Desafios da Justiça de Transição: enfrentamento de crimes sexuais

Share Embed


Descrição do Produto

Desafios da Justiça de Transição: Enfrentamento de Crimes Sexuais

MARCELO TORELLY Rede Latino-americana de Justiça de Transição Universidade de Brasília 22 de junho de 2016

Sumário da Apresentação

I. Conceito de crimes sexuais em situações de conflito; II. Conceitos de Justiça de Transição e suas aplicações; III. Medidas não-judiciais de enfrentamento; IV. Limites e possibilidades da judicialização; V. Referências.

Parte I Conceito de crimes sexuais em situações de conflito

Conceito

É aquela violência sexual que ocorre durante ou após uma situação de conflito e guarda com ele uma ligação direta ou indireta de causalidade.

UN, A/65/592-S/2010/604, § 05.

A questão de gênero

A violência sexual durante conflitos é frequentemente produto de estereótipos de gênero que são prevalentes nas sociedades durante os tempos de paz.

Méndez, UN, A/HRC/31/57, §52

A invisibilização do problema: o exemplo da tortura “Historicamente, o conceito de tortura e maus tratos evoluiu em resposta a práticas e situações que afetavam desproporcionalmente aos homens. Assim, a análise prevalentemente falha em adotar uma abordagem de gênero ou interseccional, ou em avaliar adequadamente o impacto da discriminação estrutural, do patriarcado, da heteronormatividade e de estruturas discricionárias de poder e estereótipos de gênero reproduzidos socialmente.” Méndez, UN, A/HRC/31/57, §05

As Estruturas Sociais Prévias v  As percepções de gênero e sexualidade prévias estão diretamente relacionada com a violência sexual. v  O conflito não “cria” tal forma de violência, mas sim potencializa sua prática ou desestrutura mecanismo para sua inibição.

“[…] Charly, tenho certeza de que, se estivesse solto pela rua, não seria um estuprador serial; estuprava as mulheres porque era parte do poder dentro desse lugar… não era um maluco que um dia teve a ideia de começar a estuprar mulheres, todos sabiam disso, também tinha suas preferidas no lugar, era parte de um plano…” Depoimento de vítima argentina in: Balardini et al, 2010, p.130

As principais vítimas v  Mulheres e meninas, Mas também...

v  Lésbicas, v  Gays, v  Bisexuais, v  Transgêneros. E, ainda...

v  Homens e meninos.

Uma forma ampla de violência - exemplos: v  Estupro; v  Escravização sexual, prostituição forçada; v  Estupro como arma de genocídio – Bósnia, Ruanda, Sudão (Reid-Cunningham, 2008); v  Tortura; v  Mutilação genital; v  Feminicídio; v  Crimes de homofobia; v  Submissão à condições estruturais indignas e degradantes por discriminação de gênero ou sexual.

Parte II Conceitos de Justiça de Transição e suas Implicações

O que é Justiça de Transição? v  A busca por uma justiça legal durante o fluxo político (Teitel, 2002) v  Uma justiça dos vencedores (Elster, 2004). v  Escola da “transitologia” dos anos 1980 – Uma justiça limitada (Quinalha, 2012). v  Uma justiça especial voltada para as vítimas (Bickford, 2004). v  Medidas adotadas para lidar com crimes praticados pelo regime anterior (Osmo, 2016). v  Um conjunto de medidas excepcionais para lidar com legados igualmente excepcionais (De Greiff, 2010). > Os mecanismos da Justiça de Transição podem ser aplicado nas democracias?

Caracterizando a Excepcionalidade v  A justiça de transição opera em contextos onde não apenas a legalidade mas também a moralidade pública foram afetadas pelo autoritarismo: a analogia da cebola e a “banalidade do mal”. v  Assim, primeiramente, a justiça dos tempos ordinários e sua legalidade estrita não está preparada ou é adequada para tratar da maioria de seus temas. v  Ainda, a reorganização do Estado de Direito é necessária mas não suficiente. A justiça de transição tem também o desafio de incidir na esfera sóciocultural, fomentando um senso comum democrático (Torelly, 2010).

Excepcionalidade e Limites Institucionais Porque as instituições “dos tempos ordinários” não são adequadas para resolver problemas da justiça de transição? Situação  

Abordagem  Judicial  

Abordagem  da  JT  

Atuação  

Imediata  

Distante  no  tempo  

Relação  ví8ma-­‐estado  

Adversarial  

De  Reconhecimento  

Produção  de  provas  

Obrigação  da  parte  

Obrigação  do  Estado  

Devido  Processo  Legal  

Estrito  

Especial  

Nível  de  Certeza  

In  dubio  pro-­‐Estado  

In  dubio  pro-­‐ví>ma  

Calculo  das  Reparações  

Individualizado  

Critérios  humanizados  

Natureza  do  conflito  

Individual    

Social  

Quando crimes sexuais se transformam em problemas transicionais? Conceito ampliado de Justiça de Transição (Torelly, 2015): sempre que é necessária uma mudança ampla (legal e social) para a superação de um legado autoritário mecanismos da JT são úteis. v  Quando ocorreram como política pública. Exemplos: esterilização forçada durante a ditadura de Fujimori ou a mutilação genital feminina na África Central. v  Quando ocorrem dentro de uma estrutura institucional, com ou sem anuência formal, de forma generalizada e sistemática. Exemplos: abusos sexuais de detidos durantes as ditaduras militares no Cone Sul. v  Quando ocorrem de maneira generalizada e sistemática sem que as instituições envolvidas ofereçam respostas adequadas. Exemplo: abusos sexuais em universidades americanas?

Parte III Medidas Não-Judiciais de Enfrentamento aos Crimes Sexuais

Reparações Transformadoras Conceito tradicional de reparações no Direito Internacional (De Greiff, 2010): v  Restituição: devolução do status quo ante, quando possível; v  Compensação: quantificação de danos irreparáveis; v  Reabilitação: atenção social, médica, jurídica e de saúde mental; v  Satisfação e garantias de não-repetição: reformas institucionais e projetos sociais. Reparações transformadoras (Aoláin et al, 2015): v  Justiça de transição ao inverso: as garantias de não-repetição devem alcançar medidas de promoção da igualdade e combate as violações estruturais herdadas dos tempos de paz e democracia. v  Preocupações de quarta geração da justiça de transição: enfrentamento as causas estruturais dos conflitos e das violações (Sharp, 2013).

Exemplos de Reparações Reparações tradicionais: v  Compensação financeira; v  Satisfação pública: reconhecimento e desculpas oficiais; v  Tratamento adequado de saúde física e mental; v  Acesso à justiça para queixa contra perpetradores; v  Criação de programas de escuta com ou sem fins de judicialização posterior. Reparações transformadoras: v  Introdução de reformas legislativas e políticas públicas abrangentes; v  Criação de unidades especializadas de judicialização; v  Promoção de campanhas de igualdade nas organizações públicas; v  Estímulo positivo e negativo a políticas de igualdade nas organizações privadas; v  Ações de empoderamento de grupos vulneráveis. > As reparações transformadoras devem incluir o conjunto ampliado de vítimas (não apenas da diretamente afetadas).

Parte IV Limites e Possibilidades de Judicialização

A Grande Decepção?

“Uma reparação adequada demanda dos Estados a investigação, persecução penal e punição dos perpetradores e a publicização dos resultados.”

Méndez, UN, A/HRC/31/57, §67

Dificuldades de Judicialização Compartilhadas com os crimes sexuais atuais: v  Estrutura institucional hostil; v  Medo do estigma social; v  Revitimização. “para muitas participantes da oficina, experiências negativas de participação em processos anteriores e as reiteradas falhas dos mecanismos institucionais em dar respostas as necessidades das mulheres resultaram em ciclos de revitimização” Legacy Gender Integration Group, 2015, p.12

Tipicamente justransicionais: v  Prescrição dos crimes; v  Destruição dos vestígios e provas; v  Uso do aparato estatal para encobrir as violações; v  Medidas de impunidade – anistia.

Possibilidades Jurídicas Contornando a prescrição legal: v  Violações sexuais como tortura (Mendez); v  Violações sexuais como crimes de guerra (ICTR); v  Violações sexuais como crimes contra a humanidade: via jurisdição doméstica ou via judicialização internacional (re-entry/efeito boomerang)

Contornando o problema da produção de provas e verificação de autoria: v  Inversão do ônus da prova quanto à responsabilidade estatal; v  Criação de protocolos especiais para o testemunho em casos de violações sistemáticas e massivas; v  Teoria do domínio do fato (Argentina).

Parte V

Referências

[email protected] •  Aoláin, Fionnula; O’Rourke, Catherine; Swaine, Aisling (2015). “Transforming Reparations for Conflict-Related Sexual Violence: principles and practice”. Harvard Human Rights Journal, vol. 28, pp. 97-146. •  Balardini, Lorena; Orbelin, Ana; Sobredo, Laura (2010). “Violência de gênero e crimes sexuais em centros clandestinos de detenção”. Revista Anistia Política e Justiça de Transição, n.º 06, pp.118-147. •  Bickford, Louis (2004). “Transitional Justice”. The Encyclopedia of Genocide and Crimes Agaisnt Humanity. MacMillan. •  De Greiff, Pablo (2006). “Justiça e Reparações”. Revista Anistia Política e Justiça de Transição, n.º 03, pp.42-71. •  Elster, Jon (2004). Closing the Books. CUP. •  Legacy Gender Integration Group (2015). Workshop Report: developing gender principle for dealing with the legacy of the past. •  Méndez, Juan (2016). Report of the Special Rapporteur on torture and other cruel, inhuman or degraging treatment or punishment. 5 January 2016, UN Doc. A/HRC/31/57. •  Osmo, Carla (2016). Judicialização da Justiça de Transição na América Latina. Rede Latinoamericana de Justiça de Transição. •  Quinalha, Renan (2012). Justiça de Transição – contornos do conceito. Expresão Popular. •  Sharp, Dustin (2013). “Interrogando as periferias: as preocupações da justiça de transição de quarta geração”. Revista Anistia Política e Justiça de Transição, n.º 10, pp.220-259. •  Reid-Cunningham, Allison Ruby (2008). “Rape as a Weapon of Genocide”. Genocide Studies and Prevention, vol. 3.3, pp.279-296. •  Teitel Ruti (2002). Transitional Justice. OUP. •  Torelly, Marcelo (2010). “Justiça transicional, memória social e senso comum democrático”. In: Santos, Boaventura et al (org.). Repressão e Memória Política no Contexto Ibero-Americano. Ministério da Justiça/CES Coimbra. •  _________(2015). “Justiça de Transição – origens e conceito” In: Souza Jr, José Geraldo et al (org.). O Direito Achado na Rua Vol. 07 – introdução crítica à Justiça de Transição na América Latina. UnB. •  U.N. “Report of the Secretary-General on the implementation of Security Council resolutions 1820 (2008) and 1888 (2009)”. 24 November 2010, A/65/592-S/2010/604.

Lihat lebih banyak...

Comentários

Copyright © 2017 DADOSPDF Inc.