Desenvolvimento Sustentável, economia popular e produção orgânica: Caminhos e descaminhos de uma experiência cooperativista no Brasil

June 2, 2017 | Autor: A. dos Santos de ... | Categoria: Sustentabilidade, Meio Ambiente, Cooperativas
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DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL, ECONOMIA POPULAR E PRODUÇÃO ORGÂNICA: CAMINHOS E DESCAMINHOS DE UMA EXPERIÊNCIA COOPERATIVISTA NO BRASIL Armindo dos Santos de Sousa Teodósio Doutorando em Administração de Empresas (EAESP/FGV) [email protected] Sylmara Lopes Francelino Gonçalves Dias Doutoranda em Administração de Empresas (EAESP/FGV) [email protected] André Pereira de Carvalho Mestrando em Administração de Empresas (EAESP/FGV) [email protected] Resumo: O artigo aborda os desafios da construção de uma cooperativa focada em produção orgânica. Discute-se a emergência da temática ambiental no mundo contemporâneo e diferentes concepções acerca da interação entre modelos econômicos capitalistas e o “desenvolvimento sustentável”. Apresenta-se a realidade de uma cooperativa que busca inserir-se no mercado de produtos orgânicos - nacional e internacional. A pesquisa inscrevese no campo do estudo de caso, recorrendo ao levantamento de dados secundários, análise documental, realização de entrevistas e visita à cooperativa. Os resultados apontam possibilidades de inserção continuada no mercado, embora perdurem desafios relacionados à organização interna da cooperativa. Palavras-chave: Sustentabilidade; Meio Ambiente; Produção Orgânica; Cooperativas. 1. Introdução As discussões em torno do meio ambiente têm sido marcadas nos últimos tempos pela introdução de novos conceitos, práticas e tendências que se apresentam, em muitos dos casos, como verdadeiras panacéias em busca da sustentabilidade. Essas novas tendências são assimiladas pelo discurso de lideranças governamentais e de organismos internacionais, passam a fazer parte das agendas de trabalho de ativistas ambientais e assumem centralidade nas discussões acadêmicas. A mídia reverbera e amplifica essas tendências e preocupações. No entanto, um exame mais aprofundado de muitas dessas novas perspectivas revela, não raras vezes, que se tratam de idéias recicladas, com novas roupagens aparentemente muito atrativas, mas pouco úteis para o avanço do conhecimento e intervenção no campo econômico. Sustentabilidade parece ter adquirido esse status atualmente. Não se trata de um conceito recente, mas tem sido apropriado por diferentes grupos de interesse na sociedade, que a entendem de variadas formas e projetam diferentes expectativas em torno de seus desdobramentos sobre uma gama bastante ampliada de esferas da vida (LELÉ, 1991). Desde grupos ambientalistas radicais, passando por organizações não-governamentais, cooperativas de produção, governos e organismos internacionais, e chegando às iniciativas de cooperativismo.

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Mas o que pode trazer consistência ao conceito, pode também representar sua própria fragilidade: a unanimidade. A conhecida máxima de Nelson Rodrigues, “a unanimidade é burra”, talvez não faça justiça a importância do conceito de sustentabilidade para a sociedade contemporânea. No entanto, outra epígrafe, agora de Carlos Drummond de Andrade, antecipa com maior propriedade os desafios daqueles que se propõem a debater o tema da Sustentabilidade: “a unanimidade comporta uma parcela de entusiasmo, uma de conveniência e uma de desinformação”. Na esfera dos empreendimentos cooperativistas de geração de emprego e renda, Sustentabilidade também é apropriada de diferentes maneiras, com diferentes rebatimentos sobre as estratégias de gerenciamento do desenvolvimento econômico. Dois grandes eixos podem ser delineados: o da sustentabilidade competitiva das cooperativas e o da proteção ambiental. Para os leitores menos familiarizados com o tema, essa incorporação pode parecer no mínimo estranha: como um mesmo conceito pode servir para dinamizar empregos e renda e, ao mesmo tempo, proteger o meio ambiente? Para outros leitores, essa convergência seria automática, sem a proteção do meio ambiente não haveria iniciativas de cooperativismo que se sustentassem no longo prazo. No entanto, essas divergências e convergências exigem um exame mais detido de como se manifestam na realidade concreta das experiências cooperativistas as tentativas de construção de estratégias sustentáveis de desenvolvimento. O presente artigo se propõe a discutir a experiência de uma cooperativa de produção orgânica no caso brasileiro, analisando como a idéia de Sustentabilidade tem sido incorporada nas atividades desse empreendimento e apontando dilemas e perspectivas para as atividades econômicas, que se estruturam através de uma aproximação com cultura e comunidade locais. Essa experiência apresenta-se como um caso relevante para se entender os desafios do “caminhar” na “trilha” da Sustentabilidade. 2. Desenvolvimento Sustentável: a trajetória de um conceito Sustentabilidade não é um conceito recente, mas tem sido apropriado por diferentes grupos de interesse na sociedade, que a entendem de variadas formas e projetam diferentes expectativas em torno de seus desdobramentos sobre uma gama bastante ampliada de esferas da vida (LELÉ, 1991). Desde grupos ambientalistas radicais, passando por organizações nãogovernamentais, cooperativas de produção, governos e organismos internacionais, e chegando ao mundo dos gestores nas organizações, sustentabilidade tornou-se uma “idéia-força” das mais significativas nos últimos tempos. Uma das características marcantes em torno do desenvolvimento sustentável é a convergência de “corações e mentes” em torno dessa idéia. Mas o que pode trazer consistência ao conceito, pode também representar sua própria fragilidade: a unanimidade. Veiga (2002) questiona se a expressão “desenvolvimento sustentável” transformou-se num chavão sem conteúdo, devido ao confronto entre as ações exigidas pelas políticas ambientais e as econômicas. Para ele, desenvolvimento sustentável não é conceito; mas, sim uma “forte expressão” que veio para ficar e só se tornará obsoleta quando o planeta superar seus desafios ambientais. Veiga (2005) destaca que a dimensão cultural e social do desenvolvimento sustentável também implica em dificuldades de operacionalização e em questionamentos relevantes quanto aos próprios fundamentos dessa concepção. Lelé (1991) afirma que não está claro nem para a comunidade acadêmica, e muito menos para os gestores de programas de

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desenvolvimento o que representa a sustentabilidade cultural dos povos. Além disso, segundo o autor, perspectivas de incorporação de atores sociais a margem dos grandes sistemas econômicos padecem de precisão conceitual e metodológica para avaliação. Uma das perspectivas mais relevantes nesse ponto é a incorporação da participação comunitária na construção de projetos voltados ao desenvolvimento sustentável. Por outro lado, Constanza (1991) destaca, diferentes correntes do pensamento econômico que discutem a incorporação de variáveis do ambiente nos modelos teóricos de desenvolvimento e nos instrumentos de medição econômica, existindo um intenso debate entre perspectiva que vão desde o chamado “eco-capitalismo” até o biocentrismo radical. Nesse amplo espectro de correntes, a própria idéia de desenvolvimento humano é colocada em xeque por determinadas correntes, que também repudiam incisivamente uma possível conciliação entre empreendimentos capitalistas e proteção ambiental (PAULA, 1997; RANDALL, 1997). Sendo assim, percebe-se que aquilo que representa o principal mérito da idéia de sustentabilidade, a convergência de diferentes atores sócio-econômicos na luta em prol de sua construção, é também um dos seus principais dilemas, na medida em que convergem para essa dimensão diferentes grupos sociais, práticas, interesses e objetivos, nem sempre convergentes. O termo desenvolvimento sustentável foi utilizado pela primeira vez pela Aliança Mundial para a Natureza (UICN), em 1980. Em 1987 a Comissão Mundial da ONU sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (UNCED), presidida pela ex-ministra norueguesa Gro Harlem Brundlandt, apresentou o informe Our Commomm Future (Nosso Futuro Comum), que ficou conhecido como relatório Brundlandt. Tal relatório introduz o conceito de desenvolvimento sustentável, que foi aceito pela comunidade internacional. Desta forma, “desenvolvimento sustentável é desenvolvimento que satisfaz as necessidades do presente sem comprometer a capacidade de as futuras gerações satisfazerem suas necessidades”. Mas a expressão desenvolvimento sustentável só foi consagrada durante a Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, realizada no Rio de Janeiro, em junho de 1992, que ficou conhecida como a Rio 92, ou ECO-92. Desse encontro resultou a Agenda 21, documento internacional de compromissos ambientais, contendo recomendações para o desenvolvimento sustentável, enfatizando a importância da educação ambiental. A conferência aprovou importantes acordos internacionais nas áreas de biodiversidade e de mudanças climáticas, no momento em que, muitos países pararam de ignorar a relação entre o crescimento socioeconômico e meio ambiente. Desenvolvimento sustentável, então, trata-se de um novo modelo de desenvolvimento, que busca compatibilizar o atendimento das necessidades sociais e econômicas do ser humano, com as necessidades de preservação do ambiente, de modo que assegure a sustentabilidade da vida na terra para as gerações futuras. Busca-se melhorar a qualidade de vida humana, respeitando a capacidade de suporte dos ecossistemas. Acredita-se que o desenvolvimento sustentável seja a forma mais viável para que seja deixada a rota da miséria, da exclusão social e econômica, do consumismo, do desperdício e da degradação ambiental, na qual a sociedade humana se encontra. O que importa é deixar bem claro que o desenvolvimento não se confunde com crescimento econômico, que constitui apenas a sua condição necessária, porém não suficiente (SACHS, 2005). Manzini e Vezzoli (2002, p.31) sumarizam tal perspectiva: “A sustentabilidade põe em discussão nosso atual modelo de desenvolvimento. Nos próximos decênios, deveremos ser capazes de passar de uma sociedade em que o bem estar e a saúde econômica que, hoje, são medidos em termos de crescimento da produção e do consumo de matéria-prima, para uma sociedade

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em que seja possível viver melhor consumindo (muito) menos e desenvolver a economia reduzindo a produção de produtos materiais”.

Estes autores defendem a idéia de que seja possível alcançar a sustentabilidade ambiental, porém deverá verificar-se uma descontinuidade que atingirá todas as dimensões do sistema atual. Esta mudança passará pela dimensão física, econômica, institucional e também pela ética, estética e cultura. Portanto, Sachs (2005) ressalta que desenvolvimento depende da cultura, na medida em que ele implica a invenção de um projeto. Este não pode se limitar unicamente aos aspectos sociais e na sua base econômica, ignorando as relações complexas entre o porvir das sociedades humanas e a evolução da biosfera; na realidade estamos na presença de uma coevolução entre dois sistemas que se regem por escalas de tempo e espaço. “É por isso que falamos em desenvolvimento sustentável. A rigor, a adjetivação deveria ser desdobrada em socialmente includente, ambientalmente sustentável e economicamente sustentado no tempo” (SACHS, 2005). 3. Economia Solidária e Capital Social: novas frentes para a Sustentabilidade? Como visto anteriormente, a idéia de participação comunitária como um requisito fundamental para o Desenvolvimento Sustentável tem encontrado rebatimento no discurso de diferentes atores sociais, que vão desde movimentos comunitários, passando por organizações não-governamentais de alcance planetário e alcançando organismos internacionais, como o Banco Mundial e o Banco Interamericano de Desenvolvimento. Assim como o debate em torno da sustentabilidade, determinados conceitos e terminologias adquirem, muitas das vezes, verdadeiro status de solução linear e definitiva para os descaminhos do desenvolvimento. Economia Solidária e Capital Social parecem ter adquirido essa condição e merecem uma reflexão mais detida, não apenas com a finalidade de apontar suas possibilidades e limites, mas também de destacar sua vinculação com a perspectiva de projetos de desenvolvimento sustentável. Apesar de ser na esfera local que as virtudes cívicas e a efervescência dos movimentos sociais mostram-se mais perceptíveis, sobretudo com a crise atual de hegemonia dos Estados Nacionais, não se deve perder de vista que condicionantes estruturais do sistema econômico também se manifestam incisivamente nas comunidades locais (HARVEY, 1993). Nesse sentido, a discussão sobre a construção de laços de solidariedade popular, participação na vida pública e associativismo em projetos de Desenvolvimento Sustentável remetem-se às configurações estruturais do sistema econômico, adquirindo centralidade o debate acerca das relações entre ética e capitalismo. Uma noção muito comum em parte da literatura sobre o tema, carrega em si a concepção ora implícita, ora explícita, de que é possível compatibilizar capitalismo e desenvolvimento moral dos povos, sendo que os desdobramentos dessa relação trariam muitos benefícios, tanto de natureza social quanto econômico-produtiva. Weber (1994) é outro autor clássico que estuda a ligação entre o avanço do capitalismo e a ética. Segundo o autor, a chamada “ética protestante”, pautada na valorização do trabalho e da realização material, mas principalmente em códigos de conduta bastante rígidos, constituiu-se em um dos principais fatores para o desenvolvimento do sistema capitalista nos países não-católicos da Europa Ocidental. Kurz (1997), no entanto, afirma ainda que a “infra-estrutura moral” mostrou-se indispensável no período de surgimento do capitalismo. Nessa fase, a necessidade de regras

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básicas e universais de comportamento se fez mais intensa. Mas, a partir do momento em que o sistema capitalista se estabelece e a economia rompe laços feudais, agrários, arcaicos e précapitalistas, as relações vão sendo perpassadas pela monetização, prevalecendo a dinâmica do mercado para o acesso aos bens. Este autor enfatiza que a “infra-estrutura moral” não se faz mais tão necessária para o avanço do ethos capitalista. A manifestação dos valores morais na economia japonesa nesse século se daria fundamentalmente devido ao fato dessa nação ter percorrido uma trajetória mais recente em termos de consolidação capitalista. Por outro lado, segundo Fukuyama (2000), a sociedade de mercado “prejudica e fortalece simultaneamente os relacionamentos morais” (p. 262), necessitando e criando novas bases morais sólidas, ao mesmo tempo em que corrói estruturas sociais menos dinâmicas e culturas arcaicas. Piore (1998), por sua vez, afirma que duas lógicas parecem estar em jogo nas transformações produtivas atuais: uma ligada à esfera da valorização financeira do capital e outra aos processos produtivos e comerciais de acumulação capitalista. Isso é o que parece levar Albert (1992) a afirmar que o sistema mundial vive um conflito intrínseco entre dois Capitalismos: o Financeiro e o Produtivo. Menos dependente da “infra-estrutura moral”, devido à sua volatilidade, o Capitalismo Financeiro se dinamizaria através das crises cíclicas de credibilidade das economias periféricas, ao passo em que, no Capitalismo Produtivo e Comercial, a incapacidade de realocação rápida de investimentos exigiria bases morais mais sólidas para o funcionamento do sistema. Coraggio (1993) enxerga como saída frente a esta tensão entre esses dois modelos de capitalismo a chamada “Economia Popular”, ou como denomina Gaiger (1998), a “Economia Solidária”. Distanciada da racionalidade capitalista, essa estrutura econômica, subterrânea em relação ao capitalismo das grandes metrópoles, se constituiria em espaço central para a superação dos dilemas da crise capitalista atual. Mesclando solidariedade, participação e associativismo com sobrevivência, troca, eficiência e proteção do meio-ambiente, essa configuração econômica presente nos espaços geográficos menos privilegiados economicamente seria capaz de se contrapor aos efeitos excludentes das transformações capitalistas contemporâneas, segundo estes autores. Outro autor que remete às virtudes culturais e cívicas das regiões papel relevante na superação da crise de desenvolvimento capitalista é Storper (1994). No entanto, diferentemente de Coraggio (1993), sua abordagem parece indicar a possibilidade de gerenciamento dos traços simbólico-culturais e cívicos de determinada região, denominados de “Capital Social”, em prol do desenvolvimento capitalista. Nesse sentido, o desenvolvimento econômico-regional passa a se dar através da consolidação de “clusters”, ilhas de produtividade e competitividade em determinados setores de expansão capitalista, tendo como alicerce virtudes da cultura local. Ainda que a implantação de “clusters” seja viável e desejável, na medida em que gere desenvolvimento sócio-econômico e Sustentabilidade, a idéia de instrumentalização da cultura e do civismo via gestão de políticas sócio-econômicas, bem como sua viabilidade como alternativa a um sistema econômico mundial traz sérias dúvidas ao debate sobre Desenvolvimento Sustentável. Ao que tudo indica, as relações entre desenvolvimento regional, proteção ambiental e civismo apresentam-se de maneira mais complexa, difusa e contraditória, como destaca Putnam et al (1996). Esses autores, ao estudar o caso italiano, invertem a indagação básica de Olson (1999) acerca dos fatores que levavam os indivíduos a constrangimentos quanto a uma

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ação solidária, e descrevem como o associativismo e a participação popular se consolidaram no norte da Itália, apesar dos obstáculos da chamada “lógica da ação coletiva”. Segundo Putnam et al (1996), é importante entender que o “Capital Social” apresenta um caráter produtivo ou de eficiência em relação ao sistema econômico e político. Ao contrário de se remeter a uma “ética geral abstrata”, o Capital Social se basearia em práticas explícitas, envolvendo ganhos sociais e materiais concretos (Geertz, apud Putnam et al, 1996). No nível do Desenvolvimento Sustentável, isso implicaria em trazer resultados concretos em termos de garantia de direitos sociais (saúde, educação, segurança, dentre outros) às populações excluídas, simultaneamente com a proteção dos recursos naturais do planeta. É crucial entender o processo de consolidação das instituições cívicas de maneira dinâmica. Neste sentido, como destaca Hirschman (1996), os chamados “recursos morais” não se esgotam com o uso, mas ao contrário, multiplicam-se à medida em que são utilizados. Assim, o Capital Social se submeteria a ciclos virtuosos de expansão, bem como a ciclos viciosos de retração, caso crises de confiabilidade se estabeleçam. Os fatores que desencadeariam ciclos expansivos ou recessivos de Capital Social parecem ser menos susceptíveis de gerenciamento do que pressupõem os adeptos da noção de “clusters”. Por outro lado, percebe-se que a expansão das virtudes cívicas não se associa somente à difusão de valores abstratos e grandes ideais, mas sobretudo a ganhos concretos e visíveis dentro da agenda do Desenvolvimento Sustentável, ou seja, a manutenção dos recursos naturais e da cultura, e a ampliação dos direitos sociais e dos laços comunitários. Isso exige que a gestão de projetos de Desenvolvimento Sustentável implemente mecanismos de participação popular, concebendo-os simultaneamente como forma de redistribuição de poder e de bens / riqueza. Além disso, não se pode perder de vista a noção de que condicionantes estruturais do sistema capitalista tendem a erguer e debilitar estruturas morais presentes nas sociedades, colocando em xeque as próprias metas da Sustentabilidade Ambiental, Social e Cultural. Tudo isso exige dos projetos de Desenvolvimento Sustentável a descoberta contínua de novos caminhos para a gestão de empreendimentos que se propõem a ser sustentáveis. As práticas de organização comunitária e participação popular em empreendimentos, como é o caso de parcela do movimento cooperativista, aparecem como espaço no qual os desafios da construção do Capital Social e de operacionalização do Desenvolvimento Sustentável se tornam mais incisivos. 4. Participação Popular e Cooperativismo: dilemas e desafios da Sustentabilidade Azevedo e Prates (1991) destacam que os chamados “Novos Movimentos Sociais” podem ser classificados em três tipos ideais, que apresentam diferentes posicionamentos quanto à participação na definição e implementação de projetos de desenvolvimento sustentável. Um primeiro grupo, denominado de Associativismo Restrito ou Comunitário, caracteriza-se pela independência frente ao Estado, voltando-se para metas específicas de seus componentes, passíveis de serem atingidas a despeito da forma de condução das políticas públicas ambientais. O segundo tipo ideal seria constituído por Organizações Reivindicativas, que concentrariam suas demandas na obtenção de bens públicos de primeiro nível, ou seja, bens e serviços públicos concretos, ligados diretamente à alocação de recursos e implementação de projetos de Desenvolvimento Sustentável no curto-prazo. A participação popular através desse tipo organizacional assumiria um caráter restrito ou instrumental. Por

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fim, seriam encontrados os Movimentos Sociais Clássicos, vinculados à luta por valores e metas ambientais mais amplas, de transformação social mais profunda no longo-prazo. Esse tipo de participação, denominado pelos autores como Neo-Corporativista, caracteriza-se pelo caráter global de seus objetivos e pela tentativa de intervenção em macro-diretrizes da política ambiental dos Estados nacionais e da própria agenda de organismos internacionais. Percebe-se, portanto, que a participação popular pode adquirir diferentes matizes de acordo com a trajetória política, os interesses em jogo e os canais de participação abertos à comunidade nos projetos de desenvolvimento sustentável. Determinadas estratégias participativas de desenvolvimento local, tais como as áreas de proteção ambiental permanente, tendem a favorecer a proliferação de organizações reivindicativas ou a participação restrita, ainda que componentes de participação ampliada também possa estar presentes nesses processos. Nesse sentido, há ganhos e perdas com os processos participativos: o que pode se constituir em virtude por um lado, pode ser tomado como debilidade por outro, como será visto mais a frente. Antes de se avançar na discussão das possibilidades e dilemas presentes em estratégias participativas de gestão do desenvolvimento sustentável, cabe destacar que a participação não se concretiza sem uma articulação com estruturas organizacionais ou das instituições. Nesse sentido, a participação popular é também um processo ou fenômeno organizacional ou institucional, que se submete aos condicionamentos e impasses do “mundo administrado”. Se os impasses organizacionais colocados à participação parecem instransponíveis, Pateman (1992) argumenta que, apesar de no âmbito das organizações não existir espaço para a democracia em si, níveis diferenciados de participação podem se manifestar. Mas, como demonstra a autora, corre-se o risco de discursos aparentemente participativos remeterem a práticas de pseudo-participação. Esse seria um dos maiores riscos do movimento cooperativista. Por outro lado, mesmo processos manipulados de participação teriam papel relevante, pois, segundo a autora, à medida que difundiriam gradativamente entre os indivíduos a idéia de que podem participar, consolidariam “sujeitos” cada vez mais exigentes quanto ao próprio processo participativo. Alternativas de gestão participativa do Desenvolvimento Sustentável podem gerar alto volume de participação popular, permitindo a construção e/ou o reforço da idéia de esfera pública, sobretudo através dos aspectos simbólicos e culturais da inserção de diferentes parcelas de cidadãos nas decisões sobre o meio-ambiente. Além disso, estes mecanismos podem romper a tradicional interlocução entre burocrata e cidadão, que quando não é perpassada pelo clientelismo no Brasil, esbarrava na insensibilidade com relação às especificidades das comunidades locais e no distanciamento entre tais atores econômicos. Por fim, mas não menos importante, a participação no nível local tem se mostrado como um dos canais mais proveitosos para a atuação das ONGs ambientais e do movimento cooperativista, na medida em que possibilita a influência de novos valores e idéias defendidas por essas instituições no caráter dos projetos de desenvolvimento sustentável e facilita a disputa por recursos destinados a iniciativas de proteção ambiental desenvolvidas em parceria com a esfera não-governamental. No entanto, essas mesmas possibilidades de avanço da participação e da cidadania deparam-se com vários dilemas. No Quadro 1, apresentam-se vários dilemas ligados às estratégias participativas de gestão de projetos de desenvolvimento sustentável, que trazem possibilidades e ameaças em torno da construção da Sustentabilidade

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Quadro 1 – Dilemas da Participação Popular como Estratégia de Desenvolvimento Sustentável POSSIBILIDADES Alta densidade de participação Governabilidade Facilitada Participação autêntica Ruptura do clientelismo tradicional Visão estratégica da gestão ambiental Ênfase nos aspectos simbólicos Parceria com a população Sensibilidade às especificidades locais Negociação entre interesses divergentes

AMEAÇAS Padrão de planejamento debilitado Governabilidade “Emperrada” Psudo-participação Novas formas de clientelismo Supremacia dos grupos organizados Participação reduzida à estratégia de marketing Parceria espúria (retirada do Estado) Política global de meio-ambiente esfacelada Jogo de soma zero (desigualdade + recursos escassos) Diálogo com o cidadão Hegemonia da sedução Interlocução entre comunidade e organização “Lei de ferro das oligarquias” Fonte: Elaborado pelos autores, a partir de Soares & Gondim (1998); Boschi (1999) e Nabuco (2000).

A participação popular nos projetos de desenvolvimento sustentável pode significar tanto um grau elevado de engajamento da comunidade com as estratégias de proteção ambiental, como também pode representar um esfacelamento do planejamento da gestão do projeto, perdendo-se de vista os fenômenos estruturais que afetam o problema do meio ambiente global, nacional e local em prol do ataque a problemas específicos e conjunturais da comunidade e do ambiente no seu entorno (NABUCO, 2000) Outro fenômeno relevante associado à participação é a formação de projetos e cooperativas pouco sintonizados com as demandas comunitárias. Como o repasse de verbas internacionais e governamentais muitas vezes se opera mediante a exigência de institucionalização de conselhos gestores locais, determinados grupos podem “estimular” a formação dessas instâncias de gestão sem que a população esteja devidamente informada e preparada para dialogar com os técnicos da organização. Nesse contexto, a participação pode mudar de caráter, perdendo o prisma de conquista popular, para adquirir a conotação de benesse outorgada. Uma instância típica de “accountability” como os conselhos de gestão podem se tornar espaço de legitimação institucional de mecanismos pseudo-participativos de decisão. Além disso, para que as cooperativas e os conselhos de gestão de projetos de Desenvolvimento Sustentável operem de forma a consolidar políticas e padrões sólidos, claros e duradouros de planejamento de proteção ambiental é preciso que seus participantes estejam dispostos a abrir mão de interesses particulares no curto prazo, em prol de resultados globais no longo prazo. É preciso assegurar que os canais de participação popular não representem um esvaziamento de outras formas de democracia. Vários autores partem do princípio que a participação fortalece e dinamiza os canais tradicionais de democracia direta (AVRITZER, 2000). No entanto, o crescente descrédito da população em torno dos aparatos e sistemas políticos tradicionais (partidos, legislativo e judiciário), fenômeno observável em vários democracias dos países capitalistas centrais e que parece se manifestar também no Brasil, pode levar a população a se empenhar em embates distantes do lócus no qual efetivamente as decisões e os jogos de poder operam. Constrói-se assim um fenômeno perverso no qual se participa sem efetivamente participar. Percebe-se que a concepção da participação popular como panacéia para os problemas de desenvolvimento sustentável podem gerar efeitos indesejáveis sobre as metas propostas.

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Os projetos de desenvolvimento sustentável apresentam-se como construto social inacabado, fundado tanto na preparação técnica quanto no exercício da política (CHANLAT, 1999). A consolidação de práticas participativas de gestão do desenvolvimento sustentável tem como caminho tanto a “democratização dos bens” quanto à “gestão do poder”. Essas duas faces de uma mesma moeda, chamada democracia, indicam não só que ganhos valorativos devem vir acompanhados de avanços materiais, pois se reforçam continuamente. Indicam, antes de tudo, na esfera da sustentabilidade faz-se necessário esforço contínuo, visto que as possibilidades de modernização se fazem sempre acompanhadas de dilemas e impasses. Nesse sentido, cabe lembrar as palavras de Putnam et al (1996, p. 194): “criar capital social não é fácil, mas é fundamental para fazer a democracia funcionar”. A construção de processos participativos no interior das cooperativas encontra obstáculos relevantes, considerados por alguns autores como intransponíveis, como por exemplo, a tendência ao distanciamento entre base e liderança e a dificuldade de conciliação entre agilidade nas decisões e participação ampliada. A participação não se concretiza sem uma articulação com a estrutura tecno-burocrática. Nesse sentido, a participação popular é também um processo ou fenômeno organizacional, que se submete aos condicionamentos e impasses do “mundo administrado”. Pressionadas por um crescente discurso empresarial, que tem como mote a eficiência de suas operações, as cooperativas se vêem diante da necessidade de aumentar sua base de contribuintes e filiados, bem como obter retornos de capital em mercados competitivos. Nesse cenário, o desprezo por estratégias da chamada Participação Restrita ou Instrumental, ou seja, o desatrelamento quanto à conquista de ganhos visíveis em termos de bens de primeiro nível (concretos e no curto-prazo), poderia levar a cooperativa a ser associada à uma imagem de ineficiência gerencial e política, debilitando seu acesso a recursos. Por outro lado, o desprendimento total quanto à consecução de suas metas e valores mais amplos poderia levar a uma descaracterização desse tipo de associativismo, ficando mais susceptível às “tentações” do insulamento tecnocrático e colocando em risco as aspirações em torno da sustentabilidade. É importante destacar que a “Economia Solidária”, cujo um dos principais fenômenos é o cooperativismo, não opera à margem dos grandes mercados capitalistas. Muitas vezes, os empreendimentos cooperativistas atendem determinadas demandas dos grandes mercados, tendo uma articulação significativa com os movimentos que operam dentro desses cenários. Tudo isso denota a complexidade da realidade que cerca as atividades cooperativistas em projetos de desenvolvimento sustentável, como é o caso em análise no presente artigo. 5. Estratégias Metodológicas O trabalho recorre a diferentes estratégias metodológicas para coleta de dados e análise do caso, assumindo traços da chamada “Pesquisa-Ação”, na medida em que um de seus autores atuou como consultor junto à cooperativa estudada. A coleta de dados se pautou tanto no levantamento de dados secundários sobre o mercado de produtos orgânicos, quanto pela realidade de entrevistas semi-estruturadas e a ação in loco dos autores. Através da visitação e participação em reuniões da cooperativa pode-se estreitar contatos com diferentes atores econômicos, que compõem o fenômeno estudado, bem como o levantamento de informações relevantes sobre o empreendimento cooperativo, como será visto a seguir. O trabalho se inscreve no campo do estudo de caso e seu desenho está baseado em Yin (2005). Esta estratégia tem sido preferida quando os pesquisadores procuram responder às

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questões “como” e “por quê” certos fenômenos ocorrem, quando há pouca possibilidade de controle sobre os eventos estudados e estes se referem a fatos contemporâneos. O empreendimento analisado denomina-se Cooperativa dos Produtores Orgânicos do Sul da Bahia (Cabruca). Criada em 2000, no âmbito do Programa Piloto para a Conservação da Mata Atlântica, na cidade de Ilhéus, região sul da Bahia, congregando 36 produtores orgânicos certificados pelo Instituto Bio–Dinâmico (IBD). Trata-se de um caso de Associativismo Restrito ou Comunitário, como será melhor discutido mais a frente. Sua produção engloba cacau, palmitos de açaí e pupunha e frutas tropicais in natura. Além disso, a cooperativa processa e comercializa: cacau em amêndoas, palmito envasado de açaí e de pupunha e frutas desidratadas. É importante ressaltar que a Cabruca está localizada numa das mais ricas áreas remanescentes da Mata Atlântica: o “Corredor Central da Mata Atlântica”, criado em 1999 com o nome de “Corredor do Descobrimento” pelas agências ambientais do governo federal e da Bahia. Esta área estende-se do sul da Bahia ao norte do Espírito Santo e cobre cerca de 8.6 milhões de hectares, dos quais, cerca de 10% correspondem a áreas cobertas por floresta nativa. 6. Cabruca: uma cooperativa brasileira na “trilha” do Desenvolvimento Sustentável Historicamente, o cultivo de cacau tem sido a atividade econômica mais importante na região sul da Bahia. A manutenção de parcela importante dos remanescentes de Mata Atlântica no Brasil é comumente atribuída à forma tradicional pela qual este cacau é cultivado: o “Sistema Cabruca. “O arranjo do sistema cabruca é caracterizado pelo manejo de cultura exótica à Mata Atlântica, o cacaueiro, com a manutenção da estrutura florestal, para sombreamento. Ou seja, num ecossistema natural, promove-se uma modificação para que neste possa ser introduzida uma espécie de alto valor econômico, adaptável ao ecossistema em questão. Nesse sentido, esse sistema adquire a função conservacionista, atuando como buffer zone (zona tampão) às áreas protegidas da Mata Atlântica. (...) O sistema é semi-intensivo e mantém resquícios do ecossistema original. Esse novo agrossistema tem elevada capacidade de reverter a um ecossistema florestal caso existam áreas próximas da mata nas condições originais. O sistema cabruca também se mostra eficiente como corredor de várias espécies de aves e mamíferos entre manchas de florestas remanescentes.” (May e Rocha, 1998, p.47) Outros cultivos de espécies com valor comercial como açaí, pupunha e cupuaçu podem ser manejados, podendo fazer do Sistema Cabruca uma experiência que alie serviços ambientais à geração de renda. Apesar de atribuir-se ao “Sistema Cabruca” o grau atual de preservação do ecossistema na região, deve-se lembrar que as políticas de incentivo de produção implementadas pelo governo, via Comissão Executiva do Plano da Lavoura Cacaueira (CEPLAC) - órgão do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA), responsável pelo desenvolvimento da cultura cacaueira – apontam historicamente para um modelo de cultivo intensivo e desvinculado da idéia de manutenção da estrutura florestal nativa. Além disso, esse modelo intensivo de produção, não levou o produtor a uma melhor condição econômica no passado, uma vez que ao mesmo tempo em que houve incremento considerável na produtividade das propriedades, houve também aumento do impacto das oscilações climáticas no resultado final da produção. Focando-se apenas nos

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últimos vinte anos, uma série de problemas concomitantes teve impactos consideráveis na região, dentre eles: dificuldade de acesso a crédito no sistema financeiro, redução dos preços internacionais do cacau, ocorrência de estiagens e o aparecimento da vassoura-de-bruxa, doença causada por um fungo que ataca o cacaueiro (May e Rocha, 1998). Seguiu-se então, um momento de intensa pressão sobre as áreas remanescentes de Mata Atlântica com a implantação de pastagens, monoculturas agrícolas, extração de madeira ilegal e plantações de eucalipto, em resposta à falta de alternativas econômicas de geração de renda e emprego. No final dos anos 90, com preços internacionais do cacau mais elevados e cacaueiros resistentes à vassoura-de-bruxa, houve uma retomada desta cultura no sul da Bahia. Neste cenário, a reduzida área nativa ainda existente e o estímulo dos órgãos oficiais à produção intensiva de cacau torna premente o desenvolvimento de um modelo para a produção cacaueira que seja economicamente viável, ambientalmente adequado e socialmente justo para a região. É neste contexto que surge a Cabruca, com o apoio do Instituto de Estudos Socioambientais do Sul da Bahia (IESB) e da ONG Conservação Internacional (CI), cujos dois principais componentes são (i) recuperação dos Sistemas Agroflorestais (SAFs), com ênfase no sistema cabruca, e a (ii) consolidação de empreendimentos conservacionistas. A consolidação do modelo de negócio para a Cabruca se propõe a uma dupla tarefa em uma região carente de oportunidades de trabalho e com fortes ameaças à sua biodiversidade: (i) apresenta–se como alternativa de renda para os pequenos produtores associados; e (ii) desempenha o papel de modelo a ser reproduzido (empreendimento-referência) em outras cooperativas da região, redirecionando o cluster cacaueiro atual rumo à sustentabilidade. 7. A opção pela produção orgânica A Cabruca expressa em seu próprio nome sua preocupação ambiental através da opção pelo tipo de produção que seus cooperados adotam: o “Sistema de Cabruca”. Mas há que se justificar ainda a opção pela produção orgânica. Por poder conferir credibilidade e atestar a qualidade de produtos com imagem desgastada pelo histórico de contaminação, garantindo acesso a mercados, a certificação orgânica já se justificaria como princípio relevante no modelo de empreendimento da cooperativa. Mas há ainda outros fatores que reforçam a escolha deste caminho: (i) a agricultura orgânica, na última década, vem demonstrando ser uma alternativa concreta de produção de alimentos, respaldada por uma crescente conscientização por parte do consumidor final, (ii) o produto orgânico possibilita em muitos casos a prática de preços diferenciados e (iii) acesso a nichos específicos de mercado, nos quais a qualidade e origem são fatores de diferenciação e para o produtor, (iv) a certificação orgânica permite a consolidação de relações comerciais com empresas de grande porte, posicionadas à jusante na cadeia de valor. Isso permitiria um planejamento de longo prazo das cooperativas, além de oferecer proteção em períodos de super oferta, quando os preços convencionais apresentam fortes quedas, caso relações nãoespúrias forem estabelecidas entre cooperativas e grandes empresas. Ao se levar em consideração o fato de que, nas últimas décadas, no sul da Bahia, o modelo boom–colapso de produção mostrou-se bastante presente nas culturas do guaraná e da pimenta–do–reino - e existe a possibilidade de que se repita na atual década com o palmito de pupunha - a diferenciação do produto orgânico poderia proteger os produtos das cooperativas deste fenômeno regional.

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Em relação ao mercado internacional, os alimentos orgânicos respondem por algo entre 1% e 2% das vendas mundiais de alimentos (FAO, 2003). Em 2004, o mercado de orgânicos atingiu a marca de US$ 26.5 bilhões (OMC, 2005). Estados Unidos e Europa consomem mais de 95% da produção mundial de orgânicos. Notadamente nos EUA, as vendas de alimentos orgânicos cresceram entre 17% e 22% de 2000 até 2003 (PACKAGED FACTS, 2004), enquanto que as vendas da indústria alimentícia, no mesmo período cresceram entre 2% e 3%, no mesmo período. Já na Europa, as vendas de produtos orgânicos cresceram cerca de 5% em 2003, aproximando–se de 11 bilhões de Euros (IFOAM, 2004). No Brasil, cerca de 90% das vendas de produtos orgânicos se dá em supermercados, e o restante em feiras e lojas especializadas. No ano 2002, a Cabruca comercializou 15 toneladas de cacau orgânicos em amêndoas. Em 2004, o volume comercializado já era próximo a 120 toneladas. Em relação à produção de cacau do Estado da Bahia, que se mantêm acima de 100 mil toneladas anuais desde 2002 (CEPLAC, 2005), a Cabruca tem participação irrisória. Entretanto, seu desempenho comercial nos mercados nacional e internacional em 2004, faz da Cabruca a maior produtora brasileira de cacau orgânico. Ao se analisar os demais produtos (palmitos e frutas) comercializados pela Cabruca, nota-se que estão sujeitos a variações de preços, que podem destruir rapidamente, a viabilidade econômica do negócio. Além disso, eles apresentam produção pulverizada nacionalmente (frutas tropicais) ou internacionalmente (cacau e palmito) - o que acaba por conferir pouca diferenciação ao produto, pouca fidelidade à marca e concorrência acirrada em vários mercados. Alguns deles carregam uma desconfiança quanto ao seu processo produtivo e histórico de contaminação (palmitos e pimenta–do–reino), o que prejudica sua inserção em mercados internacionais. A certificação orgânica foi um dos fatores decisivos para que a Cabruca fechasse contratos de exportação de cerca de 20 toneladas de cacau em amêndoas para Itália, Holanda e Estados Unidos em 2004. 8. Dilemas e perspectivas das atividades sustentáveis O principal serviço prestado pela Cabruca a seus associados é a comercialização de cacau em amêndoas e de potes de palmitos de açaí e pupunha nos mercados nacional e internacional, eliminando intermediários e garantindo a prática de um preço mais adequado ao cooperado. Pela prestação destes serviços, a Cabruca retêm 10% dos valores de comercialização do palmito e das frutas desidratadas, e 25% do adicional de preço (prêmio) pago pelo mercado em relação à cotação da Bolsa de Nova Iorque na comercialização de cacau em amêndoa. São estas receitas que garantem à manutenção das atividades do escritório-galpão da cooperativa e os investimentos em melhoria de qualidade de produtos e produtividade das propriedades dos cooperados. Na prática, contudo, a Cabruca não consegue absorver considerável proporção da produção de cacau de seus cooperados. Devido à liquidez do cacau em amêndoa, as empresas processadoras de cacau (moageiras) compram diretamente dos produtores, pois pagam no prazo máximo de 3 dias, que a Cabruca não consegue oferecer por falta de capital de giro. Esta realidade, além de reduzir a receita de retenção da cooperativa, a transforma em concorrente das moageiras. Por outro lado, quando transações diretas com o mercado internacional apresentam prêmios superiores aos oferecidos pelas moageiras, há mobilizacão dos cooperados para entrega de cacau em amêndoa à Cabruca. Este cenário não é replicado para o palmito. Os palmitos de açaí e pupunha vendidos pelos produtores no mercado local, de forma independente, alcançam o preço de aproximadamente R$ 0.50 por haste, enquanto que se entregues à Cabruca, chegam a retornar

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R$ 1,00 por haste aos cooperados. Isto só é possível porque a cooperativa beneficia o palmito em fábricas da região e comercializa-o com sua própria marca, agregando valor ao produto in natura. Embora este R$ 1,00 seja pago somente após a venda do produto processado, o alto valor adicionado pago pela cooperativa inibe o produtor de procurar o cliente final, mesmo que isto signifique ter que esperar um pouco mais de tempo para receber. Pode–se perceber que o cooperado da Cabruca a enxerga como uma alternativa de comercialização e não como uma “empresa” da qual é sócio e usuário. A cooperativa só é usada quando a utilização dos serviços por ela oferecidos resulta em vantagens para o cooperado, vis-a-vis sua atuação independente no mercado. Em uma cooperativa “ideal”, o termo “fidelização de cooperados” não teria sentido, uma vez que, em tese, um produtor não deveria concorrer com uma “empresa” da qual é “sócio”. Entretanto, a grande liquidez característica do mercado cacaueiro estimula este cenário indesejável. Dois obstáculos inter-relacionados se apresentam no processo de fidelização do cooperado: a falta de capital de giro e a inexistência de diferencial de preço a ser distribuído entre os cooperados, diferentemente do que ocorre com os palmitos de açaí e pupunha. Tanto a “fidelização de cooperados” quanto a agregação de valor aos produtos, podem, independentemente ou em conjunto, solucionar alguma falhas existentes na estrutura de operação da cooperativa, listadas a seguir: a Cabruca (i) não conta com a participação ativa de parte representativa dos associados na fixação de suas políticas, estratégias de atuação e tomadas de decisões (pseudo-participação gerando um padrão de planejamento debilitado); (ii) não absorve todo volume de matérias primas produzido por seus cooperados; (iii) não retém recursos suficientes para o desenvolvimento da cooperativa, a formação de capital giro ou de reservas a serem utilizadas, por exemplo, para participação em feiras ou ações comerciais; (iv) não fornece apoio logístico (coleta e entrega de produtos) e serviços técnicos ou de capacitação aos associados; (v) não oferece cursos de capacitação aos representantes eleitos, administradores e empregados e (vi) não remunera seus administradores. Como conseqüência da falta de participação de seus cooperados não apenas nas decisões estratégicas, mas também na entrega de produtos, (i) as quantidades comercializadas são menores, (ii) os contratos de venda de produtos são menos vantajosos ou de menor escala, (iii) a retenção da cooperativa é inferior, assim como a remuneração aos cooperados restringem–se os (iv) serviços oferecidos pela cooperativa e (v) a possibilidade de capacitar administradores e funcionários, bem como de remunerá–los adequadamente, é reduzida. Esta realidade acaba por gerar um círculo vicioso no qual, sem o comprometimento dos cooperados e sem uma estrutura organizacional adequada na cooperativa, os esforços de venda ficam muito aquém das necessidades, o que acaba por gerar um não aproveitamento das oportunidades de mercado, uma diminuição significativa do potencial de poder de barganha da cooperativa junto aos seus clientes e a não efetivação de contratos comerciais, que poderiam viabilizar maior agregação de valor aos produtos e novos investimentos. Há, claramente, demanda reprimida por alguns dos produtos da cooperativa. No primeiro semestre de 2005, teve início uma negociação de parceria entre Cabruca e uma grande indústria do setor de alimentos, visando a utilização de produtos da cooperativa em linhas de produtos orgânicos voltadas ao mercado internacional. Mas a Cabruca, por sua vez, carece de (i) pró-atividade para viabilizar contratos de longo prazo, (ii) construir um instrumento jurídico que dê maior segurança a potenciais parceiros comerciais e (iii) buscar novos usos e novos consumidores para seus produtos. Este conjunto de medidas somente

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poderia ser tomado por uma cooperativa estruturada, que remunerasse os cooperados com funções administrativas e que tivessem plena confiança na entrega dos produtos. A solução dada pela Cabruca para comercialização de palmitos de açaí e pupunha mostrou–se eficiente na “fidelização” dos cooperados, gerou retenção e, adicionalmente, colocou um produto com a marca Cabruca nas prateleiras de alguns supermercados da região Sudeste e mesmo do exterior (México). 9. Considerações Finais Os resultados encontrados apontam possibilidades de inserção continuada nos mercados nacional e internacional, em virtude da produção orgânica. O modelo de conservação ambiental adotado favorece as práticas de negócio sustentável. Além disso, o negócio da Cabruca avança em sua gestão, buscando contratos de longo prazo com empresas de maior porte, à jusante na cadeia produtiva, seja para beneficiamento, seja para comercialização da produção. No entanto, perduram grandes desafios tanto no nível da organização interna da cooperativa, sobretudo no que tange a participação dos cooperados, como em relação à viabilidade econômico-financeira de curto prazo. Pensar, portanto, em remuneração de administradores, capacitação dos cooperados, oferta de apoio técnico e logístico à cooperativa é condição necessária, mas não suficiente para o desenvolvimento da Cabruca. Avançar em modelos de governança da cooperativa capazes de fazer com que os cooperados participem mais efetivamente e consistentemente das decisões, num momento em que alternativas e estratégias de crescimento são aventadas, também é condição necessária, mas não suficiente. Sem o envolvimento mais profundo dos cooperados e sem a compreensão do papel dual em que se encontram (donos e trabalhadores da cooperativa) não há respaldo para a tomada de decisões complexas por parte dos gestores da cooperativa. Nesse ponto perduram sérias dúvidas sobre a sustentabilidade do empreendimento, ainda que em termos ambientais possam ter havido avanços. Sustentabilidade ambiental carece, na experiência analisada, de sustentação social e política (envolvimento dos cooperados). Um dos caminhos pode ser o de gerar maior impacto em termos de equidade social, não só aos cooperados, mas à população no entorno da Cabruca. No entanto, a necessidade de inserção em mercados capitalistas (compradores) mais avançados traz sérias limitações a essa estratégia no empreendimento da Cabruca. Além disso, dado o quadro de exclusão social e a presença inconsistente do Estado na provisão de políticas sociais na região, novas demandas sociais podem colocar em xeque a capacidade da cooperativa de atender de maneira continuada à população local. A noção de sustentabilidade desperta debates intensos, mobilizando “corações e mentes” de movimentos ambientais, cooperativas de produção, comunidades, governos e ONGs. A transição de modelos econômicos tradicionais para estratégias sustentáveis de desenvolvimento se faz por caminhos tortuosos. Os desafios com os quais se deparam os projetos de Desenvolvimento Sustentável são muitos, até mesmo porque temas como degradação ambiental planetária, fome, desigualdade social e conflitos armados nunca foram incorporados de maneira integrada, como pressupõe a noção de sustentabilidade, à agenda de trabalho dos atores econômicos. Para os céticos, esse esforço se perderá com o tempo, tornando-se mais uma das tendências passageiras da administração contemporânea. Para aqueles que olham o futuro com otimismo, os projetos de Desenvolvimento Sustentável se tornarão mais efetivos, transparentes e frutíferos para todos os atores econômicos envolvidos. Só o futuro poderá

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dizer se essas mudanças serão profundas e duradouras ou se tornarão mais um recurso de retórica no discurso da mídia. Essas são questões prementes para agendas futuras de pesquisa no campo da Gestão de Operações. 10. Bibliografia ALBERT, M. Capitalismo versus capitalismo. São Paulo: Edições Loyola, Fundação FIDES, 1992. AVRITIZER, Leonardo. Democracia, participação e instituições híbridas. DCP (UFMG) / NUPASS. 2000. AZEVEDO, S.; PRATES,A.A.P. Planejamento participativo, movimentos sociais e ação coletiva In: Ciências Sociais Hoje. São Paulo: Ed. Prevista dos Tribunais, p.122-152, 1991. CEPLAC - Comissão Executiva do Plano da Lavoura Cacaueira, site corporativo. Disponível em http://www.ceplac.gov.br, 2005. CHANLAT, Jean François. Ciências Sociais e Management: reconciliando o econômico e o social. São Paulo: Atlas, 1999. COMISSÃO MUNDIAL SOBRE MEIO AMBIENTE E DESENVOLVIMENTO. Nosso Futuro Comum. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 1991. CONSTANZA, R. (ed.) Ecological Economics: the science and management of sustainability. New York: Columbia University Press, 1991. FAO - Food and Agriculture Organization. Organic agriculture, environment and food security, site corporativo. Disponível em http://www.organicmonitor.com, 2003. FONSECA, E. G. (1993) Vícios privados, benefícios públicos? A ética na riqueza das nações. São Paulo: Companhia das Letras. FUKUYAMA, F. (2000) A grande ruptura: a natureza humana e a reconstituição da ordem social. Rio de Janeiro: Rocco. HARVEY, D. (1993) A condição pós-moderna – uma pesquisa sobre as origens da mudança cultural. São Paulo: Edições Loyola. HIRSCHMAN, A. O. Auto-subversão: teorias consagradas em xeque. São Paulo: Companhia das Letras, 1996. IFOAM - The World of Organic Agriculture - Statistics and Emerging Trends (2004), site corporativo. Disponível em http://www.ifoam.org KURZ, R. (1997) Os últimos combates. Petrópolis: Vozes. LELÉ, S. Sustainable Development: a critical review. In: World Development, vol. 19, no. 6, pp. 607-621, 1991. MANZINI, Ezio, VEZZOLI, Carlo. O desenvolvimento de produtos sustentáveis: os requisitos ambientais dos produtos industriais. São Paulo: Edusp, 2002. MAY, Peter H.; ROCHA, Rui B. O sistema agrossilvicultural do cacau-cabruca. In: Lopez, Ignez V.; Bastos Filho, Guilherme S.; Biller Dan; Bale, Malcolm (Org.) Gestão Ambiental no Brasil: experiências de sucesso. Rio de Janeiro: Fundação Getulio Vargas, p 35-62, 1998 NABUCO, M. R. Aulas proferidas na disciplina Economia, Espaço e Sociedade do Curso de Mestrado em Gestão de Cidades – PUC/MG. Belo Horizonte, mar-jun. 2000. NASCIMENTO, L. F. O desempenho ambiental das empresas do setor metal-mecânico no RS. In: Anais do XXI ENANPAD – Encontro Nacional dos Programas de PósGraduação em Administração. Rio das Pedras, RJ: ANPAD, 21 a 24/set/ 1997 OLSON, M. A lógica da ação coletiva: os benefícios públicos e uma teoria dos grupos sociais. São Paulo: EDUSP, 1999.

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