DESCRIÇÃO DA CASA DA MOEDA DE LISBOA EM 1552 - DESCRIPTION OF THE LISBON MINT IN 1552

June 15, 2017 | Autor: A. Trigueiros | Categoria: Portuguese Studies, Portuguese Numismatics, Minting history
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DESCRIÇÃO DA CASA DA MOEDA DE LISBOA EM 1552

António M. Trigueiros Introdução São escassos, se não mesmo raros, os textos coevos sobre o funcionamento das casas da moeda do reino, deixados para a posteridade pelas gerações que viveram nas épocas medieval e moderna, ou seja, textos descritivos ou crónicas escritas por aqueles que foram testemunhas vivas do seu tempo. Com excepção dos cronistas oficiais e de um ou outro Regimento legislativo, pouco ou nada existe que nos faça entrar dentro de uma dessas estruturas industriais dos moedeiros, para sentir a sua actividade fabril e o pulsar dos seus hábitos e costumes. É normal, bem o sabemos, que assim aconteça, e como exemplo bastará olhar à nossa volta e pensar: -- que herança deixamos nós, portugueses de 2015, para os vindouros de 2115 ou de 2215? Onde estão as crónicas coevas a descrever, por exemplo, a Casa da Moeda de Lisboa no ano de 2015? Ou de 1980? Ou de 1970? Também não existem. Tudo o que do passado se sabe resultou de investigações históricas e documentais contemporâneas. 1 1 Para o período da República, tentei divulgar no meu livro sobre A Grande História do Escudo Português (Col. Philae, 2003-2004), toda a informação disponível nos arquivos. Seria conveniente que existisse um cronista da nossa Casa da Moeda, para o período do Euro.

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Lisboa em 1598, no mapa de Georg Braun, tendo em rodapé as notas numeradas dos principais pontos e monumentos da cidade. À direita, pormenor do Terreiro do Paço da Ribeira, onde se assinala com o n.º 66 a Porta da Moeda, um arco na Torre da Moeda que dava passagem para as casas da Moeda, situadas na rua traseira, da Calceteria.

Eis a razão porque dou tanta importância à transcrição e ao comentário a um texto que descreve a casa da moeda de Lisboa em 1552, até agora só conhecido de poucos e que sentimos ter de ser do conhecimento de muitos. Só assim poderão numismatas e coleccionadores, particularmente aqueles que se ocupam das moedas da dinastia de Avis, olhar para os seus exemplares e viver por momentos a sensação de que esta, ou aquela outra moeda, acabou de ser lavrada e cunhada na Lisboa dessa época. Os Antecedentes São básicamente cinco os documentos que nos foram revelados até agora, descrevendo algumas das actividades dos antigos moedeiros portugueses, e que são: 1 – Ordenação dada à Casa da Moeda do Porto por D. João I em 1391 (de que nos ocuparemos num outro artigo); 2 – Regimento dado à Casa da Moeda de Lisboa por D. Manuel I em 1498 (de que se ocupou o eng. Agostinho Ferreira Gambetta na sua História da Moeda) e cujo original foi recentemente encontrado na biblioteca da Academia das Ciências; 3 – Apontamentos para a História da Moeda em Portugal, que transcreve documentos internos, alvarás e mapas estatísticos da produção da Casa da Moeda de Lisboa, desde 1517 a 1552, impressos em 1878 mas nunca editados ao público (transcritos em parte por Damião Peres na sua História Monetária de D. João III); 4 – Livro de Registo dos Privilégios, Liberdades e Isenções dos Moedeiros, registo antigo da Casa da Moeda de Lisboa, que transcreve cronologicamente documentos MOEDA 4/2015 - 200

Rua da Calceteria

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66: Arco ou Porta da Moeda desde 1324 até 1751 (aproveitados por Damião Peres para a sua História dos Moedeiros como classe privilegiada); 5 – Regimento dado à Casa da Moeda de Lisboa por D. Pedro II em 1686, publicado em impresso avulso editado pela própria oficina, cujo regulamento vigorou até à reforma de 1845, que criou a repartição estatal Casa da Moeda e Papel Selado. Não consideramos aqui os relatos dos nossos cronistas, importantes para a datação das novas espécies que se foram fazendo, mas que nada revelam sobre a estrutura fabril do estabelecimento onde as moedas se faziam. A estes cinco há que adicionar um sexto, a que dei o nome de Descrição da Casa da Moeda de Lisboa em 1552, sendo um capítulo da obra Tratado da Majestade, Grandeza e Abastança da Cidade de Lisboa na 2.ª metade do século XVI, também conhecido por “Estatística de Lisboa em 1552”, um texto original seiscentista da autoria de um escudeiro fidalgo da casa de D.João III (de nome João Brandão, de Buarcos), que seria transcrito e publicado em 1923 sob a direcção de Anselmo Braamcamp Freire, com comentários e notas do académico Gomes de Brito.2 Não cabe neste artigo transcrever as notas deixadas por Gomes de Brito, muito extensas e pouco adequadas ao propósito deste nosso trabalho. Acrescentarei apenas algumas notas minhas e um ou outro comentário às notas do comentador. É do capítulo Das coisas que tem a cidade de Lisboa, que o seu autor escreve: «pois começei a dizer da cidade tudo o que nela há, direi da Casa da Moeda, e Casa da Índia e Mina e Armazéns, para que se veja cada coisa por si o que é. Direi da Moeda primeiramente.» (p. 166) E o que disse primeiramente vem agora de seguida, em linguagem deste século. Chamo a atenção para a parte que a nós mais interessa, a descrição muito sucinta 2 Lisboa: Livraria Férin, 1923. Na Biblioteca Nacional pode ser consultado em microfilme, refª. F. 3672

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BANCO DE PORTUGAL

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A

Levantamento feito por Vieira da Silva da Baixa pombalina sobre o antigo traçado antes do terramoto, com indicação a negro das muralhas de D. Dinis. Assinalamos o actual edifício do Banco de Portugal e a localização das Casas da Moeda de Lisboa de 1515 até 1720.

mas também muito esclarecedora, das funções desempenhadas por cada oficial ou grupo de moedeiros da Casa da Moeda, o que nos permite ter uma visão mais realista do funcionamento da oficina monetária e do encadeamento das diferentes tarefas, desde a fundição das ligas metálicas, ao lavramento dos discos, à cunhagem do dinheiro e à sua emissão para circulação.

A Casa da Moeda em 1552 «A Casa da Moeda tem um Tesoureiro das portas a dentro, que tem um ordenado de 30 mil réis, e tem em seu poder todo ouro e prata que se há de lavrar e tudo o mais, e tem cuidado de mandar trabalhar. E tem cada ano um pano, ou sua valia, e tinteiro e poeira, que vale dez mil réis.3 E quando entra na Casa moedeiros que arma novamente, tem um marco de prata, e se é filho doutro moedeiro, meio marco e outros percalços. 4 3 Gratificações ou ajudas de custo: “Um pano”, para o bufete de despacho, ou o valor dele; e “tinteiro” ou uma escrivaninha, no total com o valor de 10$000 réis (nota de Gomes de Brito). 4 Como diz Teixeira de Aragão, “os moedeiros formavam uma espécie de milícia, com o seu cabido, e na admissão eram recebidos com a cerimónia de duas pancadas de espada sobre o capacete”.

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Rua Augusta Diagrama do mesmo autor, mostrando a situação das Casas da Moeda de Lisboa, da Mina e da Índia em relação à Rua do Comércio e Rua Augusta da actualidade.

Há na Casa dois Escrivãos que lançam em receita o que se entrega e recebe, e têm de ordenado cada um 22 mil réis e oito mil para umas casas de aposentadoria, que são 30 mil réis (cada um).......... 30$000 rs. Dois Salvadores, que passam pela balança todo o ouro e prata, para que fique no seu peso; tem cada um de ordenado 20 mil réis em dinheiro e oito para casas, e são (cada um) .................28$000 rs 5 Um Guarda que guarda o ouro da Mina, tanto que chega até que o entrega a lavrar, tem de ordenado 10 mil réis................. 10$000 rs 6 5 O comentador Gomes de Brito não conseguiu saber o significado da palavra “salvador”, nem o que tal funcionário fazia na Moeda, acabando por atribuir-lhe as funções de um “laminador”. Salvador era o moedeiro, um ourives, que recebia os discos cortados à tesoura das chapas pelos fornaceiros, e os recortava, arredondava e “salvava”, acertando o seu peso. Daí os discos redondos (então designados por “moedas”) passavam para o Provedor ou examinador, que completava o trabalho do salvador, aperfeiçoando os discos e examinando o peso. Em 1529 existiam 3 salvadores na Moeda de Lisboa (Apontamentos, doc. LV), número reduzido para 2 antes de 1552, e depois fortemente aumentado para 7, ver a nota 13. 6 Pelo Alvará de 26 de Novembro de 1533, o escrivão da Moeda Francisco Dias recebeu a gratificação de 10$000 rs., “pagos à custa dos feitios da dita moeda... pelos cuidados de guardar o ouro que vem da Mina”. Já anteriormente, em a 9 de Setembro de 1529, foi autorizado a “a pernoitar na Moeda enquanto se lavrar o dito ouro e este ouro estiver na dita Moeda”. (Apontamentos, doc. LVI)

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Um Ensaiador que põe o ouro na lei, tem cada ano 6 mil réis ......6$000 rs 7 Um homem que abre os cunhos, assim de ouro como de prata e cobre, tem de ordenado 40 mil réis cada um ano ............... 40$000 rs 8 Um Fundidor das cizalhas do ouro, que tem de ordenado 14 mil réis ....14$000 rs 9 Um Contador, que tem cuidado de levar o dinheiro, assim de prata como de ouro, à Casa da Mina, que tem de ordenado em cada um ano 20 mil réis .........20$000 rs 10 Tem três Provedores que tornam a pesar o ouro depois que sai da mão dos salvadores, para que vá em todo perfeito, e pela mesma maneira provêm a moeda de prata. E tudo, primeiro que vá ao cunho, passa pelas mãos de duas pessoas. 11 Tem 60 Fornaceiros que batem a moeda, assim de ouro como prata e cobre, e 15 Cunhadores, e 8 Contadores e 8 Branqueadores.12 E ora mandou V. A. fazer 24 fornaceiros, para serem 84, e 6 cunhadores, que são 21 ao todo, e dois salvadores para serem quatro os que poem os cruzados ao peso, e são para todos 7 salvadores. 13 7 Pelo Alvará de 19 de Janeiro de 1538, foi determinado que todo o ouro e prata só podiam ser marcados pelo ensaiador da Moeda; a 10 de Fevereiro seguinte, outro alvará dá ao ensaiador 10 réis por cada marco de ouro fino que marcasse. 8 Pelo Alvará de 17 de Agosto de 1525, D. João III aumenta o vencimento do ourives Diogo Álvares, que o era do seu irmão D. Fernando, duque da Guarda, como abridor de cunhos e também ensaiador da Casa da Moeda de Lisboa, para 40$000 réis por ano, com a obrigação de gravar na perfeição os cunhos para a nova moeda de prata e de ouro d´El-Rei, cujas primeiras amostras o monarca tinha acabado de aprovar. (Apontamentos, doc. XXII) 9 As cizalhas são os restos de metal sobrante da operação do recorte dos discos das chapas e do seu aperfeiçoamento em moeda pronta a cunhar. 10 Este era o Contador do Tesouro Real. A moeda cunhada e escolhida (dinheiro) era entregue na Casa da Mina e da Índia (edifício muito perto, nos baixos do Paço da Ribeira), mas tinha que ser antes contada e pesada pela balança da Moeda. Existiam outros contadores da Moeda. 11 O ofício de Provedor ou examinador da prata ou do ouro é um dos menos conhecido dentro da estrutura da Moeda, aparecendo nesta descrição claramente situado na cadeia de produção dos discos metálicos, entre o salvador e o cunhador. A sua função era examinar a “moeda” que saia dos salvadores, aperfeiçoando o disco com limas e verificando o peso, separando os fortes dos febres e refugando aqueles sem condições de serem cunhados. Pelos alvarás das nomeações se vê a descrição deste ofício: “prover e examinar a moeda de prata (e de ouro) que se faz na minha moeda de Lisboa, que seja do peso e ordenança que mando que se faça para mais sua perfeição” (Alvará de 20 de Março de 1534, Apontamentos doc. LXXII). Pelo Alvará de 5 de Fevereiro de 1540 foi concedido aos provedores da prata um real por cada marco que provessem e examinassem. (Apontamentos, docs. XCIX a CI) 12 Estes números tinham sido fixados no Regimento de 1498, com excepção dos branqueadores, que de 4 passaram para 8, sinal da grande produção de prata e de cobre. A moeda de ouro não era branqueada, apenas limpa. 13 Aqui se dá conta de um reforço do quadro tradicional dos moedeiros de Lisboa, os conhecidos 104 de número, mais os 15 oficiais e 2 magistrados. Segundo esta descrição de 1552, D. João III terá ordenado, em data recente, a nomeação de mais 30 moedeiros (sendo 24 das fornaças e 6 cunhadores), e mais 2 salvadores do ouro. No total seriam então 136 moedeiros, 15 oficiais e 2 magistrados. Teixeira de Aragão já tinha chamado a atenção para este aumento de pessoal no reinado de D. João III (Vol. I, p. 59)

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Lavram de contínuo três fornaças em cobre, e havendo ouro lavram duas, de prata outras duas, segundo a necessidade 14; e cada fornaça destas tem um Capataz que é maioral na Casa, a que se entrega o ouro e a prata e cobre, e este o entrega depois de lavrado. 15 Tem hum Porteiro que fecha e abre a Casa, com o ordenado de 15 mil réis. Tem um Guarda das Fundições, que tem cuidado de as guardar em quanto andam no fogo, com 6 mil réis. E um Porteiro da Balança que a guarda, com 3 mil e 600 rs. de ordenado 16 Um Ferreiro há nesta Casa, que concerta e calça de aço os martelos e mais ferramentas e tudo que é necessário; e tem ordenado 15 mil rs. pela ferramenta do ouro e de prata, e pela de cobre tem de cada fornaça três mil réis quando lavram. O Amolador que amola as tesouras, tem de ordenado três mil e 500 réis. O Comprador que tem o cuidado de comprar o necessário para a Casa, 3 mil réis. O que concerta as balanças tem mil e 600 réis. Paga-se mais de lavrar o ouro e prata e cobre que se lavra em moeda o seguinte: A fornaça do ouro: a 15 réis por marco, e aos salvadores, pelo salvarem, a 7 réis e meio por marco, e de cunhar, a 5 réis por marco. Ao fundidor das cizalhas a 39 réis por marco. A fornaça tem de cada marco que lavra 15 réis; e de salvar real e meio; e são 16 e meio. Os provedores da prata têm, por cada marco, um real, e de cunhar 5 réis por mar14 Importante esta referência de que, em 1552, trabalhavam em simultâneo e em contínuo, 7 equipas fabris, sendo 2 de ouro, 2 de prata e 3 de cobre. Entre 1517 e Setembro de 1525 as fornaças eram 1 de ouro, 5 de prata e 1 de cobre. Em Setembro de 1525 passaram para 2 de ouro e 6 de prata; e em 1528 passaram a 2 as fornaças de cobre. Daqui se deduz o volume da produção fabril. Este aumento das fornaças de cobre vem na sequência da reforma desta espécie monetária, operada em 1550, com a criação de moedas grandes e pesadas (10, 5 e 3 reais), além do popular ceitil (de que 6 valiam um real). Inicialmente de uma só fornaça, a amoedação do cobre passa para duas fornaças em Novembro de 1550, para fazer face à encomenda real de 800 quintais das novas moedas desse metal (aprox. 47 toneladas), para logo pouco depois chegar às três fornaças, de que dá conta esta descrição. (Apontamentos, docs.CXXXI a CXXXVI) Os números calculados por Damião Peres impressionam: seriam 1.398.800 moedas de 10 réis; 2.832.000 moedas de 3 réis; 3.276.000 moedas de real; e 3.278.260 ceitis. (H. Monetária, p. 35) 15 Encontra-se aqui a indicação de que os capatazes das fornaças eram oficiais maiores da Casa da Moeda. De facto, o capataz era nomeado pelo tesoureiro de entre os fornaceiros, tido como “mais abonado e fiel da dita Casa e melhor lavrante dela”, prestando juramento perante os oficiais da Moeda. Assim aconteceu com Jorge Lopes, nomeado capataz de uma terceira fornaça de ouro, criada em Junho de 1539, após a reforma dos cruzados, para aumentar a sua produção. (Apontamentos, doc. XCII) Note-se também que o comentador Gomes de Brito não conseguiu saber o significado prático da palavra “fornaça”, confundido-a com “casa da fornalha” ou da fundição. Ainda hoje se mantém essa confusão entre historiadores. Segundo a tradição antiga, “fornaça era a casa onde se cunhava a moeda”. (História da Moeda, p. 172) 16 F Gambetta diz que “O porteiro do tesoureiro era o fiel da respectiva balança” (Idem, pp. 141 e 183)

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co, e de fundir 25 réis.17 Reparte-se de cada marco de prata que se lavra 46 réis (e meio) por esta maneira: o alcaide da casa, que agora é tesoureiro, 1 real e meio; o contador do tesouro, 12 réis e meio; o guarda do cunho a 12 réis e meio; e branqueadores a 12 réis e meio; aos contadores a 7 réis e meio; e isto cada paiada.18 No lavramento do cobre se gasta o seguinte: o ferreiro, de o rebater e pôr em pastas, como barras, por quintal, a 260 réis; os fornaceiros levam por cada marco 10 réis e meio; e os cunhadores a 3 réis e meio. Somam estes ordenados que se gasta com estes oficiais, 266 mil e 800 réis.19 Tem mais um Fundidor da Casa, 2 mil 513 réis, que lhe são pagos quando a Casa não tem fundidor. Estes oficiais têm grandíssimos privilégios, que nenhuma ordenação, nem postura entra neles, e assim em crime como civil nenhuma justiça do reino entende com eles, nem coisa de sua casa, senão o seu juiz, que é seu conservador e ele os determina e julga como lhe parece. Justiça e postura da Câmara não entra com eles, e todos gozam destas liberdades, e o Conservador tem de ordenado 15 mil réis. Estas casas onde se lavra esta moeda estão todas de umas portas a dentro, e estão ordenadas em rua de longo; de uma banda correm todas.20 E cada fornaça destas se lavra sua coisa; e o tesoureiro pousa e está sempre dentro, mandando o necessário.» 17 Segundo Gomes de Brito, “Este ofício consistia em correr (passar uma a uma) as moedas de prata fabricadas, para se verificar se estavam no peso e mais condições, antes de serem entregues à circulação”. Esta parte final está errada. Por moeda deve-se entender o disco cortado antes de ser cunhado e o provedor era um examinador dos discos antes de serem cunhados em dinheiro (hoje dizemos “amoedados”). Ver a nota 11. 18 Paiada ou Pazada: medida múltipla do marco, do peso de 50 marcos. Ou seja, os pagamentos acima indicados eram feitos por cada 50 marcos de moedas. Como tal figura no Regimento de 1498: “Um Guarda do cunho que haverá seu mantimento por paiadas, quando a moeda lavrar à razão de 12 réis e meio por cada cinquenta marcos de prata que é uma paiada”, aplicando-se o mesmo aos contadores e aos branqueadores (H. Moeda, pp.71-73). No texto publicado em 1923 o original foi mal lido e de “cada payada” passou a ser de “cada parada”. 19 Segundo Gomes de Brito, este total soma 308$700 réis, incluindo a verba do Conservador. 20 O novo edifício da Casa da Moeda foi construído no reinado de D. Manuel I, entre 1502 e 1515 e situava-se junto aos Paços da Ribeira, depois de ter sido abandonado o velho Limoeiro. A localização da Moeda manuelina aparece claramente indicada na gravura de Lisboa publicada em 1598 por Georg Braun (1541-1622), Civitates Orbis Terrarum (vol. V, 1598), com as legendas numeradas. Na face setentrional da nova Praça do Terreiro do Paço, situava-se um arco ou porta n.º 66, designada por “Porta dita Postigo da Moeda”, que permitia a passagem para as casas da Moeda, situadas na rua traseira, a Rua da Calcetaria, da freguesia de São Julião (antiga). Merece leitura o artigo de M. Vieira da Silva, publicado em 1901 no Arqueólogo Português (vol. VI, nºs. 5-7), sobre A Judearia Nova e as Primitivas Tercenas de Lisboa, no qual o autor identifica o local das casas da Moeda manuelina, situadas entre a actual Rua de São Julião e Rua do Comércio, exactamente no seguimento para nascente do edifício sede do Banco de Portugal. A mudança para um novo edifício na rua de São Paulo só teria lugar em 1720, onde permaneceu até 1941, quando transitou para as novas instalações das Avenidas Novas em Lisboa.

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Termina esta descrição sem referir o segundo cargo mais importante da Moeda, o de Mestre ou Juiz da Balança, cujo vencimento era de 20$000 réis em 1525 (existiam dois mestres). Podemos agora juntar os conhecimentos escritos coevos e dar um pouco mais de vida à Casa da Moeda de Lisboa no século XVI A CASA DA MOEDA DE LISBOA NO SÉCULO XVI O Regimento de 1498 divide os trabalhos da amoedação em duas fases: 1ª – o fabrico das barras ou lingotes de metal a laminar (chamadas aries), por fundição, refinação e afinação do ouro e da prata (não refere o cobre, que também era rebatido e posto em barras) 2ª – o fabrico do dinheiro (designado por moeda cunhada), que por sua vez comportava duas etapas distintas: 2A – o lavramento do disco metálico (designado por moeda) conforme o padrão monetário, por laminagem dos lingotes em chapas, corte por tesoura e aperfeiçoamento por lima, com o respectivo aproveitamento e pesagem dos desperdícios (as chamadas cizalhas), logo de seguida fundidas e reaproveitadas; 2B – a cunhagem do disco em dinheiro (moeda cunhada), seguido de branqueamento, contagem e pesagem, com aproveitamento dos refugos (moeda cunhada fora dos padrões). Nas oficinas de fundição trabalhavam os fundidores, o guarda das fundições, “que tem cuidado em as guardar enquanto andam no fogo”; os ensaiadores e contra-ensaiadores, “que poem o ouro na lei”. Trabalho feito, o metal afinado em lingotes era entregue ao mestre da balança, para pesagem e controlo das quantidades a fornecer às oficinas do lavramento. Tudo devidamente registado pelo escrivão ou escrivãos, “que lançam em receita o que se entrega e recebe”, nos seus livros de grandes folhas em carneira encadernados. Nas oficinas do lavramento – chamadas casas das fornaças, ou só fornaças, distintas para cada tipo de metal, ouro, prata ou cobre – trabalhavam os fornaceiros, na laminagem esforçada dos lingotes, que aqueciam primeiro e depois batiam e rebatiam a martelo, estendendo e alisando o metal em chapas até à espessura desejada, que depois cortavam e recortavam à tesoura em discos muito irregulares; os salvadores, que “passam pela balança todo o ouro e prata, para que fique de seu peso”, aperfeiçoado os discos com limas para que fiquem moeda pronta a cunhar; os provedores ou examinadores dos discos, “que tornam a pesar o ouro que sai da mão dos salvadores, para que vá em todo perfeito, e pela mesma maneira provêm a moeda de prata”; os capatazes das fornaças, um por cada uma destas equipas fabris de moedeiros, “que é maioral na Casa, a quem se entrega o ouro e a prata e cobre, e este o entrega depois de lavrado”; e o guarda dos cunhos e os cunhadores. MOEDA 4/2015- 207

Terminado o controlo do aperfeiçoamento dos discos, eram os mesmos entregues ao capataz da respectiva fornaça, para se cumprir o Regimento, que mandava observar “e tanto que for lavrada na dita obra será vista pelo guarda da dita fornaça se é feita na bitola e redondeza que há de ser”, que depois de vistos os levava ao mestre da balança, para registo do peso unitário e para controlo das quantidades a fornecer aos cunhadores. Todos os movimentos eram devidamente registados pelo escrivão nos seus livros. Nas casas do cunho, anexas às casas das fornaças, trabalhavam o guarda dos cunhos que, na presença do mestre da balança, recebia os ferros gravados pelo abridor de cunhos, “um homem que abre cunhos assim de ouro como de prata e cobre”, os escriturava e guardava em arca fechada, antes de os distribuir pelos capatazes das diferentes fornaças do ouro, da prata e do cobre, anotando com cuidado os sinais que cada cunho trazia e os nomes dos capatazes que os recebiam: assim se saberia responsabilizar alguma má obra; e os cunhadores, que recebiam dos seus capatazes os cunhos (pilhas e troqueis) e a moeda salvada e provida pronta a cunhar. Uma cláusula especial existia, no entanto: nenhum cunhador ou fornaceiro podia trabalhar sózinho, era obrigatório pelo Regimento que os trabalhos de lavramento dos discos e de cunhagem do dinheiro fossem feitos por equipas de, pelo menos, dois homens. Terminada a cunhagem, as moedas cunhadas (ou dinheiro) de prata e de cobre eram entregue aos branqueadores, que as limpavam por ataque químico das oxidações existentes (acto de branquear) e, antes de as devolverem ao mestre da balança, verificavam as que tinham peso a mais (os fortes) e as que tinham peso a menos do padrão (as febres), um registo depois escriturado nos livros do escrivão, juntamente com os nomes dos respectivos capatazes das fornaças onde essa moeda tinha sido cunhada. Por último, os contadores contavam a moeda boa, de ouro, de prata e de cobre também, antes de ser embalada, selada e entregue ao tesoureiro, para ser devolvida aos particulares que tinham dado o metal ou para ser entregue ao contador do tesouro real, “que tem cuidado de levar o dinheiro, assim de prata como de ouro, à Casa da Mina” (emissão monetária). Após a reforma de 1550, também toda a moeda de cobre cunhada seria entregue ao tesoureiro da Casa da Índia (nome que substituiu o de Casa da Mina). Como ponto central de toda esta actividade fabril, ressalta a figura do mestre da balança (eram dois nos reinados de D. Manuel I e de D. João III), que tudo mandavam pesar, tudo escrituravam, tudo controlavam e tudo redistribuíam, na presença e supervisão final do tesoureiro da Moeda, que “tem em seu poder todo ouro e prata que se há de lavrar e tudo o mais, e tem cuidado de mandar trabalhar”. Assim se lavrava a moeda d´El-Rei de Portugal no século XVI. Lisboa, 6 de Novembro de 2015

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