(Des)caminhos da autoridade no ambiente escolar: estudo sobre a práxis de um conceito

August 14, 2017 | Autor: Rodolfo Almeida | Categoria: Ethics, Legitimacy and Authority, Education, Ética, Educação
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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE SÃO PAULO

PÓS GRADUAÇÃO EM ÉTICA, VALORES E CIDADANIA NA ESCOLA.

(Des)caminhos da autoridade no ambiente escolar: estudo sobre a práxis de um conceito

RODOLFO CESAR MENDES DE ALMEIDA

Campinas 2012

RODOLFO CESAR MENDES DE ALMEIDA

(Des)caminhos da autoridade no ambiente escolar: estudo sobre a práxis de um conceito

Trabalho de Conclusão de curso apresentado ao curso de pós-graduação Latu-sensu em Ética, Valores e Cidadania na Escola oferecido pela Universidade de São Paulo em parceria com a UNIVESP e NASCE. Tutora: Profa. Ma. Mírian Lúcia Gonçalves Orientadora: Profa. Ma. Joyce Wassem

Campinas 2012

Agradecimentos Deixo aqui um sincero reconhecimento de gratidão para meus companheiros de caminhada nesta especialização, em especial, Cássia, Cris, Paulo, Marisa e Renata, pelos esforços, dificuldades, acertos, erros e, é claro, risadas – afinal, não é possível viver sem elas! – compartilhados. Agradeço a tutora Mírian por acompanhar nosso desenvolvimento durante o curso, puxando nossas orelhas quando necessário e elogiando-nos quando merecido. Também agradeço a tutora Joyce que, nesta fase final de elaboração, teve a paciência para acompanhar e orientar parte do difícil processo de dar uma forma definitiva para este trabalho. Quaisquer equívocos e erros são de minha total responsabilidade. Agradeço a todos meus colegas de profissão, professores e professoras, que colaboraram para o desenvolvimento desta pesquisa. Sem eles, qualquer esforço de pensar e transformar a educação torna-se estéril. Também agradeço a todos os meus alunos, pois é durante a vivência cotidiana em sala de aula que surgem questões e dilemas que precisam ser enfrentados caso se deseje tornar a escola um espaço cuja função central seja a formação ao invés do controle. A temática desta pesquisa teve origem nessa preocupação. Por fim, agradeço especialmente aos meus pais pelo constante apoio. Por mais que a distância física muitas vezes se imponha, eles estão e estarão sempre presentes, dando-me forças para seguir adiante.

Todo devir acontece em liberdade, não por necessidade. Søren Kierkegaard, Migalhas filosóficas

Resumo Nesta pesquisa foram investigadas de que maneiras a questão da autoridade no contexto escolar é alvo de reflexão e ação por parte de professores em exercício. Foram enfatizados os possíveis nexos entre autoridade e ética. A pesquisa foi realizada com o auxílio de questionários compostos por perguntas abertas e fechadas aplicados junto a professores de 4 diferentes escolas públicas estaduais localizadas na cidade de Campinas-SP. De viés predominantemente qualitativo, a leitura e organização dos dados coletados aproximaram-se metodologicamente da análise de conteúdo. A discussão com a bibliografia e com os resultados permitiram, entre outros pontos, concluir que a autoridade é percebida como necessária para a convivência humana em geral e para a relação pedagógica em específico, sendo que sua prática possui ênfases variáveis – com destaque para as categorias de controle, hierarquia, limites e respeito. Palavras-chave: Educação. Autoridade. Ética. Abstract In this paper it was inquired how the question of authority in the educational context is a matter of reflection and action by teachers who are currently in exercise. The possible links between authority and ethics received special attention. The inquiry was done with the help of surveys with closed and open questions that were applied to teachers of 4 different public state schools from the city of Campinas-SP. The interpretation and organization of the collected data was done mainly by a qualitative bias, with content analysis used as guiding methodology. Through the bibliographical discussion and the analysis of the collected data the results showed, among other things, that: authority is perceived as necessary for both human coexistence and pedagogical relationship; authority is exercised with a variety of emphasis – with the prominence of the categories of control, hierarchy, limits and respect. Keywords: Education. Authority. Ethics.

Lista de Tabelas Tabela 1. Perfil dos sujeitos participantes da pesquisa .....................................................

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SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO ...............................................................................................................

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2 GÊNESE E DESENVOLVIMENTOS DO CONCEITO DE AUTORIDADE .........

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2.1 Origens e primeiros usos do conceito de autoridade .........................................................

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2.2 Autoridade: entre a liberdade e a dominação ....................................................................

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2.3 Crise da autoridade: diagnósticos e alternativas ...............................................................

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3 A AUTORIDADE NA RELAÇÃO PEDAGÓGICA ...................................................

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3.1 Autoridade e autoritarismo ................................................................................................ 13 3.2 Autoridade e autonomia ....................................................................................................

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3.3 Autoridade e ética .............................................................................................................

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4 METODOLOGIA ...........................................................................................................

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4.1 Objetivos ...........................................................................................................................

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4.2 Caracterização da pesquisa e Instrumento ........................................................................

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4.3 Sujeitos ..............................................................................................................................

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5 AS NUANCES DA AUTORIDADE NA PRÁTICA DOCENTE ...............................

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5.1 Dinâmicas do controle e do domínio ................................................................................

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5.2 Os âmbitos do limite e do respeito .................................................................................... 35 5.3 Os intercâmbios entre autoridade e ética ..........................................................................

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5.4 Autoridade entre a escola e a sociedade ............................................................................ 46 6 CONSIDERAÇÕES FINAIS .........................................................................................

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REFERÊNCIAS .......................................................................................................................

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APÊNDICES ............................................................................................................................. 55

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1. INTRODUÇÃO Em um ensaio intitulado A crise na educação, publicado em livro pela primeira vez no ano de 1961, a filósofa Hannah Arendt discute, partindo do contexto norte-americano, mas não se restringindo a este, alguns dilemas e problemas enfrentados na contemporaneidade, mais especificamente no campo educacional, constante palco de polêmicas e disputas. Em um de seus questionamentos, Arendt aborda: O que podemos aprender dessa crise acerca da essência da educação – não no sentido de que sempre se pode aprender, dos erros, o que não se deve fazer, mas sim refletindo sobre o papel que a educação desempenha em toda civilização, ou seja, sobre a obrigação que a existência de crianças impõe a toda sociedade humana? (ARENDT, 2007, p. 234)

A resposta para essa pergunta não passa apenas pela discussão de opções pedagógicas. Uma crise na educação é o prolongamento de uma crise mais geral na sociedade moderna (ARENDT, 2007, p. 234). Com o tempo, as crises sucedem-se, alguns de seus aspectos são incorporados e o passado não pode ser resgatado a um teórico estado original das coisas: precisamos aprender a lidar com as mudanças do presente sem lamentar inativamente perante a imagem de tempos idos. Torna-se necessário agir no mundo, assumir responsabilidade, principalmente na atividade docente.

Na educação, essa responsabilidade pelo mundo assume a forma de autoridade. [...] A qualificação do professor consiste em conhecer o mundo e ser capaz de instruir os outros acerca deste, porém sua autoridade se assenta na responsabilidade que ele assume por este mundo (ARENDT, 2007, p. 239)

Por sua vez, “a escola não é de modo algum o mundo e não deve fingir sê-lo; ela é, em vez disso, a instituição que interpomos entre o domínio privado do lar e o mundo com o fito de fazer com que seja possível a transição, de alguma forma da família para o mundo” (ARENDT, 2007, p. 238). Logo, ser professor não é algo simples, uma mera execução técnica ou capacidade de administrar determinados conhecimentos. Nesta linha de raciocínio, a mediação representada pela relação professor-aluno torna-se um campo privilegiado de reflexão: de quais formas esta convivência pedagógica é objeto de reflexão por parte de seus envolvidos? Qual o entendimento da autoridade pelos professores? Como se constroem as relações de autoridade entre professores e alunos? Duas afirmações complementares podem emergir destas questões. Primeiro, colocar tais indagações é necessário em um momento em que a distância e o estranhamento entre as pessoas parecem aumentar nas sociedades

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modernas. Segundo, a revitalização da discussão de temáticas de ética e cidadania na escola é sintomática da necessidade de intervir, de tentar reconstruir um núcleo comum, por meio da educação, no qual a humanidade possa conviver diminuindo a desigualdade e a injustiça. As mudanças na educação, em seus diversos aspectos – formação de professores, expectativas da sociedade, currículo, materiais didáticos, cotidiano dos alunos etc –, devem ser encaradas com olhar crítico, na busca de alternativas para impasses. Consideramos que a educação atualmente é o campo preferencial para o confronto de diferentes significados (SILVA, 2001b). Desta forma, não se pode imaginar um percurso fácil ou aceitar descompromissadamente opiniões e propostas quando o assunto envolve educação. A proposta de vincular em uma mesma discussão autoridade, ética e cidadania não é, portanto, uma conjunção gratuita de conceitos, antes, torna-se um passo necessário para revitalizar as práticas pedagógicas no presente. Neste sentido, Valle procurou demonstrar que “a formação ética dos futuros cidadãos foi o primeiro, e foi também o mais constante sentido atribuído à ação educativa” (2001, p. 177). A articulação entre o resgate de uma autoridade docente baseada na responsabilidade com um ensino voltado para as dimensões éticas e cidadãs da convivência pode tornar novamente a educação o campo de desenvolvimento de utopias possíveis, a plataforma para a defesa de significados que afastem ou reduzam a mercantilização das relações educativas. O presente trabalho, com a intenção de analisar a relação entre ética e autoridade no espaço escolar, mais especificamente em sala de aula, com enfoque na relação entre professores e alunos, insere-se neste âmbito de debates na busca de alternativas para repensar o presente das práticas educacionais. Os dados para a pesquisa foram obtidos com professores de quatro escolas públicas da cidade de Campinas-SP. Imaginamos ser a reflexão sobre esta temática de importância crucial para vislumbrar caminhos possíveis da atuação docente no intuito de garantir um duplo objetivo. De um lado, relembrar que a atividade docente não é o desenvolvimento de uma técnica qualquer, um ofício repetitivo, uma linha de produção, e que, portanto, a existência ou criação de fórmulas mágicas está fora de cogitação. A dinâmica em uma sala de aula entre ética e autoridade na relação professor-aluno dificilmente pode ser resumida a um número definido de premissas ou fixada em um modelo ideal de atuação. De outro lado, elencar, por meio da inquirição junto a um grupo restrito de docentes, algumas das maneiras pelas quais as dinâmicas da autoridade são elaboradas no cotidiano escolar, enfatizando suas influências para dotar o espaço escolar de posturas e práticas éticas. Esperase, assim, contribuir para a reflexão sobre a educação nos conturbados e evasivos tempos do presente.

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Nas próximas páginas, são apresentados dois capítulos teóricos que abordam diferentes aspectos do conceito de autoridade. No primeiro deles, são expostas e discutidas as origens do conceito de autoridade, desde a Antiguidade Clássica até algumas de suas implicações contemporâneas, com destaque para sua conotação política e influência na vida pública. Destaca-se a dinâmica existente entre liberdade e dominação presente no cerne do conceito de autoridade e coloca-se em discussão a possível crise da autoridade na qual se encontram as sociedades modernas. No segundo capítulo o enfoque desloca-se explicitamente para abranger algumas relações possíveis do conceito de autoridade com o campo pedagógico. Neste movimento, três são os conceitos escolhidos para diálogo: autoritarismo, autonomia e ética. Suas relações com o conceito de autoridade, a partir de uma perspectiva educacional, funcionam como mote para introduzir diversas questões abordadas durante a análise dos resultados. Depois de esboçadas as trilhas teóricas, é apresentada a metodologia segundo a qual esta pesquisa foi desenvolvida. São destacados os objetivos, o instrumento de pesquisa e sua aplicação, os sujeitos da pesquisa e o método de análise. Após a metodologia, há a análise dos dados coletados. Nesta, o esforço constante foi dar voz aos sujeitos pesquisados e estabelecer diálogo com o arcabouço teórico apresentado. Diversas temáticas retornam, agora na tentativa de esboçar alternativas ou pontos de fuga perante impasses. Também novos impasses aparecem, vez ou outra. Questões já feitas e os objetivos estabelecidos são abordados, mas não de maneira definitiva: não se apresentam fórmulas ou soluções providenciais para os impasses das relações de autoridade no ambiente escolar. Nas considerações finais os objetivos são retomados e apurados tendo em vista toda a discussão realizada. Um esforço norteador das conclusões é apresentar caminhos possíveis para a ação. Em outras palavras, a intenção explícita é pensar a potencialidade do estabelecimento de uma práxis docente relacionada ao exercício da autoridade: aliar conhecimento teórico e experiência prática é necessidade premente para a efetivação de uma educação que valorize as relações humanas em sua positividade.

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2. GÊNESE E DESENVOLVIMENTOS DO CONCEITO DE AUTORIDADE 2.1. Origens e primeiros usos do conceito de autoridade Para o filósofo francês François Guillot, autoridade possui ligação com o verbo autorizar, o que leva à conclusão que “aquele que tem autoridade é aquele que autoriza” (GUILLOT, 2008, p. 13). Em uma relação entre pessoas, simétrica ou assimétrica, a autoridade seria característica e definidora daquele ou do grupo que detém a capacidade de decidir sobre algo e/ou autorizar algo. Sobre o histórico do conceito de autoridade, mais precisamente suas origens etimológicas, ele encontra alguma fixação no contexto da Antiguidade Romana: auctoritas, da raiz auctor, mantém relação com a ideia de autoria e de ação, de um sujeito dotado de autonomia, capacidade e responsabilidade para produzir conscientemente algo (ARENDT, 2007). Para Agamben (2004), na esfera privada romana o termo auctoritas designa a capacidade do pater familias de intervir em uma situação para validar o ato – autorizar – de um sujeito que, de outra forma, não seria capaz de, legalmente, realizar um ato; já na esfera pública, a autoridade seria a prerrogativa própria do Senado. Contudo, antes dos romanos, também os gregos aproximaram-se do terreno da autoridade, apenas não a definiram com total fixidez: filósofos importantíssimos para a tradição do pensamento ocidental como Platão e Aristóteles “de modo inteiramente diverso, mas a partir das mesmas experiências políticas, tentaram introduzir algo de parecido com a autoridade na vida política da polis grega” (ARENDT, 2007, p. 143). Por mais que tenha permanecido alguma indefinição para definir-se autoridade no contexto da Antiguidade grega, o esforço filosófico desempenhado a partir de Sócrates tem importância para a reflexão da vida política coletiva dos seres humanos, das características da cidadania e, por conseguinte, tergiversa o tema da autoridade mesmo sem precisá-lo de forma lapidar. No caso de Platão, um problema fundamental que nos interessa são suas considerações sobre o problema da coerção pela razão, sem a necessidade de apelo à violência: “aquilo que ele buscava era uma relação em que o elemento coercivo repousasse na relação mesma e fosse anterior à efetiva emissão de ordens” (ARENDT, 2007, pp. 147-148). Em outras palavras, parece que Platão buscava algo que hoje se poderia aproximar de uma autoridade constituída através do respeito e reconhecimento entre indivíduos inseridos em um contexto em que diferenciações hierárquicas estão presentes. Em sua meta de instituir o governo do filósofo-rei, Platão reconhecia a necessidade de este hipotético governo assentarse em bases justificáveis que evitassem a arbitrariedade:

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[...] o governo do filósofo-rei, isto é, a dominação dos negócios humanos por algo exterior a seu próprio âmbito, justifica-se não apenas por uma prioridade absoluta do ver sobre o fazer e da contemplação sobre o falar e o agir, mas também pela pressuposição de que o que faz dos homens humanos é o anseio por ver. [...] [Segundo Platão] os negócios humanos, os resultados da fala e da ação, não [devem] adquirir uma dignidade advinda de si próprios, mas se [sujeitarem] ao domínio de algo exterior ao seu âmbito (ARENDT, 2007, pp. 155-156).

Para Platão reconhecer no filósofo a pessoa mais apta para ver e analisar os negócios humanos implicaria a legitimação de sua autoridade para regulá-los. Por sua vez, Aristóteles continua por algumas das sendas abertas por Platão: afirma a superioridade do perito sobre o leigo, insistindo que “a necessidade deve ser controlada antes que a ‘boa vida’ política [bíos politikós] possa se iniciar e ela somente pode ser controlada pela dominação. Consequentemente, a liberdade para a ‘boa vida’ assenta-se na dominação da necessidade” (ARENDT, 2007, p. 159). Contudo, tais esforços gregos na reflexão sobre as relações humanas que poderiam ser ancoradas em um conceito de autoridade não lograram êxito, pois, nas palavras de Hannah Arendt,

As grandiosas tentativas da Filosofia grega para encontrar um conceito de autoridade que obstasse a deterioração da polis e salvaguardasse a vida do filósofo soçobraram devido ao fato de não existir, no âmbito da vida política grega, nenhuma consciência de autoridade que se baseasse em experiências políticas imediatas (ARENDT, 2007, p. 161).

Já os romanos, por meio do constante resgate e preservação do vínculo com o passado, legaram, como já dito, o conceito de autoridade para a posteridade. Diferentemente dos gregos, a ideia de autoridade não se centrava na possibilidade de construção de uma comunidade política ideal, mas na preservação da comunidade já estabelecida de Roma. Para os romanos, “participar na política significava [...] preservar a fundação da cidade de Roma” (ARENDT, 2007, p. 162). É precisamente este conceito de fundação que permite o consequente desenvolvimento do conceito de autoridade: o passado, para os romanos, surgia como uma força que não poderia ser deixada de lado, da qual dependia a existência e preservação das instituições romanas.

A autoridade, em contraposição ao poder (potestas), tinha suas raízes no passado, mas esse passado não era menos presente na vida real da cidade que o poder e a vida dos vivos. [...] A relação entre auctor e artifex de modo algum é a relação (platônica) existente entre o senhor que dá ordens e o servo que as executa. A característica mais proeminente dos que detêm autoridade é não possuir poder (ARENDT, 2007, pp. 164-165).

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Contudo, esta separação teórica entre autoridade e poder antevista por Arendt no contexto romano nem sempre é observada, ou melhor, pode ser constituída também por situações de exceção. “Por vezes se negou, explícita ou implicitamente, que existia o problema de identificar o que seja autoridade e poder: em particular por parte daqueles que usaram poder e autoridade como sinônimos”, escreve Mario Stoppino no verbete “Autoridade” do Dicionário de Política (BOBBIO; MATTEUCCI; PASQUINO, 1998, p. 88). Desta forma, percebe-se a importância central do debate sobre e da definição da autoridade no presente: a organização social em suas mais diversas esferas relaciona-se com esse conceito. Desvios no seu entendimento, sejam propositais ou não, podem oscilar a dinâmica instável entre liberdade e dominação nas relações humanas. 2.2. Autoridade: entre a liberdade e a dominação Também para o filósofo jurídico Giorgio Agamben, há uma área cinzenta entre os conceitos de autoridade e de poder, entre auctoritas e potestas: Com a categoria auctoritas – especialmente em sua contraposição a potestas – encontramo-nos diante de um fenômeno cuja definição, tanto na história do direito quanto, de modo mais geral, na filosofia e na teoria política, parece esbarrar com obstáculos e aporias quase insuperáveis. [...] É o sentido dessa "confusão" inscrita na reflexão e na práxis política do Ocidente que devemos [...] procurar compreender (AGAMBEN, 2004, pp. 115-117).

Entre a permissão para execução de um ato e as tentativas de controlar a ação dos outros a distância pode ser sutil. Estabelecer limites, particularidades, até mesmo convergências, entre autoridade e poder torna-se necessário para, por um lado, evitar o desenvolvimento de relações de dominação que excluam a necessidade de autonomia dos sujeitos e, por outro, incentivar a crítica e a ação responsáveis nas comunidades humanas. Mas, retornando-se ao mérito das aporias mencionadas por Agamben (2004): seu estudo da relação entre auctoritas e potestas desenvolve-se sobre o contexto da República e do Império Romanos, todavia, assume-se como problema central compreender quais as implicações destes desenvolvimentos para os dias atuais, mais especificamente em relação à prática moderna da soberania e às características do estado de exceção. Mesmo calcada na lei, a autoridade romana poderia suspender a lei – e também entrar em indistinção com a potestas – por meio de três medidas: o iustitium, o interregnum e o hostis indicatio. A primeira promove a suspensão temporária da ordem jurídica no intuito de salvaguardar a sobrevivência de Roma. A segunda envolve também uma situação em que as instituições estão em risco de

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dissolução e, para reafirmá-las, os patres auctores podem suspender temporariamente a potestas e governar em regime de exceção até que esta possa ser reativada. Por fim, o hostis indicatio é a suspensão dos direitos de um cidadão que tenha sido considerado pelo Senado como perigoso para a segurança do estado (AGAMBEN, 2004, pp. 121-123). O que se percebe com este retorno histórico-jurídico é que não se está discutindo algo novo, muito menos algo trivial: o que está em jogo é a existência de seres humanos em espaços coletivos, as formas nas quais são articuladas e geridas as coletividades, a comunidade humana. Neste sentido, a maneira pela qual a autoridade é instituída faz toda a diferença. Compreende-se o desalento de Hannah Arendt, ao constatar em fins de 1960, que [a terminologia da ciência política não distinguia] palavras chave tais como ‘poder’, ‘força’, ‘autoridade’, e, finalmente, ‘violência’ – todas as quais referem-se a fenômenos distintos e diferentes entre si e dificilmente existiriam não fosse a existência destes. [...] O emprego correto dessas palavras é uma questão não apenas de lógica gramatical, como também de perspectiva histórica” (ARENDT, 1985, p. 23).

Ao longo de seu argumento, Arendt estabelece as diferenciações que considera necessárias – mesmo que não observáveis em estado puro, totalmente separadas e independentes no mundo real – das quais se destacará apenas três: poder, autoridade e violência. O poder “corresponde à habilidade humana de não apenas agir, mas de agir em uníssono, em comum acordo. O poder jamais é propriedade de um indivíduo; pertence ele a um grupo e existe apenas enquanto o grupo se mantiver unido” (ARENDT, 1985, p. 24). A autoridade tem como característica “o reconhecimento sem discussões por aqueles que são solicitados a obedecer; nem coerção e nem persuasão são necessárias. [...] Para que se possa conservar a autoridade é necessário o respeito pela pessoa ou pelo cargo” (ARENDT, 1985, pp. 24-25). Por sua vez, a violência distingue-se pelo seu caráter mais instrumental, “do ponto de vista fenomenológico, está ela próxima do vigor, uma vez que os instrumentos da violência, como todos os demais, são concebidos e usados para o propósito da multiplicação do vigor natural até que, no último estágio de desenvolvimento, possam substituí-lo” (ARENDT, 1985, p. 25). Em uma situação concreta precisa-se então lidar com a dinâmica instável entre ação consentida e coletiva, respeito e possíveis tentativas de afirmação de uma vontade através de meios violentos. A existência de leis e regulamentos nas sociedades humanas, ao menos em seus princípios, costuma ter como uma de suas justificações a efetivação de algum equilíbrio e a prevenção contra abusos. Contudo, nada garante como infelizmente já

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observado diversas vezes na história da humanidade – por exemplo, em regimes autoritários e ditatoriais ou durante momentos de exceção em sociedades democráticas –, a utilização da lei em consonância com a violência para a efetivação de objetivos torpes. Neste sentido, novamente Agamben, provocativamente, instiga a reflexão sobre as conexões, muitas vezes implícitas, entre política, lei e violência:

A política sofreu um eclipse duradouro porque foi contaminada pelo direito, concebendo-se a si mesma, no melhor dos casos, como poder constituinte (isto é, violência que põe o direito), quando não se reduz simplesmente a poder de negociar com o direito. Ao contrário, verdadeiramente política é apenas aquela ação que corta o nexo entre violência e direito (AGAMBEN, 2004, p. 133).

Ao seguir essa linha de pensamento acredita-se que a necessidade de afirmar a separação entre violência e lei, para uma possível recuperação da política no presente, poderia ser auxiliada por um resgate da autoridade. Mas não de uma autoridade baseada na força, persuasão ou coerção. Também não de uma autoridade justificada e afirmada apenas por meio de leis: o esforço pela justificação e pela afirmação da autoridade nas mais diversas relações humanas – entre elas tanto o governo de um estado como as dinâmicas de uma instituição escolar – deve ser uma constante construção posta entre a legitimidade reconhecida de uma determinada posição – presidente, professor, entre outros – e o exercício do poder com que a mesma é investida. Nesse sentido, Machado salienta:

Naturalmente, o exercício do poder legitimamente constituído pressupõe a existência de uma autoridade: o poder encarna tal autoridade, de onde se origina. Um poder em que não se reconhece uma autoridade é necessariamente ilegítimo; e uma ação revolucionária pode encarnar uma autoridade que traduz um poder ilegal, ou mesmo ilegítimo. Complementarmente, uma autoridade que se funda apenas na legalidade é sempre precária, efêmera, sem vida (MACHADO, 2010, pp. 35-36, grifos nossos).

Em suma, é necessário ter consciência das implicações graves que o conceito de autoridade possui: sua imbricação com o conceito de poder e seu potencial desvio para relações de pura dominação não devem ser relegadas para segundo plano. Todavia, para além das relações da autoridade com outros conceitos centrais para as relações humanas, tem-se atualmente em diversos autores (RENAUT, 2004; ARENDT, 2007; GUILLOT, 2008; MACHADO, 2010) a preocupação de que a autoridade enquanto conceito fundador da convivência humana possa estar em crise ou ter chegado ao seu fim. Afinal, onde e como se encontra a autoridade na contemporaneidade?

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2.3. Crise da autoridade: diagnósticos e alternativas Quando fala-se de crise da autoridade, não se restringe às relações políticas constituintes da esfera pública da convivência humana. O sintoma mais significativo da crise da autoridade está no fato dela ter se espalhado por áreas como a criação dos filhos e a educação, as quais antecedem a prática política pública (ARENDT, 2007). Para Arendt, no mundo contemporâneo a autoridade perdeu sua sustentação com a fragilização dos vínculos entre passado e presente. Toma-se como exemplo o caso romano já citado anteriormente: na Roma da antiguidade, a autoridade estava diretamente vinculada com a preservação das origens da comunidade, com a fundação de Roma; a preservação desse passado, sob a responsabilidade do Senado, era a garantia da manutenção da autoridade no presente. Em outras palavras, a existência da autoridade no presente dependia do reconhecimento do passado enquanto campo de referência. Ao comentar a relação entre os conceitos de ação e fundação em Hannah Arendt, Leonardo Avritzer destaca que:

O que leva Arendt em busca de uma recuperação do conceito romano de autoridade [...] não é a tentativa de dar uma solução para o problema da institucionalização da ação, um dos problemas arendtianos por excelência, e sim a tentativa de explicar a disponibilidade das massas, o outro problema arendtiano (AVRITZER, 2006, p. 158).

Essa “disponibilidade das massas” torna-se um problema central de análise nas ciências humanas, principalmente após a consolidação das sociedades de massa. A preocupação especial recai sobre o surgimento e a ascendência ao poder de regimes totalitários, como o nazismo e o stalinismo, os quais revelaram a capacidade de barbárie de uma humanidade autoproclamada civilizada. Levando em consideração estas circunstâncias, a preocupação de Arendt não envolve uma nostalgia por um passado para o qual não podemos mais regressar, mas a esperança de encontrar um substituto com o qual re-fundar a autoridade. Neste sentido, comenta-se que “a autoridade que perdemos no mundo moderno não é esta ‘autoridade em geral’, mas antes uma forma bem específica, que fora válida em todo o mundo ocidental durante longo período de tempo” (ARENDT, 2007, p. 129). Em outras palavras, as pessoas ainda obedecem: ainda existem referenciais, todavia, estes escapam para o autoritarismo ou para a permissividade, desvinculados das ideias de ausência de coerção, de criação de vínculos coletivos e de preocupação com a continuidade da comunidade humana. Este caminho, entre autoritarismo e permissividade, revelou-se perigoso e mantém seu potencial tanto para a catástrofe quanto para o conformismo imobilista.

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Torna-se premente refletir sobre as questões que envolvem a noção de autoridade, pois o risco de sobreviver com a fragmentação da autoridade pode descambar para uma anomia generalizada nas relações humanas. Em consonância com esta preocupação, Arendt (2007, p. 142) indagou-se sobre “que espécie de mundo chegou a um fim após a época moderna ter não apenas desafiado uma ou outra forma de autoridade em diferentes esferas da vida, mas feito com que todo o conceito de autoridade perdesse completamente a validade?”. Vale destacar que a perda de validade do conceito de autoridade não descarta os seus já citados desvios: permissividade e autoritarismo. Nesta linha de argumento, pode-se afirmar que “a autoridade pela autoridade e o abandono da autoridade levam à cegueira sobre o que está verdadeiramente em jogo” (GUILLOT, 2007, p. 12). O diagnóstico para a modernidade até o momento não aparenta ser alentador, ainda assim é um procedimento necessário, pois, sem uma percepção minimamente clara sobre os problemas enfrentados, dificilmente encontram-se propostas de ação. O filósofo francês François Guillot, escrevendo mais de 40 anos após Hannah Arendt e estabelecendo um diálogo com a mesma, corrobora com a afirmação de que há uma crise na autoridade e explicita que esta

se manifesta no seio das famílias, nos estabelecimentos escolares, na desconfiança em relação aos poderes, particularmente o poder político. Ela se manifesta igualmente por meio do “declínio das instituições”, da proliferação das “incivilidades” (inclusive a dos “colarinhos brancos”), das intolerâncias culturais e dos retraimentos identitários (GUILLOT, 2008, p. 104).

Frente a esta perda de vínculos compartilhados pode-se também perceber a manifestação daquilo que Walter Benjamin classificou como decadência da experiência nas relações humanas (BENJAMIN, 1987). Junto com a decadência da autoridade caminhou o desgaste da capacidade humana de transmitir experiências: ambas, tradicionalmente, requeriam certa reverência pelo passado e, sobretudo, a paciência para ouvir e aprender com ele para, quem sabe, transformar algo no presente. Principalmente a partir do século XX, as relações humanas no e com o mundo aceleraram-se de tal forma que aparentemente tudo surge como fugaz, ou, como diz Benjamin (1987, p. 115) “uma nova forma de miséria surgiu com esse monstruoso desenvolvimento da técnica, sobrepondo-se ao homem”. Ainda assim, as sociedades humanas prosseguiram com a louvação do progresso técnico e também com a afirmação de algumas crenças no potencial humano que condiziam com a exacerbação do potencial individual do cidadão das democracias liberais:

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Instaurou-se um mito da criatividade como se cada indivíduo pudesse criar somente a partir de seus desejos sem um humo que os alimente. O mais dramático é que essa criatividade, sem o aperfeiçoamento de educadores responsáveis, nutre-se no balcão das modas, reduzindo assim os condicionamentos dominantes do presente sem o esclarecimento das lições do passado (GUILLOT, 2008, p. 84, grifos no original).

Corre-se o risco, com a perda de referências e o abandono do passado, de relegar tanto decisões importantes quanto a própria reprodução da vida humana aos encargos das dinâmicas de mercado das sociedades de consumo. Convém frisar que não se deseja o retorno a um moralismo ou a um tradicionalismo puramente conservador. Como Arendt (2007), acredita-se ser necessária uma justa combinação entre transformação e conservação: qualquer um dos dois polos considerado enquanto valor absoluto torna-se mais danoso do que positivo. Guillot parece compartilhar desta perspectiva também ao destacar como entende a importância desta dinâmica, ao dizer que:

O sentido está na maturação. Ele supõe um acompanhamento, e não apenas sob forma de controle. O que permite animar a busca do sentido em si mesmo, para uma criança, para um adolescente, é a transmissão. [...] A ausência de distância [entre as gerações] leva a uma confusão dos papéis e transforma a transmissão em um compartilhamento ilusório” (GUILLOT, 2008, p. 90, grifos no original).

Estabelecer a distância: enfatizar a necessidade de transmitir, efetivar um vínculo, a ligação entre passado e presente. Por que isto se perdeu, afinal de contas? Mais uma vez Arendt (2007) ajuda a refletir sobre tal ponto: para esta autora, são três os pressupostos que precipitaram a crise da educação. Em primeiro lugar, a crença na existência de um mundo particular das crianças, como se o conjunto delas compusesse uma micro-sociedade, criou o grave problema que “ao emancipar-se da autoridade dos adultos, a criança não foi libertada, e sim sujeita a uma autoridade muito mais terrível e verdadeiramente tirânica, que é a tirania da maioria” (ARENDT, 2007, p. 230), assim, isolam-se as crianças em um mundo particular, deixando-as muitas vezes sob a responsabilidade de uma autonomia que ainda não desenvolveram plenamente. Em segundo lugar, “a Pedagogia transformou-se em uma ciência do ensino em geral a ponto de se emancipar inteiramente da matéria efetivamente ensinada” (ARENDT, 2007, p. 231), o que ocasionou duas consequências nefastas: por um lado, o abandono dos alunos aos seus próprios recursos, por outro, a diminuição da importância da autoridade advinda do conhecimento do professor sobre a sua especialidade. Por fim, o terceiro pressuposto seria o de que só seria possível compreender e conhecer aquilo que nós mesmos fizemos, a substituição do aprendizado pelo fazer e do trabalho pelo brincar, em resumo, “aquilo que, por excelência, deveria preparar a criança para o mundo dos adultos, o

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hábito gradualmente adquirido de trabalhar e não de brincar, é extinto em favor da autonomia do mundo da infância” (ARENDT, 2007, p. 233). Tais constatações precedem a questão citada na introdução acerca da crise da educação. Por sua vez, também Guillot coloca-se dúvidas semelhantes:

Diante dessa pane da autoridade educativa, o que deve e o que pode fazer um professor? [...] diria que as três questões pedagógicas fundamentais de um professor hoje são: “o que devo fazer? O que posso fazer? O que lhes [os alunos] é permitido esperar?” (GUILLOT, 2008, pp. 121-122).

Na premência por alternativas não se pode fingir a inexistência dos problemas e dilemas. Colocá-los de maneira clara e objetiva foi o intuito até o momento, para que na sequência possa-se vislumbrar possibilidades de compreender o conceito de autoridade para, talvez, propor formas de resgatá-lo na contemporaneidade. O destaque daqui em diante estará centrado com ênfase na relação pedagógica, afinal, esta é uma das principais instâncias para a garantia do presente e para a continuidade do futuro da humanidade. A educação deve, de alguma forma, cumprir a função de inserir no mundo aqueles que nele estão ingressando: caso contrário, outras instâncias o farão, talvez com resultados desagregadores, contribuindo ainda mais para a fragmentação das relações humanas. Assim, concorda-se com Guillot, quando este afirma que:

O professor tem uma função de transmissão de um patrimônio cultural que o situa entre a tradição que ele mantém e a criação cujas condições de possibilidade instaura. Nesse entremeio, ele fica exposto a dois obstáculos: o dogmatismo saudosista e a não-diretividade laxista. Para seguir em uma linha de mediação, deve articular então as duas exigências da profissão: a exigência didática e a pedagógica. [...] [O dever didático do professor é] vulgarizar sem traição e fazer com que se aprenda pela ação. [...] [A missão pedagógica do professor é] organizar condições facilitadoras das aprendizagens dos alunos (GUILLOT, 2008, p. 126, grifos no original).

Nem sempre encontrar o caminho da mediação é a opção mais simples, ou, mais fácil. Só que, ao se considerar a ampla responsabilidade intrínseca à função do professor, fazse necessário articular teórica e praticamente alternativas para ações conscientes que cumpram tanto as exigências didáticas quanto pedagógicas. Espera-se que deslocar a discussão sobre autoridade para o campo educacional proporcione reflexões sobre tais alternativas.

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3. A AUTORIDADE NA RELAÇÃO PEDAGÓGICA 3.1. Autoridade e autoritarismo Tendo em vista as discussões propostas até o momento, percebe-se que não é possível em definitivo considerar o conceito de autoridade da vida pública em geral e o conceito de autoridade do ambiente escolar em específico como fenômenos totalmente distintos. Na verdade, apresenta-se enquanto necessidade premente trazer para a arena pedagógica noções e conceitos que concernem à vida humana pública em geral. Especificamente sobre o conceito de autoridade, há interdependência e diálogo constantes entre as esferas pelas quais ele pode operar. Muitos dos questionamentos feitos sobre o conceito de autoridade em geral podem ter uma riqueza peculiar quando colocados em perspectiva em análises pedagógicas. Que se destaque o caso importante da distinção, com frequência discutida nas ciências sociais, entre autoridade e autoritarismo. No Dicionário de Política, encontra-se a seguinte definição para autoritarismo:

A autoridade, no caso [do autoritarismo], é entendida em sentido particular reduzido, na medida em que é condicionada por uma estrutura política profundamente hierárquica, por sua vez escorada numa visão de desigualdade entre os homens e exclui ou reduz ao mínimo a participação do povo no poder e comporta normalmente um notável emprego de meios coercitivos (BOBBIO; MATTEUCCI; PASQUINO, 1998, p. 94).

Com o autoritarismo, a hierarquia, o controle e a disciplinarização são afirmados enquanto valores absolutos. O sentido de criação e renovação que pode advir de uma prática de autoridade centrada no respeito, no diálogo e na compreensão mútua são preteridos por uma visão centrada na ideia de domínio e manutenção do status quo. Pedagogicamente, o autoritarismo também implica no cerceamento de potencialidades: se a direção e coordenação da escola adotam o autoritarismo como prática recorrente, a liberdade de trabalho dos docentes é cerceada, assim como a liberdade de expressão e convivência dos alunos; se um(a) professor(a) abraça o autoritarismo como forma essencial de controle em sala de aula, o espaço para diálogo com os alunos é reduzido, consequentemente, dificulta-se o desenvolvimento de aprendizagens efetivas; também o autoritarismo na relação entre os professores pode criar um clima desfavorável para a troca construtiva de experiências. Fica evidente, portanto, que social e pedagogicamente, existem diferentes possibilidades de entender e colocar em prática a autoridade. Trilhando um caminho já aberto por Davis; Luna (1991), pode-se tomar como um ponto de partida para reflexão a seguinte questão: “se há diferentes modalidades de autoridade, qual é aquela que, legitimamente, deve

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ser exercida pelo professor?” (p. 65). A legitimidade, no caso, deve caminhar unida com a intencionalidade: quais são os objetivos, assumidos e implícitos, de um modelo educacional? Pressuponha-se que a educação caracteriza-se pela ênfase no humano, na capacitação, através da transmissão de conhecimentos, que permita, de uma maneira com a qual concordaria Arendt (2007), às novas gerações apropriarem-se da tradição com a potencialidade de renovar o mundo. Então, ao assumir uma conexão necessária entre educar e emancipar, pode-se afirmar que a autoridade “não é um conceito abstrato: é tanto uma qualidade investida em alguém quanto uma decorrência do reconhecimento da habilidade de um indivíduo promover outros” (DAVIS; LUNA, 1991, p. 68). Tanto a qualidade quanto o reconhecimento da autoridade podem variar no contexto escolar e sociopolítico De maneira um tanto simplificada, Davis; Luna (1991) propõem a distinção entre dois tipos de autoridade, uma autoritária e outra liberal, e também dois tipos de obediência, uma servil e outra libertadora. A autoridade autoritária seria acompanhada pela obediência servil, já a autoridade liberal seria acompanhada pela obediência libertadora (DAVIS; LUNA, 1991). É destacada a necessidade da obediência nas relações humanas em geral e na relação pedagógica em específico, com a ressalva de que o ato de obedecer não pode ser um fim absoluto, em sincronia com uma concepção autoritária de autoridade. Até o momento evidencia-se o benefício que a aproximação entre as esferas política e pedagógica permite para o entendimento do conceito de autoridade de uma maneira ampla. Também Guzzoni (1995, pp. 20-21) corrobora tal procedimento quando afirma que “parece possível, assim, que a questão da autoridade, na área política, pode iluminar aquela que se passa na relação pedagógica”. Ainda para esta autora, existem dois modos de conceber a autoridade: de um lado, a autoridade que escraviza, centrada na coerção e na violência, e que pode ser identificada com o autoritarismo; de outro, a autoridade libertadora, centrada no desenvolvimento da autonomia dos sujeitos (GUZZONI, 1995). Com isso abre-se espaço para um tema rico, que envolve os laços possíveis entre autoridade e autonomia e que será abordado logo adiante. A assunção de uma negatividade presente na ideia de autoritarismo parece ser característica corrente na maioria das análises. Neste sentido, outro autor que atenta para a necessária distinção entre autoridade e autoritarismo na educação é Machado (2010), ao afirmar que:

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o que distingue as duas noções é um fato simples: toda autoridade em sentido humano é exercida em determinado âmbito e tem limites que não pode ultrapassar. [...] Qualquer autoridade externa que não respeite os limites que constituem essa marca da pessoalidade de cada ser humano é absolutamente indevida, ilegítima. [...] O exercício de uma autoridade dentro dos limites que a constituem é absolutamente justo e necessário; o autoritarismo é sempre uma extrapolação de âmbitos, um desrespeito aos limites, [contudo], abdicar do exercício da autoridade no âmbito de sua competência constitui um desvio indesejável (p. 41-42).

Ao vincular âmbitos e limites a um conceito de autoridade legítima, Machado aproxima-se das ideias defendidas por Davis; Luna (1991) e Guzzoni (1995). Em suma, refuta o autoritarismo enquanto alternativa para a gestão das relações humanas, tanto política quanto pedagogicamente. Mas não somente, pois esclarece também sobre o perigo da ausência do exercício de autoridade por parte do professor, o que consistiria em um desvio indesejável, a prevaricação. Eximir-se de responsabilidade, negando a autoridade, pode ser tão prejudicial quanto professar um autoritarismo estrito. Para Machado (2010, p. 69), a autoridade dos professores “decorrerá de sua capacidade de assumir a responsabilidade pelo mundo que é apresentado aos alunos, pela organização social que os recebe”. O estabelecimento de âmbitos e limites relacionados com um conceito de autoridade docente responsável, não autoritária, dialoga com outro conceito importante: tolerância. Entendida como uma disposição paciente de compreender diferenças, sem deixar que haja sobreposição violenta de vontades individuais, a tolerância partilha com a autoridade um campo de ação profícuo. Outra marca da tolerância é a força de oposição que celebra contra o autoritarismo, ao operar enquanto ferramenta dialógica ao invés de dominadora. A associação entre autoridade e tolerância é destacada por Machado, que considera:

o exercício da autoridade e a inerente responsabilidade associada exigem o reconhecimento do outro, o respeito pelas diferenças, a confiança na palavra em busca de consensos mínimos, uma fusão de horizontes que viabilize a ação comum: em uma palavra, a tolerância. [...] [A ideia de âmbito, de limite,] aproxima as noções de autoridade e de tolerância: assim como toda autoridade tem limite, a tolerância também o tem (MACHADO, 2010, p. 56).

Com isso, tem-se que a autoridade aliada à tolerância não impõe uma vontade unidirecional do professor sobre os alunos. As ações entre diferentes sujeitos são negociadas de forma que possa existir uma convivência em que a coerção não seja a regra. Por sua vez, a noção de limite, presente no conceito de autoridade, também é importante para a tolerância: para o professor, tolerar não é aceitar tudo. A aceitação das diferenças não deve estabelecer uma situação na qual tudo vale, antes, o papel de autoridade docente permite o exercício de

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uma força que negocia e articula as diferenças com o objetivo de que convivam, troquem experiências e construam algo coletivamente. Para se construir o conhecimento, individual ou coletivamente, junto aos alunos não basta apenas reproduzir o que já está dado, obedecer regras, copiar textos, realizar exercícios. É necessário compreender minimamente as razões do estabelecimento das regras, os significados dos textos, os objetivos da realização dos exercícios. Para possibilitar tais desenvolvimentos, a autoridade docente tem grande importância. Neste sentido, como já citado acima, é a autoridade educativa libertadora aquela que incentiva o desenvolvimento da autonomia dos educandos. De acordo com Guzzoni (1995, p. 32),

[...] a disciplina que se busca não é aquela na qual o aluno obedece ao professor, temeroso de errar ou de conturbar a sala, disciplina esta qualificada de ‘disciplina do silêncio’. Ao contrário, almeja-se aquela em que o aluno participa ativamente das atividades escolares, questionando o professor, relacionando-se com seus colegas, discutindo e opinando sobre as questões colocadas.

A autoridade deve auxiliar no desenvolvimento da disciplina em sala de aula, mas não por meio do cerceamento da participação do aluno na construção do conhecimento. A coerção e a coação não deixarão de existir, mesmo porque são necessárias para se evitar o caos generalizado, ou, nas palavras de Machado (2010, p. 29), porque “não existe liberdade no sentido de uma total ausência de coação”. Por sua vez, a liberdade associa-se “ao exercício e à vivência da liberdade com responsabilidade” (MACHADO, 2010, p. 29). Tal responsabilidade no exercício da liberdade depende intrinsecamente do desenvolvimento da autonomia, tanto dos docentes quanto dos alunos. 3.2. Autoridade e autonomia O surgimento explícito da temática da autonomia merece atenção e exploração teórica cuidadosa. Um questionamento preliminar, e necessário, é se autoridade e autonomia estão de alguma forma relacionadas. Como visto acima, Guzzoni (1995) defende tal vínculo e Machado (2010) amplia o espectro deste ao relacionar uma forma específica de autoridade com a disciplina positiva, a liberdade e a responsabilidade, sendo que estas dependem da autonomia para afirmarem-se enquanto práticas cotidianas. Com isso, um segundo questionamento parece pertinente para a discussão: de que maneira pode a autoridade auxiliar para o desenvolvimento da autonomia? Sem responder diretamente à pergunta, mas propiciando o mote para tal, De La Taille (1999) argumenta que

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[...] com exceção da autoridade instituída democraticamente, a grande maioria das relações de autoridade provém da falta, real ou pressuposta, de autonomia por parte de quem a ela se submete. [...] As instituições educacionais não são tanto o lugar do exercício da autonomia, mas sim da sua conquista (p. 13, grifos no original).

Novamente, nem toda autoridade é direcionada para fins positivos. Neste caso, o exercício da autoridade nas relações pedagógicas é exposto como algo que, em muitos casos, sobrepõe-se ao desenvolvimento da autonomia no sentido da afirmação de uma vontade por parte dos que ocupam local hierárquico superior. Em outras palavras, autoridade e submissão. Contudo, tal perspectiva não é generalizada para todas as formas de autoridade: reserva-se para a autoridade instituída democraticamente o potencial de romper o circuito de perpetuação da dominação e do controle. Esta interpretação da autoridade pedagógica – que dialoga com a autoridade liberal de Davis; Luna (1991), com a autoridade libertadora de Guzzoni (1995), e com a autoridade orientada para o respeito e para o estabelecimento de limites de Machado (2010) – estabelece o nexo com a ideia de que a autonomia não surge espontaneamente, mas deve ser construída através do tempo pelos sujeitos, deve ser conquistada. Também Davis; Luna (1991) consideram que “na ausência de qualquer simetria entre professores e alunos e, portanto, de qualquer diálogo, é ela [a autoridade] que permite, ao final do processo educativo, o encontro de iguais” (p. 69). Assim, é com uma autoridade que valorize o diálogo entre sujeitos em posições diferentes de poder que se vislumbra a compreensão, por parte dos sujeitos envolvidos, destes lugares de poder, suas justificativas e os possíveis pontos em que podem ser revistos e renegociados. Reconhece-se que, em primeiro lugar, é necessária a prática da autoridade que não seja puramente autoritária. Além disso, outros elementos que contribuem para que a prática da autoridade privilegie o desenvolvimento da autonomia são a sabedoria, a experiência e o estabelecimento coletivo de regras, sendo que, para Guzzoni (1995), tais elementos são “os principais aspectos da autoridade voltada para a autonomia do ser humano” (p. 22). A sabedoria representa os conhecimentos que o docente dispõe-se a compartilhar com os alunos. A experiência representa a capacidade do docente para utilizar seus conhecimentos de forma a criar situações favoráveis à aprendizagem. O estabelecimento coletivo de regras formaliza as relações entre os sujeitos escolares em uma espécie de contrato, o qual não é intocável e pode ser negociado coletivamente entre professor e aluno de acordo com o desenvolvimento da relação pedagógica.

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Pode-se acrescentar aos três elementos citados acima outro de suma importância: a liberdade. Conceito com consistência própria1, a liberdade possui relação estreita com a autoridade e a autonomia – os comentários já expostos sobre Machado (2010) apontam nesta direção. Parece que, em alguns casos, há uma relação de circularidade ou reciprocidade entre liberdade, autoridade e autonomia: como três pontos que transitam em uma circunferência compõem um todo único e criam diversos raios de contato, com a possibilidade de, nas relações humanas, criarem pontos de fuga para formas de existência mais democráticas e conscientes. Ainda sobre a liberdade, Guzzoni (1995) considera que “o sujeito, por um lado, é um ser determinado, pois se encontra em um meio social e culturalmente estruturado e, por outro lado, é livre para transformar esse ambiente físico e social, através de uma tomada de consciência das determinações que o cerca” (p. 44). A liberdade não é a permissão para cada indivíduo satisfazer egoistamente suas vontades. Ser livre, em um contexto social, significa compreender, utilizar e criar espaços de ação e transformação da realidade, de acordo com as condições históricas. No contexto escolar, a liberdade, para alunos e professores, cria-se e perpetua-se a partir da constituição de um ambiente dialógico: a existência de hierarquias no espaço escolar não significa que a liberdade do professor está subordinada ao diretor ou que a liberdade do aluno está subordinada ao professor. Levando em conta a circularidade e reciprocidade propostas entre autoridade, autonomia e liberdade, pode-se afirmar que as relações pedagógicas são um campo fértil para criar experiências que, simultaneamente, apropriem-se de formas de autoridade democráticas, incentivem o desenvolvimento da autonomia e promovam e respeitem as liberdades individuais e grupais. Todavia, resultados opostos também são possíveis: a autoridade autoritária pode prevalecer, a heteronomia pode ser a regra, e a punição e o cerceamento podem entravar o exercício da liberdade. Em suma, nenhum destes conceitos aparece pronto para uso, devem ser construídos em um processo que demanda vontade e esforço. Outro elemento a ser destacado para a relação entre autoridade e autonomia é o referente à transitoriedade:

[...] o caráter transitório dos conhecimentos é um elemento-chave para nossa reflexão sobre autoridade e autonomia como educadores. [...] O caráter transitório das relações, dos papéis sociais, das instituições sociais deixa espaço para uma liberdade de ação dos indivíduos. No entanto, ao mesmo tempo em que confere maior margem de escolhas, maior flexibilidade nas relações, mais referências 1

Para uma discussão detalhada sobre o conceito de liberdade cf. ARENDT, H. “O que é liberdade?”. In ARENDT, H. Entre o passado e o futuro. São Paulo: Perspectiva, 2007, pp. 188-220.

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identitárias, acrescenta, simultaneamente, mais insegurança, mais riscos e mais responsabilidade (SETTON, 1999, p. 80).

Em outras palavras, a transitoriedade é o reconhecimento da capacidade transformadora do tempo, consubstanciada este é preenchido por ações transformadoras. A consequente insegurança não deve ser impedimento: se autoridade e autonomia são consideradas a partir da perspectiva do diálogo e do respeito podem-se construir bases sólidas para a convivência responsável. A renovação dos conhecimentos pode ser parte da prática profissional cotidiana dos professores. A fixidez afirmada enquanto valor absoluto aparenta estar localizada em uma zona de conforto, contudo, esconde-se detrás dessa aparência o esvaziamento das possibilidades de aproximação com as referências cada vez mais profusas disponíveis para as novas gerações. Em síntese, não se trata de abandonar conteúdos e métodos costumeiros para adotar novos conteúdos e linguagens – muitas vezes ainda mais transitórios. Trata-se de encontrar certo equilíbrio entre os diferentes tempos: colocar em prática a dinâmica entre conservação e transformação sugerida por Arendt (2007). Por fim, um último elemento a ser relacionado com os conceitos de autoridade e de autonomia é o referente à mediação e à negociação. Como visto, Guillot (2008) enfatizou a importante da esfera da mediação para a efetividade da relação pedagógica. Também Machado (2010) compartilha desta visão e afirma que “não se pode pretender impor a percepção: é preciso negociar a abertura dos sentidos por parte dos alunos” (p. 75). Ao invés apenas de preocupações com ler, escrever e contar, o professor deve ensinar também a observar, a ver, a experimentar e a projetar (MACHADO, 2010). Assim, defende-se que a prática da autoridade em educação deve seguir caminhos que funcionem como meios para um desenvolvimento processual duplo da autonomia: que o professor tenha cada vez maior repertório e segurança para dialogar sobre seus conhecimentos; que os alunos reconheçam-se como corresponsáveis, especificamente, pelo próprio aprendizado e, em geral, pelo conjunto de suas atitudes. Sabedoria, experiência, estabelecimento de regras, liberdade, transitoriedade, mediação. Todos estes acréscimos propostos para a aproximação entre autoridade e autonomia coadunam com a visão de De La Taille (1999) de que “o duplo objetivo da educação é, por um lado, garantir a conquista da autonomia e da liberdade, por seus alunos e, por outro, ensiná-los que essa autonomia e essa liberdade não os subtraem a certas exigências do convívio social” (p. 19). Também as ideias sobre responsabilidade desenvolvidas por Arendt (2004; 2007) estão direcionadas para semelhante intento. A proposta de colocar em questão o convívio social – tanto suas exigências quanto sua possível transformação – traz

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para a pauta a necessidade de discutir outro conceito central para a sobrevivência humana enquanto coletividade: a ética. 3.3. Autoridade e ética Por si só, o campo de estudos da ética ou da filosofia moral possui uma riqueza que lhe é particular, com diversas linhas de evolução, convergentes e divergentes (EDWARDS, 2005). Para Abbagnano (2007), duas são as concepções fundamentais da ética, definida por ele como ciência da conduta: uma que privilegia os meios e outra que privilegia os fins. Para a primeira, as noções de natureza ou essência humanas são objeto central de reflexão na tentativa de definição das possibilidades de ação no mundo. Para a segunda, os motivos e/ou causas da ação humana no mundo é que recebem ênfase. Para ambas, a ideia de convivência coletiva é importante. Apesar desta dicotomia do campo das ideias, os desenvolvimentos da vida cotidiana costumam incorporar uma mescla destas concepções, tornando a ética uma questão que deve estar em constante debate, de acordo com as situações práticas encontradas. Entre tais situações práticas, aquelas propiciadas pela educação são essenciais para questionar os rumos e possíveis desvios da ética na contemporaneidade. Ao transpor a discussão ética para o campo educacional, De La Taille (1999) apresenta o seguinte dilema: Os ventos democráticos – muito bem-vindos – que sopraram sobre a escola não vieram sozinhos! Outros, como a invasão da esfera pública pela esfera privada, o consumismo, o mundo da informação, a tirania do dinheiro, o individualismo egoísta vieram juntos e, acredito, aproveitaram o espaço de liberdade aberto pela democracia para instalar novas condutas e mentalidades que nada têm de democráticas (DE LA TAILLE, 1999, p. 28).

Como lidar com as dificuldades advindas do aumento da liberdade, em si positivo, mas acompanhado por descaminhos negativos? Separação entre público e privado, limites do consumismo, uso da informação, tirania do dinheiro, individualismo egoísta: todos estes desafios atuais podem ser alvo de reflexões éticas que intervenham ativamente para a constituição de outras práticas. Estas, por sua vez, podem ter na escola um local privilegiado para discussão e efetivação junto aos jovens. Não se espera a repetição e aceitação acrítica de toda a carga do passado. Novamente, como lidar com a dinâmica entre transformação e conservação? (ARENDT, 2007) Se a democracia moderna é reconhecida como um valor a ser conservado, então, é necessário iniciar, a partir da educação, tanto familiar quanto escolar, reflexões e práticas que permitam sua afirmação, não enquanto um simulacro de democracia,

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mas como algo efetivo, que condiga com suas premissas básicas, que envolvem os princípios da igualdade, da liberdade, da fraternidade e dos direitos humanos estabelecidos como parâmetros durante o processo de Revolução Francesa2. Tais reflexões e práticas envolvem diretamente a ética. A ética como pauta educacional requer a disposição de debater as mais diversas esferas do processo educacional. Entre elas, logicamente, a questão da autoridade deve ser considerada, afinal, as relações de autoridade na escola influenciam ou não para o desenvolvimento de relações éticas entre indivíduos? O pensamento de diversos autores (FREIRE, 1989; FURLANI, 1991; GUZZONI, 1995; DE LA TAILLE, 1999; VALLE, 2001; HEMMINGS, PACE, 2007; GUILLOT, 2008; MACHADO, 2010; entre outros) permite responder afirmativamente a esse questionamento. Formas de autoridade que privilegiem o diálogo, a busca do consenso e o estabelecimento do respeito mútuo, podem constituir com maior eficácia a educação enquanto espaço para reflexão e estabelecimento de práticas éticas, ainda que o desafio de lidar com conflitos seja constante. Na direção contrária, o uso unicamente do autoritarismo nas relações educativas pode mascarar os conflitos, porém, não permite que suas causas subjacentes sejam devidamente questionadas. Em outras palavras, o autoritarismo, muitas vezes, dispensa a reflexão e a prática éticas ao focar com ênfase excessiva no controle e no domínio. Uma das alternativas para aproximar autoridade e ética nas relações educativas é desenvolvida por Guillot (2008) por meio do conceito de autoridade de bons tratos. Para este autor,

Os bons tratos não têm formas especiais que possam ser listadas: é algo uno e global. [Trata-se de uma atitude educativa] sem exercício de um poder destruidor, mas também sem tolerância cega. [...] Os bons tratos não são pregnância, mas distância: não a distância da hierarquia ou de frieza tecnocrática, mas a distância do respeito. Se o respeito é a condição fundamental de uma autoridade de bons tratos, estes devem se encarnar em práticas educativas conforme os contextos considerados (pp. 139-140, grifos no original).

Desta forma, os bons tratos são propostos como uma alternativa para a autoridade dotada de consistência teórica e prática: uma práxis de autoridade desvinculada do potencial destruidor do autoritarismo, atenta para as condições presentes em cada contexto, sem

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Para uma introdução rápida acerca do contexto, importância e repercussão da Revolução Francesa, cf. VOVELLE, M. Introducción a la historia de la Revolución Francesa. Barcelona: Editorial Crítica, 2000. Para colocar em discussão o conceito de democracia, histórica, jurídica e filosoficamente, cf. TILLY, C. Democracy. Cambridge: Cambridge University Press, 2007. KELSEN, H. A democracia. 2ª ed. São Paulo: Martins Fontes, 2000. AGAMBEN, G. Homo sacer: poder soberano e vida nua. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2002.

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pretensões para uma universalidade baseada na padronização e uniformização das atitudes e comportamentos. As ideias de unicidade e globalidade podem ser relacionadas com os esforços de pensar e colocar em prática a autoridade de bons tratos como algo que envolve todos os aspectos das relações educativas, não como um conjunto de preceitos, ou uma receita, a ser seguida parcialmente. Se apenas alguns momentos ou alguns sujeitos da relação educativa forem contemplados com a autoridade de bons tratos, então, stricto sensu, não há bons tratos, há uma forma perversa de demagogia que privilegia alguns em detrimento de outros. O tema da tolerância, por sua vez, retoma o que já foi discutido anteriormente, em sincronia com a visão de Machado (2010), ou seja, tolerar é necessário, contanto que as partes envolvidas na relação educativa entendam e estabeleçam os limites do que pode ser tolerado, sem que a tolerância torne-se sinônimo de permissividade. Consequentemente, compreende-se a aproximação entre respeito e distância também como parte do projeto de estabelecer a autoridade educativa de forma a privilegiar a mediação consciente, vinculada com necessidade de estabelecer a boa convivência entre os sujeitos. Tal projeto é em si mesmo ético, pois estabelece para si metas de criar espaços para o entendimento coletivo das diferenças. Outra perspectiva de aproximação entre autoridade e ética pode ser percebida na exposição de Davis; Luna (1991):

[...] a autoridade do professor constitui-se a partir da aliança entre conhecimento e experiência na condução da classe. [...] O professor com autoridade é também aquele que deixa transparecer as razões pelas quais a exerce. [...] A verdadeira autoridade é, pois, aquela que destrói a si mesma no decorrer mesmo do processo educativo, na medida em que forma sujeitos interlocutores, capazes de pensar e agir com independência, sem perder de vista o horizonte dos projetos comuns (DAVIS; LUNA, 1991, pp. 69-70).

As ideias de sabedoria e experiência como elementos constituidores de uma prática de autoridade associada ao desenvolvimento da autonomia aqui retornam, agora enfatizando um potencial ético, qual seja: incentivar a autonomia vinculando-a ao horizonte, ético, da elaboração de projetos comuns que permitam a convivência harmônica entre os homens e, se possível, do homem com a natureza que o circunda. Este caminho exige do docente clareza nos objetivos estabelecidos e colocados em discussão com os alunos. Em outras palavras, distanciamento do autoritarismo. A proposta de uma autoridade que se destrói na medida em que cumpre seus objetivos é prenhe de positividade. Numa linha de raciocínio semelhante, concorda-se com

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Guillot (2008) quando este considera que “na classe, o papel do professor é elaborar com seus alunos, progressivamente, uma vivência comum, uma história comum, em um espaço e tempo específicos, com referências construtivas” (p. 146). As relações humanas, com destaque para as educacionais, são dinâmicas, caracterizadas por uma multiplicidade de caminhos para a ação, sendo que há liberdade para escolher – mesmo que em alguns casos esta liberdade tente ser controlada e cerceada – aqueles cujo destino permita vislumbrar tempos menos sombrios. O foco unicamente no domínio, no controle, na submissão e na disciplina desvirtua a capacidade de aproximar os cruzamentos possíveis entre autoridade e ética.

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4. METODOLOGIA 4.1. Objetivos Para esta pesquisa foi escolhido como objetivo geral investigar de que maneiras professores em atuação percebem e lidam com a questão da autoridade no contexto escolar, enfatizando possíveis nexos entre autoridade e ética. Decorre desta proposta a averiguação de possíveis variações do conceito e da prática de autoridade e também de como tais variações incentivam ou não o reconhecimento e o desenvolvimento de relações éticas dentro e fora da escola. No que se refere aos objetivos específicos, os seguintes podem ser elencados: 

Investigar as funções, positivas e negativas, da autoridade na relação educativa;



Analisar diferentes definições de autoridade, tendo em vista também as reflexões apresentadas por professores em exercício;



Investigar o reconhecimento dado pelos professores para a situação contemporânea da autoridade na relação educativa;



Analisar métodos e alternativas possíveis de lidar com a autoridade no contexto escolar, especificamente na relação professor-aluno.

4.2. Caracterização da pesquisa e Instrumento Esta pesquisa foi desenvolvida predominantemente com um viés qualitativo. Sobre esta escolhas pode-se dizer que:

As pesquisas qualitativas surgem [...] como forma de evitar o tecnicismo e o reducionismo lógico-formal nas investigações educacionais em favor da recuperação da subjetividade. O diferencial das pesquisas qualitativas está relacionado com a inclusão da subjetividade; não é possível pensá-las sem a participação do sujeito. São qualitativas porque o conhecimento não é indiferente; porque não existe relato ou descrição da realidade que não se refira a um sujeito (DEVECHI; TREVISAN, 2010, p. 150).

O resgate da subjetividade representa uma alternativa ao uso único, exclusivo e abusivo de estatísticas que muitas vezes ocorre em diversas pesquisas e que, especialmente nas ciências humanas, pode criar um discurso científico reducionista (FEYERABEND, 2007). Na verdade, não se trata estritamente de uma alternativa, mas de um acréscimo que enriquece ainda mais as perspectivas de uma pesquisa. Contra uma dicotomia intransponível entre pesquisas qualitativas e pesquisas quantitativas, defende-se que estas podem criar pontos de

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aproximação ricos em potencialidades, mantido o rigor científico. Sobre este assunto, Santos Filho (2001) destaca os diferentes paradigmas em que cada modalidade de pesquisa professam em sua origem: de um lado, o quantitativo-realista, de outro, o qualitativo-idealista, cada qual sustentado por um rico conjunto de referências teóricas. Em alguns pontos, estas referências, expostas por Santos Filho (2001), levam ao questionamento de se afirmar tal separação como dogma: em muitos casos, principalmente nas ciências humanas, o intercâmbio de ferramentas teóricas pode fortalecer a pesquisa. Assim, na esteira dos autores denominados pós-positivistas3, é esboçada o que Santos Filho (2001) denomina de tese da unidade, em que quantidade e qualidade não são vistas como incompatíveis, mas como partes de um todo que, quando dividido, só faz por enfraquecer-se. Seguindo uma linha de raciocínio semelhante, Devechi; Trevisan (2010) ressaltam que: [...] é preciso considerar que os conceitos de quantidade e qualidade não são totalmente dissociados, na medida em que de um lado a quantidade é uma interpretação, uma tradução, um significado atribuído à grandeza com que um fenômeno se manifesta (portanto, é uma qualificação dessa grandeza), e de outro ela precisa ser interpretada qualitativamente, pois, sem relação a algum referencial, não tem significação em si (GATTI, 2007, p. 29 apud DEVECHI; TREVISAN, 2010, p. 156).

Tudo aquilo que, com critério, auxilia no processo para dotar de significado o conjunto de dados de uma pesquisa deve ser considerado como positivo. Não se trata de assumir o anarquismo teórico proposto por Feyerabend (2007) como um novo dogma, antes, trata-se de escapar do dogmatismo. Neste sentido, “o surgimento das abordagens qualitativas na educação não significa um encontro com a qualidade e um abandono do quantitativo, mas um acréscimo mediado pela reflexão de um elemento a outro” (DEVECHI; TREVISAN, 2010, p. 156). No que tange especificamente à metodologia para a análise dos dados, escolheuse, para esta pesquisa, uma aproximação com a análise de conteúdo. Esta é definida por Moraes (1999) da seguinte maneira:

A análise de conteúdo constitui uma metodologia de pesquisa usada para descrever e interpretar o conteúdo de toda classe de documentos e textos. Essa análise, conduzindo a descrições sistemáticas, qualitativas ou quantitativas, ajuda a reinterpretar as mensagens e a atingir uma compreensão de seus significados num nível que vai além de uma leitura comum (p. 10).

3

Para Santos Filho (2001), entre os autores considerados pós-positivistas encontram-se Quine, Thomas Kuhn, Stephen Toulmin, Michael Seriven, Paul Feyerabend, entre outros.

26

A proposta de ir além da leitura comum também é exposta por Devechi; Trevisan (2010), que buscam, sem desconsiderar o senso comum, encontrar espaço para o discurso e análise científicos, especificamente na área da educação. Segundo estes autores, os dados, constituídos por opiniões de sujeitos localizados em um contexto, podem ser lidos com o auxílio de pelo menos três abordagens: a fenomenológica-hermenêutica, a crítico-dialética, a hermenêutica-reconstrutivista. Para esta pesquisa não se professa explicitamente uma dessas abordagens, mas o conhecimento das relações por elas sugeridas para a dinâmica sujeitoobjeto aumentou as possibilidades de leitura dos dados obtidos4. Por fim, destaca-se como salutar a perspectiva de Feyerabend (2007), que considera ser “a variedade de opiniões [...] necessária para o conhecimento objetivo. E um método que estimula a variedade é também o único método compatível com uma perspectiva humanitarista” (p. 60, grifos no original). E, para a educação, inclusive para as pesquisas a ela relacionadas, o humanitarismo é necessário, premente.

Para a coleta dos dados desta pesquisa foi utilizado como instrumento um questionário composto majoritariamente por perguntas abertas que foi elaborado especificamente para os objetivos desta pesquisa5. A primeira parte do questionário apresenta questões que permitem identificar o sujeito pesquisado: sexo, idade, formação, tempo de trabalho em instituições educativas. O anonimato dos participantes foi garantido, sendo que antes da entrega do questionário foi-lhes entregue um termo de consentimento livre e esclarecido6. O cerne do questionário encontra-se nas cinco questões propostas na segunda parte: 1 – Defina, de acordo com sua experiência, o que é autoridade. 2 – A autoridade é importante na relação educativa? Justifique. 3 – Comente sobre a situação atual da autoridade na relação educativa.

4

De acordo com Devechi; Trevisan (2010), as relações propostas entre a posição sujeito e a compreensão do objeto em cada uma das abordagens citadas variam. Para as abordagens fenomenológico-hermenêuticas, o sujeito aparece como intérprete do objeto, ou seja, a ênfase recai no sujeito, ao mesmo tempo em que a interpretação deve fornecer alguma forma de acordo com o objeto. Para as abordagens crítico-dialéticas, o sujeito aparece contraposto ao objeto e vice-versa, de forma que o estudo destas contradições permita, por meio da interpretação, atingir a síntese. Para as abordagens hermenêutico-reconstrutivistas, o sujeito é visto a partir de uma perspectiva comunicativa que visa o consenso, são enfatizadas as relações entre os sujeitos que, em suas relações, constituem o horizonte possível do objeto, sendo a interpretação uma tentativa de conciliar os diferentes sujeitos com o mundo objetivo. 5 O modelo do questionário entregue aos sujeitos da pesquisa pode ser encontrado na seção Apêndice deste TCC, cf. p. 55. 6 O modelo do termo de consentimento também pode ser encontrado na seção Apêndice deste TCC, cf. p. 58. No termo de consentimento está presente o título provisório do TCC, pois o atual ainda não havia sido estabelecido.

27

4 – De quais maneiras, em sua vivência cotidiana na sala de aula, você lida com a ideia e a prática da autoridade? Se possível, cite o exemplo de uma situação real ou hipotética. 5 – Em sua opinião, autoridade e ética estão relacionadas na relação educativa? Justifique. 4.3. Sujeitos Optou-se por aplicar os questionários para professores em atuação na rede pública de ensino, mais especificamente na rede estadual. Não houve restrição quanto ao nível em que o docente leciona: participaram professores vinculados ao Ensino Fundamental I, Ensino Fundamental II e Ensino Médio, nas modalidades do ensino regular e do ensino de jovens e adultos havendo casos de professores que atuam em mais de um nível. Como a temática da autoridade perpassa todos os níveis de ensino, mesmo que de maneiras possivelmente distintas, entende-se que restringir o estudo a somente um deles poderia ser contraproducente para os objetivos da pesquisa. Afinal, conforme já esboçado anteriormente e como será reafirmado a seguir, há nuances do conceito de autoridade que não se encontram de forma exclusiva em um espaço específico, seja esse uma sala de aula de qualquer nível de ensino, a esfera privada das relações familiares, ou uma assembleia realizada por uma comunidade de bairro. Em um primeiro momento, foi-lhes entregue o termo de consentimento livre e esclarecido e o questionário e realizados alguns esclarecimentos sobre os objetivos da pesquisa. Após alguns dias, retornou-se às respectivas escolas para coletar as devolutivas. Todas as escolas escolhidas para a aplicação do questionário encontram-se na cidade de Campinas, localizada no interior do estado de São Paulo. Três delas situadas em regiões centrais, uma delas em região periférica. Para fins de análise, optou-se por tratar o conjunto de dados obtidos sem efetuar uma distinção explícita entre os sujeitos de cada unidade de ensino. Em outras palavras, não será realizada uma comparação entre escolas, o que poderia levantar falsas questões, pois o objetivo da pesquisa, já explicitado, não passa por aferir e julgar individualmente escolas e/ou professores. Obviamente, também não se pretende censurar as opiniões dos sujeitos pesquisados, mas sim compreendê-las como parte de um contexto em constante transformação. Foram entregues 60 questionários entre os professores das quatro escolas selecionadas. Desses, 28 retornaram respondidos: uma devolutiva de aproximadamente 47%. Participaram da pesquisa, 9 professores e 19 professoras. A média de idade apresentada – contando, obviamente, somente com aqueles que optaram por divulgar a idade, o que não foi

28

feito por 4 sujeitos – foi de aproximadamente 40,54 anos, sendo a menor e maior idade, respectivamente, 20 e 61. O tempo de trabalho em instituições educativas dos sujeitos variou entre 2 meses e 33 anos, sendo que 7 optaram por não divulgar este dado. A área de formação dos participantes variou bastante, mas algo que chamou atenção foi o número expressivo de docentes com cursos de especialização ou mestrado, concluídos ou em curso: 18, ou seja, quase 65% dos sujeitos da pesquisa, o que pode indicar uma tendência de valorização da formação continuada por parte da categoria docente. Estes dados podem ser conferidos na tabela abaixo, que apresenta o perfil geral dos sujeitos da pesquisa: Tabela 1. Perfil dos sujeitos pesquisados

Sexo

Idade

Tempo de trabalho docente

Formação Graduação: geografia. Especialização: educação, pedagogia e administração. Graduação: letras. Especialização: letras.

P1

F

53

18 anos

P2

F

46

N/I

P3

M

52

18 anos

Graduação: ciências biológicas. Especialização: medicina chinesa.

P4

F

37

2 anos

Graduação: letras e linguística.

P5

F

48

N/I

Magistério. Graduando em pedagogia.

P6

F

44

22 anos

Graduação: letras – português e inglês.

P7

F

38

N/I

P8

F

51

19 anos

P9

F

49

N/I

P10

F

61

33 anos

Graduação: letras.

P11

M

20

2 meses

Graduando em filosofia.

P12

M

31

7 anos

Graduação: física.

P13

M

N/I

N/I

Graduação: química.

Graduação: letras. Especialização: psicopedagogia. Graduação: pedagogia. Especializações: administração escolar; matérias pedagógicas do 1º grau. Graduação: letras. Especialização: psicopedagogia.

29

P14

M

32

7 anos

Graduação: história. Especialização: história, sociedade e cultura.

P15

F

N/I

N/I

Graduação: ciências. Especializações: biologia; matemática.

P16

M

47

20 anos

Graduação: história. Especialização: ensino de história.

P17

M

24

1 ano

Graduação: geografia.

P18

M

49

6 meses

P19

F

N/I

12 anos

P20

F

48

28 anos

P21

F

35

2 anos

P22

F

33

6 anos

P23

F

N/I

N/I

Graduação: letras.

P24

F

31

12 anos

Graduação: matemática. Especialização: psicopedagogia.

P25

F

25

6 meses

Graduação: história.

P26

F

52

15 anos

Graduações: biologia e direito. Especialização: gestão de currículo.

P27

M

36

11 anos

Graduação: letras. Especialização: linguística e ensino.

P28

F

31

2 anos

Graduação: física. Mestrado: educação e ensino de ciências.

Graduação: administração de empreses. Especialização: administração de empresas. Graduação: pedagogia. Especialização em curso na área de língua portuguesa Graduações: história; estudos sociais. Especialização: história. Graduação: pedagogia. Especialização: letras para docência e interpretação. Graduação: letras – português e inglês. Especialização: libras.

Durante a análise a identificação dos sujeitos respeitará a nomenclatura estabelecida na tabela acima. Por exemplo, quando P12(3) for mencionado no texto significa que a referência é feita ao professor de física de 31 anos que trabalha com educação há 7 anos7. O número entre parênteses designa qual pergunta do questionário está em discussão ou sendo citada. Não se optou por analisar as respostas dadas ao questionário em blocos 7

Os dados de sexo, idade, formação e tempo de trabalho serão apresentados em notas de rodapé e somente na primeira vez que o sujeito for mencionado no texto.

30

separados pelas questões individuais. Ao invés disso foram delimitados temas norteadores – centrados em algumas categorias e tópicos recorrentes – a partir dos quais respostas a perguntas distintas, que partilhavam de temática semelhante, foram colocadas em perspectiva.

31

5. AS NUANCES DA AUTORIDADE NA PRÁTICA DOCENTE 5.1. Dinâmicas do controle e do domínio Um primeiro aspecto que chamou atenção quando da leitura dos resultados coletados junto aos professores foi a recorrência de algumas categorias vinculadas ao conceito de autoridade. Neste primeiro momento destacar-se-ão duas delas, já expressas no título dessa seção, e que estão diretamente relacionadas com a discussão das aproximações entre autoridade e poder realizadas na seção 2.2 deste estudo. Para P8(1)8, autoridade é “desfrutar de alguma forma de comando ou poder sobre outras pessoas”. Para P24(1)9, “autoridade é ter controle sobre determinadas situações e/ou pessoas. É ter um certo “poder” no sentido de estabelecer regras”. Para ambos sujeitos, a autoridade aproxima-se claramente da esfera das relações de poder, em que diferentes indivíduos, ocupando espaços e funções específicos, detém a prerrogativa de exercer sua vontade. A autoridade caracterizar-se-ia pelo poder advindo da posição ocupada por um indivíduo – por exemplo, o professor – perante um grupo, junto ao qual, ou, sobre o qual, podem ser estabelecidas regras para o controle da conduta. Numa linha de raciocínio semelhante, P11(1)10 argumentou que “autoridade para mim é o exercício do poder perante alguns subordinados”. E P12(1)11 considerou que “autoridade é alguém ou algo, que em relação à sua posição hierárquica, tem sob seu domínio um grupo ou indivíduo, que obedecem e acatam os seus pedidos”. Nestas definições esboça-se uma característica – a qual também receberá maior destaque na próxima seção – recorrente na argumentação dos sujeitos pesquisados: a ideia de que a autoridade possui relações intrínsecas com a hierarquização, tanto no âmbito escolar quanto no âmbito social amplo. Novamente, autoridade e poder unidos para estabelecer posições. Algumas considerações sobre a relação entre poder e autoridade são elaboradas pelo sociólogo Richard Sennett (1999), que adiciona também o conceito de força na equação: “o laço da autoridade é construído por imagens de força e fraqueza; ele é a expressão emocional do poder”12 (p. 4). A necessidade premente é fazer com que este laço seja capaz de manter a união sem apelar para o paternalismo ou para o autoritarismo.

8

P8, professora, 51 anos, 19 anos de trabalho com educação, graduada em pedagogia. P24, professora, 31 anos, 12 anos de trabalho com educação, graduada em matemática. 10 P11, professor, 20 anos, 2 meses de trabalho com educação, graduando em filosofia. 11 P12, professor, 31 anos, 7 anos de trabalho com educação, graduado em física. 12 “The bond of authority is built of images of strenght and weakness; it is the emotional expression of power”. Tradução nossa. Para o conceito de laço (bond), Sennett propõe uma dupla significação: é simultaneamente algo que conecta e constrange. 9

32

Por sua vez, no comentário de P13(1)13, percebe-se a insatisfação com o conceito de autoridade, percebido explicitamente como algo negativo: “autoridade é agir com imposição, não estar aberto para opiniões a parte”. Ao relacionar esta perspectiva com as anteriores percebe-se que P8, P11, P12 e P24, ao vincularem autoridade com poder e controle não a apresentam como algo negativo. Já P13 parece compreendê-lo apenas enquanto autoritarismo, como se pode perceber em P13(2), quando o professor desconsidera a autoridade como algo importante na relação educativa: “pois creio que é natural do ser humano resolver situação-problema com atitudes rebeldes, creio que a educação não deve ser nem um pouco autoritária. Para se haver um real aprendizado vai depender do aluno querer saber, não precisando ser imposto”. Segundo Freire (1989), a tendência de equalizar autoridade com autoritarismo é prejudicial, pois impede o desenvolvimento de uma disciplina baseada na autoridade legítima, e, consequentemente, dificulta uma das possibilidades de trabalhar a autonomia em sala de aula. De uma maneira geral, este foi o único caso encontrado de um docente que equalizou diretamente autoridade com autoritarismo. Saindo da esfera da dominação por meio da autoridade – e também por meio do potencial autoritarismo –, temos a consideração feita por P20(1)14, de que autoridade “é uma posição ou função dentro de um grupo que implica em exercer uma liderança para organizar e estabelecer tarefas e atividades e para que essa autoridade seja reconhecida, deve estar revestida de certo poder, de acordo com a situação ou grupo”. O ato de revestir a autoridade de poder não é, neste caso, uma autoproclamação daquele que pretende se afirmar enquanto autoridade. O reconhecimento da autoridade passa pela negociação junto a uma coletividade. Com ponto de vista semelhante, e deslocando a argumentação diretamente para a esfera educacional, P4(1)15, considera que “autoridade acontece quando o professor consegue dominar os seus alunos, mas com respeito, sem autoritarismo”. Retorna a ideia de domínio, agora explicitamente distanciada da sombra do autoritarismo. Domínio por meio do respeito. Neste contexto, “é a autoridade que dá um sentido à disciplina não é a disciplina que faz a autoridade” (GUILLOT, 2008, p. 176, grifos no original). Em algumas devolutivas, professores demonstraram consciência de que o controle e o domínio relacionados à autoridade não deveriam ser exercidos de maneira autoritária,

13

P13, professor, idade não informada, tempo de trabalho com educação não informado, graduado em química. P20, professora, 48 anos, 28 anos de trabalho com educação, graduada em história e estudos sociais. 15 P4, professora, 37 anos, 2 anos de trabalho com educação, graduada em letras e linguística. 14

33

contudo, dadas as condições concretas do trabalho docente, afirmam certa desolação – aspecto que será abordado com vagar em uma próxima seção. Nas palavras de P1(4)16:

Sou realmente autoritária, não consigo trabalhar com conversas paralelas, falta de respeito; sempre imponho meus objetivos (ideias). Fazem porque eu quero e acredito que nenhuma criança desenvolve suas habilidades se não forem orientadas a fazer (ou realizar) as atividades mínimas exigidas pelo “bom comportamento” e segundo pesquisadores o limite desenvolve o amor próprio [...].

Na dificuldade de estabelecer a orientação por meio do consenso, dadas as resistências encontradas no contexto de sala de aula, a professora utiliza-se de uma forma de autoridade denominada autoritária na expectativa de criar um ambiente adequado para a aprendizagem. O mesmo sujeito, P1, comenta o seguinte sobre a definição de autoridade, P1(1): “autoridade é o controle da situação em que se encontra, sem ser autoritário. Porém em algumas situações é necessário ser autoritário. Entendo que manter o controle da sala de aula é uma forma de autoridade”. Assim, percebe-se a consciência, por parte da professora, de que nem todo controle é autoritário, ao mesmo tempo em que se constata a ineficiência de algumas formas de controle não autoritárias em alguns contextos. Não é privilegiado apenas o controle sobre os alunos como parte da atividade docente. Tendo em vista as discussões realizadas na seção 3.1, percebe-se nestas considerações um dilema: como conciliar a imposição autoritária de objetivos e regras com uma aprendizagem participativa e eficaz? Antes de esboçar qualquer conclusão, convém destacar também a opinião dada por P28(4)17:

Tenho certa dificuldade de ter autoridade sem ser autoritária. O tempo todo tento não impor minha vontade e sim trazer os alunos para o assunto por motivação, mas a inércia da sala de aula hoje (pelo menos no ensino regular) é muito desmotivadora para mim. A ideia da autoridade está presente o tempo todo na relação que estabeleço com os alunos, mas a prática dela foi mais evidente num momento onde construí com eles um contrato pedagógico, ao ver que eles não estavam me autorizando a colaborar com a aprendizagem deles.

Repete-se a afirmação da dificuldade em estabelecer uma relação de autoridade por meio do diálogo. Ao mesmo tempo, reconhece-se sua necessidade. Além disso, são acrescidos novos elementos negativos: inércia por parte dos alunos, consequente desmotivação do docente. A solução proposta pela professora foi o estabelecimento de um contrato pedagógico, com a delimitação de deveres e direitos junto com os alunos.

16 17

P1, professora, 53 anos, 18 anos de trabalho com educação, graduada em geografia. P28, professora, 31 anos, 2 anos de trabalho com educação, graduada em física.

34

Todavia, apesar do contrato ser uma alternativa, ele não é garantia de sucesso. Muitas vezes a resistência por parte de alguns discentes desconsidera possíveis acordos na tentativa de que eles afirmem sua vontade como um desafio a autoridade docente. Tal fato pode ser constatado na fala de P4(4):

Eu, pessoalmente, tento mostrar aos alunos até onde eles podem ir, mas com educação, sem desrespeitá-los. Quando um aluno me pede para fazer algo que eu não quero que ele faça primeiro peço educadamente para ele não ligar o celular, por exemplo, mas se não funciona parto para uma bronca mais enérgica e, às vezes, me dou mal com isso.

Outros entraves e algumas alternativas para o estabelecimento de limites, com o auxilio da autoridade, na relação educativa serão abordados na próxima seção. Por ora, uma espécie de síntese da difícil dinâmica entre controle, dominação e autoridade pode ser percebida no relato de P13(3):

A autoridade está em todo ponto da escola. Os membros da escola tentam não ser autoritários, mas devido à falta de estrutura, muitas vezes acabam agindo com autoridade perante os alunos e até mesmo com os próprios colegas de trabalho. Às vezes o sistema acaba fazendo com que colegas de trabalho acabem sendo autoritários. Também é comum a relação de autoridade do professor em relação à sala de aula como tentativa de demonstrar controle perante os alunos.

Por um lado, controle e domínio foram vistos de uma perspectiva claramente unidirecional, em que a autoridade representada pelo professor deve afirmar-se enquanto poder inquestionável em sala de aula. Por outro lado, as mesmas categorias foram expostas como necessidades vinculadas à constituição de espaços para o diálogo entre professor e aluno. Entre os polos da afirmação potencialmente autoritária e da negociação consensual da vontade e do princípio de autoridade docente: por esses espaços circularam as categorias de controle e domínio apresentadas pelos professores em relação com o conceito de autoridade. As dificuldades para estabelecer o equilíbrio entre autoridade e autoritarismo representam parcela importante de um desafio em aberto para a práxis docente. Uma contribuição para o debate é refletir sobre a proposta de Sennett (1999), segundo a qual “apenas quando aprendemos a nos separar da esfera da autoridade nós conseguimos reentrar nela” 18 (p. 133). O uso do distanciamento crítico frente à prática da autoridade pode dar alguma medida sobre possíveis omissões ou abusos cometidos, muitas vezes involuntariamente ou por hábito. 18

No original a citação completa é a seguinte: “only when we have learned to remove ourselves from the sphere of authority can we re-enter it, with a sense of its limits and a knowledge of how commands and obedience might be changed so that our real needs for protection and reassurance might be served”. Tradução nossa.

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5.2. Os âmbitos do limite e do respeito Para iniciar a discussão relacionada ao limite e ao respeito, retorna-se à questão do contrato pedagógico, citada por alguns professores de maneira implícita, enquanto componente essencial para a construção da autoridade docente. P6(1)19 define autoridade como “a competência de estabelecer com os alunos um relacionamento harmonioso, através de regras pré-estabelecidas e acordadas por ambas as partes”. As práticas do diálogo e do respeito às diferentes vontades envolvidas no processo educativo seriam possibilitadas através do contrato. Tal perspectiva corrobora com o pensamento de Renaut (2004), que considera a ideia de contrato como uma alternativa para resgatar, ou até mesmo substituir, o conceito e a prática de autoridade na relação educativa. O problema desta abordagem encontra-se em dilemas existentes também na interpretação contratualista da realidade social, que tem no pensamento de John Locke (1998) um de seus principais expoentes. Afinal, como manter a validade e eficácia de um contrato – social, pedagógico, político – sendo que as condições e posições em que se encontram os diferentes sujeitos do acordo são díspares? Especificamente na esfera educacional, defende-se nesta pesquisa que não é possível, atualmente, abdicar da centralidade do conceito de autoridade. A utilização do contrato pedagógico pode ser benéfica, mas não é a solução providencial para os problemas enfrentados no cotidiano da sala de aula. Neste ponto, P1(2), que anteriormente já havia expressado certa angústia em relação ao uso da autoridade em sua forma autoritária, ressalta que

a autoridade na área educacional está associada ao limite, às regras, ao respeito ao próximo e a si mesmo, portanto, importante na formação e construção da cidadania. É na escola que o adolescente começa a definir o limite e compreender o respeito pelas diferenças socioeconômicas, étnicas, culturais.

O movimento argumentativo passa agora pela conexão entre autoridade, regras e cidadania, tendo limite e respeito como parâmetros que possibilitam o estabelecimento do nexo. Nos dizeres de Machado (2010), “o exercício de uma autoridade dentro dos limites que a constituem é absolutamente justo e necessário; o autoritarismo é sempre uma extrapolação de âmbitos, um desrespeito aos limites” (p. 41). Além disso, percebe-se na fala da professora a preocupação de estabelecer o respeito dentro de uma ampla perspectiva, extrapolando o espaço da sala de aula. 19

P6, professora, 44 anos, 22 anos de trabalho com educação, graduada em letras.

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Agora, especificamente quanto ao contrato pedagógico, Aquino (1999) o distingue do regimento escolar, o qual seria coercitivo, para descrevê-lo como algo estritamente pedagógico e de caráter assertivo – em suas palavras, o regimento escolar estabelece o “não se pode fazer” e o contrato pedagógico estabelece o “deve-se fazer” (p. 149). Além disso, este autor considera a autoridade como um “fenômeno da ordem da delegação contratual” (AQUINO, 1999, p. 146). Esta interpretação, porém, apresenta dois problemas: em primeiro lugar, a confiança excessiva na ideia de contrato; em segundo, a identificação/redução da autoridade docente para um elemento contratual. Para Guillot (2008), as regras, tanto do regimento escolar quanto da conduta de trabalho em sala de aula, são importantes, só que vincular qualquer uma delas, especialmente a segunda, com a categoria de contrato pode ser enganoso, pois esta noção, quando utilizada no campo educacional, não pode deixar de ser uma metáfora. Em suma, concorda-se com a ideia de que “as regras de convivência a serem instituídas na escola e em aula não poderiam se reduzir a uma comodidade disciplinar: elas constituem um desafio educativo essencial a serviço de uma liberdade cidadã responsável” (GUILLOT, 2008, p. 66, grifos no original). O caráter dinâmico das relações escolares, dentre elas da relação de autoridade em específico, requer constante reflexão e revisão. E, como completa Guillot, “a autoridade do professor não depende desse “contrato”, é esse contrato que depende da autoridade do professor” (p. 148, grifos no original). Outra relação, presente nas devolutivas, que envolve autoridade com o estabelecimento de regras e respeito é feita por P25(1)20:

Autoridade considero hoje mais como um conjunto de regras a quem uma pessoa, ou um conjunto, é responsável para manter uma ordem no que condiz com respeito ao espaço, a individualidade dos outros e da sociedade, manter as relações de certa forma em que as pessoas possam viver bem e com dignidade.

Por fim, uma última incursão direta focando na relação entre respeito e delimitação de regras é feita por P7(1)21, ao considerar que “a autoridade está ligada a respeito às regras, seja na escola, na sociedade, na família onde quem “pode” manda, o [não] cumprimento destas regras resulta em “punição” por parte de quem manda para quem não cumpre as regras”. De um lado, é enfatizado o viver bem coletivo propiciado pelo acordo e respeito para com as regras. De outro, a contrapartida: a punição aos transgressores por parte daquele que detém autoridade de julgar e decidir sobre as transgressões. Para a prática pedagógica tais considerações são úteis, contanto que haja busca pelo consenso no 20 21

P25, professora, 25 anos, 6 meses de trabalho com educação, graduada em história. P7, professora, 38 anos, tempo de trabalho com educação não informado, graduada em letras.

37

estabelecimento das regras e na delimitação das atribuições da autoridade, de forma que desvios e injustiças sejam evitados. Ainda assim, há de se lembrar que situações de exceção, não previstas nas regras, podem ocorrer. Então, como lidar com elas? A discussão realizada sobre a esfera política na seção 2.1 demonstrou, principalmente com Agamben (2004), alguns dos perigos da autoridade em conexão com a violência e o direito, especialmente em situações de exceção. No campo educacional, espera-se que o desenvolvimento de práticas de autoridade reflexivas, vinculadas com preocupações éticas, suficiente para se evitar a transformação da sala de aula em um ambiente onde impera uma espécie de estado de exceção permanente. Outra linha de abordagem relativa aos limites envolve as ideias de imposição e hierarquia. De maneira direta e rápida, P12(2) defende que a autoridade é importante na relação educativa porque “ela mantém a ordem, impõe os limites aos alunos”. A retórica da imposição aparece com destaque nessa fala. Porém, para outros docentes, esta mesma retórica transmuta-se para uma tópica abordada rapidamente na seção anterior: hierarquia. Por exemplo, para P17(1)22, “Autoridade é quando uma pessoa se impõe, respeitando os demais e os níveis de hierarquização presentes. Para que um indivíduo consiga efetuar a sua autoridade é necessário se fazer obedecer, respeitar e obter o respeito”. Já para P4(2), Autoridade é importante para que o aluno saiba que existem limites, não só na sala de aula, mas para tudo na vida. É importante que o professor mostre ao aluno até onde ele por ir na vida. O aluno provavelmente terá um chefe que vai impor limites a ele, por isso é importante que o aluno tenha noção de hierarquia.

Em ambas as falas não se expõem diretamente, mas pode-se inferir uma interpretação de hierarquia estreitamente ligada a ideia de submissão a uma ordem cuja existência o sujeito, no caso, o aluno, não tem condições de contestar. O risco desse tipo de posicionamento é evidenciado por um dos dilemas da autoridade, segundo o qual em algumas situações indivíduos que representam autoridades ilegítimas podem conseguir amplo apoio quando se afirmam em posições de comando (SENNETT, 1999). Além disso, em um estudo sobre autoridade, hierarquia, cultura e participação escolares, Silva (2001a) concluiu que em casos nos quais a autoridade é legitimada unicamente pelos cargos burocráticos ocupados desenvolvem-se diversos fatores negativos: as decisões costumam ser centralizadas, o individualismo aumenta e o envolvimento com as propostas de trabalho diminui. Apenas a hierarquia como princípio justificador da autoridade docente pode ser um desserviço ao 22

P17, professor, 24 anos, 1 ano de trabalho com educação, graduada em geografia.

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desenvolvimento da autonomia, tanto discente quanto docente. Pode o professor acomodar-se em sua posição, seguro de seu poder, despreocupando-se da necessidade de rever seus métodos ou propor mudanças. Pode o aluno optar pelas mais diversas formas de resistência, desde o silêncio e a omissão até o desafio à ordem hierárquica por meio de atos e palavras. Ou pior ainda, podem, aluno e professor, adaptarem-se a uma situação de dominação confortável: o professor enquanto autoridade indiscutível administra seu conteúdo, os alunos enquanto reprodutores passivos de informação obedecem e realizam aquilo que é estritamente necessário e são beneficiados com reconhecimento por intermédio de notas; em síntese, uma farsa em que o aprendizado torna-se supérfluo. A expressão “níveis de hierarquização” e a palavra “chefe”, utilizadas por P17 e P4, operam como um deux ex machina para justificar a necessidade de se respeitar a autoridade. Desta forma, pode-se talvez construir a autoridade por meio do consenso, só que os termos – de uma hierarquização inquestionável – nos quais ele é elaborado podem ser prejudiciais para o posterior desenvolvimento da autonomia por parte dos alunos. É possível que um caminho intermediário, como propõe Furlani (1991), seja plausível: “[...] a hierarquia, ao mesmo tempo em que não pode ser subestimada, pode coexistir vinculada a um questionamento permanente quanto à pertinência dos modelos hierárquicos estabelecidos” (p. 29). De qualquer forma, vincular autoridade com o respeito e a obediência perante aquele que ocupa posição hierárquica superior – sem questionar como e por que tais posições existem da maneira que são apresentadas – dificilmente permitirá o desenvolvimento de responsabilidade por parte daqueles que devem respeitar e obedecer. A ideia de obediência retorna na fala de P22(1)23, só que agora a ênfase não se encontra na força individual da autoridade ou na força externa da hierarquia: “na minha opinião, autoridade é o ato de fazer o outro obedecer, não por força, mas sim por respeito”. O respeito como parâmetro que pauta a obediência relacionada à aceitação da autoridade procura distanciar-se de práticas autoritárias. Tal esforço de separar autoridade e autoritarismo foi recorrente em algumas devolutivas. Por exemplo, P16(1)24 considerou que “é importante notar que a autoridade não se confunde com o autoritarismo. Ela é um fenômeno que não é imposto, mas decorre de um reconhecimento dos membros do grupo sobre as habilidades que permitem ao seu detentor assumir uma posição de liderança”. A proposta de que a autoridade precisa ser reconhecida pelos membros de uma coletividade para ser válida é muito

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P22, professora, 33 anos, 6 anos de trabalho com educação, graduada em letras. P16, professor, 47 anos, 20 anos de trabalho com educação, graduado em história.

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importante, no campo educacional, no sentido de fundar a autoridade docente sobre a égide do diálogo. Uma argumentação similar, com ênfase na relação educativa, é exposta por P27(1)25:

O que acontece é que algumas vezes autoridade é confundida com autoritarismo. A autoridade é conquistada, não imposta, pois, no caso do professor, ele precisa mostrar que está na sala de aula com um objetivo, não apenas mostrando conhecimento, mas que assume um papel de líder juntamente com o grupo de alunos.

Deixa-se de lado a imposição como estratégia. A autoridade apresentada como conquista negociada retoma as apreciações de Guillot (2008) no sentido de valorizar o caráter de mediação nas relações de autoridade no contexto educacional. O tema da distinção entre autoridade e autoritarismo também é desenvolvido por P28(1), com a peculiaridade que a professora utiliza-se de um conceito de origem psicanalítica, mais especificamente da psicanálise lacaniana:

Autoridade, muito distante do termo autoritarismo, é algo de extrema necessidade no ato educativo. Autoridade é um termo que se refere à condição de “sujeito suposto saber”. Quem tem autoridade é um sujeito que é visto como alguém que sabe sobre o assunto em que tem autoridade e, portanto, é respeitado pelo grupo.

O “sujeito suposto saber” é uma categoria que, para Lacan, denomina a transferência, a demanda de significação (PORGE, 1993). Neste caso, as figuras do paciente e do analista são substituídas pela do professor e do aluno, respectivamente. O professor, na condição de “sujeito suposto saber”, é reconhecido como depositário de confiança, suas atitudes, decisões e interpretações são aceitas por um grupo como válidas devido ao seu conhecimento, o qual é base sobre a qual se assenta sua autoridade e não é exposto de maneira dogmática ou autoritária. Desta forma, P28(2) completa que “um professor que não é colocado como “sujeito suposto saber” sequer é ouvido pelos alunos. Não há como estabelecer uma relação com os alunos onde o produto seja a aprendizagem de conceitos que o professor ensina”. Os vínculos entre autoridade, respeito e limites foram estabelecimentos em diversos momentos por vários dos professores participantes. Por exemplo, para P16(4):

A autoridade decorre do conhecimento (e interesse) sobre o conteúdo a ser trabalhado com os alunos, da postura de respeito, da capacidade de articular e transmitir as ideias, mas, embora estas características contribuam para construir uma certa autoridade frente aos alunos, nem sempre são suficientes para manter um clima 25

P27, professor, 36 anos, 11 anos de trabalho com educação, graduado em letras.

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favorável ao aprendizado. Nesse sentido, por vezes, medidas coercitivas precisam ser tomadas para garantir condições para que o trabalho pedagógico ocorra.

Destaca-se nesta fala a percepção de que mesmo o diálogo, o respeito e o conhecimento podem não ser suficientes em algumas situações cotidianas da sala de aula. Há necessidade de coerção para que a relação educativa não descambe, para que os desafios postos pela resistência dos alunos a autoridade do professor, baseada no consenso, não a minem. Deve-se prezar por alguma disciplina em sala de aula, já que “a colocação e obtenção de fins pressupõe sempre a construção da vontade, ou seja, do controle – da disciplina – sobre a ação” (DAVIS; LUNA, 1991, p. 68). Não um controle sobre a ação despótico, mas elaborado a partir do exemplo, do docente enquanto modelo de conduta capaz de proibir desvios quando estes surgirem. Em outras palavras, “o interdito é estruturante da liberdade a ser conquistada. [...] Interditar é opor uma palavra a um ato” (GUILLOT, 2008, p. 55, grifos no original). Convém, todavia, relembrar que o par antagônico da interdição, o ato de autorizar, é componente essencial da autoridade assentada no diálogo e na ética. Ambos caminham juntos. O relato de uma situação concreta, e um tanto inusitada, em que a coerção fez-se necessária para a manutenção dos limites e da autoridade é feito por P25(4):

Eu opto pela prática do diálogo, infelizmente não posso mentir que algumas vezes isso não funciona, talvez por falta de paciência, ou porque a turma não lidou bem com tal situação. Isso aconteceu certa vez com minha sala, os alunos estavam agitados por ser fim de semestre, entretanto, conversando e passando atividade eles se acalmavam, mas a sala ao lado não parava, o que tive de intervir, infelizmente tratando-os como a velha “autoridade”, pois a professora não parava de chorar e a turma estava descontrolada. Eles se assustaram e ficaram quietos, mas não acho que isso poderia mudar o entendimento deles do que seja conversar com o professor, respeitar a aula.

A situação descrita por P25 parece configurar um caso de exceção, ainda assim é interessante perceber que a professora reconhece que a coerção por si mesma não tem potencial para criar a compreensão por parte dos alunos de que o professor deve ser reconhecido e respeitado. Com isso, pode-se retomar as considerações de Guzzoni (1995) mencionadas na seção 3.1: uma disciplina da obediência cega e do silêncio difere completamente de uma disciplina transformadora. Enquanto a primeira opera por meio da força e do domínio unidirecionais, a segunda é fundada na tentativa de diálogo, na busca do acordo entre sujeitos que ocupam posições diferentes com responsabilidades diversas, mas que devem conviver em um mesmo espaço.

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Por sua vez, P15(3)26 elenca diversos elementos por ela considerados importantes para o efetivo desempenho de uma autoridade centrada no diálogo:

Hoje o professor já não tem mais a autoridade que ele acha que tinha, pois ela era conquistada através do medo. Hoje para [o professor] conseguir desempenhar esse papel ele tem que agir com respeito, coerência, sinceridade, amizade, equilíbrio, bom senso e acima de tudo humanidade, pois o aluno hoje é questionador, ele tem acesso a todo tipo de informação o tempo todo.

A autoridade conquistada pelo medo, uma forma de autoritarismo, perde força na medida em que as relações entre as gerações são modificadas. Como Arendt (2007) bem salientou, a tradição por si só não é, no mundo moderno, capaz de afirmar e de afirmar-se por meio princípio de autoridade. O acréscimo do respeito, da coerência, da sinceridade, da amizade, do equilíbrio, do bom senso e da humanidade aparece como tentativa de prover categorias para a efetivação de uma autoridade pautada em outras bases que não o medo e a imposição autoritária: o reconhecimento do aluno como sujeito dotado de individualidade e vontade; a valorização do desenvolvimento da autonomia; o incentivo à convivência dialógica. Não se trata de afirmar a utopia de um mundo onde todos se escutam e se respeitam e onde os conflitos são superados sem traumas. Antes, é a proposta de elaborar, enfrentando os percalços, uma práxis que enfrente os problemas do presente sem massacrá-los – os problemas e os alunos – sob o peso do passado, que perceba a realidade como um desafio frente ao qual o campo ainda está aberto para uma gama variável de ações visando o futuro de maneira promissora, dotado de potencialidades positivas. 5.3. Os intercâmbios entre autoridade e ética Com as discussões realizadas até o momento pode-se assumir certa segurança para afirmar que a autoridade não é redutível a um conjunto fixo de princípios, passíveis de esquematização simples e aplicáveis a partir de um passo-a-passo pedagógico. Entre as diversas variáveis que influem junto ao conceito de autoridade discutidas até aqui – autoritarismo, autonomia, respeito, tolerância, responsabilidade, diálogo, consenso, limite, controle, domínio, etc. –, uma delas merece destaque: a ética. Muitas das variáveis que influem na práxis da autoridade também estão presentes, como negatividade ou positividade, na práxis referente á ética. Das 28 devolutivas obtidas para esta pesquisa, em 25 foi afirmado que autoridade e ética estão unidas na relação educativa. Diversos foram os enfoques dados pelos professores para a relação entre ética e autoridade. Desses, três foram privilegiados para 26

P15, professora, idade não informada, tempo de trabalho com educação não informado, graduada em ciências.

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análise, de acordo com os critérios de recorrência e relevância: a questão ética entendida de uma perspectiva social, dialógica, ao invés de individualista; a relação entre ética, autoridade e liderança; e o reconhecimento do vínculo entre ética e autoridade como uma necessidade e, ao mesmo tempo, uma dificuldade. Das aproximações entre autoridade e ética na relação educativa, muitas tiveram como parâmetro a multidirecionalidade das exigências éticas, ou seja, a autoridade ética existe quando exercida entre os indivíduos de um contexto. Para P16(5), “A autoridade é diretamente proporcional ao comportamento ético do professor”. Em outras palavras, se o professor exige um comportamento ético por parte dos alunos sem exercer ele mesmo um comportamento ético não se pode esperar que sua autoridade possua alguma efetividade. Nas palavras de P27(5), “aquele que falta com a ética certamente perderá ou não terá autoridade”. Tais pensamentos seguem de perto o raciocínio de Guillot (2008), quando este diz que “uma autoridade ética supõe, evidentemente, uma ética da autoridade”, pois, professores “que gritam, se irritam, castigam, fazem isso por falta de autoridade. [...] A autoridade imposta suscita submissão ou revolta e logo se revela contraprodutiva” (pp. 175-176). Se a ética e autoridade devem operar em consonância na medida em que a primeira perpassa o conjunto das relações em sala de aula, então, pode-se questionar qual tipo de autoridade docente melhor condiz com a ética? Na opinião do P21(5)27, “é imprescindível que autoridade e ética sejam trabalhadas sempre, pois, quando se propõe agir com autoridade é necessário agir de forma ética. Ou seja, sem autoritarismo”. A ética como horizonte delimitador da ação do conceito de autoridade aparece como um entrave para o surgimento e prática do autoritarismo na relação educativa. Com uma argumentação semelhante, P17(5) diz que “para que o professor mantenha e execute a sua autoridade dentro da sala de aula, é necessário que este saiba a fazer de maneira respeitosa e com ética, sem abusar deste “poder” que ele tem”. A ética funcionaria para estabelecer os limites da autoridade do professor, assim como também os limites da ação do aluno. É certo que raramente se encontram situações ideais em que todos os componentes de uma sala de aula adotam, simultaneamente, posturas éticas. O esforço educativo passa por aquilo que P11(2) expõe: “acredito que a conscientização por parte dos alunos de que o professor é uma autoridade em sala é importante. Até mesmo para existir uma conduta moral nos alunos, mas é claro, não [pode] existir uma conduta arbitrária do professor”. Autoridade e

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P21, professora, 35 anos, 2 anos de trabalho com educação, graduada em pedagogia.

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ética são apresentados como fatores que permitem, a partir de constante interação, a seu mútuo estabelecimento, consolidação e expansão. Não se espera que a ética crie a partir do nada a convivência ideal entre diferentes sujeitos. Antes, com o auxílio das reflexões por ela proporcionadas, é possível constantemente revisar atitudes e pautar novas linhas de ação. Dando sequência a essa reflexão, P25(5) afirma o seguinte:

para que você seja respeitado e respeite os alunos é necessário ser ético com o trabalho. Nosso trabalho é extremamente humano, devemos compreender a cultura e o social de nossa realidade em sala de aula, a autoridade se constrói mais com respeito do que com a ideia de que essa relação não é mútua.

O reconhecimento da humanidade e o respeito às diferenças: dois aspectos essenciais para o pensamento ético. Nesta perspectiva, em primeiro lugar, a autoridade pode ser um meio utilizado pelo docente para fazer com que ele, juntamente com os alunos, desenvolva noções inclusivas da humanidade por meio do combate aos preconceitos. Tal proposta de ação não precisa, nem deve, estar vinculada com uma disciplina escolar específica. Em segundo lugar, como complemento, o respeito mútuo auxilia no estabelecimento dos limites até onde a autoridade pode expandir-se sem romper seu vínculo com a ética. Tais opiniões permitem que se volte a mencionar o conceito de autoridade de bons tratos, conforme discutido por Guillot (2008). Uma autoridade de bons tratos possui simultaneamente verticalidade e horizontalidade: verticalidade porque “reconhecer a autoridade legítima de uma pessoa implica obedecer à sua autoridade, aceitar sua legitimidade, e não se submeter à sua subjetividade”; já a horizontalidade consiste no “reconhecimento e [n]o respeito recíprocos da plena e total dignidade humana de cada uma das duas pessoas”; por fim, “é no cruzamento dessa verticalidade e dessa horizontalidade que está o ponto cardeal que garante os bons tratos dessa autoridade” (GUILLOT, 2008, p. 155, grifos no original). Desta maneira, é possível aproximar a autoridade de bons tratos da consideração elaborada por P4(5):

através da autoridade o professor pode ensinar o aluno a ter limites e respeito ao próximo. O respeito ao próximo e os limites dados às pessoas fazem parte da ética. Através da autoridade o professor pode ensinar ao aluno noções de ética que o aluno levará para a vida toda. O professor também deve saber o seu limite com o aluno e isso faz parte da ética profissional.

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A autoridade ética – ou de bons tratos – não existe em si. Ela existe para e com o próximo. Sua perspectiva relacional, vinculada ao respeito e aos limites, permite ao professor tentar diversas aproximações, com paciência e determinação em sua práxis pedagógica, que considerem a pluralidade de interesses e atitudes dos alunos, inclusive as resistências. Como diz Guillot (2008, p. 164), “se informar sobre as motivações, as referências, as influências dos alunos, dando-se ao trabalho de se interessar por alguns exemplos, é sem dúvida, tão útil quanto conhecer detalhadamente as fases do desenvolvimento de sua inteligência”. Outra relação recorrente nas respostas obtidas é aquela que aproxima autoridade, ética e liderança. Por exemplo, P15(5) expressa o seguinte raciocínio: “a partir do momento que você age com as qualidades de um líder positivo, ou seja, aquele que age de maneira moralmente correta, por consequência o poder de autoridade lhe é concedido pelos alunos e companheiros de trabalho”. Partindo da identificação de maneira “moralmente correta” com maneira “ética” pode-se arguir que um líder positivo utiliza eticamente sua autoridade e por isso obtém o reconhecimento de sua posição. A ênfase na positividade do líder permite supor a possibilidade de lideranças negativas. Estas podem ser objeto de aproximação com as opiniões apresentadas sobre hierarquia anteriormente na seção 5.2: a compreensão das hierarquias como inquestionáveis pode ser a armadilha através da qual um líder negativo encontra espaço para estabelecer sua tirania, firmada com o auxílio do autoritarismo, contra o desenvolvimento tanto da autonomia quanto da responsabilidade. Por sua vez, P16(2) realiza a conexão ética-autoridade-liderança da seguinte forma:

Sem autoridade, não há referência intelectual e moral e portanto, não há liderança do professor no processo de ensino-aprendizagem. Entendendo liderança como um fenômeno natural na organização dos grupos humanos decorrente de maior experiência, vivência, visão, capacidade de articulação, de seu detentor. Para seu desenvolvimento intelectual, social e afetivo, os alunos precisam ter contato com essas referências, que devem conferir uma autoridade ética e intelectual.

A existência da liderança é naturalizada, mas não se justifica a existência e afirmação de qualquer tipo de liderança. Os fatores citados – experiência, vivência, visão, articulação – como característicos de um líder não devem ser impostos sobre os alunos. Ao contrário, justificam a competência segundo a qual o líder deve ser reconhecido como autoridade e, consequentemente, como referência intelectual e moral. Para completar o argumento, P16(1) prossegue elaborando uma síntese interessante do conceito de autoridade:

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Autoridade é o fenômeno que permite a uma pessoa se colocar como referência intelectual, moral/ética e política perante os membros de uma determinada comunidade. Essa “referência” acaba dotando a pessoa que detém a autoridade de certa liderança e responsabilidade sobre o grupo.

Desta forma, há na fala de P16 uma forte coerência. Ao propor a ligação entre autoridade, ética e liderança como método para desenvolver uma práxis, permite-se a efetiva criação de vínculos de responsabilidade na relação professor e aluno. Este tipo de atitude é promissora para o desenvolvimento da autonomia. Da autonomia que “não é independência total, que não é possível, mas a capacidade de assumir suas interdependências sociais tendo consciência de suas implicações e do que está em jogo” (GUILLOT, 2008, p. 49). Uma prática da autoridade que contemple a autonomia como “uma ética de vida pela qual o sujeito se preocupa consigo e com sua liberdade, levando em conta o cuidado com o universal” (GUILLOT, 2008, p. 49). Ou seja, é possível pensar e praticar autoridade, ética e autonomia conjuntamente. Por fim, dada sua relevância, um último tópico das relações entre autoridade e ética apresentadas pelos sujeitos pesquisados envolve a oscilação entre dois aspectos de uma mesma preocupação: de um lado, o reconhecimento da necessidade de vínculos ativos entre autoridade e ética na educação; de outro, o reconhecimento da dificuldade de trazer para a prática estes vínculos. Dando expressão ao primeiro aspecto, P8(5) considera que:

Aprender a ser cidadão é, entre outras coisas, aprender a agir com respeito, solidariedade, responsabilidade, justiça, não-violência, aprender a usar o diálogo nas mais diferentes situações e comprometer-se com o que acontece na vida da comunidade. Esses valores e essas atitudes precisam ser aprendidas e desenvolvidas pelos alunos e, portanto, podem e devem ser ensinadas na escola. A escola é coresponsável na formação do indivíduo, reforçando os valores necessários para a boa formação ética e moral.

O âmbito da cidadania, valorizado a partir de uma perspectiva democrática e participativa, é colocado em destaque. A escola seria um dos locais responsáveis pela constituição dos novos cidadãos. Porém, não o único. Pode-se inferir que a responsabilidade sobre a formação cidadã é compartilhada com as famílias em específico e com a sociedade em geral. Nesse sentido, Machado (2010) defende que os familiares devem prover referências relativas aos valores de seus filhos, de forma que seja possível interferir dialogicamente nos projetos dos filhos, interferência que, por sua vez, deve ser “continuamente mediada, no dia a dia da escola, pela atividade e pela autoridade do professor” (p. 68). Por sua vez, o outro aspecto é expresso de forma angustiada por P12(5):

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Para mim a ética está relacionada com todas as áreas da minha vida, devo ser ético em tudo o que faço, em tudo que vivo, mas não sei lhe dizer ou medir o quanto os meus métodos de ensino, que são autoritários, estão sob o ponto de vista ético corretos ou não. Portanto não consigo relacioná-los.

O reconhecimento da importância e da necessidade da presença da ética em todas as esferas da vida é acompanhado pela desconfiança frente aos métodos de ensino adotados, considerados autoritários. Surge então a questão: o que pode levar um docente a reconhecer a importância da ética e, ao mesmo tempo, adotar conscientemente uma prática educativa que lhe é antagônica? A seguir são discutidos alguns elementos que contribuem para a reflexão sobre esse dilema. 5.4. Autoridade entre a escola e a sociedade Conforme discutido com alguns pormenores as seções 2.1, 2.2 e 2.3, o conceito de autoridade origina-se fora do âmbito pedagógico. Pensá-lo na prática educativa é necessário, como esboçado nas seções 3.1, 3.2 e 3.3. Contudo, espera-se que tal divisão, artificial, porém necessária, não tenha criado a ilusão de que as duas esferas operam em campos totalmente distintos. O que está em jogo é algo unívoco: a convivência humana neste mundo. Nas devolutivas recolhidas para esta pesquisa, percebeu-se que muitos dos participantes também reconheceram a autoridade enquanto conceito integrante da existência humana tanto dentro quanto fora das escolas. Contudo, em diversos momentos, tal reconhecimento foi acompanhado de certa desolação perante a realidade contemporânea. Inclusive, uma destas manifestações retoma a consideração de Arendt (2007) exposta de que a modernidade encontra-se no meio de uma crise da autoridade, com sérias repercussões para a educação. Nas palavras de P8(3), “é muito comum se falar em crise da autoridade atualmente. A falta de autoridade dos pais e professores estaria produzindo uma crise moral na atual sociedade. O respeito, a obediência tem se perdido muito”. Esta primeira manifestação é uma entre as muitas devolutivas que apresentaram entraves presentes nas condições de trabalho docente, os quais advêm de fontes diversas. Um dos alvos identificados como prejudicial para o desenvolvimento tanto da autoridade docente quanto da educação de uma forma global foram as políticas públicas estaduais de São Paulo voltadas para a educação. Sobre este ponto, P16(3), desenvolveu uma argumentação na qual demonstra clara insatisfação: A política educacional na Rede Pública de São Paulo não contribui para que a autoridade do professor seja construída nos princípios citados anteriormente [de uma liderança positiva, ética e responsável]. Culpabilização do professor pelo fracasso do sistema, progressão

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continuada, pressão sobre a escola que procura garantir condições mínimas para que o ensino ocorra de fato, baixa estima do corpo docente e desvalorização salarial. Tudo isso contribui para que o professor se fragilize no seu trabalho, minando sua autoridade.

Mas isso não é tudo, pois P16(5) ainda completa, ao mencionar que as diretrizes educacionais da Secretaria de Educação do Estado de São Paulo “dificultam muito a construção de uma relação na qual o conhecimento e a postura ética sejam suficientes para fundamentar uma relação de respeito com relação a autoridade por parte dos alunos”. Segundo a interpretação de P16, a macro-organização da rede pública de ensino paulista que, em teoria, deveria promover a articulação para a melhoria da qualidade da educação, termina por prejudicá-la. Em uma entrevista realizada no ano de 1988, o pedagogo Paulo Freire expôs sua insatisfação frente às políticas desenvolvidas por diferentes Secretarias de Educação: considerava haver “um autoritarismo nas estruturas que gera uma incompetência que se explicita nas determinações” (1989, p. 7). A partir da segunda metade da década de 1990, com continuidade até os dias atuais, o Brasil passou a acompanhar “a tendência em nível mundial que apontava na direção de maior flexibilidade na gestão, maior autonomia às escolas e maior responsabilização dos docentes” (OLIVEIRA, 2011, p. 327). Do engessamento autoritário para a flexibilização neoliberal. Para Oliveira (2011), os três principais problemas contemporâneos das políticas educacionais brasileiras são o eleitoralismo – que vincula a educação com políticas de governo ao invés de políticas de Estado28 –, o experimentalismo pedagógico (implementação de propostas educacionais sem a devida análise e estudo do contexto) e o voluntarismo ideológico (tentativa de resolver todos os programas educacionais e sociais de uma vez só). Com a exposição desse breve histórico, a insatisfação de P16 pode ser melhor compreendida em seu contexto. Mas há mais causas para descontentamento. Paro (2001), menciona duas razões centrais para má qualidade do ensino público brasileiro: a primeira delas é “a falta de escolas de verdade, com condições adequadas de funcionamento”; a segunda refere-se à “ausência, em nosso sistema de ensino, de uma filosofia comprometida explicitamente com uma formação do homem histórico, que, ultrapassando os propósitos da mera sobrevivência, se articule com o objetivo de viver bem” (p. 306-307, grifos no original). Pode acontecer da finalidade da educação expressa – ou oculta – nas políticas públicas não 28

De acordo com Oliveira (2011), políticas de governo e políticas de Estado podem ser diferenciadas da seguinte maneira: as primeiras “são aquelas que o Executivo decide num processo elementar de formulação e implementação de determinadas medidas e programas, visando responder às demandas da agenda política interna, ainda que envolvam escolhas complexas”; já políticas de Estado são “aquelas que envolvem mais de uma agência do Estado, passando em geral pelo Parlamento ou por instâncias diversas de discussão, resultando em mudanças de outras normas ou disposições preexistentes, com incidência em setores mais amplos da sociedade” (p. 329).

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condizer com aquilo que os docentes entendem que deve ser o objetivo da atividade educacional. Outro ponto considerado negativo para o trabalho docente é destacado por P1(3):

Atualmente falta autoridade na relação educativa, pois os meios de comunicação, a família, o ECA, coíbem muitas ações, dificultando o trabalho educativo. Lembrando que existem exceções, pois em sala de aula, as formas muito liberais não conseguem transmitir o conhecimento básico necessário para dar continuidade ao estudo, nem preparação para a convivência social.

Aqui a acusação é feita em duas frentes. Primeiro, criticam-se os meios de comunicação, a família e a legislação como entraves para a atuação docente. Algumas hipóteses para explicar as críticas de P1 podem estar relacionadas com as seguintes crenças: de que os meios de comunicação, relacionados com a aceleração na disseminação de informações, atuam como elemento dispersivo que retira do docente o papel de referência para a juventude; de que a família, cada vez mais, principalmente no ensino público, distancia-se da escola e, consequentemente, do acompanhamento do desempenho escolar de seus filhos; de que a transformação de crianças e adolescentes em sujeitos de direitos – por meio do Estatuto da Criança e do Adolescente – retiraria a autonomia parental e/ou docente para educar seus filhos/alunos. No segundo momento, a crítica de P1 é reservada para o excesso de liberalismo em sala de aula. Se este for entendido como a abdicação completa da autoridade em sala de aula, então, realmente, é problemático, pois conforme Freire (1989), Guillot (2008) e Machado (2010) ressaltam, a ausência de autoridade pode ser tão prejudicial quanto o autoritarismo. Mais um viés dos desafios enfrentados pelos docentes é acrescentado por P14(3)29 ao ressaltar que “seria muito fácil escrever sobre a falta de autoridade, devido ao tamanho desrespeito dos alunos com os professores. Antes éramos respeitados porque possuíamos o conhecimento. Hoje em dia, os alunos não levam isso em consideração”. Como complemento, P6(3) destaca que “na verdade a classe dos professores está tão desacreditada, que os alunos testam a autoridade do professor”. As rápidas transformações das últimas décadas aceleraram exponencialmente a velocidade da troca de informações. A dinâmica das sociedades de mercados valoriza em demasia as novidades, rapidamente substituíveis e prontamente descartáveis. Nesse contexto, a escola é uma instituição que enfrenta o desafio de promover o equilíbrio entre transformação e conservação de uma maneira que seja reconhecida positivamente 29

pela

juventude.

Consequentemente,

aqueles

P14, professor, 32 anos, 7 anos de trabalho com educação, graduado em história.

que

devem

assumir

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responsabilidade pelos estudantes pelo processo de ensino-aprendizagem – ou seja, todos os funcionários da escola, com destaque para os professores – enfrentam resistências que colocam muitas vezes em cheque seu próprio papel social. Tal situação pode afetar negativamente a autoestima de todos os envolvidos com o trabalho educativo, principalmente dos professores, conforme exposto por alguns dos professores que participaram desta pesquisa. Os percalços citados até o momento podem ser resumidos na fala de P27(3), quando considera que a autoridade:

Está um pouco abalada, pois as condições de trabalho do professor não colaboram para que ele possa desenvolver de modo efetivo seu trabalho, além de que alguns fatores familiares e sociais podem influenciar negativamente em tal relação e até mesmo causar indisciplina.

Essa síntese possibilita o entendimento de que não se recupera a autoridade ética apenas a partir da sala de aula. Para P20(3), “hoje em dia ocorrem muitos conflitos porque alguns alunos, por uma questão de educação, não reconhecem nenhuma posição de autoridade”. A temática da crise da autoridade – e suas implicações de crise na tradição, na educação e na política – discutida por Arendt (2007) na década de 1960 parece manter sua atualidade. Por sua vez, P28(3) acrescenta mais elementos que contribuem para que não se incorra

no

equívoco

de

culpabilizar

unicamente

os

docentes

pelos

problemas

macroestruturais:

Hoje a escola está vazia de significado para os sujeitos e uma das principais causas é a perda da autoridade não apenas da figura do professor, mas da escola em si. A sociedade vê a escola como uma instituição formadora no sentido de colocar na fôrma e o professor como um sujeito fracassado. Nem a escola tem autoridade, nem o professor. E enquanto isso ocorrer, ou seja, a sociedade não autorizá-los a promover a educação, não haverá sentido na instituição escolar tal como a conhecemos.

Assim, o entendimento do conceito e da prática da autoridade na relação pedagógica não pode ser realizado considerando-se apenas as relações presentes nas escolas. Não se constroem mudanças da escola para a sociedade, mas entre a escola e a sociedade, a partir da troca constante. Educação não é apenas um valor escolar, é um valor humano, presente em todas as esferas da vida. Caso a amplitude do problema não seja reconhecida, corre-se o risco de que a confissão de P12(4) seja cada vez mais recorrente: “infelizmente na escola onde leciono tenho que ser autoritário, não consigo de outra forma fazer com que os alunos façam as atividades”.

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6. CONSIDERAÇÕES FINAIS Dois termos similares podem sintetizar o conceito e a prática de autoridade conforme as opiniões apresentadas pelos professores que participaram desta pesquisa: pluralidade e polissemia. Pluralidade porque a variedade de contextos e situações para os quais a autoridade demonstrou sua (in)operosidade variou bastante. Polissemia porque os significados atribuídos para a autoridade oscilaram de maneira acentuada: desde pequenas nuances que podem ser acrescidas para a conformação de um mesmo conceito, até diferenças expressivas que permitem distinguir interpretações sobre a autoridade incompatíveis entre si. A ética, conceito central escolhido para dialogar com o de autoridade teve o vínculo com este quase unanimemente reconhecido. Contudo, apesar de reconhecerem a necessidade de trabalhar ética e autoridade em conjunto, diversos professores atestaram dificuldades para concretizar em práticas efetivas esta ligação. A autoridade, dependendo do enfoque recebido, demonstrou que pode ser tanto agregadora quanto dispersiva, tanto respeitosa quanto desrespeitosa, tanto ética quanto antiética. Não se conclui disso que ela seja algo cuja significação é tão volátil que impossibilite qualquer definição. O cerne da questão reside no fato de que a autoridade por mais que se busque a definição de um tipo ideal de autoridade, sua prática cotidiana apresenta variações de amplo espectro: pode-se falar da existência de uma autoridade democrática, assim como também de uma autoridade autoritária. O importante é perceber que o teor da variação no entendimento e na prática influencia diretamente em sua positividade ou negatividade na relação pedagógica: em casos em que o autoritarismo é manifesto e predominante, as consequências com mais probabilidade serão negativas; em casos em que a autoridade é construída sob a égide da transparência e do diálogo, por exemplo, as consequências com mais probabilidade serão positivas. Especificamente em relação às diferentes definições de autoridade apresentadas pelos professores, podem-se destacar dois pontos. Em primeiro lugar, é interessante elencar algumas das muitas categorias utilizadas pelos professores para auxiliar na definição de autoridade: controle, limite, hierarquia, respeito, domínio, imposição, ética, boa convivência, responsabilidade, poder, liderança, obediência, entre outras. Em segundo lugar, dependendo da ênfase – mais autoritária ou mais dialógica – que o docente planejou para descrever seu conceito e sua prática da autoridade, diferentes categorias foram privilegiadas. De uma maneira genérica, pode-se afirmar que os professores reconhecem a importância da autoridade na relação educativa, e a reconhecem das mais diversas maneiras:

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tanto de formas autoritárias quanto de formas dialógicas. Todavia, no que concerne ao julgamento sobre a situação da autoridade contemporaneamente nas escolas, o quadro não é muito otimista: grande parte dos sujeitos pesquisados demonstrou certo desalento. Este foi exemplificado de formas diversas: os alunos não reconhecem mais nenhuma autoridade; a autoridade fora da escola perdeu força, tanto na família quanto na sociedade em geral; as políticas públicas dificultam a efetivação da autoridade docente; os professores estão desacreditados e são desvalorizados socialmente. A autoridade, em suma, aparece em crise, porém, permanece necessária e apresenta-se como um constante desafio que não pode ser ignorado e para o qual não se tem uma solução única e definitiva. Uma lição que fica desta pesquisa é a compreensão da autoridade não como mera questão teórica. Teoria sim, prática também: a autoridade na relação educativa é necessária enquanto práxis. Obviamente, das alternativas possíveis vislumbradas, aquelas que tentaram conciliar o estabelecimento e preservação da autoridade em relação com a ética por meio do diálogo e do incentivo à autonomia merecem maior incentivo. Em resumo, as alternativas desejadas para a autoridade educativa são aquelas que permitam a valorização do potencial humano, com a garantia da liberdade. Nem sempre isso é possível em todos os momentos do convívio em sala de aula, conforme alguns relatos deixaram transparecer, pois conflitos também são parte integrante da convivência humana, dentro e fora da escola. Não se trata de impor um ideal inalcançável ou utópico, mas de ter consciência de qual caminho é a meta a ser buscada para a difícil práxis da autoridade em educação.

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APÊNDICES APÊNDICE A. Questionário utilizado na presente pesquisa Prezado(a) Professor(a), Este questionário foi elaborado com fins acadêmicos para um curso de especialização em Ética, Valores e Cidadania na Escola oferecido pela USP e UNIVESP. Ele é anônimo e individual e sua participação nesta pesquisa não implica em nenhum benefício pessoal, não é obrigatória e não trará riscos previsíveis. Agradecemos muito sua colaboração! Pós-graduando: Rodolfo Cesar Mendes de Almeida

Questionário Sexo: F ( )

M( )

Idade: Tempo de trabalho em instituições educativas: Formação: ( ) Graduação. Em que: __________________________________________ ( ) Especialização. Em que: ______________________________________ ( ) Mestrado. Em que: ___________________________________________ ( ) Doutorado. Em que: __________________________________________ 1 – Defina, de acordo com sua experiência, o que é autoridade.

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2 – A autoridade é importante na relação educativa? Justifique.

3 – Comente sobre a situação atual da autoridade na relação educativa.

4 – De quais maneiras, em sua vivência cotidiana na sala de aula, você lida com a ideia e a prática da autoridade? Se possível, cite o exemplo de uma situação real ou hipotética.

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5 – Em sua opinião, autoridade e ética estão relacionadas na relação educativa? Justifique.

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APÊNDICE B. Termo de consentimento livre e esclarecido utilizado para esta pesquisa

TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO Autoridade e ética: dinâmicas da relação professor-aluno no espaço escolar Pesquisador responsável: Rodolfo Cesar Mendes de Almeida Eu,________________________________________________________,

brasileiro(a),

residente na cidade de ___________________________________________, declaro ter conhecimento sobre a pesquisa “Autoridade e ética: dinâmicas da relação professor-aluno no espaço escolar” que tem como objetivo geral compreender se o reconhecimento de papéis de autoridade no espaço escolar é visto como importante para o desenvolvimento de responsabilidades éticas e sociais. O procedimento refere-se à utilização de um questionário composto por questões abertas e fechadas. É de meu conhecimento que a minha participação nesta pesquisa não implica em nenhum benefício pessoal, não é obrigatória e não trará riscos previsíveis. Caso deseje, sei que posso desistir a qualquer momento, sem que isso me cause prejuízo. Não haverá nenhuma forma de reembolso de dinheiro, já que com a participação na pesquisa, não terei nenhum gasto. Diante disso, aceito participar voluntariamente desta pesquisa, sabendo que os dados coletados estarão sob o resguardo científico e o sigilo profissional e contribuirão para o alcance dos objetivos deste trabalho e para posteriores publicações dos dados.

_____________________________________________________________ Assinatura do participante

____________________________________________________________ Assinatura do pesquisador

Campinas, _____/_____________/2012

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