Descartes: Uma Introdução

July 16, 2017 | Autor: Kherian Gracher | Categoria: Descartes
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Descartes: Uma Introduca ~o  Kherian Gracher [email protected]

Se ha um pante~ao dos losofos mais in uentes que ja existiram, Rene Descartes com certeza faz parte dele. Em 1596, perodo em que Shakespeare escrevia Hamlet, Descartes nasce no vilarejo de Touraine, na Franca, que posteriormente foi batizado em sua homenagem passando a chamar \La-Haye-Descartes". Considerado como o pai da loso a moderna, Descartes passou dos 11 aos 19 anos estudando os classicos e loso a no colegio jesuta de La Fleche. Durante toda a sua vida ele foi catolico, mas passou a maior parte de sua maturidade na Holanda, pas protestante que era conhecido por ser sua liberdade de express~ao e religiosa - ao menos em comparac~ao com os outros pases europeus da epoca. Ao 20 anos, em 1616, Descartes se formou em direito em Poitiers, mas abandonou seus estudos e se alistou em dois exercitos diferentes. Sim, ele pegou em armas nas guerras religiosas que dividiram a Europa e se alistou em ambos os lados, em perodos diferentes. Para ter uma ideia, ele chegou a se alistar no exercito de Maurcio de Nassau - sim, aquele Conde (que se tornou prncipe depois) que veio ao Brasil com a Companhia das Indias Ocidentais. Descartes, ainda que seja considerado um dos maiores losofos da historia da loso a, diferente dos outros losofos ele jamais lecionou. Ele era um homem privado, mas que queria sua obra o mais difundida possvel. Tanto e que sua obra mais famosa n~ao foi publicada originalmente no latim, lngua adotada nas universidades e meios letrados sendo considerada a mais \culta", mas ele escreveu diretamente no franc^es, de forma que pudesse ser entendido por todos - ainda que n~ao fosse um acad^emico. Alem disso ele zombava a seus amigos sobre sua capacidade de escrita, que ainda hoje e clara e objetiva (muito diferente dos textos classicos de loso a) fazendo com que seus livros pudessem ser lidos \como se fossem romances".  Texto de divulgac~ ao (www.universoracionalista.org)

publicado

no

portal

Universo

Racionalista

Descartes, ainda que seja reconhecido como o pai da loso a moderna, tambem e estudado na fsica e matematica, reverenciado como aquele que lancou as fundac~oes da geometria analtica. Ate hoje e ensinado nas escolas as coordenadas cartesianas, que foram batizadas a partir da forma latina de seu sobrenome, Cartesius. Descartes foi um cientista moderno. Quando um estranho pedia para ver sua biblioteca, Descartes apontava para as carcacas de um animal dissecado, alem dele proprio fabricar as lentes que usava em seus experimentos de otica. Ele con ava na experi^encia pratica, antes que no aprendizado teorico. Mas con ava ainda mais em suas re ex~oes loso cas. Em 1632, Descartes estava prestes a publicar uma obra que visava explicar \a natureza da luz, o Sol e as estrelas xas que a emitem, os ceus que a re etem ou transparentes ou luminosos e do Homem, seu espectador". Seu sistema era helioc^entrico, ou seja, a terra era apenas mais um planeta girando em torno do Sol. Essa obra foi intitulada \O Mundo" e estava prestes a ser impresso quando Descartes descobriu que Galileu tinha acabado de ser condenado por sustentar o sistema copernicano, que tambem e helioc^entrico. Para evitar con itos e ser perseguido, ele guardou sua obra em seus arquivos. Ao inves de publicar sua obra O Mundo, Descartes resolveu publicar em 1637 \alguns exemplos de seu metodo", que continham como prefacio \um discurso para bem conduzir a propria raz~ao e procurar a verdade nas ci^encias". Entre as obras, que s~ao lidas em sua maioria pelos historiadores da ci^encia apenas, esta uma das obras mais famosas de Descartes - que diferente das outras e lida ate hoje pelas mais diversas areas, principalmente pela Filoso a. O seu Discurso do Metodo pode ser considerado uma das obras mais populares entre todos os classicos da loso a, cuja import^ancia e comparavel as obras de Plat~ao e Aristoteles, com a vantagem de ser uma obra curta e muito mais legvel por um leitor n~ao especializado. Logo em sua introduc~ao ha uma das frases loso cas que pode ser adaptada para todos os tempos e sociedades, pois parece atingir em cheio a natureza do ser humano: \O bom senso e a coisa mais bem distribuda no mundo, pois cada um pensa estar t~ao bem provido dele que mesmo aqueles que s~ao mais difceis de se contentar em qualquer outra coisa, n~ao costumam desejar t^e-lo mais do que o t^em.(. . . )" O Discurso do Metodo e a obra de Descartes que sintetiza seu pensamento diante do modo como devemos adquirir conhecimento. Do metodo que devemos usar, de acordo com ele, para conseguirmos encontrar verdades sobre nos e sobre 2

o mundo a nossa volta. Tomando para si a ideia de empreender uma reforma de todo entendimento humano, tentando apresentar que todas as disciplinas eram meros ramos de uma unica e maravilhosa ci^encia, fundamentada sobre os alicerces da loso a, Descartes oferece seu metodo. Nesta obra sucinta ele apresenta seu metodo, mas apenas na obra Meditac~oes Metafsicas, ou tambem traduzida como Meditac~oes Sobre a Filoso a Primeira, que Descartes apresenta os argumentos para defender sua posic~ao loso ca. Uma curiosidade sobre esse texto e que antes de ser publicado, Descartes pediu para um amigo encaminhar o texto para alguns acad^emicos e pensadores da epoca, esperando por comentarios e crticas. Descartes recebeu seis conjuntos de objec~oes as teses apresentadas no Discurso do Metodo, que foram impressos junto das replicas feita por Descartes, em um extenso ap^endice a primeira edic~ao de 1641. Sendo assim, o Discurso do Metodo foi a primeira obra revista por pares da historia, isto e, a primeira obra que recebeu comentarios, crticas e objec~oes antes de ser publicada. Esse metodo de revis~ao por pares e hoje algo natural no meio cient co e acad^emico. Todos as obras cient cas atualmente, sejam livros ou artigos, passam por revis~ao de especialistas. No caso dos livros a revis~ao geralmente e feita tal como Descartes fez, ou seja, fazendo o texto circular no meio dos especialistas da area. Ja no caso dos artigos, as revistas especializadas (chamadas de \periodicos acad^emicos"), ao receberem um artigo para a publicac~ao, fazem com que o artigo passe por uma equipe de revisores antes de aceitar ou n~ao a publicac~ao. A isso tambem devemos a Descartes. Diferente dos losofos medievais, que se engajavam cada um a seu modo na tentativa de transmitir um corpo de conhecimento ja fundamentados em escritores classicos, e que tal transmiss~ao poderia apenas tornar o aperfeicoamento de ideias possvel; E diferente dos losofos renascentistas, que pensavam estar redescobrindo e oferecendo fundamentac~oes modernas para os textos antigos, sem cair na exegese tal qual faziam os medievais; Descartes via a si proprio como um divisor de aguas, como o primeiro losofo desde a Antiguidade a apresentar uma tese de fato inovadora. Ainda que seja argumentavel se ele de fato conseguiu isso, e consenso entre os losofos e historiadores da loso a que Descartes desenvolveu, ou ao menos apresentou um so sticado sistema loso co poucas vezes visto ate ent~ao.

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O Metodo Cartesiano

O metodo proposto por Descartes pode ser resumido da seguinte maneira: devemos p^or em duvida tudo aquilo que pode nos parecer falso. Deveramos encarar com ceticismo tudo o que nos apresentam, e com essa mesma postura deveramos encarar tudo o que defendemos. De acordo com esse metodo, deveramos sempre fornecer fundamentac~oes solidas para nossas teses, fundamentac~oes essa que sejam irrefutaveis a luz do ceticismo. A partir dessa fundamentac~ao deveramos reconstruir todo o nosso edifcio de conhecimento. Teramos assim uma base, um fundamento inquestionavel que a partir dele poderamos, por argumentos dedutivos e por um metodo claro e criterioso, remontar passoa-passo esse edifcio. Assim, en m, teramos um conhecimento fundamentado, aceito indubitavelmente (ou seja, sem duvida ou questionamento contra), de modo que poderamos a rmar com certeza o que conhecemos, sem recairmos nos argumentos ceticos e nas ilus~oes do raciocnio obscuro e infundado. Deste modo, esse metodo se enquadra como uma tentativa de fugir dos argumentos ceticos. Duas ideias chaves no pensamento de Descartes, que s~ao apresentadas ja no Discurso do Metodo, e que os seres humanos s~ao caracterizados por sua mente, s~ao subst^ancias pensantes. Isso se distingue do seu corpo, que e um objeto fsico e material. A materia seria a extens~ao em movimento. Essa distinc~ao entre mente e corpo e chamada de \dualismo". Se hoje algumas pessoas t^em a tend^encia natural de pensar que mente e materia s~ao duas coisas distintas (algumas pessoas ate mesmo identi camos a alma como sendo a mente), e devido ao dualismo proposto por Descartes. A aplicac~ao sistematica do metodo proposto por Descartes, como vimos, visa apresentar uma fundamentac~ao indubitavel para todo o conhecimento. Deste modo, quando perguntarmos quais a justi cativas temos para uma certa crenca, essa justi cac~ao remontaria a uma cadeia de justi cac~oes que teria em sua base essa fundamentac~ao indubitavel, resultante do metodo de Descartes. Seria a justi cac~ao de todas as justi cac~oes, digamos assim. Para evitar sermos conduzidos ao erro, diz o metodo, devemos recusar tudo que possa ser posto em duvida. Eis que ele assume o ceticismo para argumentar a favor de sua tese. Vamos ver como:

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1.1 O Argumento do Sonho Todos nos ja tivemos sonhos vvidos o su ciente que, enquanto estavamos dormindo, n~ao podamos identi car se estavamos sonhando ou estavamos acordado. So descobrimos que aquilo era um sonho quando en m acordamos. Se voc^e ja sonhou que estava caindo de um predio e acordou assustado na cama, voc^e sabe muito bem como e isso! O Descartes ent~ao pergunta: Como podemos saber se n~ao estamos sonhando? Quando um sonho e muito vvido, nos so descobrimos que estamos sonhando quando acordamos. Mas e se estivessemos sonhando agora. Todas as sensac~oes que temos nos pareceriam vvidas de tal modo que n~ao poderamos saber se estamos ou n~ao sonhando, e teramos de esperar acordar. Vejamos as palavras do Descartes: \Em verdade, com que frequ^encia o sono noturno n~ao me persuadiu dessas coisas usais, isto e, que estava aqui, vestindo essa roupa, sentado junto ao fogo, quando estava, porem, nu, deitado entre as cobertas! Agora, no entanto, estou certamente de olhos despertos e vejo este papel, e esta cabeca que movimento n~ao esta dormindo, e e de proposito, ciente disso, que estendo e sinto esta m~ao, coisas que n~ao ocorreriam de modo t~ao distinto a quem dormisse. Mas, pensando nisso cuidadosamente, como n~ao recordar que fui iludido nos sonos por pensamentos semelhantes, em outras ocasi~oes! E, quando penso mais atentamente, vejo do modo mais manifesto que a viglia nunca pode ser distinguida do sono por indcios certos, co estupefato e esse mesmo estupor quase me con rma na opini~ao de que estou dormindo." (Meditac~oes Sobre a Filoso a Primeira - Primeira Meditac~ao - Rene Descartes) Se aceitarmos isso como razoavel, colocamos em duvida todas os nossos sentidos de uma so vez. Poderamos, muito bem, estar em um sonho t~ao vvido que seramos incapaz de distinguir o que e sonho e o que e realidade. So disso ser possvel abrimos brecha para argumentos ceticos. Ent~ao, de acordo com o metodo do Descartes, n~ao podemos con ar em nossos sentidos. O que vemos, o que ouvimos, o que sentimos ao tocar ou provar alguma coisa, o que podemos dizer sobre o mundo externo a nossa mente. Tudo isso e posto em duvida. Sendo assim, grande parte do nosso conhecimento esta em maus lencois, pois os argumentos ceticos colocaram todas as justi cac~oes que temos para esses conhecimento em cheque. Mas tudo, e isso que Descartes quer. Ele quer eliminar 5

tudo o que podemos p^or em duvida e encontrar uma fonte segura.

1.2 O Argumento do G^enio Maligno Digamos que houvesse um g^enio - daquele da l^ampada, sabe? Do Alladin - que fosse completamente poderoso, que soubesse de tudo, mas que fosse um grande lho da m~ae. Ele so quer nos enganar em tudo que puder. A possibilidade da exist^encia de um g^enio desse ja seria su ciente para nos colocar em duvida sobre nosso sentidos - ele poderia estar nos enganando. Mas ja apresentamos o argumento do sonho, que parece razoavel. Vamos ver o que mais esse g^enio maligno pode nos sacanear. Ainda que estivessemos sonhando, parece razoavel aceitar que certas coisas n~ao podemos nos enganar. Por exemplo, eu sei que dois mais dois e igual a quatro. Eu n~ao preciso justi car esse meu conhecimento me baseando nas experi^encias que tenho no mundo externo, ou seja, esse conhecimento n~ao e emprico. Eu sei isso apenas pensando sobre o que e dois e o que e a operac~ao de somar, de modo que eu justi co que dois mais dois e quatro apenas pensando sobre isso, eu justi co a priori. Mas imagina agora que esse g^enio maligo e t~ao do mal que ate isso ele nos faz errar. Toda vez que pensamos sobre dois mais dois ele, por pura maldade, resolve nos fazer enganar e dizer que e quatro. E ele e t~ao bom em cobrir seus passos que jamais saberamos que estamos sendo enganados. E a? Como poderamos ter certeza sobre os proprios calculos da matematica, que seria um refugio para nossas certezas mesmo se estivessemos sonhando? Bom, nos encontramos no mesmo problema de p^or em duvida nossos sentidos e justi cac~oes para o conhecimento emprico, mas agora ele se estende para certos conhecimentos a priori, ou seja, para justi cac~oes que fazemos apenas pelo pensamento. Descartes aceita esse argumento cetico novamente. Se podemos meramente conceber a exist^encia de um g^enio maligno capaz de nos confundir quando fazemos calculos matematicos e certas infer^encias que s~ao justi cadas apenas pelo pensamento, ent~ao devemos considerar esses tipos de raciocnios passveis de engano.

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O Cogito

Se podemos nos enganar, de acordo com o metodo proposto por Descartes, devemos recusar. Estamos na tarefa de procurar algo que seja conhecido por nos de modo claro e distinto, que nenhum cetico poderia atacar. Eis que o 6

Descartes prop~oe o seu famoso Cogito. Vejamos as palavras dele: \Resolvi fazer de conta que todas as coisas que ate ent~ao haviam entrado no meu esprito n~ao eram mais verdadeira que ilus~oes de meus sonhos. Mas logo em seguida adverti que, enquanto eu queria assim pensar que tudo era falso, cumpria necessariamente que eu, que pensava, fosse alguma coisa. E, notando que esta verdade, eu penso, logo existo, era t~ao rme e t~ao certa que todas as mais extravagantes suposic~oes dos ceticos n~ao seriam capazes de a abalar, julguei que podia aceita-la, sem escrupulo, como o primeiro princpio da loso a que procurava." (Discurso do Metodo - Rene Descartes) O mesmo que acontece com a famosa frase \ser ou n~ao ser, eis a quest~ao" de Shakespeare, o cogito cartesiano, expresso pela frase \penso, logo existo", se tornou um marco da literatura. No entanto, ainda que muito divulgado e difundido, poucas pessoas o compreendem de verdade. O cogito visa ser a pedra fundamental de todo o conhecimento. A ideia de Descartes e que se algo faz perguntas, questiona, ent~ao pensa. E se essa coisa pensa, podemos inferir  que ela existe - visto que seria necessario que existisse algo para pensar. E indubitavel que quando estamos questionando nossas justi cativas para todo o conhecimento, quando estamos recusando tudo aquilo que podemos ter duvidas, nos estamos pensando. Portanto, se estamos pensando, ent~ao existimos. Esta conclus~ao de Descartes seria conhecida de modo claro e distinto, algo que nenhum cetico poderia p^or em duvida. O cogito seria assim o princpio loso co, o alicerce, para suas investigac~oes. Com o cogito Descartes tambem defende sua primeira principal tese: nos somos essencialmente uma subst^ancia pensante. O que nos torna existentes e a nossa capacidade de pensar, n~ao termos ou n~ao um corpo. Ou seja, ser um corpo n~ao e parte da minha ess^encia. Mas o que nos assegura que o cogito esta correto? Pelo fato de que ele e uma ideia clara e distinta, que vemos sua veracidade apenas ao pensar nela. Sempre que percebemos algo deste modo, camos certos de sua verdade. No entanto, se pensarmos sobre os objetos materiais e todas suas propriedades, Descartes a rma que as unicas coisas que conhecemos de modo claro e distinto s~ao suas formas, tamanho e movimento. Eis que Descartes chega a sua segunda tese: a materia e extens~ao em movimento. Mas o que nos assegura que tudo o que reconhecemos como \claro e distintamente" e verdadeiro? A exist^encia de Deus, que assegura minha exist^encia 7

como subst^ancia pensante. Portanto, Descartes ca obrigado a estabelecer a exist^encia de Deus. Os dois principais argumentos que Descartes apresenta a favor da exist^encia de Deus s~ao chamados de \argumentos ontologicos", visto que visam assegurar a exist^encia de Deus analisando o conceito da perfeic~ao. Vejamos como eles se estruturam:

Argumento Ontologico (a) Temos em nos a ideia da perfeic~ao. Ao observarmos certas propriedades, nos conseguimos muito bem compreender o que e ter essa propriedade instanciada perfeitamente. Por exemplo, quando olhamos para um prato circular nos compreendemos o conceito de crculo, mas a ideia que obtemos e imperfeita. Mas, ao extrapolarmos a ideia imperfeita de crculo, compreendemos de modo claro e distinto o que e um crculo perfeito, mesmo nunca tendo visto um. A ideia de perfeic~ao, por sua vez, n~ao poderia ser causada em mim por outra coisa que n~ao um ser que e em si perfeito. Um ser imperfeito pode causar em mim uma ideia imperfeita. Como no exemplo do prato, que causa diretamente a ideia de um crculo imperfeito. Mas e a ideia de perfeic~ao? Essa ideia tem de ser dada diretamente a nos. Se dissermos que conhecemos a perfeic~ao por que primeiro conhecemos a imperfeic~ao, e depois extrapolamos a ideia de imperfeic~ao para en m conhecer a ideia de perfeic~ao, estamos pressupondo que ja sabemos o que e a perfeic~ao. Quando extrapolamos a ideia de imperfeic~ao, o fazemos baseado no que e a perfeic~ao. A ideia de perfeic~ao n~ao pode ser conhecida por nos desse modo. Ela deve, ent~ao, ser causada por um ser perfeito. Esse ser perfeito e Deus.

Argumento Ontologico (b) Deus, por de nic~ao, e um ser perfeito. Para ser perfeito, um ser deve incluir em si todas as perfeic~oes. A exist^encia parece ser uma perfeic~ao. Pois pense, por exemplo, na extrema bondade, ou perfeic~ao moral. Um ser que n~ao existe n~ao pode ser bondoso, pois a bondade implica que ele seja moralmente correto, e um ser inexistente n~ao pode ser moralmente correto - um ser inexistente n~ao age, n~ao tem ac~oes que possam ser corretas o incorretas. A perfeica~o moral implica, deste modo, que algo precisa existir para que possa ser moralmente perfeito. Assumimos que Deus e um ser que tem em si todas as perfeic~oes, o

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que inclui a perfeic~ao moral. Portanto, para que Ele seja moralmente perfeito, Ele deve existir. Com esses dois argumentos Descartes pensa que estabelece a exist^encia de Deus. Como vimos, estabelecer que existe um Deus bondoso garante, de acordo com Descartes, que quando reconhecemos algo de modo claro e distinto nos estamos justi cados em acreditar que isso e verdadeiro. Isso permite que aceitemos o cogito como fundamento para nosso conhecimento.

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Descartes e o Racionalismo

Quando Descartes procura por um fundamento ultimo para todo o nosso conhecimento, ele assume que todo conhecimento que obtemos da experi^encia s~ao passveis de erros. Com o argumento do sonho e do g^enio maligno ele sup~oe que, n~ao importa o que facamos, os nossos conhecimentos do mundo externo sempre podem ser falsos. Nada nos garante que n~ao estejamos sonhando ou que n~ao haja um g^enio maligno. Desse modo, ao fundamentar o conhecimento, Descartes procura um conhecimento que sejamos capazes de justi car a priori. Ou seja, um conhecimento que n~ao precisamos usar da experi^encia para sabermos que e verdadeiro. Como vimos, ele encontra no Cogito esse fundamento. No entanto, ao recusar que um conhecimento emprico possa ser o fundamento de todos os nossos conhecimentos, Descartes inaugura uma das principais correntes loso cas da modernidade. Nomeadamente, ele funda o \racionalismo". O racionalismo e a tese de que a raz~ao, e n~ao os sentidos, tem papel fundamental no processo de adquirir conhecimentos substanciais acerca da realidade. Como veremos a frente, o racionalismo op~oe ao chamado \empirismo", que e a tese exatamente oposta, isto e, que nossos sentidos tem o papel predominante na aquisic~ao de conhecimentos substanciais acerca da realidade. Dito em outro modo, para o racionalismo o fundamento de toda a nossa estrutura de conhecimento se funda em conhecimentos a priori; enquanto que para o empirismo essa estrutura de conhecimento e fundamentada em conhecimentos empricos, ou a posteriori. Para entendermos Descartes precisamos ter sempre em nossa cabeca cinco coisas: (1) Seu objetivo; (2) O metodo cartesiano; (3) O que e o Cogito e como Descartes o fundamenta; (4) A distinc~ao mente-corpo; (5) O racionalismo. (1) Seu objetivo Descartes tinha como objetivo descobrir os fundamentos do nosso conheci-

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mento. Um fundamento tal que e indubitavel e que, a partir dele, podemos justi car todos os nossos conhecimentos sobre a realidade. (2) O metodo cartesiano O metodo cartesiano se caracteriza pela a recusa de todo o tipo de a rmac~oes que podemos, por algum motivo, ter duvida. Ou seja, se algum cetico pode questionar a veracidade de uma certa a rmac~ao que aceitamos, ent~ao essa a rmac~ao deve ser recusada. (3) O que e o Cogito e como Descartes o fundamenta Temos o objetivo e o metodo que ele usara. O Cogito, en m, e o fundamento do nosso conhecimento tal como prop~oe Descartes. A ideia e que seria impossvel algo pensar e n~ao existir. Essa a rmac~ao seria indubitavel ate mesmo para um cetico. Como ele fundamenta o Cogito? Essa parte podemos subdividir em tr^es perguntas: (a) O que garante que o Cogito esta correto? O fato de conhecermos ele de modo claro e distinto. (b) O que me assegura o princpio de que qualquer coisa que eu veja clara e distintamente e verdadeiro? A exist^encia de um Deus benevolente. (c) Mas o que nos garante que Deus existe? Os argumentos ontologicos. (4) A distinc~ao mente-corpo Descartes, ao chegar no Cogito, a rma que o que garante nossa exist^encia e sermos seres pensantes. Isso seria parte de nossa ess^encia; n~ao o nosso corpo. Alem disso, quando voltamos nossa atenc~ao para objetos materiais, nos n~ao conhecemos - de modo claro e distinto - nada alem de certas propriedades como forma, tamanho e movimento. Logo, a materia e caracterizada como extens~ao em movimento. (5) O racionalismo Para Descartes, toda a rmac~ao que so podemos conhecer atraves da experi^encia (ou seja, empiricamente) pode ser posta em duvida. Sempre haver~ao argumentos ceticos. Deste modo, para fundamentar todo o nosso conhecimento, precisamos nos assegurar de modo inquestionavel da verdade desse princpio primeiro. So podemos garantir a veracidade, fugindo dos argumentos ceticos, de a rmac~oes que podemos conhecer sem o auxlio da experi^encia (ou seja, conhecer a priori). Portanto, o fundamento para todo e qualquer conhecimento substancial sobre a realidade sera fornecido apenas pela raz~ao pura, e n~ao pelos sentidos.

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