma lupa. Seria a arqueologia uma disciplina descritiva, maçante, inimiga da criatividade? Penso que não, mas de fato ela é praticada assim em vários lugares. Não que a descrição não faça parte da pesquisa. Mas certamente não se resume a isso. Nem todas as pessoas com quem me deparei durante minha carreira foram tão generosas, é claro. Lembro de um colega que havia entrado no doutorado quando eu estava acabando meu mestrado. Naquela época o professor Brochado já me estimulava a fazer meu doutorado nos Estados Unidos e resolvi sondar o tal colega – mais experiente do que eu – sobre a possibilidade de estudar no exterior, de conseguir uma bolsa, essas coisas. Ele, no entanto, não me deu muitas explicações e foi taxativo: – Você não vai conseguir, é melhor nem tentar. Felizmente para mim, sua profecia não se realizou. Três anos depois eu me mudava, de mala e cuia, como dizem os gaúchos, para os Estados Unidos, não sem antes permanecer dois anos pesquisando no Museu Paraense Emílio Goeldi, com bolsa DCR (Desenvolvimento Científico Regional), do CNPq. Durante o período em que permaneci no Museu tive oportunidade de fazer pesquisa de campo, dirigindo meus próprios projetos, tive acesso às coleções arqueológicas da instituição e à biblioteca, ferramenta indispensável de qualquer cientista. Desde o mestrado me interessavam os estudos de cultura material indígena e lia principalmente as etnólogas brasileiras da área: Berta Ribeiro, Lúcia Hussak, Regina Pólo Müller e Lux Vidal, e ainda Franz Boas, Lévi-Strauss, Edmund Leach, Rex González, Anthony Seeger e Reichel-Dolmatoff. Meu interesse por estudos iconográficos e sobre a arte indígena enquanto linguagem me aproximara muito da etnologia e do estruturalismo, especialmente porque na época não tinha acesso a muitos títulos de teoria arqueológica, com exceção de algumas publicações de James Deetz e Ian Hodder. Na Universidade de Pittsburgh meus horizontes ampliaram-se muitíssimo. A biblioteca era fantástica, tinha de tudo, e tínhamos acesso a todos os periódicos disponíveis em meio eletrônico. Não 95

Depoimentos

havia limite de livros a emprestar (uma vez levei uma mala para devolver os livros) e ainda tinha uma cota de cópias grátis e mil páginas por semestre também grátis para imprimir nos laboratórios de informática espalhados pelo campus. A formação na Universidade era basicamente dentro dos cânones do processualismo, afinal havia uma forte ligação com a Universidade de Michigan, pois alguns professores tinham vindo de lá. No curso de antropologia tínhamos que cursar e passar nos exames finais de todas as quatro sub-disciplinas (core courses) da antropologia no primeiro ano: lingüística, antropologia cultural, arqueologia e antropologia física (na verdade três delas, uma poderia ser deixada de fora). As demais disciplinas eram escolhidas conforme o interesse de cada um. Na prática quem escolhesse arqueologia cursaria todos os cursos de arqueologia oferecidos a cada semestre, que eram em geral 3 ou 4. Comecei a fazer também cursos de gênero, me inscrevendo no Programa de Estudos Feministas, e ainda no Programa de Estudos Latino-Americanos, onde fiz cursos diversos, que incluíam arte e literatura latino-americanas. Esses programas paralelos eram bons porque possibilitavam contato com pessoas de outras carreiras e nacionalidades. Mas foi nos cursos de gênero que encontrei um fórum melhor para discussões e para fugir um pouco da base extremamente positivista dos cursos de arqueologia. Na verdade fui treinada no processualismo e embora na época o criticasse bastante, acho que foi extremamente proveitoso tudo o que aprendi. Acho que se adquire certo rigor metodológico que raramente é encontrado em qualquer outra escola teórica na arqueologia. E a crítica feminista com a qual convivi nos cursos de gênero me proporcionou a perspectiva necessária para criticar e suavizar a excessiva positividade do processualismo. *** Desde o inicio, nunca pensei em estudar outra coisa que não fosse arqueologia amazônica, nunca me interessei pelas pirâmides do Egito ou do México, nunca pensei em encontrar múmias ou ouro, coisas que fascinam muitos iniciantes. A Amazônia nos oferece tantas coisas a serem estudadas, tantas possibilidades de trabalho que acredito que nunca sairei daqui. É um lugar com poucos arqueólogos, pois as pessoas que se formam no sudeste e sul do país não 96

Desafios da arqueologia

querem morar no Norte. Assim como as pessoas do Norte às vezes tem dificuldades de largar suas famílias para fazer um mestrado ou doutorado no sudeste ou no sul do país, seja por razões financeiras ou sentimentais. Eles não vêm para cá e a gente daqui não vai para lá. E a arqueologia fica. Em 2007 conseguimos dar início a um curso de pós-graduação em Arqueologia, modalidade Lato Sensu, na Universidade Federal do Pará, buscando formar recursos humanos locais e ao mesmo tempo nos prepararmos para um curso de Mestrado e Doutorado nos quatro campos da Antropologia. Em agosto de 2008 a primeira turma (composta por 14 mulheres e 5 homens) se forma. Alguns já estão empregados na área e outros já receberam propostas de trabalho nas áreas de arqueologia e patrimônio mesmo antes de finalizarem o curso. Não sei explicar porque temos mais mulheres do que homens no curso, mas o fato é que mais freqüentemente mulheres têm se apresentado como candidatas a estágios em arqueologia na Universidade. Em campo elas têm se mostrado extremamente eficientes, determinadas e incansáveis nas tarefas diárias, que consistem em organizar material, transportá-lo, realizar escavações e prospecções, armazenar os achados, preencher as fichas e escrever em seus diários, transportar tudo de volta ao final do dia, e ainda arranjar tempo e disposição para entre tudo isso discutir questões teóricas. *** Para quem vê a coisa de fora, fazer arqueologia na Amazônia poderia parecer uma tarefa mais difícil para mulheres. Mas de fato não faz diferença, pois o que é perigoso e difícil para mulheres é perigoso e difícil para homens também. Os locais em que trabalhamos são em geral remotos e há grandes dificuldades de transporte. Barcos e botes podem se tornar nossas casas por dias ou mesmo semanas. A falta de comunicação também é um problema. Enquanto fazia minha pesquisa de doutorado no rio Camutins, no centro da ilha de Marajó, tinha que caminhar no mato e no campo quase 10 km até a fazenda mais próxima para tentar fazer uma ligação telefônica – e o único telefone existente nem sempre funcionava. E há os animais e plantas venenosas que a gente acaba conhecendo com o tempo, a malária, os mucuins que dão uma alergia terrível, os candirus 97

Depoimentos

que sugam o sangue como pequenas piranhas... Descobri que há peixes que mordem, como a traíra, e que cobras e piranhas podem repentinamente pular para dentro de um bote cheio de gente. Mas os maiores perigos não vêm da natureza, mas muitas vezes dos homens. Os lugares de garimpo ou com conflito de terras ou exploração de madeira são muito difíceis de trabalhar, pois não se consegue facilmente cooperação dos proprietários e eles ainda podem pensar que você vai denunciá-los, e tornar sua vida muito difícil, para dizer o mínimo. Mas se prestarmos atenção, boa parte dos arqueólogos trabalhando na Amazônia são mulheres e elas têm se saído muito bem, chefiando equipes predominantemente masculinas. *** Em algumas regiões ou campos de atividade dentro da antropologia, pode-se chegar a ter a impressão de que as mulheres são em maior número ou que predominam. Por exemplo, na Amazônia, duas mulheres – Betty Meggers e Anna Roosevelt – vêm polemizando por três décadas sobre suas interpretações a respeito do desenvolvimento cultural na região. Até a morte de seu marido, Clifford Evans, Meggers de fato trabalhou com ele em conjunto, apesar de fazerem uma certa divisão de trabalho: Evans se ocupava mais das análises técnicas enquanto Meggers tinha predileção pelas discussões teóricas, como ela mesma afirmou. Mas de fato existe um equilíbrio entre profissionais femininos e masculinos na disciplina. Por exemplo, a Sociedade de Arqueologia Brasileira possui atualmente em seu quadro 352 sócios, dos quais 52,84% são mulheres e 47,15% são homens. Acredito que essas proporções (tendo em vista o tamanho pequeno da amostra) indicam que há uma distribuição equilibrada dos dois sexos na profissão, pelo menos no Brasil. Fiz outro exercício comparando a produção científica publicada na revista de Arqueologia da SAB nos últimos cinco anos. Considerando apenas os primeiros autores dos artigos, entre um total de 36 artigos publicados de 2003 a 2007, 58,3% (21) foram escritos por mulheres, contra 41,6% (15) escritos por homens. Sem desmerecer meus colegas homens, acredito que a contribuição feminina na arqueologia é extremamente significativa, independente de suas pesquisas relacionarem-se a gênero ou não. Nos Estados Unidos algumas arqueólogas como Margareth Conkey, 98

Desafios da arqueologia

Alisson Wylie, Carole Crumley, Cathy Lynne Costin, Elisabeth Brumfiel e Cristine Hastorf conseguiram pensar soluções diferentes e criativas sobre os problemas de pesquisa com que se defrontaram, sem repetir velhas fórmulas processualistas, como muitos de seus colegas homens fizeram. *** O que os arqueólogos fazem é produzir narrativas sobre o passado. Aprendi que produzimos narrativas sobre nós mesmos, mesmo quando pensamos que estamos supostamente interpretando o outro. Por algum tempo pensei que, estudando sociedades extintas, não dependíamos da opinião de nossos objetos de estudo – afinal, todos eram falecidos. Mas há pessoas que lêem e ouvem nossas narrativas, e sabem que estamos falando delas, dos outros, e de nós mesmos. Tenho um colega que disse que, se todos os arqueólogos desaparecessem, o mundo passaria muito bem, obrigado, sem eles. É um exagero, mas de qualquer modo quer dizer que, de fato, nossa profissão não é necessária para a sobrevivência da espécie humana. Isso porque talvez não sejamos bons contadores de histórias. São as histórias – nossas narrativas sobre o passado – que possibilitam que se faça a ponte entre nós e os outros, localizados no distante e diferente tempo que já se foi. São as mesmas narrativas que permitem que se abram os corações e mentes para a aceitação da diversidade cultural, para o respeito ao outro. Penso que enquanto escrevermos sobre fases e tradições, períodos cronológicos com estranhos nomes, e exóticas nomenclaturas tipológicas em cartilhas de “educação patrimonial” estaremos apenas contando a triste história de uma profissão desnecessária. O mundo precisa de bons contadores de histórias. Alguns deles podem ser arqueólogos.

99

Depoimentos

Solange Nunes de Oliveira Schiavetto25 Solange Schiavetto é formada em Ciências Sociais pela UNESP. Fez Mestrado e Doutorado em História na UNICAMP, concluindo-os, respectivamente em 2002 e 2007. É especialista em Arqueologia indígena pré-histórica e educação patrimonial tendo trabalhado em sítios tupis-guaranis. Atualmente é professora da Universidade do Estado de Minas Gerais, e Membro do Núcleo de Estudos e Pesquisas em Memória, Cultura e Educação, UEMG/Poços de Caldas.

Teorias Arqueológicas e Questões de Gênero Solange Nunes de Oliveira Schiavetto26

Ao longo de nossas vidas nos colocamos ou somos colocados em vários grupos classificatórios, tenham eles uma conotação racial, cultural, religiosa, profissional, de gênero ou qualquer outra. Ao contrário de uma classificação econômica elementar, representada pela perspectiva sociológica marxista na qual não há espaço para 25

Texto produzido pelos organizadores do livro.

26

Docente da UEMG – Universidade do Estado de Minas Gerais

100

Desafios da arqueologia

estas múltiplas identidades as quais adotamos concomitantemente na vida em sociedade, buscamos cada vez mais classificações subjetivas e que contemplem as identidades individuais em extrema transformação. Somos muitas possibilidades travestidas de uma individualidade ilusória, porque não estamos sós em nós mesmos. Carregamos as marcas de nossas relações, individuais ou sociais. Para concluir essa idéia podemos lançar mão de uma música do Gonzaguinha: “... toda pessoa sempre é as marcas das lições diárias de outras tantas pessoas”. Dentre as muitas possibilidades de definições do meu “eu”, nunca foi minha prioridade procurar discutir explicitamente o quanto o fato de eu ser mulher influenciou na escolha e na condução de minhas pesquisas enquanto arqueóloga. Até mesmo por isso, o convite para esta reflexão será muito válido. Os caminhos que percorrerei talvez me levem a questões nunca antes percebidas por mim ou, se já foram percebidas, talvez eu chegue a respostas para obstáculos que muitas vezes aparecem no decorrer da vida profissional. A opção por seguir a carreira de arqueóloga foi motivada pelo interesse, desde a adolescência, em dois temas específicos: gostava de ler sobre história de civilizações antigas (egípcios, gregos, maias, incas, astecas) e nutria profunda curiosidade pelos hábitos e costumes dos povos indígenas brasileiros. Desta união entre História e Antropologia optei pelo ingresso no curso de Ciências Sociais que, a meu ver, estaria contemplando, em suas disciplinas, ao menos parte de meus interesses nas discussões antropológicas, já que esta área de conhecimento, somada à Sociologia e à Ciência Política, forma a estrutura do curso escolhido. Meu ingresso no curso de Ciências Sociais colocou-me em contato com pesquisadores pertencentes ao Centro de Estudos Indígenas “Miguel A. Menéndez” (CEIMAM), cuja coordenadora, a antropóloga Sílvia Schmuziger de Carvalho desenvolvia, com seus alunos de graduação e pós-graduação, pesquisas em duas linhas: Etnologia indígena e Arqueologia brasileira. Embora o CEIMAM estivesse sediado no campus de Araraquara, havia uma ligação entre este centro de estudos e a UNESP de Presidente Prudente, que desenvolvia projetos arqueológicos no interior de São Paulo. 101

Depoimentos

A partir do contato com a UNESP de Presidente Prudente participei de cursos de introdução à Arqueologia e de trabalhos de campo, enquanto complementava minha formação básica em Ciências Sociais fazendo leituras em Etnologia indígena e Arqueologia brasileira. Dessa forma, desde o início, complementei minha formação básica em Antropologia com o interesse que nutria pelas pesquisas arqueológicas. Isso foi o que me possibilitou elaborar um projeto de mestrado em História, mas com ênfase em Arqueologia brasileira, que seria orientado por um arqueólogo com profundo interesse em teoria. A ligação com o prof. Pedro Paulo Funari foi o pontapé inicial para aguçar o meu interesse em teoria arqueológica e, a partir daí, percebi o quão importante seria me aprofundar em leituras no campo das teorias antropológicas. Assim, as questões das identidades em suas mais variadas manifestações entraram em minha vida profissional a partir do mestrado. Considero, por isso mesmo, que houve dois momentos em minha trajetória – enquanto arqueóloga – que eu poderia denominar de pré- e pós-teoria arqueológica. As referências de início de carreira me levaram a priorizar o gosto pelo trabalho de campo, com cursos voltados para o aprendizado de técnicas de campo e laboratório e, conseqüentemente, leituras de textos descritivos, sobretudo os que apresentavam resultados de pesquisas realizadas no interior de São Paulo (meu foco de interesse inicial e que perdura até hoje), e livros introdutórios à ciência arqueológica geral e brasileira, dentre eles, Introdução à Arqueologia, de Karl Moberg (1968), Além da História, os métodos da Pré-História, de Bruce Trigger (1973), e os produzidos no Brasil Arqueologia, de Pedro Paulo Funari, Arqueologia Brasileira, de André Prous (1992), História da Arqueologia Brasileira, de Alfredo Mendonça de Souza (1991). Nesta época, já ensaiava interesse por teoria a partir da leitura da dissertação de mestrado de Francisco Silva Noelli (1993) (Sem Tekohá não há Tekó. Em busca de um modelo etnoarqueológico da aldeia e da subsistência guarani e sua aplicação a uma área de domínio do Delta do Jacuí). Contudo, creio que minha consciência crítica frente às pesquisas arqueológicas brasileiras começou a aflorar na ocasião do ingresso no curso de mestrado do IFCH/UNICAMP. 102

Desafios da arqueologia

A partir de então, a necessidade de fazer leituras em uma área diferente da minha formação me levou a buscar o que hoje posso considerar como minhas principais referências teórico-epistemológicas para fazer pesquisa arqueológica. Em primeiro lugar, os artigos do professor Pedro Paulo Funari que abordam uma história crítica da Arqueologia brasileira e a ligam a um contexto ideológico específico foram cruciais para compreender que o modelo arqueológico presente em 90% das pesquisas brasileiras deve ser revisto sob a luz de teorias recentes, mais críticas e menos engessadas em termos metodológicos. Nessa mesma época, as idéias de uma arqueóloga inglesa, Siân Jones, despertaram em mim o interesse por questões ligadas às identidades. As aulas da profa. Margareth Rago e as leituras sugeridas por ela sobre teoria da História e gênero também me auxiliaram na compreensão da complexidade das relações sociais, não apenas vistas sob uma ótica objetivista. Na Arqueologia, além das leituras descritivas e introdutórias acumuladas no decorrer de minha vida estudantil, comecei a tomar contato com arqueólogos que sugerem discussões teóricas aprofundadas em nosso campo de ação. Além dos já citados Pedro Paulo Funari e Siân Jones, posso destacar a contribuição do pensamento de Ian Hodder, Michael Shanks e Christopher Tilley. Fora da Arqueologia, autores como John Monteiro, Bartomeu Meliá, Curt Nimuendaju, João Pacheco de Oliveira, dentre outros, influenciaram a minha maneira de pensar as relações identitárias e, de forma mais específica, a maneira que compreendemos os indígenas de ontem e hoje. No que toca ao campo teórico, o “fazer Arqueologia” e o lidar com arqueólogos e arqueólogas não parece sofrer influência direta de minha condição feminina. A menos que tenha sido de maneira implícita ou em outros contextos que desconheço, acredito que as relações entre os arqueólogos brasileiros não é determinada por questões de gênero. No entanto, é no campo prático e, mais especificamente na Arqueologia de Contrato, que as relações de gênero tornam-se, senão determinantes, apenas salientes. A Arqueologia de campo é muitas vezes vista como um trabalho “pesado” que deve ser relegado ao homem. Também por experiência própria, que pode não ser vivida por outras arqueólogas, na maioria dos trabalhos de campo 103

Depoimentos

que participo deparo-me, inicialmente, com olhares desconfiados e até mesmo incrédulos, de profissionais de fora da Arqueologia com os quais tenho que lidar, sobretudo engenheiros e trabalhadores braçais. A atitude inicial de desconfiança transforma-se, ao final de cada trabalho, em comentários do tipo “trabalha como homem”, que só demonstram o machismo presente em alguns ambientes profissionais. Da mesma forma, já me causou estranhamento saber que algumas empresas de Arqueologia de Contrato preferem homens para desenvolver determinados projetos. Esta dicotomia mulher/ ambiente doméstico/serviços leves X homem/trabalho fora/serviço pesado já demonstrou historicamente a sua inconsistência, embora alguns setores da sociedade continuem a encarar a mulher como um ser frágil que deve ser preservado. Se houve uma dificuldade real, mas esta também passageira, foi a imposta pela maternidade, um período de dedicação exclusiva ao lar, por isso mesmo, aderindo ao modelo feminino tradicional, assumindo, muitas vezes, um papel visto pelos estudos de gênero como estereotipado, mas encarado pela sociedade em geral como natural. No entanto, mesmo este momento de pausa nas atividades profissionais, totalmente amparado por leis trabalhistas e encarado com naturalidade pela maioria das mulheres, torna-se uma experiência válida na medida em que é uma espécie de “estágio” e preparo para o amadurecimento que a profissional precisa ter para lidar de forma harmoniosa com todas as identidades que assume no decorrer de sua vida. Por outro lado, essa versatilidade feminina (se é que podemos utilizar este termo) oscilando entre o perfil profissional e doméstico contribui para o desenvolvimento da disciplina de forma peculiar. Embora não concorde com o modelo social tradicional no qual a mulher, em termos intelectuais, é atrelada mais a fenômenos culturais do que sociais e econômicos, observo que, na Arqueologia, há uma tendência feminina a escolher temas de pesquisa que evidenciem aspectos da vida em sociedade geralmente vistos, por vertentes arqueológicas tradicionais e positivistas, como pouco relevantes. Os estudos de gênero são um exemplo disso. Com raras exceções, eles são feitos em sua maioria por mulheres. Longe de propagar a idéia da necessidade de uma sociedade dividida entre dominantes e 104

Desafios da arqueologia

dominados, com um modelo inverso da mulher ocupando a primeira posição, o espaço que as arqueólogas propõem, em suas produções, é de diálogo e discussão igualitária. Como ressalta o sociólogo Alain Touraine, “o único modelo cultural capaz de oferecer nova vida a um Ocidente agora disseminado sobre grande parte do globo é aquele que opõe à polarização de um tipo de modernização, hoje em declínio, o movimento inverso, o da recomposição e da recombinação dos elementos que haviam sido separados para que um dominasse o outro. Modelo que propõe também a idéia de que o novo é criado e administrado por aquelas que haviam sido a principal figura da dependência e que agora tentam superar a oposição homens/mulheres em vez de substituir a dominação masculina pela dominação feminina (Touraine, 2006:214). Em meus trabalhos como arqueóloga e como docente, abordando questões identitárias com pares e alunos, procuro não cair na tentação de aderir às abordagens teóricas e metodológicas ortodoxas, nas quais os atores sociais possuem papéis rigidamente definidos e pouco flexíveis. Por outro lado, apesar de admitir a importância da subjetividade nas pesquisas e as visões particularizadas da História, não acredito na eficácia de modelos ideológicos segregacionistas, nos quais somente mulheres estejam autorizadas a fazer pesquisas sobre mulheres, negros sobre negros, índios sobre índios. E acredito que essa não é a tendência da Arqueologia realizada no Brasil. Se há uma “territorialidade” em voga na disciplina arqueológica, especificamente na Arqueologia brasileira, terreno ao qual me sinto familiarizada, penso que ela não abarca relações de gênero. Deve-se muito mais ao fato de determinados pesquisadores, homens ou mulheres, se auto-proclamarem donos de temas e territórios, enquanto uma massa de estudantes, sejam eles homens ou mulheres, assumem uma posição inferiorizada, aceitando o rótulo de “seguidores” de arqueólogos pensantes. A polarização acontece a partir de outros extremos, perpetuando dicotomias nas quais a mulher ora assume papel preponderante, ora é subjugada. Se isso é uma constatação plausível para o campo profissional dos arqueólogos e arqueólogas no Brasil, com certeza não o é para muitas mulheres que, como as “minorias” existentes na sociedade, cotidianamente enchem as estatísticas com histórias de discrimi105

Depoimentos

nação e violência. Dessa forma, se há uma contribuição feminina importante na Arqueologia brasileira, dos estudos realizados por pesquisadoras que contribuem para uma compreensão de nossa formação enquanto povo, talvez seja a tendência de lançar luz sobre as relações de gênero e, dessa forma, com um enfoque histórico pautado pelo estudo da cultura material, desnaturalizar o papel feminino em uma sociedade demasiadamente androcêntrica.

106

Desafios da arqueologia

Dione Bandeira

27

Dione da Rocha Bandeira concluiu sua graduação em Ciências Biológicas na UFSC, em 1988 e o Mestrado em Antropologia Social, pela mesma universidade, em 1992. Doutorou-se em História pela Unicamp, em 2004, com trabalho sobre cerâmica pré-colonial. É arqueóloga do Museu Arqueológico de Sambaqui de Joinville/MASJ, professora de Antropologia dos cursos de Turismo e Nutrição do IELUSC e professora convidada do mestrado interdisciplinar Patrimônio Cultural e Sociedade da UNIVILLE. Trabalha com preservação patrimonial e museus e com Arqueologia Preventiva, responsável por diagnosticar material arqueológico para licenciamentos ambientais. Faz parte da Comissão do Patrimônio e do Conselho Municipal de Cultura do Município de Joinville.

Da Biologia à Arqueologia Dione Bandeira

O que motivou sua “opção” pela Arqueologia? Fiquei interessada pela arqueologia após conhecer um arqueólogo (Rossano Lopes Basto) que trabalhava no IPHAN na mesma 27

Texto produzido pelos organizadores do livro.

107

Depoimentos

cidade em que morava, Florianópolis. Ele me convidou para participar de escavação em sambaqui o que fiz durante as férias de julho. Por intermédio dele conheci outra arqueóloga (Teresa Fossari) e instituição de pesquisa neste campo (Museu Universitário da UFSC) com a qual passei a trabalhar um tempo depois. Na época fazia curso de Biologia.

Quais as circunstâncias de seu ingresso na área? Como estudante de biologia interessada em pesquisa arqueológica comecei projeto de conclusão de curso com material faunístico de coleção arqueológica do Museu Universitário da UFSC. Senti necessidade de estudar arqueologia. Na impossibilidade de fazer mestrado em Arqueologia por não haver curso na cidade em que morava optei pelo mestrado em Antropologia na UFSC. Durante o curso fiz algumas disciplinas de arqueologia no mestrado da PUC em Porto Alegre e tive como co-orientador o arqueólogo Pedro Ignácio Schmitz. Meu orientador foi Dennis Werner.

Quais as principais referências de início de carreira (textos e pessoas)? Autores brasileiros que me influenciaram neste período foram Ulpiano Bezerra de Menezes; Tânia Andrade Lima, no campo da zooarqueologia; Anamaria Beck; Padre Rohr; André Prous; Walter Neves. Literatura internacional se limitava a livro sobre arqueologia de Sharer & Ashmore. Pessoas: Rossano Lopes Bastos com quem conheci a Arqueologia em 1986. Teresa Domitila Fossari com quem fiz minha formação por 9 anos (1987 a 1996). André Jacobus interlocutor no campo da zooarqueologia desde a SAB de 1987 em Santa Cruz do Sul/RS. Pedro Ignácio Schmitz co-orientador no mestrado. Textos que marcaram o início de carreira e referências importantes na minha dissertação de mestrado: • Andrade Lima, T. Pesquisas Zooarqueológicas em Sambaquis da Baía da Ribeira, Angra dos Reis, RJ In Boletim da FBCN, n 22 108

Desafios da arqueologia

pp. 126-132,1987. • Zooarqueologia: Considerações Teórico-Metodológicas. In Dédalo. Pub. Avulsas, n 1 pp. 175-189, 1989. • Balée, W. The ecology of ancient tupi warfare. In Warfare, Culture, and Enviroment. Academic Press Inc, 1984. • Berwick, D. E. Valoración del Análisis Sistemático de los Restos de Fauna en Sitios Arqueológicos In Chungara Arica. n 5, Sep. Universidad del Norte, Arica, 1985. • Bezerra de Menezes, U. A “New Archaeology”: A Arqueologia como Ciência Social. In Diálogos Sobre Arqueologia, Terceira Série, Ano 1, n 1,1983 • Butzer, K. W. Archaeology as Human Ecology. Cambridge, Cambridge University Press, 1982. • Flannery, K. V. Archeological Systems Theory and Early Mesoamerica. In Anthro-pological Archaeology in the Americas. Ed. B. J. Meggers., Washington, D.C., pp. 67-87,1968. • Origins and ecological effects of early domestication in Iran and the Near East. In The domestication and Exploitation of Plants and Animals. Chicago, Aldine Pub. Company, 1969. • Franch, J. A. Arqueología Antropológica. Madrid, AKAL, 1989. • Neves, W. A. Paleogenética dos Grupos Pré-históricos do Litoral Sul do Brasil (Paraná e Santa Catarina). In Pesquisas Série Antropologia n 43, São Paulo, 1988. • Teorias de Determinismo Ecológico na Amazônia: um Caso de Mar- ginalidade da Comunidade Científica Nacional. In Biologia e Ecologia Humana na Amazônia. Belém, Museu Paraense Emílio Goeldi, 1989. • Waselkov, G. A. Shellfish Shellfish gathering and shell midden archaeology In Advances in Archaeology method and theory, v.10 n 3 pp. 93-210, 1987. • Yesner, D. R. Maritime Hunter-Gatherers: Ecology and Prehistory. In Current Anthropology. v.21 n 6 pp. 727-750, 1980. 109

Depoimentos

E as principais referências na carreira como um todo? As referências são muitas nos diferentes campos da arqueologia destacam-se Pedro Paulo Abreu Funari e Levy Figuti. Em termos de literatura internacional cito Bruce G. Trigger; Elisabeth Reitz& E. S Wing; Sian Jones; Ian Hodder.

Quais os procedimentos de trabalho/pesquisa e como os determinou a condição feminina? A pergunta não ficou clara para mim. Os procedimentos são aqueles pertinentes à arqueologia e envolvem atividades de campo, laboratório e gabinete. Na condição de pesquisadora as viagens para participar de congressos são freqüentes. Enquanto mulher e mãe muitas vezes estas atividades são adiadas ou ajustadas tendo em vista a necessidade de levar filhos para o trabalho.

Quais as dificuldades e facilidades de trabalho/pesquisa encontradas na profissão de arqueóloga, considerando a condição feminina? No início da minha carreira pesquisando com equipe do Instituto Anchietano de Pesquisa achava que havia uma predileção por alunos do sexo masculino para as atividades de campo, talvez pela força física. Muito embora na equipe toda houvesse muitas alunas. Atualmente tenho participado de equipe na qual a maioria dos pesquisadores são mulheres. Não sinto nenhum tipo de restrição a elas.

Existem diferenças entre países ou regiões em relação à condição feminina? Em caso positivo, quais são e qual sua importância? Com certeza há diferenças em relação à condição feminina entre os países e entre as regiões brasileiras pautadas em posturas que as consideram menos capazes e menos disponíveis do que os homens para muitas funções em função da maternidade, entre outros 110

Desafios da arqueologia

aspectos. Mas penso que a causa maior da diferença entre as pessoas está na condição financeira e as possibilidades de acesso à ciência arqueológica e a formação neste campo. Vejo isso permanentemente na cidade em que vivo, jovens com interesse na arqueologia, mas sem condições de investir na sua formação. Considero bastante elitizada no Brasil esta profissão.

Como você avalia, em geral, a contribuição feminina para a Arqueologia mundial e latino-americana, em particular? Não me sinto em condições de fazer esta avaliação para outros países. No Brasil acho que elas são a maioria. Além disso, avalio que se destacam na produção acadêmica e nas instituições. Considero a contribuição extremamente significativa.

111

Depoimentos

Diana López Sotomayor

Estudié el bachillerato (licenciatura) en la Universidad de Puerto Rico, Recinto de Río Piedras, graduándome Magna cum Laude de la Facultad de Humanidades. Posteriormente me trasladé a México (en 1968) en donde hice estudios graduados en Antropología con especialidad en Arqueología en la Escuela Nacional de Antropología y la Universidad Autónoma de México, concluyendo los estudios en 1975 (presentando la tesis de Maestría – Vieques, un momento de su Historia). En el curso de mis estudios en la ENAH pude colaborar en: proyectos de prehistoria (Tlapacoya, estado de México), de excavación en ciudades precolombinas (Tula, estado de Hidalgo), de salvamento arqueológico urbano (Proyecto METRO DF), de etnología (Proyecto Cholula), y realizar un internado en el laboratorio de Conservación del Departamento de Prehistoria del INAH, entre otros. Al concluir los estudios de Maestría, me convertí en la segunda persona en Puerto Rico en concluir estudios en Arqueología y en la primera mujer puertorriqueña en hacerlo (distinción que sólo revela el lento desarrollo de la arqueología en mi tierra). Hace algunos años realicé estudios doctorales en el programa de Historia de la Universidad de Sevilla, (programa impartido en el Centro de Estudios Avanzados de Puerto Rico y el Caribe). Durante 19 años laboré como Arqueóloga en el Instituto Nacional de Antropología e Historia en México. En ese tiempo fui Directora de la Sección de Arqueología de los Centros INAH en los estados de Puebla y Tlaxcala, curadora de diversos museos de Arqueología, y directora de múltiples proyectos de investigación que abarcaron desde sitios prehistóricos y ciudades prehispánicas 112

Desafios da arqueologia

hasta arqueología colonial. Entre los descubrimientos más destacados que tuve la suerte de hacer, se encuentra el de los murales de la ciudad prehispánica de Cacaxtla (Tlaxcala) (proyecto en el cual también participó inicialmente mi esposo el Arqueólogo Daniel Molina, q.e.p.d.) en donde se encuentra uno de los conjuntos más famosos de pintura mural precolombina de México. Permanecía allí durante 5 años como directora del proyecto de investigación arqueológica. Los murales descubiertos en 1975 y los explorados posteriormente por otros investigadores han sido declarados por las Naciones Unidas y por la UNESCO Patrimonio Cultural de la Humanidad. Al concluir mi etapa en Cacaxtla, dediqué varios años a la realización del primer mapa de la ciudad precolombina de Cantona en el estado de Puebla. En mis años en México tuve el privilegio de ser profesora en la Escuela Nacional de Antropología e Historia y en la Escuela Internacional de Restauración y Conservación de la OEA-UNESCO. A principios de la década de 1980 fui investigadora titular en Arqueología en el estado de Veracruz y curadora de museos en el área Olmeca de dicho estado. Durante mi estadía en México publiqué un sinnúmero de artículos, al igual que varios libros y cuadernos de divulgación. Al regresar a Puerto Rico, en 1986, me reintegré a la UPR, Recinto de Río Piedras. Me desempeñé inicialmente como curadora de Arqueología del MUSEO de la UPR, dedicándome a la docencia, primero en la Facultad de Humanidades y luego en la de Ciencias Sociales. En las últimas dos décadas mi tarea principal ha sido configurar un programa de cursos en Arqueología a ser impartidos en la Facultad de Ciencias Sociales (a la fecha 9 materias a nivel subgraduado) que permitiera la formación de jóvenes arqueólog@s puertorriqueñ@s. En los últimos años, he estado realizando investigaciones en arqueología histórica en torno a los complejos procesos históricos que marcan el siglo XIX en Puerto Rico (haciendas azucareras, beneficios de algodón, casonas urbanas, obras de infraestructura, etc.) Al regresar a Puerto Rico tuve la oportunidad de ser co-autora de leyes que han regido la práctica de la arqueología en Puerto Rico desde 1987 (Ley 10 de Arqueología Subacuática y Ley 112 de Arqueología Terrestre). Fui miembro fundador de la Asociación 113

Depoimentos

Puertorriqueña de Antropólogos y Arqueólogos, y he representado a la UPR, en el Consejo de Arqueología Subacuática y el Consejo de Arqueología Terrestre del Instituto de Cultura Puertorriqueña. También he sido miembro de la Junta de la Oficina Estatal de Preservación Histórica. He sido miembro de diversas asociaciones profesionales: Society for American Archaeology, Register of Professional Archaeologists, International Council of Museums, Society for Historical Archaeology, etc. En esta larga carrera profesional (inimaginable sin mi familia y l@s entrañables amistades que me han acompañado) debo destacar que los dos aspectos más importantes y gozosos han sido mi persistente pasión por la arqueología y el privilegio de formar jóvenes investigador@s que ciertamente harán una mejor arqueología.

Construyendo la Arqueología en Puerto Rico Diana I. López Sotomayor28

¿Qué ha motivado la opción por la Arqueología? Mi interés por la arqueología surgió de la curiosidad de una niña, (oriunda de Caguas, Puerto Rico), por la historia de las antiguas civilizaciones recreadas y reinventadas en toda suerte de películas de aventuras presentadas en la aún joven televisión de la década de 1950. En películas viejas, películas en blanco y negro narradas con el tremendismo y la ingenuidad del cine de horror de décadas anteriores, veía desfilar toda suerte de exploradores, monstruos, sacerdotes de un pasado milenario. A esta temprana fascinación con momias egipcias y pirámides aztecas se unió luego la revelación de que en Puerto Rico también se encontraban restos 28

Catedrática del Programa de Antropología, Departamento de Sociología y Antropología en la Facultad de Ciencias Sociales, Universidad de Puerto Rico – Río Piedras.

114

Desafios da arqueologia

de un pasado precolombino misterioso y desconocido para mí. Esa incipiente pasión por la historia, por los hechos y la gente en el pasado, por conocer culturas diferentes a la mía, se nutría igualmente, debo confesar, de una inclinación por la aventura y lo detectivesco. La arqueología se me presentaba como algo audaz y diferente. Esa seducción inicial era algo privado porque ni en mi pueblo, ni en mi familia, había el más mínimo interés por algo tan raro e “impropio para una señorita”.

¿Cuáles las circunstancias de la entrada de Ud. en la disciplina? Al iniciar mis estudios de B.A. (Licenciatura) en la Universidad de Puerto Rico manifesté interés por dos cosas: la música y la arqueología. La segunda fue la que a la larga ganó la batalla. Al no existir cursos de arqueología en la UPR en la década de los sesenta, me crearon unos seminarios especiales sobre arqueología y antropología, en los que de forma improvisada y titubeante me fui acercando a ambos temas. En esos años, los cursos (un tanto informales) que tomaba con el Dr. Ricardo Alegría me introdujeron a la antropología según era vista en EUA y al papel que en ésta tenía la arqueología. Igualmente, en esas charlas me fue abriendo los ojos a la riqueza del pasado precolombino en el Caribe y a su importancia en la configuración de nuestra identidad cultural. Al concluir la licenciatura tuve que decidir si continuaba estudios en música o en arqueología, escogí la segunda opción. La otra decisión era si seguía los pasos de mi mentor trasladándome a Estados Unidos o si me iba a estudiar a México (un país que había conocido en un memorable viaje estudiantil), y afortunadamente decidí por éste último.

¿Cuáles las principales referencias del inicio de carrera (textos y personas)? Ahora bien, la carrera en sí la comencé verdaderamente en México, en la Escuela Nacional de Antropología e Historia, Acudí a la ENAH al concluir el bachillerato (licenciatura) en la Facultad de Humanidades de la UPR. Fue en la capital mexicana, en ese agitado 115

Depoimentos

año de 1968, en donde realmente me fui convirtiendo en antropóloga y arqueóloga. Allí construí lo que ha sido mi profesión y mi pasión. De aquellos años recuerdo con gran afecto a distinguidos profesores como Pedro Bosch Gimpera, Hanna Faulhaber, Juan Comas, Angel Palerm, Paul Kirchoff. Y del grupo de los arqueólogos profesores cómo no recordar a José Luis Lorenzo, mentor y querido amigo, y a Román Piña Chán, el famoso maestro que por arte de magia todo lo descubría. En ese convulso primer año, el famoso 68, había también un grupo de jóvenes profesores, ya no tan jóvenes, que dejaron una huella imborrable en mi (Mercedes Olivera, Lorena Mirambell, Eduardo Matos, Jaime Litvak, Carlos Navarrete, Guillermo Bonfil). La lista es larga y no los puedo mencionar a todos pero no puedo referirme a mi formación como antropóloga y arqueóloga sin recordar esos nombres. Al graduarme en México me tocó, la curiosa distinción de ser la primera mujer puertorriqueña titulada como arqueóloga.

¿Cuáles los procedimientos de trabajo/investigación y como la condición femenina los determinaron? Debo reconocer que es bastante tenue la presencia del tema de género, en los trabajos de las arqueólogas formadas en México a fines de los sesenta. En la arqueología precolombina predominaban aún los trabajos descriptivos, con énfasis en la reconstrucción de secuencias culturales, cronologías, tipologías. Apenas se evidenciaba el impacto de la llamada New Archaeology de EUA. Su trascendencia se limitaba al desarrollo de técnicas más sofisticadas en campo y laboratorio, al énfasis en análisis cuantitativos, y a la utilización del aún joven mundo de las computadoras. Las que pretendíamos salir de los temas tradicionales, estábamos interesadas en otros asuntos: el origen del estado, la tributación, el despotismo, la estructura de clases, las rupturas y procesos de cambio, las redes de comercio e intercambio, e incluso los entramados de las ideologías. Claro está que este interés era compartido por aquellas arqueólogas que intentábamos hacer arqueología desde un contexto interpretativo influenciado por el materialismo histórico. Respecto al tema de la mujer recuerdo algunas investigaciones que llegaban mayormente 116

Desafios da arqueologia

de Francia (ie. Meillasoux) y que apenas abrían horizontes que comenzaríamos a explorar en el futuro.

¿Cuáles las dificultades y facilidades de trabajo/investigación encontradas en la profesión arqueológica, considerando la condición femenina? El ser arqueóloga, sin embargo, sí me enfrentaba, de entrada con una serie de prejuicios y “entendidos” que presentaban limitaciones al ejercicio de la profesión (la sesgada distribución de presupuestos, de puestos de dirección, de becas y subsidios, de estímulos para publicación). Debo, no obstante, señalar que en México no tuve problemas mayores para desarrollarme como arqueóloga (a pesar de que tenía el “agravante” de ser extranjera), los que hubo los pude resolver. Tengo que agradecer a ese entrañable país que pude dirigir proyectos de envergadura, ser jefe de departamentos de arqueología, etc. Fue así como dirigí durante varios años el proyecto Cacaxtla, y la sección de Arqueología de los estados de Puebla y Tlaxcala, entre otros. Lamentablemente, muchos años después y al regresar a mi país, Puerto Rico, sí he tenido que hacer frente a los prejuicios en contra de las mujeres, en sus versiones más burdas. El prejuicio abierto y crudo, el sexismo mal disimulado con actitudes paternalistas e incluso los contextos de hostigamiento son demasiado frecuentes en Puerto Rico (esto es así hasta entre los que se identifican como de ideología izquierdista). La Arqueología de Contrato que predomina en Puerto Rico, inserta a las arqueólogas en un mundo de ingeniería y construcción que agudiza lo antes señalado. Por su parte el espacio académico es mínimo. A nivel de licenciatura hay solamente un programa de Antropología que incluye la especialidad de Arqueología y apenas en el año en curso se abrió un programa de Maestría en Arqueología Precolombina.

¿Cómo evalúa, en general, la contribución femenina para la Arqueología en general y latinoamericana, en particular? Analizar la contribución femenina de Norte, Centro, Sudamérica y el Caribe, sería tema de varios libros. Al ver esta pregunta 117

Depoimentos

comencé a repasar nombres de arqueólogas (algunas que leí, otras que conocí, otras que estoy leyendo): Eulalia Guzmán, Florencia Muller, T. Proskouriakoff, L. Schele, B. J. Meggers, K. Deagan, Estrella Rey, Lourdes Domínguez, Lorena Mirambell, Noemí Castillo, Linda Manzanilla, Pilar Luna, J. Gero, Margaret Conkey, Patty Jo Watson, E. Brumfiel…..A esas alturas desistí de hacer una lista. Es claro que la contribución femenina es amplia, cubre todos los temas y especialidades posibles (etnohistoria, arte precolombino, cerámicas y contextos de la conquista española y los procesos de transculturación, aportes en análisis y estudios de laboratorio, interpretación de fenómenos históricos y de procesos de cambio, arqueología subacuática, estudios de género, estudios de estructura social, etc.) y demuestra en los últimos años una frescura crítica claramente imprescindible para las arqueologías que estamos construyendo. El camino es muy largo, pero hay que seguir en él.

118

Desafios da arqueologia

Glenis Tavarez María Foto de Juan Francisco de los Santos.

Nació en La Vega, República Dominicana. Se recibió de Antropóloga de la Universidad Autónoma de Santo Domingo a fines del 1988. Realiza estudios de Maestría en Historia Dominicana en la misma universidad. Ha realizado cursos y talleres de diferentes tópicos de la antropología física, social y la arqueología. Ha sido docente en la Universidad Nacional Pedro Henriquez Ureña y la Escuela de Graduados de Altos Estudios de la Secretaría de Estado de las Fuerzas Armadas de la República Dominicana. Labora en el Museo del Hombre Dominicano desde hace 25 años en donde se ha desempeñado como Investigadora, Subdirectora y Encargada del Departamento de Biología Humana. Ha realizado excavaciones arqueológicas en distintos puntos de la geografía nacional. Dentro de sus trabajos podemos mencionar: Excavación y puesta en valor: del ingenio azucarero del Siglo XVI de Diego Caballero, primer Secretario de la Real Audiencia; del primer monasterio de San Francisco en América; primer acueducto hecho por los españoles en América; la iglesia fuerte de Santa Bárbara; la primera ruta terrestre del Almirante Colón: de La Isabela a Jánico; excavaciones en diferentes cuevas, entre otras. También excavó en distintos cementerios indígenas del país, en el rescate de las osamentas de héroes de distintas gestas patrióticas y períodos y en la hacienda del Padre Labat en Martinica. Estos trabajos fueron realizados conjuntamente con Fernando Luna Calderón. Ha participado en una gran cantidad de seminarios, jornadas científicas, talleres, cursos y congresos a nivel nacional e interna119

Depoimentos

cional. Es miembra de la directiva de la Asociación Internacional de Arqueólogos del Caribe de la cual fue organizadora de su XX Congreso en el 2003 en la República Dominicana y es Coopresidenta de la Coordinadora Indigenista de Mesoamérica y el Caribe. Además es miembra de otras entidades científicas nacionales y no. Ha publicado sus investigaciones en reconocidas revistas de ciencia tanto a nivel nacional como internacional. Actualmente realiza el catastro nacional del arte rupestre de la República Dominicana en colaboración con especialistas cubanos.

Historia de la Ciencia Arqueologica en America Latina Glenis Tavarez Maria

Durante mi niñez no fueron los juegos infantiles la actividad que llenaba mi cotidianidad. Cada día quería irme a estudiar a la escuela como mis hermanas, pero no tenía edad para ello. Ante mi insistencia mis padres accedieron a enviarme informalmente, quizás pensando que me dedicaría a jugar con l@s demás niñ@s. Sin embargo, aprendí a leer y escribir antes de lo esperado, despertando un mayor interés por los estudios. Tenía un inmenso deseo de saber y conocer sobre el pasado, algo poco común en esa etapa de la existencia; sentimiento que prevalece en mí todavía. Prefería conversar con personas muy mayores a las de mi grupo de edad con quienes me remontaba a sus viejos tiempos aprendiendo de las vivencias contadas. Mi interés por el pasado para encontrar respuestas a muchas interrogantes era sorprendente. Crecí con esa pasión por lo antiguo, haciéndose cada vez más fuerte; ejerciendo una especie de seducción fascinante de inusitado encanto. Recuerdo la cara de asombro de las amistades de la familia al escucharme decir que sería arqueóloga siendo una niña. En realidad, aún no se, dónde, cuándo ni a quién fue la primera persona 120

Desafios da arqueologia

que escuché hablar de esta ciencia. La información al respecto era muy exigua y muchos la pensaban como casi exclusiva para países como Egipto, Tanzania, Kenya, Grecia, Roma, entre otros. No hay campo para eso aquí, por qué desperdiciar talento en algo sin futuro, comentaban fútilmente mis compañer@s de estudios. Mi inclinación continuaba a pesar de los malos augurios, encontrando aliciente solo en las clases de historia; convirtiéndose ésta en mi aliada, motivo diario de conocimiento de pueblos y culturas del mundo antiguo. A los trece años, un amigo mayor que yo pone en mis manos el primer libro sobre el tema, intitulado “La Arqueología”. En él me documento sobre los tesoros encontrados en excavaciones del antiguo Egipto y se explicaba un poco en qué consiste esta; fue mi primer contacto directo con el tema. Las cuevas, el arte rupestre, la vida de los indios, las plazas ceremoniales, los monumentos coloniales, ejercían una especial atracción en mí. Saber que el descubrimiento de los secretos guardados de antaño en todos esos lugares, solo podía lograrse mediante la arqueología, aumentaba mi interés por ella. En ese sentido, los hallazgos realizados en Africa por la familia Leakey constituyeron más que un estímulo porque por primera vez asocié a una mujer ligada al quehacer, Mary Douglas Leakey. No conocía aún a ninguna dominicana dedicada a esa tarea ni tampoco eran frecuentes en la prensa las noticias de hallazgos arqueológicos realizados en el país. Pero si tenía la seguridad de la cantidad de información guardada en tantos espacios habitados por la población aborigen de la isla, española y africana aguardando con paciencia hasta ser desentrañada. Al ingresar a la Universidad Autónoma de Santo Domingo (UASD) mientras esperaba matricularme me entero de la apertura de la carrera de Antropología, la cual podía iniciar en seguida. Sin embargo, opté por hacer el año básico, pasando luego a estudiar no Antropología sino Ingeniería Civil, que también me gustaba. Al final del primer semestre, un problema de salud fue aprovechado tanto por mi familia, especialmente mi padre, como por amistades cercanas, para sugerirme reflexionar sobre transferirme a Antropología. Acepté la propuesta e inicié en la facultad dedicándome enteramente a ella desde ese momento. El cambio se notó de inmediato; entu121

Depoimentos

siasmándome cada vez más debido a los conocimientos adquiridos diariamente en los salones de clases. Me sentí tan bien que terminé convirtiéndola en parte muy importante de mi vida. Fue la época de auge de la enseñanza de la disciplina en la universidad con un alto ingreso de estudiantes. Al comenzar el segundo semestre, se abre la posibilidad de ingresar como voluntaria al Departamento de Antropología Física del Museo del Hombre Dominicano dirigido por Fernando Luna Calderón (†), lugar donde llevo 25 años. El museo se convirtió para mí en un centro de aprendizaje teórico –práctico, paralelo, de la más alta calificación. Es allí donde tengo contacto directo con los profesionales de la arqueología dominicana. Luna Calderón, sin dudas un gran maestro, fue quien me presentó y entrenó; profesor y compañero de trabajo hasta su último día. Con él recorrí las salas de exposiciones de la institución recibiendo las explicaciones de lugar. Después debí leer los boletines publicados por la institución hasta ese momento (1984). En ellos están reseñadas las investigaciones llevadas a cabo en diferentes sitios del país, principalmente, así como en el Caribe, abordadas por arqueólogos, antropólogos físico y social, palinólogo, paleontólogo, historiador, entre otros. Dentro de esas lecturas destacan l@s autores dominican@s: Marcio Veloz Maggiolo, Elpidio Ortega, José A. Caro Alvarez (†), Bernardo Vega, Manuel García Arévalo, Fernando Morbán Laucer (†), Manuel Mañón Arredondo (†), Plinio Pina (†), Fernando Luna Calderón (†), José G. Guerrero, Renato Rímoli, Joaquín Nadal, Abelardo Jiménez Lambertus, María Luisa Valdez y Julia Tavares. Otros trabajos no menos importantes de la firma de: Alejandro Llenas, Narciso Alberti Bosch y Emil Boyrie de Moya, considerados pioneros de la arqueología dominicana, en torno a sitios arqueológicos, dibujo rupestre, cuevas y hallazgos de osamentas indígenas, debimos también conocer. Esfuerzos personales de estos autores quedaron plasmados en publicaciones de la época. En particular, están sus libros y los informes de las investigaciones realizadas por el antiguo Museo Nacional (cuyos fondos ingresaron al Museo del Hombre Dominicano) así como también en la revista del Centro de Investigaciones Antropológicas, hoy Instituto de Investigaciones Antropológicas, de la Universidad Autónoma de Santo Domingo. 122

Desafios da arqueologia

Los mismos son de inestimable valor, consulta de interés para cualquier estudioso de la arqueología. Estas lecturas y otras existentes de arqueología colonial de Elpidio Ortega y Carmen Fondeur, Marcio Veloz, entre otros, nos dieron la bienvenida a la arqueología dominicana. Los textos más importantes en los inicios fueron los de: Introducción a la Antropología de R. Beals y H. Hoijer; El hombre en la Prehistoria de Chester Chard; Manual de la Antropología Física de Juan Comas; Atlas de Patología Osea de Fernando Luna Calderón; 4 Nuevos sitios paleoarcaicos de Marcio Veloz M. y José G. Guerrero; Arqueología Prehistórica de Santo Domingo de Marcio Veloz M. También los de: G. Childe, L. Bate, I. Vargas, M. Sanoja, entre otros cimentaron nuestra formación. En la academia, en términos de la enseñanza antropológica fue muy importante la Profesora estadounidense June C. Rosenberg (†), discípula de los grandes maestros de la antropología de los Estados Unidos de inicios del Siglo XX. Sus clases sobre metodología de la investigación, sus estudios sobre la religiosidad popular dominicana, su obra sobre el Gagá29 y su labor como asesora de nuestra tesis de grado, constituyó un notable aporte en nuestra formación. Las lecturas de los clásicos como R. Linton, A. RadcliffeBrown, B. Malinowski, L. White, M. Herskovits, M. Mead, O. Lewis, L. Gross Clark, C. Lévi-Strauss, Darcy Ribeiro, Marvin Harris, principalmente, constituyeron una fuente de conocimiento fundamental. En cuanto a la arqueología, tanto José G. Guerrero como Renato Rímoli contribuyeron grandemente con sus enseñanzas dentro y fuera de clases pues también trabajamos juntos. Ambos son reconocidos profesionales de vasta experiencia. Pero, sin dudas es Fernando Luna Calderón mi maestro y mentor. Con él trabajé durante algo más de dos décadas. De él aprendí a trabajar sin limitaciones de ningún tipo. Se consideraba como un “obrero de la ciencia” y disfrutaba al máximo cada investigación; amaba lo que hacía. Participé en todas las investigaciones realizadas por él después de haberle conocido. Por esta razón no sentí la barrera de género pues sin importar mi condición femenina ni el sitio de trabajo 29

June C. Rosenberg, El Gagá. Religión y sociedad de un culto dominicano., Santo Domingo, Editora de la Universidad Autónoma de Santo Domingo, República Dominicana, 1979.

123

Depoimentos

(interior o exterior) participamos en los proyectos arqueológicos cualquiera que fuera sin notarse la diferencia de género. Así conocí las primeras mujeres dedicadas a la arqueología: Julia Tavares y Maria Luisa Valdez (dominicanas), Lourdes Domínguez (cubana), Iraida Vargas, Alberta Zucchi (venezolanas) y Betty Meggers (estadounidense). En sus respectivos países aumentaba la matrícula femenina en la disciplina; en el nuestro, no. La arqueología dominicana, desde sus inicios, ha estado ligada más al género masculino, principalmente por la naturaleza en sí del trabajo. Además no es una carrera asociada en la visión tradicional con la mujer, aunque afortunadamente esto ha ido cambiando; notándose sobre todo en el incremento de mujeres estudiando la carrera en el exterior (no se imparte en el país). Julia Tavares, María Luisa Valdez30 y Margarita Nadal son las primeras investigadoras del Museo del Hombre Dominicano. Ingresaron a fines de la década del ‘70 al Departamento de Arqueología. En los boletines del 10 al 12 se encuentran artículos de las dos primeras quienes tradujeron textos importantes de especialistas internacionales, de gran valor. María Luisa Valdez también publicó un informe arqueológico de coautora y un reporte de petroglifo localizado en una zona de la Cordillera Central en el lado dominicano. Por su parte, Julia Tavares realizó además un trabajo etnológico sobre el cazabe. La institución mantuvo una apertura desde su inicio por la equidad de género; solo que no abundaban profesionales para lograrlo. Las mujeres pioneras abrieron el camino en el quehacer demostrando la posibilidad real de trabajar en el campo; dejando sus resultados en publicaciones al igual que hicieran los hombres. 30

Los trabajos de Valdez y Tavares son los siguientes: Boletín n 10 del Museo del Hombre Dominicano. Santo Domingo, Editora Taller, 1978 – “Nuevos petroglifos localizados en la Cordillera Central: Informe pre-liminar”. María Luisa Valdez. pp. 227-238. Boletín n 11 del Museo del Hombre Dominicano. Santo Domingo, Editora Taller, 1978: – “Objetivos de la investigación arqueológica en el Caribe”. Irving Rouse. Traducción: María Luisa Valdez. pp. 11-26. – “Investigaciones etnológicas en Santo Domingo”. Robert Shomburgk. Traducción: María Luisa Valdez. pp. 211-220. – “Notas sobre la arqueología de Santo Domingo”. Gudmun Hatt. Traducción: Julia Tavares. pp. 221-331. – “Notas etnológicas sobre el cazabe”. Julia Tavares. pp. 147-176. Boletín n 12 del Museo del Hombre Dominicano. Santo Domingo, Editora Taller, 1979: – “Cronología del Caribe”. Irving Rouse y Louis Allaire. Traducción María Luisa Valdez. pp. 59-117. – “Informe de las excavaciones arqueológicas de la Casa de Gorjón”. Elpidio Ortega y María Luisa Valdez. pp. 161-223.

124

Desafios da arqueologia

Más que problemas de género para el desempeño de esta ciencia hay falta de visión, voluntad, apoyo, recursos y oportunidad para realizar estos trabajos a nivel nacional y creo no es una situación exclusiva de nuestro país. Se conoce de la contribución femenina a la arqueología en general a nivel teórico en el continente y en la práctica misma de la profesión. Las barreras en general creo son las mismas: necesitamos más apoyo de las autoridades, más medios para ejercer nuestra función. He escuchado de algunas colegas no nacionales sentirse discriminadas en algún momento por el género. En ese sentido han tenido que hacer un esfuerzo mayor para convencer de su capacidad profesional. Es un contrasentido asumir como válidas las barreras de género actualmente. Todas las carreras tienen su dinámica de ejecución. La arqueología es una carrera dura en relación al trabajo de campo en sí. Sin dudas esto pudo presentarla como menos atractiva para la mujer. Sin embargo, tal y como ha sucedido con otras disciplinas, la mujer ha sabido superar la prueba y demostrar con los hechos su capacidad para desempeñar este trabajo.

125

Depoimentos

Martha Cecilia Estoy con mi mamá, inspiración y ejemplo permanente en mi vida. La foto fue tomada, teniendo como fondo la ciudad de Pereira, donde resido. Data de julio de 2009 y fue tomada por mi hijo, José David.

Cano-Echeverri

Nací en el municipio de Santuario, en el departamento de Risaralda, siendo la mayor entre 8 hijos: 4 hombres y 4 mujeres. Mis padres, Cecilia y Joaquín, son descendientes de pobladores antioqueños que se trasladaron hacia nuevas tierras, en la migración de la llamada Colonización Antioqueña del Occidente Colombiano y la cual conformó el hoy llamado, Eje Cafetero. Toda mi formación escolar y universitaria se dio en la ciudad de Medellín (Antioquia), segunda ciudad en importancia de Colombia, luego de su capital, Bogotá. Allí, estudié antropología en la Universidad de Antioquia. Mi trabajo de grado lo realicé en el área de arqueología, desarrollando investigaciones y excavaciones en mi pueblo, Santuario. Culminé cursos de maestría en antropología en Temple University (Philadelphia, USA) y actualmente me encuentro matriculada en el Doctorado en Arqueología en la Universidad Nacional del Centro de la Provincia de Buenos Aires (Olavarría, Argentina). Mi ejercicio profesional se ha centrado en la investigación y la docencia, y recientemente en el área de gestión, con énfasis en la arqueología y las relaciones naturaleza-cultura a través del tiempo. He publicado un libro monográfico, producto de mi trabajo de grado en antropología, sobre arqueología en Santuario (Risaralda); un libro, producto de investigación, en conjunto con otros dos colegas, en la Catedral de Nuestra Señora de la Pobreza de la ciudad de Pereira y otros dos libros, compilados entre varios autores, sobre el tema de los Cambios Ambientales en Perspectiva Histórica. Además, he publicado artículos en revistas y libros en mis temáticas 126

Desafios da arqueologia

de investigación, tanto a nivel nacional como internacional. Como parte de la difusión de los datos obtenidos en la recuperación del patrimonio arqueológico y ambiental, he dictado conferencias y presentado ponencias, posters y plegables, en distintos escenarios, de carácter tanto general como especializado. Desde hace 6 años estoy vinculada como profesora e investigadora a la Facultad de Ciencias Ambientales de la Universidad Tecnológica de Pereira, en la ciudad de Pereira, capital del departamento de Risaralda. Con un equipo de profesionales, mujeres y hombres, de carácter interdisciplinario, hemos conformado un grupo de investigación que llamamos Gestión en Cultura y Educación Ambiental. Nuestra labor ha incluido el desarrollo de investigaciones aplicadas, el diálogo de saberes y el trabajo con comunidad, en aspectos de recuperación de memoria cultural, con énfasis en historia, arqueología, medio ambiente y fortalecimiento de organizaciones sociales. Con el fin de consolidar redes de intercambio, se han organizado distintos eventos, como talleres, foros, coloquios, simposios y congresos. En el año 1997 se conformó la Sociedad Colombiana de Arqueología, con la cual me comprometí, inicialmente en mi calidad de socia, apoyando las distintas actividades y posteriormente trabajando desde los Consejos Directivos, en los cargos de Vocal, Secretaria y Presidenta, consecutivamente, en los distintos periodos. Este último cargo lo desempeñé hasta el año 2008 y actualmente cumplo nuevamente en mi calidad de socia activa. En mi vida personal, mantengo unas cálidas relaciones con mis padres y hermanos, además de sus familias extensas. Mis tres hijos y mi esposo, me llenan la vida de anhelos, metas, energías y mucho amor, para aportar a la construcción de éste hermoso país y de nuestra humanidad, buscando, con mi testimonio de vida, de parte de ellos, su contribución a la misma causa. Estamos convencidos que la unión familiar es una fortaleza permanente para sacar adelantetodos nuestros proyectos personales; la practicamos, reuniéndonos en familia, al menos dos veces al mes, en fines de semana, para dialogar y celebrar, tiempos cotidianos y tiempos festivos. Sin ese apoyo permanente, nuestros proyectos no culminarían con el mismo éxito y entusiasmo. GRACIAS FAMILIA. 127

Depoimentos

La Mujer y la Arqueología en Colombia: Contribuciones, Experiencias y Proyecciones Martha Cecilia Cano Echeverri31

Introducción En consecuencia con el ejercicio de la antropología y de la arqueología, se propone como punto de partida de este panorama del ejercicio de la mujer en la arqueología colombiana, el concepto de “contexto”, el cual se mirará desde lo histórico, lo social y lo cultural, como elementos interdependientes de este ejercicio reflexivo. Se parte desde la localización de quien escribe, identificándome, sin mayores prevenciones teóricas, como latinoamericana; los puntos considerados en esta categoría tienen que ver con la integración de pueblos, culturas, lenguas, costumbres, etc., desde el momento histórico de la llegada masiva de los europeos, posterior a 1492. El choque de fuerzas culturales dio como resultado, la predominancia del pensamiento euro-occidental; aún así, se mimetiza y sincretiza, en un primer momento, con las culturas nativas del continente americano y posteriormente, con grupos étnicos llegados voluntaria o forzadamente (entre otros, africanos, judíos, vascos, etc.). Se observa de esta manera, un resultado particular de culturas americanas, con una marcada influencia de lo occidental, pero con una sensibilidad hacia lo nativo, lo desvalido y lo oprimido. En lo histórico, la consolidación de Colombia como república se da al independizarse de España en el año de 1819; aún así, su esquema de gobierno seguirá modelos europeos, dado el alto mestizaje ocurrido en el territorio y la clase dominante que lidera la guerra de independencia; una vez más, la historia contada y construida desde los vencedores. Sin embargo, esas relaciones de 31

Profesora Universidad Tecnológica de Pereira, Investigadora Grupo Gestión en Cultura y Educación Ambiental, Presidenta Sociedad Colombiana de Arqueología, Estudiante del Doctorado de Arqueología en la Universidad Nacional del Centro del Provincia de Buenos Aires, sede Olavarría (Argentina). E-mail: [email protected].

128

Desafios da arqueologia

la clase dominante colombiana, con distintos escenarios europeos, lleva a que a mediados del Siglo XX, el gobierno colombiano incentive el intercambio con pensadores europeos y se entra a un interesante proceso de fortalecimiento del conocimiento científico. A partir de invitaciones oficiales, llegan personajes ilustres de la ciencia europea; en particular nos referiremos al etnólogo francés Paul Rivet, quien logró aprovechar una base importante de la sensibilidad hacia la antropología en Colombia, iniciada por cronistas, viajeros, coleccionistas, naturalistas o simplemente, curiosos, tanto nacionales como extranjeros, para proponer los estudios sociales y antropológicos en el país32. En lo académico, se tiene la consolidación de la arqueología en Colombia, desde la perspectiva norteamericana, es decir, como una subdisciplina de la antropología, centrándose en el ser humano del pasado. En Colombia, la disciplina se concentró inicialmente en el pasado más lejano de las comunidades humanas – lo prehispánico– ; posteriormente han surgido estudios sobre culturas históricas con perspectivas contemporáneas de la arqueología, incluidas en el contexto latinoamericano33. Con este panorama de la Nación colombiana y el establecimiento de la antropología, esta presentación buscará localizar el ejercicio de la arqueología, en particular desde la mujer colombiana y con una experiencia concreta, desde la autora. No pretendo brindar una perspectiva de género, sino explicitar la participación de la mujer en esta construcción disciplinar y profesional. Parto de mi posición de ser la primera mujer en Colombia que asume la Presidencia de la Sociedad Colombiana de Arqueología, a la cual se llega por votación de los socios. En la presentación de mi experiencia, trataré de enfocar las preguntas de los editores alrededor de la motivación, las circunstancias, el ejercicio y las dificultades para la práctica de la arqueo32

Jaime Arocha y Nina S. de Friedemann (eds.), Un siglo de investigación social. Antropología en Colombia. Bogotá, Etno, 1984. Karl Langebaek, Arqueología Colombiana. Ciencias, Pasado y Exclusión. Colección Colombia Ciencia y Tecnología. COLCIENCIAS, Bogotá, 2003.

33

P. Funari y F. Brittez (compiladores). Arqueología Histórica en América Latina. Temas y Discusiones Recientes. UNICAMP (Brasil) – Museo de la Vida Rural (Argentina) – Sociedad Colombiana de Arqueología (Colombia), Mar del Plata (Argentina), 2006.

129

Depoimentos

logía, desde la condición femenina, para finalmente hacer algunas apreciaciones sobre la contribución femenina a la arqueología en Colombia y Latinoamérica.

Contexto histórico y social de la arqueología colombiana En el proceso de visualizar la participación de la mujer en la arqueología colombiana, se podría partir de los momentos donde surge el afán por conocer hechos del pasado, tal como se hace en la historia de la arqueología, en general; sin embargo, en este caso se presentarán los hechos relacionados con el posicionamiento de la arqueología como disciplina académica, institucionalizada. Sin embargo, no se podría dejar pasar de lado la participación de dos figuras femeninas del Siglo XIX: Manuela Santamaría de Manrique (coleccionista) y Soledad Acosta de Samper (académica no formal)34, quienes contribuyeron desde su inquietud hacia el conocimiento de las culturas nativas, extintas o presentes. Posteriormente, en una favorable conjunción de hechos, se establece la academia en Colombia que llevará a la institucionalización de la antropología, y por ende, de la arqueología, a finales de la década de 1930. Estos hechos tienen que ver con la llegada de Paul Rivet a Colombia como invitado oficial del gobierno colombiano, el establecimiento del Servicio Arqueológico Nacional, su alianza con la Escuela Normal Superior para la formación de los estudiantes en ciencias sociales y el establecimiento del Instituto Etnológico Nacional35. Desde esa época, ya se observa una dinámica participación de las mujeres en la construcción de la arqueología colombiana, pues en la primera generación de antropólogos formados en Colombia se cuenta con la presencia de Blanca Ochoa y Alicia Dussán, que luego se dedicarán a la arqueología. Pero en esta misma generación, otras antropólogas engrosan en grupo pionero, como Virginia Gutiérrez36. Se ve así que las mujeres han tenido una permanente 34

Langebaek, op. cit.

35

Arocha y Friedeman, op. cit. Instituto Colombiano de Antropología. Pioneros de la antropología: memoria visual 1936-1950. Banco de la República, Bogotá, 1994. Langebaek, op. cit.

36

ICAN op. cit. Patricia Tovar, Mujeres de ciencia: algunos momentos en la historia. Innovación y Ciencia. v 12 n 1-2, pp.106-114. Asociación Colombiana para el Avance de la Ciencia, Bogotá, 2004

130

Desafios da arqueologia

participación en la construcción académica de la disciplina, a la par de los hombres, aunque ellos han sido más visibles. Luego de esa primera generación de pioneros y pioneras, hacia la década de 1960 se consolidó la carrera de antropología en el ámbito universitario, en 4 de los claustros más importantes del país: la Universidad Nacional de Colombia, la Universidad de Antioquia, la Universidad de los Andes y la Universidad del Cauca, bajo el liderazgo de 4 de los jóvenes antropólogos de aquella primera generación, y desde allí se formaron la mayoría de los antropólogos y antropólogas por cerca de 25 años; a finales de la década de 1990, se inician carreras de antropología en otras universidades del país. Muchas antropólogas han egresado de las universidades colombianas, donde existe la carrera; sería parte de un estudio más detallado identificar el porcentaje de hombres y de mujeres, pero la visión general que se tiene, se muestra, bastante equilibrada. Por otro lado, tenemos en sí, el ejercicio profesional de la mujer. Muchos de los indicadores existen gracias a la labor de la FIAN, bajo la dirección de Luis Duque Gómez, pues desde allí se financiaron muchos de los proyectos de investigación y varios de ellos fueron publicados, donde las arqueólogas tienen una presencia importante. Sin embargo, no sólo la investigación es el campo de acción; gracias a un trabajo competitivo, las antropólogas han logrado acceder a cargos directivos, logrando igualmente un papel protagónico en algunos momentos importantes. Esa misma situación se refleja, seguramente, en las expectativas de ejercicio de la arqueología, para más mujeres, a futuro. Como anécdota especial, recuerdo en el IX Congreso de Antropología en Colombia, el cual se llevó a cabo en la ciudad de Popayán, en el año 2000, durante la asamblea de clausura una joven estudiante se levantaba a preguntar a la mesa que presidía la asamblea, por qué no estaba representada allí “la cuota de género”; en esa ocasión, sólo estaba sentada en la mesa directiva, la antropóloga Miriam Jimeno, y ella misma contestó, mencionando que era circunstancial si no había más presencia de mujeres, pues en otras ocasiones, la mesa había estado compuesta predominantemente por mujeres, quienes ejercían para entonces, las direcciones de los departamentos de antropología y del ICANH. 131

Depoimentos

La experiencia personal El contexto social en el cual surge mi inquietud en estudiar antropología con énfasis en arqueología, parte de una educación básica y media en un colegio femenino de religiosas franciscanas, con una mentalidad abierta y futurista, donde las mismas religiosas, en su mayoría, habían estudiado o estaban estudiando una carrera universitaria. Igualmente se suma a un ámbito familiar donde hay un apoyo importante hacia la educación, tanto de hombres como de mujeres, desde una base de familia extensa surgida de pequeños pueblos, principalmente cafeteros, minifundistas, pero con visión de futuro en formación académica hacia las ciudades con mundo universitario. Se puede mirar como una tendencia de mediados de la década de 1970. Mis padres migraron del pueblo a la ciudad, y desde allí se da una integración de nuestra base más campesina, de arraigo agricultor, conservador y católico, y el nuevo entorno más citadino, de modo de vida industrializado y gran diversidad socio-económica. Hay un acople en el proceso de formación de la persona entre el entorno familiar y el escolar, al insistir en la importancia de continuar los estudios universitarios; de esta manera, se brindan los elementos para una orientación vocacional, dirigida a descubrir fortalezas y vocación hacia las carreras ofrecidas por las distintas universidades. Podría plantearse que, para entonces, el futuro de la mujer no se ve únicamente en su función doméstica (esposa, madre y ama de casa), sino que se abre una cantidad importante de alternativas. Otro tema sería el incremento en la carga de responsabilidades entre lo doméstico y lo laboral. Mi decisión particular hacia la antropología es más bien indirecta, pues si bien tenía clara mi inclinación en las áreas sociales y humanas, no conocía los detalles de la carrera y mucho menos de su ejercicio. Sin embargo, un hecho fortuito me llevó a inscribirme para solicitar ingreso a la Universidad de Antioquia (Medellín) en antropología, pues era la única carrera que había abierto espacios en la Facultad de Ciencias Sociales en esa ocasión. Efectivamente in132

Desafios da arqueologia

gresé a la universidad, iniciando mis clases en antropología y desde las primeras clases encontré gran afinidad entre mis inquietudes de formación profesional y aquellos temas presentados en los cursos introductorios. Fue de particular interés el tratamiento reiterado al concepto del “otro”, como ese ser humano diferente de los parámetros sociales y culturales de quien estudia, pero quien requiere de una aproximación respetuosa. Esta perspectiva la recibía tanto de profesoras como profesores de la carrera, la cual era respaldada con las lecturas de referencia. Durante las clases introductorias, continuaba en la búsqueda del área social que llenara mis expectativas profesionales; una conversación con mi mamá me ayudó a definir tanto mi permanencia en la antropología, como el enfoque en la arqueología. Varias generaciones atrás, algunos de mis familiares habían entrado a un ejercicio que entonces era socialmente de permisión implícita, el saqueo de tumbas indígenas o “guaquería”; en aquella conversación que mencionaba, mi mamá me sugería pensar en la posibilidad de remediar los “daños” realizados por mis antepasados a la historia de los pueblos indígenas. Mi convencimiento al respecto fue inmediato y decidí tanto continuar en antropología como en enfocar el énfasis en la arqueología. Avanzando en los semestres, entramos a análisis críticos del ejercicio clásico de la antropología, revisando así posibilidades prácticas hacia el futuro y formulación de proyectos con comunidad. No existía en la carrera un enfoque propiamente de género y mucho menos feminista, y el modelo todavía era bastante clásico en las teorías antropológicas. Las reformas curriculares posteriores brindaron un enfoque más contextualizado con la práctica colombiana y latinoamericana. Luego de los altos y bajos propios de una universidad pública en la década de 1980, logré terminar mi carrera y graduarme con un trabajo arqueológico, desarrollado en mi pueblo natal, Santuario, en el departamento de Risaralda; dos espacios geográficos poco conocidos, que mediante la tutoría y el apoyo económico y financiero de la FIAN, se puso en el mapa arqueológico nacional, mediante la publicación de los resultados de mi investigación37. Al mismo 37

Martha Cano Echeverri, Investigaciones Arqueológicas en Santuario (Risaralda). Fundación de Investigaciones Arqueológicas Nacionales, Banco de la República, Bogotá, 1995.

133

Depoimentos

tiempo, mi tío Bernardo Cano publicaba las memorias de la guaquería de José Cano, uno de los famosos guaqueros de la familia38. Inmediatamente inicié mis estudios de postgrado en Estados Unidos, bajo la tutoría del Doctor Anthony Ranere en Temple University (Philadelphia), donde amplié los horizontes de las discusiones en antropología y arqueología. Yo había llegado a Estados Unidos con mi esposo, el antropólogo Carlos Eduardo López, quien haría su doctorado allí mismo. Él, con mayor experiencia que la mía, logró obtener una beca de estudio, con las cual logramos cubrir sus cursos y los míos, además de la educación escolar de nuestro hijo, durante tres años. Mi búsqueda de ayuda financiera para mis estudios no logró materializarse; sin embargo, a través de las monitorías de investigación en la universidad, coordinadas por la Doctora Patricia Hansell, pude cubrir algunos gastos. En Philadelphia nació mi segundo hijo. Al regresar a Colombia, me ubiqué con mi familia en la ciudad de Pereira (Risaralda); con la Universidad Tecnológica de Pereira, a través de la Facultad de Ciencias Ambientales, logramos, junto con mi esposo, iniciar un programa regional de investigaciones arqueológicas. Este esfuerzo se concreta hoy en una línea de trabajo aplicada, en la Ecología Histórica y el Patrimonio Cultural. Ya establecidos en Pereira, nació mi hijo menor. En el año de 1997, durante el VIII Congreso de Antropología en Colombia, se reunió la Asamblea Fundadora de la Sociedad Colombiana de Arqueología, recogiendo la inquietud de varios arqueólogos y arqueólogas en consolidar un espacio propio pero no divergente de la antropología. Surgía con la idea de contar con una asociación gremial que respaldara el ejercicio coherente de la arqueología en Colombia, con un órgano de difusión y un evento de encuentro máximo, lo cual se consolidó en la conformación de la Sociedad, la publicación de la Revista de Arqueología del Área Intermedia y la realización del Congreso de Arqueología en Colombia. Al día de hoy (año 2008), se cuenta con un número creciente de socios (en proporción similar de mujeres y hombres), tanto de Colombia 38

Bernardo Cano García, Tatamá. Relato de Guaquería. Biblioteca de Autores Caldenses, Manizales, 1995.

134

Desafios da arqueologia

como extranjeros, interesados en la problemática arqueológica de la llamada Área Intermedia de la arqueología americana (Colombia, Panamá, Venezuela, Ecuador y Región Caribe); se tienen además seis números de la revista y cuatro congresos realizados, además de otros proyectos editoriales. El año 2002, inicié mi participación en el Consejo Directivo de la Sociedad, mediante el mecanismo de votación de los socios; inicialmente fui vocal, luego pasé al cargo de secretaria y posteriormente fui elegida como Presidenta. Me habían precedido prestigiosos arqueólogos (varones) con amplio reconocimiento nacional e internacional, con lo cual me sentía ante un compromiso de gran magnitud, tanto con el gremio como con la mujer arqueóloga. Sin embargo, había iniciado mis cursos de doctorado, lo cual requería de una distribución del tiempo entre mi cargo de Presidenta, mi labor docente y de investigadora y los cursos doctorales, además de compartir con el ejercicio tradicional de madre y esposa. Puedo decir que no es tarea fácil, pero el apoyo brindado por mi esposo, mis hijos y mi familia extensa, además de colegas y amigos cercanos, ha permitido llevar a cabo distintos proyectos en todos los frentes. En el aspecto laboral, he encontrado una buena apertura en los aspectos de selección por competencias, y no necesariamente el hecho de ser mujer o varón, quien solicita el cargo. No obstante, he debido pensar y declinar roles de mayor responsabilidad, debido al gran número de actividades que ya realizo, en particular, debido a la preocupación de no atender adecuadamente las etapas de desarrollo de mis hijos. Esta preocupación la he compartido con otras mujeres – no únicamente de la arqueología–, con lo cual es posible que el acceso a cargos de decisión sea una opción en etapas más maduras de nuestra vida. Una experiencia en la cual he coincidido con otras mujeres, es durante la gestación; es un periodo de gran sensibilidad y dificultad de decisiones, sobretodo en oportunidades laborales. Hay temor tanto para solicitar, como para otorgar un cargo. Se podría decir que está relacionado con el imaginario general de la mujer como responsable en gran medida del bienestar de los hijos y en particular en ese periodo, hay una mayor dependencia física. Sin embargo, en mi caso no ha sido limitante para concretar trabajos. 135

Depoimentos

Una situación particular en el ejercicio y los alcances profesionales de la mujer está en el reconocimiento entre nosotras mismas de lo realizado, sea en colaboración o competencia. La empatía sentida con mujeres, al compartir espacios de estudio, trabajo u otro tipo de ejercicios, dispone posibilidades de elaborar conjuntamente oportunidades y dificultades. En el año 2001 nos encontrábamos realizando un trabajo de intervención arqueológica e histórica al interior de la Catedral de Nuestra Señora de la Pobreza (Pereira). En el año de 1999 se había presentado un movimiento sísmico de 6,9º en escala Richter, afectando 28 municipios del Eje Cafetero, incluyendo Pereira. En la Catedral debieron realizarse trabajos de fortalecimiento estructural, lo cual implicó un acompañamiento de rescate arqueológico. La obra era visitada permanentemente, al principio por los curiosos que visitaban la edificación en sus recorridos religiosos, otros en grupos de invitados para hacer seguimiento a los trabajos de fortalecimiento. En el momento que la Catedral requería de cubrir toda el área de trabajo en su interior, las puertas fueron cerradas a la feligresía y se adecuó un espacio religioso alterno. En una ocasión, un grupo de religiosas que venían de visita, procedentes de la ciudad de Manizales, recorrieron la obra y hablaron con distintas personas que allí trabajábamos. Se sintieron muy emocionadas al ver en el proyecto, una importante presencia femenina en cargos de decisión: la gerencia general de la obra, uno de los puestos de control de ingeniería, la dirección de la oficina de difusión y dos mujeres en el proyecto de arqueología (la antropóloga Luz Marina Mora y yo). A su modo, hicieron un homenaje al posicionamiento de la mujer en este espacio, otrora de dominación masculina, ofreciéndonos en regalo una pequeña figura de la Virgen Inmaculada a cada una de las allí presentes, con el compromiso que siempre la conservaríamos con nosotras. Sin embargo, en este mismo proyecto ocurriría un hecho contrario a ese posicionamiento actual, en el ocultamiento de otra mujer del pasado que llegó a nuestros registros históricos. Se trató del proceso de identificación de uno de los restos óseos presentes en un osario, localizado en un sitio de alta jerarquía al interior de la Catedral. Ocurrió que durante la exploración inicial del estudio para la intervención estructural se detectaron dos de los osarios atribuidos a los fundadores, presumiblemente varones, los cuales, según los 136

Desafios da arqueologia

registros eclesiásticos, debían reposar en las columnas principales de la edificación. Uno de los osarios estaba perfectamente marcado con el nombre del Presbítero Remigio Antonio Cañarte, quien había celebrado la misa fundacional del municipio de Pereira, el 30 de agosto de 1863. En comparación con una fotografía del Padre Cañarte, el antropólogo biológico, José Vicente Rodríguez, verificó los rasgos físicos con las características de la osamenta observada. El otro osario, sin marcar, se presumía del señor Francisco Pereira, de cuyo apellido deriva el nombre de la ciudad. Pero en este caso, el Doctor Rodríguez analizó desprevenidamente los restos óseos, al no contar con un nombre o con una foto de la época, llegando a la conclusión que los huesos eran de sexo femenino. Al indagar por una mujer de dignidad suficiente en la época fundacional de Pereira, que mereciera estar en tan honorable posición a su muerte, se llegó al nombre de una integrante, también de la familia Pereira, de nombre Petrona. Se esperó complementar un poco más la historia de aquella mujer, pero la difusión de la identidad femenina se silenció, seguramente por influencia masculina, y se mantuvo entonces la versión de pertenecer al Señor Pereira. La difusión de su verdadero sexo se ha dado a nivel informal, y más en los círculos femeninos. Pero ella no fue la única mujer presente en los descubrimientos al interior de la Catedral. Entre los años de 1541 y 1691 d.C., en el mismo lugar que hoy ocupa la ciudad de Pereira, se había establecido la ciudad española de Cartago. Llegó a ser un poblado próspero, alimentado por el cruce de caminos de intercambio y comercio de la época, y el oro procedente de las tumbas indígenas, entre otras actividades. Para entonces, era costumbre católica el enterramiento al interior o al lado de las iglesias, como Camposanto, según la categoría y posición económica del difunto o difunta. El sitio fue abandonado por decaimiento de la ciudad, entre los años de 1691 y 1863 –aunque no radicalmente–; durante el diseño del pueblo a establecerse en el sitio, se retomó el trazado de las cuadras cartagüeñas, incluyendo el sitio de la iglesia en el mismo sitio donde estuvo aquella de Cartago39. La investigación arqueológica identificó este espacio, y en él se logró el registro de enterramientos 39

M. A. Cano, Acevedo y C. López. Encuentro con la Historia: Catedral de Nuestra Señora de la Pobreza de Pereira. Intervención Catedral de Nuestra Señora de la Pobreza-FOREC, Pereira, 2001.

137

Depoimentos

católicos de la época española, algunos al interior de lo que sería la iglesia colonial (los de más prestigio o rango), con signos de haber sido enterrados en ataúd; otros haber sido enterrados sin ataúd y en un área abierta (fuera de la edificación religiosa). Dentro de los enterramientos internos, se contabilizaron cuatro correspondientes a varones y uno a una mujer40. La identidad de esta mujer es más incierta, pero sus rasgos óseos presentan características de una persona que se dedicaba a trabajo fuerte. La advocación de la Virgen patrona, tanto de Pereira como de Cartago, Nuestra Señora de la Pobreza, surge de la leyenda de la aparición de la imagen de la Virgen, en un lienzo que la lavandera de la iglesia llevaba a lavar a la quebrada, en algún momento del establecimiento de Cartago. ¿Habrá adquirido la lavandera, María Ramos, el prestigio suficiente para ser enterrada al interior de la iglesia cartagüeña?

Reflexiones finales En Colombia, estamos ante un desarrollo relativamente reciente de la antropología como disciplina y de la arqueología, como parte integral de la antropología, aproximadamente 40 años. En esas cuatro décadas, la mujer ha tenido una presencia permanente, aunque su visibilización no sea correspondiente ni correspondida. El trabajo de Alicia Dussán todavía está a la sombra de su esposo, Gerardo Reichel-Dolmatoff, aunque con algunas publicaciones conjuntas. ¿Cuántas contribuciones del ilustre pionero habrán sido producto de su intercambio de ideas con la doctora Dussán? Hoy, se debe reconocer la labor adelantada en publicaciones, donde se da un mayor equilibrio de género en cuanto a autores; en particular, hay un trabajo editorial permanente de la FIAN, pero también otras entidades que respaldan las publicaciones arqueológicas. En el arduo trabajo de los informes y las publicaciones, es interesante reflexionar sobre la interpretación que se hace de los 40

M. Cano y C. López. Aportes de la Arqueología Histórica a la construcción de identidades locales. El caso de Pereira, Colombia. En Arqueología Histórica en América Latina. Temas y Discusiones Recientes. P. Funari y F. Brittez (Comp.). UNICAMP (Brasil) – Museo de la Vida Rural (Argentina) – Sociedad Colombiana de Arqueología (Colombia), Mar del Plata (Argentina), pp. 115-138, 2006.

138

Desafios da arqueologia

datos arqueológicos. A modo de hipótesis, quisiera plantear que la perspectiva femenina puede haber contribuido a la visibilización de las comunidades del pasado (lejano o cercano), mediante la interpretación, yendo más allá de atribuir hechos del pasado a “el hombre” como genérico de la especia humana, y hablar también de mujeres o niños, e incluso grupos menos favorecidos, como esclavos o servidumbre. No obstante, una labor como la arqueológica, todavía deja inquietud a una parte significativa de la población, quienes se preguntan – y me han preguntado–, ¿por qué una mujer puede elegir tal profesión? Se tiene una carga imaginaria muy grande en las películas de Indiana Jones, su espíritu aventurero y arriesgado, una labor “sucia”, por su contacto con la tierra. Todavía hace falta generar más espacios de socialización del conocimiento, donde el público general siga enterándose que la arqueología también es identidad, cultura, sensibilidad y proyectos de futuro. Luego de revisar una serie de referencias bibliográficas para fortalecer mi reflexión sobre el tema, me quedan, por fortuna, más preguntas que respuestas. Me encontré con las historias de mujeres latinoamericanas, antropólogas, arqueólogas, historiadoras y afines, escribiendo sobre otras mujeres, pioneras de sus disciplinas, en algunos casos, opacadas por la labor de hombres de su época (Rutsch 2003, Tovar 2004). Y una pregunta radical: ¿Qué habría sido de la filosofía occidental, si las filósofas de la Grecia Clásica hubieran logrado establecer sus reflexiones, más o al menos a la par que los hombres? Dedicatoria: A Beatriz Castaño de López, graduada en Derecho en una de las primeras promociones de mujeres en Colombia. Viuda siendo muy joven y con tres hijos (uno de ellos, mi esposo), logró salir adelante en su ejercicio decidido como profesional y como madre. Hoy sigue dando ejemplo de tenacidad, valentía y entereza (Junio 6 de 2008).

139

Depoimentos

Dolores Elkin Doctorada en Arqueología en la Universidad de Buenos Aires, es Investigadora del CONICET (Consejo Nacional de Investigaciones Científicas y Técnicas) con lugar de trabajo en el INAPL (Instituto Nacional de Antropología y Pensamiento Latinoamericano), dependiente de la Secretaría de Cultura de la Nación. Desde su creación en 1995 tiene a su cargo en el INAPL el Programa de Arqueología Subacuática. Ha dirigido diversos proyectos de investigación arqueológica, principalmente financiados por la Fundación Antorchas, la Secretaría de Cultura y el Ministerio de Ciencia y Tecnología de la Nación. Actualmente tiene a su cargo la dirección del Proyecto Arqueológico Swift (Provincia de Santa Cruz), el Proyecto Relevamiento del Patrimonio Cultural Subacuático de la Península Valdés (Provincia de Chubut) y el Proyecto de Arqueología Marítima Monte León (Provincia de Santa Cruz). También fue Profesora Titular en la Universidad de Buenos Aires y en la Universidad Nacional del Centro de la Provincia de Buenos Aires (Olavarría). Dirigió y dirige tesistas y becarios – de nivel de grado y posgrado – sobre distintas temáticas arqueológicas. Ha publicado alrededor de 50 trabajos en la Argentina y el exterior, entre artículos científicos, capítulos de libro y notas de divulgación. Asimismo, ha organizado y/o participado activamente en numerosos congresos nacionales e internacionales de arqueología y es miembro de diversas instituciones científicas. Como integrante de la delegación argentina, representó al país en cinco oportunidades ante la UNESCO en relación a la protección legal del patrimonio cultural subacuático. 140

Desafios da arqueologia

Su experiencia de campo en arqueología incluye más de 45 temporadas de trabajo en Argentina, Perú e Israel. Las actividades de divulgación realizadas comprenden la colaboración y organización de exhibiciones en Buenos Aires, Puerto Madryn y Río Gallegos, y más de un centenar de entrevistas periodísticas en diarios, revistas, radio y televisión del país y del extranjero. En el año 1998 fue candidata nominada a Mujer del Año en reconocimiento por la investigación y protección del patrimonio cultural subacuático argentino, y en 1999 recibió, junto a su equipo de investigación, el Premio a la Actividad Científico Cultural otorgado por la Prefectura Naval Argentina. Posee una amplia experiencia en buceo, siendo Buzo Profesional Científica de la Prefectura Naval Argentina e instructora de la Nautical Archaeology Society del Reino Unido.

La experiencia de una arqueóloga argentina Dolores Elkin

¿Qué ha motivado la opción por la Arqueología? Fue una decisión tomada muy temprano en mi vida, específicamente motivada por la lectura de un libro infantil llamado “La gran aventura de la arqueología” (no recuerdo su autor) que relataba con muy lindas ilustraciones los primeros grandes descubrimientos arqueológicos, como la tumba de Tutankamon, las pirámides y cenotes de Mexico, y la ciudad de Troya.

¿Cuáles las circunstancias de la entrada de Ud. en la disciplina? 141

Depoimentos

Mientras estudiaba arqueología comencé a participar como voluntaria en trabajos de campo y laboratorio, y la entrada “oficial” en la disciplina fue al obtener mi primera beca de iniciación en investigación otorgada por el Consejo Nacional de Investigaciones Científicas y Técnicas (CONICET).

¿Cuáles las principales referencias del inicio de carrera (textos y personas)? Uno de los principales referentes para mí en el inicio de mi carrera fue Carlos Aschero. El fue mi primer director como becaria del CONICET dentro de uno de los proyectos que él dirigía en el noroeste argentino. De esa manera, fue la persona que me dio la oportunidad de desarrollar mis primeras herramientas profesionales, y lo hizo brindándome una gran libertad de pensamiento y de acción. Por ese motivo siempre le estaré agradecida. Con respecto a los textos, siendo estudiante en la década del ‘80, tuve gran influencia de la New Archaeology de autores como Lewis Binford.

¿Cuáles las principales referencias en general? En la época en que mi trabajo se focalizaba en la subsistencia humana de cazadores-recolectores, la obra de Binford, Higgs y Vita Finzi, Butzer y Gamble me permitió acercarme a enfoques y metodologías novedosas para el tratamiento de este tema, especialmente en cuanto a la relación entre población humana y ambiente. Desde que realizo investigaciones en arqueología subacuática considero que Keith Muckelroy fue un precursor al proveer sustento teórico a la especialidad, George Bass demostró hace cuatro décadas que el trabajo bajo el agua puede y debe mantener los mismos estándares que el trabajo en tierra, y actualmente creo que Mark Staniforth se destaca por la cantidad y calidad de su producción académica.

¿Cuáles los procedimientos de trabajo/investigación y como la condición femenina los determinaron? 142

Desafios da arqueologia

No creo que la condición femenina haya determinado la elección de determinados procedimientos de trabajo o investigación por sobre otros. Sí puedo decir que la persona cuyo modelo me inspiró cuando decidí dedicarme a arqueología subacuática fue otra mujer: la colega y gran amiga mexicana Pilar Luna Erreguerena. Sus logros me demostraron que aún en países “de tradición machista” como es la región latinoamericana, y en un ambiente protagonizado por hombres como es el buceo, una mujer podía realizar importantes contribuciones e incluso abrir nuevos caminos.

¿Cuáles las dificultades y facilidades de trabajo/investigación encontradas en la profesión arqueológica, considerando la condición femenina? Creo que las arqueólogas que tenemos hijos pequeños o deseamos dedicarnos a la familia en la mayor medida posible, nos enfrentamos con algunas dificultades. Un ejemplo es la disponibilidad de tiempo para realizar trabajo de campo, o la participación en congresos o eventos que se realizan en lugares distantes al de nuestro lugar de residencia. Más allá de las tradiciones o las normas sociales y culturales de cada país, creo que en estos casos es la misma mujer quien desea viajar menos. Tampoco es simple, por razones obvias, viajar con los hijos. En el caso de mi especialidad, la arqueología subacuática, una dificultad adicional que se me ha presentado se relaciona con el buceo y la logística que éste implica durante el trabajo de campo. Aunque no sea algo explícito, puede verse que los hombres prefieren la participación de otros hombres en los equipos de trabajo, tal vez porque las mujeres solemos tener menos aptitud física para ciertas tareas, o menos experiencia en temas de náutica, de mecánica, de electricidad, etc. Parecería que las mujeres debemos hacer el doble del esfuerzo que los hombres para ser aceptadas, por más que muchas de las tareas que tienen que ver con un proyecto de investigación – del que el trabajo de campo es una proporción mínima – puedan ser hechas por mujeres con la misma eficiencia que los hombres. 143

Depoimentos

¿Las diferencias entre países o regiones, en relación a la condición femenina, existen y, en caso positivo, cuáles son y cuál su importancia? Por supuesto que existen diferencias entre países o regiones (o entre distintos ámbitos dentro de un mismo lugar) respecto a la condición femenina, y trascienden la profesión arqueológica. Son muchas formas de discriminación. Para combatirlas es necesario luchar por nuestros derechos, crear nuevos espacios de acción y de expresión, y contribuir a valorizar a las mujeres en general. Ello debe incluir la valorización de lo que significa la crianza y el cuidado de la familia (no imagino mayor contribución a la sociedad que formar buenas personas para que la integren), pero debe respetarse el derecho de la mujer a elegir si esa es o no su prioridad, o en qué momento de su vida desea hacerlo.

¿Cómo evalúa, en general, la contribución femenina para la Arqueología en general y latinoamericana, en particular? No estoy muy familiarizada con la situación de las mujeres en la arqueología oriental, pero ciertamente en América y Europa hay muchas mujeres que han contribuido y contribuyen al desarrollo de la arqueología. Lo hacen en todos los ámbitos: investigación, gestión y docencia, en muchos casos ocupando cargos destacados. En Latinoamérica, a pesar de que hay mucho camino por recorrer, considero que hay un gran número de arqueólogas en actividad y su contribución a la disciplina está siendo cada vez más reconocida.

144

Desafios da arqueologia

Almudena Hernando Gonzalo Nació en Madrid (España), en cuya Universidad Complutense ha venido desarrollando toda su vida académica. Licenciada en Historia en 1981 y Doctorada en 1987, actualmente es Profesora Titular en el Departamento de Prehistoria (Facultad de Geografía e Historia) de esa Universidad. Siempre ha estado interesada en la reflexión sobre arqueología teórica, es decir, en los fundamentos epistemológicos sobre los que se sustenta la reflexión sobre el pasado. Este interés se aplicó inicialmente al estudio de las primeras sociedades campesinas, del Neolítico Final/Calcolítico, lo que condujo a la elaboración del libro Los primeros agricultores de la Península Ibérica (Síntesis, Madrid, 1999) y a desarrollar un proyecto de etnoarqueología en los años 1994 y 1995 con los Q’eqchí’, un grupo de horticultores actuales de Guatemala. Esta experiencia suscitó el interés, sostenido desde entonces, por profundizar en cuestiones relacionadas con la percepción de la realidad y el modo de construcción de la identidad de los grupos humanos, ante la evidencia de las diferencias que los grupos estudiados mostraban en este sentido respecto a la percepción moderna-occidental. Diversas estancias como investigadora invitada a las Universidades de California en Los Ángeles (UCLA) (en 1995) o Berkeley (en 1997), the University of Chicago (en 1997) facilitaron la búsqueda bibliográfica que habría de concluir en el libro Arqueología de la Identidad (Akal, Madrid, 2002). Interesada a partir de entonces en realizar trabajo de campo con un grupo de cazadores-recolectores para estudiar pautas de identidad, dedicó una nueva estancia de investigación en Harvard (en 2003 y 2004) a localizar un grupo que pudiera resultar idóneo para tal fin. 145

Depoimentos

Como resultado de ello, y tras realizar contactos con la Universidad de Chiang Mai (Thailandia), inició el proyecto “Etnoarqueología de los Mlabri de Tailandia. Primera parte: estudio de los mecanismos de construcción de su identidad,” financiado por la Universidad Complutense. En él se planteaba una toma de contacto con ese grupo étnico con el objetivo de desarrollar un proyecto de mayor alcance si se daban las condiciones que lo permitiesen. Lamentablemente, no fue ése el caso, ya que los Mlabri se encuentran en condiciones cercanas a la esclavitud, lo que era desconocido incluso para la Universidad de Chiang Mai. Posteriormente, en el año 2005, financiado por el Ministerio de Cultura español, organizó asimismo otra campaña de prospección para comprobar la viabilidad del trabajo con otro grupo de cazadores-recolectores, los Awá (también conocidos como Guajá), que habitan en el estado brasileño de Maranhão. El viaje fue posible gracias a la colaboración de la Dra. Elizabeth Beserra Coelho, de la Universidad de São Luis (Maranhão), e incluyó a la Dra. Eliane Cantarino O’Dwyer, de la Fluminense de Río de Janeiro, a Gustavo Politis, de la Universidad del Centro de la Provincia de Buenos Aires y a Alfredo González Ruibal, de la Universidad Complutense de Madrid. Con ellos, y a la vista de las posibilidades que ofrecía el caso, organizó y dirigió el proyecto “Etnoarqueología de los Awá (Guajá) – Maranhão, Brasil– , un grupo de cazadores-recolectores en transición a la agricultura” financiado por el Ministerio español de Ciencia e Innovación (HUM2006-06276), que finalizará en septiembre de 2009. A través del trabajo de campo con poblaciones actuales, intenta seguir profundizando en las claves que explican las claves de la construcción identitaria y la relación que existe entre la modalidad que adopta la identidad y complejidad socio-económica que caracteriza a cada grupo humano. Por otro lado, la profundización en los mecanismos de construcción de la identidad fue conduciendo también al análisis de las diferencias que presentan las de hombres y mujeres de nuestra propia sociedad, centrándose el análisis en la construcción sociohistórica de las diferencias de género. Esta línea de trabajo llevó a la organización de un par de seminarios en el prestigioso Círculo de Bellas Artes de Madrid, que se materializaron posteriormente en sendas publicaciones, en donde participó como autora y editora 146

Desafios da arqueologia

(La construcción de la subjetividad femenina, Instituto de Investigaciones Feministas, Madrid, 2000; y ¿Desean las mujeres el poder? Cinco reflexiones en torno a un deseo conflictivo, Minerva, Madrid, 2003). Forma parte del Instituto de Investigaciones Feministas de la Universidad Complutense de Madrid, e imparte cursos, conferencias y seminarios sobre la construcción de las identidades de género y los rasgos que definen la identidad de las mujeres en la Modernidad. Con ambos temas (etnoarqueología y género) están relacionadas sus últimas publicaciones, guiadas por un mismo objetivo: demostrar que la identidad de los seres humanos constituye la contraparte cognitiva de la posición de poder que ocupen en una determinada sociedad. De ahí que la identidad sea variable, negociable y transformable. La aspiración última es contribuir a entender, y en consecuencia respetar en términos de igualdad, la identidad de todos aquellos, hombres o mujeres, que no se caractericen por el tipo de identidad individualizada que caracteriza a los hombres con poder de la Modernidad. Y ayudar a comprender las bases en las que se ha fundado el orden patriarcal, con el fin de desmontar sus mecanismos. La reflexión teórica aspira a tener, de este modo, una aplicación social, transformadora y de concienciación personal. Con este mismo objetivo viene realizando una colaboración desinteresada, en los últimos años, con la ONG Solidarios para el Desarrollo para impartir conferencias en diversas prisiones de la Comunidad de Madrid, en la convicción de que conocimiento teórico y práctica social son dos aspectos indisociables de cualquier proyecto que aspire a transformar el presente para conseguir un futuro mejor.

147

Depoimentos

Respuestas Almudena Hernando Gonzalo

¿Qué ha motivado la opción por la Arqueología? Inicialmente, el atractivo de descubrir mundos y tiempos ocultos, en esa línea romántica tan extendida socialmente. Posteriormente, y tras la crisis que la madurez provocó en ese objetivo inicial, descubrí que mi opción por la Arqueología no tenía que ver con un interés por el pasado, sino por el más puro presente. Que la Arqueología era el modo de acercarme a las capas más ocultas de nuestro pasado como vía para entender determinados rasgos de la sociedad actual, del modo en que construimos la identidad y la idea que nos hacemos sobre el mundo en el que vivimos. La Arqueología ha procedido tradicionalmente del modo contrario: de forma positivista, ha proyectado nuestra identidad actual y el modo de entender el mundo que nos caracteriza a nosotros, los habitantes del mundo moderno occidental, a todas las etapas de nuestro pasado, impidiendo con ello un acercamiento fiable a las culturas que nos precedieron. Este modo de proceder sólo puede explicarse cuando la función prioritaria de la Arqueología es legitimar y justificar el orden de la Modernidad, el presente. Sin embargo, al proceder de forma contraria, no sólo podemos aspirar a conocer de forma más respetuosa y fiable la complejidad de las culturas del pasado, sino que además, al comprender su “diferencia”, podemos comenzar a entender también las claves que rigen nuestro propio orden social. Me interesa mucho más este segundo modo de proceder.

¿Cuáles las circunstancias de la entrada de Ud. en la disciplina? Al final de los años ’70, cuando llegó el momento de ingresar en la Universidad, era muy conocida en España la figura de D. Martín Almagro Basch, quien ocupaba varios de los puestos más destacados del mundo académico y profesional de la Arqueología: 148

Desafios da arqueologia

Director del Museo Arqueológico Nacional, Catedrático de Prehistoria en la Universidad Complutense de Madrid, había sido Comisario General de Excavaciones, etc. El colegio en el que yo había cursado mis estudios hasta entonces pertenecía al distrito universitario de la Universidad Autónoma de Madrid, y no de la Complutense, en donde él impartía clases. Así que trasladé mi expediente a ésta última, con el objetivo claro y preciso de poder asistir a sus clases (lo que nunca sucedió porque cuando yo llegué a la especialidad todas sus clases las daban sus ayudantes u otros profesores) e introducirme en el único ámbito de trabajo arqueológico del que tenía conocimiento. Es decir, mi opción por la carrera de Geografía e Historia, en cuya especialidad de Prehistoria él daba clases, fue motivada por mi deseo de estudiar Arqueología, objetivo que tuve muy claro desde antes de ingresar en ella, aunque en realidad, no supe muy bien por qué hasta bastante avanzada mi carrera profesional.

¿Cuáles las principales referencias del inicio de carrera (textos y personas)? En el primer año de la carrera se cursaba una asignatura de introducción a la Prehistoria, cuyo profesor fue Manuel FernándezMiranda. Dado mi interés en la materia, y las buenas calificaciones que obtuve, me ofreció participar en una excavación ese mismo verano, cuya dirección compartía con tres colegas más y en donde participaban muchos alumnos porque se trataba de una ciudad medieval, Recópolis, que exigía abundante mano de obra. Quizá por tratarse de un ambiente tan multitudinario o quizás porque la época del yacimiento se alejaba de mi interés, el hecho es que la excavación no sólo no alentó mi ilusión inicial por la Arqueología, sino que generó una crisis en mi vocación, que no terminé de resolver hasta muchos años después, cuando pude reconocer la causa verdadera que explicaba el interés que para mí tenía la disciplina.

¿Cuáles las principales referencias en general? Entiendo por Arqueología una suerte de Genealogía en el sentido de Foucault. No le encuentro sentido a estudiar el pasado si 149

Depoimentos

no es a través de una perspectiva completamente multidisciplinar, porque considero que la cultura humana es uno de los objetivos más complejos que se puedan abordar. Eso hace que en mi investigación proceda de un modo muy heterodoxo, que puede llegar a considerarse ajeno a un estudio arqueológico propiamente dicho. Mi interés radica en conocer cómo pudo entender el mundo y entenderse a sí mismo el ser humano del pasado. Para ello, dirijo la mirada a grupos actuales caracterizados por escasa complejidad socio-económica, por ejemplo; o analizo la transformación que supone la introducción de la escritura en el pensamiento y el modo en que se comprende la realidad, para poder entender la diferencia que puede existir con las sociedades orales, etc. Se comprenderá que, dados estos intereses, no haya encontrado referencias que considerara muy iluminadoras en el ámbito académico de la pura Arqueología, aunque sí lo he hecho en ámbitos tales como la Sociología, la Antropología, la Psicología, etc. Destacaría dos referencias fundamentales: el sociólogo Norbert Elías me abrió toda una perspectiva de análisis en la que el vínculo emocional que sostiene con el mundo es una variable esencial para entender a una cultura dada. Por su parte, le debo a David R. Olson el haber entendido la transformación radical que la introducción de la escritura supone en la manera de entender y relacionarse con el mundo del ser humano. La Prehistoria estudia sociedades orales y, sin embargo, nunca se ha prestado suficiente atención a ese hecho.

¿Cuáles los procedimientos de trabajo/investigación y como la condición femenina los determinaron? Creo que mi condición femenina realmente ha determinado los objetivos de mi investigación y la metodología con la que la llevo a cabo. En concreto, creo que el interés que me suscita el análisis de la subjetividad, de la identidad y de las emociones para comprender a la cultura y al ser humano, se explica en función de mi condición de mujer, precisamente de mi subjetividad femenina. El método científico se ha pretendido siempre objetivo y aséptico en términos emocionales, expresando el tipo de individualidad racionalizadora que ha caracterizado progresivamente a los hombres en la trayectoria histórica del mundo occidental. Pero la distancia emocional que los 150

Desafios da arqueologia

hombres han puesto en su relación con el mundo sólo era posible a cambio de que alguien – las mujeres – se ocupara de gestionar su mundo emocional, de apoyarles, de entender lo que ellos mismos no podían descifrar. Sin embargo, cuando al llegar la Modernidad las mujeres comenzaron a individualizarse – en virtud de la educación superior cuyo acceso ahora se les autorizaba –, no tenían a nadie que se hiciera cargo de sus necesidades emocionales, de su necesaria vinculación emocional con el mundo. Así que tuvieron – tenemos – que desarrollar un tipo de individualidad diferente, en donde al ejercicio de la razón se suma la conciencia del valor imprescindible que las emociones tienen en la relación con el mundo. Y creo que este rasgo, tan propio de las mujeres de la modernidad, determina la posibilidad de aparición de un nuevo tipo de ciencia, de investigaciones y de metodología, incluyendo como objetivo de análisis ese nivel de realidad que los hombres no suelen incluir no porque no exista, sino porque no han sido conscientes de su existencia ante el apoyo que en ese campo les han dado las mujeres.

¿Cuáles las dificultades y facilidades de trabajo/investigación encontradas en la profesión arqueológica, considerando la condición femenina? En mi opinión, hay bastantes dificultades, pero no son de orden externo, consciente o visible, sino de orden subjetivo y muchas veces inconsciente. Y no tienen que ver con el campo específico de la Arqueología, sino con el hecho de que, a pesar de que las mujeres tengamos acceso a cualquier institución de aprendizaje o conocimiento en iguales condiciones que los hombres, se nos sigue transmitiendo una identidad parcialmente diferente en algunos aspectos. Y el mundo académico sigue siendo una expresión de la identidad masculina, por lo que a veces las mujeres no nos identificamos tanto con sus valores o procedimientos como lo hacen los hombres. Por ejemplo, creo que las mujeres seguimos teniendo más problemas para identificar nuestros deseos y para darles prioridad cuando no coinciden con los de quienes nos rodean. Y entre estos deseos está la vocación profesional, o la definición de un tema de investigación o de una línea de trabajo propia. Así se explica que, aunque el número de mujeres sea mayor que el de hombres en los 151

Depoimentos

niveles iniciales en las carreras de Humanidades, la proporción empiece a cambiar, e incluso a invertirse, a medida que llegamos a los niveles superiores – elaboración de la tesis doctoral, por ejemplo –, o a los puestos más altos del mundo académico. Se nos entrena menos para competir sin morir de culpa o sufrimiento en el intento, para dedicar a la profesión la casi totalidad de la energía, como hacen muchos hombres, lo que obviamente establece lo que se ha denominado un “techo de cristal” en la carrera profesional de muchas mujeres. Fuera de estas determinaciones subjetivas, no he encontrado obstáculos externos (no hacen falta, son mucho más eficaces y sutiles los primeros) para el desarrollo de la profesión.

¿Las diferencias entre países o regiones, en relación a la condición femenina, existen y, en caso positivo, cuáles son y cuál su importancia? Creo que existen, dependiendo de la rigidez con la que se reproduzca el orden patriarcal en cada contexto social. Pero debe entenderse que yo no puedo separar lo subjetivo de lo social, porque las relaciones que se establecen entre los individuos de una determinada sociedad expresan la modelación de las emociones, actitudes, creencias, valores, etc. que cada uno de ellos encarna, y por tanto, reproduce al educar a su descendencia. Es decir: si vemos un país donde la mayor parte de los investigadores son hombres, o al menos los que ocupan mayoritariamente los puestos de poder académico, es porque la sociedad sigue reproduciendo mayoritariamente, a través de la idea que los hombres y las mujeres tienen de ellos mismos, la convicción de que a los hombres corresponden más unas funciones (las asociadas con la razón y el poder) y a las mujeres otras (las asociadas con la emoción y el sostenimiento de la familia). A mi juicio, los países del Norte de Europa (Dinamarca o Suecia) manifiestan las cotas más altas de igualdad, que ya se empiezan a elevar también en otros países más meridionales del continente (como Inglaterra, Alemania o la misma España). Por lo que conozco, la situación es mucho más desigual en Estados Unidos, donde un mundo académico extremadamente competitivo sigue favoreciendo más a los hombres y a su manera de entender las Ciencias Humanas y Sociales del mismo modo que las Ciencias 152

Desafios da arqueologia

Naturales, aplicando así modelos del tipo de la Ecología Cultural, Sociobiología o Materialismos deterministas. Obviamente, si el mundo académico privilegia esto es porque quienes ocupan las posiciones de poder dentro de él encarnan esa identidad que busca la seguridad en controlar tecnológicamente el mundo, entenderlo a través de fórmulas simplificadoras y negar la función que la emoción tiene en nuestros mecanismos de supervivencia. Es decir, que encarnan una identidad claramente patriarcal. De hecho, cuando se encuentran mujeres creativas, que están aportando visiones novedosas al mundo del pensamiento y de la ciencia, hay muchas posibilidades de que estén solas, sin parejas, o en todo caso con parejas femeninas, mientras que los hombres que están en la cima de la pirámide académica suelen acompañarse, como contexto imprescindible a su dedicación, de una familia que le respalda y cubre las necesidades emocionales. En la medida en que yo conozco América Latina – que puede ser, como en el caso anterior, superficial –, diría que sigue siendo un contexto claramente patriarcal, pero diferente al de los Estados Unidos. La identidad de hombres y mujeres está menos individualizada, por lo que la construcción de un núcleo familiar con hijos sigue siendo una prioridad en la mayor parte de los casos como fuente de identidad, seguridad y auto-afirmación. Esto explica que existan, en el mundo académico, dos pautas divergentes de relación: por un lado, como en Estados Unidos, existen casos muy marcados de ideología patriarcal en algunos (la mayor parte de los) hombres, que eligen mujeres que dan obvia prioridad a la formación y sostenimiento de la familia (aunque trabajen en muchas ocasiones), por un lado; pero por otro, existe la posibilidad de encontrar casos en los que mujeres con educación superior y por tanto muy individualizadas compaginen su irrenunciable maternidad con un desarrollo profesional activo que es bien tolerado por sus parejas, que asumen también responsabilidades en el sostenimiento de la familia. Sin embargo, creo que en estos casos la necesidad de conceder tanta importancia a lo intelectual como a lo emocional, a lo que individualiza como a lo que vincula, impide que la creatividad se desarrolle – tanto en los hombres como en las mujeres que encarnan este modelo – en el grado en que lo haría si la forma de identidad diera clara prioridad a los rasgos que definen la individualidad. Es 153

Depoimentos

por esto que, en mi opinión, pueden encontrarse bastantes mujeres ocupando puestos de poder político o de gestión académica, pero es mucho más reducido el caso de mujeres generadoras de pensamiento o teorías innovadoras, que sí aparecen – solas en general – en los Estados Unidos.

¿Cómo evalúa, en general, la contribución femenina para la Arqueología en general y latinoamericana, en particular? Por supuesto que la evalúo muy positivamente, pero sobre todo, estoy convencida de que su contribución irá creciendo en importancia a medida que pase el tiempo. Creo que la importancia que para la ciencia puede tener la incorporación de las mujeres no radica en el hecho de que el mundo académico se vea “coloreado” por su presencia, ni en que pueda decirse que los comités o departamentos son modernos e igualitarios porque las incorporan en términos de paridad. Es decir, no basta con que haya mujeres trabajando en el mundo de la Arqueología, y ni siquiera que haya mujeres trabajando en temas supuestamente de género en la Arqueología si siguen reproduciendo el tipo de ciencia patriarcal, positivista, y pretenden realizar una ciencia objetiva y aséptica, incluso cuando se dedican a recuperar las huellas de actividades femeninas en el pasado. Lo que tiene de trascendente la incorporación de las mujeres a la ciencia, como ya ha comenzado a suceder, es que pueden dirigir una mirada distinta al objeto de estudio, que pueden hacer otro tipo de ciencia, en que la búsqueda del ser humano del pasado se enriquezca con los matices que ellas conocen en su propia identidad del presente: qué importancia pudo haber tenido el cuerpo en la relación con el mundo, qué tipo de emociones la definieron, cuáles las diferencias en su percepción del tiempo o del espacio con el presente, etc. Entiéndase que no se trata de repetir la proyección de los rasgos del presente al pasado, como ha hecho la Arqueología positivista de la que me quejo – sólo que ahora en versión femenina –, sino de reconocer una serie de categorías que actúan en la relación que el ser humano estable con la realidad, y que las Ciencias Sociales se niegan a reconocer simplemente porque los hombres no los reconocen en sí mismos. Dado que a las mujeres no les queda otro remedio que ser conscientes de ellas porque no tienen a quien se 154

Desafios da arqueologia

ocupe de ser el depositario de los conflictos que generan, dejan de negar su existencia e importancia, y pueden así ocuparse de reconocer la modalidad que adoptaron en el pasado. Creo que ésta es la verdadera trascendencia que tendrá la incorporación de las mujeres al mundo de las Ciencias Sociales, porque cuando lo vayan haciendo, transformarán la comprensión de lo que es la cultura humana, y por tanto, revolucionarán el modo de hacer Historia. En la actualidad creo que ya es un gran avance la simple presencia creciente de mujeres en el ámbito académico, por cuanto sirve de estímulo y modelo para que cada vez más mujeres se vayan incorporando al mismo. Aparte de ello, en Europa del Norte e Inglaterra existen aportaciones novedosas a la comprensión de las culturas del pasado a través de la dimensión del género visible en vestimentas, ajuares o tumbas, por ejemplo. En España existe un creciente número de investigadoras – con base en Granada y Barcelona especialmente – que están aportando nuevas perspectivas desde las que mirar al pasado. Y, aunque no conozco en profundidad la situación de América Latina, me consta que en contextos como Argentina o México se están haciendo grandes esfuerzos por introducir esta nueva mirada – más desarrolladas en otras disciplinas como la Antropología o la Psicología – en la Arqueología. Mi conclusión es que la incorporación de las mujeres al estudio de la Arqueología o de cualquier otra disciplina de las Ciencias Humanas o Sociales, transformará el carácter de éstas, aunque no soy optimista respecto al ritmo de ese cambio. Porque sólo en el momento en que orden patriarcal desaparezca, el tipo de individualidad que han ido desarrollando progresivamente los hombres a lo largo de la Historia dejará de ser considerado el modelo de identidad asociado naturalmente al conocimiento y al control del mundo. O lo que es lo mismo: el orden patriarcal sólo desaparecerá cuando ese modelo de identidad deje de ser el modelo a seguir, así como el tipo de conocimiento que genera y el tipo de poder que produce. Así que el mundo académico sólo reconocerá la aportación de las mujeres cuando el modelo de identidad que éstas representan pase a ser también el tipo de individualidad mayoritario en ese mundo. Pero no porque haya una mayoría de mujeres, sino porque los hombres hayan reconocido también que en su análisis del ser humano y en 155

Depoimentos

su propia percepción de sí mismos faltaba reconocer la dimensión subjetiva de la cultura, imprescindible para entender las dinámicas en que participamos.

156

Desafios da arqueologia

Margarita Díaz-Andreu Margarita Díaz-Andreu es en la actualidad profesora de la Universidad de Durham en Inglaterra. Su investigación se centra en el periodo prehistórico, y en concreto en los milenios que cubren la primera producción de alimentos y los inicios de la metalurgia, poniendo especial atención al fenómeno del arte prehistórico. Además se interesa por cuestiones de identidad (de género y etnicidad principalmente) y por cuestiones de historiografía analizando temas como las conexiones entre política en la arqueología. Ha realizado trabajo de campo en España y en Inglaterra. Su docencia cubre los campos de historia de la Arqueología y Arte rupestre a nivel de grado universitario, máster y doctorado. Las publicaciones de la profesora Díaz-Andreu cubren un amplio abanico de temáticas, siendo la más temprana la de la emergencia de la complejidad social en la Meseta Sur española, asunto sobre el que versó su tesis doctoral (1990, Universidad Complutense de Madrid, publicada en 1994 – otro libro sobre arqueometalurgia en la misma zona salió a la luz en 1998). En cuanto al arte prehistórico sus escritos se han dirigido, por una parte, a la documentación e interpretación de paisaje e identidad de varias zonas con decoración ya sea en grabados o en pinturas. Por la otra, una serie de trabajos se refieren a las técnicas de documentación en tres dimensiones con escán de laser. Los sitios analizados se encuentran en España (Cuenca) e Inglaterra (Cumbria, Northumberland y Yorkshire) Sobre identidad e historia de la arqueología ha publicado varios volúmenes sobre José Ramón Mélida (Ediciones Clásicas 2004); La Arqueología de la Identidad (Routledge, 2005); Nacionalismo, Imperialismo y Arqueología (UCL Press 1996, N&N 2001), y la 157

Depoimentos

historia de mujeres en Arqueología (Routledge 1998). Sus últimos libros son una historia mundial de la Arqueología en el siglo XIX (Oxford Unversity Press, 2007) y un Diccionario Histórico de la Arqueología en España (Marcial Pons, 2009, co-editado).

Reflexión de una arqueóloga española en el Reino Unido Margarita Díaz-Andreu41

Es siempre difícil rastrear de donde nació el interés que uno tiene por la arqueología y la respuesta a esto es siempre muy personal y por fuerza anecdótica y quizá no muy interesante. Sé que de niña envidiaba a los niños que vivían en pueblos y podían pertenecer a “Misión Rescate”, grupos que se dedicaban a buscar yacimientos arqueológicos e incluso – ahora lo pienso con horror – a excavarlos sin permiso de ningún tipo, actividades que formaban base de un programa de televisión infantil. Cuando una profesora del colegio me preguntó cuando tenía trece años que qué iba a ser de mayor dije que estudiar pueblos ‘primitivos’ actuales o antiguos, no estaba segura. Ella me recomendó que me leyera una historia de la antropología que me compré y me leí, sin entender mucho. Era la de Robert H. Lowie’s History and Ethnological Theory (1937), traducida por Fondo de Cultura Económica en 1946. Yo tenía la reimpresión de 1974, publicada un año antes de comprarla yo. Ahora me parece sorprendente que ya desde tan joven supiera lo que quería hacer. Tanto era así que el primer día de universidad en la asignatura de Prehistoria me acerqué a la profesora y le dije que yo quería ser arqueóloga e ir a una excavación, que si me po41

Dept. de Arqueología – Universidad de Durham, Reino Unido.

158

Desafios da arqueologia

día dar información. Me miró como quien no puede creer lo que estaba oyendo, lo que ahora, con la experiencia de ser profesora yo, entiendo: a mí jamás me ha pasado algo así. A través de ella me asocié a un grupo de jóvenes que realizábamos actividades arqueológicas cada fin de semana. En el departamento había profesores de ambos sexos, y durante mis años de carrera una de las profesoras ascendió a catedrática, de lo que se habló como algo positivo para las mujeres pero no recuerdo que con ella me sintiera apoyada. A pesar de esto reconozco que el tener a mujeres entre el profesorado permite naturalizar la percepción que las alumnas tienen sobre sus propias posibilidades de futuro, y en mi caso, esto es cierto: en ningún momento tuve duda ninguna en yo podía alcanzar a ser académica, aunque también he de añadir que no me engañaba que esto no sería fácil y que nunca gozaría del trato diferencial que en algún caso se le da a ciertos chicos. Como suele ser habitual entre mujeres, encontré más ayuda en ellos que en ellas. Lo mismo me pasó en las excavaciones a las que fui, varias de ellas dirigidas por mujeres que confiaban en ellos – y sólo de forma excepcional en nosotras – para las labores más importantes. En aquellos años todavía era frecuente el abuso tanto lingüístico como físico de hombres a mujeres (nunca presencié ninguno de hombres a hombres, aunque sé que los hubo). Abundaban las bromas de carácter sexual y los toqueteos pícaros pero discretos, todo ello sazonado con las historias que corrían sobre las aventuras amorosas de varios de los profesores y catedráticos. Fui víctima de situaciones menores y testigo de escenarios vergonzosos y, quizá lo peor, a mí se me acusó de haber estado en situaciones en las que nunca estuve y no por hombres (al menos nunca explícitamente), sino por mujeres, y en una ocasión delante de un grupo de alumnos. También he de confesar que en una ocasión, a finales de los años ochenta, presencié a una profesora de universidad claramente propasándose con un estudiante de doctorado y que, quizá por no dejar en ridículo al pobre chico, no hice nada para pararla. Desde mi perspectiva como historiadora de la Arqueología ahora sé que aquellos abusos no eran nuevos, pero agradezco que seamos la última generación que tuvimos que sufrir aquello antes de que la legislación se pusiera dura para parar estos casos (aunque en varios países continúan). 159

Depoimentos

Pensándolo ahora, en mis años de formación lo que leí estaba casi completamente producido por hombres, aunque nunca me di cuenta de ello. Sí que recuerdo un sentimiento cada vez más profundo de insatisfacción con el tipo de enseñanza que recibíamos llena de tipos, culturas y cronologías. Sin ninguna guía real de forma libre me puse a leer los libros en inglés encuadrados en la Nueva Arqueología que alguien que conocí en primero de carrera, Salvador Rovira (entonces haciendo quinto curso e intentando aprobar el latín de primero), me prestaba. Sin haber entendido bien el significado de esta corriente me enfrenté a análisis estadísticos multivariantes en mi tesina, y así, aburrida de esto también, llegué a la Arqueología Espacial (lo que ahora se llamaría Arqueología del Paisaje) en mi tesis doctoral. La decisión sobre el área a trabajar la tomé yo sobre la base de un proyecto realizado por dos personas con las que entonces estaba en contacto: mi director de tesis, Manolo Fernández-Miranda, y su colaborador en el proyecto de la Edad del Bronce en la Mancha, el norteamericano Antonio Gilman. Pensé que si analizaba un área geográficamente cercana a la que ellos estaban empezando a trabajar tendría puntos de comparación en los resultados de mi tesis. Ambos me apoyaron en mi labor en lo que pudieron y siempre les agradeceré su ayuda. Ellos también me respaldaron al acabarla y me avalaron para mis becas post-doctorales. En la actualidad llevo doce años trabajando en el Reino Unido. Aquí, al menos en la universidad, hay muchas menos mujeres trabajando en Arqueología. Siempre he sostenido que esto se halla relacionado con las diferencias en el papel que tiene el clientelismo en el acceso a la profesión y no necesariamente en una ideología más liberal en España (o en Latino América). Al igual que allí, me he sentido apoyada más por hombres que por mujeres (mi actual departamento ha llegado a tener dos catedráticas). Hay diferencias, sin embargo: la primera es que hasta hace algo de un año éramos franca minoría las que teníamos no sólo pareja sino además hijos, lo que contrastaba con mis colegas masculinos, muchos de ellos con familia. De hecho cuando nació mi hija varios pensaron que iba a dejar de trabajar a tiempo completo, pero esto se entiende porque en este país es muy habitual que las mujeres con niños tengan una jornada laboral reducida. 160

Desafios da arqueologia

Mi situación particular con una niña todavía relativamente pequeña, un marido trabajando durante la mayor parte de la semana en otra ciudad y sin familia cercana que pueda ayudar ha influido claramente en mi práctica arqueológica. Hacer trabajo de campo en zonas lejanas a mi universidad se hizo prácticamente imposible y de ahí que mi proyecto sobre documentación de arte rupestre con escán de láser estuviera basado en Cumbria. El énfasis que la historia de la arqueología ha tomado en estos últimos años en mi investigación también está relacionado con esto, al igual que la localización de los archivos sobre los que trabajo. Durante unos años asistí a pocos congresos, y estoy menos abierta que otros a aceptar invitaciones para dar cursos y conferencias que me supongan estar varios días fuera de casa. Volviendo atrás en el tiempo, me parece también evidente que mi investigación post-doctoral sobre temas de género y del papel de las arqueólogas en la historia de la Arqueología está influida por mi condición de mujer, pero también he de añadir que precisamente el énfasis de los estudios de género en lo femenino me ha llevado a no incidir tanto en ellos en estos últimos años: para mí resulta insatisfactorio un estudio de género que se olvide de la masculinidad y los terceros géneros y quizá un mayor acento en estos temas me atraería de nuevo hacia este tema. Conozco muchas mujeres en el mundo que están realizando una excelente labor profesional en arqueología. No pienso que las mujeres practiquen la arqueología de forma diferente que los hombres por una razón biológica, sino simplemente social. Como nuestros colegas masculinos, buscamos estrategias que se adapten a nuestra situación personal y que nos permitan conseguir lo que queremos desde un punto de vista profesional.

161

Depoimentos

Ana Mª Mansilla Castaño Nació en Gijón (Asturias), siendo adolescente se trasladó junto con su familia a Oviedo y Barcelona y posteriormente a Madrid donde se licenció en Geografía e Historia en la especialidad de Prehistoria en la Universidad Complutense de Madrid en 1995 y en 2002 en Antropología Social y Cultural. En 2004 presentó en la UCM su tesis doctoral titulada La Divulgación del patrimonio arqueológico en Castilla y León: un análisis de los discursos. Posteriormente ha estado trabajando en el ámbito de la Cooperación Internacional entre 2004 y 2007 en la Oficina Técnica de Cooperación de la Agencia Española de Cooperación Internacional para el Desarrollo en Brasil, en los ámbitos de patrimonio, género y afro-descendientes. Desde 2008 continúa su trabajo en Cooperación Internacional en el ámbito de la Cooperación Cultural en Europa. En 2009 ha sido consultora temporal de la Oficina de Brasil y Cono Sur de UNIFEM (Fondo de Desarrollo de las Naciones Unidas para la Mujer) en el marco del Fondo Fiduciario de Naciones Unidas en Apoyo de Acciones para la Eliminación de la Violencia contra las Mujeres. Su ámbito de investigación es la dimensión socio-antropológica de las relaciones de la arqueología y la sociedad contemporánea. Ha publicado algunos artículos en esta línea prestando especial atención al papel del discurso textual y visual, en diferentes contextos divulgativos, en yacimientos arqueológicos, centros de interpretación y museos de España y otros países como Australia y Brasil. 162

Desafios da arqueologia

Ha participado como ponente y como organizadora en congresos y seminarios sobre cooperación internacional en los ámbitos de patrimonio, cultura y género. La desvinculación temprana de la ciudad y región de origen y el contacto con otras tradiciones y culturas, así como la situación personal y familiar, soltera y sin hijos, y con los familiares más próximos también en otros lugares geográficos, guardan estrecha relación con la formación y posterior orientación profesional de marcado carácter internacional.

Arqueólogas y género: una relación fructífera y plural Ana Mansilla

No me corresponde a mí, ni en este espacio, presentar una historiografía de la arqueología y en particular de las arqueólogas españolas, ya se han realizado algunas interesantes publicaciones al respecto42 Este texto se centra, por tanto, no en una contribución personal a la arqueología, sino en las contribuciones que la reflexión sobre la arqueología, especialmente la arqueología del género puede hacer a la transversalización de la perspectiva de género en contextos diversos. De alguna manera, se trata de una aproximación de una forma periférica, que en mi caso se ha orientado a través de la arqueología hasta un abordaje más central y directo de las cuestiones de género en otros ámbitos como la museología, la cooperación al 42

M. Díaz-Andreu “Spanish women in a changing world. Strategies on the search for selffulfilment through antiquities”. En M .L. Stig Sorensen y M. Díaz-Andreu (eds.), Excavating women: a history of women in European Archaeology. London/New York. Routledge, 1998, pp. 125-143. G. Cárdaba, M.C. Berrocal, C. González, A.M. Mansilla, M.J. Rodríguez, C. Ruiz, y M. Tormo, “Las primeras generaciones de arqueólogas españolas: una aproximación”. Revista d´Arqueologia de Ponent, n 8, 1998, pp. 151-164.

163

Depoimentos

desarrollo, la lucha contra la violencia de género, la inclusión social a través de la cultura en sus diferentes manifestaciones. Me centraré únicamente en tres aspectos. En primer lugar, haciendo un rápido recorrido por los temas que constituyen el nexo de unión del conjunto de textos que integran esta publicación, mi trayectoria personal y mi opción por la arqueología no han estado marcadas por hechos especialmente relevantes. No fue algo vocacional, sino que durante el proceso formativo universitario ante las sucesivas opciones posibles, fue la prehistoria la que ejerció un mayor atractivo, frente a otros períodos de la historia. Si bien la elección de dicha especialidad durante los últimos años de formación universitaria, no se produjo sin dudas y vacilaciones. De hecho el interés por las lenguas clásicas me acercaba más a la historia antigua que a la prehistoria. Durante los primeros años de carrera, ni los profesores, ni los autores del ámbito arqueológico fueron un referente. Sin embargo, en los dos años de especialidad propiamente, y en particular en el último, se sitúan las referencias arqueológicas que sí han tenido una clara influencia en los años posteriores. Fue en ese momento, cuando algunos profesores y profesoras del departamento nos acercaron a otras arqueologías desconocidas hasta entonces, la arqueología post-procesual, la arqueología social, la arqueología de género, la arqueología marxista y la arqueología desde una perspectiva global. Una influencia, no obstante de marcado carácter anglosajón, comenzando a ser familiares nombres como los de Ian Hodder, Michael Shanks, Chris Tilley, Julian Thomas, Mark Leone, Joan Gero, Ruth Tringham o Stephanie Moser. A la hora de valorar el grado de determinación por la condición femenina y la relación entre los procedimientos de trabajo e investigación, en mi caso han sido dos los elementos determinantes: por un lado, el hecho de poner un mayor énfasis en el enfoque cualitativo versus el cuantitativo predominante y, por otro lado, el foco de atención en ámbitos como la arqueología teórica, la arqueología de género, las relaciones entre pasado y sociedad contemporánea y en particular los diferentes públicos destinatarios del conocimiento arqueológico. Y por otro, la opción por no tener yacimiento y basarme en el análisis del discurso y no en el de restos materiales. Estas opciones no fueron exclusivas o singulares, sino comunes a 164

Desafios da arqueologia

otras muchas investigadoras de mi mismo contexto geográfico y generacional, en contraposición a las formas tradicionales mantenidas por numerosos arqueólogos en ese mismo momento. Lo que no impide que a partir de estas formas de abordar la investigación, de estas delimitaciones temáticas, sean investigadores las figuras reconocidas. Enlazando con el punto anterior, las dificultades encontradas en la práctica arqueológica han sido principalmente el desarrollo de la investigación, al haber elegido una temática, en mi caso la divulgación del patrimonio arqueológico, y un enfoque interdisciplinar, que en su momento, entre finales los 90 y primera década del 2000, eran considerados en el contexto español, poco relevantes y poco arqueológicos, más propios de otras disciplinas que de la arqueológica en sentido estricto. Otra dificultad ha sido mantener una mirada poco localista, interesada por las experiencias de otros ámbitos, al no haber demasiados referentes locales. En este sentido, el lastre femenino estaba en cierto modo en la circularidad de la situación. Así, por el hecho de tratarse de temas, áreas, enfoques y metodologías considerados periféricos, poco relevantes para el avance de la disciplina y para el propio cursus honorum pasaban a ser espacio común femenino y por el hecho de ejercer mayor atractivo entre las arqueólogas se desvalorizaban. Aún está por realizar un análisis más detallado de la relación entre estas dos situaciones observables. En lo que respecta a la relación entre las metodologías, enfoques y temáticas, muchas de ellas surgidas en el contexto de la arqueología post-procesual, sí pueden apreciarse algunas diferencias entre los diferentes países. En concreto entre España, donde han ido haciéndose un hueco poco a poco, y el mundo anglosajón, tanto en Reino Unido, Estados Unidos o Australia donde su práctica es anterior y está más extendida, teniendo, por tanto, mayor visibilidad incluyendo arqueólogas reconocidas internacionalmente. Si bien, sigue habiendo unas veces notables y otras veces sutiles diferencias de jerarquía y estatus. Continúan siendo los hombres los que ostentan los cargos de mayor responsabilidad, ya sea en la dirección de departamentos universitarios, centros de investigación 165

Depoimentos

o en la gestión patrimonial43, aunque el número de arqueólogas haya aumentado considerablemente en las últimas décadas44. Prestando ahora atención a la relación con América Latina, en España la imagen que se tiene de las arqueólogas, se reduce a algunas figuras aisladas, muy representativas, frente a la invisibilidad general, en el caso de Brasil por ejemplo, frente a un más amplio número de arqueólogos. No se percibe una distribución amplia y diversificada de las arqueólogas, ni un papel relevante desde el punto de vista jerárquico. Si bien, sí son de forma creciente muy representativas en la arqueología de base, en función del aumento del número de mujeres en la universidad, incluyendo los cursos de post-graduación como sucede también en otras disciplinas, no sólo del ámbito de las humanidades o de las ciencias sociales45. No obstante su presencia es más amplia en las zonas periféricas a la arqueología en su sentido más estricto y restringido46, las empresas de arqueología, las empresas de gestión y divulgación del patrimonio etc. Esto puede apreciarse también en publicaciones de temáticas novedosas en el ámbito de América Latina47. En segundo lugar, esta reflexión parte de la experiencia del “trabajo de campo”. Por un lado, el trabajo de campo en un sentido estricto a partir de un estudio inédito que formaba parte de la asignatura de Trabajo de Campo de la Licenciatura de Antropología Social y Cultural de la UCM 2000-2001. En él se planteaba que a la discusión teórica sobre qué era la arqueología, qué eran los arqueó-

43

L.A. Neal, “Glass ceiling syndrome for women in archaeology”. The SAA Archaeological Record. Sept., 2008, pp. 31-34.

44

S. Tomáskova, “History of COSWA. Beginnings, ruptures and continuities”. The SAA Archaeological Record. Sept., 2008, pp. 8-11.

45

A.M. de F. Souza, “O viés androcêntrico na biologia”. En A.A. A. Costa y C.M.B. Sardenberg (orgs.): Feminismo, Ciência e Tecnologia. Núcleo de Estudos Interdisciplinares sobre a Mulher. Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas. Universidade Federal da Bahia. Salvador, 2002, pp. 77-88.

46

M.A. Querol, “Una empresa llamada arqueología”. Revista d´Arqueologia de Ponent, 2000, n 10, pp. 353-362. M.A. Querol, “La formación y la profesión de arqueólogo”. Boletín del Instituto Andaluz del Patrimonio Histórico, 2001, n 37, pp. 32-34.

47

P.P.A. Funari, E.G. Neves, y I. Podgorny (orgs.) “Anais da I Reunião Internacional de Teoria Arqueológica na América do Sul”. Revista do Museu de Arqueologia e Etnologia, 1999, Suplemento 3.

166

Desafios da arqueologia

logos y cuál era su papel social48, se habían dado respuestas desde miradas historiográficas, poco críticas o desde unas perspectivas muy teóricas49. La tónica general a la hora de analizar el tema de la imagen de los arqueólogos era rechazar la imagen que se tenía desde fuera de la disciplina, en los medios de comunicación, entre el público en general, en la literatura, etc.50, pero sin llegar a ofrecer una propuesta, que podría ser la “autoimagen”. De ahí el interés por acercarse al día a día de ese proceso de construcción en la práctica, para 1) conocer cuál era la imagen que los arqueólogos tenían de sí mismos como profesionales, 2) analizar cómo se construía en la práctica cotidiana dicha imagen o imágenes, pues tal vez no se pudiera hablar de una única compartida por todo el colectivo y 3) valorar qué consecuencias podía tener en el contexto social asumir esa imagen, que se iba construyendo durante el periodo de formación por diversas vías. Las conclusiones, aunque provisionales, ponían de manifiesto algunas ideas y reflexiones que basándose únicamente en la literatura arqueológica no resultarían evidentes. En dicho estudio el foco de atención no era el género, si bien estaban presentes una serie de elementos que ponían de manifiesto las diferencias existentes entre arqueólogos y arqueólogas y la coexistencia de una cierta dualidad, no se trataba de una única imagen, entre una imagen masculina “idealizada” y una imagen “real” femenina desdibujada o en la sombra. Por un lado, se identificaba la importancia de las interacciones sociales en la transmisión y reproducción de la autoimagen de arqueólogo en sentido literal no como término genérico. Este tipo de interacciones tiene lugar fuera de las aulas. Siendo en el contexto del trabajo de campo y del laboratorio 48

F.Criado Boado, “¿Qué es un arqueólogo? ¿Qué es arqueología?” Revista de Arqueología, 1988, n 82, pp. 5-7. F. Criado Boado, “El futuro de la arqueología ¿La arqueología del futuro?”. Trabajos de Prehistoria,1996, v 53 n 1, pp. 15-35.

49

B. Trigger, “The coming of age of the history of archaeology”. Journal of Archaeological Research, 1994, v 2, n 1, pp. 113-138.

50

R. Weisesensteirner, R. Indiana Jones vs. archaeological reality: examining the portrayal of archaeology in popular film. Unpublished BA (Hons.) Thesis. Camberra. ANU, 1993. L. Zarmati, “Popular archaeology and the archaeologist as hero”. En J. Balm y W. Beck (eds.), Gendered archaeology. The Second Australian Women in Archaeology Conference. Camberra. Australian National University, 1995, pp. 43-47. L. Head, “Risky representations: the seduction of Wholeness’ and the public face of Australian archaeology”. Australian Archaeology, 1998, n 46, pp. 1-4. H. Du Cross, H. “Popular notions of Australian Archaeology”. Journal of Australian Studies, 1999, v 62, n 190-197, pp. 260-261.

167

Depoimentos

donde se produce la transmisión de la imagen de arqueólogo. Es decir la asunción e interiorización de los valores y roles ligados al arqueólogo se producen no tanto por una labor de “adoctrinamiento” teórico en las clases, como por la repetición de comportamientos socialmente valorados. Por otro lado, entre éstos se encontraba la investigación de campo. Ésta marcaba la diferencia entre quienes habían pasado por dicha experiencia y que podríamos considerar casi un rito de paso y por otro generaba una serie de expectativas sobre la práctica profesional de la arqueología, no siempre coincidentes con la demanda social. Por último, se apuntaba que, dada la importancia que las prácticas cotidianas tenían, los cambios a nivel de asignaturas o contenidos de las mismas, aún siendo necesarios, no resultarían suficientes para que realmente se produjera un cambio en las imágenes que se transmitían al alumnado de arqueología. En este sentido, la reorientación hacia la gestión del patrimonio, hacia una arqueología más ligada a la divulgación del patrimonio arqueológico, a la educación etc. no resultará exitosa si la autoimagen profesional se sigue sustentando sobre una serie de pilares que en muchos casos resultan inviables: excavación del propio yacimiento, investigación muy especializada, científica sólo cuanto más próxima a la teoría, metodología y técnicas de las ciencias naturales. Este último punto es especialmente relevante pues muestra cómo la construcción de esa imagen de quienes practican la arqueología y cómo afecta a las arqueólogas en particular no se aleja demasiado de la situación que se da en otros campos de la ciencia, incluidos aquéllos que en comparación con la propia arqueología de una forma general se sitúan en el campo de las ciencias naturales/ duras51. Estos términos han suscitado la crítica por parte de algunas autoras que proponían otros más próximos a metáforas sexuales femeninas y no masculinas52 En tercer lugar, el trabajo de campo durante la realización de la tesis doctoral que abordaba la divulgación del patrimonio arqueo51

Souza, op. cit.

52

Bart apud Gergen, “Rumo a uma metateoria e metodologia feministas nas ciências sociais. En M. Gergen (ed.) O pensamento feminista e a estrutura de conhecimento. Rio de Janeiro. Rosa dos Ventos, 1993, pp. 110-128.

168

Desafios da arqueologia

lógico en Castilla y León a través del análisis del discurso textual y visual, puso de manifiesto, algunas situaciones diferenciadas entre arqueólogos y arqueólogas en España en diferentes niveles: 1) en términos del tipo de imágenes que aparecían en el ámbito de la divulgación en los diferentes espacios y soportes y 2) respecto a las personas entrevistadas que integraban la muestra del objeto de análisis. En relación con el primer aspecto, merece la pena destacar dos referencias significativas, en primer lugar la imagen que se daba de los arqueólogos y los estudiantes frente a sus compañeras en el vídeo introductorio de uno de los museos de la muestra, el Museo Arqueológico de Palencia. No hay que olvidar que los vídeos desempeñan un papel relevante en el ámbito de la divulgación. Suponen una toma de contacto interesante con el museo, que familiariza visualmente al visitante con los objetos que se encuentran en las salas y que con certeza reconocerá después. Transmiten unos mensajes explícitos y directos sobre la valoración y conservación del patrimonio, que probablemente lleguen mejor al público. En el mencionado vídeo está presente la idea de la transmisión y el disfrute por parte de toda la sociedad del legado patrimonial, lo que se refleja visualmente con las imágenes finales de un grupo de jóvenes y adultos en el campo. La contrapartida es que, precisamente por esa mayor receptividad del público, la sala de proyecciones es en cierto modo un espacio de transición entre la calle y el museo, un espacio cómodo en el que se recibe el primer mensaje, sin prisas, puede contribuir a reforzar estereotipos previos. En ese sentido, los diferentes papeles que las figuras masculinas, tanto del pasado como del presente desempeñan en el vídeo, son significativos. Así, las mujeres y niñas del pasado resultan algo decorativas, probándose joyas prehistóricas o paseando, y las del presente se muestran como mano de obra de las excavaciones frente, por un lado, al joven y dinámico protagonista “interconectado” y al investigador con el equipo completo de sabio: barba blanca, gafas y bata blanca53. En segundo lugar, destaca el hecho de que 53

A.M.Mansilla Castaño, La divulgación del patrimonio arqueológico en Castilla y León: un análisis de los discursos. Madrid. Universidad Complutense de Madrid. Tesis Doctorales. Humanidades, 2004.

169

Depoimentos

de una treintena de aulas arqueológicas analizadas sólo en una de ellas, la de Aguilafuente (Segovia), se haga referencia explícita a la arqueóloga como responsable de la investigación arqueológica y su imagen aparezca claramente diferenciada en el discurso visual de la misma. Aunque se mantenga la asociación de los hombres a la fuerza física, el arqueólogo lleva la carretilla y de las mujeres al arte, la arqueóloga dibuja. En cuanto al segundo aspecto, el papel de las arqueólogas dentro de la muestra analizada, se confirmaba la diferencia entre el mayor número de mujeres trabajando en empresas de arqueología frente al menor número en puestos de responsabilidad en la administración o en los equipos de investigación54. En este sentido, la muestra es un buen reflejo, a escala, de tendencias generales en la disciplina, con el boom de las empresas de arqueología en los 80 y su reciclado hacia el mundo de la divulgación en los 90. Actualizándose a su vez los planteamientos de Smith55 relativos a la feminización de la gestión del patrimonio, una realidad que no está exenta de consecuencias relevantes, como puede ser su infravaloración56. Un caso especialmente paradójico es el de Atapuerca (Burgos), con un gran número de arqueólogas que han estado trabajando y continúan haciéndolo en su amplio equipo de investigación. En la campaña de 2005 el 53, 2% de los participantes eran mujeres, dando por cierto un importante paso en su visualización a través de la exposición fotográfica Arqueología en clave de género57 comisariada por Cristina Fernández-Lasso que muestra el trabajo de estas mujeres en los yacimientos de Atapuerca (Burgos) y Abric Romaní (Capellades, Barcelona). Si bien pocas personas podrían decir el nombre de una sola de ellas tratándose del yacimiento arqueológico más conocido por el público español. 54

Id. pp. 382-383.

55

L. Smith, “Cultural Heritage Management and feminism expression in Australian Archaeology”. Norwegian Archaeological Review, 1995, v 28, n 1, pp. 55-63.

56

S. Moser, “Archaeology and social values: presenting archaeological findings in museum displays”. Tempus, 1996, n 5, pp. 32-42.

57

Exposición fotográfica Arqueología en clave de género. http://www.abbaburgoshotel.com/ assets/hoteles/burgos/destacados/abba_burgos_expsicionatapuerca_texto.pdf . .

170

Desafios da arqueologia

A modo de conclusión me gustaría recalcar que la práctica arqueológica de las arqueólogas es un buen punto de partida para reflexiones sobre el género, más allá de su propia práctica arqueológica y también para acciones en otros ámbitos como ha sido en mi caso. Sin embargo, queda mucho por hacer, fundamentalmente una evaluación de la aportación de las arqueólogas a la disciplina y el impacto en ésta y en la sociedad en general, más allá de los indicadores tradicionales. Me estoy refiriendo con esto a la necesidad de incorporar indicadores complementarios a los cuantitativos como pueden ser los puestos de responsabilidad desempeñados, el número de tesis dirigidas, el número de publicaciones o citaciones, la presencia individual en eventos científicos o la dirección de equipos de investigación. Informaciones todas ellas necesarias y significativas, aunque limitadas, que reflejan un impacto menor del que realmente han tenido y tienen las arqueólogas. La incorporación de indicadores cualitativos mostraría una imagen más rica, que nos permitiría evaluar la interdisciplinariedad, los nexos de unión con otros países o continentes, con otras disciplinas o con otros colectivos no necesariamente académicos, la permeabilidad más que el impacto circunscrito a una técnica, a una metodología, a una teoría o a un periodo concreto. Un referente significativo lo encontramos en la arqueología australiana donde la división radical entre arqueología histórica y prehistórica precisamente de la mano de diversas arqueólogas introduce la aproximación a través de la arqueología de contacto58. Habría que valorar también las redes y el tipo de escuelas y tutorías virtuales o invisibles creadas y mantenidas por las arqueólogas a lo largo del tiempo59 (Baxter et alii 2008).

58

S. Colley, “The colonial impact. Contact archaeology and indigenous sites in southern New South Wales.” En R. Torrence y A. Clarke (eds.), The archaeology of difference. Negotiating cross-cultural engagements in Oceania. Londres. Routledge, 2000, pp. 278-299.

59

J.E.Baxter, T. Mayfield, J. O’Gorman, J. Peterson, y T. Stone, “Mentoring strategies for women in archaeology. A report of the 2008 COSWA Working Group”. The SAA Archaeological Record. Sept., 2008, pp. 15-18.

171

Depoimentos

Ana Cristina Sequeira Fernandez (Ana Piñon) Possui Licenciatura em Geografia e Historia pela Universidade Complutense de Madrid (1995). Possui especialidade em História Antiga, Arqueologia Pré-histórica e Etnologia (1998). Mestrado em Grado de Tesina pela Universidade Complutense de Madrid, sob a orientação de Almudena Hernando Gonzalo, com o trabalho: Crítica Historiografia de la Arqueologia Brasileña (2000).

Contraste entre a Arqueologia de Espanha e Brasil Ana Piñon

Na Espanha acho eu, predomina o machismo na Arqueologia, mas não só nessa ciência, no âmbito acadêmico e cientifico de outras disciplinas também. Mesmo naqueles departamentos que se consideram ou são considerados equilibrados, ou seja, em torno da metade dos professores são mulheres, existe o machismo, pois na especialização a relação ou proporção mulher/homem é superior a 2:1, ou seja, há pelo menos 2 alunas para cada 1 aluno, inclusive diria que esta proporção é maior, mas não possuo os dados exatos. 172

Desafios da arqueologia

Entretanto quando fazemos doutorado a proporção diminui e há praticamente a mesma quantidade de estudantes de ambos sexos, finalmente, ao concursar são contratados mais homens. Logo isso significa que há algum fator que influencia e dá preferência aos homens ainda que seja implícito ou inconsciente. Comparando a realidade espanhola com a brasileira, percebo que a situação é inversa, ou seja, a presença feminina foi e ainda é mais relevante que a masculina, nomes nacionais ou estrangeiros como Betty Meggers, Anna Roosevelt, Maria Beltrão, Niède Guidon ou Gabriela Martin são referencias tanto dentro da disciplina como nos meios de divulgação. Infelizmente, creio que a superioridade numérica e qualitativa da presença feminina na Arqueologia brasileira não se deve a uma conquista de gênero, mas justamente ao contrário, a sua raiz está no machismo. A predominância da mulher surgiu numa época na qual a Arqueologia estava intimamente relacionada com, como as artes, a cultura material era selecionada e exibida segundo critérios estéticos. Por isso observa-se que antes ou depois desse período o quadro se mostra diferente. Quando a Arqueologia ainda não era uma ciência independente e estava misturada bem com a Etnologia bem com a Historia e sobretudo ela fazia parte do projeto de criação da identidade nacional, a figura masculina imperava. Hoje, com a valorização da disciplina e com seu vinculo com o patrimônio o quadro de predomínio feminino tende a reverter-se. Sobre as questões de ordem pessoal respondo que minha opção pela Arqueologia se deveu em grande parte a minha desilusão ao cursar a especialidade de História Antiga na Universidade Complutense de Madrid, pois naquela época meados dos anos 1990 o curso estava centrado nas fontes escritas o que para mim parecia um âmbito muito restrito, por isso solicitei cursar uma segunda especialidade: a Pré-história, cujo departamento ainda que se chame Pré-história e Etnologia, é basicamente Arqueologia pura. Particularmente me influenciou Binford e o manual de Jane McIntosh chamado Guia Pratica de Arqueologia, mas depois disso foi com a orientação de Pedro Paulo Funari e Margarita DiazAndreu que comecei a publicar e a realizar minha tese doutoral. 173

Depoimentos

Minha contribuição para a Arqueologia brasileira ainda é pequena, e é de divulgação já que escrevi um livro em castelhano contando a história dessa ciência no Brasil enfatizando seu papel político-social desde seu nascimento até a atualidade. Fui citada em pelo menos um par de teses de mestrado na Unicamp o que significa que ainda que muito modestamente estou influenciando as pesquisas.

174

Desafios da arqueologia

Kathleen Deagan

60

Kathleen Anne Deagan é Distinguished Research Professor e professora adjunta de Antropologia, História e estudos latino-americanos da Universidade da Flórida, EUA. É também Distinguished Research Curator de Arqueologia do Museu de História Natural da Flórida, em Gainesville. Deagan é especialista em Arqueologia Histórica e trabalha com contato entre culturas e etnogênese, especialmente entre espanhóis, indígenas americanos e africanos nas colônias americanas.

Optando por la arqueología Kathleen Deagan

Crecí en el seno de una familia militar, siendo la mayor de cuatro hijos. Mi padre fue un meteorólogo de la Marina especialista en tormentas tropicales, razón por la cual vivimos en lugares que eran azotados por tifones y huracanes, y teníamos que trasladarnos con las temporadas de tormentas. Antes de ir a la universidad asistí a 22 escuelas diferentes en New Jersey, Taiwán, Inglaterra, Guam, Rhode Island, las Filipinas, y la Florida, y fui a la secundaria en la 60

Texto produzido pelos organizadores do livro.

175

Depoimentos

“Academy of our Lady of Guam” –Academia de Nuestra Señora de Guam (en la isla de Guam) donde se preparaban a las jóvenes para que fueran monjas o madres. Empecé la universidad en la Florida en 1966, con la idea de que estudiaría algo “práctico” que me llevaría a un “buen trabajo” en caso de no conseguir esposo. La arqueología no era considerada práctica razonable para las hijas de la mayoría de las familias de clase media americanas de mediados de los 1960s, y mi familia no era la excepción. Así que primero comencé Periodismo, luego traté con Trabajo Social, después Asesoramiento Pedagógico, y otras varias especializaciones también. Tomé mi primera clase de Antropología en 1968, tal vez, como muchos de mis semejantes en la década de los 1960s, influenciados por un nuevo interés en valores no-occidentales, sociedades tradicionales, y estilos de vida alternativos. Estaba fascinada, pero todavía en ese momento no se me había ocurrido considerar seriamente la Antropología como una profesión. Continué estudiando, persiguiendo diferentes especializaciones “prácticas” que prometían verdaderas oportunidades de empleo, y al mismo tiempo tomando cursos clandestinos de antropología a escondidas cuando me era posible. El profesor de las clases sobre prehistoria mundial y sobre los indígenas de Norteamérica era Charles H. Fairbanks, y me hice adicta. Para el final de mi tercer año, fui informada por la Universidad que tenía dos opciones – o me especializaba en Antropología, o si no tendría que tomar un año adicional para completar los requisitos de mi especialización en ese momento (me parece que era Trabajo Social). Así que finalmente cambié mi especialización a Antropología oficialmente, y me matriculé en el curso de entrenamiento arqueológico del Dr. Fairbanks. Después de ese momento (en los ojos de mis padres) estaba más allá de la redención. Recibí mi Licenciatura de Antropología en 1970, y rápidamente aprendí, tal como habían predicho mis padres, que habían pocos trabajos en arqueología para una persona con sólo una licenciatura (en realidad no había trabajos para mi nivel académico). Vagué hacia California, donde trabajé como maestra en un pre-escolar, como mesera, y tocaba el mandolín a medio-tiempo. Para mediados del 1971 ya había tenido suficiente contacto con la realidad, y estaba lista para volver a estudiar. Regresé a la Florida, y me matriculé en la escuela de graduados con Charles Fairbanks como asesor. 176

Desafios da arqueologia

Era un buen momento para comenzar mi entrenamiento profesional. Ocurrieron dos eventos importantes a principios de los 1970s que influenciaron profundamente la arqueología norteamericana. El primero fue el movimiento que resultó en la legislación federal para proteger los sitios arqueológicos, culminando en la creación de la ley Moss-Bennett de 1974. Esto creó un necesidad inmediata de arqueólogos que pudieran trabajar en proyectos de manejo de recursos culturales, tales como en proyectos de construcción de carreteras y presas, entre otros. De repente había muchos trabajos en arqueología. El segundo evento fue el Bicentenario de la Revolución de los Estados Unidos en 1976, y los planes para la celebración de ese evento estaban en su apogeo a principio de los 1970s. Una cantidad de fondos públicos se hicieron disponibles para todo tipo de proyectos relacionados a la historia de los Estados Unidos, incluyendo los proyectos arqueológicos en sitios de la época colonial inglesa, española y francesa. En ese momento la disciplina de la arqueología histórica todavía estaba pequeña y sin definir, y pocas personas se identificaban a sí mismos específicamente como “arqueólogos históricos”. Los arqueólogos con los que trabajaba con mayor frecuencia – Charles Fairbanks, John W. Griffin, Hale G. Smith, Stanley South – se sentían igualmente a gusto en los yacimientos pre-históricos y en los sitios históricos, agregando o no el texto escrito a su base de datos. El Bicentenario cambió esto. No solo habían oportunidades de trabajo y de investigación en sitios históricos, sino que estas oportunidades provocaron una evaluación más crítica de lo que se quería representar (teoréticamente y metodológicamente) cuando se combinaba la evidencia basada en textos documentales sobre el pasado con la evidencia arqueológica del mismo lugar. Realicé la investigación para mi maestría en Fort Frederica, Georgia, un sitio arqueológico inglés del principio el siglo 18, pero el Bicentenario también estimuló un nuevo interés en las misiones españolas de La Florida, y en el pasado español de San Agustín. Cuando llegó el momento de comenzar la investigación para mi doctorado, me sentía fuertemente atraída a las complejidades y desafíos de la arqueología auxiliada por la documentación escrita. 177

Depoimentos

También era defensora de la arqueología científica, específicamente de la “Arqueología Procesual”, y fui influenciada por el trabajo de Lewis Binford (Binford 1962; Binford y Binford 1968), Marvin Harris (1968); Patty Jo Watson (Watson, LeBlanc y Redman 1971), entre otros. El trabajo de los antropólogos históricos como George Foster (1960) y Magnus Morner (1967) también inspiraron mi interés en la historia colonial española de las Américas. El proceso de mestizaje (el matrimonio y la mezcla cultural entre europeos e indígenas americanos) era de particular interés para mí. Decidí entonces profundizar un proyecto que Charles Fairbanks había comenzado en San Agustín, excavando un sitio arqueológico que había sido habitado en el siglo 18 por una mujer indígena casada con un soldado español. Mi comité doctoral incluía a Charles Fairbanks (como asesor principal), a Ripley P. Bullen y Jerry Milanich (especialistas en arqueología de la Florida), al historiador Michael Gannon, y a los antropólogos culturales Paul Doughty y Theron Núñez (expertos en Latinoamérica). Los principios de los 1970s no solo fue el punto de apogeo del movimiento de la Arqueología Procesual, sino también del movimiento feminista, y me fue posible obtener una beca para el doctorado de la U.S. National Science Foundation para examinar, a través de la arqueología, diferentes hipótesis sobre la influencia de las mujeres indígenas en el proceso de adaptación y cambio dentro de la sociedad colonial española. La realización de este trabajo me involucró de por vida en una búsqueda por el entendimiento de los encuentros culturales en las Américas, y particularmente en las áreas colonizadas por los españoles. Recibí mi doctorado en 1974, y, para el consuelo de mis padres (puesto que todavía no tenia esposo), comencé a enseñar ese año en la Florida State University (Universidad Estatal de la Florida-FSU). En FSU comencé a impartir un curso de varias semanas de entrenamiento en arqueología histórica en San Agustín, el cual se ha repetido hasta el presente (2007). Mi primer curso de entrenamiento en 1974, por casualidad, estuvo formado exclusivamente por estudiantes femeninas, lo cual provocó muchos comentarios de los 178

Desafios da arqueologia

turistas y de los medios de comunicación. Mi comentario favorito fue hecho por una mujer a su hijo después de mirarnos excavar por varios minutos. Ella se volvió hacia él y le dijo: “Mira, George, eso es lo que tienen que hacer las jovencitas cuando abandonan la escuela!” Afortunadamente, hoy en día hay igual número de mujeres y hombres en nuestros proyectos, y ese tipo de comentario es cosa del pasado. Siempre estaré por siempre agradecida al Dr. Fairbanks por su intervención en este aspecto, puesto que sin su apoyo tal vez no habría tenido la oportunidad de excavar por mi cuenta. Por varios años impartí 2 cursos de entrenamiento arqueológico cada año en San Agustín durante los semestres de primavera y verano, excavando hogares coloniales españoles de varias épocas, estatus sociales, y ocupaciones. Para mí, uno de los logros de mi carrera del cual estoy más orgullosa es el haber tenido estudiantes que han continuado más allá de los cursos de entrenamiento arqueológico para continuar sus propias carreras en arqueología, al igual que de las 16 tesis de maestría, y las 9 tesis de doctorado que han sido escritas sobre estos programas de entrenamiento. (Se puede consultar una bibliografía de estas en www.flmnh.ufl.edu/histarch). Podría parecer irónico a algunas personas que tantas décadas de excavación, investigación e inversión financiera hayan sido dedicadas a la Arqueología Histórica en San Agustín, el cual fue, en realidad, un pueblo pobre, marginal y atrasado dentro del imperio español. En el contexto más amplio de la historia latinoamericana hay cientos de lugares más importantes, pero este fue el primer asentamiento europeo en territorio estadounidense, y por esta razón ocupa un lugar importante dentro del contexto de la historia de este país. Por consiguiente, recibe visitas de una gran cantidad de turistas cada año de todas partes del país, los cuales demandan interpretación pública del pasado. Otra ventaja de San Agustín es su ubicación cerca de varias universidades y facultades, haciéndola un campo de entrenamiento ideal para la arqueología. Fue durante mis años en FSU que comencé a involucrarme en la arqueología caribeña. En 1979, otra vez a través del Dr. Fairbanks, formé parte de la excavación de Puerto Real, un asentamiento español del siglo 16 en el norte de Haití. El proyecto comenzó gracias a los esfuerzos y a la invitación del Arquitecto Albert Mangones 179

Depoimentos

(Director del Institut de Sauvegarde du Patrimoine National d’Haiti), y del médico misionero William Hodges (el cual había descubierto el sitio arqueológico). Con el apoyo de la Organización de Estados americanos (OEA), colaboré con Fairbanks y sus estudiantes en este proyecto. En 1982 vine a la Universidad de Florida, donde he trabajado desde entonces. Quizás una de las cosas más importantes que hice durante mi primer año en la Universidad de la Florida (y tal vez en toda mi carrera profesional) fue recibir una beca para asistir a un curso intensivo de español en Antigua, Guatemala, por 2 meses. Aunque para ese momento podía leer español relativamente bien, y en Haití había aprendido Creole, no fue hasta que aprendí a hablar y comprender el español, aunque fuera de una forma primitiva, que el verdadero ámbito de la arqueología colonial española me fue revelada. Para aquellos estudiantes que desean estudiar el colonialismo comparativo de las Américas, nunca les puedo sobreenfatizar la importancia de poder comunicarse con sus colegas de la América hispano y luso-hablantes de de las Américas y de Iberia. He adquirido muchos entendimientos importantes y muchas ideas a través de visitas a colegas en sus excavaciones, o al dialogar con ellos en las reuniones internacionales. Una de las primeras oportunidades que tuve para hacer esto fue en 1983, cuando afortunadamente fui incluida en un programa de intercambio con la Academia de Ciencias en Cuba. Conocí a los arqueólogos Lourdes Domínguez y Leandro Romero, los cuales me introdujeron a colecciones y sitios arqueológicos maravillosos, al igual que a décadas de escritos importantes de académicos cubanos sobre cuestiones de transculturación, “supervivencias” culturales indígenas y cultura material. Así comenzó una amistad larga con Lourdes, aunque no nos veamos en persona frecuentemente. Me he beneficiado de similares experiencias académicas oportunas en Honduras, la República Dominicana, Panamá, México, Argentina, Perú, Venezuela y Puerto Rico, y la interacción con los arqueólogos de estos lugares me ha inspirado a tomar un enfoque más amplio y comparativo en mi propio trabajo. Un resultado de esta inspiración fue un creciente interés en la cultura material del periodo colonial. Utilizando lo que he apren180

Desafios da arqueologia

dido de mis colegas y de sus colecciones en diferentes partes de la América hispano parlante, y extrayendo de las colecciones de la Universidad de la Florida hechas por John Goggin durante los 1950s y de nuestros años de trabajo de campo en San Agustín, he tenido la fortuna de poder estudiar y sintetizar la cronología y clasificación de muchos tipos de artefactos del periodo colonial61. Esta podría ser la contribución más práctica de mi trabajo profesional a la disciplina. También ha proporcionado un tema de interés común sobre el cual he podido dialogar con otros arqueólogos históricos en todas partes de las Américas que también están tratando de definir el mundo material de las colonias españolas. El intercambio de información con Lourdes Domínguez en Cuba, Beatriz Rovira en Panamá, Daniel Scháveltzon en Argentina, Patricia Fournier en México, Nelsys Fusco en Uruguay, Monika Thierren en Colombia, Luis Molina y Erika Wagner en Venezuela, y muchos más, ha enriquecido mi trabajo y ha hecho mi vida profesional un verdadero placer. Otro placer de mi vida profesional, el cual me complace diariamente, es mi larga colaboración con un grupo de investigadores multidisciplinarios que comparten mi interés en la arqueología histórica colonial. Me refiero a las zooarqueólogas, Elizabeth Reitz y Elizabeth Wing, a las arqueo-botanistas Margaret Scarry y Lee Ann Newsom, a los historiadores Eugene Lyon, Michael Gannon, y Albert Manucy, y al arquitecto histórico Herschel Shepard. Algunos nos conocimos en la escuela de graduados. Algunos fueron mis profesores y otros mis estudiantes. Pero un compromiso común a la investigación del pasado colonial español nos ha permitido mantener una colaboración continua, y a largo plazo, que ha durado décadas. Para mí estos dos factores – el compromiso a largo plazo y la colaboración – son los elementos más importantes de una arqueología verdaderamente efectiva. Después de excavar en este sitio por 35 años, todavía no hemos llegado a la redundancia en San Agustín – estamos constantemente modificando lo que pensábamos ya saber, y mucho de esto es causado por el dialogo continuo creado por las nuevas preguntas y nuevas respuestas de cada nueva generación 61

Cf. Deagan 1987, 2002; www.flmnh.ufl.edu/histarch/ceramics.

181

Depoimentos

de estudiantes, y también por lo generado por nuestros colegas de áreas afines al paso de los años. El limitar y enfocar nuestra investigación a San Agustín todos estos años nos ha ayudado a refinar nuestra colaboración, y nos ha permitido transferir muchas de las preguntas y métodos de investigación a otras regiones. Después de llegar a la Universidad de la Florida, pude continuar excavando siete años más en Haití, trabajando con estudiantes norteamericanos y haitianos, al igual que con los residentes locales. Continuamos nuestras investigaciones en Puerto Real hasta el 1985, y del 1983 al 1988 realizamos excavaciones en el cercano sitio de En Bas Saline (un asentamiento Taíno que se piensa fue la ubicación del Fuerte de la Navidad fundado por Coloón). Gran parte de este trabajo fue posible gracias a la conmemoración de otro aniversario histórico –- el Quinto Centenario del primer viaje de Colón a las Américas. Al igual que en mis años en la escuela de graduados, habían fondos disponibles para las investigaciones relacionadas al Quinto Centenario, y tomée provecho descarado de esta oportunidad. Continué impartiendo el curso de entrenamiento arqueológico en San Agustín en el semestre de la primavera, y realicé excavaciones en el Caribe durante el verano. Los trabajos de campo en Haití incluyeron estudiantes norteamericanos, dominicanos y haitianos (varios de los cuales habían sido entrenados inicialmente por José Cruxent en su programa patrocinado por la OEA en Panamá). Dos años después de la partida de Jean Claude Duvalier de Haití, las circunstancias políticas y la logística en Haití hicieron que fuera demasiado difícil realizar trabajo allá con estudiantes. Para ese entonces ya conocía a varios colegas en la República Dominicana, incluyendo a Manuel García Arévalo, a José Guerrero, a Elpidio Ortega, a Marcio Veloz y a Eugenio Pérez-Montás, y en 1988 fui invitada a visitar Santo Domingo y el sitio de La Isabela. La investigación arqueológica de La Isabela bajo la dirección de José Cruxent recién estaba comenzando en ese momento como uno de los proyectos del Quinto Centenario del gobierno dominicano, y fui invitada a colaborar en 1989. Esta fue una oportunidad extraordinaria por dos razones. Trabajaría en el sitio del primer asentamiento europeo de las Américas, y también tendría la oportunidad de colaborar con José Cruxent. Cruxent fue uno de los grandes 182

Desafios da arqueologia

pioneros y personajes de la arqueología latinoamericana, y nuestra colaboración en La Isabela duró casi una década. Siempre fue bastante delicado ser una arqueóloga norteamericana excavando en otro país en un sitio con de importancia simbólica. Este fue el caso en La Isabela, la cual tiene no solo importancia para la República Dominicana, sino para toda América. Las cuestiones teóricas planteadas por las arqueologías postcoloniales, y las agendas postuladas por la Arqueología Social latinoamericana han obligado a todos los arqueólogos a estar más conscientes del mundo en el cual trabajan, y a estar menos seguros de su lugar dentro de éste. Mi propia participación, y la de mi Universidad, no hubiera sido posible sin el apoyo intelectual de los colegas dominicanos mencionados anteriormente, ni sin el apoyo de Cruxent, ni tampoco hubiera sido posible sin el apoyo financiero de varias fundaciones de los Estados Unidos. Esta experiencia me hizo comprender en una forma mucho más realista y personal las injusticias económicas que moldean la práctica de la arqueología en las Américas. El acceso la tecnología y los gastos de la excavación en sí, el apoyo a los estudiantes de arqueología mientras se entrenan, tener posiciones permanentes asalariadas para arqueólogos profesionales, el mantenimiento de instalaciones para la conservación, y las bibliotecas son necesarias en todas partes. Pero, como todos los arqueólogos desgraciadamente sabemos bien, esto sencillamente no es económicamente viable en muchos lugares. Yo, desgraciadamente, no tengo una sugerencia sustantiva de como se podría luchar contra estos enormes problemas, pero me siento con la obligación de resaltarlos aquí como una realidad que perturba mi perspectiva sobre el futuro de la arqueología. Lo que ofrece mayor esperanza para mí, en el corto plazo por lo menos, es el Internet y la libertad financiera que permite en ciertas áreas, tales como en el intercambio de libros, reportes, información, fotografías y dibujos; en la comunicación con colegas; en la reducción de la necesidad y costos de envío, de viaje, y en algunos casos, en el costo de entrenamiento de estudiantes. Aunque no hay un sustituto real para las reuniones y diálogos con los colegas, nuestra presente habilidad para acceder e intercambiar correspondencia sobre nuestros trabajos parece casi milagrosa. 183

Depoimentos

Concluyo aquí expresando mi apreciación a Pedro Funari y a Lourdes Domínguez, por organizar esta serie de ensayos, y por invitarme a participar. Sus instrucciones a todos nosotros incluyeron una pregunta sobre cuáales han sido nuestras contribuciones a la arqueología, forzándome a reflexionar sobre esto al aproximarse mi retiro en el 2010, después de más de 35 años como profesora de arqueología. Creo que ante todo para mí han sido los programas académicos de entrenamiento en arqueología histórica que he impartido. Los tantos jóvenes que he ayudado a formar en arqueología histórica (algunos de los cuales son casi viejos ya) no solo son una fuente de orgullo para mí, sino que también están realizando sus propias contribuciones originales a la arqueología histórica. Podría decir que mi otra contribución ha sido mi pasión por el estudio sistemático de la cultura material colonial español (aún cuando el “estudio de artefactos” era considerado fuera de moda y sin teoría). La creación de un registro material permanente de esta investigación ha sido mi obra principal como conservadora en el Museo de Historia Natural de la Florida. La cultura material ha proporcionado un tema de interés común para la comunicación entre colegas alrededor del mundo, y ha servido como base para que muchos de nosotros nos involucremos en la discusión de la ideología comparativa arqueológica. Y hablando estrictamente desde el punto de vista de una académica norteamericana, quisiera pensar que la investigación y los escritos sobre los colonizadores españoles –- es decir, los primeros colonos europeos de mi país –- ha cambiado la forma en que por lo menos algunos norteamericanos perciben su pasado. Para la mayoría de mis compatriotas, la historia post-colombina comienza con Jamestown en 1607, y fue una experiencia “blanca” anglo-sajona. Pero los verdaderos origines de los Estados Unidos ocurrieron en La Florida, 42 años antes de Jamestown, cuando la primera colonia exitosa fue fundada en San Agustín. La historia de San Agustín, tal y como pasó con la mayoría de la América colonizada por los países iberos, fue muy diferente de aquella América colonizada por los anglo-sajones, siendo tal vez la diferencia más importante la mezcla entre las líneas raciales y sociales de las personas de los tres continentes que compusieron las Américas iberoamericanas después del 1492. 184

Desafios da arqueologia

Este contraste se destaca de la forma más dramática en la arqueología comparativa de los hogares anglo-americanos e iberoamericanos del período colonial. Sabemos de las fuentes documentales que las personas de orígenes americanos, europeos y africanos se encontraban en todas las colonias americanas. No obstante, en el San Agustín español, al igual que en los hogares de pueblos coloniales a través de Iberoa América, el mundo material muestra una obvia mezcla entre las tradiciones culturales americanas, europeas y africanas. Sin embargo en los hogares de las colonias anglo-americanas, el mundo material es abrumadoramente europeo y excluye las tradiciones de las personas cuyos ancestros no eran de Europa. Esto contradice una de las ideas más veneradas sobre el origen de los Estados Unidos, o sea la noción del “melting pot” (crisol de culturas) –- un lugar donde las personas se mezclaban entre sí. El registro arqueólogo revela una historia diferente. Y esta es una historia que fascina a las personas que la oyen –- profesores, estudiantes, periodistas, y colegas académicos. Así que tal vez la arqueología puede tener gran relevancia, y proporcionar una versión más realista del pasado, más allá del clima político intelectual, y de la política intelectual en sí. Estoy sencillamente asombrada y agradecida de que yo pude verdaderamente conseguir un trabajo en arqueología, y que esta ha sido mi carrera profesional.

185

Depoimentos

Susan Kepecs Foto de Brian Rieselman, 2008

A great deal of biographical information is included in my contribution to this volume. It seems excessive to write more about myself here, though I will add that in addition to my ongoing academic research I am writing a work of narrative nonfiction about my life in Río Lagartos, complete with alligators, flamingos, Río Lagarteños, and the regional effects of political-economic change I’ve witnessed over several decades. I also want to take this opportunity to thank Lourdes Domínguez and Pedro Funari for inviting me to contribute a piece to this volume. I think the end result will be illuminating for women in archaeology everywhere.

My Life in Archaeology Susan Kepecs62

How I came to be an archaeologist I was always interested in archaeology. I grew up in Chicago. On Sundays my father, who also grew up there, would plop me in the car and take me to the city’s great museums. I loved the Field 62

Honorary Fellow, Department of Anthropology, University of Wisconsin-Madison. E-mail: [email protected].

186

Desafios da arqueologia

Museum – especially the Egyptian exhibit. Kings were buried in tombs with food! There were mummies, usually with a few driedup toes peeking out from age-browned bandages. Some of them were cats! We traveled in Mexico – family trips to the great pre-Hispanic cities of Teotihuacan, near Mexico City, and Mitla and Monte Albán in Oaxaca, still stand out in my mind. But my formal encounter with the field came much later. In college, in the mid-1960s, I majored in dance. I dropped out, went to New York, and returned several years later to finish my Bachelors’ degree. I continued on that track, receiving an MFA in sculpture and multi-media performance at the University of Wisconsin-Madison. I landed a one-year teaching job at a junior college in a tiny town in western New York State; that position wasn’t renewed. I took my unemployment compensation and moved to Mexico. And that, essentially, is what motivated me to choose archaeology as a second career. Here’s what happened: I set myself up in the tiny fishing port of Río Lagartos on the northeast coast of Yucatán, a place I knew from previous trips. In those days the region was fairly remote – even now, it’s not on most tourists’ agendas. Ranchers and fishermen took me out to see the sights on horseback, or in boats. The mysterious overgrown pyramids I noticed over and over again in cattle pastures or along the scrubby shore bore little resemblance to the pharaoh’s tombs of the Field Museum, but they sparked my imagination. I was especially captivated by a group of crumbling, large-fish mounds, totally overgrown with thorny vegetation, sitting at the edge of a very saline coastal estuary – the water was so salty, in fact, that great mountains of gemlike white salt, and a boxy little factory where the solar-evaporated mineral was processed for sale, occupied the opposite bank. At a tourist shop in Mérida, Yucatán’s capital, I bought a book, Maya Archaeology, by the famous Sir Eric Thompson (1963). It was about Chichén Itzá, Cobá, Uxmal, Tikal, Copan – the archaeological jewels of the Maya lowlands, restored largely with financing from the Carnegie Institution of Washington. I learned nothing at all about the ruins I’d seen on Yucatan’s northeast coast. 187

Depoimentos

One day in Merida I visited the offices of the regional center of Mexico’s National Institute of Anthropology and History (INAH). I was flying blind. I knew no one, I had no idea what kinds of questions to ask. But I found myself talking to a staff archaeologist, who said, quite matter-of-factly, “we don’t know anything about the archaeology up there [on the northeast coast]. If you want to learn something about those sites, you’ll have to become an archaeologist yourself.” He probably was kidding, but that’s what I did. Back in Madison, Wisconsin, over a year later, I ran into an old friend who, like me, was disenfranchised from the fine arts for lack of jobs. In an effort to figure out what to do next we made a pact – we would each visit a different university department every day, collect information and get together at night to compare notes. The first week I went to the library science department, the law school, and, on a whim, anthropology. There I met a brand-new assistant professor of archaeology, Gary Feinman, who worked in Oaxaca. I wasn’t even sure what archaeologists did, other than excavate ancient pots. I’ve been living on Yucatán’s northeast coast, I boldly told Dr. Feinman. I’ve discovered dozens of unknown archaeological sites.

What the field was like when I entered graduate school The year was 1984. I was 38 years old. Since I had no background in archaeology whatsoever, I started out as a “special” student – I had to successfully navigate a few graduate-level courses before I could be admitted into the program. Feinman wasn’t a Mayanist, but he taught a basic course in Maya archaeology, which I took, along with Aztec ethnohistory from Herb Harvey, a specialist in colonial-era Nahuatl manuscripts. Dr. Harvey let me write a term paper on Mesoamerican salt that turned out to be the roots of almost all the ethnohistoric and archaeological research I’ve done since. I became a Masters’ candidate under Dr. Feinman’s direction. I was his first graduate student. My intention was to take the degree and run. I innocently hoped that piece of paper would be my ticket to writing about Maya archaeology for National Geographic. 188

Desafios da arqueologia

My incoming class was large. About a third of us were women. I passed my Masters’ exam with flying colors, and was the only woman in my cohort to do so. Feinman, with vague assurances of future academic employment, convinced me not to quit, so I entered the doctoral program. There have always been skilled, adventurous women in archaeology – women like Tatiana Proskouriakoff and Anna Shepard, who made immense contributions to the Carnegie Institution of Washington projects of the 1940s and ‘50s in the Maya lowlands. Proskouriakoff was renowned for her architectural drawings and epigraphic skills; Shepard’s pioneering petrographic studies forever changed the way we understand archaeological ceramics. In the mid1980s, when I started graduate school, a dozen or so women with doctorates63 were practicing anthropological archaeology, as opposed to epigraphy, ceramic studies or art history, in Mesoamerica, alongside hundreds of men. No women taught archaeology in the Department of Anthropology at the University of Wisconsin-Madison. The only woman in the program who wasn’t a student was a faculty wife who worked day and night for free on the figures and bibliographies for her husband’s publications, while he climbed the academic ladder hand over fist. The literature is full of articles64 describing the chilly climate women face in academic, anthropological archaeology in the U.S. My department was so frigid it was in receivership for a while65. The air may be slightly warmer these days, thanks to the push from female faculty and graduate students in the late 1990s. But patterns of discrimination are still with us. Among articles in major 63

The list of highly influential women at that time included Joyce Marcus, Wendy Ashmore, Barbara Stark and Prudence Rice.

64

Colwell-Chanthaphonh, Graduate Journal of Social Science v 1, n 1, 2004. . Scott R. Hutson, Institutional and Gender Effects on Academic Hiring Practices. Society for American Archaeology Bulletin, 1998, v 16, n 4 . Scott R. Hutson, Gendered Citation Practices in American Antiquity and Other Archaeology Journals. American Antiquity , 2002, v 67, n 2, pp.331-342. Sarah M. Nelson. Handbook of Gender in Archaeology. AltaMira Press, 2006. Sarah M. Nelson and Margaret C. Nelson Conclusion. In Equity Issues for Women in Archaeology, Anthropological Papers of the American Anthropological Association, 1994, n 5.

65

Multiple factors, not just sexism, were involved in the decision for receivership.

189

Depoimentos

U.S. professional journals published between 1979 and 1999, only 22% were authored by women66. Increasing numbers of women receive doctorates, but they remain significantly underrepresented among tenured professors – in my ex-department, even now there’s only one woman on the archaeology faculty. In 2005, Lawrence Summers, then-president of Harvard University, now President Obama’s chief economic advisor, fanned the flames by claiming that innate differences between men and women were at least one reason why fewer women succeed in science careers. Sarah Nelson says it succinctly in her Handbook of Gender in Archaeology (2006): “the career injustices women suffer have more to do with the structures of power than with either innate inability or biological limitations.” My actual research was never determined by “the female condition,” in that I chose a processual, heavily fieldwork-dependent project. But the Old Boys placed plenty of gender barriers on my career path. For a while they opened doors for me because I was a very successful graduate student. I applied for and received grants for dissertation fieldwork from the National Science Foundation, Fulbright IIE, and Wenner-Grenn. I published papers in peerreviewed journals and edited volumes. I co-edited a double special issue of the Journal of Archaeological Method and Theory on combining the archaeological and historical records67. I was constantly dogged by injustices, but because I was doing well I played along. Even in the 1990s, you didn’t rock the boat if you wanted to succeed. Nelson68 quotes Linda Cordell, a champion of women in the field and a beacon of anthropological archaeology in the U.S. Southwest, commenting (in 1993) that women who complained were considered “a pain in the ass.” Men not only controlled the power structure – they also owned the entire realm of archaeological theory. Most of our professors, coming from the developmentalist, cultural ecology paradigm of 66

Colwell-Chanthaphonh, op. cit. Hutson, op. cit.

67

Susan Kepecs and Michael Kolb (guest editors) “New Approaches to Combining the Archaeological and Historical Records.” Journal of Archaeoogical Method and Theory, 1997, v 4, n 3, v 4, n 4.

68

Nelson, op.cit.

190

Desafios da arqueologia

the 1960s and 1970s, favored a localized perspective of change occasioned by the shifting imbalances of population and resources within environmentally defined regions69. None of the men in my department followed Ian Hodder, just then making his mark with postprocessualist theory70. We spent hours in seminars playing out mock Binford / Hodder debates.

The Chikinchel Project I didn’t then, and don’t now, agree with Hodder71 that we can only interpret the past through “creative imagination” and thick description. Nor do I agree with the feminist postprocessualists who emerged in the 1990s that we can excavate human agency, or assign patterns in the material record to one gender or another72. We can make inferences about women from the historical record and apply those to the material record of a deeper past, but direct historical analogies are notoriously risky. Searching for gender (or any form of social identity) in the material record is not what archaeology does best. What resonated for me was the idea of doing the kind of longterm social archaeology, from the deep pre-European past to the present, advocated by a small subset of overtly left wing practitioners in both the U.S. and Latin America73. Most U.S. archaeologists 69

Lewis Binford, A Consideration of Archaeological Research Design. American Antiquity, 1964, n 29, pp. 425-441. E. Boserup, The Conditions of Agricultural Growth: The Economics of Agrarian Change under Population Pressure. Aldine Publishing Co., New York, 1965. William T. Sanders, Jeffrey R. Parsons, and Robert S. Santley, The Basin of Mexico: Ecological Processes in the Evolution of a Civilization. Academic Press, New York, 1979.

70

Ian Hodder The Present Past. London, Batsford, 1982.

71

Ian Hodder, The Archaeological Process: An Introduction. Oxford, Blackwell Publishers, 1999.

72

Cf. Margaret W. Conkey, Has Feminism Changed Archaeology? Signs: Journal of Women in Culture and Society, 2003, v 23, n 3, pp. 867-880.

73

Thomas C. Patterson, Social Archaeology in Latin America: An Appreciation. American Antiquity , 1994, v 59, n 3, pp.531-537. Randall McGuire, Archaeology and the First Americans. American Anthropologist, 1992, v 94, n 4, pp. 816-836. Bruce G. Trigger, Archaeology and the Image of the American Indian. American Antiquity 1980, v 45, n 4, pp.662-676. Bruce G. Trigger Archaeology at the crossroads: What's new? Annual Review of Anthropology, 1984, n 13, pp. 275-300. Bruce G. Trigger A History of Archaeological Thought. Cambridge, Cambridge University Press, 1989. Iraida Vargas Arenas, Arqueología, ciencia y sociedad. Caracas, Editorial Abre Brecha, 1990. Iraida Vargas Arenas The Perception of History and Archaeology in Latin America: A Theoretical Approach. In Making Alternative Histories, edited

191

Depoimentos

shied away from left-wing political positions, either because their own outlooks were at odds with this approach, or in deference to administrative attitudes toward funding. Feinman and I had our ups and downs over the years, but on the positive side, he was interested in the social issues of the left – the intellectual, though not overtly Marxist left. Feinman knew how to use the models of central place theory74 to read regional patterns political and economic organization in the material record. From Feinman I learned how to find economic inequality by doing full-coverage surveys that pick up common houses as well as elite architecture; how to calculate available labor with population estimates; how to use ceramics to discover whether commoners were involved in long-distance trade. Like everything else we read, most of the literature he passed on to his students was written by men, but I still rely on much of it today – Fernand Braudel’s Annales histories of capitalism, Immanuel Wallerstein’s world systems theory, Andre Gunder-Frank’s brilliant essays on the development of underdevelopment. Empirically, I depended on two pieces of previous research – The Political Geography of the Yucatan Maya, by Carnegie Institution of Washington ethnohistorian Ralph L. Roys75 and Tony Andrews’ Ancient Maya Salt Production and Trade76. To bound my survey area I chose the 16th century native territory that Roys, on the basis of scant documents, had dubbed Chikinchel. The region included the port of Río Lagartos and my thorny site on the salty estuary. Roys wrote that the natives called the site Emal; according to Andrews, it was a major source of salt in pre-hispanic times. But nobody had ever mapped and dated Emal, much less examined its by Peter R. Schmidt and Thomas C. Patterson, School of American Research, 1995, pp. 47-68. 74

E.g. Gregory A Johnson, Aspects of Regional Analysis in Archaeology. Annual Review of Anthropology, 1977, n 6, pp. 479-508. Carol Smith, Regional Economic Systems: Linking Geographic Models and Socioeconomic Problems. In Regional Analysis, edited by Carol Smith, Academic Press, N. Y., 1976 v l, n 1 pp. 3-67.

75

Ralph L. Roys The Political Geography of the Yucatan Maya. Carnegie Institution of Washington Pub. 613, Washington, D.C, 1957.

76

Anthony P. Andrews, Ancient Maya Salt Production and Trade. University of Arizona Press, Tucson, 1983.

192

Desafios da arqueologia

economic relationships within the region and Mesoamerica as a whole. The literature of the northern Maya lowlands on the eve of the Spanish invasion framed a debate77. On one side were researchers78 who, favoring the ethnographic present, believed the Maya were essentially independent farmers, held together by shared cosmology and a “moral economy,” over which the Spaniards superimposed a profit-oriented “political economy.” On the other side were those 79 who believed that Late Postclassic Maya society was highly mercantile – an hypothesis based largely Spanish eyewitness reports of thriving indigenous markets that reminded the invaders of glittering Old World ports of trade. Because Maya archaeologists were, for the most part, stuck on excavating tombs and temples, there were no data on population (labor), specialized production, or the participation of multiple social strata in the non-domestic economy. I knew I could use Feinman’s research strategies to bring some resolution to the debate. Finally, I’d get to learn something about Emal. And if I could discover the real nature of the prehispanic economy I could bring the impact of Spanish colonialism into better focus. I planned a double survey strategy. First, a set of regional road and trail surveys with surface collection for dating purposes would net me information on the hierarchical distributions of settlements 77

Cf. Susan Kepecs, Native Yucatán and Spanish Influence: The Archaeology and Historyof Chikinchel. Journal of Archaeological Method and Theory, 1997, v 4, n 3, v 4, n 4, “New Approaches to Combining the Archaeological and Historical Records,” guest edited by Susan Kepecs and Michael Kolb, pp. 307-329. Susan Kepecs The Political Economy of Chikinchel, Yucatán, Mexico: A Diachronic, 1999. Analysis from the Prehispanic Era through the Age of Spanish Administration. Doctoral dissertation, University of Wisconsin-Madison. University Microfilms, Ann Arbor. Susan Kepecs Chikinchel. In The Postclassic Mesoamerican World, edited by Michael E. Smith and Frances F. Berdan. University of Utah Press, 2003 pp. 259-268.

78

E. g. I. Clendinnen, Ambivalent Conquests: Maya and Spaniard in Yucatán, 1517-1570. Cambridge University Press, Cambridge, 1987. Nancy M. Farris, Maya Society Under Colonial Rule. Princeton University Press, 1984. Sir J. Eric S. Thompson, A Proposal for Constituting a Maya Subgroup, Cultural and Linguistic, in the Petén and Adjacent Regions. In Anthropology and History in Yucatan, G. Jones, editor, 1977 pp. 3-42. University of Texas Press, Austin.

79

E.g. Andrews, op.cit. Roys, op.cit. J. A. Sabloff and W. L. Rathje The Rise of a Maya Merchant Class. Scientific American, 1975, v 233, n 4, pp. 72-82. France V. Scholes and Ralph L. Roys The Maya Chontal Indians of Acalan-Tixchel. Carnegie Institution of Washington Pub. 560, Washington, D. C, 1948.

193

Depoimentos

on the landscape. These would, through the filter of central place theory, tell me something about political-economic organization. Next, full-coverage surveys at whichever four sites turned out to have the largest Late Postclassic (eve of the Spanish invasion) components would let me get at issues of social stratification and labor. But before I could start I had to be sure I could carry out these landscape sweeps in northern Yucatán, where this kind of fieldwork had yet to be done.

Life at the intersection of the Chikinchel Project and the feminine condition I got a small pre-dissertation fund from the university’s Latin American, Caribbean and Iberian Studies program so I could find out if I could survey in tropical vegetation, and whether there were enough surface potsherds to date sites and find patterns of exchange. The answers to both questions were positive, but along the way I ran into a nasty case of sexual harassment. While I was testing my survey procedures in the summer of 1986, a U.S. archaeologist I barely knew kept showing up at my field base – the oddly utilitarian, never-finished Hotel Nefertiti, in Río Lagartos – with bottles of rum and a circus of other visitors who proceeded to get smashed over their fried fish dinners. Nights, I had to fend off the lurching archaeologist by slamming my termite-infested door in his face. Some months later, back in the States, I received a call from this man, who claimed the Mexican federal police were looking for me. Someone had sent them a letter accusing me of running drugs and artifacts in my private airplane. The archaeologist suggested I fly down to Merida and turn myself in. I hired a powerful Mexican lawyer who’d received his LLD at the UW-Madison law school. While he followed the trail of the infamous letter, I spent a field season at Yellow Jacket, a Colorado Anasazi site, on a project directed by Fred Lange, who was teaching at University of Colorado-Boulder at the time. While I was at Yellow Jacket, the lawyer cleared my name. Various kinds of circumstantial evidence linked the rumdrinking archaeologist to the letter. Two women surfaced to tell 194

Desafios da arqueologia

me they’d had similar problems with the same man; neither of them still worked in Yucatán. But the perpetrator’s name was never nailed down in a court of law. He’s elderly now – it doesn’t matter any more. But for years I was afraid someone would try to pick me off in the field with a high-powered rifle. I never traveled without the piece of paper the lawyer procured for me, stamped by INAH authorities and officially proclaiming me an archaeologist in good standing in Mexico. Sexual harassment notwithstanding, my pre-dissertation field season was fruitful. I wrote my dissertation proposal – the one I successfully landed good grants with – and defended it before my departmental committee. One of my professors – sexism notwithstanding he was a kind man, an expert in ceramic petrography from whom I learned a great deal – commented that there’d be snakes in Yucatán, and a year was a long time to be away from home. I was more likely to come back in a venom-induced coma and/or get intolerably homesick than to finish my fieldwork. My project was much too big for a dissertation, though never big enough to please Feinman. I spent the better part of four years in the field, living with the lizards in my little blue room at the Hotel Nefertiti. I used up my grants and all of my savings. I never got bit by a snake, and Río Lagartos is still my second home. Because I had so much data, it took me over four years to write my dissertation. My results were clear – all of my archaeological information had come down on the side of the Spanish eyewitnesses. I claimed the Late Postclassic Maya were merchant capitalists, not totally unlike the European explorers who soon landed on their shores – a claim I’ve held up to a great deal of further scrutiny since. But by the time I finished writing, I’d turned 52. I’ll mention just one more hurdle preceding my PhD, though there were others, and this one’s probably due as much to ageism as sexism. I had quite a few publications under my belt in 1998, when I was ready to defend my dissertation. I’d spent three years as Feinman’s “editorial assistant” when he and Linda Manzanilla of the Universidad Nacional Autónoma de México were co-editing Latin American Antiquity. In reality, that meant I did quite a bit of 195

Depoimentos

substantive editing. I wrote Editors’ Corner articles in English and Spanish80 explaining what kinds of articles the journal wanted, and how to write them so they’d be accepted. I thought I had a pretty good idea of how to write about archaeology, especially after that experience. The morning before my defense, Feinman said I’d produced a very good dissertation. The departmental secretaries told me they’d heard him saying the same thing. So when I sat down at the table before four men, with a fifth on the speakerphone, I was confident. I knew my document was just a dissertation, not a definitive work on a complicated subject, but it represented a considerable amount of research. I was surprised by the questions I had to field at my defense. Most of them were taken out of context, since there were explanations in my text. Wasn’t capitalism too strong a word? Why did I present my sherd counts as percents, rather than with more sophisticated statistics? Since I’d only used the standard published sources (Maya and Spanish) rather than including the entire corpus of surviving archival documents, wasn’t it presumptuous of me to say the written record favored the commercial interpretation, rather than agrarian self-sufficiency? I thought I delivered reasonable responses, but nobody seemed satisfied. The air was heavy with disapproval when they sent me out of the room. Most dissertators spent about half an hour waiting for their verdicts. I remember waiting four hours, though maybe it was only three. Feinman came to find me in my office. Your dissertation could have been so much better, he said, frowning. You passed, but you’ll have a lot of revisions to do before you can graduate. I made my revisions, but Feinman never wrote job recommendation letters for me. Once he told me I’d look weak if he did – that I had to stand on my own two feet if I wanted to be noticed. Two men from other universities who’d been interested in my work – Mike 80

Susan,Kepecs, Gary M. Feinman, Linda Manzanilla, and Linda M. Nicholas Editors' Corner: Clarifying Latin American Antiquity's Mission: Considerations for Authors. Latin American Antiquity, 1997, v 8, n 4, pp. 291-292. Susan,Kepecs, Gary M. Feinman, Linda Manzanilla, and Linda M. Nicholas, Editors' Corner: Clarificando la misión de Latin American Antiquity: Algunas consideraciones. Latin American Antiquity, 1998, v 9, n 1, pp. 3-5.

196

Desafios da arqueologia

Smith and E. Wyllys Andrews V – did send glowing notes, though I was never picked to interview for jobs. To be fair, I admit I wasn’t willing to take a string of one-year positions at tiny schools in small towns. I chose to quit archaeology instead. Today I’m an “honorary fellow” in my former department, which only means I can use the university’s library and internet services. I don’t make my living from archaeology. I write about the arts and food for a local newspaper; I contribute occasional freelance articles to several national magazines; I do freelance editing and translating of various sorts. I’m grateful for my freedom from the academy, though much poorer for it.

On historical archaeology, and the contributions of women to the field My archaeological career was shipwrecked on the reefs of the mostly-male power structure, but two women helped me salvage what remained. One was Lourdes Domínguez, who invited me to participate in her 1999 summer seminar for the Centro de Estudios Avanzados de Puerto Rico y el Caribe, “Arqueología Histórica de la Habana Vieja.” The surprising bits of material evidence on the largely undocumented African poor in the midst of Havana’s 19th century global opulence took me back to my original fascination with the idea of doing long-term social archaeology. The other woman was Rani Alexander, an historical archaeologist who’d done her dissertation fieldwork when I did mine and with whom I shared common interests (including deep links to Yucatán, progressive politics, and an abiding love of fine dining). During my dissertation surveys, I’d crossed the disciplinal boundary into the colonial and postcolonial periods. The archaeological record is a palimpsest – it didn’t take any more time, or cost extra money, to record historic sites with all the rest. I underplayed this information in my dissertation, since Feinman thought historical archaeology was irrelevant, or worse. But Alexander insisted I put that evidence to better use. She persuaded me to join her in organizing a symposium for the Society for American Archaeology’s annual meetings 197

Depoimentos

in New Orleans in 2001. From that session came our first co-edited book, The Postclassic to Spanish-Era Transition in Mesoamerica 81. Lately, I’ve been doing postcolonial research. I’ve done several very small, unfinanced field projects, revisiting the 19th century ranchos and haciendas I registered during my dissertation surveys and searching for primary documents in the state archives of Yucatán. I still use the theories I learned as Feinman’s student, especially the world systems framework. I’m looking for what Orser82 calls the junctures of Eurocentrism, colonialism, capitalism and modernity, in the territory called “Chikinchel.” Alexander and I, with a group of like-minded anthropological archaeologists from the U.S. and Mexico, are working on a new, synthetic volume – the result of a School for Advanced Research seminar – on the colonial / postcolonial trajectory in the macroregion prehispanic archaeologists call Mesoamerica. This group of researchers consists of an equal number of women and men. Some of them hold tenure in major anthropology departments, where they can devote a great deal of time to research; some are stuck in MA programs where their teaching load is heavy; one other woman is an academy outsider, like me. We work well collaboratively, and I’m delighted to be in a research situation free of power games. My case isn’t unique. I know other women from my cohort whose work I admired when we were students, who make their livings in non-academic ventures and occasionally present papers at meetings. Younger women just entering graduate school or the job market may be better off, but over the long term far too many women have been blocked by the mostly male power structure from making substantial contributions to prehispanic anthropological archaeology. There are no data on quality, but subjectively, I think women’s publications in the U.S. are just like mens’ – some are quite good, but others are very bad. 81

Susan Kepecs and Rani T. Alexander (ed.) The Postclassic to Spanish-Era Transition in Mesoamerica: Archaeological Perspectives. University of New Mexico Press, 2005.

82

Charles E. Orser Jr. A Historical Archaeology of the Modern World. Plenum Press, N. Y, 1996.

198

Desafios da arqueologia

On the other hand, women in anthropological historical archaeology – a less cut-throat arena that still falls somewhat outside the male-dominated mainstream – have made unparalleled contributions to the field, especially in Latin America. Examples from the top of the list would have to include Kathleen Deagan’s work on transculturation in the Caribbean, Patricia Fournier’s research on indigenous economic strategies in the colonial and postcolonial periods in the Basin of Mexico, Lourdes Domínguez’ pioneering studies in urban historical archaeology and Iraida Vargas’ wise theoretical roadmaps for the practice of social archaeology. In many ways, women in historical archaeology have changed my life.

199

200

ARQUEOLOGIA PÚBLICA: DEFINIÇÕES E AÇÕES PLURAIS Desde a década de 1970, um grande número de intelectuais vinculados à Arqueologia, influenciados tanto pelas teorias marxistas como pelas teorias pós-processualistas, se dedica a repensar as bases de suas ciências com o intuito de promover ações sociais efetivas e transformadoras. As reflexões centram-se nas definições epistemológicas da Arqueologia e sobre suas potencialidades para a construção de conhecimentos críticos, capazes de sustentar a existência da cidadania e da democracia; conceitos amplos, cujas definições variam no tempo e no espaço. No caso específico brasileiro, a partir de 196183, ocorreram inúmeras iniciativas de divulgação do conhecimento arqueológico no país. Essas ações, na maioria das vezes, estavam atreladas aos museus, como é o caso do Museu Imperial, em Petrópolis, Rio de Janeiro84. Apesar da existência de uma preocupação em mostrar ao público o trabalho arqueológico brasileiro, apenas a partir da segunda metade da década de 1980, com a redemocratização do país, passou-se a refletir sobre os métodos, práticas, valores e significados dessa divulgação. Nascia, então, a Arqueologia Pública brasileira. 83

Em 1961, a partir do esforço e engajamento de uma comissão formada por arqueólogos pesquisadores da Pré-História, foi elaborada e aprovada a lei n. 3924/61. O maior objetivo da lei era definir o patrimônio arqueológico, regularizar sua propriedade e seus usos (Bastos, R. L.; Funari, P. P. A. “Public Archaeology and Management of the Brazilian Archaeological-Cultural Heritage”. Handbook of South American Archaeology. Silverman, Helaine e Isbell, William H. (orgs). New York: Springer, 2008. 1127-1133).

84

F. C. Soares, “Experiências educativas”. Educação patrimonial: Perspectivas. Milder, S. E. S. (org). Santa Maria (UFSM): Laboratório de Estudos e Pesquisas Arqueológicas, 2005: 20.

201

Depoimentos

Os depoimentos que se seguem são exemplos indicativos de uma área plural e cada vez mais fortalecida dentro e fora do país, que se volta para o interesse público em geral85. No Brasil, de norte a sul, encontramos ações que objetivam a consolidação dos diálogos entre a ciência arqueológica e a sociedade. Exemplos de reflexões acerca dessas práticas são lidos nas respostas dos arqueólogos brasileiros Maria Dulce Gaspar, Márcia Bezerra de Almeida, Paulo Zanettini e Leilane Lima. Como exemplo de práticas no exterior, temos o depoimento da arqueóloga chilena Catherine Westfall e do arqueólogo norte-americano Charles Orser Jr. Aos arqueólogos foram propostas as seguintes questões: •

Como você define Arqueologia?



Qual sua área de investigação?



Para você, a Arqueologia possui alguma importância social? Qual?



É importante a divulgação dos trabalhos arqueológicos? Por quê?



Como as pessoas podem ter acesso às pesquisas arqueológicas?



Nos trabalhos arqueológicos desenvolvidos por você, há um envolvimento da comunidade? Como? Por quê?



Como você avalia a relação entre a Arqueologia e o Público em seu país? É possível afirmar que a Arqueologia Pública está consolidada?



Em seu país, o que poderia ser melhorado na Arqueologia Pública?

Não foi exigido nenhum padrão textual para os depoimentos, isso para que cada arqueólogo se sentisse à vontade com a forma de exposição de suas idéias.

85

N. Merriman “Introduction – diversity and dissonance in public archaeology”. Public Archaeology. Nick Merriman (org): Londres. Routledge, 2004.

202

Desafios da arqueologia

O necessário contato com as comunidades Maria Dulce Gaspar

86

Como você define Arqueologia? Arqueologia é uma das Ciências Sociais e compartilha com a História e a Antropologia o estudo da vida social, sendo a sua especificidade a análise da cultura material.

Qual sua área de investigação? A minha área de investigação é a ocupação da planície litorânea do Brasil, no que se refere à sua implantação, funcionamento e colapso. Tenho especial interesse no entendimento da organização social dos sambaquieiros, especialmente os aspectos relacionados com o processo de construção dos sambaquis e a vida ritual dos pescadores-coletores. Trabalho com os monumentais sambaquis de Laguna, Santa Catarina, e com sítios do recôncavo da Baía de Guanabara, no Rio de Janeiro.

Para você, a Arqueologia possui alguma importância social? Qual? A importância social da Arqueologia reside na possibilidade de se desvendar a história de ocupação de diferentes regiões e, com isso, construir e divulgar para toda a sociedade as especificidades do processo de colonização da humanidade. Em uma época em que as sociedades experimentam pela primeira vez a globalização, 86

Como a arqueóloga Maria Dulce Gaspar participa, neste volume, com dois depoimentos, sua apresentação biográfica antecede o primeiro deles, na segunda parte “Mulheres Arqueólogas?”.

203

Depoimentos

processo que traz em si uma inimaginável padronização de hábitos e costumes, a Arqueologia é uma das disciplinas que tem a possibilidade de resgatar e apresentar para a sociedade aspectos da vida social pretérita marcada pela especificidade, pelo que é particular e exclusivo de uma determina população.

É importante a divulgação dos trabalhos arqueológicos? Por quê? Claro que é importante. Cabe ao arqueólogo divulgar os resultados das pesquisas para a comunidade científica e para a sociedade em geral. A Arqueologia é uma Ciência Social e, portanto, é uma disciplina que se desenvolve a partir do acúmulo de conhecimento produzido por toda a comunidade acadêmica, sendo, dessa maneira, fundamental a divulgação das informações. Por outro lado, é também dever do arqueólogo apresentar os resultados de seus estudos para toda a sociedade, já que o objeto de estudo dos pesquisadores é o patrimônio nacional.

Como as pessoas podem ter acesso às pesquisas arqueológicas? É preciso que os arqueólogos se dediquem à publicação de livros, cartilhas, CDs ou qualquer outro meio de circulação de informação para que as pessoas possam ter acesso aos resultados das pesquisas arqueológicas.

Nos trabalhos arqueológicos desenvolvidos por você, há um envolvimento da comunidade? Como? Por quê? Sempre procuro envolver a comunidade desde o início dos trabalhos de campo. Uma das estratégias de pesquisa que adoto é a realização de entrevistas e nesse momento toda a minha equipe já se aproxima dos moradores da localidade em estudo. Adoto esta estratégia porque tenho formação em Antropologia Social e aprendi a fazer entrevistas. Sempre que possível, contrato moradores da região onde desenvolvo os trabalhos e, com isso, estabeleço um contato 204

Desafios da arqueologia

mais duradouro com eles. Além disso, ministro palestras, converso com os familiares e já preparei até mesmo uma cartilha “personalizada” com o retrato das pessoas que participaram da pesquisa. Há muito tempo que adotei esta conduta, pois acho que as pessoas que moram perto dos sítios arqueológicos podem se envolver diretamente na proteção do patrimônio arqueológico brasileiro. Além de procurar envolver a população que mora nas proximidades de sítios arqueológicos, dedico-me, também, a escrever livros voltados para os estudantes universitários, professores do Rio de Janeiro e demais segmentos da sociedade brasileira. “Sambaqui: Arqueologia do litoral brasileiro” e “Arte Rupestre”, publicados pela Jorge Zahar, são exemplos de minha dedicação em divulgar os resultados de minhas pesquisas para universitários. “Pré-história do Brasil” foi organizado para que a sociedade tome conhecimento da riqueza e diversidade do patrimônio arqueológico brasileiro e “Arqueologia do Vale do Paraíba do Sul” foi escrito para os professores dos municípios banhados pelo rio. Tenho me dedicado a estabelecer envolvimento com a comunidade porque acredito que é a melhor estratégia para proteger os sítios arqueológicos e oferecer condições para que os membros da comunidade possam resgatar a sua própria história e, com isso, reforçar a sua própria identidade social.

Como você avalia a relação entre a Arqueologia e o Público em seu país? É possível afirmar que a Arqueologia Pública está consolidada? Acredito que a Arqueologia Pública no Brasil é ainda incipiente e que ainda temos que dar muitos passos fundamentais para atingirmos a sociedade como um todo.

Em seu país, o que poderia ser melhorado na Arqueologia Pública? No Brasil faltam livros, revistas, CDs e sites específicos sobre Arqueologia. É preciso que o brasileiro encontre no jornaleiro, livraria ou internet informações sobre o processo de colonização 205

Depoimentos

do país. A informação tem que ser de fácil acesso, tem que ser ministrada nas escolas e é preciso que se elaborem livros didáticos de boa qualidade para que o ensino acompanhe o desenvolvimento das pesquisas.

206

Desafios da arqueologia

Marcia Bezerra Bacharel em Arqueologia/FINES/RJ, Mestre em História Antiga e Medieval/UFRJ/1992 e Doutora em Arqueologia/USP/2003. Professora adjunta da UFPA, onde coordena o Curso de Especialização em Arqueologia. Membro adjunto do Dept. de Antropologia da Indiana University/EUA e integra a Missão Arqueológica Chau Hiix/Belize. É Secretária da Sociedade de Arqueologia Brasileira e representante do WAC na América do Sul. Membro do Conselho Editorial da Latin American Antiquity/SAA e Editora Assistente da Amazônica/Revista de Antropologia/UFPA. Coordena projetos na Ilha de Marajó, atua em projeto de turismo arqueológico na Amazônia e é consultora de Educação Patrimonial em várias partes do país. Principais interesses: arqueologia e comunidades locais, ensino da arqueologia, turismo arqueológico e zooarqueologia.

Da arqueologia circular e dos arqueólogos sem artefatos Marcia Bezerra87

Introdução O presente texto trata de algumas das questões formuladas sobre Arqueologia Pública pelos organizadores do livro, considerando, 87

Universidade Federal do Pará.

207

Depoimentos

em particular: a) a perspectiva de uma “Arqueologia Circular”, que redimensiona o lugar do “outro” na agenda da chamada “Arqueologia Pública” e b) a constituição da categoria dos “arqueólogos sem artefatos” no Brasil, que se conecta com a primeira questão e permite repensar a própria “Arqueologia Pública” no país.

A Arqueologia Circular Ao longo da história da Arqueologia, muitas definições tiveram impacto nos rumos da disciplina. Tais definições representaram, ao mesmo tempo, o resultado de novas reflexões e implicaram a tomada de novos rumos da Arqueologia. Cada nova perspectiva ancoravase em críticas aos “velhos paradigmas”, aos “velhos problemas” e até aos “velhos arqueólogos”. Essas “revoluções” trouxeram à tona questões teóricas, metodológicas e, eventualmente, éticas. O empirismo é atacado ora como entrave ao desenvolvimento de uma arqueologia que se pensava antropológica; ora como negação do caráter polissêmico de uma arqueologia que se pretendia multivocal. Os “ismos” que adjetivam essas arqueologias alternam a exclusão e a inclusão do “outro” na práxis arqueológica, tornando o campo da Arqueologia, ora um domínio privado de especialistas, ora um domínio público compartilhado por distintos grupos a quem o patrimônio arqueológico, em tese, interessa. Os histórico-culturalistas, os processualistas e os pós-processualistas (uma macro-divisão mais didática do que epistemológica, se considerarmos o leque de “arqueologias” abrigadas em cada uma dessas abordagens), ou os “velhos”, os “jovens” e os “pósmodernos” definiram em diferentes momentos e a partir de distintos enfoques, a Arqueologia da seguinte forma: “A Arqueologia estuda todas as mudanças do mundo material que são devidas à ação humana (...)”88 e é “(...) una fuente de la historia y no solo una simple ciencia auxiliar”89, “Archaeology is Archaeology is Archaeology”90 “American archaeology is anthropology or it is nothing”, “Archaeology is a mode of cultural production in which work is done upon 88

V. G. Childe, Para Uma Recuperação do Passado: a interpretação dos dados arqueológicos. São Paulo: Difel, 1969, p. 29.

89

V. G. Childe, Introducción a la Arqueología. Barcelona: Ediciones Ariel, 1972, p. 9.

90

David L. Clarke Analytical Archaeology. Methuen, 1968.

208

Desafios da arqueologia

the remains of the past (...) Archaeology is no more, or no less, the work of its practitioners”91, “Archaeology will become applied anthropology or it will be nothing”92. Esses arqueólogos e suas arqueologias foram, e muitos ainda o são, duramente criticados. Acusados de contar [descrever] histórias, de contar [quantificar] histórias, de contar [inventar] histórias, contudo, nunca deixaram de contar [transmitir] histórias, o que, segundo Hilbert93, constitui o compromisso social do arqueólogo. Parto dessa premissa para tratar da minha “idéia” de arqueologia hoje. Para Hilbert contar histórias é o cerne da Arqueologia e o nosso compromisso social está em adequá-la às diferentes demandas. O autor trata de duas questões interligadas: a essência da arqueologia (o quê) e o compromisso social (por que e para quem). Se o âmago da Arqueologia está em “contar histórias” (descobrir/inventar o passado), então, a sociedade – razão do nosso “compromisso” – e para quem as histórias são endereçadas, está inexoravelmente conectada à própria essência da Arqueologia. O raciocínio pode parecer óbvio, mas nele reside uma das questões que julgo ser um dos “tour de force” da arqueologia contemporânea: Por que os “outros” importam? A questão tem sido tratada como algo novo na Arqueologia, mas “os outros” sempre estiveram lá! Pensamos ter politizado a Arqueologia nas últimas décadas, mas a política sempre esteve lá!94. Sobre o quê, então, estamos discutindo? Na minha perspectiva, passamos dos “porquês” para os “como” muito rapidamente. As discussões parecem estar centradas em como “incluir o outro”: educação, colaboração, participação, etc. Trata-se de “ação” no sentido de demanda e de como atendê-las95. E o por91

M. Shanks, Culture/Archaeology: the dispersion of a discipline and its objects. In: Hodder, I. (ed.) Archaeological Theory Today. Polity Press, 2001, pp. 284-305, p. 295.

92

Robert Kelly, Introduction. In: Derry, L.; Malloy, M. (Eds.) Archaeologists and Local Communities: Partners in Exploring the Past. Society for American Archaeology, 2003, pp.vii-viii, p. vii.

93

Klaus Hilbert, Qual o compromisso social do arqueólogo brasileiro? Revista de Arqueologia, v 19, pp.89-102, 2006.

94

Tilley, C. Archaeology as socio-political action in the present. In: Whitley, D.S. (Ed.) Reader in Archaeology Theory: Post-processual and cognitive approaches. London: New York: 1998. pp.315-330.

95

Hilbert, op.cit.

209

Depoimentos

quê? Será que não estamos falando de compromisso, envolvimento e engajamento como uma obrigação de caráter moral? No caso do Brasil, a criação da Portaria 230/200296 parece ter selado essa natureza mandatória/moral do nosso “compromisso social”. Parece que o “contar histórias” e o “compromisso social” constituem duas proposições distintas, cuja conexão é assumida a priori. O texto de Hilbert inspira outra percepção: no lugar de duas proposições, temos duas idéias amalgamadas e que estão no cerne do fazer arqueológico. O “outro” não está além da arqueologia, mas na sua essência! Isso vai ao encontro de uma perspectiva muito em voga da disciplina, a chamada “Arqueologia Pública”97, que é entendida aqui não como uma parte do compromisso social da disciplina, mas sim como uma explicitação da idéia de que os “públicos” estão no seu âmago e em todo o seu processo – da pesquisa de campo à interpretação – e à aplicação dos resultados das pesquisas. O que essas adjetivações (arqueologia pública, arqueologia-ação, arqueologia colaborativa, arqueologia comunitária, entre outras) fazem é trazer à tona essa parte do todo, e que sempre esteve lá. Tudo isso nos dá a medida do desafio que nos propuseram os autores deste livro. Qual é a definição de Arqueologia? Entendo que no seu caráter distintivo em relação às demais disciplinas das humanidades, a Arqueologia continua sendo o estudo das sociedades passadas (remotas ou recentes) a partir de sua cultura material (artefatos, construções, paisagens alteradas, etc.). Contudo, essa assunção do caráter partitivo do fazer arqueológico com o outro mudou os contornos desse todo. O “outro” importa à Arqueologia não por um acordo social, político, ético, mas porque ele é parte do fazer arqueológico. Desconsiderar isso não qualifica a Arqueologia de tradicional, conservadora ou elitista, mas sim incompleta. O “outro” não está à parte (além) do todo, mas é parte do todo. 96

Portaria do Departamento de Proteção do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional criada em 2002: “o desenvolvimento dos estudos arqueológicos (...) [realizados dentro de projetos de avaliação de impacto ambiental], em todas as suas fases, implica trabalhos de laboratório e gabinete (limpeza, triagem, registro, análise, interpretação, acondicionamento adequado do material coletado em campo, bem como programa de Educação Patrimonial), os quais deverão estar previstos nos contratos entre os empreendedores e os arqueólogos responsáveis pelos estudos, tanto em termos de orçamento quanto de cronograma” IPHAN. Coletânea de Leis sobre preservação do Patrimônio. Rio de Janeiro: IPHAN, 2006.

97

Ver Funari,Public Archaeology in Brazil. In: Merrimam, N. (ed.) Public Archaeology, Routledge, 2004, pp. 202-210.

210

Desafios da arqueologia

Isso tem levado ao redirecionamento de problemas de pesquisa que passam a ser retroalimentados, não apenas pelos novos dados das pesquisas, mas por outra categoria de dados – os olhares, as vozes e as narrativas do “outro” –, conferindo um sentido circular à Arqueologia98, Não inventamos os “outros, os olhares, as vozes e as narrativas” com as “novas” arqueologias, eles sempre estiveram lá. Temos que ter consciência de que as percepções que as comunidades locais têm sobre o passado prescindem da Arqueologia. É a Arqueologia que não pode, nem deve, prescindir dessas percepções. Minha idéia de Arqueologia, então, é a de uma Arqueologia Circular, onde o fazer arqueológico e o “outro”, considerados dentro de uma relação partitiva, contêm histórias sobre o passado.

Dos Arqueólogos Sem Artefatos É a partir dessa idéia de uma “Arqueologia Circular” que venho me dedicando à compreensão das relações entre as histórias que contamos sobre o passado e as comunidades locais na Amazônia. Contudo, minha trajetória na Arqueologia, iniciada nos anos 1980, inclui o interesse pelos sistemas zoo-culturais, o que me levou a trabalhar com amostras faunísticas de sítios arqueológicos de caçadores-coletores no litoral do Rio de Janeiro99 e, mais recentemente, com coleções recuperadas em sítios históricos100.

98

Ver Heckenberger Entering the Agora: archaeology, conservation and indigenous peoples in the Amazon. In: Colwel-Chanthaphonh, C.; Ferguson, T.J. (eds) Collaboration in Archaeological Practice: engaging descendants communities. Altamira Press, 2008, pp. 243-272. F.L. Green, D.R. Green, & E. Goés Neves, “Indigenous Knowledge and Archaeological Science”. Journal of Social Archaeology, v 3 n 3, pp. 365-397, 2003. L. Meskell, “Archaeological Ethnography: conversations around Kruger National Park”. Archaeologies v 1, n 1, pp. 81-100, 2005. I. Hodder, The past as passion and play: Çatalhoyuk as a site of conflict in the construction of multiples pasts. In: Meskell, L. (ed.) Archaeology under Fire: nationalism, politics and heritage in the Eastern Mediterranean and Middle East. Routledge, 1998, pp. 124-139.

99

M. Bezerra, Zooarqueologia de Pequenos Animais: Contribuições aos Estudos de Gênero na Pré-História Brasileira. Anais X Reunião Científica da Sociedade de Arqueologia Brasileira. Arqueologia do Brasil Meridional. PUC-RS. Porto Alegre/2002. (cd-rom). M. Bezerra, Três Amostras e Uma Questão: a zooarqueologia de sítios históricos no Brasil. XIII Congresso da Sociedade de Arqueologia Brasileira, Campo Grande, 2005 (não publicado).

100

211

Depoimentos

Não obstante o fato de que não há registro e sequer pesquisas sobre o tema da domesticação animal para o período pré-colonial no Brasil, considero este o meu principal interesse no âmbito da Zooarqueologia. Assim, durante o curso de mestrado, desenvolvi pesquisa sobre a criação de animais no Egito Antigo a partir da iconografia 101 e hoje inicio projeto sobre “Arqueologia dos Zoológicos na Amazônia: perspectivas da Arqueologia e da Antropologia da Paisagem”, em parceria com colega antropólogo. Nesta pesquisa estabeleço um diálogo aberto entre Arqueologia, Antropologia, Zoologia e História, indo ao encontro de questões que foram se entrecruzando ao longo dos anos e que se situam numa perspectiva mais ampla, e por que não fluida da Arqueologia, que pretende compreender as relações entre os seres e as coisas, em qualquer tempo e lugar. É dentro dessa preocupação em compreender as relações entre os seres e as coisas, que desenvolvo o projeto de pesquisa “Os Significados do Patrimônio Arqueológico para os Moradores da Vila de Joanes, Ilha de Marajó, Brasil” (UFPA/CNPq), visando o mapeamento das relações entre as comunidades locais, o patrimônio arqueológico e as pesquisas desenvolvidas na Vila desde a década de 1980. Não se trata apenas de entender a relação entre o público e o patrimônio arqueológico a partir da idéia de multivocalidade, advogada pela arqueologia pós-processualista, mas de entender no presente, e por meio de uma Arqueologia Etnográfica, que transforma a própria disciplina em sujeito da etnografia102, as seguintes questões: como se dá a construção do passado pelas comunidades afetadas pelas nossas pesquisas; como se relacionam com os sítios arqueológicos; como se processa a construção do passado pelo discurso acadêmico; em que medida ocorre a interseção desses discursos; como re-significar o conhecimento produzido pela disciplina e qual o impacto na re-orientação das próprias pesquisas arqueológicas. M. Bezerra de Almeida, Um Estudo Iconográfico da Criação de Animais no Antigo Egito (IIIº milênio a.C.). Dissertação de Mestrado. UFRJ-1992, 250p.

101

Q.E Castañeda,The ‘Ethnographic Turn’ in Archaeology. Research Positioning and Reflexivity in Ethnographic Archaeologies. In: Castaneda, Q.E.; Matthews, C.N. (eds.) Ethnographic Archaeologies: reflections on stakeholders and archaeological practices. Altamira Press, 2008, pp. 25-61.

102

212

Desafios da arqueologia

Meu campo atual de investigação, portanto, é o patrimônio arqueológico. A resposta pode parecer um tanto vaga, se considerarmos que todos os arqueólogos estão envolvidos com o patrimônio. Então, estaríamos tratando do que eu denomino de “arqueólogos sem artefatos”, uma categoria curiosa e na qual alguns de nós parecem ter sido colocados, ou seja, não é um processo de auto-identificação, mas uma atribuição externa. A questão é muito interessante e vai ao encontro de várias perguntas formuladas pelos editores do livro. Não obstante a(s) corrente(s) teórica(s) adotadas pelos pesquisadores, não há que se discutir o fato de que a arqueologia, apesar de todas as suas mudanças paradigmáticas, trata da cultura material. Ao longo dos anos, discutimos novos conceitos de cultura material, mas não a sua relação fundante com a Arqueologia. Os artefatos (aqui compreendidos de forma ampla, como constructos humanos) considerados como reflexo, produto ou vetor de relações sociais são a matériaprima de todas aquelas “arqueologias”; e os arqueólogos também se constituem, em parte, dessa matéria. Especializamo-nos em cerâmica, louça, lítico, edificações, ossos de animais, paisagens, etc. Da mesma maneira, nos tornamos especialistas em determinados temas: gênero, complexidade, sambaquis, arquitetura, caçadores-coletores, domesticação, entre outros. Dedicamo-nos a compreender a arqueologia da Amazônia, do litoral, do Pantanal, do planalto, da Grécia antiga. Enfim, qualquer que seja o tema de pesquisa escolhido, ele é necessariamente constituído pela cultura material.

Então, como falar de arqueólogos sem artefatos? Cunhei esse termo tempos atrás após conversa com um colega estrangeiro, durante a qual o ouvi surpreso por saber que no Brasil há arqueólogos que, segundo ele, não têm um tema específico de pesquisa. Em seguida à minha surpresa, constatei que ele se referia aos colegas brasileiros que têm como principal reflexão o campo do patrimônio, incluindo pesquisas acadêmicas voltadas para a reflexão das relações entre o patrimônio arqueológico e as comunidades locais, e os projetos de gestão. 213

Depoimentos

Não obstante o fato de que o gerenciamento do patrimônio arqueológico inclui a pesquisa básica, há uma tendência a se reunirem os profissionais, especialmente envolvidos com projetos voltados para as variadas formas de compartilhamento do conhecimento arqueológico, em categorias tais como “educadores”, “gestores”, por vezes de forma pejorativa, como ”professorinhas” e “nãoarqueólogos”. Essa situação não é prerrogativa brasileira, colegas de outros países relatam o mesmo panorama em suas comunidades acadêmicas103. Nos Estados Unidos, os “não-arqueólogos” podem passar a pertencer à categoria de “antropólogos”, em razão de sua formação no modelo four fields; em Portugal, criou-se a categoria de “curador”; no Brasil, esses profissionais, independente de terem formação sistemática em arqueologia, são circunscritos ao lugar daqueles que chamo de “arqueólogos sem artefatos”. Essa questão está diretamente ligada à definição de Arqueologia, tal como discutida anteriormente. A idéia de que existe uma “face pública” da Arqueologia, um acordo social a ser cumprido a posteriori, um “outro” a “incluir”, implica algo que lhe é anexo, acessório, destacado do fazer arqueológico. Isso criou as condições para a configuração dessa categoria de “não-arqueólogos”, que a exemplo da noção de “não-lugares” de Augé, remete à transitoriedade, passagem, fluidez, algo que “nunca se realiza completamente”104. Nessa categoria de caráter volátil, temporário, de algo “fora do lugar”, o que conta não é a identidade – pela formação, pelos interesses comuns –, mas o objeto de estudo. A especialização em determinadas categorias de artefatos, o desenvolvimento de pesquisas de campo e os projetos de pesquisa sobre uma dada temática, constituem a identidade dos “arqueólogos”, em oposição àqueles que, ao se ocuparem de temas de pesquisa e/ou gestão que têm uma interface com o “outro”, tornam-se outsiders da própria disciplina. Indo na contramão dessas adjetivações, afirmo que, paradoxalmente, não há “arqueólogos sem artefatos” ou “não-arqueólogos”. Comunicação Pessoal: Lena Mortensen/EUA (2007), Alicia Ebbitt/EUA (2008) e Luiz Gonçalves/Portugal (2009).

103

M. Auge, M. Não-Lugares: introdução a uma antropologia da supermodernidade. Campinas: Papirus, 1994.

104

214

Desafios da arqueologia

Os profissionais cujas carreiras estão voltadas para o entendimento das relações entre o patrimônio arqueológico e distintas comunidades, seja no âmbito do turismo, da educação, dos museus, entre outros, estudam uma parte importante da cultura material no/do presente: os sítios arqueológicos e as coleções arqueológicas, pois, embora remontem ao passado, eles estão presentes no presente. Em suma, entendo os sítios e as coleções arqueológicas como superartefatos passíveis de serem estudados sob a ótica de uma arqueologia contextual e simbólica, uma vez que são constructos humanos dotados de valores simbólicos e agem como mediadores de relações sociais de ontem e de hoje. Neste sentido, afirmo que não há “arqueólogos públicos”, não há “arqueólogos sem artefatos”, posto que não há uma arqueologia que não seja “pública”105 e nem arqueólogos que renunciem ao seu papel de contar histórias sobre o passado presente no Brasil.

Ver U.T Bezerra de Meneses, Premissas para a formulação de políticas públicas em arqueologia. Lima, T.A. (org.) Patrimônio Arqueológico: o desafio da preservação. Revista do Patrimônio. Rio de Janeiro: IPHAN, n.33, pp. 37-58, 2007.

105

215

Depoimentos

Paulo Zanettini Doutor em Arqueologia pelo Museu de Arqueologia e Etnologia da Universidade de São Paulo (MAEUSP). Trabalhou em órgãos públicos de preservação do patrimônio. Atua desde 1989 como arqueólogo autônomo, criando em 1999 a Zanettini Arqueologia, empresa agraciada em 2006 com o Prêmio Rodrigo Melo Franco do Minc/Iphan.

Arqueologia pública, de contrato e empreendedorismo Paulo Zanettini

Como você define Arqueologia? Escapando ao didatismo ou a definições clássicas como “ciência que estuda os sistemas sócio-culturais e sua transformação ao longo do tempo por intermédio da cultura material”, acreditamos que a Arqueologia enquanto ciência social e humanidade nos ofereça tal qual suas co-irmãs, ferramentas alternativas de investigação, reflexão e construção de discursos a respeito de nós mesmos e do mundo que desejamos ver edificado. Num continente de iletrados a Arqueologia nos coloca diante da possibilidade de trazer à baila atores sociais das mais diversas 216

Desafios da arqueologia

épocas que, devido a motivos mais ou menos óbvios, não puderam de algum modo deixar registradas suas experiências de vida e visão de mundo. Acho a Arqueologia apaixonante! Própria e madura, apta a dar sua contribuição ao mundo globalizado.

Qual sua área de investigação? Enquanto empresário temos nosso olhar e ação condicionadas ao atendimento de demandas específicas colocadas pela Arqueologia de mercado, seja desenvolvendo planos de manejo para unidades de conservação, avaliações de caráter preventivo ou programas devotados ao resgate e valorização dos recursos arqueológicos de uma determinada região ou comunidade. Nesse sentido somos convocados a atuar tanto em cidades, como em áreas rurais ou periurbanas, desde a caatinga, até o cerrado ou qualquer outro bioma. Sob a ótica da responsabilidade social, temos que calibrar permanentemente nossas atividades dentro de uma perspectiva eminentemente ética visto que lidamos com o patrimônio da nação. Obviamente, temos que nos haver cotidianamente com conflitos e contradições colocadas pelo mundo capitalista no qual estamos imersos. E diria aos iniciantes: isto não é nada fácil...

Para você, a Arqueologia possui alguma importância social? Qual? Move-nos (arqueólogos) a crença e perspectiva teórica de que o resultado do nosso trabalho é de capital importância para a construção de identidades locais e regionais e igualmente útil para a preservação da (s) memória (s) nacional (ais). Traduzindo em miúdos, fico bastante feliz quando vejo, por exemplo, o espaço em jornais ou TVs eivados de escândalos e tragédias, tomados por colegas e suas descobertas. Em nosso cotidiano de empresa desenvolvemos projetos voluntários em interação com órgãos de gestão do patrimônio envolvendo 217

Depoimentos

desde a manipulação de dados até a interação com comunidades como ocorre em Vila Bela no alto-médio vale do Guaporé matogrossense, ou no campus da UNESP na cidade paulista de Botucatu.

É importante a divulgação dos trabalhos arqueológicos? Por quê? Não vejo sentido algum em uma arqueologia que permaneça restrita e circunscrita aos muros da academia. Fui impelido em minha vida profissional a atuar na divulgação de meu trabalho, seja como educador, redator e editor de grandes veículos de comunicação. Essa é uma questão de capital importância para a arqueologia na atualidade, uma questão de sobrevivência para a disciplina.

Como as pessoas podem ter acesso às pesquisas arqueológicas? De inúmeras formas desde a mera visita a escavações e exposições, sites, publicações didáticas, games ou qualquer ramo da indústria do lazer e entretenimento. Não há limite de suporte para se pensar a divulgação. Existe sim a necessidade de adequarmos o ferramental ao público que pretendemos atingir seja o estudante ou cidadão comum em férias com a família. Posso citar um exemplo do qual me orgulho: criamos há alguns anos o Arqueobus, híbrido de laboratório, biblioteca e museu itinerante que era instalado em praças de cidades de médio e pequeno porte. Chegamos a atender num único dia mais de 3 mil pessoas diretamente. Com o aporte de mídia atingimos com esta ação dezenas de milhares de pessoas, aprendendo com o público a adaptar ou criar discursos de acordo com interesse manifestado por onde passávamos. Assim posso dizer que a Arqueologia interessa a muitas pessoas. Basta-nos propiciar-lhes o acesso. 218

Desafios da arqueologia

Outro exemplo é o website Arqueologia Brasileira que construí juntamente com a Profa. Erika González e apoio tecnológico do Instituto Cultural Itaú. O site foi colocado no ar em 1992 e apesar de não ter sofrido atualizações, recebe centenas de consultas diariamente seja do Brasil ou exterior.

Nos trabalhos arqueológicos desenvolvidos por você, há um envolvimento da comunidade? Como? Por quê? Sim. Tanto pela convicção como pela força da legislação. As normas brasileiras são bastante claras a respeito e devemos cumpri-las devolvendo à comunidade o resultado de nosso trabalho seja por meio de ações de divulgação, seja por meio de práticas educativas. No que tange à desejada multivocalidade, estamos ainda engatinhando.

Como você avalia a relação entre a Arqueologia e o Público em seu país? É possível afirmar que a Arqueologia Pública está consolidada? Estamos muito longe dessa realidade. Via de regra, os arqueólogos estão pouco preocupados com essa questão e presos às amarras e armadilhas do meio acadêmico e científico. Ressalte-se: este não é um problema apenas da arqueologia. Porém, a situação parece estar se modificando pela própria pressão que a sociedade tem exercido sobre a comunidade científica. O tema chave do próximo encontro da sociedade de arqueologia brasileira, creio, seja um bom indicador dessa transformação no campo das mentalidades. Devemos estabelecer uma visão de futuro a respeito desse paradigma. Parafraseando um importante processualista: “ou a arqueologia é pública ou não é nada”. 219

Depoimentos

Em seu país, o que poderia ser melhorado na Arqueologia Pública? Inicialmente, deveria ser dada uma maior atenção e ênfase a essa problemática nos cursos acadêmicos regulares e de pósgraduação. Não vemos, por exemplo, matérias dedicadas à temática nos inúmeros cursos recentemente criados Brasil afora. Por outro lado, há que se promover uma ampla atualização e capacitação dos profissionais (novos e antigos) no que concerne à teoria social num amplo sentido. Estamos imersos na prática.

220

Desafios da arqueologia

Leilane Patricia de Lima Graduei-me em História, pela Universidade Estadual de Londrina, no ano de 2003. Nesta Universidade fiz estágio no Centro de Pesquisa e Documentação Histórica e fui integrante de projetos como “Mapas Históricos do Paraná para a Educação Básica” e “Contação de História do Norte do Paraná: memória e ensinoaprendizagem em História”. O desenvolvimento destes dois projetos, a partir de 2004, culminou na publicação de dois livros, onde tive oportunidade de contribuir com artigos. No que diz respeito à Arqueologia, meu primeiro contato ocorreu no ano de 2003, quando participei do evento promovido pela Sociedade de Arqueologia Brasileira, em São Paulo. Neste evento pude conhecer alguns pesquisadores e também presenciar as discussões na área. Dois contatos importantes que não posso deixar de mencionar foram com o professor Pedro Paulo Abreu Funari (UNICAMP/SP) e com a professora Nanci Vieira de Oliveira (UERJ/RJ). No encontro com estes professores recebi a oportunidade de participar do Projeto “Área Arqueológica de Piraquara” (desenvolvido em parceria entre a Eletronuclear e a UERJ, onde a professora Nanci é arqueóloga e coordenadora e o professor Funari é colaborador). Simultaneamente às participações nos projetos desenvolvidos no Paraná e no Rio de Janeiro, ainda no ano de 2004, passei a ser aluna especial do Museu de Arqueologia e Etnologia da USP. No ano seguinte, sob orientação do professor Pedro Paulo Funari e em parceria com a docente Nanci Vieira de Oliveira, ingressei no mestrado nesta instituição, com o projeto de pesquisa em Arqueologia 221

Depoimentos

Histórica, “Contribuição para a Arqueologia Histórica em Angra dos Reis: as fortificações em Ponta Leste – um estudo de caso”. A pesquisa de mestrado desenvolvida na região de Angra dos Reis teve como finalidade contribuir para a compreensão das estratégias de defesa implantadas durante o período colonial no litoral sul-fluminense, a fim de protegê-lo da ameaça de invasão estrangeira e do contrabando de ouro e de escravos, através da construção de fortificações e locais de observação em vários pontos desse litoral. Esta pesquisa foi concluída em fevereiro de 2009. Atualmente trabalho em uma empresa de Patrimônio Cultural e Arqueologia, a Documento, sob coordenação da Dra. Erika Marion Robrahn-González. A área de que participo é responsável pelo tratamento à comunidade nos projetos científicos, elabora e desenvolve atividades de Educação Patrimonial e cria ferramentas que contribuem na aproximação da Sociedade com a pesquisa arqueológica. Ainda neste ano de 2009, ingressei no doutorado no Museu de Arqueologia e Etnologia da USP com um projeto de pesquisa que será desenvolvido na área de Arqueologia e Educação: “A Educação Patrimonial na Arqueologia Pública: modelos de ações e ferramentas educativas para o envolvimento entre Sociedade, Patrimônio Cultural e Arqueologia”. Para finalizar esta breve trajetória acadêmica, cito abaixo algumas publicações com que tive a oportunidade de contribuir. Robrahn-González, E. M. e Lima, L. P. Cartilha Patrimonial. Programa de Pesquisa e Resgate do Patrimônio Arqueológico, Histórico e Cultural do Terminal Portuário EMBRAPORT. Santos, 2009, 44 p. Lima, L. P. e Zarpelão, S. H. M. O café em Londrina e no Paraná: abordagens para a exploração do tema em sala de aula. In: Temas e questões para o ensino de História do Paraná. Organização Regina Célia Alegro et al. Londrina, EDUEL, 2008, p. 197-238. Molina, A. H.; Lima, L. P. Silva, L. H. O. ; Cunha, M. F.; Fernandes, P. M.; Alegro, R. C.; Rocha, R. G.; Barcellos, S. G. (Projeto Contação de Histórias do Norte do Paraná: memória e ensino 222

Desafios da arqueologia

de História). Coleta e Tratamento de Entrevistas: manual para a educação básica. In: Catadores de Algodão: tantas vidas... tantas histórias. Regina Célia Alegro (orientadora); Janete de Oliveira Santos; Edná de Souza Gaspar (coordenadoras). Londrina: UEL, 2007, p. 13-22. Lima, L. P.; Francisco, G. S. O que é isso? Para que serve? Quem são vocês? O que fazem? Uma experiência de Arqueologia Pública em Paranã - TO. In: Revista de Arqueologia Pública, São Paulo, n.º 1, 2006, p. 49-62. Lima, L. P. Recentes debates na Arqueologia Histórica. In: Estudos de Arqueologia Histórica. Organização Pedro Paulo Funari e Everson P. Fogolari.- Erechim, RS: 2005, p. 35-44.

Relatos de uma experiência em Arqueologia Pública Leilane P. Lima106

A Arqueologia é uma ciência que busca entender o passado e o presente por meio da análise da cultural material e, justamente por esse motivo, tem responsabilidade ética com a sociedade. Podemos falar que hoje a Arqueologia tem conquistado cada vez mais novos espaços, ampliando sua atuação e gerando novas formas de trabalho, em especial ligadas ao desenvolvimento de ações educacionais com a sociedade. Um exemplo disso é o meu trabalho, desenvolvido na área de Arqueologia Pública, principalmente a partir de atividades de educação patrimonial e envolvimento da comunidade. É importante dizer que as mais recentes referências de preservação, que ampliam o conceito e abrangência do termo patrimônio, ao agregar novos valores a serem preservados, também contribuem para a ampliação do horizonte onde atua a Arqueologia. Isso signi106

Mestre em Arqueologia (MAE/USP)

223

Depoimentos

fica que, de forma mais acentuada, não dá para pensar em Arqueologia sem nos referirmos à questão patrimonial e à importância da preservação. Dessa forma, a Arqueologia possui importância social, principalmente no que diz respeito à preocupação em envolver a comunidade em todas as etapas das pesquisas, pois não adianta o desenvolvimento de estudos extremamente amplos e aprofundados se a comunidade a que pertence este passado ou que, pelo menos, está indiretamente relacionada a ele, desconhecer os resultados. Isso mais uma vez reforça que o arqueólogo tem um papel social a exercer, não apenas com o passado, mas também com ações que envolvem a compreensão do presente. Esse papel contribui na medida em que há o fortalecimento de vínculos existentes entre a comunidade e as gerações passadas, ampliando o interesse pelo patrimônio e criando sustentação necessária às atividades de preservação. Neste longo caminho o arqueólogo, trabalhando com a comunidade, tem o papel de estimular o sentido de pertencimento às diversas histórias, aos variados passados, aos diferentes bens culturais, de forma a orientar as pessoas como gestoras de seu próprio futuro, visando não somente o envolvimento das comunidades, mas também seu engajamento na busca pela preservação e conservação de seu patrimônio. Dentro desta perspectiva, a divulgação da pesquisa arqueológica é tarefa fundamental. Neste momento o arqueólogo pode levar aos diferentes grupos envolvidos como ocorre o seu trabalho, quais são seus objetivos, quais foram os resultados etc.; porque muitas pessoas ainda vêem a Arqueologia como uma “aventura” e não dão valor científico à pesquisa arqueológica. Outro motivo, conforme já dito, é o envolvimento da comunidade, na busca de reforçar laços com o passado, de demonstrar semelhanças, rupturas e formas de vida, de aproximar a Arqueologia da sociedade. Nesse sentido, há várias maneiras de divulgar a pesquisa arqueológica para as comunidades envolvidas. Podem ser realizadas atividades através de encontros presenciais, a partir de palestras, exposições itinerantes, oficinas, capacitações com as comunidades 224

Desafios da arqueologia

entre outros. No entanto, a ferramenta que oferece velocidade e possibilidade de ampliação de público é a internet. Essa plataforma virtual tem vários canais de comunicação que podem ser aproveitados de diferentes maneiras, como por exemplo, na criação de blogs, sites, hotsites, grupos de pesquisas virtuais etc. Outra forma é mesclar as ações presenciais e virtuais, como no caso da Semana de Arqueologia, Santos, 2008. Este evento, que teve a participação de 1303 alunos, foi desenvolvido para contribuir no reconhecimento, na valorização e na preservação do patrimônio cultural da Baixada Santista. Para tal objetivo, a comunidade escolar, durante uma semana, conviveu em um ambiente que promoveu a reflexão e o debate sobre o conjunto de patrimônios da região, englobando os bens arqueológicos, históricos, culturais, paisagísticos e imateriais. Todos participaram de aulas com variados temas e também de atividades práticas, com a ajuda de uma equipe multidisciplinar de monitores, composta por 15 pessoas. Essas atividades foram: simulação de escavação, oficinas de cerâmica, adivinha, produção de painéis e desenhos em homenagem a uma comunidade de pescadores caiçaras da região etc. Para a Semana de Arqueologia foi criado um blog, atualizado todos os dias, cujo endereço é www.semanadearqueologia.blogspot.com, com o objetivo de integrar os participantes e apresentar o trabalho desenvolvido. A comunidade escolar era convidada a postar suas opiniões, recados, sugestões, nos computadores online colocados nas escolas. Estes computadores demonstraram aos alunos mapas da Baixada Santista, imagens das pesquisas, vídeos, entrevistas com outras comunidades etc. De um modo geral, a Semana de Arqueologia buscou essencialmente o envolvimento da comunidade, no intuito de valorar o patrimônio regional e nacional. Todas as ações desenvolvidas partiram sempre da postura de que a Arqueologia não é feita para a comunidade, mas com a comunidade. A resposta foi muito positiva, com participação ampla dos professores e alunos, que chegaram, até mesmo, a indicar possíveis sambaquis nas regiões próximas às escolas e também perceberam, acima de tudo, o quanto é necessário 225

Depoimentos

preservar o patrimônio que os cerca, inclusive as tradições do local onde eles moram. Todas as ações públicas em Arqueologia, especialmente aquelas ligadas à Educação, contribuem para que, cada vez mais, a Arqueologia Pública se consolide no Brasil. Ainda há muito que fazer, mas atitudes importantes já foram tomadas. A sociedade em geral aceita muito bem a Arqueologia, especialmente porque ela é desmistificada e apresentada como uma ciência que busca entender o passado e o presente e, principalmente, que se preocupa em integrar em todas as etapas o público brasileiro. Para finalizar, a Arqueologia Pública deveria ser mais discutida e também divulgada no meio acadêmico, especialmente no que se refere às diretrizes e aos procedimentos, ao papel do arqueólogo na sociedade, às melhores ferramentas de trabalho com as comunidades etc. Muitos cientistas ainda não entendem essa área da Arqueologia como importante, por esse motivo as discussões deveriam ser ampliadas, para mostrar tanto para a sociedade quanto para a academia que a Arqueologia é uma ciência que tem um papel fundamental na sociedade.

226

Desafios da arqueologia

Catherine Westfall

107

Catherine Westfall, mestre em História e Gestão do Patrimônio Cultural, atua, desde 2004, no Chile, em projetos relativos à Arqueologia e ao Meio Ambiente. Fundadora da empresa TaguaTagua Consultores, Westfall se dedica a trabalhos realizados no seio dos diálogos entre empresas públicas, privadas e organizações sociais.

Arqueología de Contrato en Chile Catherine Westfall108

¿Cuál es tu definición de arqueología? Considero que la Arqueología es (y debe ser siempre) una Práctica Social tal como lo han formulado – con matices – variados autores (Lumbreras 2007, Funari 2003). Consecuentemente, pienso que la Arqueología chilena refleja las desigualdades inherentes a esta sociedad en términos de acceso a su práctica – especialmente en el ámbito de las instituciones públicas – y de la participación ciudadana en temas concernientes al acceso a y la apropiación del “patrimonio cultural” (sensu definición ICAHM-ICOMOS 1990 y Endere 2000:43). 107

Texto produzido pelos organizadores do livro.

Arqueóloga / Master en Historia y Gestión del Patrimonio Cultural. TaguaTagua Consultores, Santiago de CHILE.

108

227

Depoimentos

En términos estrictamente personales, la Arqueología constituye para mí un medio de subsistencia ya que – y a diferencia de otros colegas – me ha permitido satisfacer necesidades básicas mías y de mi familia, al mismo tiempo que he podido mantenerme vinculado a la disciplina arqueológica, sin tener que laborar en ámbitos totalmente ajenos a mi formación académica original.

¿Cuál es tu campo de investigación? Mi campo de investigación se ha concentrado – más bien por factores externos que anhelos propios – en el ámbito de la “arqueología de contrato” que en Chile se relaciona con el Sistema de Evaluación de Impacto Ambiental (SEIA; Ley 19.300 de Bases Generales del Medio Ambiente). Es necesario reconocer que la puesta en vigencia de la legislación ambiental en Chile a partir de 1994 y especialmente luego de la promulgación del Reglamento de dicha ley en 1997 fortaleció una legislación patrimonial, que aunque preexistente, escasamente cumplía los objetivos de protección y conservación del patrimonio cultural (Ley 17.288 de Monumentos Nacionales). Esta nueva legislación también permitió ampliar el campo laboral de los arqueólogos en Chile al mismo tiempo que los insertaba directamente en problemáticas acuciantes de la sociedad. Después de haber trabajado durante años como asesora privada en arqueología y patrimonio cultural, formé, en el año 2004, una empresa especializada en dichos temas –TaguaTagua Consultores – la cual se vincula actualmente a través de proyectos de inversión pública con empresas públicas y privadas y con los organismos públicos que tratan temas medioambientales (eg. Ministerio de Obras Públicas) o del patrimonio cultural (eg. Consejo de Monumentos Nacionales). Mi trabajo abarca Arqueología Histórica y Prehispánica a lo largo de todo el país.

¿Consideras socialmente relevante la arqueología? En caso que sí, ¿cuál es su relevancia? Evidentemente que sí. Su relevancia está dada en mi opinión, porque consciente y/o inconscientemente actúa en los procesos so228

Desafios da arqueologia

ciales vinculados a la construcción de la identidad social, la memoria cultural, el ordenamiento y conservación del patrimonio cultural y la producción de la información científica.

¿Consideras importante publicitar los resultados de la investigación arqueológica? ¿Por qué? Considero que la divulgación de los resultados de cualquier proyecto de investigación arqueológica debe ser prioritaria y bifocal; es decir, no solo orientado a la comunidad arqueológica sino también hacia el público general. Este proceso de difusión permite socializar la información científica entre colegas (eg. congresos, revistas científicas, etc.) y – al ocupar medios alternativos (eg. diarios, radio, internet, etc.) – también fomenta el conocimiento y apropiación del patrimonio arqueológico por parte de las comunidades locales, lo que suele traer repercusiones beneficiosas en términos sociales, culturales y a veces, económicos (eg. turismo). Sin embargo, este panorama “teóricamente correcto”, muchas veces choca con la realidad práctica de la disciplina. Como ejemplo podemos señalar que aunque es cada vez mayor el recurso digital (internet) para acceder al conocimiento general, los arqueólogos parecen estar cautivos del papel, pues a la mayoría que no trabaja en Arqueología de Contrato prefiere escribir en revistas especializadas – ojalá indexadas – para así aumentar su puntaje y ganar el próximo proyecto al cual postulen. Sin embargo, hay que reconocer también que por razones del mercado – es decir razones del presente – hay cada vez menos revistas con orientación científica general en circulación en lengua castellana y publicar en las que circulan todavía es casi como ganar un proyecto. Siendo esto así, que es un aspecto que afecta a la generalidad de los arqueólogos, es comprensible que se descuide la divulgación científica de conocimiento generado en la práctica profesional. Los especialistas refieren participar en las ligas mayores, y claramente la divulgación es estar en las ligas menores. Es decir, finalmente hay – por lo general – o un desprecio o una desidia, hacia lo que es público y general. 229

Depoimentos

¿Cómo consideras que las personas deben acceder a la investigación arqueológica? Creo de modo general que esto debería ocurrir – aunque estimo que existen muchos matices al respecto a nivel nacional – en consideración del tipo de proyecto arqueológico a desarrollar, las características de las propias comunidades donde éstos se insertan y los valores y creencias de los investigadores involucrados. En el norte y sur de Chile ha habido investigación arqueológica prehispánica ligada a estudios etnográficos debido a la preservación de saberes y creencias tradicionales de parte de las comunidades locales (eg. etnobotánica, arte rupestre, etc.), siendo lo anterior, no obstante, un fenómeno relativamente reciente (1990 en adelante). En el extremo sur (Patagonia), producto de la escasa densidad poblacional en las áreas de investigación arqueológica, el acceso ha sido más bien a través de medios de difusión como los museos, libros y páginas web.

¿Tú incluyes la participación del público en tu propia investigación arqueológica? Favor explayarse al respecto. En mi caso, las particularidades y envergadura de los proyectos de investigación en el marco del SEIA influyen en la participación que pueda producirse con el público. Es así como a veces la comunidad local se involucra inicialmente como informantes claves lo que permite contar con la entrega de datos acerca de la existencia de sitios o lugares considerados importantes o sagrados de parte de ellos, y que en muchísimos casos poseen un correlato arqueológico. En otros momentos, miembros de la comunidad se incorporan como obreros durante la etapa de las excavaciones arqueológicas, lo que en muchos casos permite despertarles una conciencia respecto del patrimonio arqueológico que antes desconocían. Este proceso de valoración y apropiación del patrimonio (“educación patrimonial”) influye necesariamente en ese proceso continuo de construcción/ deconstrucción de identidades sociales y de la memoria colectiva. Asimismo, hay que considerar que la propia Ley 19.300 considera una etapa de Participación Ciudadana, que si bien debe ser mejorado, ha permitido en muchos casos pesquisar tempranamente una 230

Desafios da arqueologia

preocupación de las comunidades locales por el patrimonio cultural y específicamente por el patrimonio arqueológico. Lo anterior demuestra que dichas comunidades ya conocen y valorizan su patrimonio y que lo consideran un bien público que debe ser protegido por y para las actuales y futuras generaciones. Finalmente, en menos proyectos que los deseados, hemos realizado exhibiciones museológicas, videos, charlas; así como escribir artículos para el público general y los niños que se orientan a complementar la difusión de los resultados de las investigaciones y de fomentar la educación patrimonial e identidad social entre las poblaciones locales.

¿Cómo definirías la relación entre investigación arqueológica y el público en tu país? ¿Constituye la Arqueología Pública una práctica común en tu país? Creo que debemos diferenciar, en estas preguntas, entre una arqueología “tradicional” o “académica” – entendida como la investigación efectuada al alero de universidades o museos con financiamiento principalmente estatal – de la realizada en el marco del SEIA donde los proyectos por lo general cuentan con un mayor presupuesto privado pero un menor tiempo de realización. Son, para decirlo de alguna manera, el sosiego de la reflexión versus la urgencia de la acción ya que los tiempos y orientaciones varían entre uno y otro tipo de arqueología. Sin embargo, el hecho que la Arqueología de Contrato sea una “arqueología del presente”, al interactuar con el presente y futuro de las comunidades locales en el marco de proyectos concretos, le otorga una mayor visibilidad y, en muchos casos, una mayor valoración. Temas como la Arqueología Histórica habían sido escasamente abordados en la arqueología “tradicional”, no siendo considerados propiamente “arqueológicos” o dignos de estudio sino hasta la promulgación de la ley de medioambiente en 1994 que conllevó a cuestionamientos teóricometodológicos entre la comunidad arqueológica acerca que debía definirse como “arqueológico” y por ende, qué debía quedar sujeto a protección legal. Estos rezagos como es el caso de la Arqueología Histórica quedan claramente ejemplificados al considerar que aún hoy la Universidad de Chile no la ha incorporado como parte de su malla curricular de formación de pregrado de los alumnos. 231

Depoimentos

Por otra parte, la arqueología de contrato en Chile ha significado el desarrollo de innovaciones metodológicas debido a la necesidad de contar con respuestas concretas y rápidas a demandas sociales y para tornar más eficiente y accesible el registro y documentación de los sitios arqueológicos. Algunos casos concretos de esto son: análisis arqueométricos (eg. ADN nuclear) e implementación de SIG en asociación a la aerofotogrametría de baja altura, siendo esta última metodología introducida en Chile por mi empresa para lograr imágenes georeferenciadas precisas con escalas menores (eg. 1:50 a 1:500) de sitios patrimoniales o arqueológicos con arquitectura. Aún así, podemos decir que a pesar de todo lo avanzado durante los últimos años, sigue habiendo una deuda entre la arqueología y el público general. En Chile, el desarrollo de la investigación arqueológica en universidades, museos y centros de investigación siempre ha tenido un soporte financiero estatal. Es decir, el estado desvía recursos del erario público, generalmente siempre necesarios en áreas carenciadas para el resto de la población como salud y educación por ejemplo, para incentivar y sustentar la investigación “pura” que desarrollan los arqueólogos. Sin embargo, creemos que es poco el retorno que desde la arqueología llega a ese público que finalmente la financia. Así, la arqueología sigue siendo una desconocida para el gran público y los arqueólogos son en gran parte responsables que ello ocurra, pues al formar parte de una elite intelectual les cuesta bajar del olimpo o salir de su propia vitrina para transformar el conocimiento científico que producen en conocimiento social que se transmite y circula entre el público general. Por el contrario, el producto de los arqueólogos – su propio conocimiento – queda circulando en el propio ghetto, y ahí, se perfecciona: se imponen teorías, métodos y técnicas. Sin embargo, en algo tan básico como los textos escolares – de amplio uso en las escuelas del país – prima la visión que los historiadores han desarrollado sobre los pueblos precolombinos y la visión y aportes de los arqueólogos está, por lo general, ausente. Por cierto, la población aprende y reproduce esa visión y luego la retransmite sucesivamente. De este modo, en este país, hay un desconocimiento casi absoluto – a nivel nacional – de los aportes que las culturas andinas, mesoamericanas y del 232

Desafios da arqueologia

centro sur de Chile – por solo nombrar algunas – han entregado a las poblaciones actuales en términos de temas tales como botánica, zoología, astronomía, medicina, ecología, etc. Por cierto, la relación arqueología/público (o “Arqueología Pública”; sensu Vieira y Funari 2009) debe ser un desafío permanente para nuestros especialistas. En la medida que no nos sintamos unos elegidos y podamos interactuar con el público que nos sustenta podemos fortalecer nuestra disciplina e incluso de ese acto pueden surgir nuevas opciones que enriquezcan la práctica profesional.

233

Depoimentos

Charles E. Orser Jr.

109

Charles Orser Jr. é curador da área de Arqueologia Histórica do New York State Museum (USA) e Distinguished Professor of Anthropology (Illinois State University, USA). Com suas publicações, tornou-se uma referência no Brasil e no Mundo para os estudos realizados no campo da Arqueologia Histórica.

A Personal Statement about Twenty-first Century Modern-World Archaeology Charles E. Orser, Jr.

For me, archaeology, or at least the historical archaeology that I practice, has always been about using the diverse remains from the past to document the daily lives of men and women typically excluded or erased from written history. Since I investigate the past 500 years, using what I term “modern-world archaeology,” my studies necessarily involve examinations of capitalism, Eurocentrism, modernity, and colonialism. The overall goal of my research, as an example of critical archaeology, thus entails critiques of these four processes. Each one haunts today’s world as much as it haunted 109

Texto produzido pelos organizadores do livro.

234

Desafios da arqueologia

the past five centuries. The ghost-like qualities of each make it possible for some archaeologists to think, for example, that their research has nothing to do with capitalism because they are not openly interested in the subject. But that is precisely the point: the capitalist project – which is as much cultural as economic – appears to mask the role of capitalism in the production of knowledge. The practices, methods, and substantive foundation of archaeology are necessarily capitalist. The ready acceptance of archaeologists to enter the commercial world through corporate-funded cultural resource management aptly demonstrates the affinity between archaeology and capitalist practice. Every haunt has the ability to disguise archaeological research as an endeavor dedicated only to the past. But we must be wary of this understanding and ask difficult questions. For example, why did it take American historical archaeologists so long to recognize the need to examine African enslavement? Did tacit acceptance of Eurocentrism and perhaps even colonialist attitudes make it more acceptable to investigate the wealthy and the famous, the enslavers rather than the enslaved? Why have historical archaeologists ignored race until recently? Why does racial inequality in history make us nervous? Archaeological research should contribute to knowledge that will help to bring about greater understanding of all the world’s peoples, including – and perhaps especially – the politically ignored, powerless, and debased. Modern-world archaeology is well suited to accept the huge challenge of contributing to this formidable, long-term project. My field of analysis has consistently focused on history’s lower classes. My earliest research concerned Native Americans living in the northern Plains of North America and the ways in which the fur trade affected and altered their societies. The Arikara whose sites I studied were the first Native Americans west of the Mississippi River to be attacked and dispersed by the United States Army. The destruction of their villages along the Missouri River in today’s South Dakota continued a pattern that had been begun with the first European invasions far to the east. The second phase of my career involved the study of African American life in the southern United 235

Depoimentos

States at ante- and postbellum plantations. My research in South Carolina focused on the ways in which African American life was transformed during the transition from enslavement to freedom. In Louisiana, my concern was with enslavement on sugar plantations, and in Brazil, my interest was in self-proclaimed freedom at the quilombo of Palmares. In my most recent research I have concentrated on the analysis of tenant farmer life in rural Ireland. My goal is to illuminate the nature of daily life in the countryside as it was lived immediately before the Great Hunger of the late 1840s (often termed the “Great Irish Famine”). The people who experienced starvation and cultural disruption were the thousands of families who were evicted and dispersed throughout the world to become the citizens of many nations. All of my archaeological research, though different in diverse ways, has concerned social relations in times of change and upheaval. My concern has always been to use archaeology to understand the material changes experienced by non-elites living on the lowest rungs of society. These people were impacted by the merchandise, attitudes, and actions of the powerful even if they never actually encountered the elites face-to-face. Fur traders in the employ of urban entrepreneurs, the paid employees of well-fed plantation owners, and the estate agents of wealthy landlords all carried forth the cause of modernity and its cultural consequences. Some people accepted the relations proposed, while others rejected them. At the same time, my research has always aimed at linking daily life at individual sites and communities with the large processes that operate on a global (extra-regional) scale. This research includes seeking to understand how the haunts of modernity continue to affect archaeological practice. For example, my specific reference to Eurocentrism in 1996 – which has been widely misinterpreted – was intended to illustrate the power of the belief in racial superiority and the affect that this belief, as pursued by the agents of powerful nations, has had on local communities. Eurocentrism was unquestionably a historical force that shaped social relations. Modern-world archaeologists accept this proposition as fact. As modern-world archaeologists, however, we must think deeper and ask at least one additional question: how significant is Eurocentrism 236

Desafios da arqueologia

in the history and practice of contemporary archaeology? Does studying European cultures necessarily mean that an archaeologist is Eurocentric? Can archaeologists write alternate histories of Europe that are as meaningful as those written about the cultures of developing nations? I believe that the answers to these questions is no and yes, respectively. An archaeologist can be completely non-Eurocentric and study Europe and provide profoundly important alternative views on mainstream history. Still, both questions present modern-world archaeologists with significant challenges, and so must be carefully confronted. The topics I investigate are relevant to today’s world because of the immediacy of the historic past. The relevance of using archaeology to investigate the large-scale processes that interest me derives from the reality that they were consciously conceived and systematically put into practice within the past 500 years. And, because these processes still operate today, they are controversial and sometimes difficult to communicate to non-archaeologists. The world we live in today – with both its promises and its perils – has been forged in our immediate ancestors’ times. As a result, modernworld archaeology is one of the most important archaeologies that can be practiced. The very nature of historical archaeology defined as modernworld archaeology means that the produced knowledge should be disseminated as widely as practicable. Historical archaeologists can often conduct research at an individualized scale, so it is possible to present highly personalized pictures of the past that have considerable public appeal. Because modern-world archaeologists investigate recent history, descendants of the inhabitants of a site under study may be alive and living nearby. In other cases, the descendants may live far from the homesites of their ancestors. In either case, descendant communities are especially important to modern-world archaeology. An inherent danger in presenting pictures of the recent past, however, is that the images evoked will be skewed to represent our own times. Perhaps our images of the past will suit us more than they suit historical actuality. Most historical archaeologists, being aware of this potential pitfall, diligently work to avoid it. Nonetheless, the 237

Depoimentos

urge to romanticize the past and its people remains an urge to be directly confronted by archaeologists, particularly when addressing a public that believes its members to be stakeholders in the research. Many archaeologists believe that they must guard against revealing too much about specific site locations because of the danger of looting. It remains true in the twenty-first century that site destruction presents real threats to archaeological remains. Individual archaeological sites will never be replicated and once they are destroyed they are gone forever. Ultimately, though, the question of site destruction and its true significance incorporates the philosophical question of who owns the past. Thinking ethically and in tune with the moment of our own time, we must ask: Is it more important for posterity to excavate sites and put the remains on display in a museum, or it is more humane to allow powerless and economically needy people to excavate the remains and to sell them to feed their families? The scientist within the archaeologist, of course, opts for the first choice, but what about the humanist in the archaeologist? Do we decry the loss of archaeological knowledge or the starvation of families? Can archaeologists invent a middle ground that makes knowledge and need coequal? Why do archaeologists see themselves as the guardians of the past? Does not the past belong to everyone? Questions such as these have no quick and easy answers – nor should they – but they exist in the foreground of archaeological research and must be confronted. Happily, many archaeologists are in the process of doing just this. My effort to involve the public in my research has been enlightening, especially in the Republic of Ireland. Most of my research there focuses on homesites abandoned by families who were forcibly evicted by upper-class landlords seeking to convert their estates from tenant farming to animal grazing. Some landlords appear to have acted in good faith by sending their tenants out of Ireland to save them from disease and eventual death; others were far less humane. The landowners’ motivations and the outcomes of their mass evictions were controversial in the nineteenth century, and they remain so today. How one thinks about the evictions of the nineteenth century is a direct reflection of present-day politics. As a practical matter, the 238

Desafios da arqueologia

harsh realities of eviction and transnational migration have meant that the stakeholders in the research reside today both in Ireland and far beyond it. Seen from within Ireland, the excavated homesites constitute part of the nation’s patrimony and thus fall within the purview of the state’s preservation laws. The sites are the cultural property of the Irish people. But seen from outside Ireland, and especially by the descendants of the dispersed nineteenth-century evictees, the sites constitute elements of their collective, cultural memory. To them, the homesites tangibly represent family, and indeed, ethnic history. My research in County Roscommon focused on housesites evicted in 1847-48 and involved a descendant community in the United States. These descendants actually united to create an association dedicated to remembering their common origin in Ireland. My research in County Donegal, at houses evicted in 1861, involves descendants in Australia, the nation that received the evictees as a group. One outcome of this research has been the realization that people who believe they have a stake in a specific archaeological property or cultural expression may not necessarily live near the site or even within the same nation as the site. This understanding means that we must expand our vision of cultural patrimony. In some cases it must be transnational in scope. When dealing with modern-era diasporas, individual nation-states cannot be viewed as the only stewards of some cultural properties. One problem with the concept of cultural memory – of the ancestors of dispersed evictees or any descendants wishing to remember their cultural past – is the danger that much of the created memory may involve romantic and thus biased images of the past. The created images may be more appealing than the historical reality, and as such, some stakeholders may not wish to accept an archaeologist’s interpretation if it differs from the accepted memory. This is a special problem in regard to Irish descendants outside Ireland because the image of the Emerald Isle is so well-developed and pervasive. Regardless of context, however, all archaeologists, and particularly modern-world archaeologists, must deal with the relationship between memory and reality. Thankfully, many contemporary archaeologists are accepting the challenge of unraveling these two strands of history. 239

Depoimentos

Numerous historical archaeologists throughout the United States are experimenting with methods for engaging the public in their research. As a result, many public outreach programs are far advanced and significant knowledge has been disseminated to non-archaeologists. Notable programs have appeared at Annapolis, Maryland, and Colonial Williamsburg, Virginia, but many less-well known efforts have been successfully completed as well. The central issue, of course, is education, and American archaeologists have had varied success in promoting archaeological knowledge as a form of education. All of the major professional organizations are dedicated to public education and have designed useful programs. One successful method involves the creation of web-based media, with the Archaeology Channel being one example of a successful effort.

240

Lihat lebih banyak...

Comentários

Copyright © 2017 DADOSPDF Inc.