Desafios para a governança do espaço marítimo e áreas costeiras

June 30, 2017 | Autor: Nuno Leitão | Categoria: Marine and Fisheries Policy, Maritime Spatial Planning
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X CONGRESSO DA GEOGRAFIA PORTUGUESA Os Valores da Geografia Lisboa, 9 a 12 de setembro de 2015 Desafios para a governança do espaço marítimo e áreas costeiras N. Leitão(a) (a)

CICS.NOVA - Centro Interdisciplinar de Ciências Sociais, FCSH-UNL, [email protected]

Resumo O meio marinho ocupa 71% da superfície da Terra, mas cerca de 2,8 mil milhões de pessoas vivem a 100 km da costa, numa faixa estreita da sua parte emersa. Portugal, graças à sua geografia, essencialmente atlântica, é um país onde a população se concentra junto ao litoral. Com 1,7 milhões de km2 de ZEE, é, também um país com uma extensa e ocupada zona costeira, marcada por diversos conflitos e limitações. O contexto presente é de um interesse crescente pelo mar, que se vem traduzindo em transformações mais ou menos conflituantes com os usos e recursos presentes. O artigo discute alguns destes conceitos e conflitos, tendo como referência os resultados de um inquérito online realizado entre Março e Maio de 2015 a 519 inquiridos, sobretudo entre os 31 e 40 anos, com ensino superior concluído, ativos e desenvolvendo, maioritariamente a sua atividade profissional no âmbito da economia do mar. Palavras-chave: espaço marítimo, zonas costeiras, governança, Portugal

1. Introdução As transformações decorrentes do aumento de interesse pelo mar (SaeR/ACL, 2009) suscitam novos desafios, para os quais os modelos de governança atuais podem não estar preparados (DGPM, 2013) (Ferreira, Johnson, & Silva, 2014). De facto, muitos dos interesses pelo mar e/ou pelas zonas costeiras são antagónicos, razão pela qual, e em especial ao longo dos últimos anos, estas preocupações se têm materializado num conjunto de documentos, entidades e instrumentos, que procuram geri-los e compatibilizá-los (WWF, 2011) (Halperna, et al., 2012). Considerando que muitos dos projetos e iniciativas nas áreas marinhas se traduzirão em impactos nas áreas costeiras, espaços que lidam já com pressões de várias naturezas (urbanísticas, turísticas, industriais, portuárias, piscatórias, etc. (Calado, Borges, Phillips, Ng, & Alves, 2011), os modelos de governança devem considerar, especialmente, a forma como se articulam ambos os territórios. O artigo discute algumas destas problemáticas e, simultaneamente, contextualiza-as à luz dos resultados de um inquérito realizado entre Março e Maio de 2015 a 519 inquiridos, sobretudo entre os 31 e 40 anos, com ensino superior concluído, ativos e desenvolvendo, maioritariamente a sua atividade profissional no âmbito

da economia do mar. Este inquérito procurou perceber de que forma alguns sectores da sociedade lidam com as espectativas/transformações em curso no espaço marítimo nacional e como é que entendem/desejam que essa gestão/compatibilização/governança seja feita.

2. Zona costeira e espaço marítimo português: um enquadramento conceptual O espaço marítimo sobre soberania ou jurisdição portuguesa, presentemente compreende as áreas que vão desde a linha de máxima preia-mar de águas vivas equinociais até ao limite da Zona Económica Exclusiva, as 200 milhas náuticas, definidas de acordo com a Resolução da Assembleia da República n.º 60-B/97, de 14 de outubro e pela Lei n.º 34/2006, de 28 de julho. Para além deste espaço, há que considerar ainda as áreas que Portugal pode vir a reclamar no âmbito do processo

de

alargamento

da

plataforma

continental, conduzido pela Estrutura de Missão para a Extensão da Plataforma Continental. Se a proposta for aceite, serão mais de ≈2,15 milhões km2 os novos espaços sobre jurisdição portuguesa. Este processo é do conhecimento da maior parte dos inquiridos (82%), já que os que não sabem ou não respondem representam, apenas 18% do total. Não obstante, apenas 50% dos inquiridos conhece com exatidão o espaço marítimo nacional, Figura 1 – Indicação de que país/países com os quais Portugal tem presentemente fronteira marítima

nomeadamente no que concerne aos países com os quais Portugal faz fronteira marítima (Espanha e

Marrocos). De facto, 32% dos inquiridos apenas conseguem identificar um país com o qual Portugal faz fronteira marítima, Espanha ou Marrocos. Já 11% identificam Espanha e Marrocos, mas também outros países com os quais Portugal faria, também, fronteira marítima (p. ex. EUA, Reino Unido, França, etc.). No que respeita à zona costeira nacional, ela é igualmente extensa, tanto a parte continental, como a parte arquipelágica atlântica. Ela concentra cerca de ¾ da população e representa 85% do PIB nacional (MAMAOT, 2012). Neste contexto de elevada pressão humana, podem surgir novos problemas e/ou desafios se os vários projetos e iniciativas que se conhecem e se perspetivam para as zonas costeiras e espaço marítimo forem implementados (EC/MAF, 2011), uma vez que terão de ter apoios em terra e/ou carecerão, por exemplo, de alargamentos portuários, de novas instalações industriais próximas da costa, etc.

3. Transformações em curso e/ou previsíveis Em função dos diversos interesses associados ao espaço marítimo nacional prospetiva-se uma série de tendências que, a ocorrer, transformarão a relação que a sociedade portuguesa tem com o mar, quer pela via da intensificação dos usos e atividades existentes, quer pelo aparecimento de novos. As zonas costeiras serão, também afetadas por essas transformações. Das 1557 respostas dos inquiridos, cerca de ⅓ das mesmas centra-se em dois aspetos principais: (i) o desenvolvimento da atividade piscatória em áreas mais afastadas da costa (18%); (ii) e o aumento da extração de recursos energéticos, como o gás ou petróleo (17%).

Figura 2 – Principais oportunidades relacionadas com a valorização/aproveitamento do espaço marítimo português

Se se incluir neste conjunto os 11% de respostas referentes ao aproveitamento de energia eólica offshore (ao largo), a proporção do grupo passa de ⅓ para quase ½ das respostas. De facto, o aumento do consumo de energia será uma realidade nas próximas décadas, bem como o encarecimento das vias tradicionais pelas quais se obtém essa energia (p. ex. importação de combustíveis fósseis). Com 13% das indicações, as novas aplicações em áreas como as biotecnologias, farmacologia, etc., são outras das transformações em curso e/ou previsíveis. A extração de recursos minerais do leito marinho é outra indicação relevante (12%), o que se justifica face ao esgotamento e encarecimento dos mesmos nas partes emersas da superfície da Terra. A maior importância do transporte marítimo de bens e o incremento da construção e reparação naval têm um peso de 14% no total das respostas. É expectável que se observe uma valorização do transporte marítimo, mas também do setor da construção e reparação naval (Figueira de Sousa & Fernandes, 2014). O reforço da náutica de recreio e do turismo marítimo-turístico e a maior relevância do turismo de cruzeiros recolhem 8% das respostas, enquanto o crescimento da aquicultura, obtém 6% do total.

Mas nem tudo são aspetos positivos. Os inquiridos também identificam fragilidades, que decorrem do contexto de valorização/aproveitamento do espaço marítimo português. Os aspetos mais relevantes são, por um lado, a falta de know-how nas entidades públicas ou privadas nacionais, no que refere a conhecimentos operacionais sobre o espaço marítimo; e por outro, as restrições de natureza financeira e/ou dificuldades no acesso a financiamento. Cada um dos aspetos representa 18% do total das respostas (ambos, 37% do total). Outro dos problemas identificados é a diminuta diligência no processo de decisão da Administração Pública (15% das respostas). Já a falta de infraestruturas de suporte on-shore (em terra) recolhe 14% das respostas.

Figura 3 – Principais fragilidades no contexto de valorização/aproveitamento do espaço marítimo português

Os quatro aspetos acima referidos representam ⅔ das respostas. O restante ⅓ é repartido por várias outras respostas: (i) os condicionamentos impostos pela legislação nacional, europeia e/ou internacional (12%); (ii) os riscos ambientais (8%); (iii) a ausência de tradição e/ou interesse na sua valorização/aproveitamento do espaço marítimo (7%); (iv) e o facto da área marítima nacional ser muito extensa (6%).

4. Relação entre o espaço marítimo e as áreas costeiras A concretização parcial ou total das diversas expectativas que existem relacionadas com o aproveitamento do espaço marítimo nacional terá como consequência, segundo 76% dos inquiridos, impactos positivos nas áreas costeiras. Apenas 6% dos inquiridos indica que os impactos serão negativos, enquanto 8% dizem que podem ser negativos e positivos. Não obstante, são identificados vários problemas nas áreas costeiras nacionais. Cerca de 4/5 das respostas concentram-se em quatro aspetos: (i) problemas erosão costeira (33% das respostas); (ii) elevada pressão urbanística (18% das respostas); uma governança/gestão territorial complexa (18% das respostas); e a existência de interesses imobiliários, que adensam outros problemas já existentes (13% das respostas).

Figura 4 – Principais problemas das áreas costeiras nacionais

Relativamente ao entendimento do modelo de governança do espaço marítimo português e a respetiva articulação com as áreas costeiras, a maior parte dos inquiridos considera esta relação/articulação complexa/burocrática (69%). Contudo, 27% dos inquiridos refere não saber ou não se querer pronunciar. Apenas 2% dos inquiridos diz que esta relação/articulação é simples/ágil.

5. Notas finais Considerando as mudanças em perspetiva e respetivos impactos é possível condensar estas ideias numa única: os interesses particulares e públicos facilmente colidirão, estando a sua gestão obrigada a novas formas de atuação. Existem domínios/setores que podem coexistir, mas outros são incompatíveis, ou a sua compatibilidade tem de ser financiada. A complexidade da governança das áreas costeiras e do espaço marítimo é evidente pelo elevado número de documentos, entidades e instrumentos que se têm de articular, só do lado da ação pública (Martín, 2012). As entidades particulares não devem ser excluídas destes modelos, contudo, acrescentam-lhes complexidade, e adensam a conflitualidade. Foram feitas duas perguntas relativas ao posicionamento dos inquiridos relativamente ao modelo de governança. Cerca de 45% dos inquiridos diz não se rever num modelo mais liberal (ou seja, de maior iniciativa privada), no que respeita à valorização/aproveitamento e governança/gestão do espaço marítimo nacional, enquanto 36% afirmam rever-se num modelo com essas características. Há 17% que não sabem, ou não respondem a esta questão. Os inquiridos foram, ainda confrontados com duas questões sobre as quais tiveram de se pronunciar:

Opção I: o Estado define que iniciativas de natureza empresarial podem ocorrer na parcela “X” do espaço marítimo nacional. As entidades particulares podem desenvolver atividades dentro destas opções. Opção II: o Estado define quais as iniciativas de natureza empresarial que não podem ocorrer na parcela “X” do espaço marítimo nacional. As entidades particulares podem desenvolver todo o tipo de iniciativas, exceto aquelas que estão proibidas.

A opção A recolheu 47% das respostas e a opção B 42%. Ou seja, para os inquiridos não é evidente o posicionamento que o Estado deve adotar face ao aproveitamento/valorização do espaço marítimo nacional. Em suma, os desafios aos quais é preciso dar resposta são imensos, quer num plano técnico e operacional de exploração e conhecimento do espaço marítimo, mas também num plano de gestão e governança desta área e da forma como se articula com as zonas costeiras.

6. Referências bibliográficas Calado, H., Borges, P., Phillips, M., Ng, K., & Alves, F. (2011). The Azores archipelago, Portugal: improved understanding of small island coastal hazards and mitigation measures. Natural Hazards, 427-444. DGPM. (2013). Estratégia Nacional para o Mar 2013-2020. Lisboa: Governo de Portugal. EC/MAF. (2011). Study on the economic effects of Maritime Spatial Planning. European Commission, Martime Affairs and Fisheries. Luxembourg:: Publications Office of the European Union. Ferreira, M., Johnson, D., & Silva, C. (2014). How can Portugal effectively integrate ICM and MSP? Journal of Coastal Research, 70, 496-501. Figueira de Sousa, J., & Fernandes, A. (2014). Política Marítima Europeia: os novos desafios de uma abordagem integrada. Atas do XIV Colóquio Ibérico de Geografia (pp. 856-861). Guimarães: Universidade do Minho & Associação Portuguesa de Geógrafos. Halperna, B. S., Diamondb, J., Gainesc, S., Gelcichd, S., Gleasone, M., Jenningsf, S., . . . Ziviant, A. (2012). Nearterm priorities for the science, policy and practice of Coastal and Marine Spatial Planning (CMSP). Marine Policy, 36, 198-205. MAMAOT. (2012). Plano de Ação de Valorização e Proteção do Litoral [2012-2015]. Lisboa: Ministério da Agricultura, do Mar, do Ambiente e do Ordenamento do Território. Martín, M. L. (2012). Governança Oceânica - Bases estratégicas para o desenvolvimento do “Mar dos Açores” (Vol. Dissertação de Doutoramento). Ponta Delgada: Universidade dos Açores. SaeR/ACL. (2009). O Hyperculster da Economia do Mar - Um Domínio de Potencial Desenvolvimento da Economia Portuguesa. Lisboa: Associação Comercial de Lisboa. WWF. (2011). WWF call for EC leadership on Integrated Sea Use Management: A response to the Commission’s Impact Assessment on options for action on Maritime Spatial Planning and Integrated Coastal Zone Management. WWF.

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