Desafios da Superinteressante frente à cultura digital: do impresso às estratégias de permanência da marca, um estudo de caso

May 24, 2017 | Autor: Gian Cornachini | Categoria: Journalism, Digital Culture, Online Journalism, Mídias Digitais
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UNIVERSIDADE FEDERAL RURAL DO RIO DE JANEIRO INSTITUTO DE CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAIS DEPARTAMENTO DE LETRAS E COMUNICAÇÃO SOCIAL CURSO DE COMUNICAÇÃO SOCIAL - JORNALISMO

Desafios da Superinteressante frente à cultura digital: do impresso às estratégias de permanência da marca, um estudo de caso

Gian Cornachini

Seropédica Junho, 2016.

Gian Cornachini

Desafios da Superinteressante frente à cultura digital: do impresso às estratégias de permanência da marca, um estudo de caso

Monografia apresentada como requisito parcial para obtenção do título de Bacharel em Jornalismo pela UFRRJ e nota final da disciplina TS 123 – TCC II.

Profª Drª Simone Mattos Guimarães Orlando Orientadora

Seropédica Junho, 2016.

Gian Cornachini Desafios da Superinteressante frente à cultura digital: do impresso às estratégias de permanência da marca, um estudo de caso

Grau: _______

Banca examinadora:

Profª. Drª. Alessandra Pinto de Carvalho

Prof. Me. Fransciso Beltrão do Valle

Profª. Drª. Simone Mattos Guimarães Orlando (orientadora)

Seropédica Junho, 2016.

Dedico este trabalho ao meu pai, Ricardo Cornachini (in memorian), que não mediu esforços para eu chegar até aqui.

AGRADECIMENTOS

Destacar nomes não é fácil. Inúmeras (e amáveis) pessoas fazem parte do meu ciclo de conclusão, cada qual contribuindo à sua maneira, seja diretamente — com apoio nos mais variados momentos —, ou indiretamente, com um simples sorriso e inspiração. Contudo, algumas delas foram fundamentais na finalização deste trabalho, e precisam ser lembradas: A começar por minha orientadora, a professora Simone Orlando, quem me foi uma mãe nos momentos de agruras, quando meu universo desmoronou e me vi perdido, sem saber se teria condições de continuar minha graduação. Jamais esquecerei do carinho e todo o suporte dado a mim desde os primeiros períodos na UFRRJ. Olivia Vieira Cornachini, minha mãe, também merece reconhecimento por conseguir superar a distância física entre o único filho, porém jamais se distanciando emocionalmente, sempre confiando em mim. No dia da escrita final desta monografia, recebi uma mensagem sua ao reclamar do meu cansaço, e que dizia “um dia vai valer a pena o esforço que você fez”. Só por se manter ao meu lado, já valeu a pena. Um nome essencialmente importante em todo esse trajeto é Válber Laux, que esteve comigo nos últimos cinco anos valorizando e incentivando cada uma de minhas ideias, por vezes me provando ser capaz quando nem eu mesmo acreditava. A ajuda na revisão minuciosa desta monografia, perdendo uma noite inteira de sono, só poderia vir de alguém apaixonante e solidário tal como ele. Tania Neves, minha chefe, ajudou-me sempre, liberando-me dos deveres profissionais para concluir não só esse trabalho como tantos outros durante a graduação. Foi ela quem também me deu uma força com o Instituto Verificador de Comunicação (IVC), criando uma ponte para o acesso a dados essenciais para minha pesquisa. Outros nomes preciosos para agradecer: Denis Russo Burgierman, quem me concedeu uma entrevista crucial sobre a Superinteressante; e Alessandra Carvalho, professora querida, que sempre me auxiliou com artigos complementares e ideias para a monografia. E aos amigos, que tanto me importunaram com a pergunta “e a monografia?”, agradeço por acreditarem que ela seria concluída. Demorou, mas saiu. E... olhem ela aqui!

“Eu acho que as últimas décadas foram décadas em que os negócios começaram a parecer que eram mais importantes que o papel que eles cumpriam, e eu acho que boa parte dos setores sociais estão muito desconectados do sentido daquilo que eles fazem. (...) Qual é o papel essencial que a gente cumpre, que a gente sabe cumprir e que é útil para as pessoas?” Denis Russo Burgierman

CORNACHINI, Gian. Desafios da Superinteressante frente à cultura digital: do impresso às estratégias de permanência da marca, um estudo de caso. 2016. 100 f. Monografia de conclusão de curso (Comunicação Social – Jornalismo) – Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, Seropédica, 2016.

RESUMO Este trabalho monográfico se propôs a entender as estratégias da revista Superinteressante para permanecer enquanto marca diante das mudanças contemporâneas nos hábitos do consumo de mídia. Partindo da premissa de que inovações tecnológicas redefiniram as empresas jornalísticas, forçando-as a se adaptarem a uma nova realidade mercadológica, a análise buscou compreender o movimento de transição da cultura analógica para a cultura digital nesse cenário. A Superinteressante, não alheia aos desafios enfrentados pelo mercado de impressos, compôs-se como corpus de estudo desta pesquisa com a finalidade de observar suas frentes de atuação, hoje, que vão além da revista impressa, passando por selos editorias, portal na web, redes sociais e – mais recentemente – um longametragem. Esses diversos pontos de contato com o público têm revelado medidas adotadas pela marca para sobreviver à queda generalizada do setor de revistas, buscando investir em conteúdos multimídia e narrativas transmídia, de modo a tentar se projetar como uma marca que trabalha com informações de relevância para o seu público, independentemente de plataformas e suportes. Palavras-chave: Superinteressante; revistas; marca; cultura digital.

LISTA DE ILUSTRAÇÕES Figura 1: Exemplo de plataforma Flip Show da revista Veja .................................................... 22 Figura 2: Exemplo de plataforma Flip Show no site ISSUU ....................................................... 23 Figura 3: A edição zero, à esquerda, e a edição 1, à direita: ambas veiculadas ............... 36 Figura 4: Da esquerda para a direita e em ordem decrescente, as capas mais vendidas. . 41 Figura 5: Superinteressante divulga primeira edição para tablet ........................................... 42 Figura 6: Edição 346, de maio de 2015, com novo design e novos conteúdos ..................... 44 Figura 7: Captura de tela das páginas iniciais da Superinteressante na versão para computador (alto), para smartphone (esquerda) e para tablet (direita) ................................ 52 Figura 8: Seção “Newsgames” reúne produções que transitam entre o entretenimento e jornalismo: os jogos virtuais inspirados em fatos verídicos .......................................................... 53 Figura 9: Seção “Tablet” tem pouco apelo publicitário para o incentivo ao consumo da edição digital, que já não é mais tendência no mercado editorial de revistas ..................... 55 Figura 10: Menu principal apresenta destaque com as temáticas abordadas pela Superinteressante ................................................................................................................................ 56 Figura 11: Abaixo do menu, a única propaganda de um anunciante na página inicial do site. No canto superior direito, uma chamada para assinar a revista ....................................... 57 Figura 12: Propaganda interativa com animação, efeitos sonoros e narrativa informativa se assemelha à estética dos conteúdos elaborados pela revista ................................................... 58 Figura 13: Perfil da Superinteressante no Twitter: um meio para se conectar com o público que mais acessa a rede social para se informar .......................................................................... 62 Figura 14: À esquerda, o perfil da Superinteressante no Instagram; ao centro, um exemplo de publicação na rede social; e à direita, o pequeno texto respondendo à pergunta enviada pelo leitor, devidamente identificado ao fim da publicação ..................................... 63 Figura 15: Canal no YouTube permite diversificar a linguagem e complementar a mídia impressa ................................................................................................................................................ 65 Figura 16: Perfil da Superinteressante no Facebook apresenta uma prévia de seus conteúdos .............................................................................................................................................. 66 Figura 17: Exemplo de um típico post da Superinteressante no Facebook e a repercussão dos internautas, que interagem com o conteúdo e entre si ......................................................... 67 Figura 18: Teasers sobre a cultura do estupro tivera grande repercussão na rede social. .. 68 Figura 19: À esquerda, seção “Nossa rede social” da revista; à direta, exemplos de relatos da internet publicados na edição 350, em agosto de 2015 ..................................................... 69

Figura 20: Parte dos livros editados pela SUPER é uma compilação de conteúdos já publicados ............................................................................................................................................ 70 Figura 21: Algumas reportagens são transformadas em mini e-books e vendidas na internet ................................................................................................................................................................. 71 Figura 22: Especial “A Revolução da Maconha” marcou início de um projeto jornalístico transmídia ............................................................................................................................................. 74 Figura 23: Cards de divulgação do especial “A revolução da maconha” destacaram depoimentos de pacientes relatados em primeira pessoa ......................................................... 75 Figura 24: Balanço da recepção dos internautas foi bastante positiva e de incentivo ao tema ....................................................................................................................................................... 76 Figura 25: Em outubro de 2014 estreou o longa-metragem “Ilegal”, e a edição da Superinteressante do mês abordou o assunto para aquecer o debate sobre maconha medicinal e promover sua primeira produção para o cinema ................................................... 79 Figura 26: Post no Facebook anunciou a medida da Anvisa e recebeu comentários positivos ................................................................................................................................................................. 80 Figura 27: Netflix disponibilizou filme “Ilegal” para assinantes em junho de 2016 ............ 81

LISTA DE TABELAS Tabela 1: Circulação das 5 maiores revistas com versões impressas e digitais nos EUA entre 2012 e 2014 ........................................................................................................................................ 31 Tabela 2: CIRCULAÇÃO TOTAL – Média de circulação mensal total das 10 maiores revistas brasileiras entre 2012 e 2015 .......................................................................................................... 32 Tabela 3: IMPRESSO AVULSO – Média de circulação mensal avulsa das 10 maiores revistas impressas brasileiras entre 2012 e 2015 ....................................................................................... 32 Tabela 4: DIGITAL – Média de circulação mensal total das 10 maiores revistas digitais brasileiras entre 2013 e 2015 .......................................................................................................... 33 Tabela 5: SUPERINTERESSANTE – Dados públicos sobre audiência geral em 2016 ............. 45 Tabela 6: SUPERINTERESSANTE – Número de seguidores nas redes sociais ........................... 60

SUMÁRIO INTRODUÇÃO ..............................................................................................12 CAP. I – MERCADO DE REVISTAS E A CULTURA DIGITAL .......................16 1.1. Revistas: do analógico para o digital (1995 - 2016) .............................. 16 1.1.1. Revistas: primórdios e consolidação ............................................................................................. 16 1.1.2. A digitalização das revistas a partir dos anos 1990 ............................................................... 19 1.1.3. O 3G, a ascensão do smartphone e os testes com o e-reader .............................................. 23 1.1.4. A revolução (e decadência) do tablet ......................................................................................... 25

1.2. O mercado de revistas atualmente: dados gerais .................................... 29 CAP. II - O CASO SUPERINTERESSANTE ......................................................34 2.1. Sobre a revista: história e memória ............................................................. 34 2.1.1. Alternativa à Muy Interessante ....................................................................................................... 34 2.1.2. Aspectos editoriais e gráficos na publicação ............................................................................. 37 2.1.3. Reposicionamento ao longo das reformulações ......................................................................... 38

2.2. Mudanças fundamentais em 2015 .............................................................. 43 2.2.1 Reformulação gráfica e editorial ................................................................................................... 43 2.2.2. Dados atuais de circulação e audiência da SUPER ................................................................... 44

2.3. Estratégias de permanência e fidelização da marca ............................... 45 2.3.1. Marca e sobrevivência .................................................................................................................... 45 2.3.2. O portal: características de remediação com a estrutura impressa ...................................... 51 2.3.3. Redes Sociais, viralização e recirculação da mensagem ......................................................... 59 2.3.4. Selos editoriais .................................................................................................................................. 70 2.3.5. Plataformas transmídia: o caso da temática da “maconha medicinal”................................. 73

CONSIDERAÇÕES FINAIS .............................................................................82 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ..................................................................86 ANEXO (ENTREVISTA) .................................................................................90

INTRODUÇÃO Estamos na segunda década do século XXI e o mundo de hoje é mais digital, tecnológico e cheio de oportunidades para testar novas ideias. A internet, protagonista nesse cenário, há anos tem mostrado sua capacidade de modificar o processo de elaboração de conteúdo jornalístico. E o leitor, ainda mais exigente, acostumou-se com esse ambiente em constante evolução. Pensar nele é avaliar o que ele espera ler, ver, assistir, pois a rede mundial de computadores o ensinou que é possível consumir informação por meio de uma estrutura convergente de mídias. As redações de jornais e revistas já perceberam que seus produtos impressos cativam cada vez menos novos leitores, que, por sua vez, preferem se distanciar de amontados de papel para dar lugar à leitura digital. A internet é um dos principais meios de acesso à informação no mundo contemporâneo, reunindo em si quase todo o conteúdo publicado, para além das mídias off-line. O meio oferece instantaneidade de atualização dos assuntos e facilidade de consumir informação sem que o indivíduo precise ir à banca ou reservar espaço no armário para guardar as edições impressas de revistas e jornais. Isso vem mudando o cotidiano das redações, que têm buscado se adaptar em meio à crise do impresso. Nos últimos anos, a produção de conteúdo jornalístico teve um novo fôlego com a chegada dos dispositivos móveis como smartphones e tablets. A popularização desses aparelhos tornou-os potenciais meios para consumo de informação e entretenimento em uma era em que essa prática está ainda mais mediada por telas. Graças a eles, bibliotecas inteiras de livros podem ser armazenadas dentro da memória interna desses dispositivos, um banco infinito de sites está à disposição do usuário na palma da mão, bastando ter conexão com a internet. Com o boom em venda de tablets, passando da casa das 606 mil unidades comercializadas no Brasil apenas no segundo trimestre de 20121, jornais e revistas apostaram na customização de conteúdos voltados para esses dispositivos, mas isso não foi capaz de garantir que as vendas alavancassem novamente ou, ao menos, que a maior parte dos leitores migrasse para essa plataforma. Uma das pioneiras neste processo foi a revista Superinteressante, periódico tradicionalmente conhecido no mercado jornalístico como um produto calcado na divulgação de conteúdos sobre ciência, tecnologia, cultura e comportamento, e que é caracterizada pela vanguarda, pois tem na inovação um pilar.

Fonte: ÉPOCA NEGÓCIOS. Venda de tablets bate recorde no Brasil. 2012. Disponível em: . Acesso em: 13 de março de 2016. 1

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A publicação impressa e mensal foi lançada em setembro de 1987 pela editora Abril, e há 28 anos está initerruptamente em circulação. A partir de setembro de 2007 — época em que completara 20 anos nas bancas —, a Superinteressante passou a ter todo o seu conteúdo reproduzido gratuitamente no site da revista. No dia 1º de abril de 2011, ela divulgou uma novidade com a seguinte manchete: “A primeira vez de Super: revista lança versão para iPad”. Um novo produto entrou em cena e, desde então, passou a apresentar uma experiência de leitura diferente, focada no toque e no arrastar dos dedos, trazendo uma sensação que retomava à da leitura estabelecida no conforto do sofá. Em 2015, o diretor de redação da Superinteressante, Denis Russo Burgierman, concedeu uma entrevista presencial (um almoço em São Paulo, numa tarde de agosto) para colaborar com a consolidação deste trabalho monográfico, e revelou a frustração da mídia em relação ao tablet. Segundo o jornalista, a imprensa, de maneira geral, viu no dispositivo móvel a esperança para continuarem atuando no mercado. No entanto, os números de assinantes digitais estão muito aquém do que a equipe esperava. Na contramão da maior parte das revistas no Brasil, a Superinteressante ainda mantém uma tiragem impressa capaz de se sustentar. Além disso, o número de seguidores em suas páginas nas redes sociais chega a quase quatro milhões, com publicações no Facebook alcançando mais de 20 milhões de pessoas. Esse feedback instantâneo que a internet proporciona facilitou o contato da revista com o leitor e o processo de fidelização do veículo com seus públicos cativos, colaborando também com a atualização frequente dos conteúdos — agora não é mais preciso esperar um mês para trazer novas informações. As iniciativas de investimento em conteúdos nas plataformas digitais desencadearam uma séria de outras opções para desenvolver e fortalecer a marca Superinteressante (ou SUPER, como também é chamada). Por meio de uma compilação de reportagens veiculadas em um especial impresso sobre maconha medicinal (publicado em fevereiro de 2014) — que tomou grandes proporções na internet após uma série de posts2 no Facebook, e que permitiram que o caso relatado tomasse dimensão nacional, chegando a aparecer na TV e influenciar o poder Judiciário — foi possível, por exemplo, desdobrar conteúdos diversos e torná-los narrativas transmídia3, saindo do impresso, passando pelo digital, virando videodocumentário e ganhando portais de streaming4.

Posts, termo em inglês que significa “postagens”, é o nome comumente usado para designar as publicações feitas para redes socias como Facebook e Instagram. O termo também faz referência aos artigos publicados em blogs, sobretudo os de caráter pessoal. 2

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O conceito será explicado mais adiante, no capítulo 2.3.5.

Streaming é um modo de transmitir áudio e vídeo pela internet sem a necessidade de fazer o download prévio dos conteúdos, que são consumidos sob demanda. Um exemplo disso são portais de filmes e séries online, como o Netflix, e a plataforma de música Spotify. 4

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Em meio ao impacto da cultura digital no jornalismo, desencadeando uma crise nos modelos de negócio e velhos modelos de produção, e mediante às inúmeras tentativas da imprensa em tentar sobreviver no mercado e conquistar públicos que têm se dispersado na internet, chamou-nos a atenção, portanto, o modo como a Superinteressante em questão buscou caminhos para permanecer no cenário editorial, numa perspectiva de remediação5 e ampliação de suas práticas na esfera digital. Será, portanto, objetivo desse trabalho, descrever um pouco esse processo, analisando os caminhos percorridos para que o periódico conseguisse consolidar-se nessa intercambilaidade analógico-digital. O encaminhamento reflexivo se dará em dois grandes capítulos. No primeiro, um panorama histórico conceituará o veículo revista e detalhará como ele se comportou desde que surgiu, em 1663, na Alemanha, como um periódico de informação, passando por revistas segmentadas no século XIX, evoluindo para edições com reportagens e coberturas fotojornalísticas no início do século XX e se consolidando como publicações voltadas para nichos de mercado, disputando espaço com o jornalismo diário e televisivo a partir dos anos 1970. Outro destaque nesse histórico será o movimento de digitalização das revistas e redações a partir da década de 1990 — o início da percepção de que a evolução tecnológica começara a modificar os modos de fazer. Para fundamentar essas histórias, este trabalho monográfico se baseará nos estudos de Camargo (2000), Canavilhas (2014), Costa (2007), Cunha (2011), Mira (2001), Pellanda (2009), Quinn (2016), Silva (2009), Sodré (1999) e Tavares (2011). Ainda no mesmo capítulo, serão levantados dados gerais sobre os hábitos de consumo de mídia dos brasileiros e as transformações do mercado de impresso, que vislumbrou aumento de circulação no início do século XXI, mas amargou grande retração nos anos seguintes, sobretudo a partir de 2010. As análises se basearão na Pesquisa Brasileira de Mídia 2015 (da Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República) e em informações da World Association of Newspaper (WAN), Alliance for Audited Media (AAM) e do Instituto Verificador de Comunicação (IVC), que forneceu dados exclusivos sobre as dez maiores revistas em circulação no país. Os autores tomados como base para entender esse cenário de mudanças iniciado nos anos 2000 serão Flizikowski (2007) e Magalhães (2008). Já no segundo capítulo, o estudo se centralizará na Superinteressante, dividindo os diferentes momentos de análise em três partes: história e memória, mudanças fundamentais em 2015 e estratégias de permanência e fidelização da marca. Com isso, será possível, primeiramente, estruturar a pesquisa detalhando o surgimento da revista e seu reposicionamento ao longo do tempo, aspectos relacionados à reformulação gráfica e 5

O conceito de “remediação” será explicado mais adiante, no capítulo 2.3.2. 14

editorial do periódico e sua fase de digitalização de conteúdos e da edição impressa. Alves (2014), Carvalho (1996), Diniz, Campanha & Daniel (2013), Moraes (2007) e Novaes (2006) corroborarão os fundamentos da parte inicial do estudo, e que se aprofundará nas análises a partir da terceira parte. Nesta fase, iniciará o detalhamento da hipótese e sua constatação, verificando o destaque da marca, a partir da cultura digital, como o bem maior da Superinteressante, trabalhando em diferentes produtos e narrativas transmídia, de modo a se desprender de um suporte específico para se consolidar como um veículo que produz conteúdo multiplataforma e que tenta se projetar como organizador e disseminador de conteúdos de credibilidade. Costa (2014), Kotler (2000), Lorenz (2011) e Tornieiro (2015) ajudarão a entender a relação da marca com as empresas de mídia e o futuro do jornalismo a partir de pressupostos que serão verificados através do estudo de caso, que passará por uma análise do portal, do comportamento da marca nas redes sociais e a importância dessas ferramentas para sua projeção, da variação de fontes de recurso e de disseminação de conteúdos — como a inserção no mercado editorial de livros — e da atuação em plataformas e narrativas transmídia, com destaque para o caso da “maconha medicinal” e seus desdobramentos em diferentes mídias, complementando a história e contribuindo para transformações perceptíveis de leis em favor da sociedade. Portanto, é objetivo deste trabalho se debruçar sobre a Superinteressante para entender suas estratégias de adaptação e sobrevivência dentro do movimento de transição da cultura do impresso para a cultura digital. Com histórico de inovação em seus modos de operar, é possível extrair do caso um panorama das oportunidades de trabalhar a favor da consolidação da marca por qual os jornalistas falam, seja ela ligada a uma empresa ou a um projeto pessoal, apostando na missão de conquistar o público por sua relevância e essencialidade ao nicho a que se destina.

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CAP. I – MERCADO DE REVISTAS E A CULTURA DIGITAL 1.1. Revistas: do analógico para o digital (1995 - 2016) 1.1.1. Revistas: primórdios e consolidação Para entender como as revistas se comportam hoje e como este veículo tem se desdobrado no universo digital é preciso, previamente, conceituar que meio é esse, apresentando suas principais características e o contrapondo com outros produtos jornalísticos. Para a autora Scalzo (2003), uma revista é “um veículo de comunicação, um produto, um negócio, uma marca, um objeto, um conjunto de serviços, uma mistura de jornalismo e entretenimento” (p. 11), e ela ainda afirma que: A revista é também um encontro entre um editor e um leitor, um contato que se estabelece, um fio invisível que une um grupo de pessoas e, nesse sentindo, ajuda a construir identidade, ou seja, cria identificações, dá sensação de pertencer a um determinado grupo. (SCALZO, 2003, p.12).

Nascimento (2002) completa o conceito de revista, definindo-a como um produto de conteúdo e material físico diferenciado, por exemplo, do jornal impresso, firmando-se como: Uma publicação periódica de formato e temática variados que se difere do jornal pelo tratamento visual (melhor qualidade de impressão, além de maior liberdade de diagramação e utilização de cores), e pelo tratamento textual. (NASCIMENTO, 2002, p. 18)

Em comparação a outros produtos jornalísticos impressos, a revista possui um formato diferenciado no que tange à leitura, praticidade e armazenamento. Scalzo (2003) ressalta que ela é mais fácil de carregar, cabe facilmente em uma mochila e pode ser arquivada em estantes ou até mesmo colecionada. Devido à técnica de impressão e tipo de papel, a revista não mancha as mãos como acontece com os jornais, e possui qualidade de leitura e visualização das imagens muito superiores. A origem do que hoje viria a ser a revista quase como a conhecemos remete ao ano de 1663, quando, na Alemanha, nasceu a primeira publicação concebida como fonte de informação. A Erbauliche Monaths-Unterredungen (Edificantes Discussões Mensais) “tinha cara e jeito de livro e só é considerada revista porque trazia vários artigos sobre um mesmo 16

assunto — teologia — e era voltada para um público específico" (SCALZO, 2003, p. 19). Surgiram, anos depois, outros títulos semelhantes aos livros, como Savants (França, 1665), Giornali dei Litterati, (Itália, 1668) e Mercurius Librarius (Inglaterra, 1680), sendo todos publicados com periodicidade, aprofundamento dos temas e destinadas a públicos-alvo. Portanto, desde o seu princípio, a revista surgiu como um produto com temas específicos e segmentados a um certo público. A segmentação é, para Scalzo (2003, p.14), “parte da própria essência do veículo”, podendo se dar por gênero, idade, geografia (localidade) e temas específicos. Em Londres, por exemplo, originou-se a The Gentleman’s Magazine, no ano de 1731, considerada hoje a primeira revista com a “cara” de edições produzidas atualmente, visto que “inspiradas nos grandes magazines — lojas que vendiam um pouco de tudo — reunia vários assuntos e os apresentava de forma leve e agradável” (SCALZO, 2003, p. 19). No caso brasileiro, os primórdios das revistas não foram muito diferentes. Em Salvador (BA) foi criada a primeira revista brasileira, no ano de 1812, com o título “As Variedades ou Ensaios de Literatura”. A publicação, também muito parecida com um livro, teve apenas duas edições e não produzia noticiário, tendo o objetivo, segundo Sodré (1999), de: (...) divulgar discursos, extratos de história antiga e moderna, viagens, trechos de autores clássicos, anedotas etc. Suas características de jornal, assim, eram muito vagas. Foi ensaio frustrado de periodismo de cultura — destinava-se a mensário — que o meio não comportava. (SODRÉ, 1999, p. 30).

Posteriormente surgiram revistas segmentadas a públicos específicos, tratando de temas como o saber humano, medicina e o universo feminino. Foram elas a Anais Fluminenses de Ciências, Artes e Literatura (Rio de Janeiro, 1822), o Propagador das Ciências Médicas (Rio de Janeiro, 1827) e Espelho Diamantino (Rio de Janeiro, 1827), que trazia o subtítulo “Periódico de Política, Literatura, Belas Artes, Teatro e Moda dedicado às Senhoras Brasileiras”. Todas tiveram uma breve rotina de publicações, pois careceram de recursos e assinantes. Foi em 1837, com o lançamento da Museu Universal, que foi possível notar a fidelização do público leitor ao mercado de publicações segmentadas. O periódico transportava, de acordo com Scalzo (2003, p. 28), “experiências das Exposições Universais (sic) europeias que dominaram o século XIX” a um público “recém-alfabetizado a quem se queria oferecer cultura e entretenimento", apresentando textos claros, compreensíveis, e trazendo ilustrações. Além disso, o avanço técnico do mesmo século possibilitou o aprimoramento das técnicas de impressão, permitindo, assim, a popularização das revistas, como explica Scalzo (2003): 17

Com o avanço técnico das gráficas, as revistas tornaram-se o meio ideal, reunindo vários assuntos num só lugar e trazendo belas imagens para ilustrá-los. Era uma forma de fazer circular, concentradas, diferentes informações sobre os novos tempos, a nova ciência e as possibilidades que se abriam para uma população que começava a ter acesso ao saber. A revista ocupou assim um espaço entre o livro (objeto sacralizado) e o jornal (que só trazia o noticiário ligeiro) (SCALZO, 2008, p. 20).

Em sua tese de doutorado, Costa (2007) explica que os termos “revista” e “jornal” começaram a ser empregados pelos veículos impressos no final do século XIX, em meio ao cenário de aperfeiçoamento técnico das publicações, com a utilização da prensa, da fotografia, do telefone e do telégrafo: Com a rapidez da chegada das notícias, cabe ao jornal e à imprensa diária dedicar-se ao que se convencionou chamar de hard news (grifo do autor): a tragédia, a catástrofe, o fato ocorrido na véspera. E às revistas, sobretudo as ilustradas, estariam reservadas informações em profundidade, a análise, a crítica, o entretenimento (COSTA, 2007, p. 55).

No século seguinte, com o lançamento da revista O Cruzeiro — mantida em circulação de 1928 a 1975 —, o Brasil pôde se deparar com um marco do jornalismo de revista. A publicação editava grandes reportagens e trazia uma grande cobertura fotojornalística, alcançando a venda de mais de 700 mil exemplares na década de 1950. Semelhante ao periódico O Cruzeiro, a revista Manchete, criada em 1952, também valorizava o fotojornalismo e o uso de imagens, mas investiu ainda mais em papel de boa qualidade, imprensas modernas e em uma equipe de bons fotógrafos (CAMARGO, 2000). A partir dos anos 1960, a editora Abril lançou revistas que ainda se mantêm tradicionais: Claudia, Quatro Rodas e Veja. Para Mira (2001, p. 41), a revista “Claudia consolidou a imprensa feminina no Brasil, Quatro Rodas a imprensa automobilística e Veja a revista semanal de informação” e, portanto, “sem elas não se pode contar a história das revistas no país”, uma vez que, a exemplo da Veja, as revistas acabaram ganhando formato “mais moderno, com páginas amplas, entrevistas e muitas fotografias, orientadas para um conteúdo de grandes reportagens históricas e investigativas e análises mais contundentes da sociedade brasileira” (TAVARES, 2011, p. 112). Segundo Tavares (2011), as revistas passaram, a partir da década de 1970, a ganhar um novo patamar, disputando espaço e público com o jornalismo diário e televisivo. O autor destaca o crescimento das editoras, aumento no número de títulos, exemplares, públicos e linguagens, classificando o período como “uma nova ‘era’ do mercado editorial” (Tavares, 2011, p. 112). Portanto, esse momento foi, para Tavares (2011), a consolidação 18

da segmentação de mercado, criando determinados públicos para que, assim, pudesse ser oferecido conteúdo que atendesse aos gostos do leitor. Scalzo (2003) aponta que, nas décadas de 1970 e 1980, surgiram diversas publicações sobre cultura pop, música, comportamento, moda, arte e consumo, em um momento em que os jovens passaram a ser identificados como um nicho de mercado. Também foi possível observar a aparição de revistas científicas (especializadas e para leigos) e publicações sobre saúde, bem-estar, jardim e decoração, provando, para a autora, que a “segmentação pode alcançar públicos tão específicos como ‘mulheres que fazem enfeites para festas infantis’ ou ‘marceneiros que trabalham com madeira certificada” (SCALZO, 2008, p. 36). Já na década de 1990 aumentou-se ainda mais a segmentação que vinha acontecendo desde a década de 1980. Em seu livro O leitor e a banca de revistas: a segmentação da cultura do século XX, Mira (2001) detalha que, apenas em 1997, foram registrados 1.130 títulos diferentes de revistas. “Uma verdadeira avalanche de publicações superlota as bancas” (MIRA, 2001, p. 213).

1.1.2. A digitalização das revistas a partir dos anos 1990 Com a popularização dos computadores pessoais nos anos 1990 e com o acesso à internet por meio de provedores — operação comercial liberada no Brasil em 1995 pelos ministérios das Comunicações e da Ciência e Tecnologia —, foi possível consumir informação no universo digital. Os primeiros sites brasileiros que surgiam nesse novo ambiente eram de notícias e, conforme artigo publicado no portal Terra celebrando os 10 primeiros anos de internet no país, o Brasil já contava com 2,5 milhões de internautas em 1999, com base em dados do Ibope. Em 2002, o acesso à internet já era comum a mais de 7,6 milhões de brasileiros. O crescente número de internautas demonstrou um novo nicho para o mercado editorial de revistas, que buscou utilizar os recursos técnicos do computador conectado à internet para migrar conteúdos do impresso para o ciberespaço, apropriando-se de ferramentas que esse novo meio trazia, como destaca Cunha (2011) em sua dissertação de mestrado: As revistas, assim como quase todos os veículos informativos, migraram para o ciberespaço, reconfigurando-se tanto na produção, quanto no consumo, por meio da hipertextualidade e da interatividade, recursos possibilitados pela internet e pelas diversas mídias digitais nas quais o produto passa a circular. (CUNHA, 2011, p. 30).

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Esse movimento de virtualização do conteúdo editorial para os meios digitais proporcionava aos editores corte de custos com a produção e distribuição das publicações físicas — que contabiliza gastos com impressão, papel, tinta, eletricidade, instalações físicas e transporte (FIDLER, 1998, pp. 335-6 apud CUNHA, 2011, p. 30). O Reino Unido foi um dos países pioneiros a passar por esse processo, tendo o Daily Telegraph como o primeiro jornal nacional na internet, em 1994, e sites para as revistas impressas Loaded e New Musical Express, em 1995 — representando um marco da futura popularização de produção editorial para o meio digital, iniciada desde a década de 1980 com a substituição de máquinas de escrever por microcomputadores conectados em rede nas redações britânicas; o envio de email por revistas para avisos online; a criação da ferramenta Adobe Acrobat PDFs, da Adobe, em 1992, para visualização digital de documento portátil; e a produção de conteúdo de revistas em CD-ROMs (QUINN, 2016). Durante os anos 1990, o CD-ROM possibilitou aos veículos de comunicação distribuir os conteúdos da revista pelo disco, que não permitia a alteração dos textos ou imagens, mas apenas a leitura. No mesmo período, experimentava-se o envio de jornal por fax para os assinantes e testava-se o teletexto, videotexto e audiotexto. No entanto, para José Pedro Souza, em artigo intitulado “Jornalismo online” e publicado na revista digital Forum Media6, “essas primeiras experiências falharam, segundo os estudos que foram feitos, devido à falta de motivação da audiência por uma tecnologia pouco atraente, cara e pouco amiga do utilizador. A Internet, porém, mudou as coisas” (SOUZA, 2002). Antes das revistas, quem migrou primeiro para a internet no Brasil foram os jornais, em 1995, como O Estado de S. Paulo, Jornal do Brasil, Zero Hora e Gazeta Mercantil. Segundo Cunha (2011), até o limite do que pôde ser pesquisado, a Manchete leva o título de pioneira na transposição do conteúdo impresso da edição 2275, de 11 de novembro de 1995, para a internet. As parcerias entre os portais Brasil Online (BOL), da editora Abril, e Universo Online (UOL), do Grupo Folha, em 1996 — com o objetivo de crescer na fatia de mercado que a internet proporcionava — passaram a disponibilizar no UOL as revistas Exame, Vip, Placar, Exame Informática, Superinteressante e Macmania, do BOL. O portal do Grupo Folha aumentou significativamente conforme as cidades brasileiras iam ganhando acesso à internet, e passou a reunir diversos títulos além dos citados. Em 1997, a Veja lançou seu novo site no portal UOL, disponibilizando, na íntegra, a edição da semana com textos, gráficos e fotografias. A

O artigo Jornalismo online, de José Pedro Souza, foi publicado originalmente na revista digital de edição de número 5 da Forum Media, publicação do curso de Comunicação Social do Instituto Politécnico de Viseu (Portugal). O título se encerrou na 6ª edição, mas o conteúdo continua disponível em . 6

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Playboy, também hospedada no UOL, já representava, em 1998, quase 15% da audiência do portal. No mesmo ano, o Universo Online detinha o acesso digital ao conteúdo de 62 revistas, incluindo títulos que não pertenciam à editora Abril (FREITAS, 1999, apud CUNHA, 2011). Em 2004, o UOL já era o principal agregador de revistas brasileiras, contendo mais de 124 publicações, e disponibilizava, inclusive, a versão em português da norte-americana Time7. A exibição desses conteúdos nas telas dos computadores era feita de maneiras específicas, em alguns casos como publicação de artigos, em que o conteúdo era disponibilizado em uma página simples na internet com o texto e as imagens copiados da revista; e em outros casos com o arquivo inteiro do título, em formato PDF (Portable Document Format). Esta ferramenta necessitava apenas de um programa de visualização de PDFs, que até hoje é disponibilizado gratuitamente no site da Adobe8. O benefício explorado pelo PDF era a capacidade de exibir ao leitor a mesma página que ele via na revista impressa, mas sem a necessidade de instalar fontes, além incorporar hyperlinks no conteúdo, direcionando o clique do usuário ao site sugerido, de modo a ampliar a rede de leitura além daquele documento. Cunha (2011) associa um dos fatores da ampla difusão de revistas em PDF a programas de editoração eletrônica: Outra razão para a popularização do PDF para disponibilização de revistas online está na possibilidade dos programas utilizados para editoração — como o InDesign e o QuarkXPress — de gerar facilmente esse tipo de formato. (CUNHA, 2011, p. 34)

Há de se destacar, ainda, que a prática de leitura de revistas digitais também se dava, nos anos 2000, pelo uso de imagens em JPEG (Joint Photographic Experts Group) das páginas, de modo ilegal e facilmente encontrados em blogs dedicados a oferecer gratuitamente o conteúdo de revistas pagas (geralmente pornográficas). Por vezes, também era possível encontrar arquivos digitalizados das revistas (um PDF que reunia os JPEGs das páginas escaneadas). Na evolução desse processo houve, por parte das editoras, uma tentativa de simular a leitura das revistas impressas no ambiente digital. Primeiramente utilizando o Flash9 — uma “Revista Time em português estreia no UOL”, 28 de agosto de 7

2001. Disponível em:

O Acrobat Reader, visualizador de arquivos PDF da Adobe, está acessível para download no site . 8

“Originalmente desenvolvido pela Macromedia e hoje pertencente à Adobe, o Flash é uma plataforma multimídia de desenvolvimento de aplicações que contenham animações, áudio e vídeo, bastante utilizada na construção de anúncios publicitários e páginas web interativas. O Flash é capaz de manipular vetores e gráficos para criar textos animados, desenhos, imagens e até streaming de áudio e vídeo pela internet. O Flash ganhou 9

21

tecnologia capaz de exibir animações e permitir que o usuário interagisse de algum modo com o conteúdo —, no fim da década de 1990 e início dos anos 2000, as revistas online conseguiram levar ao leitor o efeito de “folheio virtual” das publicações (simulando em plataforma flip show uma certa estrutura esqueumorfista10), denominado, então, de flip page. Natansohn et al (2010) aponta que, no Flash, “o carregamento da revista se dá em ‘fluxo contínuo’, isso é, o conteúdo (vídeo, texto, etc.) vai sendo carregado na medida em que o usuário consome” (Natansohn et al, 2010, p. 8) — diferencial em relação ao PDF, que necessita ser baixado completamente para poder ser visualizado. No entanto, para o consumo de conteúdos de revistas em Flash, geralmente, era necessário um computador conectado à internet.

Figura 1: Exemplo de plataforma Flip Show da revista Veja. (Imagem: Reprodução/Veja)

Revistas independentes também puderam aderir às plataformas de flip show, porém de maneira mais simples. Em 2009, por exemplo, o site Issuu11 se popularizou com a possibilidade do envio de revistas em PDF para serem convertidas em Flash (hoje é utilizado o HTML 5), de modo a garantir também a simulação do folheio de páginas, com o suporte a hiperlinks.

bastante popularidade entre os programadores e desenvolvedores web por permitir um desenvolvimento rápido de aplicações de alta qualidade e integração transparente com outros tipos de conteúdo. Ele está presente em grande parte dos websites atuais, mas, aos poucos, está sendo colocado de lado em favor do HTML5” Fonte: Canal Tech. Disponível em . O termo Skeumorfismo ou Esqueumorfismo tem origem na junção dos morfemas grego “skeuos” (vaso ou ferramenta) e morphê (forma). O princípio esqueumorfista parte da semelhança visual a partir de um objeto físico, imitando seu material ou técnica como madeira, ou um elemento brilhoso ou fosco. Para o meio digital, diz respeito à familiaridade do usuário com o visual do dispositivo original, facilitando assim o entendimento e a interação, tornando o processo mais intuitivo. 10

11

Disponível em: . 22

Figura 2: Exemplo de plataforma Flip Show no site ISSUU. (Imagem: Reprodução/ISSU)

Segundo Quinn (2016), algumas experiências significativas marcaram a produção de revistas e conteúdo de revistas para a internet a partir de 2006, quando os periódicos britânicos Time Out, Ok!, Glamour e GQ lançaram mobizines, edições para download em celulares. Além disso, o grupo Condé Nast Publications colocou as revistas Glamour, GQ e Vogue na plataforma de vídeos online YouTube. No ano seguinte, surgiu na Grã-Bretanha a JellyFish, anunciada com a primeira revista para adolescentes exclusivamente digital. Problemas em relação a falhas de e-mails em lista de disparos levaram a experiência ao fim, seis meses depois. Ainda em 2007, o autor destaca que as receitas provenientes da publicidade estavam subindo, no entanto, de acordo com Stevie Spring, chefe-executiva da companhia de mídia do Reino Unido Future Publishing, ninguém tinha um modelo de negócio para o mercado online, o que já demonstrava incertezas em relação ao futuro das publicações no ciberespaço.

1.1.3. O 3G, a ascensão do smartphone e os testes com o e-reader Para Silva (2009), o ano de 2007 também ficou marcado como o ano do surgimento de uma nova tecnologia que favoreceu a produção e o consumo por meios móveis no Brasil: o padrão terceira geração (3G)12. De acordo com o autor, empresas de mídias passaram a utilizar a tecnologia com o objetivo de fortalecer a prática do jornalismo móvel:

O 3G é a terceira geração de um padrão de tecnologia de telefonias móveis que opera com transmissão de dados em velocidade de até 7 Megabits por segundo. Em 2007, foram leiloadas no Brasil as faixas de frequência de 1.900 MHz a 2.100 MHz. Com isso, grandes operadoras como Vivo, Claro e Tim conseguiram obter cobertura nacional para oferecer a tecnologia 3G além das grandes capitais. Posteriormente, a tecnologia foi aperfeiçoada para o 3G +, com aumento da velocidade de transmissão para 21 Megabites por segundo. 12

23

[A tecnologia 3G] vem sendo apropriada por conglomerados de comunicação para a prática do que se denomina de jornalismo móvel, que podemos entender como a potencialização da relação entre jornalismo e mobilidade. As experiências com transmissão ao vivo e produção jornalística em mobilidade se dimensionaram no país com a implantação das redes de alta velocidade 3G e outros dispositivos portáteis utilizados como conexão e plataforma móvel em complemento ou contraponto mesmo ao pouco alcance das redes Wi-Fi via cobertura dos hotspots. (SILVA, 2009, p. 7475)

Com a popularização dos smartphones (telefones dotados de sistemas operacionais inteligentes e conectados à internet móvel), o mercado editorial passou a investir em conteúdos voltados para esses aparelhos. Pellanda (2009) afirma que, assim como os aparelhos Blackberry popularizaram o uso de e-mails com serviços push, que notificavam o recebimento instantâneo de mensagens, “para a navegação em páginas web, aparatos como o iPhone começam a viabilizar o acesso ubíquo e outros smartphones seguem o caminho aumentando a competição do setor” (PELLANDA, 2009, p. 12). Foi assim que, segundo o relatório de Quinn (2016), a revista britânica semanal NME estreou, em 2009, a presença na App Store (a loja de aplicativos da empresa de tecnologia Apple) com o lançamento do aplicativo 59p, que permitia aos usuários baixarem fotos exclusivas de estrelas do rock para decorarem o plano de fundo do iPhone. No Brasil, a estreia de uma das grandes revistas brasileiras na App Store veio no ano seguinte, quando, em 2010, a Veja lançou seu aplicativo para iPhone, disponibilizando o conteúdo da internet para o dispositivo — que possuía tela de 3,5 polegadas e conexão com a internet via WiFi e 3G. A ferramenta foi patrocinada pelo banco Bradesco e pela operadora de telefonia móvel Claro, sendo um serviço anunciado como “o primeiro no Brasil que pode explorar os recursos de imagem em alta resolução da tela do iPhone 4 - lançamento mais recente da Apple” (VEJA, 2010). Enquanto o iPhone mostrava novas possibilidades para o mercado editorial de revistas, a empresa norte-americana de comércio eletrônico Amazon firmava parcerias com companhias jornalísticas para oferecer publicações no Kindle, dispositivo e-reader de tela monocromática com 6 polegadas, lançado em novembro de 2007, nos EUA, e que permitia aos usuários ler livros digitais, jornais e revistas, além de fazer pesquisas e compras de edições via rede sem fio. No Brasil, o periódico O Globo afirma ter sido “o primeiro jornal sul-americano a lançar sua versão para o Kindle" (GRUPO GLOBO, 2015), em 2009. Embora o e-reader tenha se apresentado como uma alternativa de consumo de informação via dispositivo eletrônico, Cunha (2011) ressalta que o mercado editorial de revistas não conseguiu adequar seus conteúdos e edições à tecnologia da tela com tinta digital, uma vez 24

que o dispositivo conta com a limitação da tela em preto e branco — fator que não reproduz a atratividade das páginas coloridas das revistas impressas.

1.1.4. A revolução (e decadência) do tablet O dilema enfrentando com o e-reader finalmente pôde ver uma saída com o lançamento de um novo dispositivo da Apple: o tablet iPad, um aparelho chamado de “mágico e revolucionário” por Steve Jobs, o presidente da fabricante. O produto, lançado em janeiro de 2010, possuía uma tela de LCD colorida e sensível ao toque com 9,7 polegadas, bateria que durava 10 horas e conexão com a internet via Wi-Fi e 3G. Extremamente portátil, a navegação na internet, visualização e captura de fotos e vídeos e comunicações por meio de e-mail, mensagens ou redes sociais no iPad deixava de lado dispositivos periféricos tradicionais de um microcomputador, como teclado, mouse e webcam — facilitando, assim, seu uso e transporte em diversos locais, cabendo perfeitamente em bolsas, mochilas ou pastas. O aparelho permitiu uma melhor adaptação e consumo de conteúdo que não foi possível no Kindle. Com o iPad, a situação foi diferente: as revistas rapidamente procuraram se adaptar ao dispositivo, aproveitando os mesmos recursos possibilitados pelo design editorial, somados aos recursos da cibercultura, como interatividade, multimidialidade e hipertextos. (CUNHA, 2011, p. 55)

Cunha (2011) lembra que o iPad possibilitou, assim como o iPhone, acessar conteúdos por meio de aplicativos, que são uma espécie de programa instalado na memória do dispositivo e que permite usufruir de conteúdos específicos, sejam eles online ou off-line, e sem a necessidade de digitar o endereço do site no navegador. Sendo assim, as revistas podiam entregar ao leitor tanto o conteúdo disponível na internet, porém adaptado para o dispositivo, quanto edições avulsas, como as vendidas em bancas, mas em formato digital. O surgimento do tablet foi, para as empresas, uma “outra maneira para contabilizar suas receitas” (CUNHA, 2011, p. 63), uma vez que o usuário podia adquirir edições digitais de uma forma diferente, em uma nova plataforma. A princípio, para acessar as revistas, eram criados aplicativos para cada nova edição, desfavorecendo a organização das publicações dentro do aparelho. Posteriormente, como lembra Cunha (2011), criou-se uma espécie de banca dentro de um único aplicativo de leitura de revistas, onde o usuário poderia comprar edições avulsas e armazená-las para realizar a leitura posteriormente. 25

Quinn (2016) destaca que, logo após o lançamento do iPad, os periódicos Wired, The Spectator e Financial Times trataram logo de liberar seus aplicativos para o tablet, de modo que pudessem oferecer ao leitor um formato que tentava imitar a página impressa. O Financial Times rapidamente foi eleito o melhor aplicativo gratuito para iPad, conseguindo a marca de 150 mil downloads em três semanas. Já no Brasil, a revista Época foi a pioneira na disponibilização de um aplicativo para o iPad, em 10 de abril de 2010, ainda quando o aparelho eletrônico sequer estava à venda no mercado brasileiro. Neste momento, o usuário contava apenas com a leitura do conteúdo disponível no site. A primeira versão digital da revista chegou em 26 de setembro de 2010, e não era uma réplica exata da versão impressa em PDF, mas uma tentativa de fornecer um produto interativo e compatível com os recursos multimídia que o iPad proporcionava. Na ocasião, a Época afirmou estar trazendo ao seu público um aplicativo com “conteúdo da edição impressa, adaptado ao formato do leitor digital da Apple” com as vantagens da “simplicidade de uso e navegação e a possibilidade de enriquecer o conteúdo do papel com vídeos e gráficos interativos” (ÉPOCA, 2010). A amigabilidade do tablet, favorecendo a imersão na leitura, trouxe à tona (com perspectiva potencializadora) as sete características fundamentais do webjornalismo, tal qual sentencia Canavilhas (2014): - Hipertextualidade: texto sem linearidade e com opções de o leitor seguir caminhos de leitura por meio de links embutidos. O tablet, nesse aspecto, permite a incorporação de de links clicáveis para navegar entre o arquivo e além dele, possibilitando saltar de um ponto do texto para outras fontes de informação, de modo a complementar a leitura. - Multimidialidade: convergência de diferentes mídias como fotografia, vídeo, áudio, texto e infográfico em uma mesma produção jornalística. A leitura em perspectiva convergente foi acentuada com o tablet, que é capaz de reunir distintos formatos de mídia em uma mesma produção jornalística, tornando a mensagem enriquecida e despertando outros sentidos do leitor. - Interatividade: característica ligada tanto ao usuário — que escolhe, por exemplo, por onde se guiar dentro da estrutura hipermídia oferecida ou fazer comentários — quanto ao jornalista, que modera comentários, faz pesquisas por meio de perguntas aos usuários, abre participação a determinados conteúdos e seleciona fotos e vídeos enviados pelo público. Os modos de interação, com a tecnologia das telas sensíveis ao toque, ganharam destaque no tablet, que incorporaram gestos com os dedos e, até mesmo, de movimentos com o aparelho para ativar funções — ações que passam essencialmente pela relação de interatividade do usuário com o dispositivo. Além dessas características técnicas, o aparelho reproduz todas as possibilidades de interatividade já conferidas aos computadores 26

conectados à internet, que permitem ao usuário escolher onde clicar, o que acessar, para onde continuar a navegação e como interagir na rede. - Memória: capacidade de a internet reunir conteúdo e formar uma base de dados, podendo ser oferecido ao leitor caminhos para complementação da leitura, participação e atualização contínua dessa memória em rede. O tablet, portanto, desfruta dessa característica por ser um dispositivo capaz de se conectar à internet e acessar a memória em rede. Mas ele também é dotado de capacidade de arquivamento instantâneo e portátil, formando uma memória local dos arquivos baixados da rede, como, por exemplo, uma revista, criando sua própria biblioteca de conteúdos. Mas essa característica difere da memória em rede, que passa exclusivamente pela navegabilidade online. - Instantaneidade: possibilidade de atualização contínua da informação, podendo ser realizada em tempo real. O acesso remoto à informação, a qualquer instante, ganhou aliados com o advento do tablet, que confere ao usuário a facilidade de compartilhar informação. Tratando-se de um produtor de conteúdo, basta que o aparelho esteja conectado à rede móvel ou Wi-Fi para que o profissional consiga, por exemplo, reportar fatos e lançalos aos portais e em redes sociais, do mesmo local do acontecimento, tornando as histórias públicas no tempo mais breve possível. - Personalização: que vai desde a segmentação do conteúdo segundo o gosto do leitor, passando pela adaptação da produção jornalística a diferentes plataformas e visuais/estéticas, até graus mais complexos, que envolvem uso de banco de dados e filtros de informação de acordo com especificidades de cada leitor ou grupo de leitores. A customização de conteúdos tornou-se expressiva, na medida em que leitores com um aparelho capaz de condensar bibliotecas inteiras em sua memória se interessam por assinar jornais e revistas, ler portais de notícias e assistir canais de vídeos a partir do tablet. Por isso, a necessidade de personalizar conteúdos exclusivamente para esses aparelhos. - Ubiquidade: fato de a produção jornalística estar disponível em qualquer lugar do mundo por meio da internet, podendo ser acessada por diversos dispositivos, ao mesmo tempo. O acesso remoto às informações, destituídas do fator tempo e espaço, dimensionouse um potencial ganho para o jornalismo online, que pôde ver os conteúdos capazes de permanecerem vivos e encontráveis por qualquer internauta. Nessa perspectiva, o tablet, assim como o computador e o smartphone, são meios pelos quais essa realidade acontece. Com a possibilidade de convergir essas características, o mercado editorial rapidamente procurou se adaptar à produção de conteúdo para tablets, que experimentou um boom de vendas em 2012 e 2013, e, assim, criar uma alternativa para a tão temida e

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discutida morte do papel. Uma pesquisa do IT Data, divulgada no jornal Valor Econômico13 no início de 2013, aponta que as vendas desses aparelhos no Brasil cresceram 222% no ano de 2012 em relação ao ano anterior. Em 2013, o setor pôde comemorar o aumento de 228% das vendas, segundo dados da empresa de pesquisa de mercado GfK, divulgados pela revista Exame14. Apesar dos esforços para atrair leitores de revistas digitais para tablets, o novo modelo de consumo não vingou. Estatísticas da Alliance for Audited Media (AAM) revelaram que, nos Estados Unidos, por exemplo, as revistas digitais acompanharam o crescimento das vendas dos aparelhos, mas logo encararam perda de circulação (falaremos disso no próximo capítulo). Isso porque o tablet perdeu o encanto para os smartphones com telas maiores, e cada vez menos pessoas compram o aparelho. É o que afirma o relatório “IDC Brazil Tablets Tracker Q4”, elaborado pela International Data Corporation (IDC) Brasil, em 2016, e que ilustrou esse movimento com dados. Contrariando as taxas de crescimento ano a ano, desde 2010 — quando o tablet surgiu no mercado —, em 2015, as vendas de novos aparelhos caíram 38% em comparação com 2014, quando foram comercializados 9,5 milhões de dispositivos. A previsão para 2016 continuou de encolha, com redução de 29% nas vendas, totalizando 4,1 milhões de unidades. A baixa procura pelo tablet influencia diretamente o consumo de revistas digitais, que tende a crescer menos e, em certos casos, despencar. Além disso, o preço das edições avulsas para tablets também permanece um ponto questionável devido aos valores semelhantes aos das edições impressas, mesmo com os custos de impressão e distribuição reduzidos. Fica difícil, também, manter a audiência dos leitores por muito tempo, uma vez que, segundo a companhia de análise de tecnologias móveis Flurry (2012), um usuário abre, em média, oito aplicativos por dia, e, de acordo com a empresa de pesquisas de mercado Nielsen (2015), os mais usados são, entre eles, os de redes sociais/comunicação, vídeo, navegador e banco. Outro ponto não menos importante a se destacar é que muitos conteúdos exclusivos para tablet, como as próprias revistas disponibilizadas por assinatura, possuíam uma gramaticalidade nova para o leitor. O usuário, para acessar o produto, deveria tomar conhecimento de informações contidas em manuais explicativos. Além da dependência de uma leitura prévia a respeito, a usabilidade das interfaces não era palatável para o leitor, deixando, muitas vezes, o espaço de leitura confuso e inseguro para o usuário.

“Venda de Tablet sobre 222% no Brasil em 2012, diz consultoria”. Texto originalmente publicado no Valor Econômico, em 5 de fevereiro de 2012. Disponível em: 13

Vendas de tablets o Brasil crescem mais de 200% em 2013”. Texto originalmente publicado na revista Exame, em 18 de novembro de 2013. Disponível em: 14

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1.2. O mercado de revistas atualmente: dados gerais Na década passada, jornais e revistas experimentaram grande aumento em sua circulação. Entre 2001 e 2005, de acordo com a World Association of Newspaper (WAN), cresceu 9,95% a circulação diária de impressos no mundo, em meio à especulação da crise do suporte. No entanto, o faturamento das empresas estava em declínio. Magalhães (2008) observa que, em 2003, jornais e revistas viram sua participação no bolo da publicidade encolher 8,5%, tendo acesso a 9,5% de todo o montante, ao passo que se aumentava a participação das TVs por assinatura e da internet aos recursos destinados às mídias. Flizikowski (2007) sugere que esse paradoxo entre aumento de circulação e queda na receita estava atrelado à crescente variedade de publicações disponíveis no mercado. Pegando jornais como referência, o autor observou que veículos tradicionais, como O Estado de S. Paulo, Zero Hora e O Dia viram suas vendas despencarem, enquanto jornais populares, como o Extra, Diário Gaúcho e Lance! cresceram acima da média do PIB no país, em 2005. Por isso, naquele momento, o autor concluiu que A crise é do jornalismo impresso diário tradicional, que vê a cada dia sua circulação diminuir, enquanto novos títulos, mais populares vão conquistando mercado. Essa mudança levou diversas empresas jornalísticas a investir em reformulação editorial e gráfica, lançar cadernos especializados, suplementos segmentados, guias de serviço, coleções e diversas iniciativas com o objetivo de conquistar leitores, ao mesmo tempo em que busca aumentar o investimento publicitário no setor. (FLIZIKOWSKI, 2007)

O acesso a novos produtos e novas maneiras de se informar foi virando prática no consumo de mídia, sobretudo com o advento da internet. Não à toa, uma famosa frase de Thomas Souta Corrêa (vice-presidente do conselho editorial do Grupo Abril) cristalizou-se no cenário editorial: “Todo dia morre o leitor de papel e todo dia nasce o leitor eletrônico”. Afinal, uma grande questão perpetua até hoje: “como convencer os leitores a pagar por um produto que ele encontra na maioria dos casos de graça, em seu computador, em casa ou no trabalho, na hora em que ele bem entender?” (MAGALHÃES, 2008, p. 27). De fato, a internet, hoje, é um concorrente direto de jornais e revistas. Dados da “Pesquisa Brasileira de Mídia 2015 - Hábitos de consumo de mídia pela população brasileira”, elaborada pela Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República, mostram que, atrás da TV e do rádio, a internet é apontada como o meio de comunicação mais utilizado por 42% dos brasileiros. Vale ressaltar que 51% da população ainda não utiliza internet. Porém, os que utilizam, o fazem intensamente: 76% das pessoas acessam a internet todos os dias, com uma média de exposição diária de 4h59min. Em geral, as pessoas utilizam 29

o meio em busca, principalmente, de informação (67%), entretenimento (67%), como forma de passar o tempo livre (38%) e para fins de estudo e aprendizagem (24%). Em relação aos suportes à navegação, 71% acessam pelo computador e 66% pelo celular. Tablets representam apenas 7% do acesso à internet. Os números da pesquisa mostram como a internet está entranhada hoje em nossa sociedade, com hábitos de consumo intenso diário, imersão com fins de se informar, entreterse e utilizar redes sociais e mensageiros instantâneos, como o Facebook (utilizado por 83% dos entrevistados), o WhatsApp (58%), o YouTube (17%) e o Instagram (12%). Já o Twitter, que é popular entre as elites políticas e formadores de opinião, representa uso de apenas 5% dos entrevistados. E o acesso é cada vez mais feito pelo celular, que está quase se equiparando ao computador como origem de tráfego. É um cenário com diversas possibilidades, que colocam a revista, hoje, como o meio de comunicação com menor presença no dia a dia dos brasileiros. De todos os entrevistados, 85% declararam não ter o costume de ler revistas, e apenas 13% o fazem uma ou mais vezes por semana. A proporção é ainda menor entre pessoas com renda de até um salário mínimo15 (R$ 724,00): apenas 6%. A porcentagem aumenta para 29% entre os que têm renda superior a cinco salários mínimos (R$ 3.620,00). Já para quem tem ensino superior, a porcentagem sobe para 32%, enquanto 4% dos entrevistados com até a 4ª série consomem revistas. O motivo principal que ainda leva as pessoas a lerem revista é seu caráter de fonte de informação, apontado por 58% das pessoas como a principal razão pela escolha do produto. Entretenimento (36%) representa o segundo motivo e passar o tempo livre (27%), o terceiro. O formato impresso continua sendo o modelo tradicional de consumo, escolhido por 70% dos leitores. Apenas 12% acessam revistas no ambiente online, e 4% utilizam ambos os suportes. Embora o impresso se configure como o formato mais consumido, ele está em plena queda. A Alliance for Audited Media (AAM), uma organização norte-americana que realiza auditoria de mídias, publica, anualmente, os números de circulação das 25 maiores revistas dos Estados Unidos e, a cada divulgação, é possível observar os números decaindo. Para este trabalho, foram coletadas informações das cinco maiores revistas impressas dos EUA no ano de 2014 e que possuem versões digitais, com o intuito de comparar com os anos anteriores (2012 e 2013). São elas, na ordem de maior para menor circulação, a Game Informer Magazine, a Cosmopolitan, a National Geographic, a Taste of Home, a Reader’s Digest e a ESPN The Magazine. A somatória da circulação total16 dessas publicações em 2012 foi de

15

O valor base do salário mínimo é vigente ao ano de 2014, no período em que foi realizada a pesquisa.

16

A somatória da circulação total inclui todas as edições impressas e digitais vendidas avulsas e por assinatura. 30

26,3 milhões. Em 2013, esse número encolheu para 25,4 milhões, representando uma queda de 3,55%. Já em 2014 as vendas despencaram para 21,7 milhões de revistas, uma retração de 14,5%. Já as edições digitais acompanharam o boom das vendas de tablets de 2013, e viram aumento de 30,9% em relação a 2012, saltando de 3 milhões de vendas para 4 milhões. Neste mesmo ano, as edições digitais representavam 15,7% da circulação total das revistas, ao passo de que em 2012 correspondiam a 11,6%. A grande queda de 2014 também atingiu a circulação de digitais, embora em menor grau. Foram 3,6 milhões de revistas digitais rodadas, ou seja, 9,51% a menos que em 2013. A porcentagem de edição digital na circulação total subiu de 15,7% para 16,7%, mas isso não significa que foram comercializadas mais edições digitais. Pelo contrário. Já foi dito que as edições digitais tiveram queda, mas a retração do impresso foi mais alta que a do digital. Tabela 1: Circulação das 5 maiores revistas com versões impressas e digitais nos EUA entre 2012 e 2014

Fonte: AAM - jun/2012; AAM - jun/2013; e AAM - jun/2014.

No Brasil, a lógica não é muito diferente. O mercado editorial de revista tem visto seus números amargurarem quedas, salvo raras exceções que, em determinado momento, conseguiram voltar a vendagens anteriores. O Instituto Verificador de Comunicação (IVC), organização que faz auditoria de circulação de jornais e revistas no país, disponibilizou, para este trabalho monográfico, dados das dez revistas brasileiras com maior vendagem. São elas 31

a Veja, Época, Claudia, Istoé, Superinteressante, Nova Escola, Quatro Rodas, Caras, Seleções do Reader’s Digest e Cosmopolitan Nova. Assim como a análise das revistas americanas, foi tomada como base a ordem das publicações no ranking de 2015 e comparada com anos anteriores (2012, 2013 e 2014). Juntas, as dez revistas tiveram uma circulação total de 3,97 milhões de unidades em 2012. No ano seguinte, o número caiu para 3,53 milhões e, em 2015, teve um pequeno aumento, finalizando o ano com 3,57 milhões. O número só foi positivo se comparado com 2014 porque apenas a revista Veja, ao contrário de todas as outras, conseguiu recuperar as perdas em 2015, chegando a superar sua circulação de 2012 em 100 mil unidades, levantando a média geral da circulação total dos periódicos. Mas não podemos deixar de observar que, ao comparar a circulação total de 2015 com o ano de 2012, a contração do mercado de revistas foi de 9,96%. O cenário é ainda pior se nos atermos à venda de edições avulsas. Em 2012, foi comercializado o total de 789,9 mil revistas avulsas, considerando as dez publicações. Um ano depois, as vendas regrediram para 663 mil unidades. A queda não parou, e 2014 terminou com 544,4 mil edições avulsas em circulação. De lá para 2015, a história não mudou, e o total foi de 438,9 mil, exatos 44,4% a menos que em 2012. Tabela 2: CIRCULAÇÃO TOTAL – Média de circulação mensal total das 10 maiores revistas brasileiras entre 2012 e 2015

Fonte: IVC.

Tabela 3: IMPRESSO AVULSO – Média de circulação mensal avulsa das 10 maiores revistas impressas brasileiras entre 2012 e 2015

Fonte: IVC

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No campo das edições digitais, o Brasil conseguiu experimentar um cenário melhor em relação aos EUA. Em 2013, as vendas totais17 das revistas na versão digital foram de 227,3 mil. Houve um acréscimo de 74% na circulação em 2014, que saltou para 395,4 mil edições. Em 2015, porém, o aumento não seguiu o mesmo ritmo, finalizando o período com 475,9 mil unidades, número apenas 20% maior que a circulação em 2014. Tabela 4: DIGITAL – Média de circulação mensal total das 10 maiores revistas digitais brasileiras entre 2013 e 2015

Fonte: IVC

Apesar de o mercado de revistas digitais ver sua circulação aumentar, o progresso com que isso aconteceu em 2015 é 3,5 vezes menor se comparado a 2014. Um claro sinal de que a queda na venda de tablets (explicitada no capítulo anterior) tem distanciado novos consumidores de publicações digitais. Ainda não é possível afirmar, mas, diante da queda de 38% da venda de tablets em 2015, apontada pelo IDC, pressupõe-se que, assim como o que já vem acontecendo nos EUA, a circulação de revistas digitais também tende a regredir.

O IVC não fazia a auditoria das versões digitais das revistas antes de 2013, portanto, a análise dos dados não inclui o ano de 2012. Não foi inserida também na contagem final das edições digitais a revista Saúde, pois sua auditoria começou apenas em 2014, e isso impossibilitou comparar 2015 com o primeiro ano de auditoria do digital, como foi feito com as outras revistas. 17

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CAP. II - O CASO SUPERINTERESSANTE 2.1. Sobre a revista: história e memória 2.1.1. Alternativa à Muy Interessante A revista Superinteressante foi lançada em setembro de 1987, pela editora Abril, como segunda tentativa de sucesso no ramo de revistas especializadas em ciência e tecnologia. Carvalho (1996) relata em sua dissertação “A ciência em revista: um estudo dos casos de Globo Ciência e Superinteressante” que a Abril tentou conquistar o mercado de divulgação científica com a revista Ciência Ilustrada18, em 1981. No entanto, o projeto fracassou por não ter encantando a publicidade desejada pela editora, e foi encerrado três anos depois. A autora conta como a Superinteressante surgiu após o fim da Ciência Ilustrada: A Superinteressante [grifo da autora] nasceu de uma insistência. Carlos Civita, da Editora Abril, tentava convencer Roberto Civita, para que juntos fizessem uma revista de divulgação científica, com o motivo de que este segmento era um grande filão de público na Europa. Carlos Civita tinha um contrato com a revista espanhola Muy Interesante19 [grifo da autora] para a publicação da edição colombiana da revista, mas tinha o direito de optar em fazer a mesma revista aqui no Brasil. Depois de muita conversa, Roberto Civita resolveu arriscar a colocar em prática o projeto do lançamento de outra revista de notícias sobre ciência pela Abril. (CARVALHO, 1996, p. 27)

Em seu projeto editorial, quando a Superinteressante ainda não possuía esse nome e tinha a Muy Interessante como inspiração, buscava-se atender a falta de cultura geral20 do brasileiro, que era motivada por três causas: “o trabalho e a escola, que não permitiriam nem ofereciam o aprofundamento em conhecimentos gerais; e o dia a dia muito corrido, onde não haveria tempo para refletir sobre o assunto” (CARVALHO, 1996, p. 43). O público-alvo era o brasileiro entre 16 e 35 anos, com o segundo grau escolar, pertencente às classes A, B A Ciência Ilustrada foi uma revista publicada pela Abril entre 1969 e 1972. Ainda houveram algumas reedições até 1984, porém sua vendagem em torno de 80 mil exemplares mensais foi considerada baixa pela editora, que tratou de cancelar o projeto. 18

A revista “Muy Interesant” é uma marca parte de uma estrutura internacional iniciada na Alemanha, em 1978, pelo grupo Gruner & Jar, com o lançamento da “P.M.” (Peter Moosleitners interessantes Magazin). A marca atravessou fronteiras, conquistando suas versões na França (sob o nome de “Ça M’Interesse”), Inglaterra e Itália (com o título “Focus”) e na Espanha, México, Argentina, Chile, Venezuela e Colômbia (chamada de “Muy Interesante”). 19

Na concepção da revista, entendia-se “cultura geral” como “ciência ou arte, antiguidade ou grandes temas atuais, grandes catástrofes ou maravilhas da natureza, doenças ou grandes descobertas, arqueologia e meteorologia, física e tecnologia, religião e sociologia, alimentação e esportes etc” (CARVALHO, 1996, p. 48). 20

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e C, com renda familiar de, pelo menos, cinco salários mínimos, com pouca ou média cultura geral, e que era preocupado ou se sentia diminuído por não saber muito sobre esses conteúdos, portanto, com o interesse em saber um pouco de tudo. Segundo a autora, podiase concluir com o projeto editorial da Superinteressante que, além de ser um veículo de informação e entretenimento, a revista buscava, de certa maneira, suprir uma carência pressuposta na escolarização dos leitores. Certamente, tratava-se apenas de uma pretensão mercadológica, sem reflexões mais amplas sobre a questão. Mesmo porque, diante das expectativas do projeto de Super, o público a ser atingido já deveria possuir uma bagagem cultural, que seria apenas ampliada com a leitura da revista. (CARVALHO, 1996, p. 44)

Diferentemente da Muy Interesante, em que as edições eram replicadas por todos os outros países de língua espanhola que a publicavam, a versão brasileira, então chamada de Superinteressante, era pautada e editada pela redação da revista na editora Abril. Havia uma tentativa de buscar reconhecimento da comunidade científica, e não apenas “a publicação de curiosidades e coisas fantásticas, assuntos que não se podia dizer que eram de conteúdo científico” (CARVALHO, 1996, p. 27). Essa alternativa à simples tradução da versão espanhola também foi tomada após problemas técnicos e comerciais. Moraes (2007) relata em sua dissertação de mestrado que os fotolitos21 estrangeiros “eram maiores que os brasileiros, o que obrigou a editora a mudar seus planos e a fazer as próprias reportagens” (MORAES, 2007, p. 58). Já Carvalho (1996) destaca que o acordo da Abril com a Muy Interessante previa o pagamento de royalties, que dava direito a usar todo fotolito e fotografias das versões colombiana, argentina e mexicana, mas tinha direito vetado ao uso dos materiais das edições alemã, francesa e espanhola — ao menos que pagasse por isso. No entanto, o mesmo acordo não determinava regras a serem seguidas pela redação, tampouco exercia qualquer ingerência sobre a Superinteressante — fato que veio a ser benéfico para a consolidação da revista como um produto pensado por brasileiros e elaborado nacionalmente. A edição número zero (ver figura 1), encartada e distribuída nas outras revistas da editora Abril, foi lançada em setembro de 1987 como uma amostra, em 20 páginas, do que os leitores poderiam esperar da nova publicação que surgia, prometendo levar, mensalmente, “um pouco do universo de conhecimentos e curiosidades” para “quem pensa que já viu tudo na vida” (SUPERINTERESSANTE, 1987, edição zero, p. 4 e 18). Em 28 do mesmo mês, a Abril entregou às bancas a edição número 1, que trazia na capa a manchete 21

Chapas de metal utilizadas para impressão, funcionando como uma espécie de “carimbo”. 35

“A revolução dos supercondutores”. Ambos os produtos mostraram qual era o objetivo da publicação: apresentar conteúdos sobre Ciência, Natureza, Tecnologia, Astronomia (essas eram algumas das editorias exploradas), em textos simples, claros e para leitores de diversos níveis de instrução. Victor Civita, fundador da editora Abril, falou sobre a missão da revista na Carta ao Leitor da edição número 1: Não por acaso ela se chama SUPERINTERESSANTE, pois oferecerá aos leitores uma visão ampla do que se fez, do que se faz e — por que não? — do que se fará em termos de pesquisa e realização científica e tecnológica. Sua pauta de assuntos não terá limites, cobrindo, por exemplo, da Física à Pré-História, da Astronomia à Ecologia, da Informática à Psicologia ou à Religião. De forma clara, direta, acessível ao mais leigo dos leitores, SUPERINTERESSANTE mostrará o conhecimento científico não como um tesouro a que só alguns privilegiados têm acesso, por sua cultura, mas como algo que passa pelo cotidiano de todos nós, influenciando e modificando até mesmo os momentos mais simples de nossa vida.22

Figura 3: A edição zero, à esquerda, e a edição 1, à direita: ambas veiculadas em setembro de 1987. (Imagem: Reprodução/Superinteressante)

O sucesso foi grande. Carvalho (1996) aponta que as estimativas de circulação apenas da amostra de número zero da Superinteressante foram da ordem de 2 milhões de unidades, além de 6 mil pedidos de assinaturas antes mesmo de a edição 1 chegar às bancas. CIVITA, Victor. Carta ao leitor. [Editorial]. Superinteressante, edição 1, set., 1987. In: SUPERINTERESSANTE. Leia a primeira carta ao leitor que saiu na edição 1 da SUPER. 2012. Disponível em: . Acesso em: 29 de abril de 2016. 22

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Assim que o primeiro número foi comercializado, os 150 mil exemplares impressos se esgotaram em três dias, forçando a encomenda de 65 mil unidades adicionais. As vendas fecharam em 190 mil exemplares, surpreendendo, segundo Carvalho (1996), até mesmo os editores devido a um clima de ceticismo em relação à aceitação da revista pelo público.

2.1.2. Aspectos editoriais e gráficos na publicação No que se refere ao planejamento gráfico da Superinteressante, Carvalho (1996) destaca que o projeto da publicação foi pensado de modo a ser um produto agradável, bonito e que transmitisse excelência em qualidade e riqueza, com o intuito de prender a atenção do público. As manchetes na capa deveriam destacar os pontos intrigantes das reportagens (geralmente entre oito e dez matérias), sempre pelo aspecto da curiosidade. Moraes (2007) observa que a revista, com o objetivo de se destacar no mercado e seduzir o leitor na banca de revista — onde há uma multiplicidade de publicações disputando atenção —, dá destaque para o espetacular dos fatos, e cita Kossoy (2005) para fundamentar sua teoria: “A capa é a janela que conduz o leitor a um mundo ilustrado, que ele percorre todos os dias: a realidade enquanto montagem (...). O tema central da publicação apresentado apenas de forma séria não basta, pois o leitor tem uma expectativa de emoção e a revista promete isso. Nada de tédio, o que importa é o choque. A realidade deve ser estetizada para comunicar, o simples documento do fato deve ser embalado com cores vivas e a capa deve ‘gritar’ para se destacar das concorrentes”. (KOSSOY, 2005, p. 78 apud MORAES, 2005, p. 53)

Portanto, desde o princípio, as capas da Superinteressante foram pensadas para chamar a atenção do público pelo fator progressista e positivista da ciência e suas curiosidades, trazendo manchetes como: “Einstein - o homem que modestamente mudou o mundo” (edição 2); “Sol - o senhor da vida” (edição 5); e “Televisão - a tecnologia exibe o futuro” (edição 8); sempre envoltas a uma caixa vermelha na margem, passando a sensação de um produto embrulhado especialmente para o leitor. Cada edição distribuía suas reportagens nos seguintes eixos: Ciências Físicas e Biológicas, Ciências Sociais, Misticismo, Atualidades, Brasil e Outros. A revista também tinha oito seções fixas: Cartas e Ideias do Leitor, Grandes Citações, Entrevistas, Perguntas e Respostas (do leitor), Você sabia? Notas curtas e curiosidades, Testes, Passatempos, Você sabia Brasil? (ou informações sobre centros de pesquisa, universidades brasileiras etc).

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2.1.3. Reposicionamento ao longo das reformulações No comando da revista esteve o diretor de redação Almyr Gajardoni, entre 1987 e 1994. No ano em que ele passou a chefia para Eugênio Bucci (1994-1998), a Superinteressante teve uma grande reformulação gráfica. A mudança deu novos ares à diagramação e passou a valorizar infografias, que logo tornaram-se sua marca registrada. O impresso passou a ter um design que lhe concedia um caráter mais informal, além de incorporar uma série de recursos não verbais para oferecer uma grande absorção de informações em um simples folhear da revista (DINIZ; CAMPANHA; DANIEL, 2013). Em entrevista à autora Moraes (2007), o atual diretor de redação Denis Russo Burgierman, em sua primeira passagem pelo comando da Superinteressante (entre 2005 e 2007), contou que a primeira grande reforma da publicação, com Eugênio Bucci à frente, tinha a intenção de “(...) deixar a revista mais pop e de que ela se levasse menos a sério. O objetivo era uma visão mais curiosa do mundo. O leitor daquela época era principalmente adolescente.” (MORAES, 2007, p. 60)

No entanto, pesquisas em 1998 apontavam que o leitor da Superinteresante estava envelhecendo e, com isso, precisava-se aplicar uma nova reformulação na revista. Com a estreia de André Singer (1998-2000) como editor, passou-se a tratar mais de grandes temas. Mas apenas na virada do século, com a chegada de Adriano Silva (2000-2004) à direção, a revista foi profundamente modificada: “a Superinteressante parece direcionar sua noção de ciência positivista para uma ciência mais voltada para as humanidades e subjetividades” (NOVAES, 2006, p. 5). Na Carta ao Leitor de julho de 2002, Adriano Silva reforça o compromisso com as humanidades no novo momento da revista: “Muitas pessoas tendem a imaginar que a ciência se circunscreve às ciências exatas. E a achar que as ciências humanas e sociais não merecem muito respeito. Em decorrência disso, há sempre uma expectativa de ver na Super apenas matérias calcadas na matemática e na biologia, na objetividade e nos números, nos laboratórios e na visão cartesiana de mundo. Sempre que publicamos matérias sobre áreas mais subjetivas do saber humano, amparadas na cultura e no comportamento, há a impressão de que não estamos falando de ciência. Para nós, essa distinção não faz sentido. Para a Super, tudo isso é ciência. História, filosofia, semiótica e psicologia, por exemplo, são objetos de estudo tão instigantes e merecedores de atenção quanto a física ou a química, a alta tecnologia ou a astronomia. Em suma: os pensamentos e os sentimentos nos interessam tanto quanto os neurônios e as células. A aventura humana, contraditória e espetacular, nos encanta

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tanto quanto os átomos e as moléculas. E isso não torna a Super menos científica. Muito ao contrário”23.

À Moraes (2007), Denis Russo Burgierman afirmou que a mudança buscou desvincular a imagem de que a revista era para “nerds” e tentou mostrar que ela era mais pop e “cool”24. Os assuntos em destaque deixaram de estar centrados nas ciências naturais e o foco se deslocou para as ciências humanas, religiões, misticismos, polêmicas e, também, temas negativos. Segundo o diretor de redação, a revista começou a pensar de um jeito novo, chegando a publicar, por exemplo, uma capa em 2001 sobre morte. Ele relatou que existia um consenso sobre evitar assuntos negativos, pois a Superinteressante tinha o que ele chama de “uma visão cor-de-rosa do mundo” e uma preocupação em não ofender o leitor. Com a reformulação, decidiu-se falar sobre tudo, abertamente. “Se escrever pensando em não ofender ninguém, a gente não faz nada” (MORAES, 2007, 61). Na Carta ao Leitor da edição 155, a primeira após a reformulação sob o comando de Adriano Silva e veiculada em agosto de 2000, o diretor disse aos leitores que: “Ao mergulhar nesta edição, você perceberá que a Super está mais atraente, mais saborosa. O design está mais arejado, mais bonito. Os textos estão mais suculentos, mais bem-humorados, acrescentando alegria ao rigor e à solidez habituais da SUPER. Tudo isso porque lidar com o conhecimento é muito divertido [...]. Meu desafio é, junto com a brilhante equipe da SUPER, fazer de cada página da revista uma experiência estética e literária vibrante, surpreendente, radicalmente interessante [...]. Elas [as novas seções], somadas às seções que você ajudou a consagrar na SUPER, têm um só intuito: encantá-lo”25.

É possível observar que, a partir da nova fase, intensificou-se o apelido de “SUPER” à publicação, caracterizando-se como uma simplificação da marca com o intuito de deixá-la mais intimista, assim como seus conteúdos — que, nas palavras de Adriano Silva, passaram a ser mais “suculentos” e “bem-humorados”, consequentemente se distanciando da rigidez das ciências naturais ou, como ele disse, acrescentando “alegria” ao seu rigor. A nova maneira de fazer a Superinteressante não evidenciou apenas conteúdos das áreas de humanas. Novaes (2006) observou que houve uma ascensão de temáticas religiosas, místicas e pseudocientíficas ao analisar todas as capas da revista, entre setembro de 1987 e setembro de 2014. Especificamente na direção de Adriano Silva, o autor observou que

A íntegra da Carta ao Leitor de Adriano Silva está disponível no site da Superinteressante, sob o título “O que é ciência?”, em: . 23

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Termo em inglês para designar algo legal, interessante.

A íntegra da Carta ao Leitor de Adriano Silva está disponível no site da Superinteressante, sob o título “A nova cara da SUPER”, em: . 25

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18% das capas apresentavam temática religiosa; 14% sobre misticismo/esoterismo; e 10% abordaram medicina alternativa. Além dessas temáticas, eram predominantes, também, capas sobre comportamento, cultura pop/ficção e saúde. Novaes (2005) relata uma entrevista26 de Denis Russo Burgierman, em que o diretor é questionado sobre os motivos das mudanças de capas, antes voltadas às ciências exatas, físicas e biológicas e, depois dos anos 2000, com destaque às ciências humanas e sociais. Denis explicou que o fato tem a ver com o “Interesse do público. E interesse do público se mede de um jeito simples — a capa que vende mais é a que interessa mais gente. Ou seja, não tenho nenhum constrangimento em dizer que escolhemos capas pelo potencial de vendas. Acho que temas relacionados às ciências estão sim com muita frequência nas nossas capas — mas a abordagem costuma ser pelo que aquilo tem a ver com o leitor”.

E, pelas mudanças gerenciadas a partir do interesse do público, não era mais adequado, portanto, referenciá-la, como uma revista de divulgação científica. Denis endossa o argumento afirmando que a publicação não está a serviço da ciência: “Olha, pessoalmente não gosto da expressão ‘divulgação científica’. Para mim, parece trabalho de assessor de imprensa. Dizer que a Super divulga ciência é como dizer que ela está a serviço da ciência — tentando iluminar o leitor desinformado que vive nas trevas do misticismo com o conhecimento puro da academia. E não é isso que fazemos. Estamos a serviço do leitor, tentando encontrar no mundo (nos domínios da ciência, inclusive) temas que o interessem, que sejam relevantes, que o ajudem a lidar com as grandes questões e a se posicionar perante elas. Acho sim que essa percepção é algo novo e é uma tendência”.

Tais mudanças são avaliadas por Novaes (2006) como tentativa de satisfazer as expectativas, desejos e interesses do leitor. Para o autor, isso aconteceu porque a revista passou a lidar com leitores pós-modernos e, para isso, era necessário também se reinventar na pós-modernidade: Distanciando-se da visão absoluta do iluminismo e do positivismo, Superinteressante aborda a ciência de maneira mais social, humana, filosófica e relativa, porque é assim que o leitor pós-moderno a vê, a entende e a aceita. (NOVAES, 2006, p. 10)

A íntegra da entrevista, originalmente concedida a Allan Macedo de Novaes, para o Canal da Imprensa, está com o link indisponível no site do periódico. No entanto, a mesma entrevista foi publicada na edição 328 do Observatório da Imprensa, em maio de 2005, e está disponível em: . 26

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As mudanças demonstraram surtir efeito, sobretudo entre 2001 e 2003 — período em que a publicação bateu recordes de vendas. A capa “A verdadeira história de Jesus” (dezembro de 2002) configura-se como a edição de mais vendagem em banca, com 185 mil exemplares, seguida de “Bíblia - O que é verdade e o que é lenda” (julho de 2002). A terceira maior vendagem abordou “Dalai Lama” (agosto de 2001), e teve 129.500 exemplares vendidos. E, em quarto lugar, a capa “Matrix - A realidade é uma ilusão?” (março de 2003) atingiu o patamar de 129.900 edições comercializadas.

Figura 4: Da esquerda para a direita e em ordem decrescente, as capas mais vendidas. (Imagem: Reprodução/Superinteressante)

Em junho de 2005, uma pequena reformulação gráfica e editorial foi colocada em prática, ganhando mais cores, mais seções e recursos gráficos. Na entrevista à autora Moraes (2007), Denis Russo Burgierman destacou que, após a sua ida para a direção da revista, as mudanças aplicadas foram para a Superinteressante estar mais sintonizada com o mundo, “atenta às ideias novas que surgem e que nos ajudam a entender o que acontece ao nosso redor (...) Mais divertida, e ao mesmo tempo mais séria (...). Mais clara, mais aprofundada” (MORAES, 2007, p. 66). Na web, foram implementados blogs, vídeos, bastidores da redação, atualizações diárias no site, conteúdos extras das matérias e promoções (DINIZ et al., 2013). Sob direção de Sérgio Gwercman (2007-2012), a revista passou por mais uma reformulação em 2009. Foi refeito o projeto gráfico, inserindo novas fontes, novos desenhos de páginas e novos ícones com o intuito de melhorar a organização dos elementos visuais, dar mais dinâmica à leitura e valorizar seu design gráfico. Em relação à parte editorial, algumas seções deixaram de existir e outras foram criadas. Além disso, começou-se a apostar ainda mais em infográficos. Diniz et al. (2013) destacam que as mudanças foram marcadas pela valorização da forma, dando mais espaço para o jornalismo visual, e que o produto final “representou a consolidação da infografia como um elemento de criatividade, capaz 41

de desestruturar o comum e promover inesperadas maneiras de exibição da notícia” (DINIZ et al., 2013, p. 11). Embarcando na solidificação da internet no Brasil, a Superinteressante comemorou seu aniversário de 20 anos disponibilizando, em setembro de 2007, todos os seus textos na rede. Gratuitamente, qualquer internauta passou a poder conferir duas décadas de conteúdo. Desde então, a prática continua, e o usuário pode ler matérias de edições anteriores, exceto as do mês vigente. O site da revista passou a contar, também, com novos blogs, colunas e infográficos digitais.

Figura 5: Superinteressante divulga primeira edição para tablet. (Imagem: Superinteressante)

Com a ascensão dos tablets, a revista não ficou de fora do ramo das publicações digitais interativas. No dia 1º de abril de 2011 chegou a novidade, anunciada no site do periódico como “A primeira vez de SUPER: revista lança versão para iPad”27. A primeira edição foi de graça, e o diretor de redação Sério Gwercman contou, na notícia, que foi necessário a equipe estudar programação e softwares para poder entender como animar28 as publicações e infográficos. Com a versão digital, a Abril vendeu a ideia de que o leitor encontraria um produto diferenciado, repleto de possibilidades multimídia que o tablet permite — assim como tantas outras publicações e editoras no Brasil faziam. No entanto, ao

27

Disponível em: .

Tratando-se de publicações digitais interativas para tablets, “animar” significa inserir recursos visuais e atrelados ao toque do dedo para dar movimento e dinamicidade à imagem, texto ou elementos visuais. Exemplos disso são rolar uma coluna de texto com parte oculta para dar continuidade à leitura e tocar em partes do infográfico para abrir janelas com mais informações. 28

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comparar edições impressas com digitais em 2014, Alves (2014) observou que a Superinteressante já não vinha se apropriando tão bem das potencialidades do webjornalismo, investindo pouco em hipertextualidade, interatividade e nada em multimidialidade: O que se percebe é que apesar da tentativa de oferecer um conteúdo diferenciado numa nova plataforma, a Superinteressante parece não ter preocupação em explorar todas as potencialidades que o meio digital no suporte tablet pode favorecer. Em uma das edições analisadas (Julho/2014 – nº 335), a reportagem da amostra se assemelha a um PDF, muito utilizado nas revistas para web nos anos 1990, por ser uma mera transposição estática da mesma edição na versão impressa. (ALVES, 2014, p. 78-79)

2.2. Mudanças fundamentais em 2015 2.2.1 Reformulação gráfica e editorial Enquanto, no tablet, o produto lançado em 2011 e comercializado até hoje não trouxe tanta novidade como prometido, no impresso se encaminhava mais uma reformulação. Desta vez, novamente sob direção de Denis Russo Burgierman (2012 até o presente momento), a Superinteressante apostou em uma grande mudança gráfica e editorial colocada em prática a partir da edição de maio de 2015. A começar pela capa (ver figura 6), foi extinta a tradicional moldura vermelha repetida durante 28 anos, passando a dar ainda mais destaque às imagens impactantes e em grande tamanho. Tanto por fora quanto por dentro, as fontes mudaram. O índice (chamado de “Cardápio” na revista), foi encurtado de duas para uma página, deixando o formato de grande infográfico. Deu-se espaço para literatura de ficção, perfis e quadrinhos. Atenta aos hábitos dos internautas, há agora seções especiais para dicas de streaming. Diferentemente da primeira Carta ao Leitor da revista, em setembro de 1987, em que eram explicados os objetivos da Superinteressante — entre eles o de compartilhar o que a ciência trazia de novo —, a definição de hoje da revista na App Store e na Google Play29 sequer cita a palavra “ciência”, e foca no dito “essencial para entender o mundo”: “Superinteressante é a maior revista para jovens adultos do Brasil, conhecida por seu texto inteligente, design inovador e infográficos premiados. Publicada mensalmente pela Editora Abril desde 1987, seus temas principais são comportamento, tendências, cultura, saúde, tecnologia e história. Essencial para entender o mundo complicado em que vivemos, 29

A App Storee o Google Play são as lojas de aplicativos da Apple e da Google, respectivamente. 43

ajudando a separar a verdade do mito, o importante do irrelevante, o novo do velho – tudo de forma surpreendente, provocativa e ousada”30.

Figura 6: Edição 346, de maio de 2015, com novo design e novos conteúdos. (Imagem: Reprodução/Superinteressante)

2.2.2. Dados atuais de circulação e audiência da SUPER Em editorial intitulado “Um monte de gente”, da edição 350, publicado em agosto de 2015, o diretor de redação da SUPER Denis Russo Burgierman conta aos leitores alguns dados. São cerca de 300 mil revistas circulando todo mês pelo Brasil, 3,5 milhões de pessoas acessando o site da SUPER mensalmente, e 3,5 milhões de seguidores no Facebook. Não são mencionados o Instagram e Twitter no texto, mas no dia 8 de maio de 2016, os perfis da revista nessas redes sociais contavam com 87,3 mil e 2,6 milhões de seguidores, respectivamente.

Definição da Superinteressante nas lojas de aplicativo App Store (disponível em: ) e Google Play (disponível em: ). 30

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Segundo a Mídia Kit31 da marca, o público atual da SUPER é formado por 60% homens e 40% mulheres. A média de idade dos leitores é de 31 anos, e 80% deles pertencem à classe AB. O leitor passa, em média, 43 minutos dedicados à cada edição da revista e três minutos navegando pelo site. Em relação ao conteúdo, 96% dos leitores comentam com outras pessoas sobre o que leram na revista. E, em temos de audiência, a Superinteressane é a 2ª maior revista digital para tablets do país, com cerca de 70 mil exemplares mensais em circulação. Tabela 5: SUPERINTERESSANTE – Dados públicos sobre audiência geral em 2016

2.3. Estratégias de permanência e fidelização da marca 2.3.1. Marca e sobrevivência Mediante esse cenário de crise vivido pelo mercado impresso, empresas jornalísticas precisam tomar medidas para se adaptarem aos novos tempos. A consolidação da internet como ferramenta fundamental de trabalho e comunicação, além de funcionar como um meio de informação e entretenimento a partir do final do século XX e, sobretudo, nesses anos que se seguem no século XXI, trouxe para o mercado de impresso uma acirrada disputa de público. É comum ouvir de pessoas das Gerações Y e Z32 que o hábito de assinar ou comprar Mídia Kit é um arquivo disponibilizado na seção de marcas da Publiabril, o portal de publicidade da Abril, que funciona como propaganda das publicações editadas pela companhia, contendo dados sobre cada marca. A Mídia Kit da Superinteressante está disponível em http://goo.gl/X1KZjF. 31

As Geração Y e Z são definições sociológicas para se referir às gerações de pessoas nascidas a partir do início da era da internet, que deu seus primeiros passos como a conhecemos hoje nos anos 1980. A Geração Y corresponde às pessoas que nasceram na década de 1980, e a Geração Z se refere aos “nativos digitais”, ou seja, jovens que vieram ao mundo a partir dos anos 1990 e que cresceram familiarizados com a internet, músicas digitais, telefones móveis, compartilhamento de arquivos e acesso às redes moveis. 32

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jornais e revistas quase não existe, visto que essas novas gerações vivem, em grande parte do tempo, conectadas à internet — principal ponto de partida, hoje, para leituras e buscas de informação dessas pessoas. Tornieiro (2015) entende que o futuro do jornalismo depende de mudanças radicais e estruturais na organização dos veículos de informação. Ele defende a ideia de que o jornalismo não perdeu a sua função, mas continua sendo aquilo que sempre foi: essencial. Apesar de a internet ter dado mais possibilidades de o leitor se informar por meio de diferentes sites, blogs e veículos de informações que não os tradicionais — formando, assim, um ambiente ainda mais acirrado de disputa por público —, o autor destaca que a sobrevivência no ambiente online depende da apropriação desse novo ecossistema emergente da era das redes, debruçando-se sobre as infinitas “oportunidades de fazer um bom trabalho de novas maneiras, seja pela incubação de experiências em startups ou dentro de sistemas empresariais tradicionais” (TORNIEIRO, 2015). Em 20 de agosto de 2015, Denis Russo Burgierman, diretor de redação da Superinteressante, concedeu uma entrevista para este trabalho, de modo a esclarecer o posicionamento da revista no atual cenário de queda do mercado editorial de impresso e suas estratégias para sobreviver na era da internet. A principal aposta para continuar levando ao leitor os conteúdos que a equipe da Superinteressante se compromete a entregar é, segundo Burgierman, o fortalecimento e dinamismo da marca “SUPER” — apelido que ele utiliza para se referir não só à revista, mas à chancela de todos os produtos originados a partir dela. O conceito de marca, de acordo com o teórico e especialista em marketing Kotler (2000), tem, em sua essência, o objetivo de identificar a empresa, produto ou fabricante, podendo ser um nome, uma marca comercial, um logotipo ou um outro símbolo. Uma marca é essencialmente uma promessa da empresa de fornecer uma série específica de atributos, benefícios e serviços uniformes aos compradores. As melhores marcas trazem uma garantia de qualidade. (KOTLER, 2000, p. 426)

Para o autor, marca fornece uma série de significados, como trazer à memória certos atributos, que podem ser traduzidos em benefícios funcionais e emocionais. Ela ainda carrega os valores da empresa, pode representar certa cultura e projetar uma personalidade, além de sugerir qual o tipo de consumidor que compra ou usa o produto. Desses significados que a marca carrega, os mais permanentes são, segundo Kotler, “seus valores, cultura e personalidade. Eles definem a essência da marca” (KOTLER, 2000, p. 427). E é por isso que,

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em sua visão, as marcas podem durar mais que os produtos, pois elas representam um poder capaz de manter clientes fiéis ao longo do tempo. Burgierman relata que a Superinteressante cresceu como marca, e isso se deve à adaptação aos novos desafios propostos ao passar dos anos, sobretudo com a imensurável fonte de informação que os leitores passaram a ter com a internet: “Ao longo das últimas décadas e, desde o começo do século XXI, a SUPER só cresceu como marca e ficou cada vez mais relevante. Ela era uma revista média e, hoje, ela é uma das maiores revistas do Brasil. Eu acho que isso tem a ver com o fato de que a SUPER identificou bem as mudanças dos tempos. Antes, uma revista do século XX era muitas vezes a sua única fonte de informação. E aquilo que a revista fazia pelas pessoas mudou. Hoje em dia, o ‘cara’ está mergulhado em informação. A revista não pode ser só mais ruído no meio do oceano. A gente começou a perceber que o papel da SUPER tinha que ser de ajudar a navegar nesse oceano de informação e não deixar você se afogar, porque está fácil de se afogar nele”.

É possível notar que a equipe por trás da Superinteressante passou a encarar o trabalho de jornalismo como essencial para selecionar, dentre o universo de informações disponíveis a um clique ou toque, aquilo que ela entende como fundamental ao seu público. Lorenz (2011) destaca que “o poder de distribuir notícias está agora disponível para todos, com o custo de criação de qualquer site, com qualquer sistema de gestão de conteúdos” (LORENZ, 2011, p. 141). E é por isso que, com a dispersão de público na internet, a preocupação se volta para a permanência dos veículos e publicações em meio àquilo que Burgierman chama de “oceano de informações”, ao passo que Lorenz entende como estratégias de se manter relevante: A questão premente em todo o mundo é como manter-se relevante, manter a ética jornalística e encontrar ainda uma forma de refinanciar tais ofertas. A questão é relevante para as empresas de media, com e sem fins lucrativos (públicas). (LORENZ, 2011, p. 137)

Para se manter relevante, é preciso que o público continue consumindo os produtos dessa marca, caso contrário ela irá perder valor. E o que faz o público continuar fidelizado à marca é a confiança. Lorenz defende a ideia de que é preciso se afastar da lógica da economia da atenção para a economia da confiança, ou seja, concentrar-se em um aspecto diferente da notícia, importando-se menos com a busca de atenção de um gigantesco público e mais com a percepção do seu público sobre sua marca. “A confiança é algo que é difícil de construir e fácil de perder. E é também um recurso escasso (LORENZ, 2011, p. 152). Burgierman entende que a confiança acontece quando a marca consegue repensar quais são seus atributos e que tipo de conteúdo ele quer fornecer para, essencialmente, fazer 47

diferença ao seu público, independentemente da plataforma ou suporte. Se a marca se propõe a compartilhar conhecimento, ela poderá fazer isso por diversos meios, apropriandose das mudanças tecnológicas e sociais e se reinventando para atender ao seu público a partir da dinâmica de modo como ele se comporta em determinados momentos históricos: “A tendência é mais as marcas pensarem ‘pô, quais são os meus atributos?’, ‘O que que eu, SUPER... Por que as pessoas gostam de mim, SUPER?’ O que elas querem é tentar entender qual é a essência da marca para trabalhar de mil jeitos com essa essência. Acho que algumas marcas estão conseguindo fazer isso. A SUPER é uma marca que está conseguindo fazer isso. Até porque é uma marca adorada, né? As pessoas adoram a SUPER (...) Então, tem marcas que têm uma imagem mais positiva, né? Tem outras que estão sofrendo mais. Tem outras marcas que estão com dificuldade muito maior de entender quais são os atributos delas. Então, fazer essa transição... Tem marcas que vão morrer porque não vão conseguir se adaptar. É o que acontece sempre em uma revolução. Em uma mudança muito geral de hábitos, certas coisas ficam obsoletas, certas coisas se adaptam. Quase nada continua igual. Eu acho, assim... O ‘cara’ que vai continuar fazendo exatamente aquilo que faz e vai continuar dando certo? Esse é um cenário que eu acho que não vai existir para quase ninguém.

Nesse sentido, a Superinteressante aposta em diversas selos editoriais e produtos além da revista impressa para garantir uma amplitude de possibilidades, testes e caminhos que levem aos leitores aquilo que desde sempre eles confiaram no que a marca iria “entregar”33: conhecimento variado e de fácil entendimento. A marca em questão, de acordo com Burgierman, deixou de se apegar à publicação impressa como se fosse apenas um único produto, pois as relações de seu público com a leitura têm mudado e, embora ele afirme que a revista impressa ainda continua sendo o principal produto da marca e economicamente viável, imprimir revistas é um processo caro e dependente de uma lógica bastante complexa e trabalhosa: “Fato concreto da vida: tem menos gente lendo coisas em papel do que tinha antes. É um fato. No caso da SUPER, que é um título muito grande, continua tendo gente suficiente para sustentar a operação impressa de sobra. A SUPER é lucrativa. (...) Mas, sei lá, eu acho que nos próximos dez anos a gente vai ouvir essa notícia com muita frequência, muita revista impressa que vai parar de circular em papel. Porque é uma operação cara e ineficaz. (...) É um trabalho imensamente complexo. Tem um caminhão que leva pilhas dessa revista, aí vai um ‘cara’ de bicicleta e pega essas revistas e leva até a sua casa. É uma logística tremendamente complexa. Compara isso subindo num site e esse site distribuindo para as pessoas no Brasil todo.”

O termo denota jargão muito comum usado no jornalismo de hoje, referente ao ato de disponibilização do produto final veiculado para os públicos receptores. 33

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Esse movimento de apostar em novas possibilidades de distribuição de conteúdo tem sido importante para garantir à marca a capacidade de se preservar no cenário de queda do impresso (e, consequentemente, do modelo do negócio), disponibiizando ao seu público o conteúdo que está em sua essência, criando um cenário capaz de manter seus leitores fidelizados. Assim, a Superinteressante parece estar traçando estratégias para um cenário em que poderá futuramente não existir mais em papel — como tantas revistas impressas vêm deixando de circular —, mas permanecer com a marca em sintonia com os diferentes modos de consumo de seu público. Isso significa um movimento de perda da identidade como veículo revista, mas fortalecimento de uma marca que continuará trabalhando com os mesmos conteúdos, em diferentes plataformas, de maneira transmídia34, seja por meio do site, newsgames, selos editoriais, canal no YouTube, perfis em redes sociais ou filmes no cinema e em plataformas de streaming. “(...) na prática, você adora as revistas não porque têm papel grampeado, é por causa de algo que a revista te dá. E que não é muito fácil de definir. Porque o que SUPER te dá é bem diferente daquilo que a VEJA te dá, que é diferente do que Carta Capital te dá, que não tem nada a ver com que Elle te dá. (...) Eu acho que o que a gente vai ver nos próximos anos são cada vez mais soluções tecnológicas para as pessoas [jornalistas ou empresas] darem mais ou menos aquilo, de jeitos cada vez mais variados e cada vez menos limitados (...) e tem um monte de risco no caminho para quem está no business, porque as empresas estão tendo que se reinventar, os modelos de negócio estão correndo perigo. Mas do ponto de vista de alguém que produz conteúdo e que adora consumir conteúdo, ‘cara’, é a era de ouro do conteúdo. (...) ano passado a gente fez uma revista, essa revista nos deu a ideia de um vídeo para a internet, esse vídeo para a internet nos deu a ideia para um longa-metragem que passou no cinema. (...) Eu, como um editor de revista dos anos 1980, jamais iria ter sido um produtor de um filme do cinema. As barreiras estão caindo. As fronteiras estão caindo.”

Diante deste novo cenário que se desenha, em que os veículos de comunicação impresso, para sobreviver, precisam se desprender do suporte “papel” para prosseguir no trabalho de informar, muitas marcas, como a Superinteressante, acabam expandindo seu espectro de produtos, de modo a gerar receita a partir de novos meios e tornar sua existência economicamente possível. Costa (2014) supõe que, a partir do momento em que uma marca de mídia estiver em sintonia com a realidade do compartilhamento da informação, ou seja, com essa nova era em que os conteúdos sobrevivem principalmente na internet e com mais chances de se

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Trataremos desse conceito mais à frente. 49

espalharem, ela será capaz de continuar ativa. Para isso, ele elenca seis pontos aos quais é necessário se atentar, de modo a garantir a fidelização e permanência da marca, já que “as empresas jornalísticas estão condenadas a ir em frente no ambiente digital, se não quiserem morrer” (COSTA, 2014):

1) Não ter medo de reinventar a empresa, de começar do zero e nem de buscar colaboração dos jovens, os nativos digitais; 2) entender que a indústria do jornalismo na era industrial era um negócio de distribuição e que a nova realidade pede um serviço cuja administração da relação digital com o consumidor passa a ser a chave estratégica; 3) investir em tecnologia; 4) produzir informação de acordo com o espírito de cabeças nascidas digitais (e não analógicas), mirar no público jovem; 5) sintonizar a empresa jornalística com a realidade do compartilhamento da informação e da sua superdistribuição – buscar escala na rede; 6) ampliar o leque de serviços que a empresa jornalística tradicionalmente proporciona, no sentido da oferta de novos produtos e serviços. (COSTA, 2014)

A lógica proposta pelo autor é possível de ser visualizada no contexto da Superinteressante, e as análises de sua reinvenção, produção de informação e ampliação do leque de serviços e produtos será objeto de estudo nas próximas páginas, com o intuito de entender as estratégias traçadas para continuar oferecendo conteúdos que sejam consumidos, atuando, simultaneamente, na permanência, aprovação e fidelização da marca — que é entendida pela equipe da SUPER o seu bem mais valioso, pois é o que legitima e dá credibilidade aos seus projetos e modos de fazer, como explicou Burgierman em uma outra entrevista35 realizada coma um grupo de estudantes da UFRRJ, em visita à redação da Superinteressante, na qual o autor deste trabalho também esteve presente: “(...) a gente acha que tratar bem essa marca é a parte central do nosso trabalho. Essa marca é a coisa mais valiosa que a gente tem, precisamos cuidar bem dela. Tratar bem da marca significa tratar bem a relação da marca com as pessoas, mas também porque a gente quer ter o nosso dedo no pulso do leitor, a gente quer sentir o que ele está sentindo, a gente quer entender para conseguir pensar como ele, para conseguir pautar uma revista que seja aquela revista que ele quer ler”.

A entrevista concedida pelo editor-chefe Denis Russo Burgierman a estudantes de Comunicação Social – Jornalismo da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ) fez parte de uma visita do grupo à cidade de São Paulo, em diferentes redações jornalísticas, com o objetivo de entender os desafios da convergência e inovação em jornalismo. A atividade fez parte da pesquisa de campo desenvolvida na atividade acadêmica “Laboratório de Convergência Digital II”, ministrada pela professora Drª Simone Orlando, no segundo semestre de 2015, e aconteceu em uma tarde do dia 20 de agosto de 2015, após a primeira entrevista realizada exclusivamente para este trabalho. 35

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2.3.2. O portal: características de remediação com a estrutura impressa Sob o domínio www.super.abril.com.br, o portal da Superinteressante é, depois da revista, o principal produto da marca. Nele, concentra-se todo o conteúdo da publicação impressa (exceto o das edições mais recentes), além de textos escritos exclusivamente para a plataforma. Reformulado em 2015, o site passou a ter um design responsivo, ou seja, capaz de se adequar aos diferentes tipos de telas, do computador ao smartphone (ver figura 7). De fácil navegabilidade, ele é dividido, basicamente, em duas áreas: um menu, com duas linhas compostas de hiperlinks estruturais e a grade de matérias (espaço logo abaixo do menu onde se encontram as publicações mais recentes, seguidas sempre de uma imagem com um título e, às vezes, com subtítulo). O menu é a linha de partida para o acesso a todo o site. Nele, estão localizadas duas linhas de seções do portal. A primeira, logo após a logomarca da Superinteressante, apresenta opções genéricas de navegação por tipo de mídia e produto. São eles: Blogs: Espaço destinado a páginas assinadas por jornalistas da Superinteressante e convidados, que abordam temas de seus interesses, dentro da linha editorial da marca. Não há uma lista rápida de blogs ou autores para acessar diretamente. É preciso rolar a página para encontrar, por meio dos textos mais recentes, o blog à qual a publicação pertence, seguido do autor — o que quebra um pouco a lógica de procurar blogs para ler e não postagens aleatórias. Especiais: seção multimídia com gráficos elaborados para a revista impressa, mas adaptados para o ambiente digital, de modo a permitir uma interatividade; além de outros conteúdos como jogos. É uma página confusa, pois não é possível entender muito bem a seção apenas clicando e visualizando o único conteúdo apresentado na página — o mais recente dos “Especiais”. Para navegar entre outros arquivos multimídia, é preciso rolar a página, passar pelos comentários dos visitantes (feitos através do Facebook Comments Plugin36) e, só então, chegar em um grupo de imagens em formato quadricular e clicáveis, com pouco destaque, seguidos do título “Outros infográficos” — um equívoco, já que os links também apresentam jogos.

Facebook Comments Plugin é uma ferramenta anexada aos sites que permite aos usuários fazerem comentários sobre o post ou a página. Desta maneira, o desenvolvedor não precisa criar um sistema de comentários, já que o Facebook oferece um serviço para isso. No entanto, é preciso ter uma conta na rede social para comentar, pois ajuda a verificar a identidade de quem está escrevendo, evitando abusos em anonimato. 36

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Figura 7: Captura de tela das páginas iniciais da Superinteressante na versão para computador (alto), para smartphone (esquerda) e para tablet (direita). (Imagens: Reprodução/Superinteressante)

Newsgames: página que reúne os jogos eletrônicos da Superinteressante baseados em fatos históricos verídicos. É um espaço de fronteira entre videogame e jornalismo e que reúne um tipo de trabalho caracterizado como uma das grandes inovações da marca, permitindo explorar as possibilidades de levar conhecimento de diferentes modos. Assim, é possível entreter o público, sem deixar de lado a premissa de compartilhar o saber. Não é possível dizer se os newsgames atraem muitos jogadores para o site com a única finalidade 52

de jogá-los, pois o mercado de games oferece uma gama de jogos de grande impacto na indústria do entretenimento. Mesmo assim, é notório destacar que a prática da marca em diversificar a produção de conteúdo tenta transmitir aos leitores a ideia de que a Superinteressante se empenha na tarefa de apresentar novidades e produções diferentes das habituais e praticadas pelo mercado editorial de revistas.

Figura 8: Seção “Newsgames” reúne produções que transitam entre o entretenimento e jornalismo: os jogos virtuais inspirados em fatos verídicos. (Imagem: Reprodução/Superinteressante)

Testes: Uma lista com todos os quizes elaborados pela Superinteressante, com o objetivo de testar os conhecimentos do leitor — em forma de um jogo de perguntas e respostas — e relacionar sua personalidade com as temáticas abordadas. Fotos: Apresenta uma série de postagens em que a fotografia é a protagonista do espaço. Cada publicação vem com uma galeria de imagens relacionadas à temática, seguida de legendas em formato de pequenas notas — um recurso amplamente utilizando no webjornalismo em geral. 53

Vídeos: seção para agrupar todos os vídeos produzidos pela Superinteressante. Vale ressaltar que o site não utiliza um player de vídeo próprio da editora, e sim o da plataforma YouTube. Ao centralizar os vídeos no serviço do Google, as chances de eles serem encontrados (e compartilhados) aumentam exponencialmente, uma vez que eles passam a aparecer em resultados de buscas no YouTube. Arquivo: O “Arquivo” é, talvez, uma das seções mais interessantes do site, sem deixar de dizer democrática. É onde a Superinteressante compartilha, gratuitamente, todas as suas matérias publicadas na revista impressa, mas não de forma digitalizada. Cada reportagem da revista é lançada para o site como uma publicação separada, mas ancorada à edição impressa correspondente. No entanto, esse movimento pecou, durante muito tempo, por não transpor as imagens, ilustrações, infográficos ou outros recursos visuais utilizados na revista para auxiliar na leitura e interpretação do texto, resultando em um texto longo, monótono e sem o mesmo apelo visual da edição física. A partir da reformulação do site em 2015, essa questão parece ter sido revista e os textos passaram a agregar a maior parte das imagens e ilustrações do impresso. Ainda na seção, é possível navegar por ano para encontrar a edição desejada, ou pesquisar um assunto para verificar em qual publicação ele foi abordado. As edições mais recentes têm apenas parte do conteúdo disponibilizado, mas a partir da 6ª edição anterior à atual já é possível encontrar os mesmos conteúdos do impresso. Pode-se afirmar que o “Arquivo” é um diferencial da Superinteressante, que aposta na virtualização do seu conteúdo, de modo a não ficar esquecido no papel, mas acessível a todos na internet, permitindo a difusão dessas produções e de sua marca. Tablet: A página que se abre ao clicar em “Tablet” (ver figura 9) é de caráter propagandístico, informando ao internauta que a SUPER tem edição digital para tablets, além de oferecer links que o direcionam à compra dessas edições. Não há grande apelo visual ou discursivo para o incentivo ao consumo da mídia digital — fato que demonstra pouco esforço da marca em promover esse tipo de produto, tendo em vista o cenário mundial apontando para a queda da venda dos tablets e, consequentemente, do consumo de publicações digitais. Assine: Ao clicar na seção “Assine”, o usuário é automaticamente redirecionado ao portal de assinaturas da editora Abril, com a opção de assinar apenas a revista impressa ou digital e, também, as duas juntas.

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Figura 9: Seção “Tablet” tem pouco apelo publicitário para o incentivo ao consumo da edição digital, que já não é mais tendência no mercado editorial de revistas. (Imagem: Reprodução/Superinteressante)

A segunda linha do menu principal do portal, com mais destaque, fonte em tamanho maior e na cor branca, apresenta as seções que dividem os conteúdos do site, funcionando como editorias. Elas separam os conteúdos por temas, sendo eles: Cotidiano, Ideias, Ciências, Tecnologia, Cultura, Comportamento e História. Cada uma dessas seções, exceto “Cotidiano”, possui subseções relacionadas à mesma temática, conforme a seguinte estrutura: - Cotidiano (sem subseção); - Ideias: Inovação | Sustentabilidade; - Ciência: Astronomia | Física | Mundo Animal | Saúde; - Tecnologia: Tendências | Gadgets | Aplicativos; - Cultura: Cinema e TV | Filmes | Games | Livro; - Comportamento: Álcool e Drogas | Amor e Sexo | Psicologia; - História: 2ª Guerra Mundial | Personalidades Históricas | Religião | Sociedades Secretas. 55

Ao navegar por cada uma dessas seções, o internauta terá acesso às cinco publicações mais recentes sobre o tema. Mas é possível clicar em um botão escrito “Ver tudo” para acessar o restante dos conteúdos.

Figura 10: Menu principal apresenta destaque com as temáticas abordadas pela Superinteressante. (Imagem: Reprodução/Superinteressante)

A forma de organizar o conteúdo do site nessas respectivas editorias apresenta ao internauta, de início, a essência do que é a Superinteressante. Se ela já foi conhecida como uma revista de divulgação científica, hoje a marca se apresenta em seu site como um portal além da seção “Ciência”, trazendo ao leitor assuntos que passam também pelo campo da cultura, do comportamento e cotidiano, por meio de textos, jogos, galerias de imagens e vídeos, podendo ser acessados também por suas redes sociais (em destaque no alto da página, no canto direito), como o Facebook, Twitter, Instagram e YouTube. As seções apresentadas no site não seguem a mesma lógica das seções da revista impressa, que se organiza de uma maneira diferente na versão física. Um exemplo é o “Testes”, que no site é um espaço com quizes interativos e, na revista, uma seção de comparação entre produtos do mesmo segmento e avaliados pela equipe da Superinteressante. Uma das principais editorias fixas da revista, o “Oráculo” — seção destinada a respostas de perguntas curiosas enviadas pelos leitores — não tem um espaço exclusivo no menu do site. Ele só é encontrado dentro dos “Blogs”, em meio à desorganização dessa página já citada anteriormente. Já outras seções do site, como “Tecnologia”, “História” e “Saúde” são possíveis de serem encontradas nas edições impressas, mas não como seções fixas. Elas vêm como ante títulos das matérias anunciando a temática do assunto abordado, e sua frequência nas edições depende das pautas do mês. 56

Diferentemente da edição impressa, o site da Superinteressante proporciona uma característica que a publicação física não pode atender: a instantaneidade. Isso significa que não é mais preciso esperar a próxima edição para continuar a se informar a respeito de alguns assuntos abordadas pela revista impressa, ainda que as grandes reportagens continuem a ter exclusividade no papel. Podemos tomar como exemplo a matéria “Apple mostra iOS 10, com Siri automática e aberta a terceiros — e novos macOS e watchOS37”, publicada em 13 de junho de 2016. No mesmo dia, a empresa norte-americana Apple anunciou a atualização do sistema operacional de seus smartphones e tablets. A notícia, de extrema repercussão na comunidade que acompanha o noticiário de tecnologia, não poderia esperar a edição de julho da revista para ser publicada. Portanto, atualizar o seu público com informações recentes é, também, uma das características do webjornalismo e extremamente necessário para manter a marca viva enquanto a nova edição impressa da Superinteressante é preparada. O site, porém, não apresenta o mesmo destaque que a publicidade tem na versão física, em que páginas inteiras são tomadas por anúncios de patrocinadores. Das cinco propagandas em vigor na página inicial do portal da Superinteressante, no dia 15 de junho de 2016, apenas uma era de anunciante, e se posicionava logo abaixo do menu do site, tendo um certo destaque antes da manchete de destaque. As quatro propagandas restantes eram da própria Superinteressante e da editora Abril, sendo três destinadas à assinatura da revista e uma à assinatura de outros títulos da empresa.

Figura 11: Abaixo do menu, a única propaganda de um anunciante na página inicial do site. No canto superior direito, uma chamada para assinar a revista. (Imagem: Reprodução/Superinteressante)

SUPERINTERESSANTE. Apple mostra iOS 10, com Siri automática e aberta a terceiros — e novos macOS e watchOS. 2016. Disponível em: . Acessado em: 14 de junho de 2016. 37

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À princípio, pode-se supor que o portal ainda não estaria preparado para substituir a publicidade da revista impressa se a publicação em papel se encerrasse hoje. Em outras palavras, uma rápida visualização no site dá a sensação de que ele não está sendo capaz de gerar a mesma receita que a revista impressa, com as dezenas de páginas de publicidade, ainda é capaz de gerar. Mas ao navegar pela seção “Especiais”, é possível encontrar publicações multimídia patrocinadas. Essas postagens, muitas vezes em forma de infográficos interativos, apresentam a mensagem do patrocinador, utilizando recursos de texto, áudio e animações, com o objetivo de deixar a propaganda parecida com os conteúdos similares aos que a Superinteressante produz, apropriando-se de uma narrativa informativa com o intuito de tornar o anúncio — assim como a proposta das publicações da SUPER — mais amigáveis, úteis e curiosos.

Figura 12: Propaganda interativa com animação, efeitos sonoros e narrativa informativa se assemelha à estética dos conteúdos elaborados pela revista. (Imagem: Reprodução/Superinteressante)

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Esse tipo de publicidade, que une interatividade a recursos audiovisuais, só é viável graças às tecnologias digitais voltadas para a web, capazes de dar uma nova linguagem aos anúncios anteriormente veiculados na mídia impressa. Não é possível mensurar os valores deste tipo de anúncio — pois a tabela de preços38 da editora Abril para propagandas em site não incluía os valores referentes à criação desses materiais até o último acesso à plataforma para este trabalho —, nem afirmar que, se somados, seriam capazes de financiar a Superinteressante em um cenário sem o impresso. Todavia, está clara uma tentativa de testar novas maneiras de implementar a publicidade na internet para angariar recursos capazes de sustentar toda operação em um futuro cenário dominado pelo digital. Pode-se afirmar, portanto, que o portal da Superinteressante passa por um processo de remediação39 do impresso, no qual vem tentando reproduzir tudo aquilo que já fazia na revista impressa, mas acrescentando novas mídias, seções, ferramentas e produtos característicos do meio digital e que só pôde ser implementado porque a marca não se estagnou no papel. Assim, confirma-se as orientações de Costa (2014) acerca das medidas para se adaptar ao ambiente digital, como investimento em tecnologia e oferta de novos produtos e serviços, de modo a garantir a fidelidade do leitor e a permanência da marca.

2.3.3. Redes Sociais, viralização e recirculação da mensagem O diretor de redação da Superinteressante, junto à equipe por trás da marca, entendeu que as frentes de trabalho se multiplicaram com a internet, não estando mais voltadas apenas à produção mensal de uma revista impressa, mas à produção de informação multiplataforma, ressignificando, até mesmo, a própria noção do que é a rotina de trabalho e o produto final: “(...) teve uma mudança profunda na percepção de o que uma revista é. Antes a gente falava ‘ah, eu faço revista’, e isso significava que você se dedicava a uma tarefa que o produto final era um maço de papel editado Disponível em: . Acesso em: 15 de junho de 2015. 38

McLuhan (1988) dizia que o conteúdo de um meio é sempre outro meio, ao passo de que ampliam ou aceleram os processos já existentes. Bolter & Grusin (1998), baseados na premissa de McLuhan, entendem que uma mídia pode ser incorporada ou representada em outra — fenômeno caracterizado por eles como “remediação”. No que se refere ao ambiente digital, os autores acreditam que a introdução de uma nova mídia não é sempre uma apropriação de outras já existentes, redefinindo seus usos. Ou seja, ao transpor conteúdos para a internet, por exemplo, essa mídia, que é nativamente um meio digital, acaba incorporando outras mídias, como fotografia, áudio e vídeo. Os jornas online, de fácil acesso no mundo, nada mais são do que uma adaptação de uma mídia já existente (o jornal impresso) a um outro tipo de tecnologia. Para os autores, a internet é a mídia capaz de remediar todos os meios por ser uma plataforma inovadora e dotada de muitos recursos que facilitam essa transposição. É afirmável, portanto, que ela remedia os jornais, as revistas, a televisão, o rádio, mídias originalmente off line, além de outras mídias. 39

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com toda a informação lá dentro. Não é mais isso. A revista não traduz mais o que a gente faz. A gente produz informação. Informação para mil plataformas.”

A SUPER se caracteriza, portanto, como um veículo de comunicação que trabalha, hoje, seus conteúdos para plataformas diversas. Além da revista física e do site, ela se faz presente em quatro das cinco redes sociais de maior acesso no Brasil 40: Facebook, YouTube, Instagram e Twitter (exceto o WhatsApp). Contabilizam o maior número de seguidores o Facebook e o Twitter, seguidos do Instagram e do YouTube, conforme a tabela abaixo: Tabela 6: SUPERINTERESSANTE – Número de seguidores nas redes sociais (em 16 de junho de 2016)

Rede social

Nº de seguidores

Facebook

3.830.083

YouTube

54.359

Instagram

95.700

Twitter

2.746.855

A presença nessas redes sociais tem como um dos objetivos, segundo Burgierman, manter os conteúdos da edição impressa em voga, de modo a não se encerrarem no papel: “Uma vez por mês a gente vai continuar entregando um calhamaço de papel imutável na sua casa, mas essa revista continua viva o resto do mês. A gente continua usando a web e as redes sociais para ir atualizando e mantendo viva a revista que a gente já lançou.”

Essa estratégia se comporta como uma ressignificação do site, que também tem essa finalidade. Mas a diferença é que as redes sociais são um meio capaz de disseminar os conteúdos massivamente, pois coloca empresas, produtos e serviços em contato direto com os milhares de perfis dos internautas nessas redes. Para os produtores de conteúdo, as redes sociais são um campo vasto para exploração de ferramentas e integração hipermídia. O Brasil é campeão no ranking41 de tempo dedicado a essas plataformas, com tempo gasto de 650 horas mensais (número à frente do tempo de navegação em portais de notícias e entretenimento, que consomem 290 horas dos brasileiros). Só o Facebook, por exemplo, tem

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Informação já citada neste trabalho, com base na Pesquisa Brasileira de Mídia 2015.

Fonte: O GLOBO. Brasileiros gastam 650 horas por mês em redes sociais. 2016. Disponível em: . Acesso em: 16 de junho de 2016. 41

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uma média de usuários ativos42 mensal de 1,65 bilhão no mundo todo — o que representa cerca de 23% da população global — e diária de um bilhão43. Estar fora desse universo é perder chances de ser visto e, por consequência, não ter a marca fortalecida, principalmente para veículos de comunicação. Preferida entre os formadores de opinião, o Twitter é a rede social que concentra o segundo maior número de seguidores da Superinteressante — e que também é a revista da editora Abril com o segundo maior público no Twitter, atrás apenas da Veja, com 7,1 milhões de seguidores, e à frente da revista Época, a de maior circulação da editora Globo, com 2,1 milhões. A rede social, de acordo com uma pesquisa44 publicada em 2015 pelo American Press Institute, é utilizada para acessar notícias por nove em cada dez usuários da plataforma, sendo que 74% o faz de forma regular, todos os dias, e ¾ seguem jornalistas e formadores de opinião — por isso a preferência dessas personalidades pela rede social. Embora o boom do Twitter em 2009 e 2010 já tenha passado e, atualmente, ele esteja enfrentando perda de audiência e abertura de novas contas por ter se reinventado pouco desde que surgiu, seria um equívoco ignorar sua relevância para o público a qual a Superinteressante se destina: jovem, conectado e curioso — justamente o perfil de quem acessa a rede social para se informar, segundo a pesquisa. No entanto, a plataforma não permite à SUPER ir muito além de publicar uma chamada de um artigo do portal, com uma imagem ou vídeo sobre o assunto e o link de acesso. A rede oferece um recurso de publicação de enquetes para descobrir, quantitativamente, a opinião dos seguidores sobre determinadas questões, mas esse tipo de recurso não é explorado pela Superinteressante, nem mesmo para interagir com os seguidores para que saibam a percepção do público sobre o tema. A SUPER realiza apenas o básico na rede social, que é lançar chamadas para o seu portal. Ainda assim, não deixa de alimentar os usuários da rede com conteúdos, mantendo uma grande quantidade de tweets45 diária, que, por vezes, são retuitados46 pelos seguidores, aumentando o alcance das publicações — embora este seja um movimento tímido se comparado ao que acontece no Facebook.

Usuários ativos são os perfis que interagem na plataforma, seja apenas entrando para verificar notificações, ler postagens ou para publicar e compartilhar conteúdo. Contabilizar usuários ativos permite traçar um panorama mais real do engajamento dos usuários na rede, pois ficam de fora dessa equação perfis que raramente acessam o site ou que abandonaram a plataforma. 42

Fonte: G1. Facebook atinge marca de 1 bilhão de usuários todos os dias. 2016. Disponível em: . Acesso em: 16 de junho de 2016. 43

Fonte: AMERICAN PRESS INSTITUTE. Twitter and the News: How people use the social network to learn about the world. 2015. Disponível em: . Acesso em: 16 de junho de 2016. 44

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Tweet é o termo utilizado no Twitter para se referir a uma publicação na rede social.

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Retuitar é o termo que designa o ato de compartilhar entre os usuários os tweets de um determinado perfil. 61

Figura 13: Perfil da Superinteressante no Twitter: um meio para se conectar com o público que mais acessa a rede social para se informar. (Imagem: Reprodução/Twitter)

A SUPER atua em diversas redes sociais para garantir sua presença onde seu público está, permitindo que ele se conecte com a marca por vários canais. O Instagram é uma das frentes nesse processo, aumentando o leque de opções para promover a Superinteressante. A rede social de fotos e pequenos vídeos, lançada em 2010, popularizou-se no Brasil a partir de 2012, quando passou a ter uma versão do aplicativo para dispositivos com o sistema operacional Android. A plataforma é majoritariamente utilizada por meio de smartphones e tablets, uma vez que a versão para computador tem funcionalidades bastante reduzidas, impossibilitando o usuário de publicar conteúdos. O foco da rede, portanto, é voltado para pessoas conectadas e dispostas a compartilhar imagens que falem sobre si e que representem seu olhar fotográfico sobre o mundo.

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Com 29 milhões de usuários brasileiros ativos por mês47, a rede social é acessada, em grande parte, por jovens interessados em seguir usuários que postam fotos relacionadas a música, viagens, natureza, celebridades, moda e gastronomia48. Parte desses interesses corresponde ao leque de conteúdos abordados pela Superinteressante, que mantém um perfil ativo na plataforma, publicando imagens com uma pergunta em destaque (na maior parte das vezes), instigando o seguidor a ter curiosidade e ler a resposta na descrição da figura. A rede social não permite inserir, nas postagens, um link de redirecionamento do usuário para outros sites. A estratégia da SUPER é, portanto, trabalhar o conteúdo de forma bem resumida, como se fosse pequenas pílulas de informação e, em grande parte, trazendo respostas de perguntas dos seguidores, que são devidamente identificados ao fim da publicação, com nome e sobrenome. É um modo diferente de atuar em redes sociais, não só trazendo informação resumida e rápida, mas colocando o seguidor como colaborador no processo de produção de conteúdo e atualização do perfil no aplicativo, atuando, mais uma vez, na fidelização de seu público à marca.

Figura 14: À esquerda, o perfil da Superinteressante no Instagram; ao centro, um exemplo de publicação na rede social; e à direita, o pequeno texto respondendo à pergunta enviada pelo leitor, devidamente identificado ao fim da publicação. (Imagens: Reprodução/Instagram)

Fonte: ESTADÃO. Com 29 milhões de usuários, Brasil impulsiona crescimento do Instagram. 2015. Disponível em: . Acesso em: 16 de junho de 2016. 47

A informação é de uma pesquisa realizada pelo Instagram com mil usuários brasileiros, entre 18 e 35 anos, em que afirmaram tal interesse. O estudo é citado na mesma notícia da nota anterior. 48

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O YouTube49, por sua vez, permite à Superinteressante explorar seu potencial criativo no audiovisual, saindo do velho processo de criar conteúdo em papel para adentrar em novas linguagens, mídias e modos de fazer. O site, que é uma plataforma de compartilhamento de vídeos, possui características de rede social por permitir que os usuários se inscrevam nos canais para receber atualizações, curtam as produções e interajam entre si, seja comentando os vídeos ou respondendo outros usuários. Tudo o que é disponibilizado no site tem alcance global, podendo ser encontrado por qualquer pessoa no mundo e assistido pelos mais variados dispositivos que tenham capacidade de se conectar à internet. E uma vez que o vídeo caia no gosto dos internautas, ele pode alcançar centenas de milhares de visualizações ou, até mesmo, passar da casa dos milhões de acessos — conferindo ao canal uma grande visibilidade e conquista de novos inscritos, que seguirão recebendo notificações assim que um novo vídeo for publicado. O canal da SUPER no YouTube reúne vídeos produzidos pela equipe da revista há quase uma década (está no ar desde julho de 2007), e dispõe de aproximadamente 300 produções que, somadas, geraram mais de 4 milhões de visualizações no canal. Burgierman entende que a internet permite esse processo de a marca sair do universo do impresso e mergulhar na produção audiovisual, que colabora para amplificar os conteúdos; por isso, a empreitada em trabalhar nessa vertente: “(...) a gente quer que isso aconteça, a gente quer amplificar o alcance daquilo que a gente diz. Escrever num papel e deixar no papel, tem uma coisa muito frustrante nisso, né? Acabou o mês, o ‘cara’ guarda [a revista] na prateleira dele. O mais provável é que ninguém nunca mais leia aquela revista. Tipo, a internet dá a vida, né?”

A produção para o canal é diversificada, com séries de vídeos fixas e produções pontuais, tais como: a “#Supernovas”, que apresentam três notícias de ciência da semana, em vídeos com duração de 40 segundos e ilustrados com imagens e pequenas notas de resumo dos assuntos — assim como também acontece na edição impressa, mas em forma de texto; o “Teste SUPER”, com duração média de cinco minutos, complementando em recurso audiovisual a seção de mesmo nome na revista impressa — cuja finalidade é comparar diferentes produtos da mesma categoria, especificando as vantagens e desvantagens de cada um em relação ao outro, bem como seus preços no mercado e indicação do melhor custo-benefício; o “Fato Interessante”, que é uma série de vídeos com cerca de 6 minutos cada, apresentados por Felipe Thiroux, animador e ilustrador na editora Abril, e que resgata temas polêmicos, Entendemos, à luz de Ramalho (2010) que o YouTube é uma ”mídia social” e não “rede social”, em sentido lato, cujo funcionamento como plataforma de streaming de vídeos dá margem a amplo relacionamento com redes sociais como o Facebook. 49

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complexos e em destaque na atualidade e já publicados na revista, mas adaptados para a mídia audiovisual com uso de recursos animados e ilustrativos; a série “Crash”, apresentada pelo redator-chefe Alexandre Versignassi, que é a versão em vídeo de seu blog no site da SUPER, e aborda, principalmente, assuntos de economia e física em produções entre três e cinco minutos — também dotadas de animações e ilustrações; o “#Serial”, destinado a quem é “viciado em séries”, indicando, em vídeos de três minutos, séries televisivas escolhidas pelo jornalista Lucas Pasqual, que conta aos internautas um pouco sobre os enredos e os motivos para seguirem suas dicas; entre outras produções audiovisuais, que vão de entrevistas complementares à edição impressa a vídeos tutoriais de receitas de cosméticos naturais testados por uma repórter da SUPER.

Figura 15: Canal no YouTube permite diversificar a linguagem e complementar a mídia impressa. (Imagem: Reprodução/YouTube)

A diversidade de produção audiovisual da marca transmite, em vídeo, o mesmo universo de conhecimento que a revista impressa propôs a fazer, mas adaptado para uma linguagem diferente de seu projeto inicial — que era fazer uma publicação mensal em papel. Reconfigurar-se para estar em sintonia com novos cenários que surgem a partir da implementação de novas tecnologias da informação e comunicação se faz extremamente necessário, sobretudo quando se pensa em estratégias para fidelizar novos públicos, mirando nos mais jovens e que passam mais tempo conectados às redes sociais e compartilhando conteúdo entre os amigos. Por fim — e talvez a mais importante rede social para a SUPER hoje — o Facebook é utilizado pela marca como um agregador de conteúdos publicados em seu site, 65

comportando-se como uma das fontes principais de tráfego do seu portal devido ao grande número de seguidores e interações que a página concentra. No que diz respeito à lógica de produção de informação para a rede, a Superinteressante segue um padrão de publicar a maior parte dos posts com um pequeno texto de resumo do conteúdo apresentado, seguido de uma imagem clicável e de redirecionamento à publicação hospedada no portal — prática igualmente executada por inúmeras outras páginas de mídias na rede. Há, também, posts de fotos e vídeos, mas sempre com um link indicando a leitura completa sobre o tema no site da Superinteressante. Assim como tantos outros veículos de comunicação, a marca se comporta na rede social apresentando prévias do que ela oferece ao leitor em sua página na internet — que é onde será possível medir a quantidade real de visitantes no site, tempo de leitura e permanência e o comportamento do usuário na plataforma (se clicou em outra matéria para ler, se clicou em um anúncio patrocinado etc).

Figura 16: Perfil da Superinteressante no Facebook apresenta uma prévia de seus conteúdos. (Imagem: Reprodução/Facebook)

O mais interessante de se destacar acerca dessa presença no Facebook é a possibilidade que a rede social permite de conectar a marca ao seu público — e, também, a quem não segue a página. Se antigamente os leitores precisavam mandar cartas para a redação da revista para conseguir se comunicar com a equipe por meio de um longo processo (escrever, envelopar, postar mediante a um pequeno custo e aguardar dias até que a 66

correspondência chegasse ao destinatário), hoje basta visualizar o post em seu “feed de notícias”50 para curtir ou comentar a publicação, além de compartilhar com os amigos e emitir opinião sobre o assunto. É um processo de interatividade bastante útil para os produtores de conteúdo, pois é por meio dessas ações que os posts repercutem e se espalham na plataforma, conquistando visibilidade da marca, leitores para o site e novos seguidores.

Figura 17: Exemplo de um típico post da Superinteressante no Facebook e a repercussão dos internautas, que interagem com o conteúdo e entre si. (Imagem: Reprodução/Facebook)

A depender da estratégia traçada para apresentar o conteúdo de uma maneira diferente no Facebook e da relevância do tema para a sociedade, as ações com o uso da rede social podem viralizar51 e conquistar números extraordinários. Em julho de 2015, a “Feed de notícias” é a página principal para o usuário comum da rede social onde se encontram todas as publicações atualizadas de seus amigos ou páginas seguidas. 50

Com a popularização da internet e a presença de um número cada vez maior de pessoas inseridas em redes sociais, conteúdos que tomam grande repercussão na web, em pouco tempo e, por vezes, de forma inesperada, são ditos “viralizados”, assim como acontece com o efeito viral biológico, que pode se espalhar rapidamente. 51

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Superinteressante lançou a edição 349 da revista com o tema “Estupro”. Para promover a publicação, em vez de divulgar a capa da revista, foram lançados teasers52 no Facebook com imagens de partes do corpo feminino, indicando pré-julgamentos a partir de uma pergunta relacionado ao senso comum do machismo como “Você acha que existe mulher ‘pra casar’ e mulher ‘pra pegar’?”, “Você julga mulher pelo tamanho da saia que ela usa?” e “Você acha que tem mulher que pede para ser estuprada?”. As imagens, com a intenção de questionar a cultura do estupro, ganharam a rede social. A de maior audiência teve 26 mil curtidas, 4,4 mil compartilhamentos e 3,6 mil comentários (número total somado com as respostas aos comentários).

Figura 18: Teasers sobre a cultura do estupro tiveram grande repercussão na rede social. (Imagem: Reprodução/Facebook)

Burgierman relatou em entrevista para este trabalho que essa série de cinco posts teve alcance total de 26 milhões de pessoas no Facebook — número quase sete vezes maior o total de seguidores da página e correspondente a 13% da população brasileira — fato que dificilmente seria possível se o conteúdo ficasse apenas no papel ou na versão digital para tablets (que, embora lida a partir de um dispositivo conectado à internet, não proporciona interação direta com as redes sociais):

Técnica de marketing para chamar a atenção, os teasers são pequenas peças de uma campanha publicitária que instigam o público a pensar sobre o assunto e se interessar pela continuidade do tema. 52

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“As coisas que a gente faz na revista digital, o leitor gosta, mas não repercutem muito para fora da revista digital. Diferente dos conteúdos que você posta no site, compartilha no Facebook, que se espalham e chegam num público que não necessariamente é o seu público. Acaba tendo um potencial publicitário por causa disso. (...) Nossa comunidade expande, talvez muitas pessoas tenham sido tocadas por aquilo, mas que não sejam necessariamente consumidores da SUPER.”

Na edição impressa seguinte à do “Estupro”, Bugierman relatou no editorial “Um monte de gente” que cerca de 300 mulheres enviaram, espontaneamente, mensagens contando suas histórias traumáticas de abusos. Algumas das histórias foram compartilhadas de modo anônimo na seção “Nossa rede social” — um espaço de remediação inversa, que transpõe os desdobramentos da revista impressa no universo online da SUPER e de seu público de volta ao papel. Esse movimento de anunciar a edição na internet, lançar a revista impressa, repercutir o conteúdo na internet e voltar para o impresso com os relatos nas redes sociais demonstra o caráter hipermídia da marca e a conexão com internautas, garantindo que a reportagem impacte na web e ganhe uma sobrevida. Além disso, é um trabalho estratégico que valoriza a participação dos leitores, conseguindo, assim, atuar na percepção do seu público sobre a marca, que passa a ser representado nas páginas impressas e nas mídias online.

Figura 19: À esquerda, seção “Nossa rede social” da revista; à direta, exemplos de relatos da internet publicados na edição 350, em agosto de 2015. (Imagem: Reprodução/Superinteressante) 69

Ignorar o potencial do público nas redes sociais é deixar de se atentar aos novos modos de experimentar os meios, produzir conteúdos diversificados e de se expandir — com medição rápida da audiência e de seu comportamento. De acordo com relatório53 divulgado pela consultoria TopBrands, em 2013, a Superinteressante chegou ao topo da categoria “revistas” com o maior percentual de consumidores com alto grau de atividade na internet. O consultor-sócio da empresa, Marcos Machado, afirmou no relatório que marcas com público de maior grau de atividade na internet têm uma forte vantagem competitiva. Segundo a consultoria, a tendência é a de que as marcas tenham sua imagem cada vez mais afetas pelo o que se propaga nas redes sociais, para o bem ou para o mau. Com cuidado e atento ao público, veículos de comunicação, à exemplo da Superinteressante, podem se aproveitar das redes sociais para fortalecer a sua marca, agregando-lhe valor por meio de um simples ato de curtir, comentar ou compartilhar do público, que é extremamente conectado, engajado na internet e capaz de espalhar (e viralizar) nas redes os conteúdos.

2.3.4. Selos editoriais

Figura 20: Parte dos livros editados pela SUPER é uma compilação de conteúdos já publicados. (Imagem: Reprodução/Superinteressante)

Nem só de revista vive a SUPER. Para ser uma marca hipermídia, é preciso produzir conteúdo diverso e multiplataforma. E uma maneira encontrada para aumentar os pontos de conexão com o público e tornar trabalhos rentáveis foi a sua inserção no mercado de livros, tornando-se um selo editorial da Abril com dezenas de títulos publicados ao longo de sua

Fonte: TOPBRANDS. Confiança e prestígio das marcas brasileiras. 2013. Disponível em: . Acesso em: 16 de junho de 2016. 53

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história. As publicações, que levam a marca Superinteressante, no geral são uma compilação das melhores reportagens publicadas em todos os tempos (como “O Melhor da SUPER 19872012, lançado em 2012; e o “Oráculo”, lançado em 2016, com um apanhado das melhores perguntas dos leitores já respondidas na seção de mesmo nome da revista) ou sobre assuntos organizados em temáticas específicas (como “E se...” — uma coletânea de 2015 com 86 reportagens que preveem respostas para questões intrigantes; e “Bíblia”, da série “Grandes Mistérios”, publicado em 2014, com reportagens sobre fatos históricos e mitos pagãos por trás do Livro Sagrado). São editados, também, títulos originais que aprofundam temas estudados pelos jornalistas da SUPER para determinadas edições, de modo a dar continuidade e uma abordagem maior sobre o assunto; e livros de colaboradores da marca, que a procuram para escrever sobre um conteúdo específico e compatível com a linha editorial da Superinteressante — neste caso, de acordo com Buergierman, os autores que trabalham para a marca recebem um valor em dinheiro para bancar o trabalho e, assim que o livro é publicado, tornam-se sócios dos títulos, recebendo 10% do preço de capa de cada exemplar vendido. As edições físicas são vendidas em bancas de jornais e livrarias de todo o Brasil e, em alguns casos, oferecidas gratuitamente em promoções para novos assinantes. Versões digitais (e-books) também são comercializadas na internet, dando oportunidade para publicar em formato de mini e-books matérias únicas de sucesso a preços mais modestos, como a reportagem “Por que tudo custa tão caro no Brasil”54, assinada por Alexandre Versignassi e Felipe van Deursen e tema de capa da revista de número 317, de abril de 2013, vendida na livraria da Amazon por R$ 2,25.

Figura 21: Algumas reportagens são transformadas em mini e-books e vendidas na internet. (Imagem: Reprodução/Amazon) 54

Disponível em: . Acesso em: 18 de junho de 2016. 71

A Superinteressante viu no setor de livros de não-ficção uma oportunidade estratégica para inserir a marca, levando, segundo Burgierman, conteúdos sérios de maneira divertida, aproveitando o nicho de mercado que não sofreu tanto quanto o de revistas: (...) Ela [a marca] é conhecida por ser leve e profunda ao mesmo tempo, ser séria e divertida ao mesmo tempo. Ela é prazerosa de consumir e confiável, que são atributos que geralmente não vem juntos. Nos dias de hoje, está bem difícil esses atributos. (...) Quando a gente faz uma matéria de capa, lemos 10, 15 livros, a gente faz uma pesquisa profunda. E a gente percebe que daria para pegar essa matéria e escrever mais 11 capítulos e isso dava um belo livro. A gente foi percebendo essa oportunidade. (...) Porque a gente acha que livro é legal do ponto de vista estratégico? A gente vê que a nossa indústria, a indústria da mídia está sofrendo no momento atual, essa transição para o digital está sendo dramática – várias marcas não estão conseguindo fazer essa adaptação. (...) A gente percebe que o mercado de livro está conseguindo fazer essa transição de um jeito mais suave. Ler um e-book não é uma experiência tão diferente de ler um livro. A solução tecnológica para essa transição vem mais rápido. (...) A gente acha que tem mais espaço para crescer como editor de livro, agora, do que para crescer como editor de revista.”55

Até o início do segundo semestre de 2014, a marca havia lançado um total de 13 livros, que, somados, venderam mais de 180 mil exemplares56. Embora os dados sobre a porcentagem do lucro de vendas de livros em relação à receita total da Superinteressante não tenham sido parte da pesquisa para este trabalho, tampouco estejam públicos na internet, pode-se observar que a também guinada para publicação de selos editoriais confere à marca maior apreço e oportunidade de se destacar no mercado de livros, criando mais um ponto de captação de público e receita. Assim, os conteúdos que antes estavam presos nas páginas das revistas ou na memória dos jornalistas ganham oportunidades de serem lapidados para conferir-lhes status de livro, passando a fazer parte de um hall de produtos com grande prestígio na sociedade, dado o caráter de aprofundamento e de fonte de conhecimento e cultura ao qual os livros são comumente relacionados. A estratégia, portanto, é uma medida de se consolidar como uma marca editorial, creditando à sua imagem confiabilidade como produtora de conteúdo relacionado ao conhecimento, despertando curiosidade sobre os grandes temas, chamando a atenção de novos leitores e expandindo seus nichos de atuação.

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Trecho da segunda entrevista com o diretor de redação da Superinteressante, Denis Russo Burgierman.

Fonte: MEIO & MENSAGEM. Superinteressante: livros em alta. Disponível em: . Acesso em: 18 de junho de 2016. 56

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2.3.5. Plataformas transmídia57: o caso da temática da “maconha medicinal” Testar plataformas, meios, técnicas e suporte. Inovar para poder continuar. Ficar preso ao impresso não é o melhor caminho para se projetar em um universo cada vez mais digital. Ideias que surgem no papel podem tomar rumos inesperados, e, se bem aproveitadas, garantem chances para estar à vanguarda na resistência pela continuidade no mercado, fortalecendo os vínculos com o público e ganhando novos consumidores. A Superinteressante está sendo objeto de estudo neste trabalho para entendermos estratégias capazes de superar lógicas de atribuições iniciais, testando novas possibilidades e se reinventando para se adequar às novas demandas do público e oportunidades do mercado. O exemplo que mais ilustra esse processo é o caso da “maconha medicinal”, um projeto jornalístico transmídia que surgiu como livro e se transformou em um longa-metragem exibido em salas de cinema do Brasil, levando a marca Superinteressante além de um título de revista, impactando públicos diversos e celebrando mudanças perceptíveis em leis a favor da sociedade. O caso se iniciou em fevereiro de 2014, quando a equipe da SUPER convidou o colaborador Tarso Araujo a editar uma edição especial em formato de livro sobre o uso medicinal da erva Cannabis sativa, a popular e tão polêmica maconha. O cenário social, político, econômico e cultural naquele momento estava mudando a percepção pública global a respeito da planta, surgindo, a todo momento, pesquisas científicas e discussões a respeito dos poderes medicinais da planta e da legalização da droga — considerada ilícita no Brasil e na maior parte dos países. Aproveitando o momento, “A Revolução da Maconha”, de Tarso Araujo, foi lançado como um selo editorial da SUPER de 96 páginas, em papel couché e capa dura com efeito O termo “narrativa transmídia”, cunhado por Henry Jenkins, foi utilizado pela primeira vez em um artigo para a revista Technology Review, em 2003 (disponível em e acessado em 19 de junho de 2016), e aperfeiçoado em seu livro “A Cultura da Convergência”, lançado no Brasil em 2008. Jenkins utilizou longa-metragem “Matrix” (de direção de Andy e Lana Wachowski) para discorrer sobre narrativa transmidiática (Transmedia Storytelling), na qual o enredo foi capaz de transcender além das salas do cinema, virando série em quadrinhos e jogos. Segundo o autor, “uma história transmidiática se desenrola através de múltiplos suportes midiáticos, com cada novo texto contribuindo de maneira distinta e valiosa para o todo” (JENKINS, 2008, p. 135). Um bom exemplo de uma narrativa transmídia, de acordo com Jenkins, é quando cada meio é explorado de modo a valorizar sua especificidade para o projeto, fornecendo a sua melhor qualidade. Para Jenkins, isso significa dizer que, ao explorar uma determinada história, ela possa, por exemplo, sair dos quadrinhos e se tornar uma série televisa, ganhar as salas de cinema, virar uma franquia de jogos e fazer parte de uma atração de um parque de diversões. O autor destacou, ainda, que faz parte da lógica de uma narrativa transmídia o fato de ser ideal que cada acesso ao universo central do projeto se comporte de maneira “autônomo, para que não seja necessário ver o filme para gostar do game, e vice-versa. Cada produto determinado é um ponto de acesso à franquia como um todo” (JENKINS, 2008, p. 135). Portanto, aplicando o conceito Jenkins às plataformas midiáticas, é possível pensar os diversos meios como indispensáveis para a transmidialidade de um projeto jornalístico, no qual cada mídia ou suporte específico contribui, à sua maneira, para tornar o conteúdo acessível a diversos públicos, conhecido por mais pessoas e capazes de alcançar novos resultados, seja em audiência, receita ou veiculação da marca. 57

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3D — um produto com um bom trato técnico para reunir um projeto com 14 produções jornalísticas, entre reportagens, ensaio fotográficos, linha do tempo, depoimentos e opiniões sobre uma visão política, científica e social em relação à maconha, ao contrário do olhar estigmatizado e negativo a respeito do consumo, venda e tráfico da planta. Uma das reportagens de maior destaque da edição foi a “Tarja Verde”, que encontrou cinco pacientes que correm riscos legais, mas dispostos a contarem suas histórias de eficácia do uso de canabinóides58 para amenizar o sofrimento.

Figura 22: Especial “A Revolução da Maconha” marcou início de um projeto jornalístico transmídia. (Imagem: Reprodução/Superinteressante)

A divulgação principal do título aconteceu no Facebook, por meio de posts chamados por cards pela equipe da SUPER, que elaborou uma série de artes em que o foco era uma foto de um paciente e o seu depoimento sobre o uso medicinal da maconha, seguida de uma miniatura do especial e o anúncio do lançamento. Na descrição de cada uma dessas imagens

Canabinóides são substâncias químicas encontradas na Cannabis sativa, a maconha, sendo que algumas delas, como THC (tetrahidrocanabinol) e o CBD (canabidiol) ação potencial para uso medicinal. “O THC, por exemplo, em alguns países, já é usado com sucesso, como inibidor dos efeitos colaterais das medicações usadas por pacientes em tratamento contra o vírus HIV, e nos pacientes em tratamento contra o câncer - que sofrem com náuseas intensas devido as sessões de quimioterapia. O CBD, de acordo com pesquisadores, não causa efeitos psicoativos ou dependência, e possui grande potencial terapêutico neurológico, tendo ação ansiolítica (diminuição da ansiedade), antipsicótica, neuro-protetora, anti-inflamatória, antiepilética e age nos distúrbios do sono”. Fonte: JUSBRASIL. O uso medicinal de substâncias canabinóides perante a Constituição. Disponível em: . Acesso em: 19 de junho de 2016. 58

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no Facebook, um relato, em primeira pessoa, de sua relação com a droga — uma estratégia que confere personificação do tema, mostrando rostos e fatos reais.

Figura 23: Cards de divulgação do especial “A revolução da maconha” destacaram depoimentos de pacientes relatados em primeira pessoa. (Imagem: Reprodução/Facebook)

Os posts viralizaram, somando 17 mil compartilhamentos, 30 mil curtidas, 3 mil comentários e alcançando milhões de pessoas na rede social. Tratando-se de um tema bastante polêmico e atual, e considerando os mais de 3 milhões de seguidores da página na época, divulgar um livro a partir das pessoas e suas histórias (e não simplesmente uma imagem da capa) foi uma estratégia certeira para gerar buzz59 na internet e atrair a atenção dos internautas, que prontamente se envolveram nos posts. O de maior audiência entre os dois foi a história da brasiliense Katiele Bortoli Fischer, mãe da pequena Anny, de cinco anos, portadora da síndrome de CDKL5, que teve atraso cognitivo aos quatro anos em

Buzz é uma estratégia do marketing que visa propagar um produto, serviço ou fato gastando pouco ou nenhum dinheiro, mas multiplicando a mensagem rapidamente por meio dos consumidores/público, que se impactam de alguma maneira com o conteúdo e contribuem para disseminá-lo e dar mais visibilidade. 59

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decorrência da ineficácia dos medicamentos testados. A mãe relatou que o uso de medicamento importado ilegalmente dos Estados Unidos à base de canabidiol (substância encontrada na maconha) surtiu efeitos positivos na qualidade de vida da criança. A empatia dos leitores com a história gerou comentários positivos e de incentivo ao avanço do debate sobre a droga. Entre os mais curtidos, foi possível ler “A planta é a cura da nação”, “Isso não é apologia a criminalização ou ao uso do ‘negócio que dá barato’ (substancia psicoativa), e sim evolução científica em prol da saúde” e “Parabéns a SUPER pela divulgação destas informações. É tempo de superar a hipocrisia! Legalize!!!”, que conquistaram 608, 986 e 203 curtidas, respectivamente. O trabalho na rede social, além de colaborar na divulgação de um produto sobre um tema obscuro e pertinente, possibilitou um mecanismo de conexão com o público, que também se conectou entre si, tornando o assunto vivo e mais reconhecido, garantido uma massiva adesão à campanha publicitária e fortalecimento da marca.

Figura 24: Balanço da recepção dos internautas foi bastante positiva e de incentivo ao tema. (Imagem: Reprodução/Facebook)

A repercussão do caso foi uma oportunidade para continuar a explorá-lo além do livro e de pequenos ensaios no Facebook. Em março seguinte, o editor do especial foi a Brasília para gravar a história da mãe e filha em parceria com o cineasta Raphael Erichsen, da produtora 3Film Group, com a intenção de produzir um curta-metragem. “Ilegal”, com quase 6 minutos, detalhou em linguagem audiovisual o caso, mas não foi publicado pela Superinteressante por se tratar de um trabalho próprio entre os dois profissionais. Ainda 76

assim, ele foi exibido em uma sessão de curtas em abril de 2014, na cidade de São Paulo, momento em que uma nova ideia emergiu entre o diretor de redação da Superinteressante e os diretores do curta: o desafio de produzir um longa-metragem sobre o tema. Paralelamente a isso, o curta chamou a atenção da imprensa. O programa dominical Fantástico, da TV Globo, exibiu a reportagem “Pais lutam na Justiça por liberação de remédio derivado da maconha”60, no dia 30 de março de 2014, apenas três dias após a publicação do vídeo no YouTube61; e o programa matinal Encontro com Fátima Bernardes, também da TV Globo, recebeu a família de Anny Fischer uma semana depois, no dia 7 de abril, para repercutir a história e anunciar ao público a vitória dos pais na Justiça62, que foram autorizados no dia 3 de abril a importarem o medicamento a base de canabidiol — proibido pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) no Brasil. O caso, que surgiu em um especial da Superinteressante, repercutiu no Facebook e se tornou um curta-metragem para o YouTube, demonstrou claros sinais de rompimento de barreiras midiáticas, colocando em prática a transmidialidade das plataformas, ressignificando e adequando o fato para cada suporte e linguagem correspondente, uma vez que não era preciso ler o especial da SUPER para entender o drama, tampouco acompanhar a TV para se deparar com a história — característica de narrativas transmídia. É preciso destacar, além dessas observações, que a história trazida à tona pela Superinteressante e, depois, repercutida na TV aberta, pôde sair de um público específico da marca para se tornar tema de debate público em rede nacional, alcançando, certamente, telespectadores que sequer sabiam sobre o uso medicinal da maconha, possibilitando discussão e reflexão acerca do polêmico tema. Outro ponto relevante nesse processo foi a influência da mídia em uma decisão judicial a favor da fonte, que teve o caso amplamente difundido, culminando em pressão no poder público. Voltando ao desafio do longa-metragem, a Superinteressante investiu em um produto inédito, abrindo suas portas para a indústria fílmica. Burgierman relatou, em entrevista ao site Draft63, a ideia de expandir o “Ilegal” para um longa em parceria com seus produtores: “Houve uma sessão desse curta em abril (dois meses depois do especial), em São Paulo, e todo mundo saiu chorando. Aquela noite, fomos a um bar na Praça Roosevelt e eu disse a eles que a SUPER queria ajudá-los a transformar esse projeto num longa-metragem. Tínhamos separado uma grana aqui para fazer uma campanha publicitária e, muito por ideia do

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Disponível em: . Acesso em: 19 de junho de 2016.

O curta-metragem, de nome “Ilegal”, foi publicado e acesso em 19 de junho de 2016. 61

no

canal

“repense”,

disponível

em

O trecho do programa está disponível no site do GSHOW com o título “Pais se emocionam com liberação de derivado da maconha para tratamento” em . Acesso em: 19 de junho de 2016. 62

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Disponível em: . Acesso em: 19 de junho de 2016. 77

Cezar Almeida, nosso gerente de marca, já tínhamos a ideia de que, em vez de fazer campanha para convencer as pessoas de que somos relevantes, devíamos simplesmente ser relevantes. O filme é, em parte, nossa campanha: nossa forma de mostrar que acreditamos em conteúdo de qualidade, acreditamos numa atuação transplataforma, acreditamos no poder transformador da informação.”

O depoimento de Burgierman põe em evidência a tentativa de agregar valor à marca com base na relevância que seus conteúdos podem ter para a sociedade, como acesso a um conhecimento pouco difundido — pesquisas científicas sobre os efeitos de substâncias da maconha em tratamentos de doenças —, desestigmatização das drogas e pressão a favor da legalização da planta para uso medicinal. É como se a marca estivesse abraçando uma causa, de certo modo, marginalizada para contribuir na militância do caso, trabalhando na percepção pública de que a SUPER é relevante por sua atuação e não por uma propaganda que tenta afirmar o mesmo. Dar outro destino a um dinheiro que, à princípio, seria empregado em publicidade, tornou viável a aposta em um novo produto com chancela da marca: o filme-documentário “Ilegal”, estreado em outubro de 2014, em mais de 40 salas de cinema do Brasil vinculadas ao Espaço de Cinema, que tem como rede mais conhecida o Espaço Itaú (cinema dedicado à mostra de filmes alternativos às grandes produções hollywoodianas). O longa-metragem teve um orçamento final por volta de R$ 500 mil, incluindo a distribuição64, e não trouxe apenas a história de Anny Fischer ao debate, mas a de outros personagens cujo a ilegalidade faz parte da rotina do tratamento de pacientes que fazem uso de canabinóides. Ou seja, ao contrário de uma mera reprodução em vídeo da reportagem “Tarja Verde” do livro lançado pela SUPER, o filme se comportou como uma remediação do impresso, trazendo uma narrativa transmídia que explorou a linguagem audiovisual e suas contribuições para despertar novos sentidos e percepções, como ressalta Burgierman: “Fizemos o filme porque achamos que as mídias são complementares: revista é ótima para organizar informação, audiovisual é melhor para gerar empatia com personagens: a história ficou mais completa quanto ficou transmídia.”65

Informação declarada por Raphael Erichsen, co-diretor do longa, na mesma entrevista ao site Draft, já referenciada em nota de rodapé. 64

A declaração foi feita em uma troca de e-mail realizada no dia 6 de junho de 2016 com Denis Russo Burgierman, com a intenção de saber do diretor de redação da Superinteressante mais detalhes sobre o filme, a fim de complementar a análise para este trabalho. 65

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Figura 25: Em outubro de 2014 estreou o longa-metragem “Ilegal”, e a edição da Superinteressante do mês abordou o assunto para aquecer o debate sobre maconha medicinal e promover sua primeira produção para o cinema. (Imagens: Superinteressante)

No mesmo mês de lançamento do “Ilegal”, com a intenção de aquecer o debate e promover o filme, a equipe da Superinteressante lançou a edição 338, que trouxe à capa o tema “Maconha medicinal”. No editorial da revista, Bugierman disse que o longa é o primeiro de muitos outros filmes que a equipe pretende fazer, e reforçou a missão da SUPER: trazer à tona histórias que permanecem obscuras, mas que precisam ser reveladas, seja por meio do papel, da internet ou do cinema. A pública afirmação sugere uma tentativa de credibilizar a marca, que tenta se mostrar aos leitores como produtora de conteúdo com essência e significado às pessoas, utilizando de um jornalismo que presta serviço à sociedade. É, de certa maneira, um modo de se reposicionar no cenário de crise do impresso, trabalhando em projetos transmídia e inovadores que reforcem uma imagem de relevância no mercado midiático. Essa valorização da marca pôde ser ainda mais explorada quando, em janeiro de 2015, a Anvisa retirou o canabidiol da lista de substâncias ilegais, permitindo seu uso terapêutico. No dia seguinte à liberação, a Superinteressante fez um post no Facebook anunciando a notícia, fornecendo um link de redirecionamento para o seu site, de modo a complementar a leitura. A publicação teve mais de mil compartilhamentos, 3,6 mil curtidas e 331 comentários, sendo que o topo das manifestações foi tomado de comentários em aprovação à causa. 79

Figura 26: Post no Facebook anunciou a medida da Anvisa e recebeu comentários positivos. (Imagem: Reprodução/Facebook)

A matéria66 no site da SUPER relacionada à publicação no Facebook detalhou a decisão da Anvisa e relembrou sua parcela de atuação na causa, tornando pública a história de pacientes e suas batalhas no especial “A Revolução da Maconha” e no filme “Ilegal”. Para humanizar a notícia e destacar seu papel na militância do uso medicinal da maconha — conferindo a si potencial publicidade decorrente de um trabalho multiplataforma e voltado para a exploração do sucesso do caso —, o artigo trouxe trechos de uma nova entrevista com os pais da menina Anny Fischer valorizando a midiatização de seus dilemas: “Katiele, mãe de Anny, se tornou um personagem simbólico dessa batalha, pela coragem e pelo potencial de mobilização que conseguiu sua história conseguiu gerar. ‘Acredita que amanhã, dia 15 de janeiro, faz exatamente um ano que eu recebi a primeira ligação do Tarso [Araújo, jornalista que editou o especial da SUPER]? E eu estava tão feliz de que alguém, finalmente, estava me escutando, contando o que gente estava passando. E morrendo de medo que fosse um policial’, ri Katiele, por telefone, celebrando a decisão da Anvisa. ‘Nós estamos extremamente contentes com esse passo dado, que vai permitir que a gente possa discutir a maconha medicinal com mais consistência daqui pra frente’, comemora Norberto, pai de Anny.” (SUPERINTERESSANTE, 2015)

Fonte: SUPERINTERESSANTE. CBD é liberado pela Anvisa e poderá ser produzido no Brasil. 2015. Disponível em . Acesso em: 20 de janeiro de 2016. 66

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A narrativa transmídia do caso da “maconha medicinal” não se encerrou nos cinemas ou na repercussão em canais de televisão e no poder Judiciário. No início de junho de 2016, o filme “Ilegal” foi disponibilizado na plataforma online de vídeos Netflix67 — provedor e produtor mundial de séries e filmes com mais de 75 milhões de assinantes68. A estreia na plataforma, que tem dado espaço para produções independentes e balançado o setor de TV a cabo (sendo responsabilizada pela queda de um milhão de assinantes69 de TV paga desde 2014), abriu espaço para o longa-metragem ganhar ainda mais público — público este que vem aderindo com força ao consumo de mídia via internet em decorrência do avanço tecnológico e da democratização do acesso à internet. Fazer parte do catálogo de filmes da Netflix é, portanto, uma das respostas positivas às estratégias de produção e divulgação de narrativas transmídias, que tendem a se apropriar dos diversos suportes disponíveis na era da cultura digital com a intenção de conquistar espaço e visibilidade nesses novos meios que surgem, podendo, assim, ressignificar modos operantes de produção e de recirculação de informação. O caso da “maconha medicinal” se caracteriza como parte desses novos desafios encontrados por empresas de mídia, que precisam testar e apostar em campos outrora distintos da rotina de produção de conteúdo a fim de encontrar espaço para manterem suas marcas relevantes.

Figura 27: Netflix disponibilizou filme “Ilegal” para assinantes em junho de 2016. (Imagem: Reprodução/Netflix)

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Disponível em: .

Fonte: G1. Netflix chega a 75 milhões de usuários em todo o mundo. 2016. Disponível em: . Acesso em: 20 de junho de 2016. 68

Fonte: EXAME. TV a cabo quer atacar Netflix por queda de assinantes. 2016. Disponível em: . Acesso em: 20 de junho de 2016. 69

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CONSIDERAÇÕES FINAIS A cultura digital tem transformado a sociedade, em nível global, como nunca visto antes. Em qualquer lugar do planeta, a partir de um smartphone conectado a uma rede móvel, é possível saber a previsão climática para a semana ou os resultados de eleições presidenciais de um país distante; pesquisar melhores preços de produtos ou descobrir endereços em mapas interativos; divergir em opiniões no Facebook ou abrir uma petição pública contra a descriminalização do aborto. Todos os dias, um novo aplicativo surge com uma proposta diferente para tornar um sem número de tarefas mais simples. De frente para uma tela, profissionais de distintas áreas programam, editam e desenham um novo software, um artigo para um site e uma nova logomarca. Pessoas, lugares, culturas e mercados estão conectados pela internet, que radicalmente vem impactando a economia, o consumo e o trabalho. Essa revolução digital, iniciada nos anos 1990 e que ganhou força a partir do século XXI, desencadeou uma nova realidade: diversas áreas profissionais, sobretudo aquelas ligadas à mídia e produção de conteúdo, foram forçadas a encarar diferentes meios para produzir informação, distintas plataformas e técnicas para explorar modos de fazer e novos caminhos para se conectar com o público e divulgar ideias, projetos e produtos. Em períodos de grandes transformações, nem sempre todos conseguem resistir à elasticidade de um universo repleto de desafios como os que a cultura digital trouxe. Assim tem sido com diversos setores da mídia impressa, que vêm encarando a amargura de ver seu público encolhendo e suas vendas caindo. Isso porque gerações passadas estão indo embora e as mais recentes já crescem em um ritmo em que é mais fácil ler uma notícia em um jornal online a comprar a edição do dia na banca. Embora seja um equívoco desprezar o encanto dos mais velhos pelas novidades tecnológicas — e sua adaptação a elas —, o fracasso ou sucesso das empresas de mídia estão atrelados aos jovens da geração Y e Z, que apresentam demandas caraterísticas de um público acostumado com o consumo de informação mediado por telas, impulsionando a adaptação de empresas de mídia às novas técnicas e plataformas com o objetivo de conquistar esses nichos e lutar por sua permanência no mercado. Os números mostraram, no início deste trabalho, que resistir à cultura digital não tem sido fácil para as mídias impressas. Revistas, que por anos comemoraram recordes de vendas, encaram uma verdadeira crise do modelo, e muitas abandonaram o papel, voltando-se exclusivamente ao digital na tentativa de ainda conseguir desfrutar de alguma relevância. A grande aposta a partir de 2010 para a indústria editorial de revistas foi o lançamento do 82

iPad da Apple, que inaugurou um ciclo passageiro de produção digital interativa para tablets. O modelo, que tentou reunir características do webjornalismo e se consolidar como a evolução do impresso, não vingou. O aparelho deixou de ser novidade, perdendo espaço para os smartphones com telas maiores. As vendas caíram, assim como as assinaturas e compra avulsa de revistas digitais. Restou-se, então, questionar: como é possível continuar relevante em tempos de crise e perspectivas obscuras quanto ao futuro de mídias que tradicionalmente eram impressas? A partir da análise da Superinteressante, um dos maiores títulos da editora Abril, foi possível verificar estratégias adotadas para superar esse momento de transição da cultura do impresso para a cultura digital. A hipótese, que veio a se confirmar durante as pesquisas para este trabalho, era a de que preservar e consolidar a marca seria fundamental para permanecer reconhecida, uma vez que a internet se tornou um vasto campo de informações e fontes, confiáveis ou não. Para separar o que tem fundamento e o que é duvidoso, o jornalismo se faz protagonista nesta tarefa, conferindo credibilidade à marca pela qual ele atua e mostrando a que veio e qual sua utilidade para o seu público. Mas esse processo ainda está sendo escrito. Não há um manual de como fazer. O que existem são casos que apresentam bons resultados nessa luta e que podem ser estudados para inspirar outros profissionais, mídias e meios de comunicação. A Superinteressante, como destaque neste estudo, apostou em inovação para se manter atual. Com a missão de produzir conteúdos sobre ciência, tecnologia, conhecimentos gerais e culturais, ela não focalizou apenas na revista impressa mensal, mas ousou testar diferentes produtos e serviços para conectar o público à sua marca. Vale destacar, entre essas apostas, os newsgames, que incorporam conhecimentos sobre determinados assuntos em jogos interativos, e que conceberam à SUPER oportunidade de se projetar como uma marca compromissada em apresentar projetos inovadores. Com patrocínio, os newsgames também podem ser adaptados para render visibilidade a um anunciante, tornando um conteúdo que, à princípio seria publicitário, em um formato que agrega conhecimento e diversão ao jogador. Obviamente, não é possível lançar um produto como esse todos os dias, pois é trabalhoso e requer conhecimentos específicos de programação, além de diversos testes para chegar à versão final. Mesmo assim, ele pode ser usado como um complemento à reputação da marca, ora ou outra gerando renda, aumentando, assim, os pontos de captação de recursos. A partir da Superinteressante, foi possível entender também que o público não dita necessariamente os conteúdos, mas os rumos e a necessidade de inovação — visto que é ele quem tem vivido intensamente a cultura digital e forçado empresas a se adaptarem ao seu novo padrão de consumo. Aos jornalistas cabe descobrir assuntos que sejam essenciais para uma sociedade que dedica mais tempo se divertindo na internet do que, propriamente, 83

informando-se ou estudando — como demonstrou a Pesquisa Brasileira de Mídia 2015 sobre os hábitos de consumo no país, revelando que entreter-se e passar o tempo livre são as principais atividades realizadas na internet. Portanto, enfrenta-se, contemporaneamente, o grande desafio de entender, de maneira constante, como as gerações agem na internet, quais redes sociais e aplicativos elas mais utilizam (e com quais finalidades) e quais as tendências de consumo que elas têm apontado, determinando, desta maneira, uma análise de comportamento da sociedade para decidir a quais frentes destinar mais recursos e atenção para se alinhar com as demandas e ritmo de públicos distintos. Não é à toa que a maior parte das novas propostas de conteúdos passam em algum momento pela cultura digital, provocando dúvidas quanto a sobrevivência do impresso perante a esse fenômeno. Tentativas frustradas de se adaptar ao universo digital, como a produção de revistas para plataformas flip show ou para o tablet, provaram não ser o melhor caminho se considerarmos a cultura do compartilhamento na internet, na qual conteúdos específicos são repassados por redes sociais, como o Facebook e Twitter, ou encaminhados por mensagens via WhatsApp com link de acesso à publicação. Essa lógica de compartilhamento massivo em rede rompe com a noção de revista — um produto com início, meio e fim, e impossível de ser dividido em partes para que o leitor distribua, facilmente, textos que interessem ao seu círculo social. Uma vez que as revistas já têm seus portais na internet, esse compartilhamento se torna infinitamente mais fácil, pois o conteúdo das revistas pode ser disponibilizado em forma de artigo no site, complementado com vídeos, galerias de fotos e mais informações, condensando tudo isso em apenas um link possível de ser espalhado por todas as redes sociais. É por isso que a cultura digital transforma o conceito de revista, assim como fez com a Superinteressante, que já não é mais aquele calhamaço de papel, mas um grande veículo de produção de conteúdo multiplataforma, que passa por livros, redes sociais e filmes. Todos esses pontos de contato com o público permitem a transmidialidade dos conteúdos, sendo aperfeiçoados e aprofundados em cada mídia específica, expandindo a atuação de quem os produzem não mais enquanto revista, mas enquanto marca — que é o que sobra de legado nesse processo de transição do analógico para o digital e o que lhe garante explorar noções de credibilidade para continuar se projetando no mercado e fidelizando leitores. Diante de todos esses fatos, um importante contexto não pode ser ignorado: a SUPER, marca pertencente a uma das maiores empresas de mídia do Brasil, já surgiu com grande chance de se penetrar no mercado devido ao ramo de atuação, investimento, distribuição e divulgação da editora Abril. As chances de se adaptar à cultura digital são muito maiores se comparadas às pequenas revistas que não têm acesso aos mesmos patrocinadores e estrutura para dar suporte ao seu desenvolvimento. Mas, a Superinteressante, assim como tantas outras revistas, não está imune às mudanças do padrão de consumo da sociedade. O movimento 84

que ela tem feito para sobreviver à cultura digital, focando em produção de conteúdos multiplataforma e transmídia, revela a necessidade de traçar estratégias para preservar a sua marca e se precaver de um futuro encarado como pouco promissor para o mercado editorial de revistas em formato impresso — sem abandonar a sua essência, compartilhando informações sobre ciência, conhecimento e cultura, por quaisquer plataformas que se demonstrarem eficazes na conexão com o público. Conclui-se, portanto, que os desafios enfrentados por grandes empresas servem de suporte à reflexão acerca dos rumos a se seguir para se destacar em produção de conteúdos, pois elas têm testado, diariamente, caminhos para se manter e se provar relevantes a seus públicos. Ainda que a frágil perspectiva de trabalho acometida pela crise do mercado de mídia, principalmente a do impresso, tenha desencantado jornalistas recém-formados, não podemos fechar os olhos para as experiências vividas por empresas e suas respectivas estratégias de permanência, que têm muito a revelar sobre a dinamicidade que envolve a adaptação à cultura digital e respostas do público. E, ao contrário da época em que não havia internet — portanto, trabalhar com jornalismo significava, necessariamente, fazer parte de um jornal, uma revista, rádio ou TV — qualquer profissional pode, hoje, utilizar ferramentas acessíveis para produzir conteúdo de qualidade e que se configure, de alguma maneira, importante ou relevante para o nicho específico a ser explorado. O reconhecimento poderá ser possível graças às redes sociais ou até mesmo um canal de vídeos no YouTube, que são, hoje, um dos maiores palcos de visibilidade para pessoas, empresas e informações, e que estão permeados de usuários capazes de compartilhar a ideia simplesmente porque ela os tocou de alguma maneira, seja inspirando, intrigando ou entretendo. Ao se mostrar relevante, o produtor de conteúdo agregará valores benéficos à sua marca, chamando a atenção de mais pessoas e, inclusive, de patrocinadores — que poderão ajudar no crescimento do projeto e na viabilização de ideias. Ressalta-se, novamente, que essas possibilidades fazem parte de um cenário completamente novo, que levou empresas à depressão, mas despontou horizontes mais palpáveis para a produção de conteúdos multimídia e possíveis de conquistar públicos nativos digitais, além de impactar e intervir beneficamente em relações econômicas, sociais e políticas, não apenas projetando uma marca como essencial, mas efetivamente sendo essencial nesse oceano de informações.

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ANEXO (ENTREVISTA) A entrevista, realizada no dia 20 de agosto de 2015, com Denis Russo Burgierman, diretor de redação da Superinteressante, aconteceu durante um almoço e o trajeto até o prédio da editora Abril, em Pinheiros, na capital paulista. A conversa se iniciou sobre o mercado de consumo de mídia em tablets não ter se comportado como o esperado. DENIS RUSSO BURGIERMAN: Teve uma ilusão no primeiro momento, que é a ilusão de que a crise e relevância dos produtos impressos ia ser resolvida magicamente por uma solução só, que todo mundo ia ler revista em tablet. E a gente percebe que não é assim, que foi muito mais complexo que isso, não vai ter uma transição total dos nossos públicos pra tablet. A gente percebe que o consumo de informação digital se dá de uma maneira muito diferente do que se dava no papel, se dá em plataformas diversas; está cada vez mais claro de que portabilidade é muito importante, então boa parte do consumo de informação digital é no celular. As revistas digitais tradicionais nem são boas em celular, muito responsivas, não rodam bem em telas menores. Então é coisa de você, que não interessa se você está no tablet ou não, você quer acessar a informação em qualquer lugar. A informação está sendo consumida em muitos lugares diferentes. O que a gente percebe, hoje, é que tem um pouco de mais de 10 mil pessoas, 12 mil pessoas lendo a SUPER todo mês em tablet. É um número bem grande para o mercado brasileiro, mas um número bem pequeno comparado à nossa circulação. Mas, quando a ente vai ver quem efetivamente baixa, é algo como 12 mil pessoas. As pessoas estão assinando porque elas falam assim "ah, legal, bom ter". Mas não necessariamente elas consomem, não necessariamente elas baixam. GIAN CORNACHINI: Por quê? DENIS: Porque não é conveniente, porque ela esquece. Acho que tem uma coisa do comportamento de quem lê revista em tablet — não sei se você percebe isso — você lê e raramente você volta. Então, você baixa um revista, fica lá lendo, e tem tanta novidade o tempo todo que você acaba não voltando para a revista. Acho que tem alguns outros fatores: tablet perdeu relevância. Tablet se disseminou, se popularizou. A base de tablets é gigante. Mas quando você olha para algumas tecnologias, você percebe uma melhora das telas dos celulares. Você começa a perceber que tablet e celular no fundo são as mesmas coisas. E, "cara", você pega os novos celulares, com tela um pouco maior, a qualidade da tela é espetacular, para filme, para game. 90

GIAN: Mas e para revista? Porque eu acessei uma revista para celular e eu não gostei. É bom para ler uma matéria curta, uma notícia rápida, mas para revista eu acho que você perde a experiência. Eu não sei como vocês estão entendendo isso... DENIS: Ah, eu também acho. A questão é que isso não é tão importante assim para tanta gente. Para mim, é. Eu adoro a revista. Para nós, da SUPER, que a gente adora fazer grandes infográficos, duplas cheias de informação, que dá para você se perder com os olhos lá dentro, você não... A tela do celular é uma frustração, né? Mas você percebe no comportamento das pessoas que nem todo mundo pensa como nós, apaixonados por revista, né? GIAN: Mas, será que o leitor da SUPER não pensa como nós? Porque, pelo fato de a revista ser historicamente premiada por design, então, as pessoas sabem, e vocês também falam isso. Até teve uma edição com as matérias mais premiadas e a maioria foi infográfico. Então, talvez o leitor não esteja em sintonia com isso? Tipo assim, "ah, vou ler no celular mesmo". Mas ele sabe que não vai ter aquilo. DENIS: É, para nós é importante. A gente não está no movimento de parar de fazer o tablet, a gente continua fazendo. Agora, teve algumas mudanças que a gente foi fazendo ao longo da história. No primeiro momento a gente achava que edição de tablet tinha que ter muito conteúdo extra, muito vídeo, game — teve algumas edições nossas que a gente fazia jogos dentro da revista. A gente animava as capas todo mês, a gente tinha vários conteúdos multimídia além da revista, porque a gente estava pensando "'pô,' se é para o 'cara' baixar no tablet, tem coisas que só podem existir no tablet". Tem uma tendência que foi se aprofundando de a gente simplificar o produto do tablet. Ele foi ficando menos interativo, menos multimídia, menos cheio de conteúdo próprio. GIAN: Mas, aí não vira um PDF? Porque até a edição... Antes de vocês mudarem o design, agora, recentemente. A última estava com aquelas páginas compridas... As últimas, nenhuma teve. Nem animação, texto escondido... Eu não me lembro. Não encontrei. DENIS: É, tem muito menos... GIAN: Por quê? 91

DENIS: Por isso, começar a parar de pensar no tablet como um produto novo e pensar nele como a versão digital da revista. Para o 'cara' que prefere ter a revista digital, que não quer mais receber papel, que não quer acumular lixo reciclável, mas que quer a revista. E é uma questão de foco, de esforço. Não é que a gente esteja produzindo menos conteúdo interativo multimídia, a gente está produzindo muito mais. Só que esse conteúdo a gente prefere abrir pra todo mundo, na web. A gente não está fazendo conteúdos específicos para as 10 mil pessoas que assinam a revista [digita]. Estamos fazendo para as 3,5 milhões de pessoas que seguem o nosso Facebook ou as 3,5 milhões de pessoas que visitam nosso site todo mês. Acho que tem uma tendência mesmo de aproximar, de simplificar. Num primeiro momento, quando a gente fazia a edição de tablet cheia de recurso, isso ocupava a nossa equipe de arte uma semana inteira depois de fechar a revista. A gente não descarta que algumas páginas da revista sejam PDF, mas a gente não quer que a experiência fique ruim. São dois movimentos juntos: algo que a gente faça que seja bom de ler, mas muito simples de fazer. As coisas que a gente faz na revista digital, o leitor gosta, mas não repercutem muito para fora da revista digital. Diferente dos conteúdos que você posta no site, compartilha no Facebook, que se espalham e chegam num público que não necessariamente é o seu público. Acaba tendo um potencial publicitário por causa disso. Acho que tem uma tendência de a gente não querer ficar muito contido, de a gente querer atingir mais gente, né? Então a web é muito boa para isso. É ruim para preservar aquela experiência, né? Eu adoro a revista... A dupla, a página bem realizada, o cuidado com o design. São coisas que a gente preza pra caramba, são super importantes para a gente, mas o mundo muda, né? A gente tem que ficar pesquisando jeitos de fazer as coisas. Para a SUPER, o design é muito importante, sim. Mas acho que a coisa mais importante para a SUPER é estar afinado com os jeitos novos de fazer as coisas. E, assim, o nosso esforço de fazer web: como é que a gente vai fazer com que o design na web seja interessante, que tenha a alma da SUPER? A web ainda é um problema, é difícil lidar com design na web. A gente não tem desenvolvedor dentro da nossa equipe. A gente não pode ficar criando. A gente só tem designer... GIAN: Aliás, esse era um ponto também no início do trabalho porque, como eu queria valorizar essa experiência no tablet — que eu estava sentindo que era um novo nicho, uma oportunidade de... DENIS: Eu acho que você tem um tema interessante de pesquisa que é entender essa transição. Mas, assim, se você tem expectativa de achar "ah, tablet é o novo, o caminho que todo mundo vai", não é isso que você vai encontrar, não. A ideia de revista digital no tablet claramente não pegou, não virou um fenômeno como se esperava. 92

[Uma pessoa ligou para Bugierman e o assunto foi interrompido. Voltamos de outro ponto.] GIAN: Por que vocês mudaram o layout? Pergunta da professora Alessandra Carvalho. Ela achou que ficou mais simples, inclusive o "Cardápio" ficou mais simplificado. DENIS: O cardápio mudou mesmo. A gente fazia o sumário em duas páginas e a gente achava que não tinha muito benefício para o leitor. Duas páginas só para dizer o que tinha na edição. Diminuímos para uma para ter uma página a mais para fazer coisas que a gente acha que são benefícios claros para o leitor. E acho, assim, é parte do que a SUPER é. A SUPER é inquieta, ela é ligada em novidade, ela é ligada em inovação. E a gente acha que um dos motivos de o sujeito ler a SUPER é porque ele quer coisas diferentes. Tem um monte de revista que é igual há 30 anos. Esse "cara" não é o nosso leitor. Então o primeiro motivo de mudar é: "a gente muda pra continuar sendo. A gente muda para continuar sendo aquilo o que a gente é". Aí tem a segunda razão que eu acho que tem a ver com uma mudança de cenário mesmo. Ao longo das últimas décadas e, desde o começo do século XXI, a SUPER só cresceu como marca e ficou cada vez mais relevante. Ela era uma revista média e hoje ela é uma das maiores revistas do Brasil. Eu acho que isso tem a ver com o fato de que a SUPER identificou bem as mudanças dos tempos. Antes, uma revista do século XX era muitas vezes a sua única fonte de informação. E aquilo que a revista fazia pelas pessoas mudou. Hoje em dia o cara está mergulhado em informação. A revista não pode ser só mais ruído no meio do oceano. A gente começou a perceber que o papel da SUPER tinha que ser de ajudar a navegar nesse oceano de informação e não deixar você se afogar, porque está fácil de se afogar nele. A SUPER ajuda a organizar, ajuda a contextualizar, hierarquizar a informação que está no mundo. Então, assim, a gente mudou muito profundamente agora porque a gente percebeu que aquilo que uma revista é mudou. O trabalho que a gente tem que fazer pelas pessoas não é mais o trabalho que a gente tinha que fazer antes. GIAN: O que era o antes? DENIS: Eu acho, assim, quer dizer... Quando a gente fazia a seção de notícias da SUPER, a gente pensava assim: "o que é tudo o que o 'cara' precisa saber?". A gente meio que partia do princípio de que se ele não lesse na SUPER, ele não iria ler em mais lugar nenhum. Isso não é a realidade do 'cara'. A gente vê que precisa ser mais organizada, mais hierarquizada, precisa ter um trabalho mais sólido de filtragem, mas também de 93

garimpagem, cobrir coisas que você não ficou sabendo antes no Facebook, né? Então, mudou um pouco a natureza das seções. A seção de notícias, hoje, ela tem muita contextualização. Tem umas seçõezinhas do tipo "Enquanto isso...". Enquanto estava todo mudo discutindo a propaganda do O Boticário, a gente mostra quatro coisas que ninguém discutiu, mas que são muito importantes. E todo mês tem esse tipo de coisa. Então, tem o trabalho mais focado em como é que a gente faz uma revista para 2015. E eu acho que tem uma terceira coisa que é o seguinte: mudar nosso jeito de trabalhar. A gente fez esse projeto já pensando que a gente não é mais uma equipe que faz uma revista. Que a gente é uma equipe que cuida de uma marca, que essa marca se comunica com o público de mil jeitos. A gente tem mil pontos de contato com as pessoas. A gente queria uma revista que fizesse sentido com esse jeito novo de trabalhar. Em parte, significa um pouco redimensionar os esforços em cada coisa. Então, sei lá, o exemplo que você mesmo deu é um bom exemplo disso: "Pô", tira esforço do sumário, tira esforço do cardápio que é legal. Por um tempo a gente se orgulhava de ter os cardápios mais complicados do Brasil. Aí o "cara", antes de saber onde estava a matéria que ele queria ler, ele tinha de entender como ler o infográfico. Mas "cara", eu pensava assim, de verdade: que benefício a gente está entregando fazendo isso? Então a gente simplificou coisas que não entregavam benefício para poder pôr mais esforço em coisas que entregam, para a gente fazer infográficos mais cheios de coisas, pra fazer histórias em quadrinhos. Uma das intenções do projeto novo foi abrir o leque de conteúdos que a gente faz. É como se antes a gente fosse daqui até aqui. E agora a gente quer ir daqui até aqui. Então, agora a gente quer, por exemplo, mais literatura. Não tinha literatura antes. A gente quer histórias em quadrinhos, a gente quer mais gráfico e mais narrativas visuais. Então esse é o terceiro ponto. O primeiro ponto: mudar para continuar sendo o que a gente é. O segundo ponto: mudar para ficar mais adequado aos tempos de hoje. Terceiro: mudar pra que essa mudança nos ajudasse a trabalhar de um jeito diferente, redirecionar nossos esforços, ajudar a pensar e trabalhar mesmo de um jeito diferente. GIAN: Mas, pensando então para esse público, que passa 9 horas do dia conectado, quais são os esforços que vocês têm que manter ou inovar para continuar com eles conectados, mas em vocês? DENIS: Agora a gente está integrando as redações, integrando os times digitais e o impresso. Significa que a gente também vai passar provavelmente mais do que 9 horas conectado. A revista vai estar conectada. Uma vez por mês a gente vai continuar entregando um calhamaço de papel imutável na sua casa, mas essa revista continua viva o resto do mês. 94

A gente continua usando a web e as redes sociais para ir atualizando e mantendo viva a revista que a gente já lançou. Todo mundo agora vai publicar na internet, todo mundo agora vai postar nas redes sociais... GIAN: Por que isso está acontecendo? DENIS: Houve um momento em que, até outro dia lá na Abril, tinha um time digital — que pegava o nosso conteúdo e levava para as redes sociais e para a internet. Esse conteúdo atraía uma baita audiência, era super compartilhado, mas não era a gente que fazia. A gente fazia para a revista, e era outro time que levava isso para o digital. Agora é o mesmo time. A SUPER é uma só e ela tem mil pontos de contatos com as pessoas. Faz mais sentido. Muda o nosso modelo de negócios também, né? Hoje, quando a gente vende publicidade, não é mais uma página de anúncio, é um projeto integrado, "óh, você vai lá, você está nesse anúncio, você está nesse projeto de redes sociais, no nosso site, no banner, em algum outro tipo de produto, em algum outro tipo de entrega”, né? Mudou o jeito da Abril pensar comercialmente o trabalho da publicidade. É multiplataforma. Mas, para nós, o nosso trabalho é conteúdo. Para nós faz sentido também. Tem uma coisa que eu sinto muito claramente que é assim: eu acordava na segunda-feira, ia tomar um café na padaria, e sentava no balcão, e estava o cara ao lado falando de uma matéria que a gente tinha publicado. Eu sinto que isso acontece cada vez menos. As pessoas estão falando com o post que elas leram no Facebook. A repercussão depende demais das coisas que estão digitalizadas. GIAN: Tipo aquela imagem do estupro, do assédio. Foi muito, né? Acho que foi uma das mais recentes de vocês. DENIS: Foi. E é um bom exemplo, né? O que foi aquilo? Aquilo foi uma matéria de capa, como a gente faz todo mês. Essa matéria de capa foi lida por, talvez, um milhão de pessoas que leem a SUPER, talvez um pouquinho menos. Mas, cara, a gente produziu alguns cards acompanhando um texto curto, uma historinha pequena que a gente a gente postou sem colocar um centavo para disseminar; e isso chegou a 26 milhões de pessoas. Pegou de um jeito muito forte, né? Gerando ação, começou a chegar centenas de depoimentos de mulheres que tinha sofrido violência sexual, sem que a gente tenha pedido. Tipo, achando que essa história gerou mudanças concretas na cultura.

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GIAN: Eu vi gente compartilhando a imagem, e que nem curte a página, para você ter ideia... DENIS: É, porque foi muito além da nossa rede habitual. A gente tem 3,5 milhões de pessoas no Facebook, o alcance desses posts foi de 26 milhões e meio de pessoas, e assim: é com isso que a gente se preocupa, é isso que a gente quer fazer - disseminar ideias. O Lucas Pasqual [responsável por gerenciar as redes sociais] sentou com a gente, estabeleceu uma estratégia, a gente continua fazendo, a gente agora está produzindo vídeos com o depoimentos de algumas mulheres que nos procuraram, a gente quer que isso aconteça, a gente quer amplificar o alcance daquilo que a gente diz. Escrever num papel e deixar no papel, tem uma coisa muito frustrante nisso, né? Acabou o mês, o "cara" guarda na prateleira dele. O mais provável é que ninguém nunca mais leia aquela revista. Tipo, a internet da a vida, né? Essa história do estupro, ela teria um mês de vida em nosso modelo tradicional. Você faz a revista, no mês seguinte chega a outra revista e ninguém está falando daquela. Agora, o que acontece? A gente faz posts no Facebook, a repercussão sai do nosso controle, chegam depoimentos de mulheres contando suas histórias, a gente manda uma equipe, grava vídeos desses depoimentos. A gente está pensando em evento físico, num auditório. A gente vai continuar trabalhando com esse tema, assim como no ano passado a gente trabalhou por muito tempo com o tema da maconha medicinal, e a gente fez um filme de longa metragem que passou no cinema - como consequência dessas etapas, uma coisa foi acontecendo atrás da outra. Aí, no final, um ano depois de a gente publicar a matéria, a Anvisa foi lá e mudou a lei. E, tipo, foi a matéria que fez com que mudasse? Não foi ela sozinha. Mas ela participou de uma combinação de fatores que gerou uma mudança concreta no mundo. É isso o que a gente quer fazer, né? Quer trabalhar mais integrado com o digital para aumentar o alcance do que a gente faz. GIAN: A Capricho já tirou a versão impressa. Vocês imaginam que isso também vai acontecer com a SUPER ou não? DENIS: Ah, a gente não quer que aconteça isso. A gente entrega a edição impressa e a gente acha que tem uma baita demanda pela edição impressa, as pessoas gostam da revista em papel, elas colecionam. Fato concreto da vida: tem menos gente lendo coisas em papel do que tinha antes. É um fato. No caso da SUERP, que é um título muito grande, continua tendo gente suficiente para sustentar a operação impressa de sobra. A SUPER é lucrativa. Porque daí, assim, para ficar bem claro: por que a Capricho tira a versão impressa? Porque 96

estava no vermelho, porque eles estavam perdendo dinheiro com a versão impressa. No caso da SUPER, a conta fecha. Então, a gente não vê razões para isso. Mas sei lá, eu acho que nós próximos dez anos a gente vai ouvir essa notícia com muita frequência, muita revista impressa que vai parar de circular em papel. Porque é uma operação cara e ineficaz. Tipo, basicamente para vender cinco revistas de papel você precisa imprimir dez. É um trabalho imensamente complexo. Tem um caminhão que leva pilhas dessa revista, aí vai um “cara” de bicicleta e pega essas revistas e leva até a sua casa. É uma logística tremendamente complexa. Compara isso subindo num site e esse site distribuindo para as pessoas no Brasil todo. GIAN: Mas, assim, o conceito de revista que a gente tem é um arquivo fechado com começo, meio e fim. Então, com esse movimento de em dez anos muitas revistas fecharem, descaracteriza revista? A revista passaria a ser um site de informação? DENIS: Eu acho que reinventa. Na prática, você adora as revistas não porque tem papel grampeado, é por causa de algo que a revista te dá. E que não é muito fácil de definir. Porque o que SUPER te dá é bem diferente daquilo que a Veja te dá, que é diferente do que Carta Capital te dá, que não tem nada a ver com que a Elle te dá. Cada revista é um bicho diferente. Eu acho que o que a gente vai ver nos próximos anos são cada vez mais soluções tecnológicas para as pessoas darem mais ou menos aquilo, de jeitos cada vez mais variados e cada vez menos limitados. Eu acho, assim, para mim é um mundo empolgante. É imprevisível, eu não sei muito o que fazer, e tem um monte de risco no caminho para quem está no business, porque as empresas estão tendo que se reinventar, os modelos de negócio estão correndo perigo. Mas do ponto de vista de alguém que produz conteúdo e que adora consumir conteúdo, “cara”, é a era de ouro do conteúdo. Agora, assim, ano passado a gente fez uma revista, essa revista nos deu a ideia de um vídeo para a internet, esse vídeo para a internet nos deu a ideia para um longa metragem que passou no cinema. A gente fez tudo isso, “cara”. Eu, como um editor de revista dos anos 1980, jamais iria ter sido um produtor de um filme do cinema. As barreiras estão caindo. As fronteiras estão caindo. GIAN: Talvez, então, seria assim: a revista deixando de ser aquele arquivo mesmo, mas fortalecendo a marca dela? Por exemplo, eu vou continuar acessando a SUPER porque eu entendo qual é o conteúdo que ela me passa, mas não importa de qual maneira, seja no Instagram, seja em todas as coisas, né? Então, tipo, eu vou acessando esse conteúdo de variadas formas... 97

DENIS: É, acho que é isso. A tendência é mais as marcas pensarem "pô, quais são os meus atributos?". "O que que eu, SUPER... Por que as pessoas gostam de mim, SUPER?" O que elas querem é tentar entender qual é a essência da marca para trabalhar de mil jeitos com essa essência. Acho que algumas marcas estão conseguindo fazer isso. A SUPER é uma marca que está conseguindo fazer isso. Até porque é uma marca adorada, né? As pessoas adoram a SUPER. É uma marca que você sai por aí, "ah, onde você trabalha?", “eu trabalho na SUPER", "Ah, que legal". Tem vários colegas meus que não têm reações tão felizes quando eles falam onde trabalham. Então, tem marcas que têm uma imagem mais positiva, né? Tem outras que estão sofrendo mais. Tem outras marcas que estão com dificuldade muito maior de entender quais são os atributos delas. Então, fazer essa transição... Tem marcas que vão morrer porque não vão conseguir se adaptar. É o que acontece sempre em uma revolução. Em uma mudança muito geral de hábitos, certas coisas ficam obsoletas, certas coisas se adaptam. Quase nada continua igual. Eu acho, assim... O “cara” que vai continuar fazendo exatamente aquilo que faz e vai continuar dando certo? Esse é um cenário que eu acho que não vai existir para quase ninguém. GIAN: É uma coisa muito difícil, né? Muito difícil e desafiadora também, porque, imagina assim: a gente se forma para trabalhar em uma assessoria, para trabalhar em um jornal, para trabalhar em uma revista... DENIS: As categorias eram muito claras... GIAN: Muito claras! DENIS: Mas, eu acho assim, o talento fundamental para esse mundo novo é o controle da ansiedade, porque a gente vive em um mundo que tem uma dissonância muito profunda hoje em dia entre o que é possível fazer e o que você consegue fazer. Num certo sentido, as possibilidades eram muito menores nos anos 1990, quando eu entrei. Tinha muito menos coisa, mas eu sofria menos porque era muito claro o que que é, né? Você sabe o que uma revista é. Todo mês faz aquilo. Hoje em dia, cada mês quando você começa a pensar numa matéria, tem mil possibilidades. Então começar um novo título, um novo produto, cara, tem um bilhão de coisas que você pode... "Ah, pode ter isso que eu vi o ‘cara’ fazendo no Japão, tem esse que o ‘cara’ fez na Coreia. Ah, tem esse na Alemanha que...". Tipo, tanta coisa possível, aí na hora de "vamos ver, vamos fazer a conta, o que dá para fazer?", você tem uma decepção na origem. Mas você tem que fazer escolhas mesmo, num mundo que tudo é possível, você tem que ter muito clara a sua proposta de valor. O que é que eu entrego para as pessoas e 98

que elas adoram? Isso é significar fazer escolhas, significar, por exemplo, parar de fazer coisas que um monte de gente gosta, mas que não eram essenciais. E vai significar correr muito risco mesmo. Experimentar coisas sem saber aonde vão dar, né? Eu acho, assim, do ponto de vista do conteúdo, é a era de ouro. É o momento em que realmente quase tudo é possível. Em termos de narrativa, em termos de experiência que você dá para o leitor, “cara”, é espetacular. Do ponto de vista do profissional, do “cara” que vai trabalhar para a indústria, realmente é uma época desesperadora do modelo de negócios mesmo. "Como é que vou sustentar?". Eu acho assim, vai exigir da sua geração uma habilidade para trabalhar com consistência sem resultado, porque as coisas demoram para virar mesmo. Mas, assim, de ser consistente, de ter uma meta de longo prazo — que não significa ser cabeça dura também, porque essa meta vai ser repensada mil vezes, a cada dia. E de ter paciência mesmo, porque é uma época de experimentação mesmo, as coisas vão demorar para chegar, é uma época de transição, né? Antes, você não lançava uma marca se você não tivesse uma puta estrutura por trás. Quando a Abril nasceu, para você lançar marcas editoriais, você precisava ser dono de uma gráfica. A Abril tinha a própria gráfica. Hoje, uma pessoa com uma paixão, com um trabalho consistente, em alguns meses lança uma marca. E o que o jornalista traz de útil nesse mundo complexo que a gente vive hoje é essa capacidade de dialogar entre os diferentes setores, né? O jornalista é o cara que vai lá e entrevista todo mundo e consegue formar uma visão abrangente dos assuntos. E eu fico imaginando mesmo que hoje em dia, para a universidade, as faculdades de jornalismo devem estar sofrendo muito, e vocês devem ter uma sensação de frustração constante mesmo, né? Dizer assim: "caramba, esse curso está muito desconectado das transformações que estão acontecendo”, né? E acho que tem essa dificuldade, a palavra “jornalismo" soa uma palavra antiga, né? A gente se definir como jornalista... As definições tradicionais do que nossas profissões são estão completamente diferentes. Mas, assim, é focar na essência. Qual é o papel essencial que a gente cumpre, que a gente sabe cumprir e que é útil para as pessoas? As pessoas vão continuar tendo necessidade de ficar informadas, necessidades de compreensão, e vai continuar precisando de alguém que faz esse trabalho de deixá-las informadas. O modelo de negócio, sei lá qual vai ser. Mas eu acho que é isso, a sua geração vai ter que ficar muito atenta à essência das coisas. GIAN: Você acha então que, talvez, esse seja um momento interessante para resgatar aquela ideia ultra apaixonada que as pessoas tinham de que você cumpre um papel na sociedade e, agora, novamente? Porque eu tenho a sensação de que o jornalismo de hoje muitas vezes não se importa com o leitor. 99

DENIS: Um certo cinismo, né? Eu acho, eu acho até que isso vale, não vale só para os jornalistas, vale para boa parte dos setores da sociedade. Eu acho que as últimas décadas foram décadas em que os negócios começaram a parecer que eram mais importantes que o papel que eles cumpriam, e eu acho que boa parte dos setores sociais estão muito desconectados do sentido daquilo que eles fazem. Você pega o setor da Saúde, está todo mundo lá cumprindo a sua obrigação, mas quantos deles estão conectados no sentido maior de ser esse papel super relevante de cuidar da saúde das pessoas? É engraçado, porque a gente está no meio dessa crise profunda, e há menos de uma década atrás as empresas de mídia estavam comemorando lucros recordes. Estava em um momento que pareciam o auge, fazendo fortunas. Mas eu acho que esse processo de perda de sentido já estava acelerado, ninguém estava percebendo. E tem uma dificuldade muito grande hoje em dia de fazer as contas fecharem produzindo mídia. Produzir informação, ou esse modelo de negócio tradicional da nossa indústria — que é produzir informação para vender publicidade, para acompanhar a informação (o “cara” compra a informação e ganha grátis a publicidade — que é o que sustenta a indústria) — parece falido. E a sensação que eu tenho é que está meio que definitivamente falido. Ah, sei lá, a publicidade vai continuar existindo, mas, “cara”, não vai voltar a funcionar como era antes. GIAN: Quem vai pagar a conta? DENIS: A conta vai ser bem mais complexa. Acho que vai ter muito mais linhas diferentes de receita. Pega o caso da crise da indústria fonográfica como um exemplo, do mercado de música. Os músicos ganham cada vez menos com direitos autorais. Vender coisas que podem ser digitalizadas é uma tarefa ingrata, porque são coisas que podem ser reproduzidas ao infinito, são coisas que as pessoas não querem mais pagar por isso. Daí o que é que o músico faz para viver? Muitos deles fazem show, né? Eles tentaram aprofundar essa conexão com o público para criar experiências mais únicas. Talvez parte da solução para o jornalismo tenha semelhança com isso. Acho, assim, vai ter muito mais combinações diferentes de modelos de negócios. A gente, na SUPER, é procurada de vez em quando por organizações do terceiro setor, por exemplo, que tem uma pesquisa e que eles querem financiar uma matéria nossa sobre aquele tema. A matéria nos interessa. A gente vai lá e eles ajudam a pagar a logística da apuração, da pesquisa, né? [A entrevista se encerra nesse ponto, no qual chegamos na Abril — a conversa tomou tempo do almoço e do trajeto até o prédio — e encontramos com o grupo de estudantes da UFRRJ em frente à editora]. 100

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