Desafios Ecosóficos e Ecopedagógicos na Educação Contemporânea

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DESAFIOS ECOSÓFICOS E ECOPEDAGÓGICOS
DA EDUCAÇÃO CONTEMPORANEA


Arthur Lima da Silva
UNEB/DEDC/CAMPUS VIII/PPGEcoH
[email protected]



1. Introdução

Inicio este título com uma pequena parábola escrita pelo autor e escritor
brasileiro Paulo Coelho, que se intitula "Aprenda a cuidar de si mesmo".

Um discípulo se aproxima do mestre.
- Durante muitos anos busquei a iluminação. Sinto que estou perto. Quero
saber qual o próximo passo.
- E como você se sustenta? – perguntou o mestre.
- Ainda não aprendi a me sustentar; meu pai e minha mãe me ajudam.
Entretanto, isto são apenas detalhes.
- O próximo passo é olhara para o sol por meio minuto – disse o mestre.
O discípulo obedeceu. Quando acabou, o mestre pediu que descrevesse o campo
à sua volta.
- Não consigo vê-lo, o brilho do sol ofuscou meus olhos – respondeu o
discípulo.
- Um homem que apenas busca a luz e deixa suas responsabilidades para os
outros, termina sem encontrar a iluminação. Um homem que mantem os olhos
fixos no sol termina cego.

A metáfora de alguém que está fixado na busca da iluminação e acaba por
ficar impedido de enxergar claramente o que está ao seu redor por olhar
diretamente para o sol, fonte de toda a luz, traduz a situação do
pensamento científico que, na busca da revelação da verdade do real, do que
está por trás da trama que tece o tecido do mundo, acaba por esquecer-se de
responsabilizar-se, de refletir sobre as outras dimensões que caracterizam
sua totalidade, uma totalidade humana na jornada da manifestação do mundo
através de si, do outro e da natureza.

Nessa busca do vislumbramento do átimo primordial, que a tudo deu origem, e
a partir de uma concepção maquínica de funcionamento da natureza, passou-se
a acreditar que a única forma possível de se conhecer um continente seria
pela dissociação incessante de seus conteúdos, pela análise, a disjunção, a
segregação, a separação, o esmiuçamento e a decomposição anatômica e
cadavérica de suas partes constituintes (como a iluminação ao discípulo
parecia ser tão simplesmente uma questão de passos a serem seguidos, de
estágios a serem cumpridos), fragmentando a subjetividade humana, as
sociedades, as famílias, os espaços públicos de convivência, nossos
sentimentos, valores tanto naturais quanto humanos, para se conseguir a
iluminação através da verdade, o domínio do mundo, da natureza e do humano
pela razão, pela iluminação das sombras (expressões que caracterizam o
período histórico conhecido por iluminismo, ao defender exatamente estas
ideias, onde o pensamento científico se consolidou e floresceu para dominar
as formas de pensar e dizer o que são as coisas por mais de três séculos).

Foi exatamente o degredo das outras dimensões humanas para dar lugar ao
triunfo do reinado imperioso e absoluto da razão sobre todas as demais
faculdades humanas, dentre elas, a criatividade, a poética, a
inventividade, enfim, uma subjetividade ampla da experiência humana
manifestada no mundo, que caracterizou a história do método científico;
assemelhando-se a uma ave desejosa de voar utilizando apenas uma asa,
ignorando uma ação conjunta para um voo perfeito. Três séculos depois, a
negação destas dimensões humanas acabou por nos colocar diante de problemas
de ordem sociais, políticos, econômicos, humanitários, ambientais, etc.
claramente observáveis na contemporaneidade e que agora necessitam de
ferramentas mais complexas na busca de suas compreensões e superação.

Os problemas decorrentes da escolha do uso destas lentes veio nos mostrar
que a totalidade da natureza, do humano e do universo está bordada em uma
rede inextrincável, um filigrana de pontos e tramas sutis que constituem a
complexidade da existência de tudo e que, se se deseja compreender de fato
a complexidade do real, se é que e possível, ou ao menos aproximar-se de
tal verdade, é necessário afastar-se, observá-lo de cima; como um
telescópio que, ao focalizar nos detalhes de um corpo celeste impede a
visão ampliada da totalidade e da imensidão do universo; e mesmo ao
contrário, impede a visão detalhada do corpo celeste ao direcionar seu foco
escópico à contemplação da imensidão e da infinitude do espaço.

A essa noção de complexidade, somemos os conceitos da teoria geral dos
sistemas, onde em um sistema aberto seu 'equilíbrio' dinâmico, ou seja, seu
funcionamento normal reside exatamente na presença de um 'desequilíbrio',
de um fluxo alternante, dinâmico e funcional entre o que está in e o que
está out; e que tais características apenas se revelam quando suas partes
estão atuando conjuntamente, isto é, em um sistema aberto apresentam-se
características específicas que não estão presentes quando suas partes
constituintes são isoladas, indicando que o todo pode ser compreendido
analisando e separando suas partes para observá-las, mas de nenhuma forma o
somatório das respostas das análises isoladas das partes corresponderá à
compreensão in totum do fenômeno investigado, de forma que algumas
características e propriedades inerentes á constituição do todo só se
revelam quando de sua composição e funcionamento em sua completude (MORIN,
2011).

A educação na contemporaneidade necessita ultrapassar estas barreiras
epistemológicas e promover uma educação integrante e integralizante, que
esteja centrada em uma reflexão dos processos de conhecimento; das nossas
próprias condições humanas de aquisição e de produção do conhecimento; da
temporalidade e da falibilidade destes saberes sistematizados; promovendo
uma reunião das dimensões humanas para uma compreensão integral de si
enquanto subjetividade em processo; o respeito aos outros seres como
extensão de mim e por onde e através de quem eu me faço e me refaço
cotidianamente; e da natureza, local de manifestação do sagrado em cada um
de nós, de uma interação harmônica e complementária com o lugar no mundo
onde construímos, praticamos, refletimos e reconstruímos nossa
subjetividade, possibilitando a continuidade da vida no planeta terra.


2. Referencial Teórico

2.1 Crise, ambientalismo, educação e (des)caminhos

É impossível estabelecer um episódio histórico, uma ruptura conceitual que
indique o exato momento em que a espécie humana inicia sua intervenção no
ambiente onde vive, de modo que sua intervenção no meio natural se dá desde
a sua pré-existência; da mesma forma, um ambiente natural só assim o é por
que há uma intervenção dos seus significantes. Do contrário, seria um nada.
Entretanto, só nos é necessário observar as relações ocorrentes entre
espécies animais e vegetais no meio natural, bem como suas conexões com os
fatores abióticos, interatuando com o meio ao redor, para ter condições
suficientes de afirmar que, de fato, ainda hoje assim o é. Toda a história
humana é notadamente a história da alteração de tudo, uma história das
transformações dos espaços, de sua natureza, dos indivíduos e de seus
coletivos.

Dentre as marcas deixadas por essa espécie que carrega consigo a
necessidade de deixar marcas para conseguir se refletir, uma marca em
especial ganhou notória importância nas discussões mundiais nos últimos 50
anos: o avançado do grau de alteração dos ambientes naturais que permitem
as condições físico-químicas e biológicas que possibilitam a existência da
vida dessa espécie, na forma como a conhecemos. Analisando o diagrama das
necessidades formulado por Maslow, onde estabelece que as necessidades
biológica/fisiológicas são sempre a base da pirâmide e necessidades da
ordem da espiritualidade, das relações sociais, educação e meio ambiente
estarão nos seus estágios superiores, percebemos uma imanência fisiológica
e uma transcendência destas outras necessidades. Uma avaliação possível das
bases que inspiraram o autor a propor este diagrama é possivelmente objeto
de outro estudo, mas certamente não estamos falando de uma espécie que é
apenas biológica (ente). Trata-se de uma espécie múltipla, complexa (ser),
que possui inúmeras dimensões (social, psíquica, cultural, politica,
espiritual, etc.) além daquelas que as teorias biologizantes lançam mão ao
buscar compreendê-la, reduzindo-a.

Foi exatamente este alto grau de complexidade, da existência e das relações
entre estas dimensões surprabiológicas, que levou a espécie humana a
construir um cenário onde sua própria existência encontrar-se-ia em
reflexão quanto ao grau de ameaça às condições que possibilitam sua
existência sobre a fina e tênue camada de vida no planeta, a biosfera.
Destas preocupações tem origem o ambientalismo, movimento político
ideológico que tem como objetivo central a defesa das condições naturais
dos ecossistemas enquanto lugares que fornecem serviços ecológicos que
possibilitam as nossa existência.

Permeada por uma longa história de discussões teórico-conceituais, que não
cabem neste espaço, em pouco tempo o discurso ambiental ganhou uma enorme
dimensão em todo o planeta, delineado por um discurso igualmente romântico
e quase religioso de defesa dos ecossistemas naturais, onde em casos mais
radicais defendia, inclusive, a expulsão dos seres humanos de áreas
naturais e sua própria extinção. Essa construção dicotomizada e antitética,
uma radicalidade presente em muitos dos discursos ambientais e juntamente
com a importância e o destaque que tem alcançado em todo o mundo nos
últimos anos, trouxeram-lhe consequências negativas que tem sido alvo de
diversas críticas e recebido, inclusive, batismos populares de cunho
pejorativo, como ecochatos ou biodesagradáveis.

Contudo, os problemas causados pelas ações humanas aos ecossistemas
naturais se fazem urgentes nas pautas preocupadas com a qualidade de vida
de suas populações, quase sempre ameaçadas pela crescente sobre-exploração
dos recursos naturais e a geração de resíduos provenientes do descarte de
materiais agregados aos objetos de consumo. Nos dois casos, há um só motivo
de alimentação positiva, os elevados padrões de consumo de produtos pelas
sociedades.

Em um quadro de prognósticos negativos, levemos em consideração mais três
fatores: o crescimento populacional exponencial; o aumento das taxas de
consumo de mais produtos pelos indivíduos que estão a chegar, em curto
prazo; e o crescente e contínuo aumento nos padrões de consumo das
sociedades de economias emergentes, estimulados cotidianamente por ações de
marketing subliminares que transformam desejos e supérfluos em necessidades
quase que indispensáveis, reificando a dimensão subjetiva em um ato de
consumo coletivo. O consumo em nossa sociedade deixou de ser um ato de
manutenção das condições mínimas da vida para se tornar um ato social,
político e ideológico. Sobrepujou uma economia da bioquímica corpórea para
se tornar uma economia do principio de prazer da libido psicanalítica. Para
nós, os mecanismos de retroalimentação natureza/humano estão sendo
subestimados, ou mesmo foram desoperados, desestruturados, deslocados para
dar lugar aos paradigmas vigentes nas sociedades crísicas. Os paradigmas
racionalizantes, analíticos e reducionistas já não conseguem dar conta de
uma crise que envolve a subjetividade das naturezas humanas, sintéticas e
extremamente complexas e é nessa assunção que cremos ser possível o
nascituro de um paradigma emergente que seja capaz de tratar com mais
amplitude, e até mesmo dar conta, dos problemas da agoridade.

Diante destas forças, a humanidade se encontra em uma encruzilhada ética e
a única via para alterar esse cenário é, ainda, a educação. Mas qual
educação? Não cremos que seja uma educação centrada em uma escola de bases
reprodutivas, improdutiva do ponto de vista da formação de subjetividades e
eficiente do ponto de vista da reificação destas; uma educação que parece
estar mais a serviço das forças de opressão social, formando oprimidos
juniores com potencialidades opressoras, que da formação de potências, como
em Maffesoli, que irão contribuir para o aumento das desigualdades e de
relações injustas, do ponto de vista da justiça humana; uma educação que
forma indivíduos com um viés estritamente burocrático, objetivantes,
técnicos e que dispensam a criatividade, a imaginação, a metáfora, a poesia
como elementos importantes no processo criativo humano e, inclusive, na
construção do saber cientifico; que compreende a quantidade de conteúdos
acumulados pelo indivíduo como um mérito, mas que não conseguem compreender
como aplicar estes conhecimentos técnicos na vida cotidiana, no senso
comum, que é de onde nasce todo saber científico.

Estes modelos homogêneos de educação nos trouxeram até esta condição de
produção de subjetividades homogêneas, de uma análise mecanicista do mundo,
e certamente não poderá avaliar suas consequências negativas, e tampouco,
superá-las, a partir das complexidades e das interações múltiplas com as
quais a humanidade tem se deparado na atualidade. A maiêutica socrática,
assim como a heurística grega, sempre nos agradou do ponto de vista da
produção de subjetividades possíveis (GUATTARI, 2004), pois serão estas que
se colocarão no mundo no sentido de construí-lo, de transformá-lo, de
alterá-lo em direção aos caminhos que a nova humanidade demanda das
estruturas sociais modernas. Não poderão fazê-lo indivíduos reprodutores
que tem como objetivo de vida a garantia do alimento, da água e do abrigo,
apesar de considera-los preocupações importantes e legítimas.

O modelo capitalista dá claros sinais que começa a colapsar, mesmo havendo
quem afirme que as crises fazem parte da própria estrutura do capital, como
uma estratégia de aumento da "fome" por novos investimentos bilionários e
da orientação para estes novos investimentos de acordo com os 'ventos não
casuais' (leia-se as tendências do mercado financeiro) da economia moderna,
tão dinâmica e volátil, para não dizer holográfica, saindo mais fortalecido
das crises (MORIN, 2011). A credibilidade dos trabalhadores americanos e
europeus nas instituições financeiras diminui a cada dia em um período de
10 anos.

No Brasil, cerca de 80% dos jovens que ingressam nas universidades admitem
o interesse único de estar ali para se tornarem servidores públicos através
de concursos públicos. Mas o setor público não gera divisas para o país, e
com o aumento do número de servidores públicos o setor privado necessita
gerar mais divisas para a economia interna e, para tal, o público
estabelece parcerias público/privado e precisa 'fechar o olhos' em nome da
garantia das divisas geradas, se colocando à disposição das empresas
privadas e se esquecendo de seus compromissos prioritários com a garantia
dos serviços básicos dos cidadãos, colocando em cheque a soberania dos
governos nacionais.

Karl Popper nos afirmar que a ciência só é possível quando há um problema e
que ela mesma é nada mais que a arte de encontrar explicações para os
problemas (POPPER, 1978). Cremos que em face de todas estas articulações
nestes espaços de disputas e seus reflexos na vida social, politica,
econômica, cultural e ambiental dos países surgirão às inovações
educacionais que irá formar os atores do futuro, que não estarão atrelados
aos interesses exclusivamente capitais entre o público/privado, mas que
desejarão alterar a face do mundo por vias mais solidárias, éticas e
humanitárias. E estas somente se darão através de uma revolução nos
processos educativos (político, social, cultural, familiar, etc.), nos
espaços de produção de subjetividades que possam fazer frente às redes das
tramas ideológicas das estruturas vigentes de poder. Duas destas propostas
de educação holística e integrada são propostas pela Ecopedagogia de Moacir
Gadotti et al. e as ecologias das subjetividades humanas e sua complexidade
pela Ecosofia de Félix Guattari, as quais nos deteremos a seguir.

2.2 Ecopedagogia

Diante dos problemas sócio-históricos pontuados, a ecopedagogia começa a se
construir como um movimento social e político no seio da sociedade civil,
da organização tanto de educadores quanto de ecologistas e de trabalhadores
e empresários, preocupados com o meio ambiente ao fazer frente aos
paradigmas que referendam as ações espoliativas do humano, da sociedade e
da natureza.

Suas primeiras inquietações se dão ainda no sentido das discussões do
movimento ambientalista na década de 70 e se encontra com as teorias
educacionais, impressionantemente novas e revolucionarias, do educador e
pensador brasileiro Paulo Freire. Na década de 90 seus anseios vão se
encontrar com as intensas agitações causadas pela realização da Conferência
das Nações Unidas para o Meio Ambiente e o Desenvolvimento (CNUMAD), no Rio
de Janeiro, 1992, mais conhecida como Eco 92/Rio 92, onde representantes de
mais de cem países se reuniram e se ocuparam em discutir os rumos do
desenvolvimento socioeconômico mundial e os impactos destas ações nos junto
aos ecossistemas naturais do planeta.

As discussões sobre desenvolvimento socioeconômico e a finitude dos
recursos naturais já se ganhavam destaque desde os anos 60 do século XX com
a publicação de documentos que discutiam essa questão, como o artigo 'The
Tragedy of the Commons' (1968), de autoria de Garrett Hardin; 'The Limitts
of Growth' (1972) estudo contratado pelo Clube de Roma; 'Our Commom Future'
(1987), que ficou mais conhecido como Relatório Brundtland. Contudo, este
movimento encontra nesse cruzamento histórico as condições favoráveis para
se destacar, posto que não se propõe a ser uma teoria reducionistas, como
as que haviam aparecido até então.

Os movimentos ambientalistas mais radicais defendiam taxas de crescimento
zero para alguns países, e outros ainda defendiam a retirada de pessoas de
certas áreas de proteção. Por sua vez, os desenvolvimentistas acreditavam
que a única forma de reduzir o impacto das populações sobre a natureza
seria o aumento da qualidade de vida das populações dos países ditos
'subdesenvolvidos', entenda-se, aumento do poder de consumo das classes com
menor poder aquisitivo, típica estratégia de capital. As teorias propostas
até então não passavam de resoluções radicais, simplistas e dicotômicas que
não poderiam resolver, de fato, a natureza desta problemática.

Entre o os desenvolvimentistas e os 'sustentabilistas', e orientando-se nos
princípios da Carta da Terra, a ecopedagogia começa a se fazer reunindo os
conceitos de desenvolvimento e de sustentabilidade, discutindo-os
criticamente, mas propondo a superação de uma visão dicotomizada para uma
visão pluriperspectival, com uma educação para uma cidadania e uma
solidariedade planetárias, através de uma formação humana integral para uma
atuação local e global. Na verdade, a planetaridade, ou a consciência de
que pertencemos a uma única comunidade de vida, é um dos princípios
característicos da ecopedagogia, juntamente com a sustentabilidade e a
transdisciplinaridade. Uma noção de condição planetária, de convivência
harmônica com si, com o outro e com a natureza, transversalizado por
valores como ética, igualdade, respeito, justiça humana, respeito étnico,
cultural, gênero e ambiental, caracterizam de forma genérica a
ecopedagogia.

Para Gadotti (2001), a ecopedagogia parte de uma consciência planetária
(gêneros, espécies, reinos, educação formal, informal e não formal), [...]
se colocando na direção do homem para o planeta, acima de gêneros, espécies
e reinos. De uma visão antropocêntrica para uma consciência planetária,
para uma prática de cidadania planetária e para uma nova referência ética e
social: a civilização planetária (ibid.). Seu intento nuclear é desenvolver
um novo olhar sobre a educação, um olhar global, que forneça ao sujeito uma
nova maneira de ser e de estar no mundo, um jeito de pensar a partir da
vida cotidiana, que buscar sentido a cada momento, em cada ato, que 'pensa
a prática' (Paulo Freire), em cada instante de nossas vidas, evitando a
burocratização do olhar e do comportamento. De fato, arriscaríamos a
afirmar que, parafraseando o poeta Fernando Pessoa, a ecopedagogia traz em
si todos os sonhos de todas as subjetividades humanas.

Exatamente por isso, não se trata de uma pedagogia que se resume à
aplicação no espaço escolar, tampouco está direcionada aos educadores
apenas, mas a todos os habitantes da terra. Gadotti (2001) afirma que A
escola pode contribuir muito e está contribuindo, mas a ecopedagogia
pretende ir além da escola: ela pretende impregnar toda a sociedade. Para
ele, a ecopedagogia não faria nenhum sentido se fosse apenas mais uma
proposta pedagógica trazendo em seu escopo um tema transversal, o do meio
ambiente, mas só tem sentido enquanto um projeto alternativo global, cuja
preocupação não está apenas na preservação da natureza (ecologia natural)
ou no impacto das sociedades humanas sobre os ambientes naturais (ecologia
social), mas em um novo modelo de civilização sustentável do ponto de vista
ecológico (ecologia integral) que implica uma mudança nas estruturas
econômicas, sociais e culturais, alterando as configurações das relações
humanas, sociais e ambientais atuais (GADOTTI, 2001).

Como proposta de vida demanda uma mudança radical das mentalidades em
relação a conceitos como qualidade de vida e meio ambiente, que está
diretamente ligada ao tipo de convivência que mantemos como nós mesmos, com
os outros e com a natureza. Identifica-se a um projeto utópico de mudança
das relações humanas, sociais e ambientais, promovendo uma educação
sustentável e ambiental com base no pensamento crítico e inovador em seus
modos formal, não formal e informal, tendo como propósito a formação de
cidadãos com consciência local e planetária que valorizem a
autodeterminação dos povos e a soberania das nações. Gadotti (ibid.) afirma
que sua construção é a de uma cultura para a sustentabilidade, uma
biocultura, uma cultura de vida da convivência harmônica entre os seres
humanos e estes e a natureza, pois o meio ambiente forma tanto quanto ele é
formado ou deformado.

Como proposta ético-política enxerga uma nova forma de governabilidade
diante da ingovernabilidade do gigantismo dos sistemas de ensino propondo a
descentralização e uma racionalidade baseadas na ação comunicativa, na
gestão democrática, na autonomia, na participação, na ética e na
diversidade cultural, refletindo-se como uma nova pedagogia dos direito,
dos direitos humanos e planetários, impulsionando o resgate da cultura e da
sabedoria popular. Propõe, ao mesmo tempo, uma valorização da diversidade
cultural, garantias para a manifestação ético-política e cultural das
minorias étnicas, religiosas, políticas e sexuais, a democratização da
informação e a redução do tempo de trabalho, para que todas as pessoas
possam participar dos bens culturais da humanidade.

Como proposta educacional viabiliza mudanças de atitudes, de pensamentos,
de olhares, e de pensares sobre si, se constituindo em ferramenta
fundamental que pode favorecer a mudança de condutas das novas gerações em
relação à busca de um desenvolvimento harmônico que esteja em concordância
com a perdurabilidade da vida em nosso planeta (IPF, 1999:11 apud GADOTTI,
2001). Contudo, não se pode dizer que a ecopedagogia representa já uma
tendência concreta e notável na pratica da educação brasileira. Se ela já
tivesse suas categorias definidas e elaboradas, ela estaria totalmente
equivocada, pois uma perspectiva pedagógica não pode nascer de um discurso
elaborado por especialistas.

Em nosso entendimento a ecopedagogia se caracteriza por promover
deslocamentos conceituais extremamente importantes para a compreensão do
mundo líquido na atualidade, como por exemplo: a) do homem, que sai de um
suposto centro e se coloca horizontalizado; b) da natureza que deixa de ser
vista como mera provedora e passa a ser conjunto e elemento de um todo
maior; c) da educação, que deixa de ser uma etapa da vida e passa a ser a
própria vida; d) da vida, que deixa de ser um palco de a-tua-ação ensaiada
e passa a ser o lugar dinâmico de criação e ação cotidiana da existência
humana; e) e da subjetividade que deixa de ser valorizado quanto mais
homogeneizado e passa a ser o elemento central que justifica e uma educação
para o bem viver, um viver ético e mais humano, centrado no bem estar de
si, do outro, do coletivo e do conjunto do qual somos parte, a terra.

Por ser recente, carece de um corpo metodológico conceitual próprio e
consolidado. Não há prática sem reflexão sobre a prática e não há teoria
educacional válida sem referencia a uma prática. A ecopedagogia só se
consolidará pela reflexão de suas práticas, mas se estabelece enquanto um
movimento histórico social associado a uma nova corrente de pensamento,
fundada na ética, numa politica do humano, numa visão sustentável da
educação e da sociedade. Hoje vem se fortalecendo nos espaços acadêmicos de
debates à medida que se consolida como resposta à demanda por uma educação
não só de qualidade, mas com objetivos e conteúdos curriculares novos. Sua
prática não se opõe às práticas e reflexões existentes, mas do contrário,
busca partir delas e melhorá-las. Não pretende substituir uma educação
ambiental que, reconhece, com os acréscimos e descontos devidos, tem
contribuído em muito para os avanços do campo de discussão ambiental na
formação da juventude atualmente.

A educação deve ser tão ampla quanto a vida. É com essa afirmação que
tentamos descrever nosso entendimento da importância e da dimensão da
educação e de que a ecopedagogia, que não se resume apenas a uma
metodologia, uma abordagem e tampouco a um paradigma emergente, reúne em
torno de si elementos suficientes para o que poderíamos chamar de uma
educação profunda. É urgente que os processos educativos sejam mais
abrangentes e essenciais cuidando prioritariamente da ampliação da
consciência humana, possibilitando a percepção profunda da nossa condição
de guardiães da vida na terra.

2.3 Ecosofia

A Ecosofia nasce com a problematização dos processos de formação das
subjetividades contemporâneas em face das novas camadas de realidade e
complexidades presentes no mundo atual, com especial destaque para o
crescimento demográfico e as revoluções técnico-científicas advindas com a
modernidade tecnológica na agoridade.

Para Morin, as práticas humanas estão cada vez mais distantes de uma
compreensão de si e cada vez mais próximas de uma orientação educativa de
uma imagem de mundo estruturado em operações simbólicas desestruturantes
como o deslocamento de um imaginário de felicidade cada vez mais próximo
das relações de consumo, onde é mais feliz aquele/a que mais pode adquirir
objetos; um visível crescimento populacional que, ao continuar reproduzindo
estes módulos de formação das subjetividades, tende a incrementar as taxas
de exploração sobre os recursos naturais, levando o planeta a condições de
risco da própria vida humana na terra; uma dimensão política que cada vez
mais perde espaço no senso comum em virtude de seus excessivos e
perceptíveis interesses nas parcerias mercantis que proporcionam o aumento
dos lucros das instituições privadas transnacionais, suas relações cada vez
mais estreitas com o capital financeiro internacional e cada dia mais
distante do cumprimento do seu papel de representante e guardião das
sociedades que os elegeram; e, apesar de todo o avanço científico
conquistado nas ultimas décadas ter revolucionado a forma de se comunicar,
da produção artística, da cultura, enfim, da formação de individualidades
homogeneizadas, a sociedade ainda não se deu conta da sua utilização para a
resolução destes problemas, parecendo, em alguns momentos, este ser mais um
gerador de situações problemas à sociedade.

Este cenário de consumo excessivo estimulado por um deslocamento do
conceito de felicidade para padrões estéticos, relações ético-políticas
fragilizadas pelo interesse do capital financeiro internacional e do avanço
técnico-científico que tem se constituído como territórios de subjetivação,
mediados por uma indústria de marketing preocupada penas com os lucros
institucionais, são os grandes motivadores dos desequilíbrios ecológicos
que ameaçam a continuidade da vida no planeta terra; das fragilizações das
relações nos núcleos de produção de subjetividades, a exemplo da família e
do lar, perdendo cada vez mais seus sentidos originais.

Para superação deste cenário o autor propõe uma articulação ético-política
entre os três registros ecológicos (o do meio ambiente, o das relações
sociais e o da subjetividade humana), acreditando que não haverá verdadeira
resposta à crise ecológica a não ser em escala planetária e com a condição
de que se opere uma autêntica revolução politica, social e cultural
reorientando os objetivos da produção de bens materiais e imateriais
devendo concernir não apenas às relações de forças visíveis em grande
escala, mas igualmente em domínios moleculares de sensibilidade de
inteligência e desejo (GUATTARI, 2004:9).

Trata-se de pensar estas três dimensões humanas (social, ambiental e
subjetiva) a partir de novos modelos de relacionamentos familiares, de
amizades, novos padrões de relações sociais; de relação com e para com os
recursos naturais, a natureza em si, enquanto unidade, relocando o
individuo como elemento dessa unidade e não como senhor, imperador dessa
'máquina' que trabalha para nos servir; e das relações de produção de novos
indivíduos, menos infantilizados, mais autônomos e promotores das
transformações individuais e coletivas positivas que desejamos ver no
mundo. Tudo isso, precisa ser discutido dialogicamente considerando a ação
direta do capital (consumo, marketing, orientação do uso das ferramentas
tecnológicas...) e suas frentes de batalha na formação e na transformação
de individualidades homogeneizantes com subjetividades indiferenciáveis;
construção de coletivos orientados por forças de níveis moleculares, sutis,
estruturando grupos sociais uniformizados e uniformizantes; e de
catástrofes ambientais que impossibilitam a permanência desta espécie no
planeta. A Ecosofia demanda exatamente a revisitação, um retorno, sem
necessariamente desejar ser igual novamente, a estres três campos para
rediscutir a presença e a condição da espécie humana na terra.


3. Conclusões

As formas analíticas e reducionistas de enxergar o mundo ajudaram muito
para compreender algumas dimensões da natureza de forma simplista,
principalmente em uma época onde o pensamento simplista era predominante e
as relações das pessoas com a natureza era sempre bucólica e contemplativa.
Mas se analisarmos as problemáticas humanas destas mesmas épocas, podermos
observar as inúmeras barbáries históricas cometidas pela espécie humana ao
transpor os paradigmas que ordenavam a lógica natural para as lógicas que
ordenavam os humanos. Assim surgiu a escravidão oficializada, as práticas
de submissão de gêneros e classes sociais em sociedades modernas, enfim,
territórios de exercício de poderes referendados por discursos e arcabouços
simbólicos apropriados, que se perpetuam até os dias de hoje.

A complexidade destes fatos na atualidade não pode mais ser explicada de
forma simplista, com paradigmas que conservam seus princípios orientadores
nas mentes do século XVII. A ecopedagogia propõe a renovação das lentes
pelas quais enxergamos, influenciamos e somos influenciados pelo mundo. É
preciso reformar o pensamento, recolocar o mundo, transformar os
paradigmas, fugir da simplicidade objetiva e partir para busca compreensiva
da complexidade subjetiva e múltipla, diversa, considerando inclusive o
irracionalizável, como propõe Edgar Morin, como uma de suas dimensões e
estabelecer o diálogo entre este e o racionalizável. É preciso compreender,
inclusive, que é impossível compreender o todo, a origem de tudo;
compreender que a verdade é sempre parcial, que só é possível conhecer o
que passível de ser conhecido e que, mesmo a verdade conhecida, pode ser
que já não seja mais a tão desejada e buscada verdade em si; que ela seja
apenas uma imagem da verdade, já não sendo mais aquela, assim como as
estrelas que contemplamos agora são apenas as imagens de suas posições
antigas.

A educação na contemporaneidade necessita ultrapassar estas barreiras
epistemológicas e promover uma educação integrante e integralizante, que
esteja centrada em uma reflexão dos processos de conhecimento; das nossas
próprias condições humanas de aquisição e de produção do conhecimento; da
temporalidade e da falibilidade destes saberes sistematizados; promovendo
uma reunião das dimensões humanas para uma compreensão integral de si
enquanto subjetividade em processo; o respeito aos outros seres como
extensão de mim e por onde e através de quem eu me faço e me refaço
cotidianamente; e da natureza, local de manifestação do sagrado em cada um
de nós, de uma interação harmônica e complementária com o lugar no mundo
onde construímos, praticamos, refletimos e reconstruímos nossa
subjetividade, possibilitando a continuidade da vida no planeta terra.

E tanto a ecosofia quanto a ecopedagogia resultam em ferramentas
extremamente importantes para a superação histórica desse momento de
rediscussão do formato de mundo que desejamos para o futuro e através de
qual modelo de educação prepararemos os indivíduos na liquidez da
contemporaneidade para este futuro desejado.
4. Referências

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GADOTTI, Moacir. Pedagogia da Terra, 2001. São Paulo: Peirópolis.

GUATTARI, Félix. As Três Ecologias, 2004. Campinas: Papirus, 15ª. Edição,
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GUATTARI, Félix; DELEUZE, Gilles. Rizoma, 2006. Lisboa: Assírio & Alvim,
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GUTIERREZ, Francisco & PRADO, Cruz. Ecopedagogia e Cidadania Planetária,
2000. São Paulo: Guia da Escola Cidadã, vol. 3. Instituto Paulo
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POPPER, Karl Raymund. Lógica das Ciências Sociais, 1902. Brasília: Tempo
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MARTINS, Josemar da Silva. Três Formas de Iniquidade Estética na Cultura
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MARTINS, Josemar da Silva. Erosões Invisíveis: O Desafio da Ultrapassagem
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MORIN, Edgar. Introdução ao Pensamento Complexo, 2011. Porto Alegre:
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VIALLATOUX, Joseph. A Invenção Filosófica, 1979. Coimbra, Ed.: Almedina.

'Aprender a Cuidar de si Mesmo', Paulo Coelho: disponível em

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