DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL E RESPONSABILIDADE AMBIENTAL

July 21, 2017 | Autor: B. Martins da Cruz | Categoria: Environmental Law
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DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL E RESPONSABILIDADE AMBIENTAL Branca Martins da Cruz Directora do ILDA - Instituto Lusíada para o Direito do Ambiente Subdirectora da Faculdade de Direito da Universidade Lusíada do Porto Professora das Universidades Lusíada Licenciada e Mestre em Direito pela Faculdade de Direito de Lisboa Doutora em Direito do Ambiente pela Universidade de Nice-Sophia-Antipolis (França) Investigadora e Coordenadora de Grupo do Centro de Estudos Jurídicos, Económicos e Ambientais Directora e Coordenadora Científica da Revista Direito e Ambiente

“Só a natureza é divina, e ela não é divina... Se às vezes falo dela como de um ente É que para falar dela preciso usar da linguagem dos homens Que dá personalidade às coisas, E impõe nome às coisas. Mas as coisas não têm nome nem personalidade: Existem, e o céu é grande e a terra larga, E o nosso coração do tamanho de um punho fechado... Bendito seja eu por tudo quanto não sei. É isso tudo que verdadeiramente sou. Gozo tudo isso como quem sabe que há o sol.” 1 Alberto Caeiro

SUMÁRIO I - Introdução II - Desenvolvimento sustentável e Direito do ambiente III - Direito a um ambiente sadio e ecologicamente equilibrado 1. O ambiente como bem jurídico autónomo eticamente comprometido 2. O direito ao ambiente não é um direito da personalidade 3. O direito ao ambiente um direito-funcional ou poder-dever 4. A importância da consagração constitucional do direito ao ambiente IV - Desenvolvimento sustentável e responsabilidade ambiental 1. Responsabilidade ambiental como norma ético-social 2. Responsabilidade ambiental como norma jurídica V - Conclusão

I – INTRODUÇÃO A recente avaliação do estado do ambiente no planeta realizada pelo Programa das Nações Unidas para o Ambiente (PNUA), que envolveu cerca de 1500 cientistas e peritos de todo o Mundo, apenas confirmou o que já se sabia: que a 1

Alberto CAEIRO (um dos pseudónimos de Fernando PESSOA), O Guardador de Rebanhos, XXVII, Poesia, Assírio & Alvim, Lisboa, 2001, pp. 61.

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acção humana é responsável pela destruição do ambiente no planeta e dos seus recursos naturais, verificando-se uma quebra assustadora da biodiversidade terrestre, aquática e marinha, a uma velocidade inquietante, como jamais acontecera na história da humanidade. As pressões exercidas sobre as funções naturais do planeta ao longo do último século são de tal ordem e dão-se a um ritmo tal, que a capacidade de recuperação dos ecossistemas se encontra severamente comprometida, ameaçando a própria sobrevivência humana, num futuro não muito longínquo. Gro Harlem Brundtland, que em 1987 popularizou o conceito de desenvolvimento sustentável 2, no relatório O Nosso Futuro Comum, da Comissão Mundial sobre o Ambiente e o Desenvolvimento 3, a que presidiu enquanto PrimeiraMinistra da Noruega, escreveu recentemente que it is irresponsible, reckless and deeply immoral to question the seriousness of the situation. The time for diagnosis is over and the time for action is now 4. Para a compreensão do sentido e alcance deste desígnio de toda a humanidade que é o desenvolvimento sustentável, torna-se necessário ter presentes os factores, variados e contraditórios entre si, que condicionaram o seu aparecimento, ditam a sua necessidade e concomitantemente dificultam e impõem o seu cumprimento. Busca-se a conciliação entre o desenvolvimento económico, social e cultural dos povos e a utilização, a exploração e a gestão responsáveis e racionais, de forma durável, dos recursos naturais, não permitindo a respectiva exaustão. O contexto em que surge é o de uma sociedade humana em crescimento demográfico exponencial, na qual o progresso científico e tecnológico, tão idolatrado até ao final da primeira metade do século XX, parecendo até então deter todas as respostas e soluções para o futuro da humanidade, vieram afinal pôr a nu as clivagens existentes entre ricos e pobres, entre o Norte desenvolvido e o Sul terceiromundista, esfomeado e morrendo de doenças que a Medicina tinha há muito erradicado nos países desenvolvidos. Dois mundos que as mesmas ciência e tecnologia aproximaram, pondo-os em contacto cada vez mais estreito, num processo que já nos habituámos a apelidar de Mundialização ou Globalização. Uma sociedade humana cada vez mais complexa, onde os valores económicos sufocam os valores éticos, culturais e humanos ancestrais, gerando uma corrida desenfreada ao enriquecimento fácil e desrespeitador da utilização, da exploração e da gestão racionais dos recursos naturais finitos, em nome de filosofias hedonistas, de índole individualista, dominadas pela competição, pelo egoísmo, pelo desprezo e desrespeito pelo outro, onde a responsabilidade tende a diluir-se na massa social amorfa. 2

O conceito de desenvolvimento sustentável estaria já presente no século XIX, quando, em 1860, George PERKINS MARSH escreveu Man and Nature, publicado em 1864 e do qual existe uma edição mais recente, de 1965, da Harvard University Press. Cfr. António HERMAN BENJAMIN, Objectivos de Direito Ambiental, Actas do I Congresso de Internacional de Direito do Ambiente da Universidade Lusíada, Porto, pp. 21-40. 3 Este relatório, além de definir o desenvolvimento sustentável como “o desenvolvimento que satisfaz as necessidades do presente sem comprometer a capacidade das gerações futuras satisfazerem as suas próprias necessidades”, continha igualmente dados que ainda hoje se mostram preocupantes, apesar do cenário mundial se ter vindo a alterar com a importância crescente das denominadas economias emergentes, como a China (mas também o Brasil ou mesmo Angola). Dizia-nos o relatório Brundtland que 1/4 da população mundial consumia cerca de 80% da energia, do aço, dos metais e do papel e 40% de todos os alimentos do planeta. De então para cá, infelizmente, as coisas não melhoraram e uma parte considerável dos já mais de 6.000 mil milhões de seres humanos continuam a sofrer de fome e malnutrição, com a certeza de ver a sua situação agravar-se com a actual crise alimentar que neste início de século assola a humanidade e que a ONU já apelidou de tsunami silencioso. 4 Tradução livre para português: “É irresponsável, inconsciente e profundamente imoral duvidar da seriedade da situação. O tempo para o diagnóstico já passou e o tempo para a acção é agora”.

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Os desafios são muitos e de monta. As calamidades provocadas pela natureza em fúria são cada vez mais frequentes, a lembrar-nos a nossa simples condição humana, parte integrante dessa mesma Natureza que a filosofia cartesiana nos fez crer sermos capazes de dominar. Para acalmar esta fúria, parece não restar outra solução senão diminuir drasticamente as emissões poluentes para a atmosfera e a Convenção sobre as alterações Climáticas e o Protocolo de Kyoto, que procurou dar-lhe substância, encaminham-nos nesse sentido, embora ficando muito aquém do necessário. Atribuem-se cerca de 250.000 mortes anuais ao aquecimento global e começa já a falar-se num número crescente de refugiados ambientais, cujas projecções a médio prazo se mostram verdadeiramente assustadoras. Em Portugal, a ameaça de subida da temperatura média pode atingir os 7º C e a do nível médio das águas do mar pode ultrapassar um metro de altura, segundo projecções do IPCC – Intergovernmental Panel on Climate Change. Mas, o espectro da fome ameaça também e, a julgar pela realidade actual e a acreditar nas previsões consideradas moderadas por muitos, em menos de uma década, a China poderá consumir a totalidade das exportações mundiais de cereais. Nos últimos dois anos, o preço dos cereais disparou e, já este ano, prevê-se que, só na Europa, os alimentos possam sofrer um aumento de preço da ordem dos 39%. De silencioso, o tsunami está rapidamente a tornar-se estridente e a ameaçar atingir brutalmente mesmo as economias consideradas mais sólidas, das regiões mais ricas e desenvolvidas do Mundo. A relação entre os bens disponíveis e as necessidades alimentares forçamnos assim, também elas, à sustentabilidade, única forma de evitar a ruptura que se avizinha. Como lembra Viriato Soromenho Marques “os sinais de lenta erosão dos alicerces da segurança alimentar são múltiplos e preocupantes”. Em jeito de introdução ao tema, isto é apenas um muito ligeiro afloramento de alguns dos desafios que se colocam à governação em geral, mas, de forma muito particular, a cada um de nós, exigindo uma profunda mudança de mentalidades e de comportamentos e uma concertação de todos os sectores da vida social. Da era da especialização e dos compartimentos estanques, passou-se à época da colaboração interdisciplinar, imprescindível para podermos encontrar as soluções necessárias e evitar o pior. Neste quadro preocupante, o Direito, e apesar de também ele viver a sua crise como reflexo de todas estas dificuldades que a humanidade enfrenta, tem uma palavra importante a dizer e cabe-nos a todos, juristas conscientes, participar activamente na reflexão global que a gravidade da situação exige, indagando e franqueando o aporte que o Direito pode trazer à descoberta das soluções mais adequadas para a ultrapassar. O desenvolvimento sustentável surge-nos assim como um imperativo categórico e mostra-se indissociável de uma gestão adequada dos recursos naturais. Não de uma gestão qualquer, mas de uma governação que aponte para o futuro, assegurando a qualidade ambiental e preservando-a para as novas e futuras gerações, entregando a estas um ambiente de qualidade pelo menos igual àquele que recebemos dos que nos precederam. Em linguagem jurídica, poder-se-á dizer que o desenvolvimento sustentável visa criar vínculos intergeracionais com vista a uma utilização racional dos recursos ambientais, não permitindo o seu esgotamento ou a sua deterioração irreversível, usando-os de forma durável e garantindo a respectiva perenidade por sucessivas gerações (sustentabilidade).

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Não sendo um preceito estritamente jurídico, o desenvolvimento sustentável afirma-se também enquanto princípio de Direito do ambiente, conjugando-se com outros princípios, como os da responsabilidade, da recuperação ou do poluidorpagador. Desta sorte, o nosso contributo para esta obra colectiva consistirá em estabelecer a relação necessária entre aquele desígnio maior da humanidade neste início do século XXI e estes princípios indissociáveis entre si, todos integrando a ideia, hoje imperativa, de responsabilidade ambiental como uma responsabilidade social que impõe à sociedade uma nova ética de valores e de comportamentos, mas que igualmente confere direitos subjectivos dirigidos à defesa do ambiente, numa lógica de direitos-deveres, ou poderes funcionais. Após estas reflexões introdutórias sobre o conceito de desenvolvimento sustentável e a sua importância, prosseguiremos com a impostação da problemática e a enunciação dos desafios que se nos colocam, indagando sobre o papel do Direito (II), especialmente, sobre a natureza e os contributos do Direito do ambiente. Reservaremos referências particulares ao direito (subjectivo) ao ambiente (III) e ao instituto da responsabilidade ambiental (!V), antes de concluirmos (V).

II – DESENVOLVIMENTO SUSTANTÁVEL E DIREITO DO AMBIENTE A Cimeira do Rio, em 1992, veio acentuar a necessidade de combinar de forma estratégica o económico, o social e o ambiental, garantindo um vínculo sistémico entre estes três vectores do desenvolvimento, com vista a obter o equilíbrio desejável que a sustentabilidade deverá traduzir. No início, apenas se exigia a articulação entre crescimento económico e coesão social, a afirmação dos desígnios do desenvolvimento sustentável veio juntar-lhes as preocupações ambientais, hoje incindívieis de uma governação responsável. Tratando-se de um objectivo global, planetário, que exige estratégias e actuações globais, o desenvolvimento sustentável deve ser igualmente olhado nas suas dimensões locais e regionais. Ao lado de iniciativas mundiais, como a proclamação da década para a educação em desenvolvimento sustentável, da UNESCO, encontramos programas regionais, dos quais a Estratégia Europeia de Desenvolvimento Sustentável (EDS) 5, da União Europeia, pode ser exemplo, bem como planos e estratégias nacionais, como a Estratégia Nacional de Desenvolvimento Sustentável (ENDS) 6 e o Plano de Implementação da Estratégia Nacional de Desenvolvimento Sustentável (PIENDS) 7, em Portugal.

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Aprovado no Conselho Europeu de Gotemburgo, em 2001. Em 2006 a EDS foi revista, tendo sido alargado o âmbito dos objectivos definidos em 2001 para: alterações climáticas e energias limpas; transportes sustentáveis; conservação e gestão dos recursos naturais; saúde pública; inclusão social, demografia e migração; pobreza global. Como objectivos-chave, a EDS elegeu a protecção ambiental, a justiça e a coesão social, a prosperidade económica e a assumpção das responsabilidades internacionais. A educação e a formação, bem como a investigação e o desenvolvimento são consideradas políticas trans-sectoriais com importantes contributos para a sociedade do conhecimento. 6 A ENDS visa definir uma estratégia de desenvolvimento sustentável para Portugal, em aplicação e desenvolvimento da EDS europeia e sempre numa perspectiva global e de longo prazo (2015). Procura

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Enquanto desígnio de todos, o desenvolvimento sustentável atinge-se pela via das políticas públicas definidas pelos Governos nacionais e pelos Estados participantes nas organizações internacionais de índole regional e global. Não deve contudo ser descurado o papel da sociedade civil, quer pela intervenção e participação cívicas individuais, no exercício dos direitos e deveres de cidadania, quer de forma organizada, através das diferentes ONG’s que exercem a sua influência junto dos governos nacionais e das organizações internacionais e interestaduais. A sua realização depende de todos os actores nacionais e internacionais, sociais, políticos ou económicos, os quais podem influir de forma decisiva no seu êxito ou insucesso. Esta influência não se reporta apenas a acções concretas dirigidas a inflectir os decisores públicos, mas refere-se igualmente, e principalmente, aos comportamentos concretos de cada um no dia-a-dia, cidadão, empresa, ONG ou Estado. Concretiza-se nas decisões políticas, nos processos e métodos produtivos utilizados, como nos hábitos de vida e de consumo adoptados e cresce na proporção directa da consciencialização e responsabilidade ambientais da sociedade. Cumprir os desígnios de um desenvolvimento sustentável é sobretudo uma questão de responsabilidade social. Permitindo que a sociedade humana se desenvolva (desenvolvimento humano, social e económico), fá-lo, todavia, de forma responsável, usando responsavelmente os recursos naturais e ambientais, com vista à sua sustentabilidade ou durabilidade. Responsabilidade ambiental como responsabilidade social, clamando por uma nova ética social, assente na elevação do ambiente a valor ético fundamental de toda a humanidade, mas responsabilidade ambiental também enquanto instituto jurídico de Direito do ambiente que permite accionar os mecanismos da responsabilidade civil, administrativa ou penal contra o poluidor passível de ser identificado como autor de um dano ambiental 8. A legislação ambiental, na rota desta conciliação necessária entre economia e ambiente é já extensa, quer no plano internacional, merecendo especial relevo o número apreciável de convenções e de tratados internacionais ou, ao nível comunitário, a profusão de Directivas e outros instrumentos, ultrapassando já as duas centenas, quer no plano nacional, no qual o estímulo comunitário tem desempenhado um papel impulsionador inegável. A importância do Direito, enquanto sistema normativo ordenador da sociedade em geral e dos comportamentos individuais e colectivos, em particular, é indesmentível. No seu seio se acolhem e se desenvolvem princípios fundamentais na prossecução dos objectivos de um desenvolvimento sustentável, como o são os princípios da prevenção, da precaução, da participação, do poluidor-pagador ou da responsabilidade, entre outros. Se a prevenção nos manda evitar acções cujos efeitos danosos no ambiente conhecemos, o princípio da precaução exige-nos que, consolidar as diferentes estratégias sectoriais. Não se lhes substituindo, confere-lhes maior sentido, enquadrandoas numa visão mais global, com valores e metas mais ambiciosos. 7 O PIENDS desenvolve a ENDS, propondo as medidas que permitirão concretizar os objectivos aí traçados, numa planificação de curto e médio prazos. 8 Esta, a asserção da expressão responsabilidade ambiental no Direito comunitário, da União Europeia. Cfr.. Branca MARTINS DA CRUZ, Avanços e Retrocessos do Direito do Ambiente na Europa Comunitária: Análise Crítica da Directiva 2004/35/CE Relativa à Responsabilidade Ambiental, Lusíada – Revista de Ciência e Cultura, Série de Direito, n.º 1 e 2 de 2004.

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na dúvida sobre as eventuais consequências danosas da nossa acção, adoptemos o comportamento mais seguro (e, sobretudo, mais responsável). Se com a prevenção se evita o dano quase certo, com a precaução previne-se o risco de dano, com base na mera suspeita ou dúvida científica e, ao acolher no seu seio estes dois princípios, conferindo-lhes carácter normativo, o Direito colabora mais uma vez na procura das soluções necessárias à ultrapassagem da crise a que nos temos vindo a referir e que é para todos ostensiva. Mas, o Direito do ambiente, o que é afinal? Atingiu já a idade madura ou permanece um ramo de Direito indefinido, sem identidade própria, bebendo em todas as fontes, como a sua natureza transversal consente ou, pelo contrário, afirmase como um ramo autónomo, com sistemática, técnica e princípios próprios, onde solidamente podemos alicerçar as bases de um edifício normativo propício ao desenvolvimento sustentável que se faz urgente assegurar? Enquanto Michel Doumenq afirma que o Direito do ambiente é um Direito prestes a explodir 9, Michel Despax escrevia no início da década de 80 que o Direito do ambiente continua à procura das suas técnicas próprias, não tendo atingido ainda o seu desenvolvimento pleno ou tão pouco o seu ponto de equilíbrio 10. Tecido no universo jurídico ao jeito de um patchwork 11 ou de uma tapeçaria de Penélope 12 ele apresenta-se como um Direito de carácter horizontal, recobrindo diferentes ramos clássicos do Direito (..) e um Direito de interacções que tende a penetrar em todos os sectores do Direito 13 ou, no dizer de Sousa Franco, entendido como um conjunto, horizontal e materialmente determinado, de tópicos, princípios, regras e situações jurídicas pertencentes a diversos ramos do Direito 14. Este Direito que ainda busca as suas raízes 15 depende igualmente de outros ramos das Ciências Sociais, como a Economia, ou das Ciências da Natureza, das quais importa algumas das categorias que o moldam e que ele assimila a conceitos jurídicos 16, numa interacção multidisciplinar que, apesar de indispensável à sua 9

Cfr. Michel DOUMENQ, Le droit de l’environnement : un droit éclaté et son émergence, in, Aspects du droit de l’environnement, sous la direction de Michel DOUMENQ, École Nationale de la Magistrature, Paris, 1995. 10 No original, em francês, à la recherche de ses techniques propres et (…) n’a pas (…) encore atteint son plein épanouissement, non plus que son point d’équilibre. Cfr. Michel DESPAX, Droit de l’environnement, LITEC, Paris, 1980, pp. 819. 11 Cfr. Branca MARTINS DA CRUZ, Que Perspectivas para o Direito do Ambiente ?, in, Innovation and Technology XXI, Strategies and Policies for Innovation and Technology towards the XXI Century, International Congress, 20-24 de Março de 1995, Lusíada, número especial, vol. I, pp. 59-65. V. pp. 63. Falando igualmente de um patchwork, embora para qualificar as referências que lhe são feitas (les récits d’environnement ) pelos media e não o próprio Direito do ambiente, cfr. Pierre LASCOUMES, L’éco-pouvoir – environnements et politiques,. La Découverte, Paris, 1994. V. pp. 59 et ss.. 12 Tapisserie de Penélope, expressão usada por François OST, La nature hors la loi. L’écologie à l’épreuve du droit, La Découverte, Paris, 1995, pp. 110. 13 No original, em francês, un droit de caractère horizontal, recouvrant différentes branches classiques du droit (…) et un droit d’interactions qui tend à pénétrer dans tous les secteurs du droit. Cfr. Michel PRIEUR, Droit de l’environnement, 4ª ed., Précis Dalloz, Paris, 2001, pp. 6. 14 Cfr. António SOUSA FRANCO, Ambiente e Desenvolvimento – Enquadramento e Fundamentos do Direito do Ambiente, in, Direito do Ambiente, I.N.A., Oeiras, 1994, pp. 35-81. Cfr. pp. 36. 15 No original, em francês, cherche ses racines. Cfr. Martine RÈMOND-GOUILLOUD, Du droit de détruire, essai sur le droit de l’environnement, P.U.F., Paris, 1989, pp. 19. 16 Como escreve Eric NAIM-GESBERT, Les dimensions scientifiques du droit de l’environnement. Contribution à l’étude des rapports de la science et du droit, tese, Bruylant, Bruxelas, 1999, pp. 51/52, Le droit s’empare (…) de la nature et élabore un discours sur la nécessité d’un découpage, une ‘mise en scène juridique du territoire’ à laquelle se superpose un montage juridique e isto porque le droit construit sa propre réalité sociale dont le champ normatif se caractérise par une interférence mutuelle des représentations cognitives du monde. Cfr. pp.

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construção e ao seu futuro, não é todavia isenta de perigos 17, uma vez que é grande o risco de ver o Direito ao serviço da técnica e o raciocínio jurídico transformar-se num modo de emprego 18. É, aliás, aquilo que sucede frequentemente, quando a elaboração da lei é deixada a não juristas, permitindo que cientistas e/ou técnicos desnaturem a regra jurídica 19, temendo-se então que a sua forma científica 20 se torne um logro e o Direito do ambiente uma ilusão 21. Este é infelizmente o caso de parte considerável do Direito administrativo do ambiente, permitindo, por exemplo, que a definição da fronteira entre poluição admissível e dano ambiental seja tarefa dos peritos, públicos ou privados, mais implicados nas actividades poluentes 22 de tal forma que o risco de o Direito administrativo do ambiente ser usado como um sistema de concessão de licenças para poluir 23 ganha consistência, contribuindo, desta sorte, para transformar o Direito do ambiente num instrumento nas mãos dos decisores, em vez de um utensílio de salvaguarda da Natureza 24. Mas, se isto já não bastasse, o Direito do ambiente tal tapeçaria de Penélope onde o que é feito de dia é desfeito durante a noite 25, ainda se caracteriza por um regulamentarismo excessivo, complexo e quantas vezes contraditório, dominado pela inflação normativa e o seu cortejo de efeitos perversos: excesso de textos, muito rapidamente modificados, muito pouco conhecidos, muito mal e muito desigualmente aplicados 26. Um Direito que depressa cedeu às tentações de’ juridismo ‘ e a um excesso de regulamentação técnica que obscurecem o direito fundamental que os juristas amam servir 27 e que traduz o poder exercido pelos gabinetes 28. A sua normatividade decresce de forma inversamente proporcional à sua burocratização, as suas regras tendem a diluir-se à medida que o seu volume 53. Em tradução livre, o Direito apropria-se (…) da Natureza e elabora um discurso sobre a necessidade de um recorte, uma’ encenação jurídica do território’ à qual se sobrepõe uma montagem jurídica e isto porque o Direito constrói a sua própria realidade social na qual o campo normativo se caracteriza por uma interferência mútua das representações cognitivas do Mundo. 17 Cfr. Branca MARTINS DA CRUZ, De la réparation du dommage écologique pur – Étude à la lumière du Droit portugais, Tese, ANRT, Paris, 2007, pp. 12 e ss.. 18 Cfr. Michel PRIEUR, op.e loc.cit.. No origanal, em francês, le risque est grand de voir le droit au service de la technique et le raisonnement juridique se transformer en un mode d’emploi. 19 Cfr. Branca MARTINS DA CRUZ, Que Perspectivas para a Responsablidade Civil por Dano Ecológico? A Proposta de Directiva Comunitária Relativa à Responsabilidade Ambiental, in, Lusíada, Revista de Ciência e Cultura, Série de Direito, Universidade Lusíada do Porto, nºs 1 et 2, 2001, Coimbra Ed., pp. 359-374. V. pp. 374. 20 Cfr. Michel PRIEUR, op. e loc.cit. No original, em francês, sa forme scientifique . 21 Ibidem, op.e loc.cit.. No original, em francês, une tromperie et le droit de l’environnement une illusion. 22 . François OST, La nature hors la loi …, op. cit., pp. 111. No original, em francês, le tracé de celle-ci reste généralement le fait des experts, publics et privés, les plus impliqués dans les activités polluantes. 23 Ibidem, op. e loc. cit.. No original, em francês, un système d’octroi de permis de polluer. 24 Ibidem, op. et loc. cit.. No original, em francês, un instrument aux mains des décideurs, plutôt qu’ un outil de sauvegarde de la nature. 25 Cfr. Nicolas DE SADELEER, Les principes du pollueur-payeur, de prévention et de précaution. Essai sur la genèse et la portée juridique de quelques principes du droit de l’environnement, tese, Bruylant, Bruxelas, 1999, pp. 23. No original, em francês, tapisserie de Pénélope où ce qui est fait de jour est défait la nuit. 26 Cfr. François OST, La nature hors la loi …, op. cit., pp. 107. No original, em francês, l’inflation normative, et son cortège d’effets pervers : trop de textes, trop vite modifiés, trop peu connus, trop mal et trop inégalement appliqués 27 Cfr. Jacqueline MORAND-DEVILLER, Le droit de l’environnement, 6ª ed., colecção « Que sais-je ? », PUF, Paris, 2004, pp. 124. No original, em francês, a rapidement cédé à la tentation de juridisme et à un excès de réglementation technique qui obscurcissent le droit fondamental que les juristes aiment à servir. 28 Ibidem, op. e loc. cit.. No original, em francês, traduit le pouvoir exercé par les ‘bureaux’ .

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aumenta 29 e quanto mais espaço ele ocupa, menos denso se torna; quanto mais o legislador se mostra prolixo, menos é ouvido; quanto mais ele se empenha em abraçar a técnica, mais se encontra subjugado por ela 30. Ora, este panjuridismo paradoxalmente (…) conduz (…) ao não-direito 31, na medida em que o legislador manifesta pouco gosto pela regra jurídica no sentido exacto do termo e prefere-lhe uma regulamentação tão prolífica quanto oportunista 32 . Aliás, é menos paradoxal do que parece pretender que o juridismo significa primeiro o recuo da regra jurídica e só depois o jugo da regulamentação 33. A sua forma mais benigna (…) é o atraso manifesto do poder regulamentar na edição de textos de aplicação das leis ambientais 34 e o art. 41º da Lei de Bases do Ambiente, em Portugal, pode muito bem ilustrá-lo. A entrada em vigor da responsabilidade objectiva que aí se encontra prevista (nº 1) depende (segundo o nº 2 deste art. 41º, conjugado com o art. 52º, nº 2) da fixação de limites à indemnização, por via regulamentar. Contudo, e apesar do legislador português ter imposto o prazo limite de um ano para a regulamentação da lei (art. 51º 35), a verdade é que, vinte e um anos volvidos 36, tal regulamentação nunca viu a luz do dia. Este exemplo, assim como muitos outros casos que poderiam igualmente ser referidos, serve apenas para confirmar a observação de François OST, quando afirma que em certos casos, os decretos de aplicação não são pura e simplesmente adoptados, sendo assim a lei atingida de impotência por uma administração que, julgando-a excessivamente restritiva, prefere moldar o Direito ao facto em vez de ‘mexer’ com interesses demasiado importantes 37. Eis como a regulamentação ou, se preferirmos, a sua ausência, quando aquela se torna indispensável, pode causar entrave ao desenvolvimento e à implementação do Direito do ambiente 38. A predominância de normas administrativas e regulamentares acaba muitas vezes por bloquear a aplicação e o normal desenvolvimento de normas ambientais de natureza não administrativa nem regulamentar, como vimos ser o caso do art. 41º, nº 1, da LBA. Para encontrar o 29

Cfr. Nicolas DE SADELEER, op. e loc. cit. No original, em francês, normativité décroît de manière inversement proportionnelle à sa bureaucratisation, ses règles tendant à se diluer au fur et à mesure que son volume enfle. 30 Ibidem, op. e loc. cit. No original, em francês, Plus il prend de la place, moins il est dense ; plus le législateur se montre prolixe, moins il est entendu ; plus il s’acharne à épouser la technique, plus il s’en trouve asservi. 31 No original, em francês, ce panjuridisme paradoxalement (…) conduit (…) au ‘non-droit’ . Cfr. François OST, La nature hors la loi…, op. cit., pp. 108. 32 No original, em francês, le législateur manifeste peu de goût pour la règle juridique au sens exact du terme et lui préfère une réglementation aussi prolifique qu’opportuniste. Cfr. Jehan de MALAFOSSE, Le Droit de l’environnement. Le droit à la nature, Montchrestien, 1973, pp. 247/248. 33 Ibidem, op. cit., pp. 248. No original, em francês, il est moins paradoxal qu’il ne paraît de prétendre que le juridisme c’est d’abord le recul de la règle juridique, c’est ensuite le carcan de la réglementation. 34 Cfr. François OST, La nature hors la loi…, op. cit., pp. 110. No original, em francês, sa forme la plus bénigne (…) est le retard manifeste pris par le pouvoir réglementaire dans l’édiction de textes d’application des lois d’environnement. 35 O art. 51º da LBA estabelece que Todos os diplomas legais necessários à regulamentação do disposto no presente diploma serão obrigatoriamente publicados no prazo de um ano a partir da data da sua entrada em vigor. Sublinhado nosso. 36 A Lei de Bases do Ambiente (Lei nº 11/87) data de 7 de Abril de 1987. 37 No original, em francês, dans certains cas, les décrets d’application ne sont tout simplement pas adoptés, la loi étant alors frappée d’impuissance par une administration qui, la jugeant trop contraignante, préfère aligner le droit sur le fait plutôt que de bousculer des intérêts trop importants. Cfr., do autor, La nature hors la loi …, op. cit., pp. 111. 38 Cfr. Branca MARTINS DA CRUZ, De la réparation du dommage écologique pur …, op. cit., pp. 14/15.

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equilíbrio normativo, permitindo o seu pleno desenvolvimento, o Direito do ambiente necessita de abandonar a referida burocratização que o regulamentarismo induz, deitando mão de outros instrumentos jurídicos e recorrendo a diferentes ramos do Direito, que lhe permitirão adoptar verdadeiras regras jurídicas, designadamente normas de Direito civil e de Direito penal. Aliás, se atentarmos na história relativamente recente do Direito do ambiente, verificamos que este deu os seus primeiros passos à sombra do Direito civil, em sede de conflitos de vizinhança 39, no quadro do direito de propriedade 40. De notar, que os conflitos de vizinhança, ao lado do Direito da caça, constituem ainda hoje um volume considerável do contencioso ambiental nos tribunais portugueses 41. Todavia, posteriormente, o desenvolvimento do Direito do ambiente foi o produto de uma administração ciosa de afirmar a sua existência 42 e é por isso que, durante as décadas de sessenta, setenta e oitenta (esta última apenas em parte) a maioria das normas ambientais tiveram natureza administrativa, verificando-se, nas décadas de oitenta e de noventa um recrudescimento da preferência pelo Direito privado do ambiente, mormente através da adopção de regimes de responsabilidade civil para a reparação dos danos ambientais, de que são testemunho, no quadro das legislações nacionais, a LBA, de 1987, em Portugal, a lei nº 349, de 1986, em Itália, ou a umwelthaftungsgezets, de 10 de Dezembro de 1990, na Alemanha e, no plano internacional, a Convenção de Lugano, de 1993. As inúmeras obras doutrinárias e a profusão de documentos e de estudos produzidos ao longo das duas últimas décadas em torno da responsabilidade civil por danos causados no ambiente são disso igualmente ilustração 43. Hoje, contudo, assiste-se de novo a um retrocesso ao Direito administrativo do ambiente, numa investida juspublicista sem precedentes na História do Direito 44. Nesta senda, a responsabilidade civil por danos ambientais foi inconsequentemente substituída por uma responsabilidade ambiental fundamentada em mecanismos de Direito público 45, pelo Direito da União Europeia, mas, na verdade, mais não se fez do que submeter o venerando instituto da responsabilidade civil a procedimentos administrativos 46, vedando aos cidadãos o exercício legítimo do direito de acção, em violação clara do princípio da participação, e subtraindo aos tribunais as suas 39

Cfr. António MENEZES CORDEIRO, Tutela do Ambiente e Direito Civil, Direito do Ambiente, INA – Instituto Nacional de Administração, Lisboa, 1994, pp. 377-396. V. ig. Manuela FLORES, Responsabilidade Civil Ambiental em Portugal : Legislação e Jurisprudência, Textos, Ambiente e Consumo, II Vol., Centro de Estudos Judiciários, Lisboa, 1996, pp. 371-395 e José CUNHAL SENDIM, Responsabilidade Civil por Danos Ecológicos. Da Reparação do Dano Através de Restauração Natural, Coimbra, 1998, pp. 29 e ss.. 40 Cfr. Branca MARTINS DA CRUZ, De la réparation du dommage écologique pur …, op. cit., pp. 17/18. Em Portugal, os direitos de vizinhança encontram-se previstos no Livro III (Direito das Coisas), arts. 1346º e ss., do Código Civil. Cfr., por todos, José de OLIVEIRA ASCENSÃO, Direito Civil - Reais, Coimbra Ed., 5ª ed., 2000, pp. 249 e ss., e, em especial, Responsabilidade Civil e Relações de Vizinhança, RTSP - Revista dos Tribunais (São Paulo), nº 595, Maio/85, pp. 21-33. 41 Cfr. José Manuel PUREZA, Tribunais, Natureza e Sociedade, Cadernos do CEJ, 1996. 42 No original, em francês, le développement du droit de l’environnement a été le fait d’une administration soucieuse d’affirmer son existence. Cfr. Gilles MARTIN, Rapport introductif, Le dommage écologique en Droit Interne, communautaire et comparé, Economica, Paris, 1992, pp. 11. 43 Cfr. Branca MARTINS DA CRUZ, De la réparation du dommage écologique … , op. cit., pp. 18. 44 Cfr. Branca MARTINS DA CRUZ, Avanços e Retrocessos do Direito do Ambiente na Europa Comunitária …, op. cit., passim. 45 Ibidem, op. e loc.. cit.. Cfr. igualmente o Livro Branco sobre a Responsabilidade Ambiental, da Comissão Europeia, COM(2000) 66 final, Bruxelas, 9.02.2000, e a Proposta de Directiva relativa à Responsabilidade Ambiental, COM (2002) 17 final, Bruxelas, 23.01.2002, onde poderemos encontrar esta afirmação, a pp. 28. 46 Cfr. Branca MARTINS DA CRUZ, De la réparation du dommage écologique … , op. cit., pp. 574/575.

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competências milenares 47, no exercício do poder judicial soberano que só a eles pertence, mas que a torrente administrativista em que vivemos açambarca sem pudor, como vem já fazendo há algumas décadas com o poder legislativo. Com este breve passeio crítico pelos meandros do Direito do ambiente procurámos tão só dar nota das tendências e das dificuldades, tomando consciência dos reflexos, no Direito, da crise que assola a humanidade nesta viragem de século. O tempo é certamente de acção, mas toda a acção deve ser precedida de reflexão, sob pena de que aquela não seja a mais adequada, e essa reflexão vai tardando, apesar dos milhares de páginas escritas. Enfim, o ambiente procura ainda o seu lugar no Direito 48 e este carrossel, quase em jeito de montanha russa, em que o Direito do ambiente se tem vindo a mover, e que aqui ficou descrito, revela tão só as dificuldades que o jurista enfrenta, para acolher no seu seio e proteger convenientemente este novo bem jurídico, encontrando o rumo certo para a sustentabilidade que se torna cada dia mais urgente. Porém, se o rumo escolhido nem sempre tem sido o melhor, também é verdade que o Direito do ambiente dispõe de instrumentos normativos cuja importância nos deve merecer especial atenção. Ora, um desses utensílios consiste na consagração constitucional e legal de um direito ao ambiente reconhecido a todos os cidadãos e dele nos ocuparemos em seguida.

III – DIREITO A UM AMBIENTE SADIO E ECOLÓGICAMENTE EQUILIBRADO Apesar da sua idade balzaquiana (32 anos), o direito de todos a um ambiente de vida humana, sadio e ecologicamente equilibrado e o dever de o defender que o art. 66º da Constituição da República Portuguesa (CRP) consagra como direito-dever fundamental, não tem obtido da doutrina a atenção que merece nem o reconhecimento que lhe é devido pela comunidade. Mal amado, fora de moda 49, ou acusado de antropocêntrico, este direito fundamental ao ambiente vem sendo ignorado, negado e abandonado, sendo-lhe preferidas fórmulas estritamente publicistas como a de uma específica tarefa fundamental do Estado 50. Começando por esta pretendida antinomia entre direito subjectivo fundamental ao ambiente e protecção estatal, confessamos a nossa dificuldade em vislumbrar qualquer contradição entre a afirmação daquele direito reconhecido a todos e a imposição ao Estado de deveres normativo-constitucionais de protecção 47

Ibidem, op. e loc.. Cfr. igualmente Branca MARTINS DA CRUZ, Contaminação Inevitável dos Direitos Empresarial e Societário pelo Direito do Ambiente. A Responsabilidade Ambiental enquanto Princípio Conformador da Actividade Empresarial, in Nos 20 Anos do Código das Sociedades Comerciais. Homenagem aos Profs. Doutores A. Ferrer Correia, Orlando de Carvalho e Vasco Lobo Xavier, Coimbra Ed., 2007, II Vol., pp. 439-491. V. pp. 455/456. 48 Sobre o tema, cfr. Maria da Glória GARCIA, O Lugar do Direito na Protecção do Ambiente, Almedina, 2007. 49 José Joaquim GOMES CANOTILHO chega mesmo a interrogar-se se O direito ao ambiente como direito subjectivo? é uma pergunta fora de moda? Cfr., deste autor, O Direito ao Ambiente como Direito Subjectivo, in Tutela Jurídica do Meio Ambiente: Presente e Futuro, Boletim da Faculdade de Direito de Coimbra, Coimbra Ed., 2005, pp. 47-57. 50 Cfr. Mª da Glória GARCIA, O Lugar do Direito …, op. cit,, pp. 481.

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ambiental. Afiguram-se-nos mesmo complementares, não só de jure condendo, mas, decididamente, de jure constituto: Se no nº 1 do art. 66º o legislador português consigna o direito-dever dos cidadãos a um ambiente são e ecologicamente equilibrado, no nº 2 impõe ao Estado que assegure este direito, afirmando a protecção do ambiente como tarefa fundamental do Estado, no quadro de um desenvolvimento sustentável 51. Se o fim prosseguido é o mesmo, protecção ambiental com vista ao desenvolvimento sustentável, os meios jurídicos para o conseguir são distintos e titulados por sujeitos também diversos: os cidadãos, todos e cada um; o Estado investido do seu poder político, como garante dos valores sociais e dos direitos dos cidadãos, num Estado de Direito. Quanto à acusação de antropocentrismo, ela afigura-se-nos fundada, mas deve ser contextualizada e analisada sem os complexos que têm vindo a tolher o discurso jus-ambiental em torno deste direito-dever. Pensamos ser hoje indiscutível que qualquer filosofia que insista em ver o ser humano como centro do Universo, espécie de mandatário de um qualquer deus perverso que, tendo feito o homem à sua imagem e semelhança ainda o dotara de poderes de domínio sobre a Natureza e todos os outros seres vivos, já não colhe adeptos, tal a evidência dos estragos que esta visão distorcida do Mundo e dos desígnios divinos tem vindo a causar 52. Mas, sobretudo, tendo bem presente que somos nós, os seres humanos, as principais vítimas da aplicação prática dessa crença irracional no nosso poder infinito sobre a Natureza 53. Todavia, e apesar de nos parecer inegável alguma influência desta visão antropocêntrica sobre o legislador constitucional, a verdade é que o Direito tem uma natureza antropogénica. Ele define-se como ordenamento normativo da sociedade 51

No art. 66º da CRP diz-se: Para assegurar o direito ao ambiente, no quadro de um desenvolvimento sustentável, incumbe ao Estado, por meio de organismos próprios e com o envolvimento e participação dos cidadãos, seguindo-se depois 8 alíneas onde o legislador constituinte enumera algumas daquelas tarefas específicas do Estado. 52 Neste sentido, cfr. Edgar MORIN, La pensée écologisée, in, Introduction à une politique de l’homme, Éd. le Seuil, Paris, 1999. A pp. 136/137, o autor afirma que é necessário deixar de ver o homem como um ser sobrenatural. É preciso abandonar o projecto formulado por Descartes e Marx de conquista e de posse da natureza. Este projecto tornou-se ridículo a partir do momento em que nos apercebemos que o imenso cosmos continua fora do nosso alcance. Ele tornou-se delirante a partir do momento em que nos apercebemos que é o devir prometeico da tecnociência que conduz à ruína da biosfera e daí ao suicídio da humanidade. (…)sabemos hoje que não podemos valorizar verdadeiramente o homem se não valorizarmos também a vida, e que o respeito profundo pelo homem passa pelo respeito profundo pela vida. A religião do homem insular é uma religião inumana. (…) a pressão da complexidade dos acontecimentos, a urgência e a amplitude do problema ecológico impelem-nos a mudar os nossos pensamentos. No original, em francês, Il faut cesser de voir l’homme comme un être sur-naturel. Il faut abandonner le projet formulé à la fois par Descartes et Marx de conquête et de possession de la nature. Ce projet est devenu ridicule à partie du moment où on s’est rendu compte que l’immense cosmos reste hors de notre atteinte. Il est devenu délirant à partir du moment où l’on s’est rendu compte que c’est le devenir prométhéen de la technoscience qui conduit à la ruine de la biosphère et par là au suicide de l’humanité. (…) nous savons aujourd’hui que nous ne pouvons valoriser véritablement l’homme que si nous valorisons aussi la vie, et que le respect profond de l’homme passe par le respect profond de la vie. La religion de l’homme insulaire est une religion inhumaine. (…) la pression de complexité des événements, l’urgence et l’ampleur du problème écologique nous poussent à changer nos pensées. 53 Cfr. Hans JONAS, Le principe responsabilité - une éthique pour la civilisation technologique, CERF, 3e ed., 1993, tradução francesa do original alemão, onde, a pp. 188, o autor escreve que a solidariedade de destino entre o homem e a natureza, solidariedade de novo descoberta através do perigo, faz-nos igualmente descobrir a dignidade autónoma da natureza e manda-nos respeitar a sua integridade para lá dos aspectos utilitários. No original, em francês, la solidarité de destin entre l’homme et la nature, solidarité nouvellement découverte à travers le danger, nous fait également redécouvrir la dignité autonome de la nature et nous commande de respecter son intégrité par-delà l’aspect utilitaire

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humana, ou seja, nele se estabelecem as regras que regulam as relações entre os homens, incluindo as instâncias e instituições por eles criadas para a sua autoorganização. Esta, a missão em que o Direito se esgota e qualquer utilização que dele se pretenda fazer para regular instâncias não humanas, será sempre marcada pela vontade humana, reflectindo os interesses humanos e a consequente visão que os homens têm do Mundo e das referidas instâncias. As regras e as premissas em que tais regras assentem serão inexoravelmente determinadas pelos humanos que as concebem, interpretam, aplicam e que constituem simultaneamente os destinatários dessa aplicação. Por isso, recusamos a personalização da Natureza ou dos entes que a compõem 54, considerando-a hipócrita e sobretudo inútil, preferindo-lhe claramente a consagração de um quadro de direitos e de deveres, que são afinal a matéria-prima de que é tecido o Direito. Os actores somos sempre nós, os seres humanos 55, e ao Direito cabe proibir, impor, encorajar, desencorajar, premiar ou reprimir os nossos comportamentos, elegendo objectos de protecção erigidos em bens jurídicos e estabelecendo os níveis dessa protecção através do manejo eficaz dos direitos e dos deveres facultados ou impostos e das sanções estabelecidas em caso de violação das normas. É nossa sincera convicção que a eficiência das normas ambientais e a eficácia do Direito do ambiente, que o mesmo é dizer a protecção eficaz do ambiente com vista à sustentabilidade, dependem essencialmente da aceitação por todos de que o ambiente constitui um bem maior, cuja preservação se mostra imprescindível para a nossa própria sobrevivência que dela depende. Qualificar esta atitude perante a Natureza de ecocentrismo ou de antropocentrismo, na prática, redunda indiferente. Na verdade, será as duas coisas: ecocêntrica porque parte da Natureza para o homem, reconhecendo a dependência deste relativamente àquela, mas também antropocêntrica ou pelo menos antropogénica, se atentarmos no facto de que a razão da protecção devida ao ambiente parte de nós, da necessidade da nossa própria protecção. Mas, é assim mesmo, o ser humano é egoísta e pensa sempre primeiro em si próprio e nos seus interesses e quaisquer que sejam os mecanismos que elejamos para melhor defender o ambiente, não poderemos ignorar esta cruel realidade.

1. O Ambiente como Bem Jurídico Autónomo Eticamente Comprometido Por isso, mister é que o bem ambiente seja eticamente incorporado. Queremos com isto dizer que já é tempo de erigirmos o ambiente em valor ético fundamental da humanidade, acolhendo-o no Direito como bem jurídico fundamental, ao lado de outros bens jurídicos com elevado grau de comprometimento ético, como 54

Cfr. Branca MARTINS DA CRUZ, De la réparation du dommage écologique … , op. cit., pp.37 e ss. Ou, como nota Hans JONAS, Enquanto que o último pólo de referência, que faz do interesse pela conservação da natureza um interesse ‘moral’, é o destino do homem, na medida em que este depende do estado da natureza, a orientação antropocêntrica clássica será ainda aqui mantida. No original, em francês, Pour autant que l’ultime pôle de référence qui fait de l’intérêt pour la conservation de la nature un intérêt ‘moral’ est le destin de ‘l’homme’ en tant qu’il dépend de l’état de la nature, l’orientation anthropocentrique de l’éthique classique est encore conservée ici. Cfr. Le principe responsabilité - une éthique pour la civilisation technologique, op. cit., pp. 25. 55

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a vida ou a dignidade humanas e deixando de lado os complexos de antropocentrismo porque a protecção do ambiente não pode esperar. No dia em que isso realmente acontecer, estamos convencida de que deixaremos de ouvir as vozes que ainda hoje reclamam contra o Direito penal do ambiente, asseverando que a existência daquilo que designam por Direito Penal secundário ou Direito administrativo de contra-ordenação é suficiente para punir as infracções (em vez de crimes) ambientais. Passaremos a ter um bem jurídico com dignidade plena e poderemos esperar que sejam abandonadas as soluções jurídicas de cariz exclusivamente utilitarista, que pugnam pela subversão do Direito em nome das pretensas particularidades do bem jurídico ambiente, sustentando que tais especificidades não permitem a sua subsunção nos quadros e institutos jurídicos tradicionais e que tem servido para arrastar indefinidamente a inaplicabilidade de grande parte do ordenamento jurídico ao contencioso ambiental, consentindo que a irresponsabilidade e a impunidade continuem a reinar e apontando como única saída a porta da estatização do ambiente e da administrativização da justiça que exclui aqueles que são os primeiros interessados num Direito ambiental eficaz: os cidadãos. Ora, a afirmação de um direito subjectivo ao ambiente, facilitando o reenquadramento das situações jurídicas ambientais, permite recortar o ambiente como ‘bem jurídico autónomo’ não dissolvido na protecção de outros bens constitucionalmente relevantes 56 e, dest’arte, contribui também para a elevação do ambiente a valor ético fundamental de toda a comunidade e respectiva interiorização pelo seus membros 57. O envolvimento e a participação dos cidadãos na defesa do ambiente assume nos tempos que correm uma importância acrescida, assinalandose o nascimento de uma nova relação entre o Estado e o indivíduo, o cidadão, na sociedade actual 58. Ao declínio do Estado-providência, no qual a defesa dos interesses sociais constituía uma das tarefas prioritárias do Estado, enquanto representante político da sociedade, sucede um Estado com uma estrutura complexa, cujo intervencionismo, sempre presente, leva-o frequentemente a invadir a esfera dos interesses individuais e colectivos 59, actuando como qualquer cidadão, membro da sociedade civil, actuaria. Esta promiscuidade cria uma espécie de conflito sob a forma de concorrência entre o Estado e a sociedade civil, interferindo com o cumprimento dos deveres estaduais e impedindo o Estado de satisfazer plenamente a sua função, garantindo, com total neutralidade, a protecção dos interesses dos cidadãos. Tratando-se de interesses ambientais, e a título de exemplo, basta pensarmos em situações nas quais o próprio Estado é o poluidor. 56

Cfr. JJ GOMES CANOTILHO, O Direito ao Ambiente como Direito Subjectivo, op. cit., pp. 54. Cfr. Branca MARTINS DA CRUZ, The constitutional right to an ecologically balanced environment in Portugal, in Constitutional rights to an ecologically balanced environment, V.V.O.R.-Report 2007/2, Report of the international conference organised by the Flemish Environmental Law Association, in collaboration with the European Environmental Law Association on 28 September 2007, Isabelle Larmuseau editor, Gent, 2007, pp. 4457. V. pp. 56/57. 58 Cfr. Branca MARTINS DA CRUZ, De la réparation du dommage écologique … , op. cit., pp. 155/156.. 59 Cfr. Vasco PEREIRA DA SILVA, Verde Cor de Direito – Lições de Direito do Ambiente, ALMEDINA, 2002, pp. 23/24, onde se pode ler que em causa está (…) o retorno à ideia de protecção do indivíduo contra o poder, acentuando a ideia de defesa das pessoas contra novas ameaças provenientes tanto de entidades públicas como privadas, sem que isso signifique pôr em causa a necessidade de garantia dos direitos também através da acção estadual.. 57

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Neste cenário, o conceito e a função do direito subjectivo vêem-se forçados a mudar, assistindo-se então à respectiva evolução para um direito mais desprendido da pessoa, do seu interesse individual, exclusivo e egoísta 60. A sua função torna-se mais social e a sua necessidade de participar na defesa dos interesses colectivos cujo titular originário, o Estado, já não está em condições de assegurar sem o envolvimento da sociedade civil, torna-se mais nítida. Trata-se de uma evolução que teve o seu início no século XIX 61, em França , e que deu luz ao aparecimento dos direitos sociais, na Europa 63, que emergem do Welfare-State enquanto direitos subjectivos a prestações do Estado, similares a direitos de crédito. Mais tarde, o seu âmbito foi sendo alargado, permitindo o seu exercício não só contra o Estado, mas igualmente contra outros cidadãos, colectividades públicas ou privadas. A natureza destes direitos não é todavia pacífica, permanecendo objecto de discussão. Podendo distinguir-se diferentes espécies de direitos sociais, cumprindo diferentes funções e apresentando naturezas 64 e objectos também diversos (estritamente sociais, como a saúde, a educação ou a habitação, económicos, culturais, ecológicos, etc.) 65, ora se lhes atribui o carácter de direitos públicos, ora o de direitos subjectivos privados ou, ainda, reconhecesse-lhes uma natureza mista a ser precisada caso a caso, em cada situação jurídica. Dentro destas categorias, a nossa atenção deve centrar-se nos interesses difusos subjacentes ao direito ao ambiente, cujo objecto, o próprio ambiente, deve ser olhado como um bem jurídico autónomo e indivisível, nem público nem privado, mas apenas comum (res communis omnium), impassível de ser constituído objecto de direitos individuais e exclusivos como o direito de propriedade. 62

Deste ponto de vista, o ambiente deve ser considerado um bem ético-jurídico altamente colocado na hierarquia dos bens jurídicos mais importantes, acima de outros, como a propriedade, pública ou privada. À imagem de qualquer outro direito subjectivo, o direito ao ambiente tem de se conformar à natureza e às características do bem que lhe serve de objecto: o próprio ambiente 66. Isto significa que a referida autonomia, indivisibilidade e insusceptibilidade de apropriação que caracterizam o bem jurídico ambiente, enquanto res communis omnium, induz a natureza e as 60

Cfr. José Manuel PUREZA, in, Tribunais, Natureza e Sociedade, op. cit., , pp. 23, que fala da supremacia do interesse da comunidade sobre uma configuração egocêntrica e proprietarista dos direitos individuais. 61 Cfr. Branca MARTINS DA CRUZ, De la réparation du dommage écologique … , op. cit., pp. 157/158. 62 Cfr. Louis JOSSERAND, De l’esprit des droits et de leur relativité – Théorie de l’abus des droits, Paris, 1927 and De l’esprit des droits et de leur relativité – Évolutions et actualité (Conférences de droit civil), Paris, 1936. 63 Cfr. Branca MARTINS DA CRUZ, The constitutional right to an ecologically balanced environment, op. cit., pp. 46. 64 Cfr.VIEIRA DE ANDRADE, Os Direitos Fundamentais na constituição Portuguesa de 1976, Almedina, Coimbra, 1987, pp. 50 e ss.. 65 Ibidem, op. e loc. cit.. V. igualmente Robert ALEXY, Teoria de los Derechos Fundamentales (versão castelhana do original alemão), Centro de Estudios Constitucionales, Madrid, 1993 ; João CAUPERS, Os Direitos Fundamentais dos Trabalhadores e a Constituição, Almedina, Coimbra, 1985; J. J. GOMES CANOTILHO, Tomemos a sério os Direitos Económicos, Sociais e Culturais, Coimbra, 1988; Jorge MIRANDA, Manual de Direito Constitucional – Direitos Fundamentais, IV, 2ª ed., Coimbra Ed., 1993, Introduction à l’étude des droits fondamentaux, in, La justice constitutionnelle au Portugal, Paris, 1989 e Direitos Fundamentais, in, Dicionário Jurídico da Administração Pública, IV, Lisboa, 1991; Vasco PEREIRA DA SILVA, Verde Cor de Direito ..., op. cit., pp. 21 and follow.; M. A. LOPES ROCHA, Direito do Ambiente e Direitos do Homem, in Revista de Direito do Ambiente e Ordenamento do Território, nº 1, Set. 1995, pp. 9-28, especialmente pp. 10/11; Ignacio ARA PINILLA, Los derechos humanos de tercera generación en la dinámica de la legitimidad democrática, in, El Fundamento de los Derechos Humanos, Madrid, 1989, pp. 57-65. 66 Cfr. Branca MARTINS DA CRUZ, The constitutional right to an ecologically balanced environment, op. cit., pp. 47.

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características do direito concebido para a sua protecção. Simultaneamente, a natureza ética de grau elevado que assinalámos ao ambiente resulta grandemente facilitada pela consagração constitucional do direito ao ambiente como direito fundamental, entre os mais importantes direitos, liberdades e garantias.

2. O Direito ao Ambiente Não é um Direito da Personalidade Todavia, desta feliz qualificação constitucional do direito ao ambiente não nos parece decorrer qualquer inerência ao catálogo dos direitos da personalidade 67, apesar de esta consideração colher inúmeros adeptos na doutrina e na jurisprudência portuguesas 68, mesmo se devemos conceder que esta tese se tem mostrado de inegável utilidade em sede de conflitos de vizinhança. Ela teve o mérito de permitir a extrapolação do direito de propriedade, domínio tradicional destes conflitos, passando tais situações a ser consideradas como manifestações da protecção devida à personalidade do proprietário, estabelecendo assim a ponte necessária entre o campo estrito do Direito das coisas (direitos reais) para o do Direito das pessoas (direitos da personalidade) 69. Além deste mérito, a qualificação do direito ao ambiente como direito da personalidade ainda colhe a vantagem de integrar aquele direito no catálogo dos direitos absolutos, comparável aos direitos reais e até superior, atenta a sua natureza estritamente pessoal, legada à dignidade humana 70. Apesar disto, cabe contudo perguntar: 1. Para beneficiar de um regime que lhe permita colocar-se acima de outros direitos subjectivos, nomeadamente, do direito de 67

Cfr. Branca MARTINS DA CRUZ, De la réparation du dommage écologique … , op. cit., pp. 175 e ss. Na doutrina, cfr., v.g. Mário RAPOSO, O Direito ao Ambiente como Direito Fundamental, in, Textos Ambiente, C.E.J., Lisboa, 1994, p. 115/130; Manuela FLORES, Responsabilidade Civil Ambiental em Portugal : Legislação e Jurisprudência, in Textos -, II Vol., C.E.J, Lisboa, 1996, pp. 371-395; Manuel TOMÉ, A Responsabilidade Civil na Tutela do Ambiente – Panorâmica do Direito Português, in, Textos - Ambiente e Consumo, II Vol., p. 397-413. Contra, Mário TORRES, Ambiente - Bem Jurídico - Legitimidade, in, Textos Ambiente, p. 447-460. Quanto à jurisprudência, são muitas as decisões judiciais que acolhem esta qualificação. Mas, só a título exemplificativo, em 12 de Outubro de 1984, na sentença proferida numa acção opondo os moradores de um apartamento situado por cima de uma sala de jogo do bingo e um bar, que funcionava até altas horas da noite, o 3º Juízo Cível da Comarca do Porto, referia-se a (…) direitos à protecção da saúde (…) e ambiente de vida humana e sadia (…) de cuja íntima ligação à personalidade não se pode duvidar (…). Sublinhados nossos. 69 Trata-se, aliás, de uma velha querela doutrinária em torno do art. 1346º (Livro II, Direito das Coisas) do Código Civil, que, designadamente, opõe OLIVEIRA ASCENSÃO e VAZ SERRA. - Revista de Legislação e Jurisprudência, ano 103º, pp. 378. Esta último defendendo que os danos derivados da vizinhança podem também atingir quem não é proprietário de um imóvel vizinho, e podem ofender, não só os direitos de propriedade, mas ainda outros direitos, designadamente os direitos de personalidade e O Prof. OLIVEIRA ASCENSÃO - Direito Civil - Reais, Coimbra Ed., 5e éd., 2000, pp. 252/253 - sustentando que o prejuízo referido no art. 1346º reportase tão só às ralações jurídicas reais e não aos direitos da personalidade. 70 Gilles MARTIN, Le droit à l’environnement. De la responsabilité civile pour faits de pollution, tese, P.P.S., Lyon, 1978, pp. 140, sustenta o carácter absoluto do direito ao ambiente, visto que ele se impõe ao respeito de todas as outras pessoas. O autor associa igualmente este direito com os direitos da personalidade e, mais ainda, com os direitos reais, uma vez que, tal como estes, ele consiste num certo poder exercido sobre uma coisa. No original, em francês, il partage ce caractère avec les droits de la personnalité, et, plus encore, avec les droits réels puisque, comme ces derniers, il consiste en un certain pouvoir exercé sur une « chose ». Cfr. Branca MARTINS DA CRUZ, De la réparation du dommage écologique … , op. cit., pp. 175. 68

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propriedade, o direito ao ambiente necessita desta ligação à personalidade humana? 2. É esta a qualificação que assenta melhor a este direito, de cada um e pertença de todos, a um ambiente são e ecologicamente equilibrado? 3. Enfim, de um ponto de vista estritamente dogmático, poderá ou deverá o direito subjectivo ao ambiente ser considerado como um verdadeiro direito da personalidade? Responder a estas perguntas implica ter presentes as razões que subjazem à dita qualificação do direito ao ambiente como direito da personalidade e, a mais evidente de todas afigura-se decorrer da descrita evolução jurisprudencial que derivou o direito ao ambiente das relações de vizinhança e da protecção legal dispensada ao proprietário. Direitos como o direito ao repouso 71, o direito à saúde 72, o direito a uma certa qualidade de vida, etc., etc.. surgiram como verdadeiras criações jurisprudenciais, fundadas ora no art. 70º do Código Civil (direitos da personalidade) ora nos arts. 64º (saúde), 65º (habitação) e 66º (ambiente e qualidade de vida), da CRP, ora em ambos os instrumentos normativos basilares do ordenamento 73. E, isto, de forma sistemática, sendo raras as decisões dos tribunais portugueses que, em matéria de conflitos de vizinhança não se lhes refira. Porém, isto revela tão só as dificuldades sentidas pela jurisprudência, perante a protecção insuficiente concedida pelo art. 1346º do Código Civil aos conflitos de vizinhança, sobretudo nos meios urbanos. Mas, igualmente, devido à proximidade destes conflitos com a danosidade ambiental, principalmente se tivermos em conta a ainda praticamente inexistente autonomização do bem jurídico ambiente, tudo isto traduzindo a dificuldade em emancipar as questões ambientais da sua conexão com os direitos de propriedade e de personalidade 74, apesar de, também para nós, a leitura conjugada das normas constitucionais e legais pertinentes, permite concluir que : o direito ao ambiente não se caracteriza como um simples momento do direito de personalidade; (...) antes impõe considerar o direito ao ambiente como (...) um direito autónomo e distinto de outros direitos também constitucionalmente protegidos, tais como a saúde, a vida, a personalidade e a propriedade (...) 75. A estas razões não será certamente equívoco acrescentar algum antropocentrismo excessivo, ainda muito presente na doutrina e na jurisprudência portuguesas. É claro que certos direitos da personalidade, como o direito à saúde ou o direito ao repouso, implicam a existência de um ambiente propício ao seu desenvolvimento e à respectiva protecção, pressupondo sempre a ideia de um ambiente equilibrado e sadio. No entanto, conceber que o direito ao ambiente nada mais é do que um direito da personalidade, conduz-nos a negar (ou pelo menos a ignorar) a autonomia do bem jurídico ambiente, que deve ser considerado um bem exterior à pessoa humana (a qualquer pessoa), bem como nos leva a esquecer que 71

Cfr., v.g., decisão do Supremo Tribunal de Justiça (STJ), de 28 de Abril de 1977, no Processo nº 66.606. Ibidem. V. tb. sentença do Tribunal da Relação do Porto, de 25 de Maio de 1982, no Porcesso nº 15.896. 73 Cfr. Branca MARTINS DA CRUZ, De la réparation du dommage écologique … , op. cit., pp. 175 e ss.. 74 Cfr. José Manuel ARAÚJO BARROS, Aplicação Judiciária do Direito do Ambiente – Contencioso Cível, in, Textos, Ambiente e Consumo, II Vol., op. cit., pp. 195-204. V. pp. 198. 75 Cfr. Mário TORRES, Ambiente – Bem Jurídico/Legitimidade, in, Textos, Ambiente, 1994, op. cit., pp. 451. Sublinhados nossos. 72

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o direito ao ambiente não tem um conteúdo exclusivamente positivo, comportando igualmente um lado passivo (os deveres de preservação e de defesa do ambiente), de importância pelo menos igual, senão superior (atenta a natureza social do bem e do direito), à da seu conteúdo activo 76. É evidente que a personalidade e o cortejo de bens que a formam resultam mediatamente protegidos, trata-se, porém, disso mesmo, de uma protecção mediata, indirecta, reflexa. Viver num ambiente saudável, equilibrado, acresce indiscutivelmente a qualidade de vida, é bom para a saúde e, portanto, para a pessoa e para o desenvolvimento da sua personalidade, contribuindo para o equilíbrio físico, psíquico e social e colaborando, desta sorte, na protecção dos direitos da personalidade. Assim é, aliás, com tudo aquilo que nos facilita a vida ou nos torna a existência mais feliz, sendo o contrário igualmente verdade: tudo o que prejudica o nosso bem-estar, a nossa qualidade de vida ou a nossa felicidade, se mostra também nocivo para os nossos direitos da personalidade. Contudo, se o meu devedor não paga o que me deve e isso me afecta moralmente, me torna infeliz, esta dor moral, por pior que seja, não me autoriza a qualificar o direito de crédito violado como direito da personalidade. A sua função imediata não é a de proteger a minha personalidade, mas sim a de organizar convenientemente o comércio jurídico na sociedade, obrigando cada um a respeitar os compromissos assumidos e a pagar as suas dívidas. Se ao dano patrimonial vier acrescer um dano moral, este será naturalmente indemnizado em concomitância com aquele 77. De quanto precede se inferem as respostas, necessariamente negativas, às três questões colocadas. A qualificação do direito ao ambiente como direito da personalidade não só não se mostra a mais adequada, quer do ponto de vista utilitário, quer no plano estritamente dogmático, como também não é necessária para que aquele direito beneficie de um regime que permita colocá-lo acima de outros direitos, mormente do direito de propriedade, pois que se trata igualmente de um direito absoluto, oponível erga omnes, a todos e a cada um de nós. Por outro lado, tendo por objecto um bem jurídico autónomo e exterior à pessoa (do seu titular, desde logo, mas também qualquer outra), indivisível e inapropriável, o direito ao ambiente não pode ser considerado um direito exclusivo nem um direito egoísta e, sendo um direito social, difuso e altruísta, em caso de confronto com outros direitos absolutos, tenderá sempre a prevalecer, especialmente, quando do outro lado se encontre um direito de propriedade. Este, como, aliás, também os direitos da personalidade, são direitos estritamente individuais, de conteúdo egoísta e exclusivos, devendo ceder perante um direito de natureza e extensão sociais, de conteúdo altruísta e constitucionalmente elencado entre os direitos fundamentais 78. A estas evidências acresce porém uma outra decisiva: a qualificação do direito ao ambiente como direito da personalidade encerra em si mesma uma carga antropocêntrica que vai ao arrepio das necessidades e das características que lhe são próprias e convenientes, induzindo uma concepção do bem ambiente que não atende à sua natureza autónoma e exterior ao ser humano. Se o Direito, enquanto ciência social, o acolhe como objecto de direitos, isto não tolhe as características que lhe são próprias, mormente, a sua autonomia relativamente à pessoa, reforçando 76

A este propósito, António HERMAN BENJAMIN, Constitucionalização do Ambiente e Ecologização da Constituição Brasileira, in, Direito Constitucional Ambiental Brasileiro, Ed. Saraiva, São Paulo, 2007, pp. 57130, fala de um direito com estrutura bifronte. V. pp. 103. 77 Cfr. Branca MARTINS DA CRUZ, De la réparation du dommage écologique … , op. cit., pp. 180. 78 Cfr. Branca MARTINS DA CRUZ, De la réparation du dommage écologique … , op. cit., pp. 180/181.

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mesmo a interdição de usar, dispor e abusar a bel-prazer. Ao tratar-se de um bem cuja preservação, tornada essencial para a pessoa humana, há-de ditar o respectivo regime jurídico, reconhecer a sua autonomia face às pessoas constitui paradoxalmente a única (ou pelo menos a melhor) maneira de o Direito alcançar o seu objectivo. Assim, a autonomia do bem jurídico relativamente às pessoas faz parte integrante das respectivas qualidades jurídicas e comanda a função social do direito subjectivo que o protege 79. Afastada a qualificação do direito ao ambiente como direito da personalidade, resta-nos ainda aquilatar da sua natureza jurídica, embora quase tudo já tenha sido dito.

3. O Direito ao Ambiente um Direito-Funcional ou um Poder-Dever Atenta a sua dupla natureza, de direito e dever, simultaneamente, só nos resta dar o nosso acordo à qualificação proposta por François OST 80 que vê nele um direito funcional ou um poder-dever. Nos direitos funcionais ou poderes-deveres é notória a conjugação de momentos activos e passivos, quase sempre com uma predominância destes últimos, e isto, porque se trata de situações nas quais se verifica uma dissociação entre o titular do poder (as prerrogativas que formam a posição activa) e o titular do interesse que a lei reconhece, legitimando-o com a atribuição do dito poder e que, nos casos de um direito subjectivo tout court, clássico, se concentram na mesma pessoa que é simultaneamente o titular do poder e do interesse que o justifica. O exemplo tradicional de poder funcional ou poder-dever é o poder paternal, em que os progenitores de um menor se vêem investidos de certas prerrogativas (poderes, faculdades) que deverão exercer no estrito interesse dos filhos. Ora, com o direito ao ambiente é exactamente isto que sucede: aos cidadãos são reconhecidos certos poderes para agirem em defesa (no interesse) do ambiente. É certo que aqui o titular do interesse não é uma outra pessoa, mas o paralelo é evidente, pois que se trata de um interesse autónomo, a se, que não pertence ao titular do direito, nem a qualquer outra pessoa. Trata-se de um bem indivisível e impassível de apropriação, que exprime um valor ético superior da sociedade. Dest’arte, quando um cidadão (ou uma ONG) actua o seu direito ao ambiente deve fazê-lo no interesse do próprio ambiente, isto é, em nome dos valores ambientais, com vista à sua preservação e à sustentabilidade. Fá-lo ainda no interesse de todos os seus concidadãos, incluindo as gerações futuras, pois que estamos perante um interesse altruísta e difuso que dá lugar a um direito também ele altruísta e difuso. É por isso que o ‘meu’ direito não é exclusivo, nem sequer é individual. Ele é tão só uma parcela, uma fracção do todo que é o direito de todos a um ambiente sadio e ecologicamente equilibrado. Esta dimensão social, comunitária, e o carácter difuso explicam, e por outro lado reforçam, o carácter altruísta do direito, 79

Ibidem, op. e loc. cit.. Cfr. François Ost, La responsabilité, fil d’ariane du droit de l’environnement, in, Droit et Société nº 30/311995, pp. 281-322. V. pp. 315. 80

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explicando da mesma sorte que o dever de respeito e de preservação do ambiente contenha em si mesmo, e sirva para justificar, o direito de o defender. Direito e dever, sempre que um dano atinja o ambiente, surgem-nos praticamente indissociáveis, confundindo-se num único instrumento jurídico concebido para a protecção do bem jurídico ofendido: o poder-dever a um ambiente sadio e ecologicamente equilibrado. Esta simbiose entre direito e dever mostra-se crucial para evitar interpretações equívocas, de conteúdo estritamente antropocêntrico, como sucedeu num caso que opôs uma Associação ambiental, FAPAS - Fundo para a Protecção dos Animais Selvagens, à administração do Tribunal de Niza (pequena cidade do Alto Alentejo), há alguns anos atrás, em 2000. A FAPAS, no caso que ficou conhecido por Andorinhas no Supremo, processou o Estado português, acusando o Ministério da Justiça de destruir os 400 ninhos de andorinha que existiam nos beirais e nas paredes frontais do Palácio de Justiça de Niza. Como o edifício do Tribunal não era reparado, limpo ou pintado há oito anos, a administração do Tribunal ordenou a remoção dos ninhos e subsequentes limpeza e restauro do edifício, tendo igualmente mandado colocar redes e outros artefactos nas paredes do Palácio, de modo a impedir que as andorinhas pudessem aí nidificar no futuro. Para sustentar a sua decisão, a administração do Tribunal arguiu que os referidos ninhos prejudicavam o direito a um ambiente sadio e ecologicamente equilibrado dos trabalhadores e utentes do Tribunal, devido às poeiras, dejectos, parasitas e outras imundices, causadoras de doenças do foro alérgico, do foro respiratório e demais incómodos, alegando, por isso, em sua defesa o art. 66º da CRP. Tendo conseguido ganho de causa nas 1ª 81 e 2ª instâncias judiciais, esta argumentação, assente numa leitura estritamente antropocêntrica do referido art. 66º da CRP, acabou por decair no recurso interposto pela FAPAS para o STJ 82. A última instância judicial portuguesa, considerando que tinha sido violado o art. 66º da CRP, além da violação de outras normas legais, ordenou a retirada de todos os artefactos colocados na fachada do imóvel, permitindo assim o regresso das andorinhas às paredes do Palácio de Justiça de Niza 83. O STJ fundamentou o seu Acórdão essencialmente numa correcta, porque ecológica, interpretação do art. 66º da CRP e do direito-dever ao ambiente que o seu nº1 consagra, considerando que o ambiente surge (…) como um bem merecedor de tutela jurídica, um bem jurídico que é tutelado em si e por si mesmo e que o direito ao ambiente, direito subjectivo 81

O Tribunal de 1ª Instância considerou que havia uma manifesta desproporção entre o direito das andorinhas nidificarem e a necessidade de proceder à limpeza do edifício, tanto mais que 400 ninhos de andorinha colocam em causa os direitos dos trabalhadores e utentes do Tribunal, designadamente, o direito à saúde, uma vez que os dejectos, o pó e os parasitas aparecem ligados à nidificação. Como muito bem concluiu o STJ da leitura desta sentença, segundo do Tribunal de 1ª Instância, o direito a um ambiente sadio passaria assim por afastar a colónia das andorinhas. 82 V. Acórdão do STJ de 27.06.2000, Proc. Nº 413/00, que considerou que o Estado Português não pode consagrar constitucionalmente o direito ao ambiente, defender uma política de ambiente, subscrever tratados internacionais que o vinculam, elaborar Leis e Decs-Lei de defesa da vida selvagem e depois com a sua actuação concreta negar tudo isso. Nem dentro de princípios éticos a que o Estado está obrigado se pode defender que se as andorinhas não nidificarem nas paredes do Palácio da Justiça nidificarão noutros locais. Se as populações seguissem o exemplo dado pelo requerido, nenhuma parede restaria para as andorinhasdos-beirais, que ele Estado se vinculou a proteger, nidificarem. Sublinhado nosso. 83 Citando o próprio STJ, no referido Acordão: Decide-se por isso que o requerido deve retirar das paredes do Palácio da Justiça de Nisa todo e qualquer instrumento (nomeadamente redes e espigões de arame) que impeça a nidificação nas paredes desse Palácio da Justiça das andorinhas e ainda que não impeça, seja por que meio for, a nidificação nas paredes desse edifício das andorinhas.

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autónomo e distinto de outros direitos igualmente protegidos pela Constituição (…) é um direito subjectivo pertencente a qualquer pessoa 84. A principal lição que deve ser retirada deste processo consiste na constatação de que uma leitura deturpada do direito de todos e de cada um de nós a um ambiente sadio e ecologicamente equilibrado pode, pura e simplesmente, redundar numa inversão dos objectivos de respeito pela natureza e de preservação do ambiente que a norma visa prosseguir e coloca bem a nu os perigos inerentes à sua qualificação como direito da personalidade, esquecendo a indispensável autonomia do bem jurídico que lhe serve de objecto, o ambiente. O direito ao ambiente apresenta-se ao Direito como uma realidade jurídica complexa e multiforme e dele terá de fazer-se sempre uma leitura valorativa, baseada numa ética social ambiental que faça prevalecer os valores ecológicos sobre os bens ou valores humanos individuais, pois, como já dissemos, ele mais não é do que uma parcela do vasto direito social pertença de toda a comunidade. Uma fracção do interesse unitário em preservar o ambiente, protegendo-o de ofensas ou intervenções ilícitas ou ilegais, que não lhe retira o carácter indivisível, enquanto bem autónomo, a se. Em última instância, estão em causa, afinal, os propósitos gerais de preservação que são próprios da Lei e do Direito, cuja principal missão consiste em garantir a preservação dos valores éticos da sociedade, assegurando que sejam respeitados. Ora, o ambiente é hoje um destes valores e também um dos mais importantes dentre eles.

4. A Importância da Consagração Constitucional do Direito ao Ambiente Para lá de quanto já foi dito sobre a consagração constitucional do direito ao ambiente, deixando bem vincada a sua importância, existem ainda dois efeitos essenciais aos quais é mister conferir uma especial relevância. Por um lado, resulta evidente a valorização do princípio da participação dos cidadãos na defesa do ambiente 85 e, por outro, e como sua decorrência directa, destaca-se o instrumento que lhe dá eficácia, o inerente direito de acesso à justiça, traduzido na legitimidade processual para as acções em defesa do ambiente, mormente, a acção popular civil prevista no art. 52º, nº 3, da CRP e regulada na Lei nº 83/95, de 31 de Agosto 86. É certo que o princípio da participação, ele também constitucionalmente consagrado, não deriva directamente do direito ao ambiente; afigura-se contudo óbvio que a afirmação constitucional deste direito o reforça, dando-lhe maior consistência. Na verdade, ambos beneficiam reciprocamente, pois que uma correcta implementação daquele princípio exige sempre o reconhecimento deste direito. A 84

Sublinhado nosso. GOMES CANOTILHO, Direito Constitucional Ambiental Português: Tentativa De Compreensão De 30 Anos Das Gerações Ambientais No Direito Constitucional Português, in, Direito constitucional Ambiental Brasileiro, Ed. Saraiva, São Paulo, 2007, pp. 1-11, fala, a este propósito, de uma dimensão jurídico-participativa do direito ao ambiente. 86 Sobre a Lei da Acção Popular, cfr. Branca MARTINS DA CRUZ, De la réparation du dommage écologique … , op. cit., pp. 188 e ss.. V. tb. Branca MARTINS DA CRUZ, Responsabilidade Civil pelo Dano Ecológico – Alguns Problemas, in, Actas do I Congresso Internacional de Direito do Ambiente da Universidade Lusíada – Porto, Lusíada, Revista de Ciência e Cultura, Número Especial, Porto, 1996, pp. 187-227. 85

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concretização do direito ao ambiente implica a aplicação do princípio da participação e uma das formas juridicamente mais significativas pelas quais o cidadão (individual ou colectivamente através das ONG’s) pode participar na defesa do ambiente é agindo judicialmente contra quem o agride, cidadão, pessoa colectiva (jurídica) ou o próprio Estado. A parca aplicação do princípio da participação e o deficiente acesso à justiça em matéria de ambiente, que pode ser observado em elevado número de países constituem, quanto a nós, obstáculos de monta ao desenvolvimento sustentável a que urge dar cumprimento 87. Sem a participação dos cidadãos e dos seus representantes na sociedade civil, os Estados, sempre dominados pela necessidade de cumprir metas económicas e politicamente permeáveis a todo o tipo de pressões, acabam cedendo ao poder económico, adiando indefinidamente o cumprimento dos desígnios da sustentabilidade. Só o envolvimento dos cidadãos, imbuídos de uma elevada consciência ético-ambiental, e a concomitante existência de organizações não governamentais empenhadas e apoiadas na sociedade civil, poderão inverter esta tendência, levando os Estados a agirem em conformidade com os interesses da protecção ambiental e da sua preservação para as futuras gerações. Ora, para que este envolvimento e esta participação sejam possíveis, torna-se indispensável apetrechar o ordenamento jurídico com os instrumentos necessários e, dentre estes, não nos restam quaisquer dúvidas de que o direito subjectivo ao ambiente e os inerentes mecanismos de acesso à justiça se afiguram fundamentais. Dele decorrem igualmente outros direitos menores, mas nem por isso menos importantes, como o direito à informação, por exemplo, e dele é também incindível a própria ideia de responsabilidade ambiental, sendo certo que, sem esta última, não poderemos dar consecução a um desenvolvimento sustentável. É precisamente de responsabilidade ambiental que trataremos no ponto que segue.

IV – DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL E RESPONSABILIDADE AMBIENTAL Como vimos, a responsabilidade ambiental pode ser entendida no seu sentido mais amplo, significando comportamento ambiental responsável, respeitador do ambiente e, nesta asserção, corresponde ao dever geral de preservação do bem jurídico ambiente, podendo mesmo falar-se de responsabilidade social. Esta não é, porém, a única acepção da expressão responsabilidade ambiental que hoje dá o título à Directiva 2004/35/CE 88, da União Europeia 89, que vem estabelecer o regime da responsabilidade por danos causados no ambiente, fundada no princípio do poluidor-pagador. Neste sentido, responsabilidade ambiental significa obrigação de restaurar o ambiente lesado e ainda de sofrer outras eventuais sanções que o ordenamento jurídico comine para os infractores, apesar de estas não constituírem 87

Cfr. Branca MARTINS DA CRUZ, The constitutional right to an ecologically balanced environment, op. cit., pp. 56. 88 Directiva 2004/35/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 21 de Abril de 2004, relativa à responsabilidade ambiental em termos de prevenção e reparação de danos ambientais. 89 Sobre esta Directiva europeia cfr. Branca MARTINS DA CRUZ, Avanços e Retrocessos do Direito do Ambiente na Europa Comunitária …, op. cit., passim.

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objecto daquela Directiva europeia. Se, por um lado, se impõe o dever, protegendo o ambiente através da prevenção de danos contra ele perpetrados - sentido positivo por outro, quando a prevenção falha e o dever é violado, responsabiliza-se o faltoso pelas consequências danosas do seu acto contra o ambiente e contra toda a sociedade - sentido negativo. Trata-se de dois entendimentos distintos mas complementares, apesar de parecer que o primeiro deles se conjuga melhor com os objectivos de um desenvolvimento sustentável, se atendermos não só à prevenção de danos temporalmente próximos, mas apontarmos igualmente para o futuro, visando-se então uma nova ética a que Hans JONAS chamou ética do futuro 90 e que permite tomar em consideração, no presente, os interesses das gerações futuras. Todavia, se a imposição geral dos deveres de respeito e preservação ambientais tem evidentes intuitos preventivos, e mesmo de antecipação, visando evitar comportamentos ofensivos do bem jurídico ambiente, a responsabilização daqueles que o agridem, violando aqueles deveres, constitui a garantia jurídica indispensável, sancionando os comportamentos desrespeitadores da norma e, consoante se trate de responsabilidade civil, administrativa ou penal, a sanção aplicada variará entre a obrigação de reparar o dano causado (quando actual) e sofrer a eventual aplicação de uma pena ou outro tipo de sanção análogo. Sem esta faceta reparadora e/ou repressiva do Direito da responsabilidade, a almejada construção de um desenvolvimento sustentável revelar-se-á manifestamente mais difícil, se não mesmo impossível, de alcançar. Assim, não bastará falar de responsabilidade ambiental apenas naquela primeira acepção ético-social, exigindo-se igualmente a sua concretização jurídica, através da existência de um regime de responsabilidade ambiental que se afigura imprescindível no quadro de um Direito do ambiente que se quer eficaz, mostrandose, da mesma sorte, essencial para dar consistência ao direito-dever ao ambiente: dever de respeito que o autor do dano violou; dever de todos e de cada um de defender o ambiente lesado, traduzido no direito de agir (mormente em justiça) contra o infractor, exigindo a sua condenação. Estas duas vertentes, positiva e negativa, relativamente ao dever de respeitar e preservar o ambiente, surgem dest’arte indissociáveis entre si, tal como se afiguram inseparáveis do direito-dever a um ambiente sadio e ecologicamente equilibrado ou do cumprimento dos desígnios da sustentabilidade. Apresentando-se primeiro como norma ético-social, concretiza-se depois como instrumento jurídico de reintegração da norma violada e do bem por ela protegido. Ambas as dimensões, ética e jurídica, da responsabilidade ambiental se adicionam, embora em doses diferentes e com intensidades diversas, consoante se trate do presente ou do futuro 91. Ainda em construção, a ética do futuro há-de ser o fundamento ético e o alicerce teórico, que sustentarão o edifício jurídico da responsabilização por danos futuros, qualquer que seja a qualificação jurídica que esta deva merecer. Comecemos por ela.

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Éthique du future ou, no original, em alemão, Zukunftsethik. Cfr., do autor, Le principe responsabilité - une éthique pour la civilisation technologique, op. cit., passim. 91 Falando igualmente de ética do futuro, para citar Hans JONAS, cfr. Mª da Glória GARCIA, O Lugar do Direito…, op. cit., pp. 75 e ss..

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1. Responsabilidade Ambiental como Norma Ético-Social É, pois, a construção de uma nova ética social que está em causa, quando falamos de responsabilidade ambiental reportada às gerações futuras, no cumprimento dos desígnios de um desenvolvimento sustentável. Diversamente da ética clássica, da Antiguidade à Modernidade, de Aristóteles a Kant, onde a acção humana se continha nos limites temporais de cada vida humana (do indivíduo), pautando os seus resultados pela previsibilidade, assentando na experiência e bastando-se com a prevenção, numa relação normalmente dominada pela bilateralidade e baseada na reciprocidade, na ética do futuro lida-se com a dúvida, a incerteza e o risco e a acção humana deve ser prospectiva, reportando-se a relações em que o outro é o próprio agente reflectido no espelho do futuro. Um eu que é o outro e representa toda a humanidade, gerações presentes e vindouras confundidas, sem limites temporais 92 e desprovido do amparo da experiência, a que a dúvida científica e as incertezas da técnica retiraram o protagonismo, substituindo a prevenção pela precaução. Uma nova ética que, não deixando de ter o homem como principal protagonista, destinatário das suas normas e sede dos seus valores, assenta contudo num olhar respeitador da Natureza, na qual o homem se integra e se revê, dela partindo, dela dependendo durante a sua existência, como indivíduo e como espécie, e a ela regressando, com ela se fundindo na eternidade cósmica. Uma ética que tem como principal objectivo impor o quadro valorativonormativo da harmonia entre o homem e a Natureza, através da harmonia consigo mesmo, numa atitude reflexiva 93. Trata-se, porém, de uma reflexividade solidária, pois que o eu é o outro, são todos os outros, sem limites espaciais, hoje e amanhã, agora e depois do eu. Uma nova ética que parte do indivíduo para o ser socialnatural-global, projectando-se no futuro, porque o risco, esse gigante Adamastor da era tecnológica, pode surgir e concretizar-se em qualquer momento, como BECK não se cansa de alertar 94, e as suas consequências são quase sempre devastadoras para a humanidade 95.

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Contra, acusando a concepção de Hans JONAS de totalitária, por considerar a representação de deveres relativos a um futuro sem limites temporais uma abstracção, aceitando tão só que essa projecção para o futuro abarque, no máximo, mais duas gerações (filhos e netos), cfr. Carl Friedrich GETHMANN, Langzeitverantwortung als ethisches Problem im Umweltstaat, in Langzeitverantwortung im Umweltstaat, Económica Verlag, Bona, 1993, citado por Mª da Glória GARCIA, O Lugar do Direito …,, op. cit., pp. 110/111. 93 BECK fala de deveres para consigo próprio. Na versão francesa da sua obra: des devoirs envers soi-même. Cfr. Ulrich BECK, La société du risque. Sur la voie d’une autre modernité, tradução francesa do original alemão, Flammarion, Paris, 2001. 94 V.g., cfr. Ulrich BECK, La société du risque. Sur la voie d’une autre modernité, op. cit., onde, pp. 60, pode lerse : os riscos não se resumem às consequências e aos danos já ocorridos. Neles exprime-se essencialmente uma componente futura. No original, em francês, les risques ne se résument pas aux conséquences et aux dommages déjà survenus. En eux s’exprime essentiellement une composante future. Sublinhado nosso. Do mesmo autor e, igualmente numa tradução francesa do original alemão de 2002, cfr. Pouvoir et contre-pouvoir à l’ère de la mondialisation, Flammarion-Aubier, Paris, 2003. 95 Sobre as relações entre a sociedade de risco e o Direito do Ambiente, cfr. José Rubens MORATO LEITE e Patryck AYALA, Direito Ambiental na Sociedade de Risco. 2ª ed., Forense Universitária, Rio de Janeiro, 2004.

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Uma nova ética social com vistas para o futuro da humanidade que visa assegurar 96 e onde continuam presentes valores tradicionais como generosidade ou solidariedade. Valores que a moral, a religião e a cultura inculcam, mas cuja eficácia social depende sempre do seu carácter normativo, das respectivas imposição e aceitação como dever-ser. Significa isto que do plano estritamente ético deverá passar-se ao jurídico, pois só o Direito dispõe dos meios coercitivos e da força política bastante para os transformar em, e prescrever como, regras de conduta social juridicamente garantidas. A ordem sugerida afigura-se-nos contudo necessária. A reflexão teórica e a consequente adesão a uma nova ética devem sempre preceder a adopção das políticas e das leis que as aplicam, sob pena de prosseguirmos sem rumo, correndo o risco de perdermos de vista os objectivos visados. Apesar da urgência que o desastre global anunciado exige, não subscrevemos qualquer deriva totalitária em que a inversão dessa ordem forçosamente redundaria e de que infelizmente já vamos tendo alguns exemplos, sem que os efeitos para a protecção ambiental e para a construção da sustentabilidade que se anseiam sejam visíveis. É que não nos encontramos apenas no domínio das normas técnicas, como algumas vozes proclamam, e o utilitarismo puro e duro não nos servirá de muito, se não buscarmos o fundamento ético do Direito que excretamos, antes de abraçarmos o caminho sinuoso do regulamentarismo jurídico. Trata-se, é certo, da edificação de uma nova ética do agir, mas cujos alicerces, para que o edifício não caia, terão de ser solidamente levantados a partir de uma nova ética dos valores, numa hierarquia que acolha e reordene valores milenares, mas que se constitua igualmente por novos valores e por valores renovados. Suscitada e reflectida pelos filósofos e outros teóricos ao longo da segunda metade do século XX, a edificação desta nova ética social só poderá considerar-se obra feita quando toda a sociedade (entenda-se sociedade global, logo, toda a humanidade) estiver imbuída dos seus valores e interiorizar as suas normas, aceitando-as como justas. Só esta adesão social permitirá sancionar a sua existência, que começa com o reconhecimento da problemática que a impõe. Ora, neste início do século XXI já são fortes os indícios da sensibilização das populações relativamente às questões ambientais e à necessidade de reacção urgente à degradação planetária. É visível a consciência ambiental crescente e a solidariedade intergeracional passou mesmo a fazer parte do léxico mundial. Se os debates filosóficos e teoréticos mais ou menos elevados prosseguem, como é mister, a verdade é que o ambiente e a necessidade de incorporação de novos valores éticos a ele relativos já ultrapassou as barreiras da erudição e invadiu as ruas e os meios de comunicação, que cada vez mais lhe dão voz, a confirmar que as audiências crescem. Enquanto, porém, este processo de incorporação e adesão social não se encontrar suficientemente consolidado, o Direito do ambiente limitar-se-á a acompanhar a sua evolução, alimentando-se da ética clássica e fundando-se nos valores (em mutação) que ainda lhe dão substância. Essa, a nosso ver, a principal razão que explica a fraca consistência do Direito actual, reflectido na legislação sempre em mudança e no experimentalismo legislativo e regulamentar permanentes. Porém, mais perigoso será optar por um Direito centralizador, eticamente 96

A este propósito, LUHMANN, fala de simbiose entre futuro e sociedade. No original, em alemão, simbiose von Zukunft und Gesellschaft. Cfr. Niklas LUHMANN, Soziologie des Rizikos, Gruyter, 1991, pp. 57 e ss..

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descomprometido e pretensamente alheio a valores, de cariz marcadamente utilitarista e, como já vem acontecendo, preferencialmente elaborado, fiscalizado e aplicado pelo poder executivo. Contra a tentação administrativista-totalitária a que muitos dificilmente resistem, só resta pleitear por uma ética sólida e voltada para o futuro, capaz de guiar a humanidade nos caminhos difíceis da harmonização entre a liberdade e a dignidade humanas, por um lado, e o respeito pelo Planeta e pela Natureza que nos dão o ser e nos acalentam a existência, pelo outro. Uma ética social do futuro que seja sobretudo uma ética normativo-valorativa, na qual o Direito se reveja e se funde, reconquistando a posição que tem vindo a ver progressivamente enfraquecida nos últimos sessenta anos e cumprindo, assim, o seu papel de primeiro garante dos valores éticos da sociedade. É nossa crença mais optimista que a vigência de uma nova ética social trará certamente ao Direito a renovação teórica, dogmática e sistemática de que tanto carece nesta idade de crise, em que o universo jurídico reflecte tão só a crise mais geral da sociedade, mormente a sua tão apregoada crise de valores que essa nova ética terá por missão ultrapassar, dando lugar a uma nova era na história da humanidade, a que muitos já vão chamando de pós-modernidade 97.

2. Responsabilidade Ambiental como Regra Jurídica Como regra jurídica, a responsabilidade ambiental, como já foi dito, deve assegurar que os poluidores sejam responsabilizados pelas suas acções contra o ambiente, em aplicação estrita do princípio do poluidor-pagador. Tal responsabilidade, porém, deve analisar-se em três momentos distintos, em conformidade aos resultados das ditas acções sobre o ambiente, devendo dar lugar a diferentes reacções do ordenamento jurídico-ambiental. Referimo-nos aos três patamares da responsabilidade ambiental: de prevenção (A), de reparação (B) e de antecipação (C), nem todos merecendo o mesmo grau de atenção do legislador, da jurisprudência ou da doutrina e subsistindo mesmo dúvidas relativamente à respectiva admissibilidade. A - Assim, no que tange à responsabilidade preventiva, ela ocupa-se daquelas acções cujos resultados previsíveis não se verificaram ainda. Nestes casos, é defensável a adopção de medidas preventivas que visem evitar que os danos decorrentes da acção poluente se concretizem ou, não sendo possível evitá-los na sua totalidade, medidas preventivas de contenção ou de minimização. Tais medidas de prevenção realizam-se após a acção poluente, que já decorreu ou está em curso, e antes da concretização dos danos que dela hão-de derivar e que ainda não

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Cfr., entre outros, Boaventura SOUSA SANTOS, Pela Mão de Alice. O Social e o Político na Pósmodernidade, 8ª ed., Afrontamento, Porto, 2002 e A Crítica da Razão Indolente. Contra o Desperdício da Experiência, 2ª ed., Afrontamento, Porto, 2002; Jean-François LYOTARD, La condition postmoderne, Les Éditions Minuit, Paris, 1979; André-Jean ARNAUD, Entre modernité et mondialisation. Cinq leçons d’histoire de la philosophie du droit et de l’État, Droit et Société, L.G.D.J., Paris, 1998; Jacques CHEVALIER, Vers un droit postmoderne ?, in, Les transformations de la régulation juridique, direcção de Jean CLAM et Gilles MARTIN, Droit et Société, Paris, 1998, pp. 21-46.

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ocorrerem, mas que se sabe que sobrevirão se nada se fizer para os evitar ou minimizar. Estas medidas preventivas inserem-se perfeitamente no quadro da responsabilidade por danos causados no ambiente, sendo igualmente objecto da Directiva 2004/35/CE. A acção danosa já foi praticada e a verificação dos danos, tida como certa, é só uma questão de tempo. Ao responsabilizar o poluidor nesse momento anterior, estar-se-á tão só a fazê-lo indemnizar os danos, de uma forma mais favorável para o ambiente. Se há medidas que podem ser tomadas para evitar a concretização da lesão ou para minimizar os seus efeitos, deve ser, desde logo, por elas que o poluidor deverá responder, em vez de se esperar pela verificação do dano e só depois o obrigar repará-lo, com manifesto prejuízo para o bem jurídico protegido. Ao responder pelas medidas preventivas, o poluidor vê tão só o valor do dano (da indemnização devida), correspondente ao valor da reparação (e das despesas adjacentes a esta 98), ser substituído pelo montante gasto com as medidas preventivas (acrescido do da reparação do dano minimizado, se for este o caso). Pensamos, por isso, que não será errado continuar a falar de reparação de danos, embora, na realidade, se trate de prevenir a sua concretização. O facto de a acção danosa já ter ocorrido faz toda a diferença, permitindo-nos falar de responsabilidade com toda a propriedade. Trata-se, afinal, de uma responsabilidade post-factum, porque posterior à acção lesiva, mas ante-damnum, porque actuada antes da concretização do dano que, não fôra a intervenção preventiva, se verificaria com toda a probabilidade, segundo dados da experiência e/ou científicos. Em nossa opinião e, apesar do regime publicista por que optou a Directiva europeia, tratar-se-á aqui de responsabilidade civil 99 ambiental, podendo esta ser ou não cumulável com a responsabilidade criminal, consoante tenha ou não havido preenchimento concomitante de um tipo de crime 100. B - O segundo momento corresponde à reparação do dano já ocorrido, concretizado, na sequência de uma acção poluente. Encontramo-nos aqui perante a função típica, por excelência, da responsabilidade por danos e as dificuldades que ela levanta foram já por nós sobejamente analisadas noutras obras, para lá remetendo 101. C - Já o terceiro patamar de responsabilidade ambiental por nós referido, a antecipação, é bem mais controverso e as abordagens doutrinárias que o têm tido por objecto 102 mostram-se ainda escassas e, na sua maioria, tímidas nas 98

Sobre a avaliação do dano ambiental cfr. Branca MARTINS DA CRUZ, De la réparation du dommage écologique … , op. cit., pp. 99 e ss. e, tb. da autora, Princípios Jurídicos e Económicos para a Avaliação do Dano Florestal, in, The Legal Protection of Tropical Forests, 3rd International Conference on Environmental Law, ed. do lnstituto O Direito por um Planeta Verde, São Paulo, 1999. 99 Cfr. Branca MARTINS DA CRUZ, De la réparation du dommage écologique … , op. cit., passim. 100 O código Penal Português prevê dois tipos de crimes ambientais, nos arts. 278º (Danos contra a natureza) e 279º (Poluição). 101 De entre todas, cfr. Branca MARTINS DA CRUZ, De la réparation du dommage écologique … , op. cit., passim; Responsabilidade Civil pelo Dano Ecológico – Alguns Problemas, op. cit. e Avanços e Retrocessos do Direito do Ambiente na Europa Comunitária, op. cit.. 102 Entre outros, cfr. Délton WINTER DE CARVALHO, Dano Ambiental Futuro. A Responsabilidade Civil pelo Risco Ambiental, Forense Universitária, Rio de Janeiro, 2008. Para este autor o dano ambiental futuro consiste naqueles riscos ambientais considerados ilícitos pelo direito; Branca MARTINS DA CRUZ, De la réparation du dommage écologique … , op. cit., pp. 446 e ss.; 480 e ss. e 486 e ss.; Catherine THIBIERGE, Libres propos sur l’évolution de la responsabilité (vers l’élargissement de la fonction de la responsabilité civile ?), Revue Trimestrielle de Droit Civil, n.º 3, juillet-septembre 1999, pp. 561-584; Mathilde BOUTONNET, Le principe de

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conclusões, atentas a novidade e as inerentes dificuldades dogmáticas. É contudo mister referir que a ligação desta problemática ao princípio da precaução e às respectivas implicações jurídicas em caso de violação deste princípio é incontornável. Pela nossa parte, pretendemos tão só dar uma pequena achega a um tema, o da responsabilidade por danos futuros versus princípio da precaução, que irá certamente permanecer em aberto por mais algum tempo. Assim, e começando exactamente pelo princípio da precaução, importa lembrar que a sua principal função consiste em impedir que riscos ainda incertos (cientificamente incertos) possam vir a tornar-se reais e certos, concretizando-se em danos. A sua principal razão assenta no facto de o princípio da prevenção não se mostrar suficiente para fazer face à incerteza científica e aos riscos tecnológicos 103, forçando o Direito a intervir, adaptando-se à realidade e adoptando este filho natural da união incerta do direito e da ciência 104. Em nosso entender, esta intervenção consiste precisamente na criação de uma obrigação geral de precaução, cuja violação, dando ou não lugar a um dano ambiental concreto, deverá desencadear sempre a correspondente responsabilidade do infractor. Resta, contudo, esclarecer qual o tipo de responsabilidade ambiental mais adequado à violação da referida obrigação geral de precaução e, se é certo que esta obrigação decorre directamente da consideração normativa do princípio da precaução, como sustentámos noutro lugar 105, então, é mister reconhecer que nos encontramos face a uma obrigação autónoma, independente da obrigação de indemnizar os danos 106. O reconhecimento desta autonomia da obrigação de precaução, relativamente à obrigação de reparar o dano, é de extrema importância para aquele esclarecimento. Ele indicia-nos a possível existência de dois tipos de responsabilidade distintos, não devendo confundir-se a responsabilidade pelo dano, que aponta para uma responsabilidade reparatória (ou/e adopção de medidas preventivas/minimizadoras), com a responsabilidade pela violação da obrigação de precaução, que poderá existir mesmo se nenhum dano foi ainda confirmado. Se a existência de dano vem facilitar, reforçando a comprovação da violação do princípio da precaução, a verdade é que ela não constitui o único meio de prova desta violação. Desta sorte, o simples risco de dano (dano futuro potencial mas incerto) deve, em nossa opinião, dar lugar à responsabilização do autor da acção causadora do risco. Todavia, tal responsabilidade é independente da responsabilidade pelo próprio dano, existindo, mesmo na incerteza da verificação deste, pois a violação do princípio da precaução ocorre logo, aquando da verificação do risco, ao ser adoptado précaution en droit de la responsabilité civile, tese, Orléans, 2003; Nicolas de SADELEER, Les principes du pollueur-payeur, de prévention et de précaution. Essai sur la genèse et la portée juridique de quelques principes du droit de l’environnement, tese, Bruylant, Bruxelas, 1999, que, sem contudo propôr um regime de responsabilidade civil por danos futuros, fala de um modelo anticipativo (un modèle anticipatif).Cfr. pp. 45. 103 Cfr. Philippe KOURILSKY, Du bon usage du principe de précaution. Réflexions et modes d’action, Odile Jacob, 2002. A pp. 15/16 este autor sustenta que a invocação do princípio da precaução reflecte tanto (talvez até mais) as debilidades da prevenção do que a emergência de novos riscos potenciais. No original, em francês, l’invocation du principe de précaution reflète peut-être autant (sinon davantage) les défaillances de la prévention que l’émergence de nouveaux risques potentiels. 104 No original, em francês, l’enfant naturel de l’union incertaine du droit et de la science. Cfr. Bertrand MATHIEU, Le principe de précaution. Propos introductifs, in, Rev. Jur. de l’Environnement, numéro spécial, 2000, sur Le principe de précaution, pp. 9. 105 Cfr. Branca MARTINS DA CRUZ, De la réparation du dommage écologique … , op. cit., pp. 446 e ss. 106 Ibidem, pp, 457/458..

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um comportamento relativamente ao qual pairam a dúvida e a incerteza científicas e sem que sejam concomitantemente tomadas todas as cautelas que a situação exige, sendo, por isso, potenciador de danos. Como afirmámos, o princípio da precaução visa evitar que a simples suspeita fundada de riscos para o ambiente possa transformar-se num perigo real e eventualmente concretizar-se num dano. Deste modo, e na medida em que o princípio da precaução constitui um princípio geral de Direito de conteúdo normativo 107 , o facto de a decisão, que o dever de respeito por este princípio impõe, não ter sido tomada por quem de direito constitui em si mesmo um facto ilícito, independentemente da verificação concomitante de um dano, a curto, a médio ou a longo prazo. Mesmo na ausência de qualquer dano, há que considerar que houve criação de um risco ilícito por violação da norma destinada a evitá-lo. A não concretização do dano não pode servir de desculpa para negar a violação do princípio e da obrigação de precaução que dele decorre. No entanto, mesmo existindo a eventualidade de o dano vir a ocorrer a longo ou a médio prazo 108, a incerteza que rodeia a sua concretização mostra-se, quanto a nós, suficiente para afastar a aplicação do instituto da responsabilidade civil, que serve fins preventivos e reparatórios, mas que se nos afigura inadequada para desempenhar uma função de antecipação pura e simples, face a danos meramente eventuais, que poderão nunca vir a ocorrer. Falecem, neste caso, a certeza e a actualidade do dano que a generalidade da doutrina tradicional insiste em exigir. Mesmo perfilhando posições mais abertas ao alargamento da responsabilidade por danos 109 , teremos de convir que a existência de dano ou um mínimo de segurança relativamente à sua verificação no futuro devem permanecer como requisitos da responsabilidade por danos 110. Isto não significa porém o afastamento de qualquer tipo de responsabilidade do autor da violação da obrigação de precaução. Não sendo obrigado a reparar um dano inexistente, ele deve contudo responder por aquela violação. Trata-se, em nosso entender, de uma responsabilidade que cabe no âmbito do Direito administrativo do ambiente e assiste-lhe carácter sancionatório e não reparatório, como seria próprio da responsabilidade civil, à qual não incumbe gerir a dúvida e a incerteza científicas, sancionando violações do princípio da precaução, sob pena de se desnaturar completamente 111 . Aliás, esta responsabilidade de cariz administrativo e sancionatório, que sustentamos, constitui igualmente um excelente pretexto para a intervenção do Direito administrativo do ambiente, accionando os mecanismos da 107

Ibidem, op. e loc. cit., especialmente pp. 483. Marie-Angèle HERMITTE, Évaluation des risques et principe de précaution, in, Les Petites Affiches, 30 nov. 2000, nº 239, p. 13, lembra-nos que a capacidade de criar riscos irreversíveis em série cujos efeitos se farão sentir muito tempo depois após a respectiva causa (la capacité à créer des risques sériels irréversibles dont les effets se font sentir longtemps après la cause), se encontra entre as inúmeras razões que deram origem ao princípio da precaução nas nossas sociedades tecnológicas ( nos sociétés technologiques). Na sua comunicação sobre o princípio da precaução, no documento COM (2000) 1 final, a Comissão Europeia sublinha também que a dimensão do princípio da precaução ultrapassa as problemáticas associadas aos riscos num horizonte de curto ou médio prazo. Ela diz igualmente respeito a conceitos cujo alcance temporal é mais o longo prazo e o bem estar das gerações futuras (la dimension du principe de précaution dépasse les problématiques associées aux risques à un horizon de court ou moyen terme. Elle concerne également des concepts dont la portée temporelle est davantage le long terme et le bien-être des générations futures). V. pp. 7. 109 Branca MARTINS DA CRUZ, De la réparation du dommage écologique … , op. cit., pp. 75 e ss. 110 Ibidem, op. e loc. cit. Especialmente pp. 83/84. 111 Neste sentido, cfr. Nicolas de SADELEER, Les principes …, op. cit., pp. 220. 108

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responsabilidade administrativa ambiental. Em Portugal, encontrar-nos-emos no domínio do Direito de contra-ordenação social, espécie de Direito sancionatório, de natureza administrativa, mas finalisticamente encostado ao Direito Penal. Todavia, para que esta nova categoria de responsabilidade ambiental, reportada aos danos futuros, possa ser plenamente exercida, garantindo-lhe a maior eficácia possível, mister se torna reconhecer a todos os cidadãos e seus representantes na sociedade civil (as ONG’s) a necessária legitimidade para denunciarem nos órgãos judiciais e administrativos competentes a violação da referida obrigação de precaução, sempre que dela tenham conhecimento. Trata-se tão só da aplicação do princípio da participação e do concomitante exercício do direito de todos a um ambiente sadio e ecologicamente equilibrado e do dever de o defender. Para tal, impor-se-ão certamente alguns ajustamentos no contencioso ambiental, mormente, em sede de Direito administrativo e de contra-ordenação social. Mas, para nós, o ideal, seria a criação de uma jurisdição ambiental especial, com tribunais especializados no contencioso ambiental, fosse ele civil, penal ou administrativo, como já tivemos oportunidade de sustentar noutros lugares 112, assegurando sempre, independentemente do tipo de acção, a legitimidade dos cidadãos e dos seu representantes, para além, naturalmente, da legitimidade do Ministério Público e das autoridades administrativas competentes, quando for caso disso. Assim garantido o princípio fundamental da participação dos cidadãos e do respectivo direito-dever ao ambiente, afigura-se-nos ser este o melhor enquadramento jurídico dos danos futuros incertos, que não escaparão, desta sorte, ao instituto da responsabilidade ambiental. Com esta solução, coloca-se em prática a adopção de uma ética da acção num universo de incerteza 113 , permitindo ao Direito administrativo do ambiente reencontrar o seu lugar de origem, desempenhando a função que melhor se lhe ajusta. Ao garantir juridicamente a aludida obrigação geral de precaução, protege-se de igual forma a realização dos desígnios de um desenvolvimento sustentável. Com efeito, a aplicação efectiva do princípio da precaução enquanto princípio normativo, impondo a todos a obrigação de agir em conformidade com os fins prosseguidos por ele, evitando condutas que comportem riscos desconhecidos que ameacem o bem jurídico ambiente, redunda necessariamente na preservação deste bem jurídico para as gerações vindouras, na medida em que, ao suster os riscos incertos, elimina boa parte das ameaças de degradação e destruição que pairam sobre o ambiente. Impõe-se contudo lembrar que, enquanto instituto jurídico, a responsabilidade ambiental só poderá aplicar-se àquelas situações em que seja possível a determinação e a identificação de um (ou vários) responsável (individual ou colectivo). Tratando-se de danos ou de riscos órfãos ou decorrentes de comportamentos massificados e difusos, de que todos somos co-autores, a responsabilidade ambiental exerce-se tão só enquanto imperativo ético. A sua garantia jurídica torna-se inexequível, por impossibilidade de determinação de um 112

Cfr., v.g., Branca MARTINS DA CRUZ, De la réparation du dommage écologique … , op. cit. Sobre a criação de tribunais ambientais especializados, cfr. Igualmente Vladimir PASSOS DE FREITAS, Direito Ambiental, da Acção Interncional à Especialização dos Tribunais, in, Direito Ambiental em Evolução, Juruá Ed., Curitiba, 2005, pp. 337-356. 113 No original, em francês, une éthique de l’action en univers incertain. Cfr. Martine RÉMOND-GOUILLOUD, Le risque de l’incertain: la responsabilité face aux avancées de la science, La Vie des Sciences, Compte-Rendu, Série Générale, Tome 10, 1993, nº 4. V. pp. 355.

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responsável, apesar de, através da adopção de políticas públicas, o Estado tenha o poder de minorar os efeitos negativos desta inexequibilidade, designadamente deitando mão do Direito administrativo sancionatório ou manipulando políticas fiscais e económicas (políticas de preços, v.g.) que acabem por penalizar aqueles que optem por condutas desfavoráveis ao ambiente, premiando quantos, pelo contrário, prefiram agir em prol da sustentabilidade. E, tais medidas poderão ainda considerarse inseridas numa lógica de responsabilidade ambiental, entendida lato sensu, como responsabilidade social, assente em imperativos éticos. A responsabilidade ambiental, nas suas diferentes facetas, civil, administrativa e penal, surge-nos então como um dos instrumentos privilegiados de protecção do ambiente, não só no presente, como, muito particularmente, desempenhando um importante papel de preservação para o futuro, com vista à construção de um desenvolvimento sustentável.

V – CONCLUSÃO Direito, ambiente, responsabilidade, desenvolvimento e sustentabilidade, são as palavras-chave desta curta reflexão a que procurámos aqui proceder. Como vimos, se o desenvolvimento sustentável constitui o fim visado, o ambiente corresponde ao objecto de preservação que lhe serve simultaneamente de limite e de fio-de-prumo. Na responsabilidade, por sua vez, buscámos o elemento ético que, a cada passo, há-de permitir aferir a conformidade do rumo tomado com a realização da sustentabilidade. Do Direito, evidenciámos a sua natureza de dever-ser e os direitos e deveres que dele promanam, enquanto instrumentos ordenadores da sociedade, aptos a direccionar as condutas sociais e individuais para os fins de sustentabilidade. Se a sustentabilidade pode ser vista como uma espécie de limite, de travão necessário ao desenvolvimento, obrigando o crescimento económico a conciliar-se com a protecção e a preservação ambientais, como notámos, a responsabilidade ambiental configura-se como aquele reduto ético, apoiado na subsequente confirmação jurídica, que impõe e garante a prevenção e a reparação dos danos causados no ambiente e actuando mesmo por antecipação sobre o mero risco de dano, através da estatuição de uma obrigação de precaução. Atento o facto de a sustentabilidade constituir um desígnio intemporal, exigindo no presente o respeito do futuro, corporizado na abstracção daqueles de nós que ainda não nasceram, nem sequer foram concebidos e contrastando com as tradicionais dificuldades do Direito em lidar com o longo prazo 114 e com a incerteza, o instituto da responsabilidade vê-se forçado a adaptar-se às novas exigências, moldando-se à sociedade de risco e apetrechando-se com as ferramentas de que carece para combater os perigos que ameaçam inviabilizar o cumprimento daquele desígnio.

114

Cfr. Martine RÈMOND-GOUILLOUD, La prise en compte du long terme, Revue Juridique de l’Environnement., 1, 1992, pp. 5-17, onde, a pp. 6, a autora afirma que os tempos do direito são curtos e os seus prazos rigorosos. No original, em francês, les temps du droit sont courts et ses échéances rigoureuses.

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Para isso, renova os seus contornos éticos, assume novas formas, desdobrase no tempo e no espaço e oferece-se ao Direito como um dos instrumentos privilegiados na defesa do ambiente enquanto novo valor ético-jurídico, no topo da hierarquia dos bens jurídicos. Conscientes das dificuldades, dos desafios e dos perigos que a humanidade atravessa neste dealbar de um novo século, ao escolhermos a responsabilidade ambiental e a sustentabilidade para tema desta nossa modesta contribuição à justa homenagem prestada ao insigne jurista, magistrado, ambientalista e amigo Vladimir Passos de Freitas, a que temos a subida honra de nos associarmos, tivemos em mente empreender uma curta reflexão sobre o papel desempenhado pelo Direito na preservação do ambiente, com vista a um desenvolvimento sustentável e, muito particularmente, sobre a função do venerável instituto da responsabilidade na realização deste escopo. Na busca de respostas, optámos por percorrer figuras jurídicas que nos últimos tempos têm andado arredadas das preocupações e da atenção da doutrina. Desta sorte, começamos precisamente por nos interrogarmos sobre o próprio Direito do ambiente, sobre as suas maturidade e autonomia, indispensáveis ao bom desempenho do papel principal que se lhe exige na defesa do ambiente enquanto bem jurídico. Analisado o bom e o mau, pudemos concluir que o ambiente continua em busca do seu lugar no Direito 115 , não podendo deixar de transparecer a crise que assola a humanidade e que muitas vezes desencadeia reacções (legislativas) impulsivas de raiz predominantemente utilitarista, a que falece o necessário escoramento ético-valorativo. Mas, se esse lugar insofismável ainda não foi encontrado pelo Direito do ambiente, também é certo que ele já vai dispondo de alguns instrumentos valiosos a que, distraída com a incessante novidade dos desafios, a doutrina se esquece muitas vezes de conceder o devido relevo, como é o caso do direito ao ambiente e da riqueza dogmática que ele encerra. Fizemos, por isso, questão de lhe conferir um lugar de destaque nesta nossa reflexão e pudemos concluir encontrarmo-nos perante um dos esteios do nosso ordenamento jurídico-ambiental, verdadeiro ponto de partida e de chegada do aludido escoramento ético-valorativo de que este novo ramo do Direito tanto carece. Ponto de partida, desde logo, da responsabilidade ambiental, que no seu teor passivo vai encontrar o fundamento e constituindo igualmente o respectivo ponto de chegada, na medida em que o exercício da responsabilidade justifica-se no reconhecimento da sua natureza bifronte de direito e de dever. Assim, se a violação do dever geral de respeitar o ambiente dá corpo à responsabilidade do autor da infracção a este dever (ponto de partida), de igual modo, o titular do direito ao ambiente (todos e cada um dos demais), que esta infracção ofendeu, vê justificada a sua legitimidade para agir contra o infractor, responsabilizando-o pela ofensa perpetrada contra o ambiente (ponto de chegada). Dessa forma, exercendo o seu direito fundamental ao ambiente, o cidadão cumpre também o seu dever igualmente constitucional de o defender, realizando a responsabilidade ambiental. Desta conjugação entre direito fundamental ao ambiente e responsabilidade ambiental, demonstrativa tão só de uma ínfima parte das potencialidades daquele poder-dever constitucionalmente consagrado, resulta evidente o respeito pelo 115

Cfr. Maria da Glória GARCIA, O Lugar do Direito na Protecção do Ambiente, op. cit., passim.

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princípio da participação e, pela nossa parte, não duvidamos um só instante de que só com a participação de todos 116 poderemos dar consecução aos desígnios de um desenvolvimento sustentável. A renovação ética de que falávamos, imprescindível para o cumprimento do escopo da sustentabilidade, reporta-se, em primeira linha, ao reconhecimento do ambiente como valor ético-jurídico fundamental, mas, acreditamos igualmente que a conciliação entre a protecção efectiva e eficiente do ambiente, com vista à sua preservação para as gerações futuras, e o respeito pelos valores e padrões da democracia participativa é essencial 117 . Não é admissível, e também não se nos afigura de todo necessária, a construção da sustentabilidade à custa da perda da liberdade e da dignidade humanas, tanto mais que, experiências passadas recentes mostram-nos bem que as sociedades totalitárias, em que o cidadão se vê reduzido ao Estado, tendem a desviar-se dos objectivos que justificaram a concentração do poder no Estado, sem que depois exista qualquer possibilidade de acção interventora e/ou correctora dos cidadãos e da sociedade civil que se vê espartilhada pelas teias do totalitarismo estatal. Não será certamente tarefa fácil mudar as mentalidades e os hábitos de vida consumistas e destruidores do ambiente 118 e algumas dessas mudanças vão ter de ser conseguidas pela força coercitiva da lei 119, atenta a urgência, e sobretudo quando se trate de demover poderosos interesses económicos que colocam o lucro acima de quaisquer outros valores, por mais nobres e instantes que estes sejam. Porém, a parte substancial deste verdadeiro trabalho de Hércules deve ser desenvolvida junto das populações, começando por lhes assegurar uma vida digna, para depois investir na sensibilização e na educação ambientais, com vista à edificação de uma nova cidadania ambiental mais abrangente (…) tendo como objectivo comum a protecção intercomunitária do bem difuso ambiental 120. A verdade é que, o ar que respiramos e a atmosfera que está em determinado momento sobre o território do nosso país, e a hidrosfera que escorre na superfície e no interior da terra, não são nossos, mas de todos os cidadãos do mundo, actuais e futuros 121 . Esta realidade inegável, por nós contrariada durante séculos, impõe-se hoje ao homem com toda a virulência que as sucessivas e cada vez mais constantes catástrofes naturais e os igualmente numerosos e devastadores acidentes industriais, testemunham. É certo que não possuímos a resposta à questão incómoda de saber como poderá ser gerida, governada, uma sociedade global constituída por (neste momento) seis biliões de seres humanos, assegurando o direito a uma vida digna, ao desenvolvimento humano e garantindo a cada indivíduo 116

Neste sentido, afirmando que a protecção ambiental exige a participação de todos, cfr. Vladimir PASSOS DE FREITAS, A Constituição Federal e a Efetividade das Normas Ambientais, Ed. Revista dos Tribunais, 3ª ed., São Paulo, 2005, pp.246. 117 Cfr. Branca MARTINS DA CRUZ, The constitutional right to an ecologically balanced environment, op. cit., pp. 57. 118 Mas, como lembra Vladimir PASSOS DE FREITAS, A Constituição Federal e a Efetividade das Normas Ambientais, op. e loc. cit., não se pode afastar a conclusão de que as pessoas estão habituadas a um sistema de vida que lhes proporciona conforto e comodidade. 119 Cfr. igualmente Branca MARTINS DA CRUZ, Contaminação Inevitável dos Direitos Empresarial e Societário pelo Direito do Ambiente…, op. cit., pp. 486. 120 Cfr. José Rubens MORATO LEITE, Sociedade de Risco e Estado, in, Direito Constitucional Ambiental Brasileiro, Ed. Saraiva, São Paulo, 2007, pp. 130-204. V. pp. 160. 121 Cfr. Paulo MAGALHÃES, O Condomínio da Terra. Das Alterações Climáticas a uma Nova Concepção Jurídica do Planeta, Almedina, Coimbra, 2007.

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os seus direitos fundamentais à liberdade e à dignidade. Certamente, teremos de adequar os nossos valores à realidade em mudança, sem contudo os abandonarmos ou abdicarmos deles. Acreditamos que, qualquer que seja o caminho seguido, estes valores humanos fundamentais terão de ser mantidos, passando a conjugar-se também no futuro, rumo a uma sociedade mais justa e sustentável, pois que é preciso acreditar que a vida pode ser melhor se as mentalidades mudarem e tiverem em consideração os ensinamentos que a velha Terra e ainda o velho Universo não cessam de nos transmitir 122 e, felizmente, sempre haverá a possibilidade (ou seria utopia?) de que, superados os estágios mais bárbaros da evolução humana, (…) e mesmo que seja em processo lento e gradual, possamos construir uma sociedade livre, justa e solidária, organizada na forma de um Estado Democrático de Direito 123.

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Cfr. Fernando PESSOA, Ecologia e Território, Afrontamento, Porto, 1985. V. pp. 73. Cfr. António HERMAN BENJAMIN, Constitucionalização do Ambiente e Ecologização da Constituição Brasileira, op. cit., pp. 128/129. 123

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VI - BIBLIOGRAFIA CITADA Robert ALEXY, Teoria de los Derechos Fundamentales, Centro de Estudios Constitucionales, Madrid, 1993. Ignacio ARA PINILLA, Los derechos humanos de tercera generación en la dinámica de la legitimidad democrática, in, El Fundamento de los Derechos Humanos, Madrid, 1989. José Manuel ARAÚJO BARROS, Aplicação Judiciária do Direito do Ambiente – Contencioso Cível, in, Textos, Ambiente e Consumo, II Vol., 1996. André-Jean ARNAUD, Entre modernité et mondialisation. Cinq leçons d’histoire de la philosophie du droit et de l’État, Droit et Société, L.G.D.J., Paris, 1998. Ulrich BECK, La société du risque. Sur la voie d’une autre modernité, Flammarion, Paris, 2001. Ulrich BECK, Pouvoir et contre-pouvoir à l’ère de la mondialisation, FlammarionAubier, Paris, 2003. Mathilde BOUTONNET, Le principe de précaution en droit de la responsabilité civile, tese, Orléans, 2003. João CAUPERS, Os Direitos Fundamentais dos Trabalhadores e a Constituição, Almedina, Coimbra, 1985. Jacques CHEVALIER, Vers un droit postmoderne ?, in, Les transformations de la régulation juridique, direcção de Jean CLAM et Gilles MARTIN, Droit et Société, Paris, 1998. José CUNHAL SENDIM, Responsabilidade Civil por Danos Ecológicos. Da Reparação do Dano Através de Restauração Natural, Coimbra, 1998. Nicolas DE SADELEER, Les principes du pollueur-payeur, de prévention et de précaution. Essai sur la genèse et la portée juridique de quelques principes du droit de l’environnement, tese, Bruylant, Bruxelas, 1999. Michel DESPAX, Droit de l’environnement, LITEC, Paris, 1980. Michel DOUMENQ, Le droit de l’environnement : un droit éclaté et son émergence, in, Aspects du droit de l’environnement, sous la direction de Michel DOUMENQ, École Nationale de la Magistrature, Paris, 1995. Manuela FLORES, Responsabilidade Civil Ambiental em Portugal : Legislação e Jurisprudência, Textos, Ambiente e Consumo, II Vol., Centro de Estudos Judiciários, Lisboa, 1996.

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