Desafios e impasses aos meios consensuais de tratamento de conflitos

July 7, 2017 | Autor: C. Silva Nicácio | Categoria: Acesso à Justiça, Mediação, Modos Alternativos De Solução De Conflitos, Contratualização
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Desafios e impasses aos meios consensuais de tratamento de conflitos1 Camila Silva Nicácio2

Introdução

Nos últimos trinta anos, os métodos ditos consensuais ou alternativos de resolução de conflitos têm alcançado um desenvolvimento impensável. A mediação, assim como a arbitragem e a conciliação fazem parte disso. Se tal desenvolvimento se faz notar em diferentes países, é, sobretudo, no conjunto das culturas ocidentais que ele parece inspirar e também traduzir uma verdadeira mudança paradigmática no que concerne ao tratamento dos conflitos. Essa mudança diz respeito tanto à crise do modelo oficial de Estado para a gestão das controvérsias, hegemônico até então, como também à possilidade de emergência de um novo modelo de regulação social, mais conforme às exigências e necessidades contemporâneas. Necessidades que são identificadas, tal como já demonstrei em outro lugar3, em uma maior participação cidadã e no recurso a outros substratos normativos, além das leis, quando de processos de tomada de decisão. Frente a esse contexto, especialistas em mediação de conflitos4 alertam para um paradoxo aparente: a contemporaneidade assiste a multiplicação de meios visando democratizar e incrementar a comunicação (a quantidade de arenas e interfaces de contato na internet como Facebook, Twitter, Second Life etc., ratificam esse fato), enquanto essa mesma época vê pulular práticas de mediação voltadas, por sua vez, ao aperfeiçoamento e facilitação da comunicação. Assim, é o próprio Jean-François Six que, melancólico, conclui: o aumento na quantidade de comunicação não contribuiu para o aumento em sua qualidade, o que, de alguma maneira, implica o recurso pronunciado a intermediários-facilitadores. Podendo ser definidos como uma intervenção não autoritária de terceiro, visando ao aprimoramento da comunicação entre indivíduos e grupos, para a prevenção ou resolução 1

Texto inspirado de comunicação feita no I Encontro Nacional de Conciliação da Justiça do Trabalho, realizado pelo TRT da 9ª Região, Curitiba, Paraná, entre os dias 23 e 25 de maio de 2012. 2 Doutora em Antropologia do Direito pela Université Paris I, Panthéon-Sorbonne; Mestre em Sociologia do Direito pela Université Paris III, Sorbonne-Nouvelle; Bacharel em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais; Subsecretária de Estado do Governo de Minas Gerais (Subsecretaria de Atendimento às Medidas Socioeducativas – Suase/Defesa Social). 3 Consultar C. S. Nicácio, “Direito e mediação de conflitos: entre metamorfose da regulação social e administração plural da justiça?”, Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 3° Regi ão, n° 83, janeiro a junho de 2011, p. 79-108. 4 Para uma referência fundadora, consultar Jean-François Six, Les temps des médiateurs, Paris, Seuil, 1990.

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de conflitos, bem como para a criação e reparação de laços sociais, os meios consensuais enfrentam, no entanto, alguns desafios e impasses para sua consolidação, e isso a despeito de sua forte disseminação em arenas tanto diversas quanto numerosas tais como a família, escola, empresa, cultura, meio ambiente, política, hospitais, comunidades, judiciário etc. Aqui me cabe buscar chaves de compreensão que explicitem tais desafios e impasses. O presente trabalho pretende assim I) desvelar o porquê da profusão dos meios consensuais de tratamento de conflitos, em um contexto marcado tanto pela busca quanto pelo refugo do direito oficial; II) compreender a importância em não se considerar tais meios como a priori e essencialmente benéficos e positivos, fora de seus contextos fáticos de aplicação e, finalmente, III) atentar-nos para o risco do "contratualismo" exacerbado que, como componente de ideologia econômica, tende inexoravelmente à crescente desmaterialização do direito, pondo em xeque tanto sua dimensão instituída quanto instituinte.

I – A profusão dos meios consensuais frente à busca e refugo do direito oficial

Para compreender a evolução vivida pelos meios consensuais é imprescindível se perguntar a quais necessidades eles respondem, pois se, por um lado, o desenvolvimento de ideologias e métodos voltados à administração dita alternativa de conflitos se faz sentir (haja vista o aumento do número de experiências ligadas à mediação, à conciliação, às técnicas de comunicação não-violenta, à cultura de paz etc.), por outro lado, o recurso também crescente ao direito oficial, em suas vias institucionalizadas, não deixa de ser igualmente surpreendente. Enquanto a criação de centros de mediação e conciliação e a evolução téorica e prática em torno destas técnicas fazem supor o desenvolvimento de uma ordem jurídica cada vez mais “negociada5”, alguns atores denunciam o contrário, ou seja, a confirmação da ordem imposta, a partir da expansão do direito oficial a domínios onde outrora ele não

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Esta referência pode ser encontrada em J.-A. Arnaud e F. Dulce, Sistemas Jurídicos: elementos para un análisis sociológico, Madrid, Universidad Carlos III, 1996, p. 292; M. Alliot, “Anthropologie et juristique. Sur les fondements de l’élaboration d’une science du droit », in Le droit et le service public au miroir de l’anthropologie, Textes choisis et édités par C. Kuyu, Paris, Karthala, 2003, p. 283-305 e E. Le Roy, Le jeu des lois, une anthropologie ‘dynamique’ du droit, Paris, Maison des Sciences de l’Homme, L.G.D.J, Droit et Société, volume 28, 1999, p. 152 e « L'ordre négocié. A propos d'un concept en émergence », in Droit négocié, Droit imposé ?, P. Gérard, F. Ost e M. van de Kerchove (dir.), Bruxelles, Publication des Facultés Universitaires Saint Louis, 1996, p. 341-351. Em seu conjunto, esta obra oferece um largo panorama da transição do direito imposto ao direito negociado, segundo a perspectiva tríplice da teoria geral do direito, das ciências sociais e da doutrina jurídica.

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se encontrava, com o intuito de assegurar a gestão de conflitos normalmente regulados por outras ordens normativas. Tal expansão se situa em uma dupla via, como a da “juridicização6”, expressa pelo aumento do número de leis e, de outra parte, a da “judiciarização”, traduzida pelo aumento do volume do contencioso. O Ministério da Justiça é o primeiro a indicar, na exposição de motivos que acompanha o diagnóstico dos meios alternativos de resolução de disputas no Brasil, a relação estreita e turbulenta entre a crise do poder judiciário e o aumento progressivo das demandas que lhe são submetidas, devido à juridicização de conflitos e, por conseguinte, à criação acelerada de novos direitos7. Em relatório similar, embora em contexto social diverso, a Comissão Europeia aponta os laços evidentes entre as dificuldades de acesso à justiça e a multiplicação dos conflitos levados aos tribunais, o que acarreta o desenvolvimento inconteste de alternativas à estrutura judiciária8. Por outro lado, a “juridicização dos conflitos políticos” é igualmente traduzida como a “politização do sistema judiciário”, levando ao centro de sua estrutura uma gama de temas a princípio não tratados pelo direito9. Como afirmado, alguns autores evocam, todavia, o processo inverso, defendendo a ideia de uma crescente desjuridicização. Esta é a postura de Fréderic Rouvillois, para quem a inflação normativa vivida por alguns domínios da vida social se faz acompanhar por uma retirada não menos importante do Estado de outros setores, apontando para o 6

O termo “juridicização” faz referência à “extensão do direito e de seus processos jurídicos a um número crescente de domínios da vida econômica e social […]”, cf. Dictionnaire encyclopédique de théorie et de sociologie du droit, André-Jean Arnaud e al. (dir.), Paris, L.G.D.J, Bruxelles, Story-Scientia, 1988, p. 319 e s. Por sua vez, “judiciarização” quer designar “a extensão do papel da Justiça como instituição no tratamento de ‘problemas de sociedade’, dos quais alguns implicam o campo político, para os quais a Justiça não era solicitada no passado ou sobre os quais ela não vislumbrava intervir.”, cf. Jacques Commaille, La judiciarisation. Une nouvelle économie de la légalité face au social et au politique ?, Note de bilan d’étape du groupe « Judiciarisation de la société et du politique », CERAT, 17 février 2002, p. 1. 7 Cf. Brasil, Mapeamento nacional de programas públicos e não-governamentais - Sistemas Alternativos de Solução e Administração de Conflitos, Ministério da Justiça, 2005, p. 13. 8 Consultar Commission des communautés européennes, Livre vert sur les modes alternatifs de résolution des conflits relevant du droit civil et commercial, Bruxelles, 2002, p. 7, disponível on line: www.eurlex.europa.eu, consultado no dia 28 de setembro de 2010. Nesta mesma ordem de ideias, outras referências podem ser encontradas, tais como em A. P. Grinover e al. (org.), Mediação e gerenciamento do processo, revolução na prestação jurisdicional – Guia prático para a instalação do setor de conciliação e mediação, São Paulo, Atlas, 2007, p. 2 e M. Wierviorka (org.), La médiation, une comparaison européenne, Saint Denis La Plaine, Les éditions de la DIV, Délégation interministérielle de la ville, 2002, p. 104. Este autor lembrará a importância da multiplicação dos conflitos da vida quotidiana para o desenvolvimento, especificamente, da política baseada nas Maisons de justice et du droit na França, instituições de Estado e todavia decentralizadas, voltadas à prestação de serviços jurídicos, dos quais a mediação tem um papel preponderante. 9 A propósito do protagonismo dos juízes nas sociedades contemporâneas e a consequente juridicização/judiciarização dos conflitos políticos, cf. B. de Sousa Santos, Sociología Jurídica Crítica, para un nuevo sentido común en el derecho, Madrid, Trota/Ilsa, 2009, p. 83 e s. Para uma leitura mais abrangente do deslocamento dos conflitos da arena política à arena jurídico-judiciária, consultar as « Leçons scientifiques » organizadas por Jacques Commaille e al., in La juridicisation du politique, Paris, L.G.D.J, Droit et Société n° 7, 2000.

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que ele chama de “desregulação”. Para o autor a reflexão relativa à insegurança jurídica e à inflação legislativa seria na verdade dominada pelo projeto de contratualização da norma jurídica, que, partindo da constatação do excesso legislativo e regulamentar, e para contê-lo, propõe recuar a lei aos limites de sua função enunciadora de princípios fundamentais e de confiar às partes interessadas o cuidado de operar tais princípios a partir da negociação10. Um contraste aparente parece então se instalar entre contratualização de um lado e juridicização/judiciarização por outro lado: o número de leis e processos aumentou de maneira expressiva nos últimos quarenta anos11 (na seara penal mais visivelmente), enquanto o crescimento do número de associações de mediação e de outros modos de regulação alternativos à ação governamental se fez igualmente notar, a maioria das iniciativas sendo financiadas pelo próprio Estado12. Segundo indicações da literatura especializada, não haveria, todavia, maneiras judiciosas de demonstrar qual das diferentes evoluções, entre juridicização/judiciarização e contratualização, seria a mais expressiva13. Jean Carbonnier, jà en 1977, chamava atenção para a existência dessas duas tendências e de uma complementaridade aparente entre elas, a partir do que ele chamou de ballet de normes. Segundo este autor, se a juridicização/judiciarização galopante, contemplada na hipótese de um “pan-jurismo” associado ao desenvolvimento do capitalismo e da burocratização previstos por Max 10

F. Rouvillois (dir.), La société au risque de la judiciarisation, Colloques et débats, LexisNexis, Litec, 2008, Actes du colloque organisé par la Fondation pour l’innovation politique, novembre 2006/avril2007, p. 18. 11 Neste sentido, Celso Fernandes Campilongo insiste sobre o duplo risco de aumento quantitativo das leis (traduzido pela « hipertrofia legislativa ») e qualitativo (expresso pela « variabilidade das normas ») para a coerência e inteligibilidade do sistema jurídico. C. F. Campilongo, « O judiciário e a democracia no Brasil », Revista USP, v. 21, março/abril/maio, São Paulo, 1994, p. 122. 12 Jean-Pierre Bonafé-Schmitt ratificará esse contraste ao afirmar que a judiciarização expressa no aumento do contencioso vivida nos anos 70 e 80 não saberia dissimular o desenvolvimento crescente da desjudiciarização, assegurada sobretudo pela evolução das mediações, sejam judiciárias ou comunitárias. Segundo o autor, esse processo seria uma resposta à crise do modelo racional de regulação jurídica e tenderia a reconhecer um “pluralismo judiciário” ou uma “justiça plural”, inspirados pela diversidade das experiências dos modos alternativos de resolução de conflitos, levados a cabo seja pelo Estado, ao favorecer mediações “diretas” (financiadas pelos poderes públicos com a participação dos cidadãos), seja pela sociedade civil, a partir dos movimentos associativos. O desenvolvimento dessas experiências implicaria um processo flagrante de desjudiciarização, em razão da contratualização das relações sociais feita além dos limites do aparelho judiciário, indicando uma modificação profunda nos sistemas de regulação social. 13 Em pesquisa recente sobre as transformações do direito e da justiça em Portugal, os pesquisadores do Observatório permanente da justiça portuguesa concluíram que tais modificações indicam tanto a emergência da judiciarização quanto da contratualização, sendo os dois levados tanto pela sociedade quanto pelo Estado. Neste belo estudo, os pesquisadores demonstram que os tribunais não são mais o único recurso de uma política pública de acesso à justiça, mas que eles compõem uma nova relação (seja de alternatividade, de complementaridade ou de substituição) entre o judicial e o não judicial. Cf. J. Pedroso, C. Trincão e J.-P. Dias, Percursos da informalização e da desjudicalização, por caminhos da reforma da administração da justiça (análise comparada), Observatório Permanente da Justiça Portuguesa, Centro de Estudos Sociais (CES), Coimbra, 2001, p. 413. A integralidade deste relatório pode ser encontrada no site do CES, www.ces.uc.pt/observatiorios, consultado no 29 de setembro de 2010.

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Weber, era uma realidade palpável, não seria menos evidente que o fenômeno simétrico, a contratualização, iria, sob “os estandartes da liberdade” reduzir a incidência do direito14. Carbonnier afirmaria que: Se fosse necessário decidir, a conclusão poderia ser de que as duas suposições têm sua parte de verdade. Onde a vida privada, íntima, está em jogo, o vento dominante é pela renúncia do direito; em outros domínios, o intervencionismo estatal abunda o direito (e talvez exagere também a ofensa). Esta dualidade é notadamente perceptível nos altos e baixos da repressão criminal. Descriminalizar, que corresponde normalmente a desjudicializar, está em fase com o nosso tempo, no que concerne aos delitos contra os bons costumes e a moral, uma vez que estes se protegem por eles mesmos. Na ordem econômica e social, pelo contrário – a regulamentação dos preços, a legislação do trabalho, etc. – inúmeros comportamentos do empresariado, que eram antes regulados apenas pela lei do lucro e da oferta e da procura, são hoje submetidos ao controle do direito, 15 sobretudo do direito repressivo .

Se a tensão entre juridicização/judiciarização e contratualização continua atual, transformações importantes teriam acontecido nos últimos trinta anos de modo a contrariar o eminente jurista francês. Efetivamente, o autor não poderia, nos anos 70, imaginar a onda atual de criminalização do social e a debilidade das medidas jurídicas para controlar a cupidez dos mercados financeiros16. Por todas essas evidências, parece judicioso partir da hipótese de que as duas realidades não se excluem e fazem parte de um mesmo momento, tendente a redefinir a relação de indivíduos e de grupos à juridicidade, compreendida como a esfera normativa da vida em sociedade, da qual o direito oficial é apenas um elemento, dentre tantos outros, como a moral, a religião, os costumes, os hábitos, os topoi etc.17. Para esta redefinição, lógicas que foram até aqui concorrentes tenderiam, pois, a se harmonizar. As 14

Cf. J. Carbonnier, « Les phénomènes d’internormativité », B. M. Blegvad e al. (dir.), European Yearbook in Law and Sociology, The Hague, Martinus Nijhoff, 1977, 43-53. 15 Ibidem, p. 48. Tradução livre do francês. 16 No Quebec, a criminalização dos habitantes de rua é demonstrada pelos trabalhos de Marie-Ève Sylvestre, La criminalisation et la judiciarisation des personnes itinérantes au Québec: une pratique coûteuse, inefficace et contre-productive dans la prévention de l'itinérance et la réinsertion des itinérants, Dissertação depositada à Commission des affaires sociales du Québec no contexto dos trabalhos da Commission sur l'itinérance au Québec, disponível no endereço www.bibliotheque.assnat.qc.ca/01/mono/2008/11/984072.pdf., consultado em 28 de setembro de 2010. Sobre a criminalização da pobreza na Venezuela, verificar o estudo da ONG venezuelana Red de Apoyo pour la Justicia y la Paz entitulado El crimen de la pobreza. Escritos sobre la criminalización de los pobres, Caracas, 2003, cuja integralidade pode ser consultada no site da Red Latinoamericana y del Caribe de Instituciones de la Salud contra la Tortura, la Impunidad y otras Violaciones a los Derechos Humanos, www.redsalud-ddhh.org, consultado em 28 de setembro 2010. Na Europa, uma tendência semelhante parece se instalar quando da adoção de medidas visando evitar a entrada e permanência ilegal de imigrantes, ainda que sejam europeus, o que se choca particularmente contra o princípio da livre circulação de membros da União Europeia. Deste modo, um projeto de lei italiano de 2009 prevê que toda entrada ou estada ilegal na Itália torna-se um delito passível de multa (até 10.000 euros). Cf. Jornal Le monde, do dia 13 de maio de 2009, consultado em 26 de setembro de 2010 no endereço www.lemonde.fr. Por outro lado, a criminalização dos movimentos sociais no Brasil, notadamente o Movimento dos trabalhadores rurais sem terra (MST), suscita um debate cada vez mais duro entre os defensores e detratores da reforma agrária. 17 Cf. Michel Alliot, Le droit et le service public au miroir de l’anthropologie, textos selecionados e editados por Camille Kuyu, Paris, Karthala, 2003 e E. Le Roy, Le jeu des lois, une anthropologie ‘dynamique’ du droit, Paris, Maison des Sciences de l’Homme, L.G.D.J, Droit et Société, volume 28, 1999.

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inúmeras experiências de mediação judicial realizadas no Brasil, segundo as quais todos os cidadãos podem ter acesso aos direitos pelo intermédio de um procedimento institucional baseado, todavia, em um acréscimo de comunicação e de participação, corresponderia a esse esforço. Esta harmonização coloca, no entanto, uma dificuldade de base, segundo a qual as duas tendências corresponderiam a necessidades frontalmente diferentes para se inscreverem em um mesmo contexto de análise. Assim, o que encorajaria “o aumento da demanda social pelo direito18” (direito oficial) seria, sobretudo, a confirmação da falência de sistemas tradicionais e não governamentais de regulação social (como a família, a escola, os sindicatos etc.), ligada igualmente à multiplicação dos campos passíveis de serem regulados pelo Estado19. Por sua vez, o incremento do recurso à contratualização encontraria justificativa na busca de indivíduos e grupos por autonomia ou em resposta à ação de estados fortes, sejam eles autoritários ou de bemestar social. Assim, tal autonomia seria uma resposta natural às “usurpações que o Estado-providência fez sobre a iniciativa cívica”, segundo Michèle Guillaume-Hofnung20, para quem a mediação consistiria, então, em uma nova forma de “civismo e liberdade pública”. A autora insere sua análise no contexto das sociedades europeias, marcadas nas últimas décadas pelo paternalismo de um Estado de bem-estar social forte. Sua observação pode, no entanto, ser transposta ao contexto das comunidades latinoamericanas do período ditatorial, em que as liberdades civis foram sistematicamente desrespeitadas; assim como à época populista em que o Estado Novo tutelava, das cozinhas às fabricas, a vida dos cidadãos brasileiros. Assim, parece que o dilema entre juridicização/judiciarização e contratualização remete-nos enfim a uma discussão recorrente sobre o papel do Estado na gestão social e 18

A expressão é de J. Faget e pode ser encontrada na obra La médiation. Essai de politique pénale, Ramonville Saint-Agne, Éditions Erès, 1997, p. 57. Do mesmo autor, sobre o impacto da judiciarização dos conflitos sociais sobre o sistema penal, cf. « Les fantômes français de la restorative justice : l’institutionnalisation conflictuelle de la médiation », consultado no endereço eletrônico www.justicereparatrice.org, em 24 de setembro de 2010. Em outro campo, Antoine Garapon et Denis Salas lembram a crise de identidade da justiça de menores em face da dúvida entre um funcionamento mais arbitral ou, ao contrário, mais intervencionista – dúvida esta aumentada pela tendência à juridicização das políticas sociais. Cf. A. Garapon e D. Salas (dir.), La justice des mineurs, Évolution d’un modèle, Paris, L.G.D.J, 1995, p. 1 e s. Na mesma linha de ideias, Jean-Pierre Bonafé-Schmitt demonstra a relação entre a degradação do potencial de socialização e de regulação dos estabelecimentos escolares devido ao crescimento do sentimento de violência e de insegurança entre os alunos. Cf. J.-P. Bonafé-Schmitt, La médiation scolaire par les élèves, Issy-les-Moulineaux, ESF Éditeur, 2000, p. 11-24. 19 Esta multiplicação teria atingido, para alguns autores, os limites de um exagero não justificado, permitindo a intromissão do Estado, pelo intermédio de seu poder regulamentador, em esferas por excelência privadas, mesmo íntimas. Para uma crítica da « juridicização dos costumes », cf. Marcela Iacub, Qu’avez-vous fait de la liberté sexuelle ?, Conte sociologique, Paris, Flammarion, 2002, p. 7 e s. 20 M. Guillaume-Hofnung, « L’émergence de l’exigence déontologique ou la preuve par la déontologie : témoignage d’une pionnière. La déontologie garante de la qualité et de l’identité de la médiation », in Penser la médiation, sous la direction de Fathi Ben Mrad, Hervé Marchal et Jean-Marc Stébé, Le travail social, Paris, L’Harmattan, 2008, p. 79.

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sobre a reconfiguração de suas funções segundo um paradigma de Estado menos centralizado,

no

qual

outras

lógicas

de

participação

e

outros

atores

estão

concorrencialmente em cena. Entre recurso crescente à lei e à estrutura judiciária por um lado, e a necessidade de autonomia para a produção e reprodução social por outro, a confirmação do que Antoine Garapon e Denis Salas chamam de “situação paradoxal21”, segundo a qual seria possível encontrar em nossas sociedades democráticas indivíduos soberanos e em busca, no entanto, de cada vez mais proteção por parte das instituições do Estado. Este paradoxo parece representar adequadamente um período marcado pela fratura, pela transição, em que velhas referências e lógicas foram destituídas sem que novos indicadores tenham sido ainda consolidados e inscritos em um universo de possibilidades comungado coletivamente. As transformações do papel e do lugar do Estado parecem ter importância fundamental nessa transição. Assim é que Michel Alliot, antropólogo do direito francês, lembrará a importância das diferentes cosmogonias e cosmologias para a representação que se faz do Estado e de sua justiça, bem como de suas relações com o indivíduo. As sociedades judaico-cristãs, por exemplo, para as quais o universo é criado por um deus exterior e superior a ele, tenderiam a ver no Estado – o substituto laico desse deus – o recurso primeiro para seus problemas e dificuldades, segundo uma lógica tendendo a desresponsabilizar o sujeito. Tal responsabilidade recairia, no contexto das culturas orientais, inteiramente sobre o indivíduo, responsável por manter o equilíbrio de um universo infinito e eterno, pelo qual nenhum deus exterior pode responder. Esta visão irá incidir naturalmente na maneira segundo a qual tais culturas concebem o Estado, seu direito e sua justiça – recursos últimos à gestão da vida em sociedade. A aversão das culturas orientais ao contencioso, e simetricamente, o apego das culturas ocidentais ao mesmo, encontrariam guarida nessa demonstração. Sustenta-se aqui que, na contemporaneidade, o indivíduo esteja na fratura desses diferentes arquétipos e que, a exemplo do “visconde partido ao meio” de Italo Calvino,

siga

titubeante

entre

lógicas

não

necessariamente

antagônicas,

mas

complementares, rumo a uma redefinição de sua postura com relação não somente ao Estado, mas também ao direito e à justiça dos quais ele é vetor22. Situar-se

e

equilibrar-se

no

cruzamento

de

lógicas

distintas,

embora

complementares, tais como a juridicização/judiciarização e a contratualização, apresentase assim aos meios consensuais de tratamento de conflitos como um desafio 21

A. Garapon e D. Salas (dir.), La justice des mineurs, Évolution d’un modèle… op. cit., p. 8. Para um estudo detalhado destes arquétipos de justiça, cf. M. Alliot, “Anthropologie et juristique. Sur les fondements de l’élaboration d’une science du droit », in Le droit et le service public au miroir de l’anthropologie, Textes choisis et édités par C. Kuyu, Paris, Karthala, 2003, p. 283-305.

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considerável rumo a uma definição dos mesmos que seja tanto inteligível aos cidadãos quanto operante no âmbito da prática de cada meio.

II – A importância dos contextos fáticos para avaliação dos meios consensuais

Como segundo desafio aos meios consensuais aponta-se enfrentar a crítica segundo a qual um poderoso discurso ideológico os qualificaria como a priori e essencialmente benéficos e positivos, desconsiderando-se o contexto fático em que se desenvolvem. Concentro-me aqui na posição veiculada sobretudo pela antropóloga norteamericana Laura Nader23 e em seu conceito de “harmonia coerciva”. Esta autora identifica o movimento mundialmente conhecido por Alternative Dispute Resolution (ADR), nos quais se inscrevem mediação, conciliação e tantos outros, como estando baseado em sistemas de controle cuja retórica se volta essencialmente para a harmonia, a pacificação social e a eficiência. Para Nader, tal retórica faz propagandear e “naturalizar” os meios consensuais como essencialmente bons, e isso em detrimento dos meios jurídicos-judiciários oficiais de tratamento de conflitos. Segundo a autora, tal naturalização tem curso embora, não raro, os meios ditos alternativos sejam vertical e unilateralmente impostos – o que estaria à origem da expressão “harmonia coerciva”. Incensado por influências religiosas tendo conformado e ainda operantes nas sociedades ocidentais, o movimento ADR se focaliza sobretudo na capacidade individual em se transpor conflitos, desconsiderando as condições e as razões de base para o advento dos mesmos, a exemplo das desigualdades de poder entre as partes discordantes24. Assim, ao passo que ignora o potencial transformador do conflito, sufocando-o na necessidade imperiosa de pacificação e harmonia, elege as capacidades individuais de se optar por soluções consensuadas e pacíficas como uma virtude capital. Além de ferir a prerrogativa de igualdade de condições diante da lei, implicando 23

Cf. Laura Nader, “Harmonia Coerciva: a economia política dos modelos jurídicos”, Revista Brasileira de Ciências Sociais, n° 29, ano 9, 1994, p. 18-29. 24 Essas desigualdades se mostram particularmente mais problemáticas quando se consideram situações em que as assimetrias dos discordantes são históricas e difíceis de serem remediadas. Cita-se o risco de “ocultação” e de “privatização” dos conflitos quando do tratamento por meios consensuais da violência ligada ao gênero. Ao tratá-la em cena privada, os meios consensuais confiscariam ao debate um tema que dificilmente se equaciona sem a mobilização da arena pública. Igualmente, evoca-se o risco de “desmobilização” ou de “individualização” dos conflitos, quando do tratamento individual de demandas que têm teor coletivo e podem contribuir à melhoria das condições de vida dos trabalhadores. A diminuição de dissídios coletivos julgados pelos tribunais do trabalho (TST, TRT) desde a década de 90 pode ser índice destes fenomênos. Cf. Jacques Faget, « Les fantômes français de la restorative justice : l’institutionnalisation conflictuelle de la médiation », consultado no endereço www.justicereparatrice.org, dia 5 de janeiro de 2010.

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eventualmente a obtenção de vantagens para os mais avantajados, seja política, econômica ou culturalmente25, outro efeito deletério da “harmonia coerciva” seria o de, por contraste, desabonar os meios oficiais de tratamento de conflito, tais como a adjudicação. Assim, enquanto mediação, conciliação e arbitragem são apresentadas sob o signo da “efetiva participação do sujeito”, da “eficiência”, do “baixo custo” ou da “pacificação social”, as intervenções judiciais sofrem um processo de “diabolização”, ao se anunciarem pouco cooperativas, custosas, anacrônicas, além de muito lentas. Tal distinção pode-se apresentar brutal e endossar uma postura maniqueísta, segundo a qual os meios consensuais seriam reflexo de uma justiça legitimamente equitável, adaptada à contemporaneidade, enquanto a justiça oficial seria uma prática datada, pouco conforme às necessidades e expectativas dos cidadãos26. Subscrever a essa distinção, nesses termos colocada, poderia levar a crer em uma substituição da lógica judiciária a uma outra, puramente negociada. Assim, Vincent de Briant e Yves Palau afirmam que: Com a vontade de substituir o direito pela mediação como instrumento de regulação social se funda um novo princípio de legitimidade social cuja esfera pública não é mais o ator principal. Neste contexto, o papel da sociedade civil organizada notadamente em torno das associações traduz uma inequívoca 27 transformação ideológica .

No entanto, tal “substituição” não saberia se afirmar como algo verdadeiramente vislumbrável. O discurso único em torno dos meios consensuais como recurso para a gestão social seria tanto indesejável quanto o foi o discurso único em torno do próprio direito e justiça de Estado, que, tendo pretendido preencher todos os vazios sociais por uma regulamentação geral e abstrata, pagam hoje preço alto pela pretensão a um universalismo pouco conforme às especificidades das relações contemporâneas. Assim, os limites das diferentes abordagens visando a garantir a integração social levam a crer 25

Neste sentido, Laura Nader afirma que: “Certamente, a história da substituição dos modelos antagônicos por modelos de harmonia não significa que a ideologia da harmonia seja benigna. Pelo contrário, a harmonia coerciva das três últimas décadas foi uma forma de controle poderoso, exatamente devido à aceitação geral da harmonia como benigna. A história das condições que determinam as preferências na solução das disputas são "compromissos móveis" geralmente envolvendo desequilíbrios no poder”. Cf. “Harmonia Coerciva: a economia política …” , op. cit., p. 26. 26 O juiz francês Antoine Garapon lembrava, em 1992, a necessidade de se evitar tal tipo de raciocínio. Segundo suas palavras, e especialmente sobre a mediação : « O discurso atual sobre a mediação se baseia frequentemente sobre representações maniqueístas e ingênuas, concentrando de um lado uma justiça fria, ritual, distante, sem discernimento, devastadora e ineficaz, e de outro lado, uma mediação calorosa, proxima, inteligente, reparadora etc. É necessário tomar cuidado, parece-me (mas sou eu, como juiz, o mais bem indicado para falar disso?), para não fossilizar o ato de justiça sacralizando-o e reduzindo-o a um puro silogismo frio e indiferente aos homens. Seria tanto quanto falso se livrar do problema ao reduzir a mediação a uma simples técnica de pacificação de conflitos à qual se oporia a justiça que se aplica a buscar o justo”. Cf. A. Garapon, « Qu’est-ce que la médiation au juste ? » in La médiation : un mode alternatif de résolutions des conflits, Lausanne, 14 et 15 novembre 1991, Publications de l’Institut suisse de droit comparé, Suisse, Schulthess Polygraphischer Verlag, 1992, p. 213. 27 Cf. V. de Briant e Y. Palau, La médiation. Définition, pratiques et perspectives, Paris, Nathan, 1999, p. 94 e 95.

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que elas deveriam ser adaptadas segundo contextos diversos de aplicação, oferecendose como saídas possíveis, segundo uma divisão do trabalho guiada por um julgamento de oportunidade e adequação. O monismo ideológico que justificou tanto o direito oficial quanto o Estado ao qual ele estava atrelado não é capaz hodiernamente de garantir a legitimidade de ambos. Assim, seria no mínimo anacrônico recuperá-lo para a justificação de uma pretensa supremacia dos meios consensuais para a gestão social. A possibilidade mesmo de se evocar a substituição de um pelos outros demonstra em que ponto a cultura jurídica ocidental, e seus atributos de unidade e de segurança, puderam impregnar o imaginário contemporâneo de todos esses mitos enraizados no binário. Justiça e direito oficiais em excesso encontram um constrangedor equivalente nos meios consensuais em excesso28, a partir de uma rede de intervenções múltiplas que, se impondo aos cidadãos em todos os domínios da vida, podem dissimular a importância do poder público e isso notadamente em setores onde sua ausência causa desequilíbrios e danos consternadores. Assim, o desenvolvimento dos meios consensuais, além da vulgarização da possibilidade de uma prática negociada do direito – “um meio extrajudicial de expressão jurídica29” – deve revestir uma outra função, não menos exigente do que a primeira: contribuir para revelar as potencialidades do próprio direito e justiça oficiais. Para isso, seria necessária uma compreensão, por parte do público de cidadãos, tanto das similaridades quanto das diferenças entre aqueles e os meios consensuais. Meios consensuais de resolução de conflitos não devem se sobrepor ao direito e justiça de Estado, ao contrário, eles devem lembrá-los, em sua especificidade. Longe de ser paradoxal, o fato de demonstrar a importância dos meios compositivos permite igualmente reafirmar a importância da própria justiça instituída, e isso a fim de que as abordagens consensuais, ao privilegiar a emergência de novas normatividades, adaptadas aos casos concretos, não cedam à deriva dos direitos fundamentais; enquanto a justiça e direito oficiais, ao reconhecer a pluralidade dos registros normativos, lembrem, se necessário, o direito de todos. É então judicioso afirmar que os meios consensuais, concebidos como um “novo

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Cf. Jean-Pierre Bonafé-Schmitt, « La médiation : une nouvelle forme d’action », in Médiation et action publique, la dynamique du fluide, J. Faget (dir.), Bordeaux, Presses Universitaires de Bordeaux, 2005, p. 77. 29 Cf. Maria Tereza Fonseca Dias, « Le choix entre jugement et médiation dans la clinique de l’Université d’Ouro Preto », Actes du Colloque Revisiter les relations entre justice étatique et médiation, un enjeu de société, G. Nicolau e C. Silva Nicácio (org.), Université Paris I, juin 2011, no prelo.

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projeto de sociedade30”, não devem se furtar a uma relação estreita com a justiça e direito oficiais, na qual tanto os primeiros quanto os segundos sejam considerados como escolhas possíveis ‒ e não inevitáveis ‒ que se oferecem aos cidadãos na gestão de sua convivência. Se os meios consensuais parecem mais apropriados à administração de alguns tipos de conflitos, por contarem com intervenções mais leves para a criação ou reparação dos laços sociais, a justiça de Estado se apresenta como mais oportuna em situações nas quais se requer a “proclamação do interdito31” para a produção e reprodução de um mundo comum. Dito de outro modo, se a maleabilidade dos meios consensuais faz temer a alguns defensores dos direitos fundamentais um tratamento desigual, a rigidez da justiça oficial se arriscaria, por outro lado, a abrir fendas sociais dolorosas, difíceis de serem transpostas. Assim, poderíamos vislumbrar um contexto em que diferentes abordagens para o tratamento de conflitos, sem se desnaturar, inspirem-se umas das outras, em nome de um direito que encontre na escolha esclarecida dos cidadãos e no senso de adequação sua justificação.

III – O contratualismo versus a desmaterialização do direito

O neologismo não é evidente e uma distinção entre “contratualismo” e “contratualização” se impõe à medida em que a segunda tende a ser utilizada no lugar do primeiro, por sua vez menos conhecido. Assim, Alain Supiot, que responde pela mais atual crítica a respeito do contratualismo, propõe a diferenciação seguinte: O contratualismo, ideia segunda a qual o laço contratual seria a forma mais bem acabada do laço social e teria vocação a substituir os imperativos unilaterais da lei, é um componente da ideologia econômica, que concebe a sociedade como um amontoado de indivíduos munidos de uma única virtude: o cálculo de interesses. A contratualização designa, por sua vez, a extensão objetiva do recurso às técnicas 32 contratuais .

Segundo essa perspectiva, como um contágio, a prática contratual se estenderia a todos os domínios da vida social, veiculando uma mensagem política, cuja matriz é liberal, repousando sobre a igualdade entre indivíduos que contratam livremente. A “missão civilizadora do contrato33” seria assim confirmada por Henry Sumner Maine34, para quem 30

Para uma abordagem aprofundada, cf. Camila Silva Nicácio, « La médiation, un projet de société ? Aux origines du Forum de la société civile sur la médiation », Cahiers d’anthropologie du droit 2010, G. Nicolau (dir.), Paris, Karthala, 2011, p. 193-212. 31 J. Faget, Médiations, les ateliers silencieux de la démocratie, Toulouse, Erès, Trajets, 2010, p. 103. 32 Cf. A. Supiot, Homo juridicus, Paris, Points, 2009, p. 142 e 143. 33 Segundo o autor : “Na esteira do Iluminismo, a ideia assim se instalou segundo a qual este processo de emancipação pelo contrato possuía um alcance universal e se estenderia um dia a todos os povos do novo mundo. Após o processo da descolonização, esses povos foram convidados a se juntar às instituições internacionais que garantissem a liberdade de contratar acima de qualquer fronteira. Acessar a cultura do contrato tornou-se condição sine qua non de acesso à modernidade e ao concerto das nações ». Ibidem, p.

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a evolução social é perfeitamente representada na transição irreversível do status ao contrato35, para se consolidar hoje na figura do contratualismo como o “último avatar do fundamentalismo do Ocidente36”. A abundância contratual resultaria sobretudo de uma “modificação na concepção do lugar do Estado37”, na evolução de um Estado de bem-estar social que impunha sua gestão do social, reduzindo a margem de manobra dos particulares em suas convenções, à sua retirada progressiva e à sua consequência, o crescimento do fenômeno contratual. Assim, a análise corrente sobre a recrudescência desse fenômeno pretende associá-lo à perda da força governamental como reguladora, impotente na tarefa de impor suas normas como legítimas sob o argumento único de que seriam produtos de procedimentos também legítimos vindos do próprio Estado. A justificação final, o “fundamento perdido38” das regras da vida comum deveria ser então buscada junto aos atores privados, cuja fonte maior de expressão se apresentaria justamente na figura do contrato39. Identificado como tal, o contrato faria parte do arsenal de ferramentas da regulação social, do qual os meios consensuais, vindos do supracitado movimento Alternative Dispute Resolution, comporiam um instrumento por excelência. Sucede que, assim definida, a onda contratualisante contribuiria a uma regulação social baseada na pulverização de uma referência jurídica comum, a partir da multiplicação dos direitos individuais. Segundo essa lógica, todas as regras tenderiam a ser transpostas ao domínio dos direitos subjetivos, o que, finalmente, minaria a existência de um quadro comum, identificado em um direito objetivo reconhecido por todos, em que deveriam se inscrever cada um dos direitos subjetivos. Essa visão cataclismática, identificada por Alain Supiot ao movimento promovido pela “análise econômica do direito”, reduziria a humanidade a uma: […] coleção de indivíduos armados dos mesmos direitos (direito ao voto, direito à propriedade, direitos humanos) na competição regida por uma Lei única que é a lei do mercado, quer dizer, a lei da luta de todos contra todos. Uma tal visão das coisas permite desconsiderar a importância do Estado e do Direito, expressões de soberanias locais não tendo mais seus lugares no modelo imperial escondido sob

137. Tradução da autora. 34 Cf. L'ancien droit considéré dans ses rapports avec l'histoire de la société primitive et avec les idées modernes, Paris, Guillaumin, 1874. 35 Cf. Norbert Rouland, Anthropologie juridique, PUF, Paris, 1988, p. 265 e s. 36 Cf. A. Supiot, Homo juridicus…, op. cit., p. 43. 37 Cf. Sandrine Chassagnard-Pinet, Introduction, in Approche critique de la contractualisation, S. Chassagnard-Pinet e D. Hiez (org.), Paris, L.G.D.J, Droit et société, n° 16, 2007, p. 9. 38 Ibidem, p. 14. 39 Segundo A. Supiot : « […] Assim é o credo da ‘globalização’, que celebra em um mesmo movimento as virtudes da livre-troca e aquelas do contrato, conhecido como flexível, igualitário e emancipador, em oposição ao peso do Estado e aos fardos da lei, taxada de rígida, unilateral e servilizante ». Cf. Homo juridicus…, op. cit., p. 142. Tradução da autora.

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a máscara da ‘globalização’ .

Este autor, na esteira de Pierre Legendre41, incumbe-se de demonstrar a maneira pela qual nossa referência ocidental do direito é visceralmente baseada em pressupostos dogmáticos. Do significado do ser humano, passando pela consolidação do império das leis para chegar aos argumentos que justificam a força obrigatória da palavra, existiria, de maneira persistente, a referência às crenças fundadoras do Ocidente. Assim, a exemplo do registro religioso romano-canônico, que foi substituído pelo Estado burocrático no passado, este o seria, por sua vez, pela crença no poder de regulação do mercado, que se impõe assim, hodiernamente, com a força de um credo, como fundamento último do Direito, segundo o movimento Law and Economics42. Sobre a suposta emancipação do contrato da referência dos Estados, Alain Supiot retorna em um outro trabalho: Ainda ontem Garantidor único das trocas, o Estado representa hoje na cena internacional um obstáculo às trocas. A ideologia da globalização, alimentada pela desregulamentação dos mercados, torna suspeito tudo o que em direito internacional privado força a vincular um contrato a uma dada lei nacional. Este direito, em que se inventou no século passado o princípio da autonomia da vontade, aparece hoje como o ferro de lança da desnacionalização do direito dos contratos; o princípio que se afirma é o de que a vontade contratual deve ser livre 43 para escolher seu Garantidor .

Assim, a noção de pacta sunt servanda, originalmente de fatura medieval, obrigando ao respeito da Verdade e da Lei divinas, posteriormente de fatura governamental, impondo o respeito às formas legais burocráticas, cede lugar às leis da economia, erguendo-se em leis fundadoras da força obrigatória do contrato, às quais se empresta “um valor universal44”. Essa transformação não seria sem impacto sobre a questão da heteronomia do 40

Ibidem, p. 29. A corrente da análise econômica do direito ou Law and Economics, desenvolvida nos Estados Unidos nos anos setenta, interroga a eficácia econômica das decisões dos agentes econômicos (indivíduos, empresas, etc.), segundo o critério da maximização dos objetivos econômicos visados pelas decisões. Dito de outra maneira, esta corrente entende que outros ramos do direito, além do direito econômico, podem ser compreendidos e analisados a partir das ferramentas da ciência econômica. Cf. Ejan Mackaay, L’analyse économique du droit, I, Fondements, Bruxelles, Bruylant, Montréal, Les Éditions Thémis, 2000. Desdobramentos desta concepção podem ser observados na teoria da “quebra eficiente do contrato” ou “efficient breach of contract”, segundo a qual não há diferença entre executar os compromissos de um acordo e reparar sua violação. À Alain Supiot só restaria lamentar, pois: “[…] um mundo onde cada um se encontra respeitoso de seus compromissos à medida em que ele possa tirar proveito disso, é um mundo onde a palavra não vale mais nada. […] As lamentações sobre a degradação da coesão social são apenas um simples embuste quando nos dedicamos a arruinar a função instituinte do Direito e a privar assim os homens de referências suscetíveis de dar um sentido comum à ação de cada um”. Cf. A. Supiot, Homo juridicus…, op. cit., p. 174 e 175. 41 P. Legendre, Sur la question dogmatique en Occident, Paris, Fayard, 1999, p. 123 e s. 42 Este movimento, afirma A. Supiot, tenderia a generalizar a todo comportamento humano uma certa “antropologia rústica do direito dos contratos”, segundo a qual cada indivíduo sabe o que ele quer e o que vale mais à pena para ele. Cf. Homo juridicus…, op. cit., p. 143. Uma tal referência ocasionaria importantes danos sobretudo no domínio do direito do trabalho, tal como o autor demonstra em sua mais recente obra, cf. L’esprit de Philadelphie, la justice sociale face au marché total, Paris, Seuil, 2010. 43 Cf. A. Supiot, « La relativité du contrat en questions », in La relativité du contrat, Actes du colloque organisé avec le concours de la Maison des Sciences de l’Homme Ange Guépin, Association Henri Capitant des amis de la culture juridique française, L.G.D.J, 2000, p. 214. 44 Cf. A. Supiot, Homo juridicus…, op. cit., p. 145.

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direito, que, segundo A. Supiot, é o que permite pensá-lo como “uma estrutura que, à maneira de uma língua, transcende os indivíduos e as gerações, impondo-lhes o respeito de um sentido comum e tornando assim possível a expressão de seus acordos e desacordos45”. À heteronomia do direito se contrapõe a autonomia da vontade em nome da economia de mercado: além do paradoxo inevitável inscrito na dependência entre autonomia e heteronomia46, a hegemonia exclusivista de uma noção contratualisante do direito levaria tanto ao individualismo à origem da “guerra de todos contra todos” quanto à degradação do repertório dos direitos ditos inalienáveis e ao fracasso da função tanto instiuída quanto instituinte do direito47.

Conclusão

Desde as décadas de 80 e 90, estudos sólidos sobre a justiça no Brasil indicavam uma situação de esgotamento das vias judiciárias. Cito, por exemplo, o trabalho fundador de José Eduardo Faria48, em que aponta para o improvável: a pouca responsividade da Justiça no Brasil está ligada principalmente às grandes corporações e às entidades do próprio governo brasileiro, que obstruem, com uma enxurrada de processos, os tribunais. De outro lado, Maria Tereza Sadek49, em trabalho mais recente datado de 2007, lembra que apenas 33% das pessoas envolvidas em conflitos buscam os tribunais para resolvêlos e previne para o drama institucional ocasionado pelo aporte eventual das demandas daqueles que não procuraram até aqui a Justiça, mas que se decidem a fazê-lo. Ou seja, o problema do acesso à justiça no Brasil, seja ele material, processual ou simbólico, ainda carece de cuidado e de muito investimento. Assim, o presente trabalho reconhece os meios consensuais de tratamento de conflitos como uma das soluções

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Alain Supiot, « Les deux visages de la contractualisation : déconstruction du Droit et renaissance féodale », in Approche critique de la contractualisation, S. Chassagnard-Pinet e D. Hiez (org.), Paris, L.G.D.J, Droit et société, numéro 16, 2007, p. 22. 46 Sobre a noção de pacta sunt servanda : « A autonomia da vontade seria juridicamente impotente sem essa regra altamente heterônoma ». Cf. A. Supiot, Homo juridicus…, op. cit., p. 146. 47 Neste sentido e na esteira de Pierre Legendre, o autor lembra a função de Interdito revestida pelo direito: “Como todo e qualquer outro sistema normativo, o Direito reveste uma função de Interdito: ele é uma Palavra que se impõe a todos e se interpõe entre cada homem e sua representação do mundo […] O Direito tornou-se assim uma técnica do Interdito. É uma técnica porque seu sentido não está restrito à palavra de um Texto sagrado e imutável, mas procede, a exemplo de todo outro objeto técnico, de fins que lhe são dados externamente pelo Homem, fins humanos e não divinos. Mas é uma técnica do Interdito, que interpõe, nas relações de cada um à sua alteridade e ao mundo, um sentido comum que o ultrapassa e o obriga, e faz dele uma simples argola da cadeia humana”. Ibidem, p. 30 e p. 174 e 175. 48 J. E. Faria, O poder judiciário no Brasil, paradoxos, desafios e alternativas. Brasília : Conselho da Justiça Federal, Série Monografias do CEJ, n°. 3, 1995. 49 M.-T. Sadek e R. Bastos Arantes, « A crise do Poder Judiciario e a visão dos juízes », Revista USP, São Paulo, 2007, v. 21, p. 39.

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legítimas para contribuir ao aprimoramento necessário a este acesso50. Faz-se aqui, entretanto, e pelo intermédio dos três impasses e desafios elencados, um apelo à prudência: à justiça formal não cabe julgar todas as questões que lhe são endereçadas, ao passo que os meios consensuais não podem e não devem resolver todas as questões que lhe são levadas a conhecer. É necessário senso de adequação e de oportunidade, como também ações pedagógicas visando a sensibilizar o público de cidadãos sobre a existência de diferentes mecanismos de regulação, bem como suas particularidades e limites. Neste contexto, a “onda conciliatória” inaugurada pelo Conselho Nacional de Justiça em 2006 e alimentada a cada ano por este CNJ por meio dos Tribunais brasileiros destaca-se, em uma primeira leitura, como não somente necessária mas sobretudo bemvinda, pois que constitui uma reação crucial à melhoria de uma prestação jurisdicional que há tempos não corresponde aos anseios cidadãos de presteza, eficácia e participação. Por outro lado, essa mesma “onda” não pode olvidar que, na seara da composição de conflitos, existem desequilíbrios flagrantes, marcando a posição entre desiguais, seja com relação a um maior capital econômico, político, cultural ou mesmo simbólico51. Como se demonstrou, a forte tendência ao contratualismo nas sociedades ocidentais, identificada nas práticas consensuais ou compositivas de resolução de conflito, longe de se erigir em prova de boa saúde da autonomia e emancipação destas sociedades, pode, inversamente, denunciar um déficit importante na função instituinte da justiça e do direito estatal. Libertos de seu dever com relação a Deus e à tradição, os indivíduos encontrariam apenas na felicidade própria a cada um o critério do que é justo, bom e desejável. As obrigações seriam assim fundadas unicamente no acordo dos obrigados, ao passo que tal acordo tornar-se-ia condição suficiente de existência da obrigação. Porém, como se afirmou, “um mundo onde cada um se encontra atrelado a seus compromissos apenas à medida em que isso lhe convém, é um mundo em que a

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Para uma rica abordagem francesa sobre as dificuldades de acesso à justiça, cf. Gilda Nicolau, « Inaccessible droit ! », Revue de la recherche juridique Droit prospectif, Presses universitaires d’AixMarseille, 1998-1, n° XXIII-72, p. 15-49 e « Que fa ut-il entendre par accès au droit ? », in L’accès au droit, Fabrice Leduc (dir.), Tours, Université François Rabelais, 2002, p. 2-39. 51 A Resolução n° 125 do CNJ, ao estabelecer as diret rizes de implantação dos Centros Judiciários de resolução de conflitos e cidadania, prevê o funcionamento de um setor fundamental: o setor de triagem e encaminhamento. Eis aqui o coração de tal normativa. Paralelamente às ações desse setor devem-se alinhar intervenções pedagógicas junto à população para que, esclarecida, assegure-se de ter escolhido o meio mais adequado para administrar seus conflitos.

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palavra não tem mais valor52”, em que a multiplicação de direitos se confunde com a mercantilização de direitos. Evitar tal mercantilização figura como o desafio maior aos meios consensuais e está intimamente ligado ao segundo desafio aqui enunciado, qual seja o de evitar a naturalização de tais meios como, a priori e de toda evidência, benéficos e positivos, desconsiderando-se os contextos fáticos de aplicação. A esses dois desafios soma-se o primeiro que se apresentou, exigente como os outros: fazer com que os meios consensuais se equilibrem no entre-dois de uma busca cidadã que aponta ora para a tutela do Estado, ora para a emancipação e para a autonomia do indivíduo. Tal busca traduz o anseio por uma justiça mais participativa ou para uma “administração plural da justiça53”, em que o “falso dilema54” entre lei e contrato deve ser denunciado, haja vista a importância de ambos para a regulação social. Se as leis gerais e abstratas nos permitem a construção e renovação de um mundo-comum, os contratos autorizam a manifestação da autonomia e da responsabilidade das partes. Harmonizar esses dois diferentes registros impõe-se igualmente como um desafio, ao preparar a “evolução” pressagiada por Alain Supiot, da qual os meios consensuais fazem parte, mas igualmente o direito e a justiça de Estado: Não se pretende mais poder ditar do exterior as regras de bem comum, mas não se admite tampouco, ao contrário do que sugerem os ideólogos liberais, que o interesse geral possa resultar espontaneamente da busca de cada um por seu interesse particular. Para resolver esse aparente dilema, introduz-se um quadro normativo que obriga os atores do sistema, não somente a participar ativamente na definição e na implementação das regras do bem comum, mas também a contribuir à sua revisão constante em função dos ensinamentos que sua implementação e operação aportam. Essa evolução é paralela a uma transformação de nossos conceitos jurídicos de base: de um lado, a lei se torna uma lei relativa, cujo sentido depende das convenções que a preparam ou a implementam; de outro, o contrato se transforma em instrumento que submete a vontade das partes a imperativos que a ultrapassam. Dito de outro modo, a soberania não se transporta do Estado para as partes contratantes. A soberania do Legislador declina, mas em troca de uma liberdade contratual que é canalizada 55 e programada .

Referências bibliográficas ALLIOT, Michel. Le droit et le service public au miroir de l’anthropologie. Textes choisis et édités par C. Kuyu. Paris: Karthala, 2003. 400p. 52

Cf. A. Supiot, Homo juridicus, op. cit., p. 174. Em outro texto, este mesmo autor sentencia que “o Estado de direito é incompativel com o mercado das normas”, cf. L’esprit de Philadelphie, la justice sociale face au marché, op. cit. 53 Para uma abordagem mais abrangente, cf. C. Silva Nicácio, “Direito e Mediação de conflitos: entre metamorfose da regulação social e administração plural da justiça?”, Revista do Tribunal Regional do Trabalho, 3° Região, n° 83, janeiro a junho de 2011 , p. 79-108. 54 Cf. Alain Supiot, « Un faux dilemme : la loi ou le contrat ? », Droit Social, 2003, p. 59-71. 55 Ibidem, p. 63 et s.

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Como citar este artigo : NICÁCIO, Camila Silva, “Desafios e impasses aos meios consensuais de tratamento de conflitos”, in Luiz E. Gunther e Rosermarie D. Pimpão (dir.), Conciliação, um caminho para a paz social, Curitiba: Juruá Editora, 2012, v.1, p. 25-46.

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