Desconsideração dos efeitos patrimoniais do regime matrimonial de separação absoluta de bens

September 26, 2017 | Autor: Ricardo Perlingeiro | Categoria: Direito Tributario
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Nº CNJ RELATOR APELANTE ADVOGADO APELADO ORIGEM

: 0000617-53.2012.4.02.5106 : DESEMBARGADOR FEDERAL RICARDO PERLINGEIRO : MARIA HELENA XAVIER D'OLIVEIRA SALIM : CINTIA SANTANA BRAGA REIS : UNIAO FEDERAL / FAZENDA NACIONAL : 2 VARA JUSTIÇA FEDERAL PETROPOLIS/RJ (201251060006171) RE L AT ÓRIO

Cuida-se, na origem, da Execução Fiscal nº 2003.51.06.000203-6 ajuizada pela União em face de Ricardo José Tabet Salim objetivando a cobrança de R$ 2.053.691,96 referentes a débitos de imposto de renda pessoa física. Após a citação, não foram encontrados bens passíveis de penhora (fl. 131) e o Executado ofereceu ações sociais como garantia, de valor equivalente a R$ 2.054.000,00 (fl. 152). Porém, a União recusou os bens por pertencerem a terceiro e solicitou informações acerca de aplicações financeiras passíveis de bloqueio (fl. 166). Como nada fora encontrado, realizou-se a penhora de imóvel situado no Condomínio Ponta Mombaça, Village 2, Casa 3, Angra dos Reis, avaliado em R$ 890.000,00 (fls. 17/19). Ocorre que o referido imóvel pertence a Maria Helena Xavier D'Oliveira Salim, esposa do Executado, que opôs os presentes Embargos de Terceiro alegando ser casada pelo regime de separação total de bens (fl. 59), razão pela qual seus bens não poderiam responder por dívidas do cônjuge. A sentença julgou improcedente o pedido da Embargante sob a seguinte fundamentação (fls. 337/339): As provas apresentadas são suficientes ao julgamento da lide. Sem preliminares, passo diretamente ao exame do mérito. Não há dúvidas de que a embargante é, de fato, casada com o executado (RICARDO JOSÉ TABET SALIM) pelo regime da separação total de bens, desde 03.11.1971. T al cir cunstância, a pr incípio, implicar ia a impossibilidade de se gravarem bens de exclusiva propriedade da embargante por dívidas de seu marido.

Ocorre que, no caso, importantes fatos recomendam o excepcional afastamento de tal premissa. Não há notícia, nestes autos e nos documentos trazidos na execução fiscal correlata, do exercício de qualquer atividade laborativa pela embargante, ou mesmo de qualquer outro tipo de fonte de renda. Nada obstante, restou revelada nos autos da execução fiscal a existência de considerável patrimônio adquirido na constância do casamento, muito embora a embargante se qualifique como “do lar” em todos os negócios jurídicos celebrados, em especial, na aquisição dos imóveis cujos registros se encontram nas fls. 196-204 e 205-213 (apartamentos na Av. do Pepê, Barra da Tijuca, Rio de Janeiro), 246-248 (casa em Angra dos Reis), 249-250 (casa em Angra dos Reis) e 431-432 (Casa em Itaipava), em todos eles, assistida por seu cônjuge (páginas do processo de execução). Aliás, nas duas promessas de compra e venda dos apartamentos na Barra da Tijuca (fls. 196-204 e 205-213), o marido da embargante é expressamente constituído seu procurador (item 13). Em sentido diametralmente diverso, seu cônjuge, qualificado ora como empresário, economista e, finalmente, CEO do banco BTG Pactual (fls. 246, 196 e 103 da execução apensa), não apresenta quaisquer bens em seu próprio nome, como constatado nos autos da execução fiscal. Trata-se de circunstância incompatível com a condição das partes envolvidas. Some-se a isso, ainda, a circunstância do bem cuja penhora aqui se discute (casa em Angra dos Reis) haver sido adquirido na constância do casamento, ainda que com verbas supostamente provenientes da venda de um outro imóvel naquele mesmo município, também em nome da embargante (fls. 72-78). Ocorre que também não se evidencia a origem dos recursos que originariamente teriam permitido à embargante, adquirir este outro imóvel, cuja venda permitiu – sem a disponibilidade de qualquer fonte de renda – adquirir o bem objeto dos presentes embargos.

O mesmo procedimento, destaque-se, vem sendo observado em todos os atos de aquisição de bens do casal, como antes anotado, figurando a embargante (sem fonte de renda) como adquirente e seu marido (alto executivo de instituição financeira) como simples assistente dos negócios jurídicos. Tal contexto permite se concluir que embora os bens encontrem-se formalmente na propriedade exclusiva da embargante, casada em regime de separação de bens e sem economia própria, na verdade foram adquiridos pelo seu cônjuge (devedor), que vem se valendo daquela formalidade para impedir ou dificultar, na prática, sua responsabilização pessoal. I st o p o st o , JUL GO I MP ROCE DE NT E S OS EMBARGOS. Em suas razões de Apelação, alega a Embargante que: a) celebrou pacto antenupcial com cláusula de incomunicabilidade das dívidas dos cônjuges; b) o imóvel penhorado foi adquirido com rendas oriundas de suas aplicações financeiras e da venda de outro bem de sua propriedade, não com recursos financeiros pertencentes a seu marido; c) o Executado é apenas funcionário, não CEO do Banco BTG Pactual; d) o imóvel foi adquirido em 1996, quando a Execução Fiscal ainda não havia sido distribuída, afastando qualquer possibilidade de fraude à execução (fls. 341/349). Contrarrazões às fls. 483/488. Parecer do Ministério Público Federal opinando pelo não provimento do recurso (fls. 7/12). É o relatório. Peço dia para julgamento. RICARDO PERLINGEIRO Desembargador Federal VOTO O EXMO. SR. DESEMBARGADOR FEDERAL RICARDO PERLINGEIRO: (RELATOR)

Consoante relatado, trata-se de Apelação interposta por MARIA HELENA XAVIER D'OLIVEIRA SALIM em face de sentença que rejeitou seus Embargos de Terceiro. O cerne da controvérsia consiste em verificar a possibilidade de penhorar imóvel pertencente à esposa do Executado quando o casamento é celebrado com separação total de bens e com pacto antenupcial que exclui a responsabilidade por dívidas de cônjuge. O regime de separação absoluta impede qualquer comunicação entre o patrimônio dos cônjuges, seja quanto aos bens adquiridos antes ou depois do casamento, havendo cisão também da responsabilidade pelas dívidas de cada consorte. Na hipótese dos autos, estas condições legais foram reforçadas pelos então nubentes no pacto antenupcial celebrado em 1971, conforme consta às fls. 64/65. Assim, em princípio, o imóvel registrado apenas em nome de um cônjuge não poderia sofrer gravames impostos em decorrência de dívida contraída pelo outro. Contudo, em razão das peculiaridades do caso concreto, o magistrado a quo desconsiderou os efeitos desse regime patrimonial e permitiu que o imóvel da esposa fosse penhorado para garantia de dívida tributária assumida por seu marido. Isso porque, o Executado, qualificado perante a Receita Federal como "corretor de imóveis/seguros/títulos e valores, [...] sendo sócio das empresas Banco Investor de Investimentos S/A [...], Investor Promotora de Vendas Ltda. [...], Investor S/A Corretora de Câmbios e Títulos Mobiliários [...] e Risa Participações Ltda. [...]", não possui bens em seu nome, ao passo que sua esposa, apesar de ser "do lar", possui vasto patrimônio registrado em seu nome e passível de penhora. Esta medida é autorizada pelo art. 116, parágrafo único do CTN, que, ao dispor sobre a evasão fiscal, diz: "A autoridade administrativa poderá desconsiderar atos ou negócios jurídicos praticados com a finalidade de dissimular a ocorrência do fato gerador do tributo ou a natureza dos elementos constitutivos da obrigação tributária, observados os procedimentos a serem estabelecidos em lei ordinária". Assim, com base no mencionado dispositivo e tendo em vista a natureza negocial do casamento e do pacto antenupcial, seria possível desconsiderar não o casamento em si, mas apenas os efeitos patrimoniais do regime de separação absoluta de bens e da mencionada convenção ao se constatar que o Executado adquire bens e os registra em nome de sua esposa, a fim de evitar o pagamento de tributos e de afastar possíveis gravames que possam recair sobre eles. Isto porque, em que pese não seja ilícito casar sob o regime de separação absoluta de bens, as consequências

patrimoniais deste negócio jurídico devem ser afastadas quando a verdadeira intenção dos cônjuges (esquivar-se do pagamento de tributo) é contrária à mens legis (impedir, de forma absoluta, a comunicação entre os bens de cada um). Cumpre registrar que a Apelante alega ter adquirido o imóvel penhorado com a importância obtida com a venda de outro imóvel, o qual, por sua vez, teria sido adquirido com renda proveniente de suas aplicações financeiras. Porém, cabe destacar que a Embargante não esclarece de onde provém a quantia investida, uma vez que, sendo "do lar", não possui renda fixa aparente. Nesse contexto, é possível concluir que os investimentos também foram realizados por seu marido, apesar de registrados em seu nome, com o objetivo de furtar-se das obrigações tributárias decorrentes da mencionada operação. Em conclusão, merece ser mantida a sentença que rejeitou os Embargos de Terceiro opostos pela esposa do Executado. Ante o exposto, NEGO PROVIMENTO À APELAÇÃO. É como voto. RICARDO PERLINGEIRO Desembargador Federal EMENTA AP E L AÇÃO CÍ VE L . T RI BUT ÁRI O. E MBARGOS DE T E R C E I R O E M E X E C U Ç Ã O F I S C A L . DE S CONS I DE RAÇÃO DO RE GI ME DE S E P ARAÇÃO ABS OL UT A DE BE NS . ART . 116, P ARÁGRAF O ÚNI CO DO CT N. 1. E m pr i ncí pi o, no casam ent o cel ebr ado sob o r egi m e de separ ação absol ut a de bens, o pat r i m ôni o r egi st r ado apenas em nome de um cônjuge não pode sof r er gr avam es i m post os em decor r ênci a de dí vi da t r i but ár i a contr aída pelo outr o. 2. É possí vel desconsi der ar os ef ei t os pat r i m oni ai s do r egi m e de separ ação absol ut a de bens par a per m i t i r que o i m óvel da esposa sej a penhor ado em gar ant i a de dí vi da t r i but ár i a assum i da por seu m ar i do quando a ver dadei r a i nt enção dos cônj uges ( esqui var - se do pagam ent o de tr ibuto) é contr ár ia à mens legis ( impedir , de f or ma

absol ut a, a com uni cação ent r e os bens de cada um ) . Aplicação do ar t. 116, par ágr af o único do CT N. 3. A pessoa que não exer ce at i vi dade pr of i ssi onal com r enda f ixa ( "do lar ") deve compr ovar a or igem das apl i cações f i nancei r as que t er i am per m i t i do a aqui si ção do imóvel penhor ado. 4. Apelação não pr ovida. ACÓRDÃO Vi st os, r el at ados e di scut i dos est es aut os, em que são par t es as aci m a i ndi cadas, deci de a T er cei r a T ur m a E speci al i zada do T r i bunal Regi onal F eder al da 2ª Região, por unanimidade, negar pr ovimento à Apelação, na f or m a do r el at ór i o e do vot o, const ant es dos aut os, que f i cam f azendo par t e do pr esent e j ul gado. Ri o de Janei r o, 15 de abr i l de 2014 ( dat a do julgamento) . RI CARDO P E RL I NGE I RO Desem bar gador F eder al

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