Desafios para implementação de Zonas Especiais de Interesse Social em Fortaleza Challenges to the implementation of Social Housing Zones in Fortaleza Renato Pequeno Clarissa F. Sampaio Freitas
Resumo Apesar da crescente favelização de Fortaleza, ao longo do tempo, os processos de planejamento urbano não formularam soluções para enfrentá-la. Para tanto contribuem: a histórica dissociação entre as políticas urbana e habitacional, as interferências de diferentes esferas de governo, a fragilidade institucional e a reduzida inter-setorialidade. Neste trabalho, apresentam-se: um panorama geral da favelização do município a partir de dados dos censos de favelas; uma discussão da revisão do Plano Diretor de Fortaleza, segundo os princípios e diretrizes do Estatuto da Cidade; os desafios decorrentes da inserção das zonas especiais de interesse social como instrumento da política urbana local, elencando-se processos associados aos papéis dos agentes envolvidos e a necessidade de aprofundamento sobre as condições urbanísticas e habitacionais nestas áreas. Palavras-chave: favela; plano diretor; estatuto da cidade; zonas especiais de interesse social; Fortaleza.
Cad. Metrop., São Paulo, v. 14, n. 28, pp. 485-505, jul/dez 2012
Abstract Despite the urban informality that has been increasing in the city of Fortaleza (Northeastern Brazil) in recent decades, the local planning policies have not developed solutions to deal with the problem. Among the causes we can mention: the historical dissociation between housing and urban policies, the interference of different government spheres, lack of institutional capacity, and deficiencies in the integration among different sectors. In this paper we present: a portrait of the urban informality phenomenon in Fortaleza, a review of the political process that updated Fortaleza’s Master Plan according to the principles of the City Statute; the challenges associated with the implementation of the Social Housing Zones delimited by the Master Plan, including an analysis of the role of the different stakeholders in the process and the necessity to deepen the knowledge about the urban and housing conditions of these Zones.
Keywords: favela (slum); master plan; city statute; social housing zones; Fortaleza.
Renato Pequeno e Clarissa F. Sampaio Freitas
Introdução
princípios e diretrizes presentes nas políticas setoriais de desenvolvimento urbano e habitacional, bem como nos programas a elas as-
Um olhar atento sobre o acelerado crescimen-
sociados. Por outro, na escala local, a partir de
to da favelização na cidade de Fortaleza indi-
manifestações oriundas de bairros e comunida-
ca a presença das condições mais precárias
des que compõem a cidade, cuja articulação e
de moradia nas áreas de ocupação irregular.
integração passam a compor ações integradas
Em resposta a essa problemática, observa-se
dos movimentos sociais e das demais formas
que a atuação do Estado ao longo das últimas
de organização da sociedade civil. Com isso,
décadas tem sido insuficiente, denotando-se,
o espaço urbano assume sua condição como
como uma das causas maiores, a dissociação
palco de lutas entre os atores sociais que o
das políticas urbana e habitacional. Com isso,
compõem, fortemente marcado pelas desigual-
retarda-se a adoção de medidas efetivas que
dades sociais derivadas das relações de força
contribuamcom a solução do problema, adian-
entre os mesmos (Correia, 1995).
do-se o enfrentamento da questão fundiária.
Com o intuito de aprofundar essa discus-
Ainda que se trate de processo vigente
são, adota-se neste trabalho como objeto de
nas demais cidades brasileiras, em Fortaleza a
estudo o processo de revisão do Plano Diretor
produção da cidade informal assume contor-
de Fortaleza (PDFor), ocorrido ao longo da dé-
nos específicos devido à forma como o plane-
cada de 2000. Utiliza-se a inclusão de zonas
jamento urbano é implementado ao longo de
especiais de interesse social como fio condutor
sua história, evidenciando-se a superposição
para sua análise, visto que as mesmas assumi-
de papéis dos atores envolvidos em virtude da
ram papel de destaque no processo como um
confluência de seus interesses.
todo, configurando-se em campo de disputas
Via de regra, os planos resultantes desses
entre os agentes sociais envolvidos. Tratando-
processos findam por não serem implemen-
-se de inovação na política urbana local, bus-
tados, configurando-se em subterfúgios que
ca-se reconhecer os elementos que possam
garantem a manutenção do status quo carac-
levar à sua subutilização, bem como aqueles
terístico de uma cidade com marcas evidentes
que venham a superestimar sua efetividade
de desenvolvimento desigual (Smith, 1988):
como instrumento das políticas locais urbana
concentração de investimentos, centralização
e habitacional.
de poder, diferenciação de suas partes na for-
Como procedimentos metodológicos,
ma como se dá o atendimento às demandas e
além do acompanhamento do processo como
desconsideração da diversidade social presente
urbanista e pesquisador, foram realizadas: lei-
no espaço.
turas de relatórios técnicos; entrevistas com
Todavia, é possível reconhecer um qua-
atores sociais envolvidos; trabalhos de campo
dro recente de mudanças, dada a emergên-
em áreas especificas associadas à capacitação
cia de novas dinâmicas urbanas vinculadas
de lideranças comunitárias; estudos de caso
a processos advindos de frentes diversas: por
sobre o conteúdo urbanístico de áreas selecio-
um lado, desde a escala nacional, a partir dos
nadas segundo as tipologias socioespaciais que
486
Cad. Metrop., São Paulo, v. 14, n. 28, pp. 485-505, jul/dez 2012
Desafios para implementação de Zonas Especiais de Interesse Social em Fortaleza
compõem a estrutura intraurbana metropolita-
ocupação com vistas a encaminhar solicitação
na de Fortaleza (Pequeno, 2009).
de recursos junto ao Banco Nacional de Habi-
Este trabalho se subdivide em três partes:
tação (BNH), numa das primeiras iniciativas de
a primeira contextualiza a favelização da cida-
associar a política municipal de habitação à po-
de. Em seguida, discute-se a necessidade de
lítica de desenvolvimento urbano. Assim, data
interfaces entre as políticas urbana e habitacio-
de 1973 o primeiro levantamento de favelas de
nal no município ao longo das últimas décadas.
Fortaleza, quando foram identificadas 81 fa-
Por fim, analisa-se a revisão do plano diretor,
velas, somando 34 mil domicílios onde viviam
investigando-se as perspectivas que se abrem
mais de 205 mil pessoas, correspondendo a
a partir das zonas especiais de interesse social
cerca de 20% da população do município.1
como instrumentos de planejamento e gestão
No primeiro plano de desfavelamento
do solo urbano com vistas à urbanização de fa-
proposto pela Fundação do Serviço Social de
velas e regularização fundiária.
Fortaleza, 32 áreas (14.500 famílias) seriam alvo de erradicação total, em sua maioria associadas à implantação do sistema viário prin-
Dinâmicas associadas ao crescimento da favelização em Fortaleza
cipal. A princípio, pretendia-se reassentá-las em grandes vazios periféricos situados ao sul e ao sudoeste do município. Outras 49 favelas, onde viviam mais de 19.700 famílias, seriam alvo de programas de renovação e remanejamento,
A ilegalidade urbana, quando associada às
observando-se a possibilidade de permanência
condições precárias de moradia se coloca como
desde que houvesse ações de recuperação e
um problema histórico da produção do espa-
remanejamento das unidades subnormais (For-
ço intraurbano da capital cearense. Castro, ao
taleza, 1973).
analisar a planta de Fortaleza de 1887, indica
Previa-se, na época, a aquisição de gran-
que 30% das famílias viviam em choupanas de
des glebas a serem parceladas, com objetivo de
palha nas proximidades da faixa de praia e às
destinar para cada família lotes de 120 metros
margens de riachos, num claro indício de faveli-
quadrados, além da indenização vinculada à
zação (Castro, 1976).
remoção da antiga moradia. Chama atenção
A acelerada expansão das áreas de
neste plano de desfavelamento a compreensão
ocupação da cidade, desde meados do século
da possibilidade de urbanização e permanência
XX, vinculada aos fluxos migratórios prove-
de muitas das favelas cadastradas. Pretendia-
nientes do Sertão nordestino, motivados pe-
-se, ainda: a construção de módulos sanitários,
la estiagem, levou ao comprometimento dos
a difusão da autoconstrução tecnicamente as-
recursos naturais, dado que as famílias não
sistida, a implantação de redes de infraestrutu-
dispunham de condições para adquirir terreno
ra e equipamentos sociais, porém não se fazia
ou moradia.
qualquer menção à regularização fundiária.
Esse crescimento da favelização levou a
Todavia, grande parte dos conjuntos
que o poder local contabilizasse as áreas de
implantados pelo BNH não teve a população
Cad. Metrop., São Paulo, v. 14, n. 28, pp. 485-505, jul/dez 2012
487
Renato Pequeno e Clarissa F. Sampaio Freitas
dessesassentamentos precários como público-
Algumas iniciativas vieram a ser imple-
-alvo, o qual foi redefinido por problemas as-
mentadas atendendo ao reassentamento perifé-
sociados à inadimplência (Azevedo e Gama,
rico, em parte associadas aos novos programas
1982). Além disso, optou-se pela implantação
criados pelo BNH, específicos para populações
de programas habitacionais em glebas mais
removidas de áreas de ocupação. Todavia, com
distantes do centro, situadas em zonas de tran-
o fim do BNH, o empobrecimento se acentuou
sição urbano-rural, tanto em Fortaleza, como
tornando a favela uma forma predominante de
em outros municípios da Região Metropolitana
moradia dos mais pobres, expandindo-se o mer-
(Maracanaú e Caucaia). Disso decorreu a co-
cado informal de terrenos ditos ”de prefeitura”
nurbação ao sul e ao oeste, assim como a es-
para aquisição e posterior construção. Em 1991,
peculação imobiliária, valorizando-se terrenos
um novo censo de favelas (Figura 1) foi realiza-
entre o centro e as novas periferias, além da
do pela Cohab-CE, quando foram identificadas
definição de frentes de expansão ao leste para
314 favelas, com 108 mil famílias, cerca de 30%
o setor imobiliário formal.
da população de Fortaleza (Ceará, 1991).
Figura 1 – Fortaleza: localização das favelas –1991
Fonte: organização de Pequeno, 2009.
488
Cad. Metrop., São Paulo, v. 14, n. 28, pp. 485-505, jul/dez 2012
Desafios para implementação de Zonas Especiais de Interesse Social em Fortaleza
Nessa última data, já se detectava a formação de pequenos núcleos de favelas nos
setorial, sem que as prefeituras tivessem se preparado para assumir tal tarefa.
municípios vizinhos de Caucaia e Maracanaú,
No caso de Fortaleza, as práticas as-
situados nas áreas verdes dos conjuntos habi-
sistencialistas e clientelistas conduzidas pela
tacionais e nas margens de rios, riachos e la-
Fundação de Serviço Social, remanesceram di-
goas. Além disso, a partir desse censo é possí-
retamente vinculadas ao gabinete do Prefeito,
vel verificar a forma como a favelização passa
através da Comissão Especial para Implantação
a interferir na estruturação da cidade a partir
de Programas Habitacionais de Interesse Social
de sua concentração nas faixas litorâneas e ao
(Comhab). Nesse período, pequenos conjun-
longo dos cursos d´água e lagoas, bem como a
tos foram construídos em regime de mutirão,
configuração de áreas contínuas nas periferias
tendo como similaridades: um mesmo projeto
e pequenos fragmentos que se disseminam nas
arquitetônico, as infraestruturas e a adoção de
partes intermediárias.
títulos de concessão precários para fins de mo-
Como reflexo desse levantamento, o Go-
radia de curto prazo.
verno do Estado, através da Cohab-CE e diante
Todavia, ao final dessa década, Fortale-
da possibilidade de obtenção de recursos junto
za passou a tomar parte do Programa Habitar
à Caixa Econômica Federal, através do Promo-
Brasil (HBB), financiado pelo Banco Interame-
rar, passou a conduzir um programa especial de
ricano de Desenvolvimento (BID) e pela Caixa
urbanização de favelas tendo claramente como
Econômica Federal (CEF). Com o intuito de
critérios de escolha: a abertura de eixos viários,
favorecer a municipalização das políticas ha-
a adequação do uso em margens de recursos
bitacionais de interesse social, esse programa
hídricos, especialmente vinculados às interven-
trazia em seu conteúdo duas linhas de ação: o
ções urbanas em setores de renda média-alta.
desenvolvimento institucional e a urbanização
O escopo desses projetos incluía, além de infra-
de assentamentos subnormais. Realização de
estrutura e de equipamentos sociais, a constru-
cadastros, formulação de políticas e programas,
ção de casas em mutirão para famílias removi-
composição de cadernos de normas específicas
das por motivos diversos: densidade excessiva,
para HIS, contratação de projetos, capacitação
ordenamento das vias internas, saneamento,
de técnicos, aquisição de equipamentos, tudo
2
drenagem e risco ambiental.
isso fazia parte desse programa, que permane-
Ao longo da década de 1990, o perver-
ceu na Prefeitura entre 1999 e 2006, visto que
so desmonte das instituições responsáveis
o mesmo foi incorporado pelo Ministério das
pela implementação da política habitacional
Cidades em 2003.
de interesse social em todo o Brasil (Cardoso,
Entretanto, poucos foram os benefícios
2001) trouxe como efeito, no âmbito estadual,
obtidos com o HBB, visto que a questão da
a extinção da Cohab-CE, transferindo-se aos
moradia não chegou a sensibilizar os gestores
municípios a responsabilidade pela provisão de
municipais no período de 1993 a 2004, apesar
moradia. Seguindo o receituário neoliberal em
das intensas pressões dos movimentos sociais.
suas reformas administrativas, o Governo Esta-
Fato é que os recursos obtidos finda-
dual desmontou a maior parte de sua estrutura
ram por ser utilizados para a contratação de
Cad. Metrop., São Paulo, v. 14, n. 28, pp. 485-505, jul/dez 2012
489
Renato Pequeno e Clarissa F. Sampaio Freitas
serviçosde consultoria, os quais em nada con-
dissociaçãoentre planejamentoe gestão, re-
tribuíram para o desenvolvimento institucional
velando a necessidade de integrar as políticas
e muito menos para estabelecer uma base de
urbana e habitacional.
dados que permitisse um diagnóstico preciso da situação da moradia em Fortaleza. Porém, em fins de 2004, ocorre a criação da Fundação Habitacional de Interesse Social de Fortaleza (Habitafor), substituindo a Comhab. Ainda que voltadas para as diversas formas de moradia
Interfaces entre as políticas urbana e habitacional de interesse social
precária, as ações empreendidas por essa Fundação vêm sendo focalizadas nas áreas de fa-
Alvo de diversos processos de planejamento
vela em situação de risco ambiental, considera-
urbano, Fortaleza teve, ainda em meados do
das como os setores mais vulneráveis no aten-
século XIX, a formulação de planta urbanís-
dimento com a provisão de moradia (Fortaleza,
tica com viés embelezador da área central.
2001). Ao priorizar as áreas de risco, reduz-se
Em seguida, nos anos 1930 e 1940, foram
substancialmente o alvo de intervenção, dimi-
formuladas propostas de estruturação viária,
nuindo a dimensão do problema a ser enfren-
estabelecendo-se as direções para a expansão
tado, não havendo qualquer critério de escolha
da cidade.
3
para a intervenção.
A partir dos anos 1960, passaram a vi-
Até aqui, a maior parte das famílias foi
gorar proposições com a roupagem de plano
removida com o posterior reassentamento em
de desenvolvimento integrado, definindo dire-
edifícios multifamiliares de baixa altura e alta
trizes setoriais diversas nas escala local e me-
densidade. Diante do que vinha sendo realiza-
tropolitana. Décadas depois, no início dos anos
do esses projetos inovam nos seguintes aspec-
1990, deu-se a elaboração do Plano Diretor
tos: inclusão de cômodo para uso comercial; di-
de Desenvolvimento Urbano (PDDU), preten-
ferenciação de casas pelo número de dormitó-
samente reformista, porém inexequível, visto
rios; redução dos espaços comuns, evitando-se
que nem os meios foram viabilizados, nem os
gastos condominiais. Entretanto, alguns aspec-
procedimentos para implementação dos instru-
tos negativos podem ser apontados: dimensões
mentos foram elaborados.
reduzidas dos compartimentos; precariedade
Verifica-se que, apesar das diferentes
dos acabamentos; densidade excessiva de
abordagens adotadas para os processos de pla-
ocupação das áreas de reassentamento; forma
nejamento urbano empreendidos ao longo do
de tratamento dos espaços livres; segregação
século XX, alguns aspectos negativos podem
em relação ao entorno.
ser mencionados como recorrentes e comuns a
Em seus primeiros anos, constata-
todos: sua realização por consultores externos
-se que o modelo de gestão adotado pela
ao corpo funcional do município, desperdiçan-
Habitafor apresenta limitações, reduzindo
do oportunidades de promover a formação de
o impacto de suas ações, explicitando a frá-
recursos humanos municipais; a elaboração de
gil inter-setorialidade na esfera municipal, a
diagnósticos superficiais, os quais induziram
490
Cad. Metrop., São Paulo, v. 14, n. 28, pp. 485-505, jul/dez 2012
Desafios para implementação de Zonas Especiais de Interesse Social em Fortaleza
soluções inadequadas à realidade local; as
municípioem que a favela e o vazio tomam
proposições com caráter generalista, predomi-
parte da paisagem, em seus diferentes ângulos,
nando diretrizes de planejamento sob a for-
tornava-se de fácil assimilação a aplicação do
ma de recomendações em linguagem jurídica
Estatuto da Cidade.
e índices paramétricos homogeneizantes que
Cedendo às pressões da sociedade civil
desconsiderarama diversidade sociocultural
organizada, a Prefeitura Municipal promoveu
com a qual o espaço intraurbano vem sendo
a contratação de consultores externos prove-
produzido; a exclusão da cidade informal, ine-
nientes do quadro docente da Universidade
xistindo ações voltadas para seu enfrentamen-
Federal do Ceará (UFC), compondo equipe mul-
to, indicando a dissociação entre a política ur-
tidisciplinar classificada com notório saber, com
bana e habitacional, apesar do ritmo acelerado
fácil diálogo com os diferentes agentes sociais,
com que se deu o crescimento da favelização
para a realização da revisão do PDDU. Alegava-
na cidade.
-se, na época, que, dada a reforma administra-
Com isso, desde a discussão dos conteú-
tiva municipal, seus quadros encontravam-se
dos do Projeto de Lei do Estatuto da Cidade, ao
desfalcados, notadamente desde a extinção do
final dos anos 1990, verificou-se a necessida-
Instituto de Planejamento Municipal (IPLAM)
de de revisão do plano diretor municipal tendo
em 1999, ficando a coordenação do processo
como questão norteadora a busca por proposi-
sob o encargo da Secretaria de Infraestrutura.
ções para a questão da moradia. Esta passou a
Todavia, simultaneamente, o executivo
tomar parte da agenda dos movimentos sociais
municipal mantinha, em paralelo, a revisão
urbanos locais, estimulados pelas ações de
da lei de uso e ocupação do solo, visando à
exigibilidade de direitos coordenadas pelas or-
liberação de gabarito em determinados eixos
ganizações não governamentais e associações
viários, favorecendo sobremaneira o mercado
classistas. Tal processo se intensificou em 2001,
imobiliário. Com isso, os consultores anterior-
desde a aprovação da Lei 10.257, ampliando-se
mente convocados para a revisão do PDDU re-
as articulações pró-elaboração de novo plano
tiraram-se do processo, desfazendo a equipe da
diretor, em que fosse garantida a inserção de
qual a universidade tomava parte, sendo essa
princípios norteadores e instrumentos associa-
substituída por outros consultores oriundos de
dos à reforma urbana.
escritórios de arquitetura e, em grande parte,
Para tanto, o papel das ONGs apoiadas
associados ao ramo da construção civil.
por setores progressistas das universidades
Conduzido ao longo de três anos, esse
públicas na capacitação dos atores sociais
processo de planejamento foi marcado por
merece ser destacado. Com o uso de dinâmi-
manifestações da parte da sociedade, que co-
cas inovadoras, ampliou-se o conhecimento
brava transparência e participação. Enviado
por parte dos setores populares a respeito dos
em fins de 2004 à Câmara dos Vereadores pa-
instrumentos da política urbana, passando-se
ra votação, o projeto de lei sob a denominação
a reconhecer sua pertinência como estratégias
de Plano Diretor de Fortaleza (PDFor) apre-
de combate à especulação imobiliária e pro-
sentava como principais problemas técnicos:
moção da regularização fundiária. Afinal, num
a desconsideração da escala metropolitana; a
Cad. Metrop., São Paulo, v. 14, n. 28, pp. 485-505, jul/dez 2012
491
Renato Pequeno e Clarissa F. Sampaio Freitas
adoção de dados ultrapassados no diagnósti-
Graças à histórica realização de progra-
co; o uso genérico dos instrumentos do estatu-
mas de sensibilização e capacitação de lide-
to, sem localizá-los.
ranças do movimento popular, bem como à
Como raiz desses problemas, é possível
recente experiência de reação contra o autori-
reconhecer o não enfrentamento da questão
tarismo e tecnocracia contrárias ao novo ideá-
habitacional por parte dos gestores e da equipe
rio das práticas de planejamento participativo,
contratada, dado que os momentos de debate
esse novo processo não se realizou de forma
foram meros exercícios de tecnocracia volta-
avassaladora sobre as entidades comunitárias
dos para projetos urbanos. Ao evitar quais-
e instituições não governamentais.
quer mecanismos de participação popular, os
Fato é que o debate em torno dos ins-
responsáveis pela elaboração do plano deram
trumentos e dos índices urbanísticos foi es-
elementospara que a sociedade civil entrasse
tendido. Porém, na derradeira oportunidade
com ação junto ao ministério público pedindo
para discussão dos conteúdos, ficou evidente
sua anulação,bem como para que a nova ges-
a construção de acertos políticos entre o poder
tora municipal retirasse o projeto de lei da câ-
público municipal e os empresários do mercado
mara municipal,consolidando sua invalidação.
imobiliário, respaldados por setores dos movi-
Cumpre aqui apontar que, paralelamente à revisão do PDDU, dava-se a elaboração
mentos sociais que passaram a tomar parte da gestão municipal.
da política municipal de habitação, bem como
Passados dois anos na Câmara Muni-
de diversas ações integradas através do HBB.
cipal, somente em março de 2009, a tramita-
A ausência de inter-setorialidade entre as polí-
ção do projeto foi concluída, culminando com
ticas urbana e habitacional deve ser reiterada,
sua aprovação, completando-se oito anos de
bem como os malefícios decorrentes da contra-
revisão do Plano Diretor. Ressalta-se que nes-
tação de serviços externos de consultoria.
se intervalo, a política urbana municipal ficou
Posteriormente, uma nova tentativa de
vulnerável a intervenções do setor imobiliário
revisão do plano veio a ser feita, remanes-
privado e dos próprios executivos estadual e
cendo porém alguns problemas já vivenciados
municipal, favorecendo projetos desconectados
anteriormente. Mais uma vez optava-se pela
de processos de planejamento.
contratação de consultores com dispensa de li-
Desde então, aguarda-se a implemen-
citação, desta vez sob a coordenação da Secre-
tação dos instrumentos inseridos no PDFor,
taria de Planejamento. Além disso, mantinham-
recaindo-se todavia em algumas dinâmicas
-se reduzidos os momentos de participação da
que comprometem o planejamento territorial
sociedade civil, alegando-se o curto intervalo
do município: a descontinuidade dos proces-
de tempo disponível para sua realização. Com
sos de planejamento urbano decorrente das
isso o diagnóstico ficou bastante prejudicado
mudanças na orientação política da gestão; a
em decorrência do fraco confronto de visões
fragmentação política da gestão municipal fra-
entre os técnicos envolvidos e os setores popu-
gilizando a inter-setorialidade; a inexistência
lares, bem como da ausência de debate entre
de quadros técnicos e a situação rudimentar da
os agentes sociais antagônicos.
instituição responsável por sua implementação;
492
Cad. Metrop., São Paulo, v. 14, n. 28, pp. 485-505, jul/dez 2012
Desafios para implementação de Zonas Especiais de Interesse Social em Fortaleza
a subtração das práticas de planejamento par-
passando a adotar como alvo da política urba-
ticipativos da política municipal.
na aqueles setores que reúnam como caracte-
Entretanto, avanços devem ser reconhe-
rísticas: irregularidade fundiária, precariedade
cidos, considerados as condições e os resulta-
das infraestruturas, desordem urbanística, con-
dos dos planos anteriores. Afinal, a elaboração
dição de pobreza e densidade excessiva (Souza,
do PDFor, segundo os conteúdos do Estatuto da
2001). Identificando-se esses setores por conta
Cidade em si, garante à sociedade elementos
da situação crítica em que os mesmos se en-
para que possa dele tomar parte. Nesse senti-
contram, caberia a adoção de procedimentos
do, serão discutidos na próxima seção os desa-
que revertessem a situação, reduzindo-se, as-
fios enfrentados com vistas à inserção das ZEIS
sim, o fosso social entre esses fragmentos de
na agenda da política urbana de Fortaleza.
degradação socioambiental. Entretanto, nem sempre a solução para as precariedades apontadas encontra-se no próprio setor. Ao con-
Processo de inclusão das ZEIS no Plano Diretor de Fortaleza
trário, é possível reconhecer a seu lado vazios
As Zonas Especiais de Interesse Social vêm sen-
as ZEIS podem ser reconhecidas como o instru-
do alvo de estudos desde sua criação nos anos
mento síntese das diretrizes e princípios norte-
1980 como estratégia para viabilizar a regula-
adores do Estatuto da Cidade, dado que podem
rização fundiária de assentamentos precários,
ser realizadas a partir das mesmas ações: o
permitindo a flexibilização dos índices urbanís-
combate à especulação imobiliária, impedindo-
ticos presentes na cidade espontânea, via de
-se o remembramento de lotes e consolidando-
regra, distintos daqueles presentes nas áreas
-se áreas de ocupação sob pressões do setor
produzidas pelas políticas públicas de habita-
imobiliário forma; a promoção da regulariza-
ção de interesse social, bem como nas áreas da
ção fundiária graças à flexibilização dos índi-
urbanos ou edificações subutilizados que contribuiriam com a reversão dessa situação. Vale ainda ressaltar que conforme Rolnik,
4
cidade formal. No caso do PDFor, a inserção
ces urbanísticos, reduzindo-se as necessidades
das ZEIS pode vir a ser um diferencial no sen-
apontadas para a cidade formal; a adoção de
tido de viabilizar transformações estruturais na
práticas de gestão democrática e participativa
implementação da política urbana. Tratando-se
mediante a formação de conselhos locais que
de instrumento que congrega setores da cidade
atuam nas diferentes fases dos planos urbanís-
em que o conflito socioespacial e as disputas
ticos, desde os levantamentos preliminares até
territoriais tendem a eclodir, desde já reconhe-
a tomada de decisão (Rolnik, 2001).
cemos no mesmo nosso foco temático de pes-
Fazendo valer as palavras de Rodrigues,
quisa para o acompanhamento do processo de
que identifica como aspecto mais positivo do
planejamento urbano municipal.
Estatuto da Cidade, o fato de explicitar as con-
Como afirma Souza, as ZEIS correspon-
tradições presentes na cidade, reconhecendo as
dem a um instrumento ímpar a partir do qual
desigualdades sociais decorrentes da produção
se pode viabilizar a inversão de prioridades,
social do espaço, dando às mesmas nome e
Cad. Metrop., São Paulo, v. 14, n. 28, pp. 485-505, jul/dez 2012
493
Renato Pequeno e Clarissa F. Sampaio Freitas
endereço, foi organizada uma ação de exigibili-
na plataforma do Google Earth para formula-
dade por ONGs em parceria com setores enga-
ção das propostas.
5
jados da universidade (Rodrigues, 2004).
Nas audiências públicas setoriais, rea-
Neste sentido, as ZEIS foram adotadas
lizadas nas diferentes áreas de participação
como tema específico das atividades de ca-
instituídas pelo Comitê Gestor do PDFor, fo-
pacitação promovidas pelo coletivo de ONGs
ram apresentadas propostas pelas lideranças
e movimentos sociais de modo a qualificar e
comunitárias, correspondentes às suas respec-
aglutinar os representantes de comunidades,
tivas áreas, seguindo procedimentos comuns,
apoiados no reconhecimento de áreas que ex-
os quais garantiram unidade às propostas
pusessem as contradições presentes na cidade,
apresentadas. Com isso, ao final dessa ação,
onde o desenvolvimento e a degradação so-
foram incorporados ao plano diretor em revi-
cioambiental disputavam territórios (Pequeno,
são dezenas de ZEIS, atrelando de modo com-
2002). Ao longo de quinze dias, foi conduzida
plementar áreas de ocupação, vazios urbanos
uma formação reunindo os seguintes conteú-
e terrenos subutilizados.
dos: conceituação do instrumento e inserção
Além disso, foram incluídas como alvo
do mesmo como parte integrante da política
desse instrumento, algumas dezenas de con-
urbana municipal; apresentação de resultados
juntos habitacionais construídos pela Prefeitu-
obtidos noutros municípios; entraves e poten-
ra Municipal de Fortaleza no período de 1988
cialidades de sua aplicação na realidade socio-
a 2004, contraditoriamente em situação fun-
ambiental de Fortaleza; procedimentos neces-
diária irregular. Observa-se aqui que o próprio
sários para sua apresentação como proposta
poder público passou a adotar as ZEIS como es-
na elaboração do plano diretor.
tratégia que permitisse a regularização fundiá-
Tomaram parte dessa atividade lideran-
ria, flexibilizando os instrumentos urbanísticos
ças selecionadas com as seguintes caracterís-
que a própria prefeitura não havia considerado,
ticas: localização em setores de maior precarie-
denunciando que mesmo os assentamentos ha-
dade urbana; vinculadas às comunidades que
bitacionais de interesse social estavam aquém
estivessem próximas aos vazios urbanos; inte-
das exigências legais.
grantes de atividades de capacitação promovi-
Após análise da Procuradoria Geral do
das pelas instituições organizadoras, portanto
Município, o PDFor permaneceu em discussão
com conhecimento prévio sobre o Estatuto da
no legislativo municipal. Como um dos temas
Cidade, suas diretrizes e instrumentos. Também
mais polêmicos, a adoção das ZEIS provocou
foram incorporados à capacitação, estudantes
reações dos vereadores que representam os
dos cursos de Geografia, Direito e Arquitetura
setores mais retrógrados e contrários à regu-
e Urbanismo, os quais colaboraram nas ativida-
larização fundiária de ocupações situadas nas
des práticas: realização de trabalhos de campo
áreas de maior valorização imobiliária.
junto às lideranças identificando ocupações e
No caso do Projeto de Lei do PDFor, ela-
vazios complementares; discussão dos resulta-
borado com a assessoria contratada, atesta-se
dos preliminares nas comunidades; mapeamen-
a qualidade técnica do mesmo, dada a perti-
to das informações e inserção das informações
nência dos instrumentos apontados para as
494
Cad. Metrop., São Paulo, v. 14, n. 28, pp. 485-505, jul/dez 2012
Desafios para implementação de Zonas Especiais de Interesse Social em Fortaleza
diferentes zonas que compõem o macrozoneamento. Todavia, merece ser destacado o problema decorrente da terceirização de tal atividade, visto que ao se delegar a outrem a responsabilidade sobre os rumos da política urbana, ao invés de desenvolvê-la no seio da própria instituição, tende a ocorrer dificuldades para sua efetiva implementação nas etapas seguintes, tais como: a discussão junto à Câmara Municipal das diretrizes propostas, a definição de índices e parâmetros urbanísticos de uso e ocupação do solo, a escolha de projetos prioritários, a atualização do diagnóstico, entre outros.
à regularização fundiária e urbanística (Artigo 129); ZEIS III: compostas de áreas dotadas de infraestrutura, com concentração de terrenos não edificados ou imóveis subutilizados ou não utilizados, devendo ser destinadas à implementação de empreendimentos habitacionais de interesse social, bem como aos demais usos válidos para a Zona onde estiverem localizadas, a partir de elaboração de plano específico (Artigo 133). No que se refere às interrelações entre as ZEIS e os demais instrumentos da política urba-
Ainda que de forma genérica, as ZEIS
na incluídos no PDFor, é possível reconhecer al-
foram conceituadas e classificadas no Plano
guns vínculos a serem utilizados: parcelamento
Diretor de Fortaleza (Fortaleza, 2009) da se-
compulsório, para o caso das ZEIS tipo III (va-
guinte maneira:
zios urbanos), desde já indicando a necessidade
As Zonas Especiais de Interesse Social – ZEIS – são porções do território, de propriedade pública ou privada, destinadas prioritariamente à promoção da regularização urbanística e fundiária dos assentamentos habitacionais de baixa renda existentes e consolidados e ao desenvolvimento de programas habitacionais de interesse social e de mercado popular nas áreas não edificadas, não utilizadas ou subutilizadas, estando sujeitas a critérios especiais de edificação, parcelamento, uso e ocupação do solo (Artigo 123). ZEIS I: compostas por assentamentos irregulares com ocupação desordenada, em áreas públicas ou particulares, constituídos por população de baixa renda, precários do ponto de vista urbanístico e habitacional, destinados à regularização fundiária, urbanística e ambiental (Artigo 126); ZEIS II: compostas por loteamentos clandestinos ou irregulares e conjuntos habitacionais, públicos ou privados, que estejam parcialmente urbanizados, ocupados por população de baixa renda, destinados
Cad. Metrop., São Paulo, v. 14, n. 28, pp. 485-505, jul/dez 2012
de que esses territórios cumpram com a função social da propriedade; outorga onerosa do direito de construir, sendo as ZEIS tipo I e II (favelas, conjuntos e loteamentos precários, alvo de recursos de contrapartida para sua regularização urbanística; transferência do direito de construir como forma de compensação para os proprietários de terras definidas como ZEIS tipo III que terão reduzido seu potencial construtivo; consórcio imobiliário, também para as ZEIS tipo III, garantindo a possibilidade de formação de parceria entre o proprietário e o poder local, no sentido de ampliar a oferta de habitação de interesse social; operações urbanas consorciadas tendo as áreas de ZEIS como prioritárias para intervenções, favorecendo a recuperação urbano-ambiental de áreas degradadas de forma inclusiva. As possibilidades supracitadas apontam a potencialidade do instrumento dada a sua flexibilidade no estabelecimento de índices urbanísticos específicos e sua capacidade de atrelamento aos demais instrumentos.
495
Renato Pequeno e Clarissa F. Sampaio Freitas
Numa primeira análise sobre a distribui-
das ZEIS no plano, sem que o posterior deta-
ção espacial das áreas de ZEIS em relação ao
lhamento de seus procedimentos, com vistas à
crescimento urbano da cidade, é possível afir-
implementação, venha a ser realizado.6
mar que, apesar do crescente número de famí-
Observa-se, ainda, que as áreas apro-
lias vivendo em áreas de favela em Fortaleza
vadas como ZEIS se concentram nas faixas de
e da quantidade de conjuntos habitacionais
praia e nas suas imediações, configurando-
ainda em situação fundiária irregular, um pri-
-se como reação das comunidades que vivem
meiro olhar sobre as áreas definidas como ZEIS
nesses setores em relação às históricas pres-
nos leva a considerar o baixo impacto de sua
sões do setor imobiliário, verdadeira estratégia
adoção no PDFor. Entretanto, considerando que
de resistência dos moradores destas favelas.
esse primeiro agrupamento possa representar
Desde já, indica-se como questão para futuras
apenas o iniciar de uma dinâmica, é possível
pesquisas, a capacidade real do instrumento
apontar que a mesma poderá, em caso de ex-
em conter a valorização imobiliária das áreas
periência bem-sucedida, vir a ser utilizada para
circunvizinhas, dado que a sua aprovação e
as outras partes da cidade. Há que se ressal-
implementação tendem a depreciar o valor dos
tar também que não basta a simples inserção
imóveis situados nas proximidades.
Figura 2 – Fortaleza: ZEIS tipos 1, 2 e 3 Legenda Tipo de Zeis Zeis1–ocupação Zeis2–conjunto Zeis3–vazio Rodovias Limite municipal RMFOR–arruamento Limite municipal
Fonte: PDP2009. Organizado pelos autores.
496
Cad. Metrop., São Paulo, v. 14, n. 28, pp. 485-505, jul/dez 2012
Desafios para implementação de Zonas Especiais de Interesse Social em Fortaleza
Analisando-se algumas características
gestão municipal, o que provoca reações dos
das ZEIS, até aqui aprovadas em termos quan-
movimentos sociais. Todavia, as ZEIS, ponto de
titativos, é possível tecer algumas considera-
maior destaque do referido PD, têm consegui-
ções: o número de ZEIS tipo I (favela) represen-
do ser alvo de discussão, quase sempre atre-
ta pequena parcela do universo de ocupações
lada à agenda de debates sobre intervenções
irregulares identificadas na cidade; o total em
urbanas conduzidas pelo Estado e, por vezes,
hectares das ZEIS tipo III (vazios e edificações
indo em desencontro aos interesses de inves-
subutilizadas) representa pouco mais de 60%
tidores privados.
do total de ZEIS tipo I; a área média dos assen-
Inserida no PDFor a partir de proposta
tamentos habitacionais de interesse social (ZEIS
formulada pelos movimentos sociais, com o
Tipo II) correspondente a 2,4 hectares indica o
apoio de organizações não governamentais, as
pequeno porte dos conjuntos realizados pelo
ZEIS tendem a ser alvo de disputas territoriais.
município nesta fase pós-BNH; a ocorrência de
O acompanhamento desta dinâmica urbana
34 ZEIS tipo III indica a necessidade de política
tem fornecido elementos para compreender o
de combate à especulação fundiária, especial-
papel, a força e os interesses dos agentes so-
mente se considerarmos que, em média, cada
ciais envolvidos, visto que as áreas incluídas
um deles teria cerca de 20 hectares, represen-
como ZEIS possuem alto valor imobiliário, se-
tando quase cinco vezes a área dos conjuntos
jam elas ocupações, vazios urbanos ou terre-
municipais (ZEIS tipo II) (Ver tabela 1).
nos subutilizados. Os processos apresentados
Passados quase dois anos de sua apro-
a seguir buscam indicar os caminhos adotados
vação, observa-se que a implementação do
para aprofundamento dos estudos, em vias de
PDFor vem sendo lentamente conduzida,
realização, confirmando a adoção das ZEIS co-
demonstrando falta de interesse político da
mo objeto de nossa agenda de pesquisa.
Tabela 1 – Zonas Especiais de Interesse Social em Fortaleza – 2009 Características Número de áreas Área total (hectares) Área média (hectares) Número de áreas acima da média
Zeis Tipo I
Zeis Tipo II
Zeis Tipo III
45
56
34
1067,7
136,64
661,3
23,7
2,4
19,5
9
11
11
Fonte: organizado pelos autores
Cad. Metrop., São Paulo, v. 14, n. 28, pp. 485-505, jul/dez 2012
497
Renato Pequeno e Clarissa F. Sampaio Freitas
Realização de empreendimentos imobiliários em ZEIS
Reconhecimento das ZEIS pelo poder local e aproveitamento político
Mesmo antes da aprovação de um conjunto
Desde a aprovação do PDFor, o próprio poder
de ZEIS no conteúdo do PDFor, verificou-se a
local já demonstrou por algumas vezes ter a
aceleração da aprovação de empreendimentos
compreensão da importância das ZEIS como
imobiliários em terrenos inseridos em ZEIS do
instrumento da política urbana. Diante da pos-
tipo III (vazios urbanos e edificações subutiliza-
sibilidade de implementação de um estaleiro
dos), os quais foram protocolados logo após a
junto ao terminal portuário, numa parceria en-
divulgação do mapeamento anexado ao PDFor.
tre o Governo Estadual, a Transpetro e um in-
Estudos recentemente realizados revelam
vestidor do setor privado, a Prefeitura fez uso
que várias ZEIS situadas nas áreas de maior in-
da determinação da área como zona especial
teresse do setor imobiliário na faixa litorânea
pelo PD, impedindo assim a implantação do
ao leste, no eixo de segregação residencial
complexo industrial.
direção sudeste, nas frentes de expansão imo-
Ao se opor a este projeto de cunho de-
biliária, foram rapidamente ocupadas por con-
senvolvimentista, foi alegado que a reversão
domínios residenciais horizontais, desfazendo
da ZEIS, antes mesmo de sua implementação,
a complementaridade pretendida entre as ZEIS
desvirtuaria todo o esforço em realizar o PDFor,
tipo I – favelas e tipo III vazios.
garantindo com isso a permanência de mais de
Por outro lado, constata-se a periferiza-
5.000 famílias que seriam removidas da área.
ção das demandas oriundas do Programa Mi-
Mais ainda, que o uso industrial do setor es-
nha Casa Minha Vida para famílias com renda
taria se opondo diretamente à vocação do
inferior a três salários mínimos. Em sua grande
município, como porta de entrada de destino
maioria, esses novos empreendimentos imobi-
turístico. Tratando-se de área de propriedade
liários conduzidos pelo mercado imobiliário e
da União, a qual se encontra em fase de re-
associados ao poder local, vem sendo implan-
gularização fundiária, a mesma foi incluída na
tados nos municípios vizinhos a Fortaleza –
segunda edição do Programa de Aceleração do
Maracanaú e Caucaia – cuja conurbação com
Crescimento, a iniciar em 2011.
a capital se deu desde o período áureo do BNH através de grandes conjuntos habitacionais.
Recentemente, outra área conhecida como Campo do América, incluída no PDfor como
Vantagens locacionais como a disponibi-
ZEIS, de propriedade do Instituto Nacional de
lidade de terra barata e a doação de terras pe-
Serviço Social (INSS), foi alvo de ação positiva
los municípios para estes novos assentamentos
da Prefeitura. Ao ser divulgado sua inclusão em
têm contribuído para esta escolha, bem como o
processo de leilão para venda, a gestora muni-
caráter especulativo que esses empreendimen-
cipal entrou em cena dispondo-se a adquirir a
tos apresentam, visto que espaços vazios, ou
área com vistas à implantação de equipamento
mesmo subutilizados, remanescem nos bairros
social voltado para o desenvolvimento e forta-
intermediários e mesmo periféricos de Fortaleza.
lecimento da comunidade.
498
Cad. Metrop., São Paulo, v. 14, n. 28, pp. 485-505, jul/dez 2012
Desafios para implementação de Zonas Especiais de Interesse Social em Fortaleza
Outros projetos urbanísticos e habita-
após a aprovação pela Câmara, que a mesma
cionais vêm sendo implementados visando
não mais constava do plano. Estudos iniciais
atender a demandas localizadas, definidas
divulgados pelo Governo Estadual mostraram
mesmo antes do PDFor, como o Projeto Vila
que as vias lindeiras a essa comunidade seriam
do Mar, que envolve a maior ZEIS de Fortale-
alargadas, bem como viadutos e mesmo um
za, com mais de 280 hectares, compreendendo
ramal de sistema de veículos leve sobre trilhos
três bairros da cidade. Nesse caso, vem sendo
seriam implantados sobre essa área.
construídas 1.500 unidades habitacionais em
Diante das pressões dos movimentos so-
vazios situados nas proximidades, somadas a
ciais, a Prefeitura recuou e encaminhou à Câ-
3.000 melhorias habitacionais e 7.000 ações de
mara Municipal projeto complementar. Entre-
regularização fundiária, todos eles associados
tanto, foi inserido artigo que diz:
a um antigo projeto urbanístico de avenida paisagística a beira-mar, que previa a remoção das famílias para conjuntos periféricos. Diante dessas situações, é possível reconhecer a ocorrência de reversão de procedimentos e prioridades por parte do município, ainda que se mantenha em condições precárias a interoperabilidade entre os órgãos e os programas.
Parcerias público-privadas, megaeventos e fragilização das ZEIS
Art. 5º– Fica a Chefe do Poder Executivo, em consonância com o que estabelece o artigo 4o., autorizada a, por decreto, estabelecer exceção aos parâmetros urbanísticos da área em que está inserida a ZEIS 1 do Lagamar, quando o interesse público justifica, ou quando estiverem envolvidas ações de infraestrutura viária ou infraestrutura urbana ou ambiental, ou ainda, quando se tratar de projetos que tenham relação com a Copa 2014. (Projeto de lei complementar, 21/12/2009) Assim, mesmo que se tenha nomeado
Todavia, as manifestações do poder público
um conselho gestor reunindo representantes
têm sido contraditórias, demonstrando ambi-
da comunidade e do município, e que venham
guidade na forma de compreender o instru-
a ser desenvolvidas as diferentes etapas (o
mento, ao condicionar a inclusão de determina-
diagnóstico específico da área, a normatiza-
da área de ocupação como ZEIS à necessidade
ção especial de parcelamento, edificação, uso
de sua remoção em caso de intervenções urba-
e ocupação do solo; os planos urbanísticos, de
nas associadas aos megaeventos esportivos.
regularização fundiária, de trabalho e renda e
No caso da ZEIS do Lagamar, onde vivem
de participação comunitária e desenvolvimento
mais de 3.500 famílias, a qual havia sido inclu-
social), fica a área à mercê de sua revogação,
ída nas propostas iniciais do PDFor a partir das
prevalecendo a definição técnica e os interes-
ações das lideranças comunitárias, verificou-se,
ses associados à Copa de 2014.
Cad. Metrop., São Paulo, v. 14, n. 28, pp. 485-505, jul/dez 2012
499
Renato Pequeno e Clarissa F. Sampaio Freitas
Desconhecimento quanto ao conteúdo urbanístico das ZEIS
Diversidade das condições de moradia nas ZEIS e nas vizinhanças
Outra questão associada à implementação das
Buscando-se compreender o conteúdo urbanísti-
ZEIS diz respeito à necessária complementari-
co das áreas definidas como ZEIS tipo I (favelas)
dade entre as ZEIS tipo I e tipo III, visto que,
com vistas à regularização fundiária, algumas
dada a falta de conhecimento prévio sobre o
análises prospectivas têm sido feitas no sentido
conteúdo urbanístico e habitacional das áreas
de conhecer a realidade dos índices de ocupação
de ocupação, pode levar à simples consolida-
do solo e, assim, poder estabelecer procedimen-
ção da condição precária em que as famílias
tos condizentes com a realidade social.
se encontram.
Estudos realizados em ocupação com
No caso, é importante ressaltar que, de
200 unidades domésticas, situada no litoral
acordo com estudos realizados em 2004 por
oeste de Fortaleza, mostraram que 70% dos
consultores contratados pela Prefeitura, foi in-
lotes apresentam área inferior a 60,0 m2, invi-
cluído, em projeto de lei, a adoção como área
áveis de serem regularizados caso a área mí-
mínima a ser regularizada, em se tratando
nima exigida pelo município para implantação
de áreas de ocupação, 25,0 m , com taxa de
de programas habitacionais de interesse social
ocupação máxima de 80%. Outrossim, desde
fosse o parâmetro adotado. Todavia, caso fos-
1999, o Município passou a adotar em sua lei
se considerado como limite para regularização
de uso e ocupação do solo, 60,0 m (4X15 m )
fundiária a área média do lote na ocupação, a
como área mínima de lote para conjuntos ha-
qual gira em torno de 36 m2, quase 30% dos
bitacionais de interesse social voltados para o
mesmos ficariam fora do padrão adotado.
2
2
2
reassentamento de famílias. Ambos os índices
Todavia, deve ser reconhecida a própria
supracitados, apesar de aleatórios, demons-
diversidade morfológica presente nas áreas de
tram o desconhecimento da realidade nessas
ocupação no que se refere aos padrões urbanís-
áreas, apresentando, no primeiro caso, o sé-
ticos, visto que, dependendo da sua localização
rio risco de viabilizar a regularização fundiá-
na cidade, as mesmas podem ainda dispor de
ria associada à inadequação domiciliar e, no
espaços para a expansão dos domicílios para
segundo, o estabelecimento de modelos de
os fundos dos terrenos ou, em caso de ocupa-
ocupação superadensados e com dificuldade
ções mais antigas, prevaleça como alternativa
de expansão.
a sua autoverticalização.
500
Cad. Metrop., São Paulo, v. 14, n. 28, pp. 485-505, jul/dez 2012
Desafios para implementação de Zonas Especiais de Interesse Social em Fortaleza
De acordo com resultados preliminares
de infraestrutura e mobilidade, tendem a ser
feitos junto às ocupações consideradas como
mais densamente e intensamente ocupadas, no
ZEIS que representam as diferentes tipologias
sentido de complementar a renda, até como es-
socioespaciais nas quais se estrutura a Região
tratégia de resistência de seus moradores para
7
Metropolitana de Fortaleza, verificou-se que a
conseguir permanecer na área.
localização, a valorização imobiliária e a com-
Por outro lado, as áreas mais distan-
posição sócio-ocupacional dos bairros em que
tes e em condições precárias apresentam
as mesmas encontram-se inseridas interferem
áreasmaiores, menor número de pessoas por
diretamente nos rendimentos da família, nos
unidade doméstica e por conseguinte maior
padrões urbanísticos e de moradia.
quantidade de área por habitante. A significa-
Destaca-se que a diminuição da renda
ção desses indicadores se amplia se conside-
média familiar e a redução do número de pes-
rarmos os valores supracitados, estabelecidos
soas por domicílio seguem a hierarquia social
nos projetos de lei de regularização fundiária
em que as tipologias foram definidas, enquan-
(25 m2), indicando que a área média por famí-
to a área média do lote e o número de metros
lia em áreas de ocupação é bastante superior,
quadrados por habitante aumentam contra-
aproximando-se da área do lote para conjuntos
riando a mesma hierarquia. Isso pode signi-
de habitação social previstas pela lei de uso e
ficar que as favelas bem localizadas, dotadas
ocupação do solo.
Tabela 2 – Indicadores urbanos – ZEIS em relação às tipologias socioespaciais – 2010 Comunidade: tipologia – características urbanas
Renda (S.M.)
Hab./UH
Área média do lote (m2)
M2/hab.
2
5,3
46
8,7
Lagamnar: média superior, entorno do centro
1,9
4,7
46,4
9,9
Caça e pesca: média, frente expansão imobiliária
1,8
4,1
66,7
16,3
Barra do Ceará: popular operária, conjuntos HIS
1,8
3,9
66,4
17
Planalto do Pici: inferior – bairros precários
1,5
4,3
69,5
16,2
Campo do América: superior, zona nobre central
Fonte: organizado pelos autores.
Cad. Metrop., São Paulo, v. 14, n. 28, pp. 485-505, jul/dez 2012
501
Renato Pequeno e Clarissa F. Sampaio Freitas
Considerações finais
suas relações de poder e com seus interesses, a realização de ações de exigibilidade de direitos pela sociedade civil pode vir a render
Retomando o encadeamento entre as ques-
resultados positivos. Tudo isso denota que es-
tões que norteiam este trabalho, reforça-se,
tamos diante de um processo, ainda em fase
para o caso de Fortaleza, a interligação entre
embrionária, cujos efeitos, acredita-se pode-
o crescimento acelerado de sua favelização
rão vir a ser percebidos no médio prazo.
e a necessidade de adoção de instrumentos
Mais recentemente, observa-se que as
urbanos flexíveis capazes de atender às de-
reações da sociedade passam a ter efeitos
mandas diversificadas que a cidade informal e
prolongados e educativos, na medida em que
espontânea tem apresentado. Todavia, diante
o próprio poder local passa a reconhecer a
de ambiente político institucional desfavorá-
importância da adoção de processos partici-
vel e precário, as tentativas de implementa-
pativos, que possam garantir legitimidade aos
ção de políticas urbana e habitacional, enfren-
mesmos. No caso, o Plano Municipal de Ha-
taram dificuldades cujos efeitos perversos da
bitação de Interesse Social de Fortaleza, em
dissociação entre as mesmas se reiteram nas
realização desde meados de 2010, é possível
precárias condições de moradia.
reconhecer, como diferencial positivo em rela-
Progressivamente, observa-se que se abrem perspectivas favoráveis para que as
ção aos anteriores, sua realização no âmbito da própria Prefeitura.
mudanças venham a ser implementadas. É
Configura-se, dessa maneira, um avanço
possível reconhecer que as condições para
na forma recente de planejar a cidade, visto
que o debate seja estabelecido encontram-se
que, nas últimas duas décadas, grande parte
melhoradas, ainda que a responsabilidade re-
do planejamento urbano foi terceirizada. Com
caia sobre a sociedade civil. Graças às diretri-
isso, além do desperdício da possibilidade de
zes e aos instrumentos presentes no Estatuto
formação de recursos humanos das próprias
da Cidade, processos que outrora consegui-
instituições envolvidas, transferiu-se para con-
riam passar despercebidos, favorecendo os in-
sultorias privadas a responsabilidade de formu-
teresses de certos grupos e parcerias, podem
lar as diretrizes da política urbana municipal.
agora ser compelidos e enfrentados pela sociedade civil.
Toma parte destes trabalhos a organização de diagnóstico das áreas de favela do mu-
O exemplo aqui apresentado com o ca-
nicípio voltado para indicar o dimensionamen-
so da revisão do Plano Diretor de Fortaleza,
to real do problema habitacional, bem como
enfocando a inserção das ZEIS no seu conte-
o estabelecimento de programas classificados
údo, inclusive especificando as áreas a serem
segundo diferentes linhas de ação. Com isso,
contempladas é emblemático. Através do
um novo universo das condições de moradia
mesmo é possível demonstrar que, ainda que
precária em Fortaleza tende a ser revelado,
o Estado não se mostre favorável à adoção
ampliando com isso a responsabilidade da im-
de determinadas práticas que colidam com
plementação das ZEIS como instrumentocapaz
502
Cad. Metrop., São Paulo, v. 14, n. 28, pp. 485-505, jul/dez 2012
Desafios para implementação de Zonas Especiais de Interesse Social em Fortaleza
de promover a regularização fundiária, resistir
Ressalta-se, todavia, que as questões
à especulação imobiliária e fomentar as prá-
aqui apontadas decorrem de análises ainda
ticas de planejamento e gestão participativos.
não conclusivas, mas que já indicam que,
Alguns processos foram aqui elencados,
desde a inserção desses instrumentos no pla-
os quais se associam à atual política urbana e
nejamento urbano do município e, mantida a
habitacional de Fortaleza: a realização de em-
vigilância e as articulações dos movimentos
preendimentos imobiliários em ZEIS, o uso po-
sociais urbanos, é possível que se possa vir
lítico das mesmas pelo poder local, a organiza-
a obter êxito na sua implementação. Além
ção de parcerias público-privadas associadas
disso, deve ser mencionado que as ZEIS co-
a megaeventos, fragilizando os instrumentos,
mo instrumento da política urbana municipal
além do desconhecimento quanto ao conteúdo
ainda requer estudos mais aprofundados,
urbanístico e à diversidade das condições de
deixando claro suas possibilidades positivas
moradia nas zonas especiais e nas vizinhanças.
de intervenção em prol de uma cidade so-
Todos eles indicam a presença de conflitos e
cialmente mais justa, porém com debilidades
disputas territoriais, em que os diferentes ato-
recorrentes que possam vir a comprometer
res tendem a explicitar seus interesses, abrin-
seus objetivos.
do-se o debate em torno da questão fundiária.
Deve ainda ser destacado que os estu-
Na atual conjuntura, apesar da disponi-
dos aqui apresentados correspondem a tenta-
bilidade de recursos para produção habitacio-
tivas de investigação a respeito do conteúdo
nal pelo Estado, as dificuldades em obter terre-
das áreas a serem beneficiadas com o instru-
nos para sua implementação demonstram que
mento das ZEIS, o qual traz como principal ca-
esse instrumento pode vir a ser adotado pelo
racterística a flexibilidade de sua adoção de
Estado para ações de provisão habitacional.
acordo com seu conteúdo urbanístico.
Renato Pequeno Arquiteto e Urbanista. Doutor em Arquitetura e Urbanismo. Professor adjunto IV da Universidade Federal do Ceará – Departamento de Arquitetura e Urbanismo. Fortaleza/CE, Brasil.
[email protected] Clarissa F. Sampaio Freitas Arquiteto e Urbanista. Doutora em Arquitetura e Urbanismo. Professor adjunto I da Universidade Federal do Ceará – Departamento de Arquitetura e Urbanismo. Fortaleza/CE Brasil.
[email protected]
Cad. Metrop., São Paulo, v. 14, n. 28, pp. 485-505, jul/dez 2012
503
Renato Pequeno e Clarissa F. Sampaio Freitas
Notas (1) A partir da leitura do relatório, destaca-se a presença de áreas com alguns milhares de pessoas como o Pirambu (41 mil); Mucuripe (15 mil); Lagamar (14 mil); Verdes Mares/Trilho (13 mil); Moura Brasil e Serviluz (7 mil cada). Outras 19 áreas encontravam-se na faixa de 5 a 2 mil moradores. Atualmente, muitas destas áreas de ocupação remanescem, inclusive incluídas como Zonas Especiais de Interesse Social no Plano Diretor de Fortaleza, aprovado em março de 2009. (2) Pesquisa LabHab/FAUUSP realizada em 1999, sob a coordenação das professoras Ermínia Maricato e Laura Bueno, analisou o Programa de Urbanização de Favelas conduzido pela Cohab-CE, compreendendo o alcance geral do mesmo e realizando estudo de caso para área urbanizada. (3) A adoção das áreas de risco como alvo das ações do Habitafor tem como ponto de partida levantamento realizado pelo Centro de Defesa e Promoção de Direitos Humanos da Arquidiocese de Fortaleza, em 1998, o qual serviu de subsídio para a formulação de Plano de Intervenção em Áreas de Risco do HBB, realizado pela Comhab em 2001. Nesse levantamento foram contabilizadas 79 áreas com mais de 9.300 famílias. (4) As Zonas Especiais de Interesse Social (ZEIS) têm sido objeto de estudo de diversos pesquisadores na área do direito urbanístico e do planejamento urbano. No âmbito jurídico, as análises de Nelson Saule, Edésio Fernandes e Betânia Alfonsín na literatura especializada merecem ser ressaltadas. Os casos de Recife e Natal, abordados por Lívia Miranda e Dulce Bentes, respectivamente, se destacam por conta dos resultados obtidos com a implementação nestes municípios. Todavia, por conta da inserção deste instrumento como alternativa para a formulação de programas de regularização fundiária nos planos diretores revistos ou elaborados nos últimos anos, tende a ocorrer um maior espectro de situações a serem analisadas. O trabalho apresentado por Ferreira e Motsuke (2007) traz avanços no sentido de problematizar um estudo mais compreensivo sobre as possibilidades do instrumento como parte da política urbana municipal. (5) Atividades de capacitação realizada com recursos da OXFAM/ Comunidade Europeia, sob a coordenação da ONG Cearah Periferia em parceria com o Observatório das Metrópoles/Núcleo de Fortaleza, em março de 2006. (6) No caso de Fortaleza, desde o Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano de 1992, já se encontrava inserido o instrumento das Zonas Especiais de Interesse Social com uma nomenclatura diferente, vide os artigos 73º ao 76º, os quais tratam dos assentamentos espontâneos e suas possibilidades de urbanização e regularização fundiária. Todavia, nenhuma área veio a ser mapeada, fazendo com que este plano (ainda em vigor) seja progressista no seu conteúdo e ao mesmo tempo vazio na sua aplicabilidade e implementação. (7) Neste trabalho, adotou-se a metodologia utilizada pela Rede Observatório das Metrópoles, a qual classifica as áreas de ponderação de dados de cada metrópole segundo os percentuais e as densidades relativas das diferentes categorias sócio-ocupacionais predefinidas, as quais são obtidas a partir dos dados censitários do IBGE. Em cada uma das tipologias foi selecionada uma área de favela, incluída no PD de Fortaleza como ZEIS, para que se possa verificar as diferenças presentes em seus conteúdos urbanísticos e habitacionais. Maiores informações a respeito desse estudo podem ser obtidas em PEQUENO, R. (2009). Como Anda Fortaleza. Rio de Janeiro, Letra Capital. Disponível em: www.observatoriodasmetropoles.net.
504
Cad. Metrop., São Paulo, v. 14, n. 28, pp. 485-505, jul/dez 2012
Desafios para implementação de Zonas Especiais de Interesse Social em Fortaleza
Referências AZEVEDO, S. e GAMA, L. (1982). Habitação e poder. Rio de Janeiro, Zahar. CARDOSO, A. L. (2001). Política habitacional: a descentralização perversa. Cadernos IPPUR/UFRJ. Rio de Janeiro, pp. 105-122. CASTRO, J. L. (1976). A Planta de Fortaleza em 1887. Fortaleza (mimeografado) CEARÁ – Governo do Estado do, Secretaria do Trabalho de da Ação Social (1991). Assentamentos subnormais em Fortaleza, Fortaleza. CORREA, R. L. (1995). O espaço urbano. São Paulo, Ática. FERREIRA, J. S. W. e MOTISUKE, D. (2007). “A efetividade da implementação das zonas especiais de interesse social no quadro habitacional brasileiro”. In: BUENO, L. e CYMBALISTA, R. Planos diretores municipais: novos conceitos. São Paulo, Annablume. FORTALEZA – Prefeitura Municipal (1973). Programa integrado de desfavelamento. ______ (2009). Plano Diretor de Fortaleza (Lei 062/2009). PEQUENO, R. (2002). Desenvolvimento e degradação do espaço intra-urbano de Fortaleza. Tese de Doutorado. São Paulo, Universidade de São Paulo. ______ (2009). Como anda Fortaleza. Rio de Janeiro, Letra Capital. RODRIGUES, A. M. (2004). Estatuto da cidade: função social da cidade e da propriedade. Alguns aspectos sobre população urbana e espaço. Cadernos Metrópole n. 12, pp. 9-25. ROLNIK, R. (2001). Guia do Estatuto da Cidade. Brasília, Câmara dos Deputados. SMITH, N. (1988). Desenvolvimento desigual. Rio de Janeiro, Bertrand Brasil. SOUZA, M. L. (2001). Mudar a cidade. Rio de Janeiro, Bertrand Brasil. VILAÇA, F. (1999). Espaço intra-urbano no Brasil. São Paulo, Studio Nobel.
Texto recebido em 15/out/2011 Texto aprovado em 17/nov/2011
Cad. Metrop., São Paulo, v. 14, n. 28, pp. 485-505, jul/dez 2012
505