Descrição de fotografias a partir de modelos táteis: ensaios didáticos e tecnológicos

July 14, 2017 | Autor: Lila Nicoletti | Categoria: Acessibilidade Em Museus, Modelos 3d
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Descrição de fotografias a partir de modelos táteis: ensaios didáticos e tecnológicos Adriane Borda A. da Silva Monica Veiga Lilianni Nicoletti Francisca Michelon

Adriane Borda A. da Silva - Monica Veiga - Lilianni Nicoletti - Francisca Michelon

Resumo A criação de uma instituição cultural intitulada “museu do conhecimento para todos”, no âmbito de uma universidade pública, promove o estudo aqui apresentado. Um conjunto de ações colaborativas, especialmente entre pesquisadores da área de Museologia, Comunicação e Arquitetura busca reconhecer referenciais que possam sustentar um primeiro exercício de realização de uma exposição de fotografias, de maneira inclusiva. Neste trabalho descrevem-se as experiências que estão sendo realizadas para tornar possível a representação destas fotografias. Os experimentos envolvem técnicas de representação bi e tridimensionais, explorando o uso de materiais e tecnologias tradicionais, alternativas e avançadas, incluindo assim o papel vegetal texturizado, folhas de EVA, maquetes artesanais e modelos produzidos por impressão 3D. A proposta didática foi batizada como: “adição gradual de informação”, tendo sido avaliada positivamente por duas especialistas no tema: uma vidente e uma deficiente visual. Abstract

The creation of a cultural institution entitled "museum of knowledge for all" as part of a public university promotes the study. A set of collaborative actions, especially among researchers in the field of Museology, Architecture and Communication seeks to recognize references that would support a first exercise of holding an exhibition of photographs, so inclusive. This paper describes the experiments that are being carried out to make possible represent these pictures, as tactile representation techniques of two and three dimensional, using several materials, from traditional to advanced alternatives, including the textured transfer papper, EVA sheets, handmade models and rapid prototyping by 3D printing. The didactic proposal was named as "the gradual addition of information," having been positively evaluated by two experts on the subject: a sighted one and a visually impaired.

1 Introdução

Para o Estatuto dos Museus (2009) um museu contemporâneo, deve estar apto a receber diversos públicos em um ambiente eminentemente inclusivo. Para isto, deve ser capaz de superar o conceito de deficiência como uma condição patológica, impeditiva para o indivíduo e que o destitui do convívio social pleno, substituindo-o pelo conceito de deficiência como uma limitação do ambiente

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em receber todos. Nesta perspectiva, o ambiente do museu é que precisa se tornar acessível e compromissado com tal inclusão. No âmbito da Universidade Federal de Pelotas (UFPel), originou-se a proposta do “museu do conhecimento para todos”, um programa de extensão contemplado com auxílio no edital PROEXT/MEC 2011 cuja principal meta é a realização de exposições inclusivas, ou seja, exposições que empreguem recursos de acessibilidade capazes de tornar o conteúdo legível a pessoas com diferentes deficiências. Este trabalho apresenta a investigação realizada para produzir uma primeira exposição sob esta perspectiva, resultando na produção de esquemas e maquetes que buscam traduzir para um meio de comunicação tátil uma coleção de dezoito fotografias. Tais fotografias registram um momento recente da história da UFPel, de ocupação de edifícios onde funcionava o Frigorífico Anglo de Pelotas, dos quais alguns já não existem mais e outros foram modificados para sediar o “Campus Porto” da UFPel, o qual inclui a sede da reitoria (Figura 1).

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Figura 1- fotografia aérea do conjunto de edifícios do antigo frigorífico, sede atual do Campus Porto/UFPel. Fonte: recorte de uma foto aérea cedida pela Prefeitura Municipal de Pelotas.

De acordo com Cano (2002), a visão está especializada em transmitir a forma dos objetos. O tato em transmitir a textura. O ouvido, a posição. Entretanto é o conjunto de tais informações processadas no cérebro, que permite a compreensão das características do espaço físico. Ao considerarmos a restrição de um ou mais destes sentidos, faz-se necessário adotar estratégias que promovam de outra maneira, à aquisição de tal informação. No caso da falta de visão, total ou parcial, parece possível adicionar informação através das maquetes táteis, do braile e da impressão em relevo. Neves (2010), ao se referir à experiência tátil, nos leva ao questionamento de como dar a fruir, através de outros sentidos, obras que nasceram para serem vistas. Destaca a natureza intrínseca, de obras como quadros, desenhos, permitindo-nos incluir as fotografias nesta reflexão, as quais terão sempre de ser percebidas através do olhar. A autora, no referido estudo registra questionamentos tais como: Estarão estes trabalhos efetivamente vedados a quem não vê? Haverá forma de transformar tais trabalhos em peças tocáveis? E de complementar ou substituir a visão por

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outros sentidos, nomeadamente o tato, a audição, o olfato e/ou o paladar? A autora particulariza o questionamento para a pintura, observando que neste tipo de obra os espaços, formas e massas organizam-se e linearizam-se dando a ilusão de profundidade e tridimensionalidade a quem olha. Prossegue destacando que, salvas as exceções em que a pintura se oferece de forma texturizada, ressaltando que até mesmo essa é uma textura para se sentir com os olhos, em essência, a maioria dos quadros não foram feitos para serem tocados e muito menos ainda para serem ouvidos, cheirados ou provados. A autora reforça que lidar com o toque é algo complexo, afirmando que é mais complexo ainda se valer de outros sentidos no momento de fazer com que a arte possa ser sentida. Ainda Neves (2010) nos faz entender que “ver” é um conceito que precisa ser reequacionando quando abordado no contexto museológico. A autora nos apresenta uma lógica a partir do reconhecimento de que o olho é um simples aparelho mecânico. Lembra que é no cérebro que se vê, através do recebimento de pequenos impulsos elétricos, com diferentes frequências, transmitidos por todos os sentidos. Conduz o raciocínio para observarmos que: aquilo que se vê de forma mecânica não será necessariamente aquilo que é dado ao nosso cérebro ver; aquilo que o nosso cérebro “vê” não terá sido necessariamente recriado a partir da imagem que entrou pela retina. Levanta assim a hipótese de que um cego poderá ir a uma exposição de pintura (ou fotografia, para o nosso caso, aproveitando a linha de raciocínio da autora) para que lhe possa ser dado “ver” através dos outros sentidos. Com isto ela elabora uma proposta para que a visão não-ocular possa ser proporcionada através da tridimensionalidade das pinturas e através de textos descritivos. A autora reafirma que com a junção dos dois meios – o verbal e o tátil – é possível compreender imagens de maneira muito próxima daquela compreensão captada pela visão. A partir destas considerações esta investigação se centra na identificação e elaboração de métodos didáticos e tecnológicos a serem empregados para a representação das fotografias referidas anteriormente. 2 Metodologia 2.1 Etapa de revisão:

Esta etapa tem sido caracterizada pela produção de mapas conceituais. Exemplificados na figura 2, os mapas reúnem informações advindas especialmente de Teshima (2010), Labtate (2007) e Tarricone (2011). Tais mapas auxiliam na identificação de sistemas de classificação de modelos táteis, quanto às finalidades de uso, às maneiras de execução e aos tipos de materiais empregados. Auxiliam também no reconhecimento da utilização de modelos táteis para reproduções de obras de arte.

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Estas

sistematizações

são

realizadas

a

partir

da

ferramenta

Cmap

Tools

(http://cmap.ihmc.us/). É uma ferramenta de acesso gratuito, que possibilita estruturar esquemas dinâmicos, abertos à adição de novos conceitos, parâmetros, imagens ilustrativas, assim como à reformulação de categorias. O tipo de esquema facilita a comparação entre referenciais, promovendo associar informações para a resolução dos problemas encontrados ao longo do estudo.

2 Figura 2.- Exemplificação dos tipos de esquemas produzidos na etapa de revisão

Nesta etapa investiu-se especialmente na identificação de novas tecnologias para a produção de modelos. Na figura 3, associa-se a imagem de uma impressora 3D a um esquema realizado a partir de Celani e Pupo (2008). Esta associação buscou contextualizar este tipo de máquina, recentemente adquirida no contexto deste trabalho, frente ao estado da arte de produção automatizada de modelos físicos.

3 Figura 3 - À esquerda, esquema construído a partir de CELANI e PUPO (2008). Fonte da imagem: autoras.Sobre o esquema, classifica-se o tipo de impressora a ser utilizada no âmbito deste trabalho, ilustrada na imagem à direita. Fonte da imagem: www.cliever.com

A máquina referida admite como matéria prima para a impressão o termoplástico, que é derretido para configurar modelos a partir da deposição de camadas, constituindo-os com resistência e conforto para a experiência tátil. 2.2 Etapa de Projeto e execução dos modelos táteis

Considerando o propósito de atribuir acessibilidade à compreensão de fotografias, formulamse questões específicas, consideradas como desdobramentos das questões iniciais: Como se

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descreve a geometria das formas representadas em uma fotografia a partir de um modelo tátil? Como se descreve uma imagem em perspectiva? Como explicar as associações entre estas deformações geométricas em função do ponto de vista? Para responder a estes questionamentos, evidentemente, pode-se apoiar no conhecimento da Perspectiva, o qual se encontra sistematizado desde o Renascimento. Entretanto, como explicá-lo para quem nunca viu? Durante toda esta etapa de trabalho estão presentes assim questões conceituais, de discussão sobre a estrutura de saber, relativa à Perspectiva, envolvida no processo de descrição de uma fotografia. Por outro lado estão as questões tecnológicas, que pressupõem a disponibilidade de materiais e uso das diferentes técnicas identificadas na etapa de revisão. Além das tecnologias tradicionais para execução de maquetes artesanais, está sendo possível então experimentar alguns processos automatizados de produção, a partir de modelos digitais e impressão 3D. Deve-se destacar que o objetivo desta etapa é de explorar todas as tecnologias disponíveis, avaliando-as sobre a pertinência e viabilidade. Nesta direção, o método está sendo construído a cada experimentação. Para uma determinada fotografia realizam-se vários questionamentos, como por exemplo: Quais representações táteis e quais discursos didáticos comporão todo o processo? Como sequenciar ou sobrepor representações e discursos? Como apresentar o discurso didático, se por meios audiodescritivos ou em braile? Como promover a total autonomia para o uso de tais recursos? Valendo-se de um guia? Em tempo parcial ou integral para acompanhar a experiência? 2.3 Etapa de Experimentação e validação:

O propósito desta etapa é de expor cada um dos processos de descrição para que haja a contribuição de diferentes públicos: inicialmente para especialistas na área, logo, para deficientes visuais, seguindo-se a experimentação com estudantes de Perspectiva, e logo para o público em geral. 2.4 Etapa de sistematização e difusão

Esta etapa inclui a análise comparativa entre os processos de descrição de fotografia realizados, observando-se as possibilidades de identificar tipos de representações fotográficas associadas com: métodos didáticos e padrões de produção de modelos táteis. Desta maneira buscase sistematizar o processo de desenvolvimento de modelos táteis para a representação de fotografias.

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Faz-se importante destacar que o desenvolvimento destas quatro etapas de trabalho não ocorre de maneira linear, havendo um processo dinâmico de realimentação entre elas, especialmente a partir da etapa de revisão. 3 O processo de projeto e execução das representações

Os projetos e as execuções de modelos táteis até então realizados foram desenvolvidos durante os meses de abril a junho de 2012. Referem-se à representação de quatro dentre as dezoito fotos relativas à exposição em questão. Para o projeto das representações de três destas fotos (aqui denominadas como foto 1, 2 e 3) considerou-se, principalmente, as seguintes referências: Teshima (2010), a qual destaca que as pessoas com deficiência visual podem reconhecer as formas dos objetos tridimensionais (3D) por tocá-los, no entanto, é bastante difícil reconhecer as formas dos objetos tridimensionais através de figuras planas bidimensionais (2D) em relevo; L abtate (2007), que recomenda que devemos generalizar os contornos e formas planimétricas e altimétricas, pois quanto mais detalhes, mais confusa a informação se mostra para o deficiente visual, dificultando o processo de aprendizagem; e o trabalho da designer Dayse Tarricone, o qual exemplifica não só a reprodução em relevo de obras de arte, como também através de maquetes táteis representando o ambiente da obra bidimensional, a partir de um ambiente tridimensional para que os deficientes visuais possam entender o porque de cada objeto estar representado em determinado lugar na imagem. Já para a quarta foto (denominada foto 4), os recursos materiais e tecnológicos utilizados foram predeterminados, executando-se um exercício proposto pela especialista da área de comunicação inclusiva e tradução audiovisual, Dra. Josélia Neves (IACt/IPL/Portugal). Considera-se pertinente, para contextualizar o enfoque dado aos experimentos, registrar a formação da equipe que desenvolveu cada processo: uma pesquisadora na área de representação gráfica e digital, responsável por ministrar disciplinas de graduação em representação gráfica, especialmente a disciplina de Perspectiva; uma estudante de arquitetura de segundo ano, já graduada em Comunicação, tendo realizado como trabalho de conclusão de curso um audiogibi para crianças com deficiência visual, especialista em hospitalidade, tendo sido estagiária do departamento de entretenimento do Walt Disney World Resorts, tendo por hobby a produção de maquetes artesanais; uma estudante de arquitetura, iniciante em processos de representação gráfica digital. A seguir são descritas as propostas de desenvolvimento dos modelos táteis.

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3.1 Modelos táteis para a representação da Foto 1

A foto 1 refere-se a um quadro de madeira utilizado como suporte de ferramentas do antigo frigorífico. Uma das hipóteses de representação foi a de executar uma réplica do quadro, empregando-se assim as mesmas dimensões e mesmos materiais, já que a sua escala viabilizaria a percepção através do tato. Porém, logo se considerou que o quadro deveria conter efetivamente as ferramentas. Assim seria mais fácil informar sobre suas formas e a maneira como estavam dispostas sobre o suporte de madeira. Adicionar-se-ia a informação de que todas as ferramentas haviam deixado apenas a sua marca, a qual reporta a um grande período de tempo em que tais ferramentas estiveram ali depositadas, ao término de jornadas de trabalho. Em um segundo momento, considerou-se a hipótese de representação em menor escala, para viabilizar, por exemplo, a obtenção de vários modelos a serem disponibilizados para a experiência tátil a um grupo. O conjunto de imagens da figura 4 ilustra o processo de desenvolvimento de representações digitais para execução dos modelos físicos. O segundo quadro desta figura demonstra o primeiro estágio do processo, de vetorização das linhas que delimitam cada uma das formas representadas. Uma das hipóteses corresponde com aquela ideia de obter um modelo completo do quadro, com as ferramentas, atribuindo um caráter lúdico: de permitir a experiência do manuseio de cada uma delas. A segunda hipótese, imagem do centro da figura 4, seria a de disponibilizar apenas o modelo em alto relevo, informando através do discurso (impresso ou falado) que o alto relevo está sinalizando a marca deixada pelas ferramentas. A imagem a seguir, já representa outra hipótese, de que o modelo tátil informe a ausência, a partir do baixo relevo para cada uma das marcas deixadas pelas ferramentas. Pensou-se ainda no incremento da experiência, se for disponibilizado o modelo de cada uma das ferramentas, sobre a base em baixo relevo.

4 Figura 4 - À esquerda, a fotografia de um quadro de ferramentas encontrado no edifício do antigo frigorífico (foto 1). Fonte: acervo do “museu do conhecimento para todos”/UFPel. Na sequência, imagens de seus modelos digitais: a partir da vetorização das formas representadas na fotografia; por extrusão do modelo vetorizado, em alto e baixo relevo, respectivamente. Fonte: autoras

Em um terceiro momento questionou-se o quanto os modelos projetados podem ser capazes de informar sobre tal fotografia. Buscou-se explorar outro tipo de modelagem, o qual agregasse mais informação, além da geometria simplificada de cada elemento representado. A ideia foi de tentar informar sobre a textura, sobre a aparência do conjunto dos elementos, produto do

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fenômeno de interação entre luz e matéria. A figura 5 exemplifica o modelo digital produzido sob esta perspectiva.

5 Figura 5 - À esquerda, vista frontal do modelo digital tridimensional, buscando representar o máximo de informação extraída da foto 1. À direita, vista em perspectiva de tal modelo. Fonte: autoras

Entretanto, como já identificado na etapa de revisão, este tipo de modelo pode comprometer a compreensão pelo tato, exatamente pela quantidade de informação e imprecisão do limite do contorno de cada uma das formas. Salvo o caso em que este modelo fizesse parte de uma sequencia, em um processo adicional de informações. Este tipo de modelagem é obtido por um processo digital parametrizado. A imagem fotográfica é traduzida em níveis de cinza sobre os quais são atribuídos, automaticamente ou não, diferenças de profundidade. Foram experimentadas outras técnicas de produção. A figura 6 ilustra uma tentativa frustrada de execução. Estas representações foram realizadas com o propósito de acelerar o processo de validação, já que ainda não tínhamos naquele momento a impressora 3D. Partindo-se do modelo digital vetorizado, bidimensional, foi realizado o corte automatizado, a laser. Com isto obtiveram-se todos os elementos para testar as hipóteses anteriormente descritas (reconhecimento tátil de cada uma das ferramentas e, logo, a ideia de ausência). As cores escolhidas para a execução do modelo buscou seguir as recomendações de alto contraste. Entretanto, o material utilizado, EVA, se mostrou frágil. De qualquer maneira, considerou-se válido registrar aqui esta experiência, pois pode de alguma maneira, suscitar em outros pesquisadores soluções mais viáveis, promovendo a discussão sobre o emprego de materiais alternativos. E, ainda sempre considerando, que em determinadas situações emergenciais para resolver problemas de comunicação é um recurso acessível em termos econômicos e operacionais.

6 Figura 6.- À esquerda, registro fotográfico do momento de aplicação de verniz sobre a representação da foto 1 em EVA; à direita, modelo deformado, após aplicação do verniz. Fonte: autoras.

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3.2 Modelos táteis para a representação da Foto 2

A foto 2, à esquerda da fig. 7, traz elementos de escala arquitetônica. Para descrevê-la é necessário adotar outras estratégias, especialmente pela evidência das deformações provocadas pelo efeito da imagem em perspectiva. A foto representa a imagem vista por um observador que está no interior de um dos edifícios olhando para o exterior, visualizando, através de uma malha de caixilhos de uma das janelas, um dos elementos mais característicos da arquitetura industrial: uma chaminé. As demais imagens da figura 7 registram as hipóteses de representação da foto 2. Optou-se inicialmente pelo desmembramento dos elementos representados em dois blocos tridimensionais para explicar as diferentes profundidades: um bloco de fundo representando a paisagem vista através da janela, e o segundo bloco, sobreposto ao primeiro, como um jogo de encaixe, representando o caixilho da janela. A última imagem traz o mesmo tipo de representação comentada anteriormente, exemplificada pela figura 5.

7 Figura 7- à esquerda, Foto 2, obtida a partir do interior de um dos edifícios e visualizando a chaminé do antigo frigorífico. Fonte: acervo do “museu do conhecimento para todos”/UFPel. Em seguida, imagens dos modelos para impressão 3D: bloco de fundo, bloco a ser sobreposto e, por último, um bloco único com toda a informação sobre a ideia de textura da foto. Fonte: autoras.

A figura 8 apresenta um modelo digital simplificado do lugar, como primeira hipótese para a maquete tátil, a qual visaria orientar sobre a localização dos pontos de vista adotados em cada fotografia, para o conjunto das dezoito a serem descritas. Ao lado, uma evolução do modelo, buscando informar, além da proporção entre os volumes, características básicas de sua arquitetura de caráter industrial, tais como: lanternins, simetrias, repetições de janelas idênticas sobre longos planos de fachada, escadas externas e rampas. Nesta direção, a escala de representação está pensada para que seja possível percorrer o espaço entre os edifícios com os dedos. A base da maquete será a própria imagem da figura 1, foto aérea do local, permitindo assim contemplar informações para os videntes também. A última imagem representa um modelo introdutório para a compreensão da foto 2, buscando que a partir do tato seja possível compreender as posições relativas entre os elementos que a compõem.

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8 Figura 8 - Imagens de modelos para impressão 3D: à esquerda, modelo simplificado do conjunto de edifícios; à direita, o modelo detalhado sobre a foto aérea do local; Fonte: autoras

3.3 Modelos táteis para a representação da Foto 3

A foto 3 (figura 9) traz também elementos da escala arquitetônica. O ponto de vista adotado permite observar as coberturas das edificações. Destaca os contrastes entre novos materiais com as paredes de cimento penteado, técnica de revestimento já não utilizada mais e que caracteriza a arquitetura industrial da cidade.

9 Figura 9 - foto 3. Fonte: acervo do “museu do conhecimento para todos”/UFPel .

Como no caso da foto 2, para entender a geometria da imagem, faz-se necessário explicitar as posições relativas entre os elementos envolvidos: ponto de vista do fotógrafo e as coberturas fotografadas. Necessitando-se para isso o uso da maquete do conjunto das edificações, citada anteriormente. As seguintes imagens da figura 10 ilustram os modelos construídos para a representação da foto 3. A primeira refere-se à vetorização dos contornos das formas, para viabilizar o corte a laser. A próxima, refere-se a um modelo desenvolvido em papel paraná, atribuindo espessuras aos diferentes planos para informar sobre as distâncias ao plano de configuração da imagem fotográfica. Neste caso, as técnicas foram totalmente artesanais, com corte realizado com estilete.

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10 Figura 10- Vetorização da fotografia seguido do modelo em papel Paraná; por fim, modelo para impressão 3D. Fonte: autoras.

As duas imagens, à direita da figura 10, são do modelo digital para a posterior impressão 3D. Esta última induz a uma interpretação desta foto que pode estar fazendo alusão ao contorno da parte inferior do mapa do Rio Grande do Sul ou a um funil de recolhimento das águas do canal São Gonçalo que está ao fundo. 3.4 Modelos táteis para a representação da Foto 4

Conforme referido anteriormente, os modelos táteis de representação da foto 4, seguiram o que foi pré estabelecido durante uma atividade proposta pela Especialista Dra. Josélia Neves. Tal proposta foi de utilização da técnica de textura em relevo sobre papel vegetal, obtida pela perfuração deste papel por uma agulha de costura, utilizando-se uma placa de isopor como apoio. A proposta foi precedida de uma exposição de diferentes materiais táteis, os quais exemplificaram as diversas soluções que esta especialista identificou como sendo utilizadas por instituições museológicas. As reflexões provocadas por ela durante a exposição e principalmente a crítica sistematizada aos materiais apresentados, incrementaram os métodos configurados desde os exercícios de representação das fotos 1, 2 e 3. As hipóteses de simplificação da informação e adição gradual de camadas de informação foram todas respaldadas pela especialista. As imagens da figura 11, da direita para a esquerda, referem-se a uma sequencia proposta para a descrição da geometria dos elementos na fotografia em questão (foto 4), no espaço bidimensional, através da técnica pré-definida.

11 Figura 11 - Foto 4 seguida de representações que apresentam a informação desta fotografia em camadas de papel vegetal texturizado (furos dispostos sobre os contornos das formas). Fonte: autoras.

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Já o conjunto de imagens da figura 12, auxilia a explicação sobre as posições relativas e proporções entre os elementos no espaço real, tridimensional. A primeira imagem informa, em projeção horizontal, a localização dos pilares representados na fotografia, assim como a posição das paredes que delimitam tal espaço. Sobre esta mesma representação indica-se, com uma seta, a posição do fotógrafo. A segunda imagem apoia uma explicação sobre a proporção dos pilares em relação à figura humana. A terceira tem o propósito de apresentar isoladamente um pilar, explicando que em função do ponto de vista todos eles estão sendo visualizados por duas de suas faces.

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Figura 12:- à esquerda, esquema em planta baixa do espaço fotografado com indicação do ponto de vista; ao centro, informação sobre a proporção entre um pilar e a figura humana; à direita, informação sobre a visualização de duas faces de cada pilar, em função do ponto de vista Fonte: autoras.

A associação entre tais representações, das figuras 11 e 12, estrutura o discurso didático para promover a compreensão da foto por um deficiente visual. Entende-se também que tais representações podem aguçar a percepção dos videntes para a compreensão das deformações em função dos efeitos da perspectiva.

3.5 O desenho e a experimentação da proposta didática de utilização dos modelos táteis, relativos à foto 4

Após os exercícios de representação da foto 4 e ainda contando com a presença da Dra. Josélia Neves, houve a oportunidade de expor os materiais produzidos em papel vegetal, tamanho A4, para uma voluntária, especialista no tema e deficiente visual: Márcia Santos (Museu Joaquim Felizardo, Porto Alegre). Desta maneira, foi possível avançar na execução da terceira etapa deste estudo, de experimentação. Deve-se destacar que não houve tempo para uma discussão mais detalhada sobre a elaboração do discurso didático de apresentação das camadas de informação. Entretanto, frente aos resultados desta primeira experiência, considerou-se válido registrar o discurso empregado tal como aconteceu. O teste consistiu na apresentação das camadas de informação geradas, guiadas por informações orais de acordo com o seguinte roteiro: Passo 1: Apresentação da segunda imagem da figura 12. Houve a intenção de introduzir a descrição da fotografia a partir da apresentação do tipo de elemento que se repete e determina a composição geométrica da fotografia: o pilar. Paralelamente à experiência através do tato inseriu-se o seguinte discurso: “Todos os pilares são do mesmo tamanho, porém alguns são representados menores por

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conta da deformação geométrica provocada pela perspectiva...”. A voluntária acusou o reconhecimento de tais diferenças e também da relação de proporção entre o pilar e a figura humana. Passo 2: Apresentação da terceira imagem da figura 12, acompanhada do seguinte discurso: “Os pilares estão representados na fotografia desta forma, podendo-se visualizar duas faces de cada um deles. É a representação em perspectiva” Passo 3: Apresentação da primeira imagem da figura 12. A partir da compreensão da planta baixa e da posição do fotógrafo, a voluntária expressou o seguinte: “Agora faz sentido” e girou a folha posicionando a seta (ponto de vista do fotógrafo), percebendo com o tato a posição de todos os elementos, pilares e paredes. Passo 4: Apresentação da terceira imagem da figura 11, referente à representação das paredes, adicionando-se o seguinte discurso: “Estas paredes são o que há de mais distante na foto”. Em continuidade, a voluntária se pronunciou da seguinte maneira: “Então esse é o fundo da foto e os pilares estão dentro deste ambiente?” Passo 5: Apresentação da última imagem da figura 11. Respondendo-se a pergunta da voluntária: “Sim, os pilares ficam representados dessa forma na fotografia, conforme a planta baixa”. Considerando-se os limites dos recursos utilizados, com materiais táteis bidimensionais, a proposta foi considerada válida. Provocou reflexões tanto sobre a sequência das camadas apresentadas, quanto sobre a qualidade do discurso. E, principalmente sobre a importância em otimizar o processo através de recursos tridimensionais. Tem-se a hipótese de que uma maquete do espaço representado eliminaria várias camadas, principalmente o conjunto das imagens da figura 12. Entretanto, deve-se levar em conta o propósito de adicionar mais ou menos informação no sentido de promover um aprendizado efetivo sobre a imagem em perspectiva. Outra questão fundamental foi observar o quanto o material tátil produzido necessita de um sistema de guia ou áudio-descrição. Esta primeira experiência atentou para a necessidade de uma etapa específica para a construção do discurso. Quanto à hipótese de que as imagens deveriam ser desmembradas e reconstruídas na imaginação do usuário através de patamares de informação, foi possível notar sua eficácia. 3 A delimitação de um método: adição gradual da informação

Os experimentos até então realizados permitiram compreender a necessidade de um desenho específico para cada fotografia. Apenas para a foto 4 foi possível avançar para etapa de experimentação e validação. Entretanto, a estratégia de adição gradual de informação, utilizada para a representação da foto 4, foi sendo construída a partir da configuração de hipóteses de

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representação das três primeiras fotos. O fato de esta estratégia ter sido avaliada positivamente pelas especialistas permite caracterizar um método a ser experimentado e sistematizado, como referência para a produção dos modelos táteis no contexto do “museu do conhecimento para todos”. Deve-se destacar que os tipos de camadas de informação são próprios de cada fotografia. Entretanto, já se pode supor aspectos que devem ser descritos em todos os casos, configurando-se como camadas de informações: a geometria dos elementos representados no espaço real; posições relativas entre tais elementos, distâncias e proporções (relativas à figura humana); a localização do ponto de vista do fotógrafo; e, sobre a imagem da fotografia em si, deve-se considerar a simplificação dos contornos e adição gradual da informação para compor a complexidade da imagem da fotografia.

4 considerações finais Analisando-se os resultados decorrentes das etapas de trabalho, identificam-se alguns produtos significativos. A etapa de produção dos modelos promoveu a qualificação da equipe, exigindo a apropriação de diferentes tecnologias; o desenho do método didático logicamente foi determinando a escolha de técnicas e materiais a serem experimentados. Ao observar as especificidades de cada fotografia, considerou-se não ser possível estabelecer regras comuns para a produção dos modelos em termos principalmente de escala para a produção dos modelos táteis. Entretanto, considera-se possível associar tipos de situações em que pode ser mais adequada a reprodução em escala natural, em escala reduzida ou ampliada. O desafio de expor toda esta trajetória, mesmo que em um estágio embrionário, diretamente para uma especialista e deficiente visual, incrementou o processo de sistematização do método didático. Confirmou a hipótese da necessidade de investir na diversidade de modelos e discursos que serão complementares para a construção da imagem no cérebro, já que os impulsos elétricos não serão gerados diretamente pela vibração da retina pelo efeito da luz, tal qual nos recorda Neves (2010). Todo o conjunto de ações promoveu a construção de uma cultura de inclusão no contexto trabalhado. Especialmente as reflexões derivadas da estrutura de saber envolvida para explicar a lógica da imagem fotográfica motivou um repensar sobre a complexidade do conhecimento em si. O fato de a equipe estar constituída por uma docente e estudantes de arquitetura, que estudam Perspectiva, o método didático estruturado para a exposição certamente será transposto para o contexto didático. Esta questão é muito bem colocada em NEVES, 2006, quando afirma que desenhar para todos significa encontrar soluções que sejam úteis a todos.

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Neste processo pode-se perceber concretamente que ao buscarmos a inclusão de deficientes, que ao integrar estes públicos especiais, a partir da constituição do que se denominou como método de “adição gradual da informação”, criam-se melhores condições para todas as outras pessoas. Nesta direção, os resultados do trabalho transcendem os objetivos iniciais, motivando cada vez mais este processo de investigação. 5 Referências Bibliográficas

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Descrição de fotografias a partir de modelos táteis: ensaios didáticos e tecnológicos

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Adriane Borda A. da Silva GEGRADI/FAUrb/UFPel E-mail: [email protected] Monica Veiga FAUrb/UFPel E-mail: [email protected] Lilianni Nicoletti FAUrb/UFPel E-mail: [email protected] Francisca Michelon ICH/UFPel E-mail: [email protected]

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