Desconstruindo o Tempo Saquarema: perspectivas para o entendimento da vida política no Brasil durante o Império: rizomas, indivíduos, facções, partidos e linhas de fuga da política imperial

June 1, 2017 | Autor: Julio Bentivoglio | Categoria: Historia Política, História Do Brasil Império, Historiografia Brasileira
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Desconstruindo o Tempo Saquarema: perspectivas para o entendimento da vida política no Brasil durante o Império: rizomas, indivíduos, facções, partidos e linhas de fuga da política imperial. Boa noite a todos. Em primeiro lugar eu gostaria de agradecer aos organizadores do evento pelo convite. É uma enorme satisfação integrar essa mesa ao lado de Valdei Lopes de Araújo, amigo, interlocutor e um dos historiadores mais proeminentes da minha geração. Devoto a ele não somente amizade sincera como também profunda admiração. Só espero que ele já não esteja enfadado com o tema de minha fala, posto que já me viu tratando disso outras duas vezes. Também cumprimento o professor Arno Wehling, é uma honra compor essa mesa ao seu lado, nem preciso dizer que sou um leitor e um admirador de seu trabalho. Meu objetivo para esta mesa – Política, conflitos e identidades na Modernidade – é bastante preciso: contrapor ao modelo utilizado por Ilmar Mattos para pensar o Estado e a política imperiais no Brasil outro modelo, que procure dar conta da diversidade e das idiossincrasias da vida política entre 1831 e 1870. Retorno, de algum modo a um debate que tem como questão de fundo a problemática do tempo e do espaço, a fim de oferecer novo olhar sobre aquele Estado e sobre a vida política imperial, fugindo da teleologia que exacerba uma análise político-partidária para com isso pensar de um modo diferente o problema das identidades e dos conflitos existentes. Immanuel Kant definiu tempo e espaço como duas categorias apriorísticas do pensamento humano, ou seja, que existem independentemente da nossa experiência. Coube ao historicismo, e mais precisamente à Wilhelm Dilthey, contudo, a realização de uma verdadeira crítica da razão histórica, aprofundada posteriormente por Heidegger, sugerindo que a apreensão de tempo e espaço se davam, através da experiência humana, ou seja, historicamente. Dilthey lançava assim os germens da diferenciação entre temporalidade e historicidade que seriam devidamente destrinchados por Heidegger. Ao mesmo tempo, vieram à tona reflexões que defendiam múltiplas temporalidades possíveis ou ainda a questão da simultaneidade, promovidas, entre outros, por Bergson e Braudel, em especial. Parto dessa base epistemológica para refletir a respeito de um problema de ordem teórico-historiográfica, qual seja: pensar o sugestivo modelo de análise proposto por Ilmar Mattos em sua obra clássica O tempo saquarema, publicada pela Hucitec em 1986, contrapondo-lhe a outro modelo de análise para a política imperial brasileira que denomino rizomático. Ou seja, procuro focar a discussão proposta retomando essa questão angular para a teoria da história, da relação entre tempo e espaço, historicizando-os. Não posso deixar de aludir o quanto o reconhecimento de uma dada stimmung no Oitocentos brasileiro pode ser um exercício útil para se compreender o pensamento e a ação política de então e, sobretudo, para se pensar a problemática dos espaços e das relações políticas como um fator determinante dos sentidos construídos na consciência histórica daquele período. É sobejamente conhecida a tese de Ilmar Mattos. Obra clássica defendida originalmente como tese de doutorado na USP que dispensa apresentações e que há quase 30 anos se impõe como uma das mais brilhantes sínteses a respeito do Império, ao lado de outras obras seminais como Raízes do Brasil, de Sérgio Buarque de Holanda ou A construção

da ordem & teatro de Sombras de José Murilo de Carvalho. N´O tempo saquarema seu autor analisa um tempo singular na história brasileira, “resultado e condição da ação saquarema, porque a direção que eles procuravam exercer, e efetivamente exerceram, impunha que os saquaremas se constituíssem em ‘produtores’ ou ‘controladores’ do tempo” (MATOS, 1986, p.3).

Figura 1. Capa de O tempo saquarema.

A partir do conceito de experiência de Thompson e de hegemonia de Gramsci, Mattos nos revela que a construção da classe senhorial se confunde com a consolidação do Estado imperial, dando ênfase aos dirigentes saquaremas. Para Mattos aquele Estado se tornou “o lócus dos dirigentes saquaremas [que] por meio de uma ação estatal exercem uma direção intelectual e moral” impondo sua visão de mundo. Quem seriam aqueles dirigentes saquaremas? Nas palavras do autor Um conjunto que engloba tanto a alta burocracia imperial – senadores, magistrados, ministros e conselheiros de Estado, bispos, entre outros – quanto os proprietários rurais localizados nas mais diversas regiões e nos mais distantes pontos do Império (...) além dos professores, médicos, jornalistas, literatos e demais agentes ‘não públicos’ – um conjunto unificado tanto pela adesão aos princípios da ordem e civilização, quanto pela ação visando a sua difusão (MATTOS, 1986, p.3-4).

Tão simples quanto evidente, Ilmar Mattos apresenta aquela classe senhorial como uma categoria histórica, cuja identidade aparece como o resultado de experiências comuns, que identificavam e aproximavam os interesses de determinados homens. Para caracterizar a ação dessa classe, Ilmar pensa suas práticas em diferentes espaços: a casa, a rua e o Estado – inspirado na teoria dos três mundos de Antonio Candido. Ou seja, vislumbra o Império em três lugares que são balizados a partir da ideia, e não do conceito, de liberdade. Naqueles espaços procura identificar semelhanças e diferenças, complementaridades e contradições, continuidades e descontinuidades da classe senhorial. Por fim, a característica fundamental de sua análise reside na teia de Penélope, que analisa a construção do Estado como um processo de centralização político-administrativa liderado pelos saquaremas. Mas, pergunto-me: teriam sido os saquaremas os senhores absolutos daquele tempo? Teriam conseguido instituir um tempo único, elidindo outras temporalidades possíveis? Já que Ilmar Mattos consegue converter, brilhantemente, tempo em espaço, não haveria lugar naquele momento para simultaneidades, arcaísmos, antiguidades ou

primitivismos – visto o tempo saquarema incorporar o sentido de progresso, de tempo novo, de futuro na concepção daquele autor? Está longe de dúvida reconhecer o quanto esse modelo de análise dá conta de oferecer uma determinada leitura da história do Império. Mas não de toda a história do Império, nem mesmo na conjuntura recortada por Mattos. Há que se pensar se ele não apresenta insuficiências ou se não existiriam outros modelos capazes de interpretar aquele momento da história brasileira, avançando em certos aspectos que merecem novos encaminhamentos. Assim, a proposta que farei aqui segue direção diferente à de Ilmar Mattos, reconhecendo a importância do conceito de experiência para se pensar a constituição da consciência histórica, mas a partir de Koselleck e não exatamente de Thompson. E ao contrário de remeter à ideia de construção de um bloco histórico e hegemônico, procurarei defender a existência de um Império rizomático que não descarta as diferenças e que as mantêm acesas mesmo durante a presença mais expressiva dos saquaremas à frente do governo imperial entre 1848 e 1853.

Figura 2. Ilmar Mattos.

Por questões de tempo, tentarei ser direto, localizando algumas questões para reflexão para, em seguida, apontar outra agenda de investigação para o Império, inspirada em outra matriz de pensamento. Nela, defenderei um entendimento rizomático da política imperial e da constituição do Estado naquele contexto. Para Mattos o tempo saquarema se apresenta como um produto daqueles processos, isto é, como resultado e condição da ação saquarema, porque a direção que eles procuravam exercer, e efetivamente exerceram, impunha que os saquaremas se constituíssem também em “produtores” ou “controladores” do tempo.

Em lugar deste tempo único, linear e teleológico, proponho que pensemos na possibilidade da existência de ritmos temporais distintos, simultâneos, que expressavam a coexistência de sentidos e de temporalidades diversos, díspares e até mesmo em disputa, afinal em um território continental, durante o século 19, é bem possível que os estímulos ou ações emanadas a partir do Rio de Janeiro produzissem ou não efeitos diversos no Império. Ademais, se, por exemplo, para alguns daqueles indivíduos as transformações jurídicas desenhadas em 1850 eram vistas como novidade ou progresso para outros poderiam ser sentidas como mais do mesmo ou, até atraso. Essas disputas quanto ao significado das

transformações e do tempo vivido se manifestam nos textos e nos discursos de então. Assim, fica difícil defender um amplo tempo saquarema entre 1837 e 1860, por diferentes razões, muito embora Mattos não esteja fazendo uma análise cronológica, das quais destaco algumas: a) a presença liberal no Golpe da Marioridade, b) a existência dos liberais no poder entre 1844 e 1848, bem como de 1853 até 1860, c) a existência de expressivas lideranças liberais no Senado e no Conselho de Estado decidindo sobre inúmeras matérias. Tenho a impressão que, além de transformar o tempo em espaço, Ilmar Mattos o tome como uma ideologia. Como um ideário que expressava a hegemonia alcançada pelo grupo saquarema a partir de 1848. A rigor, dificilmente o tempo saquarema foi de 1837 a 1860. Acredito que ele deva ser mais precisamente recortado de seus 23 anos para, no máximo 13 anos efetivamente. Eu advogaria ademais, que em lugar de um tempo saquarema, que se pensasse numa longa duração de hegemonias palacianas que vão de 1822 a 1848 e talvez além (quiçá a 1889), pois muitas das decisões políticas mais importantes foram tomadas em São Cristóvão, ou seja, no interior da corte. Destaco ainda o peso da mão de D. Pedro II, bastante sentido nas decisões de governo desde o inicial “Quero já”. Assim, eu diria que o aulicismo venceu, pois, tanto o primeiro quanto o segundo imperador sempre tiveram seus prediletos alternando-se nos mais altos postos e chegando até o Senado e ou ao Conselho de Estado. Mas isso se apenas considerarmos os discursos como produtores da realidade, o que não é o caso. As realidades vão além do discurso, exatamente porque são também materialidade e presença. Mattos apresenta os saquaremas – um grupo da classe senhorial composto por plantadores fluminenses – como responsáveis pela condução do processo de construção do Estado imperial e pela difusão da civilização, mantendo a ordem por meio da centralização da autoridade ao reprimir “os levantes da malta urbana, por fim às lutas pela posse da terra, combater as insurreições dos escravos (...) além de procurar conhecer a população do Império, sua distribuição e ocupação, vigiando aqueles que eram vadios e desordeiros” (p.267). Em suma, atribui aos liberais o monopólio exclusivo da rebeldia – assumindo o discurso dos próprios conservadores. Mas, teria sido o processo de construção do Estado conduzido apenas por um grupo? Não teria sido antes um trabalho gradual de construção e reconstrução permanente, integrado por indivíduos e grupos de diferentes matizes políticas? Acaso as grandes realizações e marcos jurídicos implementados pelos saquaremas não haviam sido, ironicamente, propostas dos chamados liberais? Código Criminal de 1831, criação e reforma da Guarda Nacional, Ato Adicional de 1834, Código Comercial, Lei de Terras, Lei Eusébio de Queiroz, Reforma da Guarda Nacional? Nas fileiras do Partido Liberal não existiram iguais defensores da ordem e da civilização? Não teriam agido em diferentes províncias, lideranças liberais para igualmente coibir excessos? Tais indagações nos levam a outras, que só estudos monográficos regionais podem responder. Todos os liberais gaúchos foram farroupilhas? Todos os liberais pernambucanos apoiaram os praieiros? Todas as lideranças liberais paulistas e mineiras participaram das jornadas de 1842? Ou ainda, teriam todos os liberais “resistido” ao “princípio da Ordem e à Monarquia” (p.134)? Parece-me que não. Outro argumento importante do Tempo saquarema diz respeito ao entendimento que seu autor dá à vida política imperial. Nas palavras dele ao enfatizar o rodízio dos gabinetes e assim sustentar a participação dos Liberais, aquelas obras [da historiografia] produzem uma ocultação, camuflando não a derrota dos Liberais nos movimentos de 1842 e 1848, e sim o fracasso de um projeto de direção, não obstante o provérbio

imperial (...) – ironicamente revele [nada mais semelhante a um conservador que um liberal no poder].

Mas a própria presença dos saquaremas analisada por Ilmar Mattos é feita em função dos Gabinetes em que eles estiveram e não exatamente a políticas mais amplas e duradouras, como na questão da lei de terras ou da extinção do tráfico, por exemplo, que começaram formalmente a serem discutidas desde 1831 como projeto, e informalmente desde a Independência em alguns textos e jornais. Não é porque a lei ou a reforma é feita em 1850 que ela seja, automaticamente, convertida em realização dos conservadores, muito pelo contrário. Pensar que as decisões políticas eram tomadas nos ministérios e não no Parlamento, no Senado ou no Conselho de Estado é um problema já sinalizado em trabalhos mais recentes. Bem como a paternidade sobre os projetos implementados pelo Estado. Ao analisar os três mundos, percebem-se algumas exagerações que estudos mais pontuais tem imposto revisão. Como a mudança, do período colonial para o Império, no reconhecimento dos escravos não mais como as “mãos e pés do senhor”, mas como verdadeiros inimigos (p.112). Esse tipo de sentimento não é geral. Mas, Ilmar Mattos diz que os ecravos dificultavam o governo da Casa, do mesmo modo que os indivíduos que viviam como agregados, indolentes, vadios ou pobres, vistos como um mundo à parte e tratados como ameaças pelos “setores dominantes”. “Ralé de todas as cores”, “malta que ocupa as ruas” (p.115). Que se vinculavam ao mundo da Rua, que se associava aos excessos e exagerações da Liberdade dificultando o mundo do Governo. Assim, os conservadores deveriam ser vistos como responsáveis e defensores privilegiados da dimensão pública (p.141). E também por terem hierarquizado a importância daqueles três mundos colocando o mundo do governo à frente do governo da casa. Uma olhada nos orçamentos do Império, apenas a título de curiosidade, demonstrará que os Gabinetes liberais foram muito mais parcimoniosos nos gastos e também que foram os poucos onde houve superávit. Outra presença marcante na obra é o modelo centro e periferia, defendendo no plano do governo a corte no Rio de Janeiro como seu espaço privilegiado, como um “poder mais alto e mais longe” (p.193). Como se as decisões e a direção emanassem dali e não existissem discussões, negociações ou decisões tramadas ou tomadas em outros espaços ou centros. Como se outros grupos, ou lideranças políticas não tivessem igualmente se revestido dessa atribuição no processo de construção do Estado e na administração. De qualquer modo Mattos fala em o primeiro dos círculos “mais alto e mais longe” era formado pelas freguesias urbanas da Corte, e dentre elas particularmente “as do centro” – Sacramento, Candelária, São José e Santa Rita –, que continham as instituições e instalações que tornavam possível a reprodução de interesses dominantes (...). Mais do que em qualquer outro, por ele circulava o “carro social” descrito por Nabuco, cujas rodas eram a política e o dinheiro” (p.194). (...) No mais distante dos círculos, preenchido pelas “freguesias do Sertão”, o máximo de força era representado pelo governo da Casa, que parecia tudo poder sobre os homens e as coisas, e por isso mesmo era visto confundindo-se com a desordem, a barbárie e a anarquia.

Tal compreensão, daquele momento, ensejava a centralização. A construção de uma rede administrativa e de um corpo de leis e agentes capazes de vigiar e dirigir as áreas mais distantes e isoladas. Ilmar Mattos reconhece que o tamanho do Império e o caráter disperso de sua população eram entraves que dificultavam a ação saquarema,

impossibilitando uma centralização absoluta. Os agentes nas localidades e vilas na maior parte das vezes governavam para o lugar e não exclusivamente para o Império. Em que pese implementarem diretrizes que viam da corte, realizar mapas, plantas, inventários, promover a justiça, instituir escolas, construir pontes e estradas, dentre outros; acabavam por beneficiar as elites locais, evidenciando as turbulências e a artificialidade nas fronteiras do público e do privado, tanto quanto do interesse particular para o interesse do Estado. Isso, a despeito da separação entre empregos públicos gerais, dos provinciais e locais. De qualquer modo, Mattos aponta dois aspectos importantes do papel exercido pelos saquaremas. Em primeiro lugar advoga para os saquaremas o “monopólio da responsabilidade” (p.5), como se outras lideranças não fossem igualmente ciosas do erário ou da administração a fim de preservar o Estado. Em segundo lugar, ao dizer que os “saquaremas erigiram a Coroa em Partido” (p.5), o que não corresponde à verdade. Tanto na Maioridade quanto depois, não foram poucos os liberais que fizeram igual defesa da coroa e da Monarquia, salvo raríssimas exceções. Um ponto aqui merece destaque. Aqueles que controlam o Estado, durante o Oitocentos no Brasil, controlam efetivamente tudo? Para muitos leitores de Mattos, os liberais haviam sido derrotados e teria vencido a centralização. Tal afirmativa baseia-se na fala e nos testemunhos que ele, meticulosamente, recorta de algumas fontes. Mas como fonte implica em eleição e em construção, habilmente não estão ali falas que reproduzam fissuras ao modelo. Tampouco eventos que poderiam evidenciar limites na análise. Mattos nos diz, por exemplo, que os liberais foram derrotados em 1842, inclusive a alcunha pejorativa que receberam de luzias, marcava essa derrota, simbólica e concretamente. No entanto, ele não revela que todos os liberais – revoltosos – foram absolvidos. E o foram, por juízes conservadores. Aliás, Firmino Rodrigues Silva, quando absolveu os saquaremas de Minas Gerais, passou a sofrer enormes represálias no interior de seu partido, que até prejudicaram sua trajetória política. Processo idêntico ocorreu em São Paulo e, parece-me, também na Praieira em 1848. Então eu me pergunto: onde estava nesses episódios a direção saquarema para punir aquela “rebelião aberta e devastadora” (p.100)? Mais adiante, Mattos reproduz o discurso de Paula Souza de 1848 quando afirma no Senado sentir-se impossibilitado de remar contra a correnteza e quebrar seus remos. Não estaria o ilustre senador liberal aludindo à Câmara majoritariamente conservadora formada naquele ano que tinha apenas um deputado liberal do Pará em suas fileiras? Acompanhando O tempo saquarema temos a impressão de que a tradição liberal se esvaiu com as mortes de Feijó, Vergueiro e Paula Sousa (p.153). Em relação aos projetos políticos para o Estado, segundo Mattos Efetivando muitas das proposições “regressistas” de Vasconcelos, tendo a seu lado a figura ímpar de Honório Hermeto Carneiro Leão, e contando com o apoio de José da Costa Carvalho na província paulista, a “trindade saquarema” constituiria o núcleo do grupo que deu forma e expressão à força que, entre os últimos anos do Período Regencial e o renascer liberal dos anos sessenta, não só alterou os rumos da “Ação”, mas, sobretudo, imprimiu o tom e definiu o conteúdo do Estado Imperial.

Ao invés de acompanhar o falso debate de que tal obra é projeto dos liberais e aquela dos conservadores, tendo a reconhecer um caráter mais heterogêneo e plural das medidas adotadas, muitas delas com décadas de tramitação no Parlamento e no Senado, atravessando maiorias diversas e incorporando em seu bojo ajustes, supressões e

acréscimos que desfiguram o texto inicial. Igualmente vejo dificuldades em pensar os saquaremas como os intelectuais orgânicos par excellence do Oitocentos brasileiro. Difusão das luzes e da civilização, promoção do espírito de associação, dentre outros, já eram princípios adotados por outras forças políticas que não a saquarema; como a facção áulica de Aureliano Coutinho por exemplo. Todas elas, falavam uma língua mais ou menos comum nessas matérias, em uma concordância mais ampla, tal como a da defesa da escravidão. Assim, os saquaremas não impuseram um projeto moral ou de defesa das luzes, pois este lhes preexistia. Dizer que o implementaram in totum também não é verdade. Em sua defesa, Mattos afirma que sem a pressão das forças sociais as ideias teriam morrido em seu próprio nascedouro; significa também considerar que essas mesmas forças se não revestidas de ideias permaneceriam destituídas de orientação, não tomariam consciência de seus conflitos, não se constituiriam em sujeito de sua ação (p.149-150).

Uma questão de fundo que não poderia deixar de tratar, diz respeito à associação que a obra evidencia, entre os saquaremas e o processo de centralização. Penso que tanto o governo quanto a administração conviveram com fortes gradientes de descentralização, alguns deles já expostos por outros autores, como Miriam Dolhnikoff, José Murilo de Carvalho ou Cecília Salles de Oliveira. E, o que é mais importante, que a centralização do poder transpareceu em diversas oportunidades antes de 1848. Em outras palavras, é possível encontrar gradientes de centralização em 1822 ou 1831, por exemplo. Se pensarmos na emissão de selos ou moeda ou na organização cartorial, por exemplo, haviam diretrizes centralizadoras desde a Colônia. Passo agora a propor outro modelo de investigação para as relações de poder no Brasil Império: um modelo rizomático. Que não toma as relações de poder como um esquema vetorial simplificado e de mão única. Que não as entenda como exclusivamente verticalizadas ou horizontalizadas, ou partindo de um centro nervoso em direção à periferia – após 1848 –, ou destas em direção ao centro – como nas Regências. Um modelo que permita formular uma ordem mais complexa, reconhecendo movimentos e dinâmicas nas trajetórias políticas e em sua ação, que as considere em suas desigualdades de condições e formas e que as reconheça como operativas e atuantes estando ou não no centro. Um modelo multinuclear e rizomático que vislumbre a articulação de vários centros para compreender a política em sentido amplo. Essa ordem complexa é anterior e prossegue após a presença da trindade saquarema no poder. Ela se constitui, a meu ver, numa chave de compreensão da organização política brasileira, que preserva elementos patrimoniais ao lado dos burocráticos ao longo de todo século 19 e cujas ligações rizomáticas entre as elites regionais aos projetos de poder iam sendo tecidas, como um processo em curso, concomitante ao processo de construção do Estado. A relação entre o governo imperial e as autoridades provinciais e locais, nas mais diferentes esferas da vida pública, era rizomática, pois sua arquitetura deve reconhecer tanto a afirmação da autoridade do Estado em determinadas matérias quanto, em sentido inverso, a existência do mandonismo local. Acredito que a coexistência dessas relações de poder, virtude de um modelo rizomático o qual supera um tipo de análise binária que predomina na historiografia brasileira que não tem permitido compreender a plasticidade das relações políticas ou administrativas em curso. Assim, curiosamente, a historiografia paulista parecia defender a descentralização e os gradientes de autonomia das províncias, ao passo que a carioca insistia na centralização e na preeminência do governo imperial.

Ao tratar da centralização, Mattos informa que os saquaremas se incomodavam com um poder fraco (p.184). Assumindo o discurso do Visconde do Uruguai diz “a centralização é a unidade da Nação e a unidade do poder. É ela que leva às extremidades do corpo social aquela ação que, partindo do seu coração e voltando a ele, dá vida ao mesmo corpo” (Apud: p.184). Talvez fosse o caso de nos perguntarmos sobre os significados que o conceito de centralização tinha em meados de 1850, para evitarmos possíveis anacronismos. Mas Mattos nos demonstra a diferença, a la Tocqueville, de centralização política de centralização administrativa. Eu me pergunto, contudo, se haveria a possibilidade de uma centralização absoluta, seja política, seja administrativa. Penso que os saquaremas não impuseram um projeto específico de Governo, que pudesse singularizá-lo, mas, ao contrário, assumiram o desejo cotidiano, que representava os interesses da Casa e exatamente por conta disso, pode ser tão longevo. A Casa queria autoridade, subordinação social de escravos e demais subalternos, a manutenção da propriedade, o controle das decisões políticas, dentre outros. Apesar de algumas contrariedades – como o pagamento de tributos, as substituições dos integrantes da máquina administrativa ou recrutamento para citar alguns – a Casa deu-se por satisfeita com a direção tomada pelo governo imperial de modo não ter havido uma mudança radical no status quo. A metáfora de Mattos é sugestiva, porque confere uma fisionomia particular à sua análise, mas é apenas uma metáfora ao lado de outras metáforas possíveis para aquele tempo e para aquela sociedade. Com efeito, o tempo saquarema (bom ou ruim dependendo da ótica do analista atual ou intérprete daquele momento) foi apenas um tempo fugaz no interior de um espaço infinitamente maior e liberal, que o informa e o dissipa. Tempo que em nada alterou as práticas ou as características existentes, que se mantiveram por muito mais tempo. As rusgas, visíveis nas tribunas e nos discursos se contrapõem a uma aparência de absoluta monotonia e tranquilidade, termos inclusive muito utilizados nos relatórios de presidentes de província, caso queiramos ficar no nível dos discursos e das aparências. O progresso era, aliás, a conservação. Não a que promovia os saquaremas, mas a que já havia desde os pactos de 1822, construídos e reconstruídos desde então. Na Figura 3 ilustro os tipos predominantes de rede: centralizada (à esquerda), descentralizada (ao centro) e rizomática (direita). A meu ver, o desafio enfrentado pelo governo imperial brasileiro foi, ao longo do tempo e, sobretudo a partir de 1831, o de integrar nucleamentos rizomáticos de poder existentes no território brasileiro.

Figura 3. Tipos de redes

Quero acreditar que as relações de poder eram mais complexas e que ao contrário do dilema historiográfico que contrapõe centralização a descentralização, muitas vezes informado pelos discursos e pelo próprio debate político na imprensa e na tribuna do Oitocentos, que a natureza das relações políticas apresentasse níveis de deslocamento e uma arquitetura mais intrincada, unindo de maneira irregular, seja em alianças, seja em descontinuidades internas, grupos rivais ou não. O rizoma expressa melhor esse tipo de comportamento político das alianças entre grupos ou de suas fissuras internas. Explico: ao contrário da identidade absoluta no interior dos próprios grupos políticas, penso haver diferenças e idiossincrasias, bem como alianças espúrias, resultando em adesões irregulares no município, na região, na província e no governo do Estado. Há fissuras internas no interior do Partido Liberal bem como no Partido Conservador. E há membros que fecham com o partido oposicionista ou mesmo com o Imperador, em muitas ocasiões, contrariando o partido. Ao invés de homogeneidade, há matizes, há diferenças. Na Figura 4 apresento uma ilustração mais contundente do tipo rizomático de rede:

Figura 4. Rizoma: ilustração das células nervosas

Em botânica, chama-se rizoma a um tipo de caule que cresce horizontalmente, geralmente subterrâneo, mas podendo também ter porções aéreas, tal como a grama, o bambu ou as samambaias. Na biologia, os neurônios e o sistema nervoso central funcionam rizomaticamente. Na filosofia o conceito foi utilizado por Gilles Deleuze e Felix Guattari no prefácio de Mil platôs, para pensar um tipo de subjetivação face às relações de força estabelecidas entre os indivíduos e o Estado. Rompendo com um olhar estruturalista que pensa sistemas em torno de um eixo em modelos estáveis e hierarquizados, o rizoma defende espaços de convergência e de dissociações, reivindica alianças fragmentárias irregulares e espaços de articulação e de linhas de fuga. Esse modelo apresenta características que podem ajudar a compreender a vida político-administrativa no Império.

Pois um rizoma é capaz de integrar amplos espaços com poucos núcleos ou polos e os integra desordenadamente, de modo que vários centros podem se juntar, seja porque estão próximos ou não, bem como se alimentarem de energias captadas em pontos distantes ou adjacentes. Em um rizoma, uma área inativa pode até ser alimentada por outras distantes, voltando ou não a se recuperar. Ilmar Mattos tenta fugir da análise da história do Império como uma história de partidos, tomando os saquaremas como um grupo da classe senhorial que se forma naquele período. Mesmo assim não consegue fugir da análise partidária, visto generalizar os liberais. Para mim, a vida política brasileira não deve ser reduzida, exclusivamente, aos partidos políticos ou à atuação partidária, nem antes, nem depois de 1848. Ao lado dos partidos existem outras forças políticas. E essas forças podem ser indivíduos, facções organizadas ou grupos não organizados formalmente, que podem ser tão determinantes quanto aquelas agremiações político-partidárias. Tais forças políticas configuram verdadeiras linhas de fuga para a vida política imperial. A título de exemplo eu poderia citar o imperador como uma destas forças políticas ou Aureliano Coutinho, indivíduos que são capazes de intervir decisivamente no cenário político ao lado de tantos outros grupos que existiam à margem das lutas partidárias, que poderiam aderir ou não a algum grupo ou grupo em um momento e em outro estar em frente oposta. Talvez fosse oportuno pensar a realidade a partir das experiências e das práticas políticas verificadas, ao invés de partidos. Poder-se-iam tomar como atores as próprias forças políticas (que podem ser indivíduos, famílias, grupos e facções, locais, regionais ou mais amplas espalhadas por diferentes regiões e províncias). Nesse sentido, como eram múltiplos os vetores e centros de poder, seria necessário deslocar a centralidade das ações do Rio de Janeiro e ponderar gradientes de disputa e decisão em diferentes espaços da excolônia e posterior Império independente. Localizando nesses outros lugares, juntamente com o Rio de Janeiro, forças políticas que se envolviam no processo em curso, com seus projetos, ações e integrantes1. Ademais, compor uma cartografia complexa de sua adesão ou não à emancipação e de suas redes de comunicação e sociabilidade2. Posto isso, seria imperativo identificar na capital do império, forças políticas que se colocavam próximas do imperador, junto à corte, observando seus enraizamentos e origem. Afinal, tanto esta nobreza palaciana quanto os imperadores poderiam ser identificados como linhas de fuga da política brasileira no século XIX. Aquela nobreza palaciana com seus grupos de interesse e facções é multifacetada, com representantes de diferentes regiões do Brasil e de Portugal e passou por mutações profundas entre 1808 e 1848. Ela se coloca como um dos ingredientes decisivos para a compreensão do jogo político, antes e após o surgimento dos partidos. Antes porque tiveram enorme influência sobre D. João VI, D. Pedro I e mesmo D. Pedro II que ao longo de sua vida esteve muito próximo a alguns indivíduos de sua predileção. E após por conta de manifestações claras de poder pessoal do último imperador, dissolvendo legislaturas, interferindo na composição de ministérios, nomeando senadores, conselheiros de Estado e presidentes de províncias ou A longa tradição do centro decisório distante, em Lisboa, constituiu práticas e costumes arraigados de autonomia local no Brasil. Entre outros, ver SCHWARZ, S. Burocracia no Brasil colonial. São Paulo: Perspectiva, 1984 e BOXER, Charles S. O império colonial português. Lisboa: Edições 70, 1986. 2 Com isso se evitam esquemas interpretativos sobre a constituição do Estado imperial brasileiro, visto que o mesmo era ocupado por indivíduos que eram, muitas vezes, representantes de uma elite burocrática, mas também expressões da sociedade escravista, integrados a redes de compromisso e solidariedade oriundos do Rio ou de alguma outra província. Evitando ainda a dicotomia corte versus províncias e vice-versa. Ou seja, um perfil multifacetado e híbrido seria mais preferível a insistir em modelos puros. 1

da recorrência a determinados nomes de sua predileção para ocupar postos importantes em momentos decisivos. Neste aspecto, ao contrário de seus predecessores na corte carioca, o grande feito de D. Pedro II, sobretudo após 1848, foi tê-la reduzido a si mesmo. Uma linha de fuga, como o próprio nome diz, é aquela que se afasta de um ponto central. Traçar uma linha, torta, sinuosa, perpendicular, paralela ou transversal é um recurso poderoso para se construir uma cartografia, localizando atores e ações. A política imperial possuía linhas de fuga porque não se fazia somente com partidos, mas também com facções, grupos e mesmo indivíduos antes e depois do reconhecimento prático ou formal dos partidos Liberal e Conservador. Muitos indivíduos atuam fora das organizações partidárias regulares, vide o caso de Aureliano Coutinho, José Bonifácio ou José Clemente Pereira, dentre outros), e das interpretações mais amplas cristalizadas pela historiografia a este respeito3. É preciso reconhecer ainda a força de uma política palaciana ao lado e no bojo da política partidária, vinda dos bastidores. E também a existência de indivíduos e grupos que não mantiveram uma posição fixa ao longo do tempo. Basta contemplar algumas trajetórias políticas para se patentear isso, como a de Francisco de Sales Torres Homem que de médico-cirurgião da corte, um crítico do Imperador, que transitou pela oposição, pelos liberais, depois aproximou-se dos conservadores, tornando-se visconde de Inhomirim e também senador vitalício do Império. Ou a do português José Clemente Pereira. O Império era formado por complexa rede de relações, solidariedades, compromissos e pertenças cujas conexões seguiam nas mais diversas direções, nas quais os elos ultrapassam os limites das paróquias, alcançando vilas e províncias muitas vezes distantes4. Do mesmo modo, ao pensarmos a governabilidade, por exemplo, embora o Ministério da Fazenda estivesse no Rio, o aparato administrativo das finanças não se reduzia ao município da corte. Relações de força, portanto, poderiam se estabelecer tanto partindo do centro decisório no Rio em direção às províncias, como destas entre si e para a Corte. Afinal, o Império, o Estado e o governo não eram o Rio de Janeiro ou a corte. Mas esta era das mais importantes linhas de fuga da política imperial que não se projeta para fora, mas para dentro. Como uma interiorização das forças e interesses provinciais e locais. Mas também como uma afirmação de grupos localizados no Rio de Janeiro.

É impossível não recordar a imagem feita por João Francisco Lisboa no Jornal de Timon nos anos 1840 de que “nesta heróica província, a contar da época em que nela se inaugurou o sistema constitucional, os partidos já não tem conta (...) as aves do céu, os peixes do mar, os bichos do mato (...) já não podem dar nomes que bastem a designá-los, a eles e aos seus periódicos, o Cangambás, Jaburus, Bacuraus, Morossocas, Papistas, Sururus, Guaribas e Catingueiros. Assim, os partidos os vão buscar nas suas pretendidas tendências e princípios, nos ciúmes de localidades, nas disposições antimetropolitanas, na influência deste ou daquele chefe, desta ou daquela família, e eis aí a rebentar de cada clube ou coluna de jornal, como do cérebro de Júpiter, armados de ponto em branco, o partido liberal, o conservador, o centralizador, o nortista, o sulista, o provincialista, o federalista, o nacional, o antilusitano, o antibaiano, o republicano, o democrático, o monarquista, o constitucional, o ordeio, o desorganizador, o anarquista.”. Apud: FAORO, Raymundo. Os donos do poder. São Paulo: Publifolha, 1990, v.1, p.417. 4 Maria Fernanda Martins afirma que “falar em clientelismo é adotar um conceito inapropriado, é preciso partir das práticas políticas para formular ou permitir que um conceito específico possa emergir daquela realidade, havia uma rede de solidariedades e compromissos não exatamente de clientela, mas entre iguais que podiam ter status ou ocupar postos diversos. Mas entendidos como pares, não exatamente como hierarquizados, mas como partícipes de uma mesma sociedade que, nos arranjos locais, provinciais e imperiais acabava por igualar a todos. O peso da autoridade da corte, não correspondia, necessariamente, ao exercício da força e da autoridade na cidade, vila, freguesia ou sertão. Pedir favor, aderir a determinado indivíduo ou grupo não significa, automaticamente, subserviência política ou adesão”. MARTINS, Maria Fernanda Vieira. Das racionalidades da História: o Império do Brasil em perspectiva teórica. Almanack, n.04, p.53-61, 2º semestre de 2012. 3

Enquanto a historiografia concede grande importância para a formação e a atuação dos partidos políticos no Império, penso que enquanto estas agremiações partidárias se construíam, que um dos espaços decisórios mais importantes era a corte e continuou sendo a corte mesmo depois dos partidos. E dentro dela, existiram muitas facções, a Andradina que esteve ao lado de D. Pedro I nas jornadas de 1820, a Holandesa que apoiou a regência malograda da princesa Januária em 1832, ou a Áulica de Aureliano Coutinho a partir de 1834, para citar algumas5. Provavelmente a trindade saquarema (Eusébio, Paraná e Uruguai) também seja, a seu modo, uma nova força política também palaciana, que desponta a partir de 1848. A corte e a política palaciana foram sempre um espaço político expressivo. De seu prestígio em 1808, com a vinda da família real, passando pelo reinado de D. Pedro I entre 1822 e 1831, atravessando o conturbado período Regencial no qual viveu um suposto momento de retração para, novamente, entre 1840 e 1848, no reinado de D. Pedro II. Tão importante que, mesmo com o surgimento e o fortalecimento dos partidos políticos – vetores também fundamentais para a compreensão da política imperial – preservou sua importância, que seria reduzida somente depois de 1870, com a crise da monarquia e do Império, quando os partidos pareceram assumir, de fato, algum protagonismo nas práticas e na vida políticas, conforme ilustra a atuação do Partido Republicano. Nossa hipótese é a de que a monarquia se apresentava como uma dobra,6 como uma chave fundamental de interpretação para se pensar a política imperial. A dobra é que faz dobrar, um espaço que junta duas partes. Do ponto de vista político e pragmático a monarquia se impôs como um princípio estruturador, a articular a arquitetura administrativa e política do Estado imperial. Na transição do Estado de perfil do antigo regime para o Estado imperial brasileiro há uma força política e uma estrutura que se mantém: a corte e a monarquia. Por isso ela é uma verdadeira dobra que integra Estado e sociedade. Ela é uma opção e um consenso que foram construídos através das práticas políticas vivenciadas desde a colônia, que derrotaram o republicanismo. Há uma presença constante da monarquia, da corte e da influência palaciana, que persiste mesmo após o fortalecimento da política partidária. Ao lado da formação comum e dos rituais de inserção no clube da elite imperial, a nobilitação durante o século XIX também deveria ser considerada como um momento importante de muitas trajetórias políticas destacadas e como instrumento efetivo de adestramento da elite ao lado dos estudos acadêmicos e da construção de uma comunidade imaginada, cujas simbologias tem sido largamente desprezadas pela historiografia. No interior da elite política imperial, a despeito da formação e dos estudos que moldavam o pensamento dos indivíduos ou da suposta atuação em partidos, o espaço da corte exercia forte atração e simbolismo e, nas fissuras existentes (de ordem regional, profissional, política, etc), promovia pontos de contato, de socialização e de integração explícitas – conferindo status político, cultural e social. Se os homens do governo ou aqueles que disputavam espaços na burocracia imperial eram sensíveis à pressão da imprensa, também o eram em se tratando do reconhecimento pela nobreza. A continuidade das rotinas palacianas, do Primeiro ao Segundo Reinado é indício seguro de que a corte Sobre Aureliano ver, sobretudo GUIMARÃES, Lúcia M. P. Aureliano Coutinho. In: VAINFAS, Ronaldo (org). Dicionário do Brasil imperial. Rio de Janeiro: Objetiva, 2002. 6 Em outras palavras, “o modo singular pelo qual se produz a flexão ou a curvatura de um certo tipo de relação de forças. Cada formação histórica irá ‘dobrar’ diferentemente a composição de forças que a atravessa dando-lhe um sentido particular”. SILVA, Rosane Neves da. A dobra deleuziana: políticas de subjetivação. Disponível em: . Acesso em 13 out. 2012. 5

constituía um palco político na vida política brasileira oitocentista, desmistificando a ideia de que fosse postiça ou figurativa. Chegar ao Rio de Janeiro era uma ambição de todo aspirante a ascender na vida política oitocentista brasileira. Pouco espaço foi dedicado ao estudo do valimento e à importância da corte pela historiografia brasileira7. Mas esta já é outra história.

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SILVA, Maria B. Nizza da. Ser nobre na colônia. São Paulo: Ed. Unesp, 2005, p.267.

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