Design de Relações e a Linguagem dos Jogos Eletrônicos

July 5, 2017 | Autor: Leonardo Lima | Categoria: Videogames
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Descrição do Produto

LEONARDO SOUZA DE LIMA

anima Design de Relações e a Linguagem dos Jogos Eletrônicos

Projeto de Conclusão de Curso apresentado à Banca Examinadora da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho“ como exigência para obtenção do título de Baicharel em Desenho Industrial – desenvolvido sob a orientação do Prof. Dr. Dorival Campos Rossi

PIPOL | Projetos Integrados de Pesquisa On Line

Bauru

2005



Talvez o grande problema contemporâneo esteja na discrepância entre os discursos e as realidades a eles referidas. Não apenas as grandes crises morais, crise dos valores, mas também uma conturbação cada vez maior entre o espírito e a matéria; a bem da verdade, este é um grande problema desde que as primeiras filosofias começaram a buscar a essência do ser. Como nos lembra Guatarri, o pensamento clássico mantinha a alma afastada da matéria e a essência do sujeito afastada do corpo, enquanto os marxistas opunham as superestruturas subjetivas às relações de produção infra-estruturais. (1993, p. 177) Não acreditamos que em algum momento esta problemática relação esteve mais próxima de alguma solução, entretanto verificamos que mudanças significativas foram produzidas pela ascendência da informação como moeda de troca da sociedade contemporânea. Ora, esta ascensão traz mudanças fundamentais às estruturas de poder e estruturas do saber, interferindo sobremaneira na percepção de espaço e tempo dos seres humanos, mudanças em sua realidade psíquica, emocional e cognitiva, quer consideremos estas individual ou coletivamente, mas sempre comprometida com a apropriação intelectual dos objetos externos – o que chamamos, sumariamente, subjetividade. Não que os discursos tenham se desgarrado da realidade, mas, indubitavelmente, multiplicaram-se. Penosa tarefa daquele que se atreve a colar tantos fragmentos, com todas essas memórias resistentes difundidas por todos os cantos. Com razão reclamam aqueles que desgostam ou repugnam a fragmentariedade. Por outro lado, ao falar em sentido único mesmo o senso comum, até o mais parvo, consegue escutar o tilintar do cobre no fundo da caixa-forte. Não que em algum momento da modernidade se acreditasse na “unificação” dos valores, ou na existência de um Bem absoluto ou universalmente válido. Pelo contrário, a suposição da existência de uma pluralidade incontornável de padrões éticos elimina cabalmente qualquer conjunto de princípios que tenha por pretensão corporificar um ideal de plenitude moral. Todavia, a pluralidade de valores não implica numa maior autonomia na produção de subjetividade ou da ação criadora a esta subjacente. Talvez, em nenhum outro tempo os equipamentos coletivos

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Introdução



de subjetivação foram tão sutis: nossos objetos e maquinas nos permitem uma independência cada vez maior, no entanto caímos quase sempre no mesmo por um exercício de vontade. Mas, vontade de quem? A mais dura tarefa em nossos tempos, parece, desejar. É fato que nossa consciência faz os desejos repousarem sobre os objetos. Desejamos sem consciência alguma, mas é esta que faz dos objetos, objetos de desejo. Ora, estes objetos são frutos da determinação da subjetividade. É produto dos entrançamentos extremamente complexos das técnicas, das estruturas de poder, da forma de constituição do saber. Complicada posição, e por vezes odiosa, daquele que tem por oficio produzir objetos. Nossos objetos, entretanto, não são mais os mesmos. São produtos da subjetividade ainda, mas sua constituição é radicalmente diferente do que era antes. “Agora os objetos me percebem” escreveu Paul Klee nos seus Cahiers. A tradicional polaridade do processo cognitivo, constituída de um sujeito indagativo e um objeto inerte, foi estremecida pelas novas propriedades conferidas aos objetos: sensíveis e reagentes, estes objetos não podem mais ser tomados como inertes. Que sobre estes objetos recaia também o desejo, não contestamos. Contudo, averiguamos que este atua de forma totalmente diversa. Não mais um



repouso consciente num objeto de desejo, mas uma atividade volitiva, questionante, por vezes afetiva, que esquadrinha a superfície móvel, contrátil e vibrante do objeto. A tarefa de produzir de objetos, e a própria produção de subjetividade, deve agora dar conta das relações que se tecem entre a inteligência humana e inteligência não-humana. Objeto pós-industrial, que funciona sob a força de um programa, é o que Flusser designou como aparelho, um brinquedo que simula um tipo de pensamento, que permuta símbolos contidos em seu programa. Objeto para jogar, jogo no qual o homem tenta esgotar o programa, joga contra ele a fim de descobrir suas manhas. O sujeito que manipula tal objeto não trabalha; joga. Não é o homo faber, mas o homo ludens. Estes objetos contemporâneos são feitos para “brincar”. Mas um dentre eles se destaca neste intuito, na medida em que, ao contrário de todos os outros, inscreve-se apenas na memória do jogador, só serve para ser jogado e não tem nenhum objetivo além deste. Denomina-se tal aparelho videogame, jogo em

A característica fundamental desses objetos desenha-se em sua potencia de ação, em agência. Mas um agir passional, duma contemplação aprofundada que anima toda uma busca. Como função significante, estes objetos encerram sentido, isto é, eles podem ser significados, mas, mais profundamente, realiza uma integração de signos, de ordem intuitiva e imediata pela razão. Busca lúdica, cujo fim é dado nela mesma, que desenha uma navegação travessa (transversal, mas também brincalhona e irrequieta) e, de certo modo, selvagem. Estes objetos constituem focos virtuais, objetos virtuais, objetos para nossa contemplação aprofundada, desejante, extremamente passionais. Por esta natureza, dizemos que estes objetos não pertencem ao espectro comum da representação, não podem ser julgados com relação sua semelhança, não reproduzem um original. O original não existe. Entretanto, quem brinca, “representa”, desempenha um papel, usa de máscaras e figura com um esplendor que faria qualquer suposto original empalidecer, ruborescer-se diante da perversão de qualquer possível cópia. Um cow-boy brincado é a reminiscência gloriosa do cow-boy. É sob esta forma que a representação se apresenta nestes brinquedos e, ainda, como resultado externo. Objetos tão paradoxais, agressivos e passionais, mudam nossa forma de se relacionar com o mundo. Certamente, lembrando Flusser, nada alteram no mundo, mas modifica o homem; nada produzem senão signos. Tão logo, a produção de subjetividade não é mais a mesma, e para se relacionar com estes objetos é necessário um ato projetual que compreenda as novas dimensões comunicativas e reagentes dos objetos. O design transfigura-se num design de relações, um design tão transversal quanto a agência destes objetos, um Transdesign, como denomina Rossi. Pautando-se na interatividade entendida como função da linguagem, na ação do signo, compreendendo o deslocamento em séries deste como a essência da linguagem e a hiperdiversidade, o Design de Relações busca a compreensão da noção de projeto-processo-produto transladada para a dimen-

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que se manipulam eletronicamente imagens sensíveis num monitor de vídeo. Este objeto, como produto da subjetividade humana, parece-nos extremamente característico de nosso tempo: informático, sem distinção de cópia ou original, lúdico, estético, agressivo e potencial.



são do imaterial e do virtual. Este outro design avança sobre as barreiras levantadas pelo marketing ao verdadeiramente diverso. Nenhuma preocupação com a reprodução das imagens abala este design, que se estremece com a criação, enlouquecida, de imagens sem referente. Deleuze nos participa que o pensamento moderno nasce da falência da representação, assim como da perda das identidades. (DELEUZE, 1988, p.16) Isto nos indica, certamente, que as fundações ocidentais que ancoravam pensamento à representação foram chacoalhadas. Mas também nos dá indícios para uma busca, signos para um jogo na turbulenta fronteira entre sujeito e objeto. O terreno híbrido para o qual os videogames apontam nos incitam a novas maneiras de relacionar os signos. Aparelho estético, apropria-se da linguagem desenvolvida pelas mídias que o precedem na dimensão histórica. Funde-as ao jogo. Aparelho de simulação e que simula outros aparelhos. O videogame é um objeto virtual por excelência. Em nosso estudo sobre estes surpreendentes objetos, focamos a relação homem-máquina na busca pelas capacidades expressivas destes, no que se



refere ao seu projeto de Design. Assim, não buscamos melhor delimitar as fronteiras entre o sujeito e seu objeto, entretanto, nos interessa o que faz o primeiro inclinar-se sobre o segundo, e em que medida o segundo tende a responder o primeiro. Acreditamos, que apesar da distinção entre sujeito e objeto ser completamente racional, o que imprime o movimento nesta relação não pode passar pelo crivo da razão. Há um poder de busca no homem, algo que lhe impele para fora de si, mesmo que na busca de si mesmo. Chamamos tal força desejo, sob o risco de não fazer jus, nem a esta força ou ao termo. O design coloca objetos sobre o mundo. Não um objeto qualquer, mas um objeto estético. Desta forma colabora na construção da subjetividade – ou a conturba. Contudo, não é o design um produto da subjetividade? Não é o design um agenciamento de paixões? “Defini-se que design é desejo, e pronto!”. O design, sob este prisma, escapa ao domínio da representação. Entretanto, como tudo o que escapa à representação, não nos deixa, não desiste de nos assolar. Pelo 1. Dorival ROSSI, Trasndesign, p. 43. – a afirmação é feita sobre a fundamentação etimológica do termo, entretanto os fundamentos filosóficos são mais contundentes.

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contrário, nos coloca questões e problemas, para quais as respostas e soluções são passageiras demais.



Subjetividade e objetos virtuais Se nossos objetos, principalmente os objetos tecnológicos, não nos surpreendem como antes – afinal, eles são tão corriqueiros e já se entranharam em nosso cotidiano – não podemos dizer, entretanto, que não nos deixam ainda confusos. A hesitação diante desses objetos é sintomática das questões levantadas em ocasião da aquisição de capacidades interativas e sensíveis por estes – o objeto adquiriu uma dimensão ativa, mudando substancialmente seu estatuto. O sujeito, depositário de direito da ação é agora confrontado por um objeto agente e provocante, que não se reduz apenas a alvo de uma ação, mas que procura também seus alvos e que nos procura como alvos. Um objeto dinâmico, um objeto de potência. Classicamente, definimos sujeito e objeto de forma recíproca, onde cada um dos termos coloca-se em sentido oposto à ação designada pelo outro: o sujeito, portador da ação potencial, e o objeto, o alvo ou foco da ação. Para o mais geral dos casos, um sujeito, seja qual for sua natureza, é um sujeito cognoscente que defronta-se com um objeto, seja qual for sua natureza, objeto do conhecimento. Enquanto o objeto manifesta-se perceptivamente a um sujeito ou assombra-lhe a memória, com efeito, o afeta, este irá exercer sobre aquele um ato cognitivo, ou ainda imprimir-lhe suas paixões e/ou ações. Obviamente, essas designações não esgotam, nem de longe, as relações entre sujeito e objeto, apenas limitam 10 ambos por uma relação de contrariedade ou oposição, facilmente subvertida: já não é também comum idéia que um sujeito é objeto de um outro sujeito? Devemos levar em conta que a reciprocidade sobre a qual definimos sujeito e objeto implica também numa simultaneidade, isto é, no desenvolvimento autônomo de cada uma das séries implicadas na relação. Tanto um quanto outro, enquanto “síntese individual” ou paralela, desenrolam-se e implicam-se sobre outros conceitos, tornando o escopo da relação um eterno além, mas nos colocam, também, sempre a pergunta: a borda já não teria sido transposta? Sujeito e objeto, como termos complementares, propõem, antes de designarem categorias, uma relação, ou melhor, um problema. O desenvolvimento desse problema deve nos indicar não os limites, ou uma

A teoria da percepção em Bergson, bem como a concepção de outrem como estrutura que configura o campo perceptivo de Deleuze, contribuíram sobremaneira para nossos esforços. Relatemos que ao mencionar a percepção como problema filosófico Deleuze ao desenvolver sua concepção de outrem toma partido de um monismo, fazendo com que as categorias de sujeito e objeto pertençam ao campo perceptivo, frente a um dualismo que remete a sínteses subjetivas que

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clara concepção de sujeito e de objeto, mas a superfície de contato que os limita e os congrega, o espaço onde se tecem as relações entre ambos. Assim, parecenos importante argüir em que momento sujeito e objeto se desenham. Momento pois, apesar da distinção entre um e outro ser espacial, mas o mecanismo que a faz existir, como evidenciou-se durante nossa pesquisa, é essencialmente temporal. Tentamos observar esta questão sob um duplo aspecto: o primeiro se relaciona ao ato perceptivo que dá ao sujeito conhecimento do objeto exterior; sob um segundo aspecto, estendemo-nos sobre a estrutura que condiciona o campo perceptivo. Nossas principais referências para o desenvolvimento desta questão foram filosóficas, entretanto procuramos apontar suas relações com o design e a ludologia.

se exercem sobre a matéria. Bergson declara sua obra dualista ao afirmar a realidade do espírito e a realidade da matéria, mas o fazia também declaradamente na busca da relação entre ambos, tentando atenuar as dificuldades advindas do dualismo. Neste sentido, podemos dizer que Bergson ultrapassou as franjas do dualismo. Outra diferença que julgamos relevante lembrar é que Bergson 11 organiza a vida biopsiquica, incluindo a percepção, com vistas à ação, para ele a orientação tanto do corpo quanto do espírito, enquanto Deleuze descobre a percepção e organiza a vida biopsiquica em função das sínteses contemplativas, naturalmente passivas, elementares a sua teoria da repetição Não obstante, as resoluções de Deleuze e de Bergson convergem para no tratamento da relação sujeito-objeto, principalmente na proposta de que a natureza dessa relação dáse mais em função do tempo do que em função do espaço.

Percepção: a imagem como mediação Em que momento sujeito e objeto entram em contato? No limiar, podemos dizer que isto acontece no momento em que a percepção se efetua, ou seja, no momento em que o sujeito assimila o objeto, converte-o em substância sua, quando passa a ter o objeto. Não propriamente o objeto – afinal, isto anularia a percepção enquanto tradução –, mas sua imagem. A concepção de imagem, entretanto, guarda alguns sentidos que podem mostrar-se contraditórios. É-nos comum representar a imagem como uma abstração derivada de um modelo, objeto ou idéia. Sob esta acepção, enquanto o modelo guarda as proporções a serem copiadas, a imagem seria então construída a semelhança do modelo reproduzindo-o sob os aspectos que lhe fossem mais relevantes, privilegiando algumas das proporções contempladas pelo modelo, sem no entanto alcançar uma correspondência plena ou esgotar-lhe. Mas esta acepção apenas nos diz da imagem dentro do domínio da representação. A imagem está também associada à sensação que temos das coisas, a forma como entramos em contato com as coisas ou com a realidade objetiva, sendo derivada destas. É sobre este aspecto que a imagem associa-se ao processo de percepção.

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E por “imagem” entendemos uma certa existência que é mais do que aquilo que o idealista chama de representação, porém menos do que aquilo que o realista chama uma coisa – uma existência situada a meio caminho entre a “coisa” e a “represent ação”. (BERGSON, 1999, p.1) É por esta concepção de imagem que Bergson, no intuito de problematizar a relação do espírito com o corpo, consegue tomá-la antes de sua dissociação entre a existência e aparência e faz dessa relação entre imagem e objeto transitiva. Sob aspecto algum, a imagem pode ser considerada a realidade última, haja . Se a concepção de imagem bergsoniana não nos tira da “caverna”, com efeito faz com que as “sombras” correspondam em natureza com os objetos que a produzem, confere uma certa profundidade às sombras. As aparências, neste caso, apenas perdem algo da essência, conferindo e herdando as características daquela. A distância entre a imagem e o objeto a qual figura deixa de ser abismal, com relação ao que propõem outras doutrinas filosóficas. Neste sentido também Bergson ultrapassa o dualismo que sobre o qual constrói sua tese. Mesmo assim, devemos levar em consideração que a imagem é uma outra existência: a imagem manifesta fenomenicamente as essências. Mas uma imagem pode existir por si.

Por conta disso, distingue-se, sob o crivo da percepção, dois sistemas de imagens: num deles, todas as imagens agem e reagem umas sobre as outras, cada uma relacionada a si mesma: estas seriam as “imagens exteriores” ou o “conjunto das imagens”, o que podemos chamar de realidade objetiva, ou o mundo que nos circunda; no segundo sistema, todas as imagens são reguladas por uma única imagem que ocupa centro, uma imagem privilegiada, “meu corpo”. (BERGSON, 1999, p.15) É justamente na dobra destes dois sistemas que deve aparecer a percepção, que atua na transposição do conjunto das imagens exteriores a uma imagem determinada, conhecida não apenas “de fora” mas também “de dentro”, através de afecções, denominada meu corpo, onde o critério da relação

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visto sua subordinação ao objeto, contudo é nela que se constitui nossa experiência sensível do mundo; deste modo, é ela a própria materialidade do mundo: “A matéria, para nós, é um conjunto de ‘imagens’” (BERGSON, 1999, p.1), diz Bergson, para quem, em concordância com o senso comum, um objeto é a imagem dele, e toda redução da imagem à representação, sob o ponto de vista em que se concebe a representação de um objeto como de uma natureza diferente deste, incorreria em erro.

é dada pelo potencial de ação desta imagem sobre o conjunto das imagens. Este corpo é também um objeto, ou uma imagem, mas um “objeto destinado a mover objetos” (BERGSON, 1999, p.11), é um centro de ação. Deste modo, Bergson se opõe a uma concepção da percepção como puramente especulativa e passiva, sendo o conhecimento angariado da materialidade por sua imagem crivado na 13 percepção dado pela capacidade ou convite à ação que o objeto percebido oferece ao sujeito: “Os objetos que cercam meu corpo refletem a ação possível de meu corpo sobre eles”. (BERGSON, 1999, p.12) A percepção deixa então de ser tomada como conhecimento puro ou representação; ao contrário, “(...) a percepção, em seu conjunto, tem sua verdadeira razão de ser na tendência do corpo a se mover”. Ao apontar a percepção destinada à ação, Bergson reitera ao sujeito sua ca. BERGSON, Matéria e Memória, p. 32. – devemos salientar que mesmo se em Deleuze a percepção se faz a partir de uma síntese passiva, com conseqüências numa síntese ativa, e em Bergson a ênfase do processo é mostrado no sentido inverso, tudo parece voltado a uma síntese ativa, considerando um uso ilustrativo do termo, ambos alocam a percepção anterior à representação. É certo que a descrição das sínteses passivas em Deleuze são de certo modo especulativas, mas em momento algum atingem o caráter de uma reflexão consciente.

pacidade de ação frente ao objeto. Entretanto, um sujeito, sob as medidas de uma concepção clássica, é constituído não penas por sua atividade, mas também por sua independência ou liberdade, que aqui entendemos por potencialidade de escolha autônoma e a capacidade individual de autodeterminação. Para que estas escolhas e determinações sejam efetuadas é preciso que haja “espaço” para tais, é preciso, então, que haja uma certa indeterminação, isto é, sendo proposta uma questão, deve a haver a possibilidade de que diversas respostas sejam capazes de resolve-la. Esta é constituída, no caso da percepção da matéria, justamente do “jogo” entre as diferentes solicitações de ação que o objeto emite ao sujeito, no sentido que não exista uma resposta única, ou uma ação necessária a um determinado estímulo, que a percepção de um determinado objeto não seja seguida de um movimento mecânico. Tanto “maior” será este jogo, quanto maior for a multiplicidade de tais solicitações e complexidade possível pela articulação dos diversos agentes motores praticáveis. Sobre as integrações e articulações das sensações e percepções é que repousa a complexidade do sistema nervoso dos vertebrados superiores. Estas integrações são efetuadas por uma diversidade qualitativa de dados, tal como a integração dos dados captados por órgãos visuais e auditivos, complicados na percepção única de um áudio-visual, por exemplo. Tais sistemas são marcados por uma complexidade de relações sensórias, que possibilitam uma leitura e ação sobre o mundo igualmente complexas. 14

A percepção é precisamente um sistema, uma ordem superior de integração que permite aos modelos se desembaraçarem e às propriedades emergentes de ambientes integrados mudarem de nível. As experiências e percepções sensoriais são elas próprias o material que permite integrar fontes heterogêneas. A integração nesse nível torna-se um fenômeno puramente físico. Nosso espírito é, talvez, o resultado dessa capacidade adquirida por nosso corpo no decorrer dos milênios da evolução humana para atingir ordens superiores de integração por via da percepção. (KERCKHOVE, 1993, p.61)

Segundo o grau de indeterminação do sistema em questão, proporcional ao “número de convites” efetuados à ação dos sujeitos, pode-se deduzir diferentes graus de percepção. Existiriam percepções as quais se confundem com suas respectivas reações, implicando ao impulso nervoso um movimento necessário; a estas concerneriam um grau mínimo ou nulo de indeterminação. Tal como num

conta que tal definição é dada levando em consideração a “percepção pura”: (...) não minha percepção concreta e complexa, aquela que minhas lembranças preenchem e que me oferece sempre uma certa espessura de duração, mas a percepção pura, uma percepção que existe mais de direito do que de fato, aquela que teria um ser situado onde estou, vivendo como eu vivo, mas absorvido no presente, e capaz pela eliminação da memória sob todas as suas formas, de obter da matéria uma visão ao mesmo tempo imediata e instantânea. (BERGSON, 1999, p.23)

Mas esta percepção pura e, notadamente, instantânea é apenas ideal – “toda percepção ocupa uma certa espessura de duração, prolonga o passado no presente”. (BERGSON, 1999, p.200) A percepção dita concreta, aquela que de fato experenciamos e sobre a qual se delineiam nossas relações com os objetos, é complicada de nossa memória, aglutinada de “uma sobrevivência das imagens passadas” (BERGSON, 1999, p.49); para Bergson reside aí a principal fonte da subjetividade de nossa percepção: . Cf. O abecedário de Gilles Deleuze, A – de Animal.

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carrapato, em que se seleciona na natureza apenas três estímulos, cujas reações são dadas imediatamente, e isso constitui todo o seu mundo. À medida que cresce a indeterminação, nos seres vivos graças à divisão do trabalho fisiológico e a conseqüente complicação dos sistemas nervosos, as atividades deixariam de ser tomadas por automatismo puro e começariam a requisitar uma escolha para que este ou aquele agente motor executasse uma ação, dando à ação, portanto, um caráter voluntário. Dentro destes seres de elevado grau de indeterminação, caracterizados pelo elevado número e evolução de suas funções, deve nascer uma percepção consciente. “(...) Essa percepção aparece no momento preciso em que um estímulo recebido pela matéria não se prolonga em ação necessária”. (BERGSON, 1999, p.21) Atentemos que a noção de “percepção consciente” não é, evidentemente, a consciência como tal, mas a implica. Tal percepção seria já uma seleção das faculdades ditas interessantes de um determinado objeto em relação às funções e/ou necessidades de um determinado sujeito: “perceber todas as influências de todos os corpos seria descer ao estado de objeto material. Perceber conscientemente significa escolher, e a consciência consiste antes de tudo nesse discernimento prático”. (BERGSON, 1999, p.35) Há de se levar em

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Mesmo a ‘subjetividade’ das qualidades sensíveis (...) consiste sobretudo em uma espécie de contração do real, operada por nossa memória. Em suma, a memória sob estas duas formas, enquanto recobre com uma camada de lembrança um fundo de percepção imediata, e também enquanto ela contrai uma multiplicidade de momentos, constitui a principal contribuição da consciência individual na percepção, o lado subjetivo no nosso conhecimento das coisas. (BERGSON, 1999, p.23)

Não só a percepção para Bergson é destinada à ação, mas a própria consciência significa ação possível. A consciência, portanto, enquanto faculdade aperceptiva de um ser (humano), une por meio da memória os múltiplos e sucessivos estímulos oriundos da percepção da matéria, diferencia o que ocorre dentro do ser (afecções – imagens que coincidem, e interferem imediatamente, com a imagem de meu corpo) das imagens externas. Mas, em sua operação, “mistura” à percepção e à afecção o que foi objeto de percepções e afecções passadas; mistura ao presente atual os antigos presentes. Estes “a todo instante complementam a experiência presente enriquecendo-a com a experiência adquirida” (BERGSON, 1999, p.49); logo a memória de experiências anteriores, na medida em que guarda o programa de escolhas exitosas para ações cabíveis a situações análogas, é mais atuante no nosso processo decisório que nossa percepção exterior. Ainda:

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Nossas percepções estão certamente impregnadas de lembranças, e inversamente uma lembrança [...] não se faz presente a não ser tomando emprestado o corpo de alguma percepção onde se insere. Estes dois atos, percepção e lembrança, penetram-se portanto sempre, trocam sempre algo de suas substâncias mediante um fenômeno de endosmose. (BERGSON, 1999, p.50)

A memória, portanto, necessita de uma percepção para que possa “ganhar corpo”; caso contrário será reservada ao esquecimento. Não sem propósito falase que o esquecimento é o que torna a “vida” possível (ou suportável). Se os presentes se sucedem, é graças à memória. Esta opera a contração das percepções, das imagens materiais; mas esta memória, anuncia Bergson, está já no domínio do espírito: seria então a memória, o ponto de contato entre a matéria e percepção, entre o corpo e o espírito. Tão logo, “as questões relativas ao sujeito e ao objeto, à sua distinção e a sua união, devem ser colocadas mais em função do tempo do que do espaço”. (BERGSON, 1999, p.53)

Com Gutenberg e a inovação da imprensa de tipos móveis, passamos a utilizar os olhos com um método diferenciado. Quando usamos intensivamente um dos sentidos e ‘rebaixamos’ os outros, o nosso cérebro procura funcionar, acostuma-se de maneira diferente e passamos a ter uma outra realidade de mundo. A forma como usamos nossos sentidos é a forma como pensamos. (ROSSI, 2003, p. 71)

Uma freqüência de quadros desta grandeza, na medida em que dá suporte a uma relação mais próxima de uma experiência imediata entre sujeito e objeto, faz com que os modos de se atuar sejam significantemente alterados. Se tomarmos a percepção com vistas à ação, como propõem Bergson, subordinamo-la ao . A freqüência de captação estimada de um olho humano é cerca de 100 q/s. Cf. < http:// www.inovacaotecnologica.com.br/noticias/noticia.php?artigo=010180041109>. Entretanto, os 24 q/s do cinema e os 30 q/s da televisão bastaram até então para nos dar uma forte impressão de movimento. Nos videogames, entretanto, é comum os jogadores reclamarem de lags (dessincronização da imagem com o movimento executado sobre os controladores de jogo) mesmo quando a freqüência de quadros está entre os habituais 24 e 30 q/s.

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Devemos relevar do foi dito até então que a percepção, como percepção pura, existe mesmo que não se reporte a representação; existe, portanto, um estado inconsciente de percepção, e que ele se dá “instantaneamente”, num presente, concomitante ao objeto percebido. Ao contrário, a percepção consciente opera, por princípio, no passado – mas um passado imediato, com efeito. Isto é, a percepção tem uma velocidade, ou melhor, possui uma duração. Isto torna-se bem evidente, por exemplo, no cinema. Este só existe porque contraímos as diversas imagens captadas por nossos olhos numa única imagem. Este efeito, denominado persistência retiniana, não é apenas fenômeno fisiológico. (VIRILIO, 1993, p.128) A retina recebe todas as excitações e as repassa, mas enquanto a memória não as contrai, não podem perfazer um continuum em nossa consciência, muito menos uma seqüência linear. Já se fala que as novas gerações podem “enxergar” mais que 24 q/s (quadros por segundo). Se tal mutação acontece de fato, faz mais sentido creditar que tais mudanças sejam dadas por um aumento na velocidade da memória, graças a uma superexposição à informação, do que por uma diminuição do tempo de exposição necessário para sensibilizar a retina, dado que as mídias para imagem em movimento nos últimos vinte anos possuem capacidade para exibir de 24 a 30 Q/S. Em jogos eletrônicos de corrida, é comum que a taxa de quadros por segundo ideal esteja por volta de 60 Q/S.

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tempo: “a percepção dispõe do espaço na exata proporção em que a ação dispõe de tempo”. (BERGSON, 1999, p. 22) Isto é, quanto maior o intervalo entre sujeito e o objeto, maior a gama de ações possíveis. Num videogame com características tão céleres como as que citamos há pouco, isto toma corpo em objetos que podem aparecer na frente do jogador por breves segundos, às vezes menos, rápidos demais para um raciocínio lógico. A uma velocidade como estas, a razão tem de se comportar de outra maneira e muitas das decisões têm de ser tomadas intuitivamente e, muitas vezes, instintivamente. Já a subjetividade, tomada neste momento no domínio de um sujeito plenamente constituído, dá-se graças à ação da memória. Sendo esta domínio do espírito, tão logo a subjetividade, sob este aspecto, é manifestação da consciência de um sujeito cognoscente, consciente que pronuncia (e se pronuncia): Eu. Aqui, a representação tem que ser efetuada sobre um duplo aspecto: a representação da imagem e a reflexão da consciência, dando nota cognitiva de sua existência. Tal operação de formação da subjetividade, considerando sua precisão de memória para que seja efetuada, compreende uma certa espessura de tempo. Sobre este aspecto, muitos videogames simplesmente não admitem a possibilidade dessa pronunciação; caso contrário o jogo acabou, não se foi rápido o suficiente. A imagem, como vimos, vai além da representação. Elas têm a função de representar, visto que são, como nos diz Flusser, mediações entre o homem e o  18 mundo. Entretanto, elas se reportam imediatamente aos objetos a que se referem. Alguns trabalhos em neurofisiologia já não falam mais em imagens, mas em objetos mentais. (VIRILIO, 1993, p.128) Esta denominação aproxima as noções de imagem às noções de simulação que fazem os videogames funcionarem. Alguns videogames estão tentando simular, ou dissimular, nossa capacidade perceptiva. Num nível mais simples, os jogos possuem agentes que simulam uma percepção: determinados objetos dentro dos jogos “percebem” a presença do jogador e desferem ações contra eles. Num nível mais complexo, entretanto, a integração de múltiplos agentes e a organização destes com intuito a atuar . Cf. Vilém FLUSSER, Filosofia da Caixa Preta, p. 13. Ressaltemos que Flusser faz essa proposição fundamentando-se na função cognitiva inerente ao homem (o fato de estar pensando é prova irrefutável de “o homem ‘existe’”), por isso dirá também que o propósito da imagem é representar.

A percepção envolve mecanismos demasiado complexos, principalmente se considerarmos a experiência humana. Aqui esboçamos alguns de seus aspectos, aqueles que serão de maior relevância para nossa pesquisa. Entretanto, o que se mostra cada vez mais evidente, é que a distinção entre sujeito e objeto é essencialmente temporal.

Configurando um sujeito a partir do tempo Tratamos até agora da relação entre sujeito e objeto a partir das interações que tecem entre eles no ato perceptivo. Assinalamos que as distinções entre eles se efetuam graças à ação da memória, daí a enunciação bergsoniana de que a memória é a principal componente de nossa subjetividade. Um sujeito, é de fato, o portador da ação potencial, mas também é habitado, ou portador do espírito que dirige tais ações. Assim como a ação, o espírito toma efeito, como veremos, graças ao tempo. Tratemos este, pelo menos inicialmente, como uma síntese de instantes, que nada mais são do que um pontos no tempo – pena a figura . Um ótimo exemplo desse tipo de inteligência artificial está em Splinter Cell e Deus EX, onde o jogador é estimulado a locomover-se furtivamente pelos ambientes, sem ser “percebido”, sobre a pena de enfrentar uma turba enfurecida de vigilantes, que dificilmente dará conta de exterminar.

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sobre nós, comunicação dos agentes para alertarem de nossa intromissão em seus domínios. Sob uma estreiteza de sentidos, podemos dizer que um videogame possui algum discernimento: ele qualifica, mesmo que quantitativamente, o grau de “visibilidade” do jogador, e sobre estes graus de visibilidade escolhe no seu banco de ações possíveis uma que seja adequada à situação. De um modo geral jogo procura perceber o jogador e não deixar que este lhe esgote. Jogos mais complexos utilizam dessas características sensórias para enfrentar o jogador com maior inteligência. Tão logo, os jogos tornaram-se cada vez mais espertos com cada salto na evolução tecnológica, graças a uma maior freqüência dos processadores, maior velocidade e quantidade de cálculos executados, o que, considerando as bases tecnológicas atuais, é fundamental para o intrincamento da inteligência artificial.

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do ponto ser reservada aos paradoxos do infinitamente divisível e da indivisibilidade. Contornaremos a problemática referente ao tempo instanciando este frente ao sujeito, mesmo porque, quando se diz que o tempo é subjetivo não se faz sem razão. A memória, como dissemos, opera uma contração das percepções, contração dos instantes percebidos. Cada instante é independente um do outro, no sentido de serem distintos. Entretanto, nós os contraímos em uma impressão, uma imagem (em sentido restrito, análogo à concepção psicofisilógica), dando a eles uma duração, condensando os instantes heterogêneos num todo coerente e homogêneo, sintetizando-os. Esta síntese dos instantes é, sob todos os aspectos, uma síntese do tempo – não necessariamente uma síntese dos instantes sucessivos, mas instantes contraídos. Esta síntese constitui o que podemos chamar de presente vivo, o presente em que o tempo se desenrola sempre como presente e que dá lugar às ações. Para este presente, o passado existe como o retido das contrações, como lembrança; e o futuro como expectativa da contração dos instantes. Passado e futuro, neste caso, não designam instantes distintos de um instante presente, mas dimensões do próprio presente.

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Sob todos os aspectos, esta síntese deve ser denominada síntese passiva. Constituinte, nem por isso ela é ativa. Não é feita pelo espírito, mas se faz no espírito que a contempla, precedendo toda memória e toda reflexão. O tempo é subjetivo, mas é a subjetividade de um sujeito passivo. A síntese passiva, ou contração, é essencialmente assimétrica: vai do passado ao futuro no presente; portanto, do particular ao geral e, assim, orienta a flecha do tempo. (DELEUZE, 1988, p. 128-129)

Esta passividade assinalada ao sujeito será observada mais de perto durante o desenvolvimento do texto. Entretanto é preciso relevar desde já que para Deleuze, os sujeitos são larvares, isto é, são suportes pacientes do dinamismo. Relevemos também uma outra distinção: Deleuze diferencia a contração operada pela imaginação de uma reflexão operada pela memória, esta amparada na contração efetuada pela imaginação – por isso diz que a síntese passiva precede de qualquer memória –, enquanto que para Bergson, como vimos anteriormente, a memória é o motor da contração. Deleuze toma como referencia a concepção de Hume, para quem a imaginação é um poder de contração, contraindo os casos,

O sujeito é ainda o agente, o portador da ação, mas ação potencial, em estado latente. Daí se dizer que são suportes pacientes do dinamismo. O estado passivo e contemplativo não se refere, então, a algo de alguma forma assimilável a uma matéria inerte, mas apenas um estágio anterior à ação. Um estágio composto de contemplações, de contração das contemplações; o que não deixa de ter, em certa medida, um caráter especulativo. Quando dizemos que o hábito é contração, não falamos, pois, da ação instantânea que se compõe com outra para formar um elemento de repetição, mas da fusão desta repetição no espírito que a contempla. É preciso atribuir uma alma ao coração, aos músculos, aos nervos, às células, mas uma alma contemplativa cujo papel é contrair o hábito. (DELEUZE, 1988, p. 133)

A contemplação guarda uma dimensão não ativa, mas constitutiva. O eu passivo contempla e contrai estas contemplações e disso se constitui. Os hábitos são eles próprios contrações e se contrai um hábito contemplando, objeta Deleuze à psicologia. O eu é formado de hábitos; é contraindo que somos hábitos – neste momento é que começa a se desenhar a subjetividade. Por isso a “a repetição nada muda no objeto que se repete, mas muda alguma coisa no espírito . “Doutrina filosófica desenvolvida especialmente pelo empirismo inglês, que explica o funcionamento de toda a vida mental humana a partir de associações, combinações, conexões de idéias com origem nas sensações proporcionadas pela experiência e pelos sentidos”. Associacionismo . In: DICIONÁRIO eletrônico Houaiss da língua portuguesa.

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os elementos os abalos, os instantes homogêneos e os funde numa impressão qualitativa interna. (DELEUZE, 1988, p. 128) Os casos contraídos na imaginação não permanecem menos distintos na memória ou no entendimento. “Mas a partir da impressão qualitativa da imaginação, a memória reconstitui os casos particulares como distintos, conservando o ‘espaço de tempo’ que lhe é próprio”. (DELEUZE, 1988, p. 129) Para Bergson, a imaginação “tem justament155) Fica a cargo portanto da divisão do movimento, algo que tem um caráter contrário à contração. Ainda, enquanto Bergson aponta erros no associacionismo, Deleuze encontra nesta doutrina uma “sutileza insubstituível”. Entretanto, a atuação da memória na formação da subjetividade é consoante às duas obras em questão, tanto que Deleuze recupera estes sentidos da concepção bergsoniana de memória, principalmente em relação ao passado que esta efetua, em Diferença e Repetição.

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que a contempla”. (DELEUZE, 1988, p. 127) Repetição dos instantes contraídos, as quais o espírito contempla e contrai, e contempla o que contrai. Assim, o espírito transvasa a novidade àquilo que contempla. Contemplar é transvasar, isto é, não apenas transferir, mas transformar. Contemplar é questionar. (...) As contemplações são questões e as contrações que nela se fazem e que vêm preenchê-la são afirmações finitas que se engendram como os presentes se engendram a partir do perpétuo presente na síntese passiva do tempo. (DELEUZE, 1988, p. 139)

As contrações sintetizam os instantes em tempo, isto é, as contrações dão uma duração às contemplações. Constitui o tempo como presente de certa duração, isto é ele se esgota e portanto passa. Mas sempre que um presente passa, é imediatamente sucedido por outro. É a partir de contemplações que se definem os ritmos, os tempos de reação: por isso que hábito se faz da contração das contemplações. Daí dizer-se que esta síntese do tempo é a síntese do hábito. É sobre este hábito que repousam o presente, a vida orgânica e psíquica, afirma Deleuze. Somos nossos hábitos, no sentido que somos aquilo conforme o que atuamos. O hábito é a própria maneira de ser, fazer e sentir. Entretanto, este eu que se forma não é um eu integral, mas um eu dissolvido, um espírito em estado múltiplo e fragmentado. Parece-nos interessante, a fim de melhor esclarecer a natureza destes eus passivos, relembrar algumas considerações de Nietzsche/Zaratustra sobre o ser: 22

Os sentidos e o espírito são instrumentos e joguetes; por detrás deles se encontra o nosso próprio ser. Ele examina com os olhos dos sentidos e escuta com os olhos do espírito. Sempre escuta e esquadrinha o próprio ser: combina, submete, conquista e destrói. Reina, e também é soberano do Eu. Por detrás dos teus pensamentos e sentimentos, meu irmão, há um senhor mais poderoso, um guia desconhecido. Chama-se “eu sou”. (NIETZSCHE, 2005, p. 41)

A descrição do ser anunciada por Zaratustra é em muitos sentidos análoga

O próprio ser se ri do teu Eu e dos seus saltos arrogantes. Que significam para mim esses saltos e vôos do pensamento? – diz. Um rodeio para meu fim. Eu sou o guia do Eu e o inspirador de suas idéias. (NIETZSCHE, 2005, p. 41)

Não só os sujeitos se constituem sobre as bases do eu, mas as própria ação subjacente ao sujeito fundam-se nas sínteses passivas, na medida em que se desenham a partir de um sujeito, ainda em estágio larvar. A ação só se constitui pela contração de elementos de repetição [repetição da imaginação – repetição dos instantes]. Acontece apenas que esta contração não se faz nela, mas num eu que contempla e duplica o agente. E para integrar ações numa ação mais complexa, é preciso que as ações primárias, por sua vez, desempenhem num ‘caso’ o papel de elementos de repetição, mas sempre em relação a uma alma contemplativa subjacente ao sujeito da ação composta. Sob o eu que age há pequenos eus que contemplam e que tornam possíveis a ação e o sujeito ativo. (DELEUZE, 1988, p. 135)

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aos eus passivos dos qual nos fala Deleuze – tal qual o eu, o ser contempla: esquadrinha, examina e escuta. Também contrai: combina, submete. Entretanto, lembremos que, o eu passivo não apenas contrai e contempla, mas também possui “[...] só se é o que se tem; é por um ter que o ser aqui se forma ou que o eu passivo é”. (DELEUZE, 1988, p. 139 – nosso grifo) Sob todos os aspectos, estas sínteses ou o ser são sub-representativos e dão testemunho do inconsciente.

Mas como passar de eus passivos a um sujeito ativo? A primeira síntese do tempo acima esboçada constitui o tempo como presente, onde passado e futuro são dimensões deste, onde o tempo não sai do presente, composto de suces- 23 sivos e distintos presentes. É bem verdade que nesta síntese do tempo não somos mais que hábitos, contudo, o hábito é justamente aquilo que não se pode contemplar, nunca se contempla. Assim, mesmo que já se possa esboçar uma subjetividade, não se desenha ainda uma identidade. É preciso que o presente cumpra sua pretensão e passe. Entretanto, o presente não passa por si só. O presente só passa graças ao passado que é, justamente, “o que faz passar o presente”. (DELEUZE, 1988, p. 142) O passado é reflexivo, e constitui-se pela memória. Reflexivo pois encontrase entre dois presentes: “aquele que ele foi e aquele em relação ao qual ele é passado. O passado não é um antigo presente, mas o elemento no qual este é

visado”. (DELEUZE, 1988, p. 142) O antigo presente e o atual presente não são instantes sucessivos no tempo, mas constituem dimensões deste. A reflexão, ou a contemplação do espírito sobre ele mesmo, ocorre por conta de um atual presente que se concentra sobre o antigo presente ao mesmo tempo que o forma. Este passado não é apenas retenção dos sucessivos presentes, mas reprodução do antigo presente. Reprodução que se dá pela memória através da representação dos antigos presentes, à semelhança dos antigos presentes. Se primeira síntese do tempo, relativa ao presente, constitui-se no hábito, esta segunda síntese, relativa ao passado, constitui-se na memória. E o que se designa síntese ativa da memória é a representação dos presentes sob os aspectos da reprodução do antigo presente e da reflexão do atual. Esta síntese ativa da memória funda-se na síntese passiva do hábito, pois esta constitui todo presente possível em geral. Mas ela difere desta profundamente [...] A síntese passiva do hábito constituía o tempo como contração dos instantes sob a condição do presente, mas a síntese ativa da memória o constitui como encaixe dos próprios presentes. (DELEUZE, 1988, p. 143)

O tempo é tomado então como a união ou a junção dos presentes, nem tanto por sucessão, mas antes por transposição e imbricamento de um no outro. Cabenos relevar que esta síntese ativa da memória funda-se na síntese passiva do hábito, mas encontra seu fundamento na síntese passiva da memória, sob a forma pura do tempo, a qual retomaremos adiante. É sobre as sínteses passivas que se articulam as sínteses ativas. Sobre as contemplações dos eus é que se desenham 24 as ações dos sujeitos. Mas o que determinaria tal mudança? A memória, efetivamente, dá os primeiros passos em direção ao sujeito, na medida em torna possível a instalação da consciência, apesar desta precisar de algo além da memória para se realizar. Entretanto, é responsável apenas em parte por uma característica que julgamos essencial na constituição de um su A distinção estóica entre os signos naturais e os signos artificiais nos exprime esta diferença exemplarmente: “a cicatriz é o signo, não da ferida passada, mas do ‘fato presente de ter havido uma ferida’[...] São naturais os signos do presente, que remetem ao presente no que eles significam [...] São signos artificiais, ao contrário, os signos que remetem ao passado ou ao futuro como dimensões distintas do presente [...] tais dimensões implicam sínteses ativas, isto é, a passagem da imaginação espontânea às faculdades ativas da representação refletida, da memória e da inteligência.” (Gilles DELEUZE, Diferença e repetição, p. 139.)

[...] A prova de realidade mobiliza e anima, inspira toda a atividade do eu: não tanto sob a forma de um juízo negativo, mas sob a forma no ultrapassamento da ligação na direção de um ‘substantivo’ que serve de suporte ou liame. (DELEUZE, 1988, p. 168)

A ligação que aqui se pronuncia é a ligação das excitações, o que não deixa de ser a contração ou síntese destas, porém em nível mais complexo, como a contração de contrações precedentes, constituindo integrações, ou organizações das sínteses passivas. Estas integrações acabam por constituir, ou melhor, reproduzir excitações esparsas e difusas numa superfície privilegiada. Por exemplo, a visão se constitui da integração de estímulos luminosos sobre um órgão determinado, o olho. Substantivo pois designa algo, expressa uma substância. Não será por isso que se enunciam as realidades objetivas, e não será isto também redundância?

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jeito, a capacidade de ação. É a “prova de realidade” numa relação sujeito-objeto que define a síntese ativa.

Por várias vezes define-se a realidade como tudo aquilo que transborda o sujeito. Mas isso se dá, também, mais profundamente numa dimensão temporal do que espacial. A consciência de um sujeito é constituída principalmente por sua memória, como diz Bergson, portanto no passado. A realidade, entretanto, se passa entre presentes. Os objetos se organizam no tempo presente, no sentido que atuamos sobre eles num tempo presente, entretanto distinguem-se e ganham contornos em nossa consciência, num tempo passado. Nem por isso, 25 poderíamos averiguar às nossas memórias um caráter irreal, afinal, elas são, sob este aspecto, antigos presentes. Somos sujeito diante de um objeto, mas algo preexiste à relação objetal. Entretanto, nossa concepção usual de sujeito, assenta-se sobre um espírito, este sim possuidor de uma identidade ultima, de uma unidade. É sobre este sujeito, digamos um sujeito pleno, que recaem as determinações de um sujeito cultural, sujeito às máquinas coletivas de produção de subjetividade. Bergson nos diz que “o corpo, sempre orientado para a ação, tem por função essencial limitar, em vista da ação, a vida do espírito”. (BERGSON, 1999, p. 147) Entretanto, esta ação parece ser inspirada pelo principio de prazer. Nos aproxi-

mamos mais ou menos de um objeto na proporção em que ele nos promete um prazer ou nos inflige uma punição. A ação regulada pelo principio de prazer visa sempre a obtenção de prazer ou, ainda, evitar as dores. Mas nossos prazeres encontram mais obstáculos para sua efetuação do que as dores, graças à inquietação da alma. É a inquietação da alma que multiplica a dor; é ela que a torna invencível, mas sua origem é outra e bem mais profunda. Ela se compõe de dois elementos: uma ilusão vinda do corpo, ilusão de uma capacidade infinita de prazeres; depois uma segunda ilusão projetada na alma, ilusão de uma duração infinita da própria alma, que nos entrega indefesos à uma idéia de infinidade de dores possíveis depois da morte. (DELEUZE, 2000, p. 280)

Não há duvida que estas formulações incidem diretamente sobre nossas concepções de desejo, mas como nossos desejo recaem sobre os objetos? Qual a seria a ligação entre estes e a prova de realidade? Se há algo que anima o ser, parece-nos que deve ser o desejo, o qual passando pela prova de realidade recai sobre os objetos. Desejar algo é como colocar a “alma” em algum corpo. O corpo de um objeto de desejo. Objeto, pois se trata de algo aparte do ser desejante, mas que não deixa de se identificar com este. Obviamente nosso desejo recai sobre os objetos, na medida em que nunca se deseja o Eu. Se isto acontece, o Eu é tomado por Outro. Desejamos aquilo que não temos. O desejo, mesmo recaindo sobre os objetos que percebemos conscientemente, é da ordem do inconsciente. 26

Até o momento, concluímos que um sujeito é configurado enquanto tal diante de um objeto, confirmando, portanto, o que classicamente conhecemos por sujeito e objeto. O sujeito é o agente, o que atua ou agencia. Entretanto, demonstramos que este sujeito é também a manifestação e um Eu, ou de pequenos eus passivos. E quanto aos objetos, como dissemos de saída, existe uma outra classe de objetos que não pode ser submetida integralmente à prova de realidade, os objetos virtuais. Estes, encontram-se efetivamente plantados nos objetos reais. Passam, portanto, também pela prova de realidade, porém de maneira diversa aos objetos reais. Esta prova de realidade, que configura o campo perceptivo e distribui os objetos pelo espaço, é do que iremos nos ocupar agora.

“Não é o eu, é outrem como estrutura que torna a percepção possível” (DELEUZE, 2000, p. 318), diz Deleuze. Isto é, a percepção ocorre, factualmente, no eu, mas só ocorre porque existe outrem. Contudo, este outrem de que se fala não é algo ou alguém que encontra-se fora do âmbito do sujeito; nem objeto no campo de percepção, tampouco um outro sujeito que me percebe.10 Outrem “é, em primeiro lugar, uma estrutura do campo perceptivo, sem a qual este campo no seu conjunto não funcionaria como o faz”. (DELEUZE, 2000, p. 316) Esta estrutura é levada a cabo por sujeitos reais, mas preexiste como condição de organização dos termos que a atualizam: os campos perceptivos dos sujeitos. É por outrem que se funda a relatividade nos campos perceptivos. Um objeto só existe de determinada forma mediante uma determinada percepção, isto é, o objeto existe como percebemos em função de nossa percepção individual, da organização de nosso campo perceptivo particular. Ora, não é verdade que apenas com grande esforço somos capazes de perceber o que para outrem é tido como óbvio e vice-versa? Outrem determina a quebra de um mundo absoluto em favor de um mundo relativo. Já não há um mundo de realidade absoluta, mas apenas realidades possíveis. O possível, aqui, não dado por aquilo que não é real; ao contrário, o possível possui plena realidade, mas apenas para o campo perceptivo que o configura. Cada um destes homens era um mundo possível, bastante coerente, com seus valores, seus focos de atração e repulsão, seu centro de gravidade. Por mais diferentes que fossem uns dos outros, estes possíveis tinham atualmente uma pequena imagem da ilha – quão sumária e superficial! – em torno da qual se organizavam e num canto da qual se encontravam um naufrago chamado Robson e seu servidor mestiço. Mas, por mais central que fosse essa imagem, ela era em cada qual marcada com o signo do provisório, do efêmero, condenada a voltar no mais breve prazo para o nada de onde a retirara o naufrágio ocidental do Whitebird. E cada um desses mundos possíveis proclamava ingenuamente sua realidade. Isso é que era outrem: um possível que se obstina em passar por 10 Mesmo a teoria de Sartre, tida como a primeira grande teoria de outrem, ao considerar este como estrutura, recaía nas categorias de objeto e sujeito, definindo outrem a partir do olhar: “outrem é um objeto sob meu olhar que me olhe, por sua vez, e me transforme em objeto”. Deleuze argumenta que outrem precede o olhar e que este vem, antes, marcar o instante em que tal estrutura é preenchida, efetuada. Cf. Lógica do sentido, pp. 316-319.

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Outrem como estrutura do campo perceptivo

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real. (TOURNIER, 1967, p. 192, apud DELEUZE, 2000, p. 317)

Outrem, como estrutura do campo perceptivo, faz com que o objeto que detém minha atenção se estenda aos demais, se avizinhe a outros objetos. Cria franjas e margens que fazem com que objeto repouse sobre o fundo, possibilitando a transição entre o objeto que se destaca no meu campo perceptivo aos demais objetos que figuram ao fundo. O objeto que não percebo, ou o que não percebo de determinado objeto é percebido por outrem. “Em suma, outrem assegura as margens e as transições no mundo. Ele é a doçura das contigüidades e das semelhanças. Ele regula as transformações da forma e do fundo” (DELEUZE, 2000, p. 315) e assim relativiza o mundo, eliminando a oposição brutal entre o sujeito e o objeto. Em sua definição mais sintética, outrem constitui um de bolhas conjunto de bolhas que contém mundos possíveis. O que acima esboçamos pode ser considerado o efeito espacial de outrem. Mas, “o efeito fundamental é a distinção entre minha consciência e seu objeto”. (DELEUZE, 2000, p. 319) Esta distinção é essencialmente temporal, na medida em que o sujeito é sempre passado de seus objetos. A contemporaneidade entre

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“sujeito” e objeto existe apenas enquanto o primeiro não se encontra plenamente constituído, mas ainda em estado potencial, repousando sobre um eu passivo, este sim, contemporâneo dos objetos, ou antes, da matéria. Sujeito e objeto se dão simultaneamente, mas de forma alguma são contemporâneos, não compartilham o mesmo tempo. O sujeito se configura no passado, como passado de seus objetos. Define-se sobre a síntese passiva presente do habito, mas distancia-se dessa ao tornar-se ativo. A ação desenvolve-se no presente, mas o ato de vontade que organiza a ação é passado, é anterior ao presente da ação. Deleuze irá ressaltar o caso da ausência de outrem através da releitura de Tournier do romance Robson Crusoé de Daniel Dafoe, onde a esta estrutura vai gradativamente desaparecendo. O efeito essencial da ausência de outrem é a indistinção da consciência e seu objeto, pois neste caso, ambos coincidem num eterno presente. “A consciência deixa de ser uma luz sobre os objetos para se tornar uma pura fosforescência das coisas em si”. (DELEUZE, 2000, p. 321) Reconhecemos que num videogame, ou pelo menos em alguns tipos deles, afinal

Objetos virtuais

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para cada gênero de jogo confere-se uma certa temporalidade, que estas relações se dão de modo análogo. Um efeito concreto disso é observado no estado de absorção em que o jogador pode chegar, o que podemos considerar um estado de percepção, e conseqüentemente de consciência, alterada. É comum que neste estado o jogador simplesmente se “esqueça” do tempo, esquece o mundo exterior. O jogador praticamente confunde-se ao jogo, confunde-se aos objetos virtuais no presente vivo do jogo.

Mas como havíamos dito, os objetos reais não esgotam as relações objetais. Eles referem-se à formação de um sujeito, mas no caso de um eu não se ultrapassar enquanto síntese passiva, este servirá da excitação ligada para atingir outra coisa. A atividade nasce, com efeito, com vistas a atingir um determinado objeto no campo perceptivo, do qual nos aproximamos ou repelimos, mas sob o sujeito ativo insistem os eus passivos, que constituem para si um outro tipo de objeto, “objeto ou foco virtual que vem regar ou compensar os progressos, os fracassos de sua atividade real”. (DELEUZE, 1988, p. 170) Nestes casos a ação executada é 29 para fornecer um objeto virtual, o foco de contemplação. Exerce-se a ação sobre objetos “reais” para criar, acessar um objeto virtual. [...] A partir da síntese passiva de ligação, a partir das excitações ligadas, a criança se constrói sobre uma dupla série. Mas as duas séries são objetais: a dos objetos reais, como correlatos da síntese ativa, e a dos objetos virtuais, como correlatos de um aprofundamento da síntese passiva. É contemplando os focos virtuais que o eu passivo aprofundado se preenche agora com uma imagem narcísica. Uma série não existiria sem a outra; e, todavia, elas não se assemelham. (DELEUZE, 1988, p. 170)

Objetos reais e virtuais, deste modo, constituem-se um ao outro, solicitando e alimentando-se uma da outra. Diz Deleuze que os objetos virtuais são destaca-

dos dos objetos reais ao mesmo tempo em que são incorporados a estes. Isto é, destaca-se do objeto real uma pose, uma cena (por que não uma imagem?), mas esta “parte” adquire uma outra natureza a partir do momento que começa a funcionar como objeto virtual, simultaneamente inserido no objeto real, podendo “corresponder a partes do corpo do sujeito ou de uma outra pessoa, ou mesmo a objetos muito especiais do tipo brinquedo, fetiche” (DELEUZE, 1988, p. 172 – nosso grifo), ou seja, atribui-se ao objeto um “poder mágico”. “Mas o importante é que nenhum desses focos é o eu”. (DELEUZE, 1988, p. 170) O eu é o que se desenha na interseção destes dois focos, entre o objeto real e o objeto parcial. O objeto virtual é um “objeto parcial”. Não por sua origem, mas por não estar submetido ao caráter global que a que os objetos reais estão submetidos. Isto é ele falta com a generalidade, e com isso falta à sua própria identidade, ao se fender em duas partes virtuais, onde os duplos liberados não permitem a identificação global ou a integração do objeto.11 Mesmo sua volta ao objeto real não consegue suprimir-lhe sua parcialidade: ele subsiste no objeto real dando testemunho de uma virtualidade, que foge à identidade do objeto. O objeto virtual é essencialmente passado. Entretanto:

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O objeto virtual não é um antigo presente, pois a qualidade do presente e a modalidade de passar afetam agora de maneira exclusiva a série do real enquanto constituída pela síntese ativa. Mas o que qualifica o objeto virtual é o passado puro, [...] contemporâneo de seu próprio presente, preexistindo ao presente que passa e fazendo passar todo presente. O objeto virtual é um trapo de passado puro. (DELEUZE, 1988, p. 173)

Estendamo-nos um pouco sobre este passado puro. Só o presente existe. Mas o presente passa. Nossa idéia de passado é possível graças à memória, porque reproduzimos os antigos presentes enquanto contemplamos a produção do presente atual. “O passado é por essência o que não atua mais” diz Bergson (1999, p. 51), para quem entre o passado e o presente desenha-se uma diferença de natureza, daí também sua refutação quanto a qualquer concepção que considere 11. Entre as pp. 171-172 Deleuze define esta parcialidade e usa como exemplo os “a boa mãe e a má, o pai sério e o pai brincalhão”. Não devemos aqui creditar um caráter contraditório entre os duplos, pelo que sugere o exemplo; os duplo exprimem apenas potencialidades de determinado objeto, apenas liberados quando o objeto deixa de conferir à sua identidade, geralmente proveniente de uma catástrofe que bota a representação em falência.

Devemos distinguir então duas sínteses de ligações distintas: uma um sujeito em relação a um objeto real e na outra um eu passivo frente a um objeto virtual. Na primeira, o sujeito é passado em relação ao objeto. Na segunda, o objeto

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a diferença entre memória e percepção seja apenas de grau (Bergson se manifesta contundentemente contra consideração a memória como uma percepção mais fraca). “A Memória é a síntese fundamental do tempo que constitui o ser do passado (o que faz passar o presente)”. (DELEUZE, 1988, p. 142) O passado, de fato, não existe, afinal só existe aquilo que está presente. Mas insiste no antigo presente e consiste com o atual presente. Quando dizemos que o passado é contemporâneo do presente que foi, isto é, o passado não se constitui depois que um novo presente aparece. Só o presente existe, portanto, é ao mesmo tempo que o presente se desenha, que se desenha também o passado. Mas ainda, o passado coexiste com o presente novo, assim como nossas lembranças (as imagens passadas) coexistem com presentes. “Ele é o em-si do tempo como fundamento último da passagem. É nesse sentido que ele forma um elemento puro, geral, a priori, de todo tempo”. (DELEUZE, 1988, p. 145) O passado puro é dotado de uma “universal mobilidade”, ele está concomitantemente presente em todo lugar.

virtual é passado em relação ao eu. Deste modo, sujeito e objeto são sempre simultâneos, porem não são contemporâneos. Façamos aqui uma ressalva sobre a interseção da teoria de outrem como estrutura que configura o campo perceptivo e a teoria dos objetos virtuais em Deleuze: para a teoria dos objetos virtuais “nenhum desses focos é o eu”, ou seja, os objetos (virtuais ou reais) e o eu não se 31 confundem. Mas “na ausência de outrem, a consciência e seu objeto não fazem mais do que um [...] faltando em sua estrutura, ele deixa a consciência colar ou coincidir com o objeto num eterno presente”. (DELEUZE, 2000, p. 320) Colar ou coincidir não pode ser tomado no sentido de integrar, fazer parte de um mesmo corpo, mas no sentido de tornar a relação imediata. Existe, sempre, uma certa distinção entre o sujeito e objeto; mesmo os eus contemplativos “colados” aos objetos, dele se distinguem, mesmo que não tenham consciência disso. Como falta a si próprio, por estar sempre ausente, “ele não está onde está onde está a não ser com a condição de não estar onde não deve estar”. (DELEUZE, 1988, p. 173) Que esta frase seja, sobre muitos aspectos, manhosa, ela ainda sim nos dá testemunho da eterna falta que se faz este objeto. Daí a furtivi-

dade exemplar que remonta este objeto. Lacan mostra que os objetos reais, em virtude do princípio de realidade, estão submetidos à lei de estar ou de não estar em alguma parte, mas que o objeto virtual, ao contrário, tem a propriedade de estar e de não estar onde ele está, onde ele vai. (DELEUZE, 1988, p. 170)

Deleuze desenvolve também a relação entre as pulsões sexuais – inseparáveis na constituição dos focos virtuais, apoiando-se notadamente nas teorias lacanianas e freudianas – e a memória (o modo erótico do passado puro, e o imemorial da sexualidade). Encontra nessa relação bases para a constituição da repetição, apontando a fundação dos disfarces (nos quais a repetição se constitui e os quais constitui) no deslocamento dos objetos virtuais entre as séries reais. Tais concepções apontam rumo às relações entre a pulsão sexual e o instinto de morte, sob o contexto das repetições no eterno retorno. Entretanto, preferimos abordar algumas destas relações através das construções desenvolvidas acerca dos simulacros. De fato, em ambos os casos, o que se desenvolve é a mesma concepção, visto que o objeto virtual, como veremos adiante, é da ordem do simulacro. Mas utilizando esta segunda via, procuramos contornar as dificuldades proporcionada pela interpretação deleuziana de termos psicológicos, que fugiriam ao escopo desta pesquisa. O objeto virtual é simbólico, no sentido em que “o símbolo é o fragmento sempre deslocado, valendo por um passado que nunca foi presente”. (DELEUZE, 32 1988, p. 175) Está sempre se deslocando por entre as séries (séries reais, ou seja, séries presentes, seja este antigo ou atual), mas também é deslocado em relação a si mesmo, afinal, “ele não está onde esta...”.12 Por isso, o objeto virtual não pode ser tratado como termo último ou original, sob a pena de lhe conferir-lhe um lugar fixo e uma identidade. É por esse caráter simbólico que podemos associar os objetos virtuais aos simulacros. O símbolo é, com efeito, um tipo de signo. Em breve retomaremos esta proposição. É fato que nossa consciência repousa o desejo sobre os objetos. Mas é o inconsciente quem deseja. É verdade que o inconsciente deseja e nada faz senão desejar. Mas, ao mesmo 12. Destes deslocamentos é que se constituem as repetições.

É neste sentido que dizíamos já em nosso projeto que os objetos virtuais não são objetos do desejo, objetos sobre o qual recaem os desejos, mas antes objetos de experimentação do desejo. Nestes objetos, o desejo passa a figurar como causalidade interna. O desejo não pode apenas recair sobre os objetos virtuais, pois estes se furtam à prova de realidade, isto é, não pode ser conhecido. Neste sentido, Pimenta afirma que: [...] A realidade é baseada na palavra res, que significa ‘coisa’, e a coisa é aquilo que é conhecido. Veja, a palavra res baseia-se na palavra rere, que significa pensar, e a coisa é essencialmente, aquilo sobre o qual você pode pensar. Portanto, a realidade é apenas aquilo que o homem pode conhecer. (PIMENTA, 1999, p. 257)

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tempo que o desejo encontra o princípio de sua diferença com relação à necessidade do objeto virtual, ele aparece não como uma potência de negação, nem como elemento de uma oposição, mas sobretudo como uma força de procura, uma força questionante e problematizante que se desenvolve num outro campo que não o da necessidade e da satisfação. (DELEUZE, 1988, p. 180)

O objeto virtual não se configura como um objeto no campo perceptivo, não é dotado da materialidade que se observa em todos os objetos do campo perceptivo. Entretanto, podemos desprender dele uma imagem, conferindo-lhe uma materialidade. Assim, ele se insere nos objetos reais e manifesta-se animadamente nos aparelhos e nos objetos para jogar. Não podemos conhecê-lo como um objeto distinto de nosso corpo, contudo isso não nos permite dizê-lo uma afecção: nenhum desses focos é o eu, afirma contundentemente Deleuze. 33 A memória implica numa síntese ativa do tempo. É por sua capacidade de reproduzir os objetos que incide diretamente sobre a representação: a memória torna o passado em presente, re-presenta os objetos não presentes, não como reais ou existentes, mas intercalado nestes. Contudo, o faz a partir da síntese passiva do hábito, na medida em que para tornar um objeto presente novamente, este precisa estar presente em algum momento. Seu fundamento13, entretanto, provém de uma síntese passiva da memória, esta supõe um passado puro como substrato ou plano de troca. De modo geral, quando se fala em sínteses passivas, fala-se de involuntariedade e de hábito, aquilo que se faz ou não se pode refletir; as sínteses passivas são sub-representativas. Quanto a esta síntese passiva da 13. Uma importante diferença existe entre o fundamento e a fundação.

memória, devemos relevar que a reminiscência, mais que uma lembrança virtuosa – como mito da circulação das almas no platonismo, lembrança de uma verdade contemplada pela alma no período de desencarnação, que ao tornar à consciência se evidencia como o fundamento de todo o conhecimento humano – figura também como anamnese, ou o ânimo da memória. Se há um em-si do passado, a reminiscência é seu número ou o pensamento que o investe. A reminiscência não nos remete simplesmente de um presente atua a antigos presentes [...] O presente existe, mas só passado insiste e fornece o elemento em que o presente passa e em que os presentes se interpenetram. (DELEUZE, 1988, p. 149-150)

A memória, com efeito, é o fundamento do tempo, é ela que faz o tempo passar, empurrando o presente para dentro da vala que cria ao se arrastar, fazendo do presente o passado. O futuro só pode ser considerado uma expectativa do ponto de vista de uma consciência formada que espera e reconhece, de alguma forma, a causalidade. Mas, antes, o futuro é de um vazio incognoscível. Se o passado é, ou melhor, pode ser preenchido por antigos presentes, o futuro não pode, sob hipótese alguma, ser preenchido. Se no passado depositamos antigos presentes, ou fragmentos de presentes, aptos a serem ressuscitados em um atual presente, o futuro apenas nos mostra uma potencialidade de efetuações, potencialidade de presentes, entretanto, nenhum deles integrados à série dos reais. O futuro é potencial e apenas expressa potencialidades. Se o passado puro constitui o objeto virtual e a ação apenas se efetua no presente, o futuro é da 34 ordem do vazio, do vazio do tempo, vazio que possibilita e fundamenta o jogo. O jogo é uma expressão, sem objeto que o exprima, do vazio do tempo.

O objeto virtual tecnológico Efetivamente, as tecnologias digitais de informação produziram mudanças significativas em nossa percepção de espaço e tempo. Mudanças dessa magnitude nos deixam, de fato, aturdidos – cenário ideal para que complicações de toda ordem apareçam. O que acima esboçamos do objeto virtual muito pouco,

A palavra ‘virtual’ pode ser entendida em ao menos três sentidos: o primeiro, técnico, ligado à informática, um segundo corrente e um terceiro filosófico. [...] no uso corrente, a palavra virtual é muitas vezes empregada para significar a irrealidade - enquanto a “realidade” pressupõe uma efetivação material, uma presença tangível. Em geral, acredita-se que uma coisa deva ser real ou virtual, que ela não pode, portanto, possuir as duas qualidades ao mesmo tempo. Contudo, a rigor, em filosofia o virtual não se opõe ao real mas sim ao atual: virtualidade e atualidade são apenas dois modos diferentes da realidade. Se a produção da árvore está na essência do grão, então a virtualidade da árvore é bastante real (sem que seja, ainda, atual). (LÉVY, 1996, p. 47)

Assim, façamos uma distinção entre o objeto virtual e o que podemos chamar de objeto virtual tecnológico, onde este segundo pode corresponder tanto à efetivação nas mídias informático-digitais do objeto virtual de que nos ocupamos anteriormente, quanto a transposição de objetos reais para o ciberespaço. Evidentemente, neste segundo caso, uma denominação mais razoável utilizaria o termo ‘eletrônico’, em vez de ‘virtual’, como em comércio eletrônico ou direito eletrônico.

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ou nada, se parece com a noção que comumente se tem, que o produtor quer que o usuário tenha, ao tomar contato com denominações daquilo que habita ou incide sobre o ciberespaço, como por exemplo comércio virtual e direito virtual.

O virtual é uma dimensão do real, e não um substituto deste. Quando se fala em realidade virtual, obviamente se refere à conjugação de diversos aparelhos tecnológicos para a simulação de experiências em que o usuário visualiza imagens virtuais e interage com elas através de dispositivos como datagloves ou 35 capacetes de visualização 3D (PARENTE, 1993, p.287-288), mas, com mais perspicácia, fala-se na integração destes dois termos. O essencial não está na precedência de um dos termos sobre o outro, mas na articulação deles em único sistema. Prolongamento por contigüidade da ação do real sobre o virtual ou o inverso, o composto real/virtual, mais uma vez designado, insiste na sua agregação. Ele testemunha uma tendência a prolongar os objetos pelo imaginário – por meio de próteses feitas por um composto imaterial exprimindo potencialidades desatreladas – a dilatar sua conformação material e funcional. ( WEISSBERG, 1993, p. 121)

A realidade virtual é, efetivamente, uma técnica de representação, mas não é uma técnica de representação qualquer: nela a imagem não é apenas figurativa,

mas também funcional. Sob este aspecto, podemos até dizer que a realidade virtual, na qual se baseiam muitos videogames contemporâneos, é e não é representativa. Levemos em consideração a diferenciação empreendida por Rossi entre a realidade virtual sintética e a realidade virtual integral. Configuram-se, desta forma, dois tempos distintos que são dois campos da realidade virtual: a realidade virtual sintética e a realidade virtual integral. A realidade virtual sintética é o que nos vem à mente imediatamente: desenhos simples feitos pelo computador, projetos em 3D, tratamentos de imagens, por exemplo. A realidade integral, ou seja, o sentido do virtus, a potencialidade e a profunda transformação pela qual estamos passando neste novo milênio. Na realidade virtual sintética temos a ilusão de que o que vemos está longe de nossa realidade, ou do que chamamos de real, do nosso cotidiano, dos nossos hábitos e dos valores que damos à própria vida. Isso, na verdade, faz parte de um outro complexo que estamos chamando de realidade virtual integral, estruturada pela hiperinformação em tempo real, mudando completamente toda a estrutura do já existente, ou seja, daquilo que chamamos real. (ROSSI, 2003, p. 69)

É sobretudo a esta realidade virtual sintética a que corresponde o objeto virtual tecnológico. Estes são modelos, matrizes numéricas que sintetizam e simulam o objeto a partir de leis racionais. A este objeto concerne uma imagem de síntese, a imagem que se desprende do processamento desse modelo, traduzindo este em pixels num monitor de vídeo. Diz-se que a imagem de síntese é virtual por não remeter a nenhum real preexistente, porém, mais relevante, nos parece, em sua distinção das outras imagens dentro dos limites da representação o fato 36 de que esta imagem constitui-se mutuamente ao seu modelo, num movimento incessante entre imagem e modelo. A realidade virtual sintética nos dá coisas a ver, entretanto, é a realidade virtual integral que a estrutura e anima. Assim como a palavra objeto pode se estender a qualquer realidade investigada em um ato cognitivo, a expressão objeto virtual estende-se por um domínio amplo de significações, podemos considerá-los desde um dos agentes de um jogo até o jogo como um todo, conforme o que diz Weissberg para um caso mais geral. A base dessas redistribuições é a constituição de objetos virtuais numericamente modelizados, e tornados por isso mesmo sensíveis ao seu meio ambiente. É precisos tomar a noção de objeto num sentido bastante largo. Pode-se

tratar-se tanto de teclas, de circuitos eletrônicos, de espaços construídos, de paisagens naturais, de fenômenos físicos (ondas do mar, furacões, turbulências aerodinâmicas etc.), de moléculas químicas, de espécies vegetais como de sistemas mais abstratos como a economia nacional ou um confronto estratégico militar. ( WEISSBERG, 1993, p. 119) ANIMA | O Design de Relações e a Linguagem dos Jogos Eletrônicos

O objeto virtual tecnológico faz a função, por vezes, de um objeto liminar14, objeto que se comporta como porta, um facilitador de acesso à realidade virtual a ser explorada. O mecanismo mais comum desses objetos é caracterizado por repetir-se dentro e fora, dentro da simulação e fora dela, no mundo real, fazendo deste objeto o elo entre a simulação e a realidade, através de uma ação que se imprime num deles e que se sente no outro, numa correspondência biunívoca. Um bom exemplo é encontrado nos volantes acoplados aos simuladores de corridas: o carro simulado responde aos movimentos que aplicamos ao volante “real”, e este simula o retorno de forças que as rodas aplicam ao volante. Outros objetos podem desenvolver esta função, tal como um mouse pode transfigura-se em pistola (obviamente, não tão facilmente quanto um dispositivo dedicado, como uma pistola de laser). Encontramos outro bom exemplo desses objetos na flor da obra La plume et le pissenli de Edmond Couchot e Michel Bret exposta na Mostra Zonas de interação na qual se soprava uma flor ligada a um computador e na tela viam-se os aquênios voar com o vento. De acordo com o ânimo empregado no sopro os aquênios caem mais rapidamente, ou mais lentamente.15 “[...] age-se“realmente” sobre o virtual, e aqui, ainda por cima, experimenta-se “realmente” o efeito virtual”. ( WEISSBERG, 1993, p. 121) 37 “É a experiência de usar objetos, e de vê-los funcionar como deveriam em nossas próprias mãos, que cria a sensação de sermos parte do mundo”, diz Murray (2003, 113) sobre os objetos virtuais. Sob este ponto de vista, o objeto virtual deve ser convincente, disposto no mundo virtual, seu comportamento deve alterar a realidade em que se insere, tal como um objeto no “mundo real” interfere no real, interfere no espaço. Mas mesmo numa experiência exploratória 14. O primeiro contato que tivemos com a expressão foi pelo trabalho de Murray, entretanto, desviamos um pouco dela. Murray considera o próprio computador, os joysticks, o objeto liminar. Não descordamos disto, entretanto, parece que esta definição se ultrapassa no sentido de afirmar o objeto virtual tecnológico. Na concepção de Murrey, o objeto liminar tem também a função de manter uma parte de nós aparte do mundo artificial. 15. Mais informações sobre esta obra estão disponíveis no site da mostra:

moldada à semelhança da experiência real, por exemplo numa simulação com considerações físicas de gravidade, é possível dar a estes objetos, características divergentes de uma semelhança irrestrita com a realidade, criar objetos que desafiam as leis da física e nos proporcionam novas formas de se relacionar como o espaço.

Simulação A operação da simulação nunca cessou, diz Weissberg, “fazer parecer real o que não é” foi invocado desde a escultura grega, e mesmo no apogeu do movimento barroco. A simulação tem por significado o fingimento, o disfarce; fazer parecer real, é sob o mais comum dos casos, imitar a imagem que o real tem. Neste momento, torna-se interessante desdobrarmo-nos um pouco mais sobre as concepções de imagem. Reconhece-se em Platão a distinção de dois tipos de imagem: as cópias e os simulacros. As cópias são possuidoras em segundo lugar, pretendentes bem fundados, garantidos pela semelhança; os simulacros são como os falsos pretendentes, construídos a partir de uma dissimilitude, implicando uma perversão, um desvio essenciais. (DELEUZE, 2000, p. 262)

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A pretensão que se assinala às cópias e aos simulacros é em relação à Idéia, no sentido em que a imagem tenciona reproduzir a Idéia, sendo a semelhança a medida dessa pretensão. Reprodução que é essencialmente uma tradução, na medida em que as idéias são imateriais e as imagens, como nos mostrou Bergson, constituem a materialidade – tradução das Idéias em objetos, qualidades. A cópia é um pretendente bem fundado pois imita, ou reproduz, as relações e proporções internas da Idéia, funda-se na Idéia. Consideremos agora a outra espécie de imagens, os simulacros: aquilo a que pretendem, o objeto, a qualidade etc., pretendem-no por baixo do pano, graças a uma agressão, de uma insinuação, de uma subversão, ‘contra o pai’ e sem passar pela Idéia. Pretensão não fundada, que recobre uma dessemelhança assim como um desequilibro interno. (DELEUZE, 2000, p. 262-263)

[...] O simulacro implica grandes dimensões, profundidades e distâncias que o observador não pode dominar, é porque não as domina que ele experimenta uma impressão de semelhança. O simulacro inclui em si o ponto de vista diferencial; o observador faz parte do próprio simulacro, que se transforma e se deforma com seu ponto de vista. (DELEUZE, 2000, p. 264)

Apontamos anteriormente que os objetos virtuais, em virtude de seu caráter simbólico, são da ordem dos simulacros. Entretanto, Deleuze não utiliza o termo a fim de categorizar o signo, o símbolo como signo arbitrário, mas o emprega para designar a dinâmica dos signos entre as séries nas quais se insere. Dos sistemas sinal-signo é que se constroem as bases para o símbolo e o simulacro.

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Os simulacros são, portanto, imagens que se insinuam sobre a Idéia sem, no entanto, ter com elas semelhança. Devemos reforçar que nisto consiste a diferença de natureza entre a cópia e o simulacro; não se fala em uma diferença de grau – pouco importa serem as cópias mais semelhantes à Idéia do que são os simulacros – fala-se na ausência de semelhança. Mesmo que o simulacro produza alguma semelhança, esta é apenas um reflexo de seu funcionamento, um efeito exterior, e não a semelhança de uma idéia mal imitada, ersatz.

Chamamos ‘sinal’ um sistema dotado de dissemetria, provido de disparatadas ordens de grandeza; chamamos ‘signo’ aquilo que se passa num tal sistema, o que fulgura no intervalo, qual uma comunicação que se estabelece entre os disparates. O signo é um efeito, mas o efeito tem dois aspectos: um pelo qual, enquanto signo, ele exprime a dissemetria produtora; o outro, pelo qual ele tende a anulá-la. O signo não é inteiramente a ordem do símbolo; todavia, ele a prepara, ao implicar uma diferença interna (mas deixando no exterior as 39 condições de sua reprodução).” (DELEUZE, 1988, p. 50)

Os ditos disparates são as séries heterogêneas (no caso do objeto virtual, estas tomam corpo como séries reais), que ficam à margem, permanecem exteriores ao sistema. Entretanto, entre estas séries se produz uma ressonância interna – elas vibram à mesma freqüência, é efetuada transferência de energia de uma de uma série à outra, produzindo um “movimento forçado”, movimento este que altera as séries implicadas. Um símbolo, e o simulacro, passam a existir a partir do momento em que as séries são complicadas ao sistema, isto é, no momento em que se incluem suas condições de reprodução. Este movimento manifesta-se também num objeto virtual, onde as séries são efetuadas pelos objetos reais. O

resultado é, efetivamente, uma repetição.16 Assim dizemos, pois há neste deslocamento entre as duas séries, deslocamento das séries e dos signos, a constituição de disfarces, do qual se constitui a repetição. O próprio do objeto virtual, enquanto simulacro, é constituir-se de disfarces. Mesmo as séries ressonantes constituintes do simulacro, apesar de possuírem alguma semelhança, são fundadas não sob a identidade de um conceito, mas antes nelas mesmas. Sob todos os aspectos, a semelhança de um simulacro é apenas um efeito. “O simulacro não é uma cópia degradada, ele encerra uma potência positiva que nega tanto o original como a cópia, tanto o modelo como a reprodução”. (DELEUZE, 2000, p. 267 – grifo do autor) A identidade muda de figura e surge como uma intensidade, ou a diferença que surge entre repetições. As identidades e semelhanças aparecem ao secretar, ou melhor, disfarçar uma repetição interna constituinte. “Uma repetição material e nua (como a repetição do Mesmo) só aparece no sentido em que uma outra repetição nela se disfarça, constituindo-a e constituindo a si própria ao se disfarçar”. (DELEUZE, 1988, p. 52) Conforme o exposto, a identidade dos objetos, sob o caráter do mesmo e da semelhança, são simulados, isto é, exprimem o funcionamento dos simulacros. “A simulação é o próprio fantasma, isto é o efeito do funcionamento do simulacro enquanto maquina dionísica”. (DELEUZE, 2000, p. 268) Máquina anárquica, vibrante e imaginária, a simulação não faz das semelhanças apenas aparência. 40 Antes, a simulação designa a potência para produzir um efeito. Mas não é somente no sentido causal, uma vez que a causalidade continuaria completamente hipotética e indeterminada sem a intervenção de outras significações. É no sentido de “signo”, saído de um processo de sinalização; é no sentido de “cos16. É preciso levar em conta que a concepção de repetição empreendida por Deleuze desdobra-se num plano não representativo. Não que esta repetição não possa ser representada; pelo contrário as semelhanças externas dão testemunho das repetições, é como disfarce e constituída de disfarces que implicamos os simulacros às repetições. Entretanto, esta concepção atinge níveis muito mais profundos dos que estão relatados em nosso trabalho, que tanto por uma questão econômica, quanto a natureza de uma pesquisa de iniciação científica, escolhemos não abordar. Mesmo a definição concisa de diferença sem conceito, necessita de explicações de uma extensão, para este trabalho, inadequadas. Utilizamos desta concepção somente suas implicações enquanto repetição dos elementos exteriores (como, por exemplo, a repetição dos instantes) e algumas questões concernentes à relação da representação com a repetição.

Que nesta subversão da representação resida um certo niilismo é inegável. Mas o niilismo guarda a potência positiva de revelar experiência imediata da vida. A simulação é uma grande brincadeira de disfarces. É sobre o deslocamento dos signos que se efetuam as simulações. Flusser, ao descrever o funcionamento de seus aparelhos, segundo sua definição, “um brinquedo que simula um tipo de pensamento”, deixa claro para nós o caráter das simulações: “Os programas dos aparelhos são compostos de símbolos permutáveis. Funcionar é permutar símbolos programados”. (FLUSSER, 1985, p.31) Considerando agora a imagem como a qualidade sensível dos objetos, parecenos positivo lembrar que os simulacros são apenas sentidos como imagem17, isto é, o simulacro só é percebido como somatória de simulacros apreendidos num mínimo de tempo sensível. Os simulacros produzem as imagens.

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tume” ou antes de máscara, exprimindo um processo de disfarce em que, atrás de cada máscara, aparece outra ainda... a simulação assim compreendida não é separável do eterno retorno; pois é no eterno retorno que se decidem a reversão dos ícones ou a subversão do mundo representativo. (DELEUZE, 2000, p. 268-269)

A simulação encerra a potência representativa do simulacro. Simular é tornar o simulacro sensível, dar imagens aos simulacros, contraí-los numa imagem sensível e cognoscível. Simular nada mais é que fazer o simulacro. Mas, ironicamente, o se simula é um modelo. Este ganha outro sentido então, não mais como regras para composição, ou ideal que as pretensiosas imagens tentam alcançar. 41 O modelo e a imagem são dados a um só momento nas mídias digitais. Como nos mostra Couchot, a imagem (mais especificamente a imagem figurativa) sempre foi construída sobre um modelo. Mas agora, modelo e imagem se fundem, na medida em que agir sobre a imagem é agir imediatamente sobre o modelo, redefinindo os contornos da imagem. A imagem torna-se imagem-objeto, mas também imagem-linguagem, vaivém entre programa e tela, entre memórias e o centro de cálculo, os terminais; torna-se imagem-sujeito, pois reage interativamente ao nosso contato, mesmo ao nosso olhar: ela também nos olha. (COUCHOT, 1993, p. 42) 17 Esta proposição deriva da concepção epicurista d simulacro. Cf. Gilles DELEUZE, Lógica do sentido, apêndice 2.

A simulação torna o simulacro sensível por um duplo aspecto: sensível para nós, tornando o processo de deslocamento sígnico que são os modelos numericamente construídos em superfícies sensíveis, trocando disfarces, tornando-se imagem; e fazendo os simulacros sensíveis a nós, fazendo com que nossas ações afetem o deslocamento dos signos que se permutam. O modelo é sim construído de regras, mas essas dão potência de circulação entre as séries heterogêneas e ressonantes, sendo o modelo o movimento forçado que descreve a circulação, sendo ele a própria identidade. Não identidade do objeto no conceito através de uma semelhança, mas antes o que anima um objeto, o que faz ele, ele, e que se retirado deixa de existir. Com efeito, “a simulação informática liga-se a esse estado de não-separação entre imagem e objeto”. ( WEISSBERG, 1993, p. 117) O modelo toma existência concreta como softwares, conjunto de componentes lógicos que perfazem programas de computador. Por isso, são essencialmente numéricos. Mas também podem ser extremamente plásticos, dependendo da ousadia do projeto de design que lhe configura e da elegância da matemática que lhe rege. A despeito da confusão criada em cima do termo virtual, este modelo possui uma existência real, mas uma existência numérica. Apesar de se fazer existir sobre os “frios” números, é uma existência sensível, que faz dos modelos pixels, imagens, ofertados a nossa sensibilidade e ação, ação que dirigimos aos pixels, mas efetuadas nos modelos. O modelo, sob estes aspectos, é a materiali42 dade, a substância da experiência sensível da realidade virtual. Um duplo que se comporta dessa maneira é um duplo que se revolta contra o original. Por serem constituídos de regras, tais modelos podem tanto reproduzir as leis físicas que atuam no mundo real, (como em simuladores automobilísticos e de aviação) quanto criar modos de locomoção sem paralelo, em espaços igualmente sem precedentes com relação a nossas experiências reais. É por meio das relações que se desenham neste modelo que o objeto virtual pode oferecerse mais ou menos à nossa experiência. O esforço de um projeto de design em agenciar estas relações, em produzir um design de relações destes objetos, tem por destino deixar que o desejo não apenas recaia sobre estes objetos, mas atue neles e deles transvase.

Dissemos que a simulação expressa o deslocamento dos signos entre as séries heterogêneas, ela dá nota do movimento que configura o modelo. Daí ser fundamentalmente temporal, assim como a distinção entre sujeito e objeto, na medida que “o tempo se manifesta com relação ao movimento”. (DELEUZE, 2000, p. 283)

Imersão Qualificamos uma experiência como imersiva quando esta tem o poder de nos absorver, de puxar-nos para dentro dela, fazendo com que a distinção entre dentro e fora (de uma simulação em nosso caso, mas o mesmo é afirmado de um filme ou história em quadrinhos, por exemplo) torne-se demasiado tênue, efetuada apenas num momento de distração com relação a esta experiência. As superfícies tornam-se “profundas”, os limites desaparecem e adentramos as imagens. “Imersão” é um termo metafórico derivado da experiência física de estar submerso na água. Buscamos de uma experiência psicologicamente imersivo a mesma impressão que obtemos num mergulho no oceano ou numa piscina: a sensação de estarmos envolvidos por uma realidade completamente estranha, tão diferente quanto a água e o ar, que se apodera de todo nosso sistema sensorial. (MURRAY, 2003, p. 102)

Tal como Quéau, podemos dizer que a imersão se efetua quando podemos considerar a imagem como um lugar. Claramente, esta nossa noção (e até um desejo, como salienta Murray) de imersão é herdado de outras mídias: tanto a literatura, quanto o cinema, apenas para citarmos dois exemplos, desenvolveram formas de imersão, desde a descrição primorosa de cenários, criação de universos enciclopédicos como os de Tolkien (MURRAY, 2003, p. 90), ou as imagens em primeira pessoa em filmes de terror. A imersão é um elemento de

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A lógica da Simulação não pretende mais representar o real com uma imagem, mas sintetizá-lo em toda sua complexidade, segundo leis racionais que o descrevem ou o explicam. (COUCHOT, 1993, p. 43)

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grande importância à arte narrativa em geral, mas mesmos os jogos possuem um caráter imersivo: Todo jogo é capaz, a qualquer momento, de absorver inteiramente o jogador. Nunca há um contraste bem nítido entre ele e a seriedade, sendo a inferioridade do jogo sempre reduzida pela superioridade de sua seriedade. Ele se torna seriedade e a seriedade, jogo. (HUIZINGA, 2001, p. 11)

O jogo de linguagem de Huizinga exprime com graça como o jogo, tratado como distração num mundo de seriedade, torna-se muito sério, fazendo com que o que se passa fora de seus limites, ser tomado como mera distração. A imersão no jogo subverte todo o critério de seriedade que separa o “mundo real” do “mundo imaginário”. Entretanto, o caráter imersivo nos videogames e nas imagens de síntese em geral, está mais associada às características especificas desse meio do que as características herdadas de meios precedentes. Como afirma Quéau sobre as imagens de síntese, a verdadeira revolução reside, no entanto, nas possibilidades específicas da infografia, notadamente, na sua capacidade de interação com o espectador e na sua possibilidade de geração em tempo real, dando assim, o sentimento de uma “imersão” na imagem. (QUÉAU, 1993, p. 93)

Assinalá-se deste modo a ligação entre a agência e a imersão na construção do espaço de jogo. Mas, como nos adverte Murray, num ambiente participativo, 44 agenciável, é preciso saber navegar para dar sentido a essa imersão. Designemos, ao menos temporariamente, o espaço construído por estes objetos virtuais análogo ao mais geral de dispomos em nossas concepções de espaço: universos no qual ocorrem os fenômenos e que permitem a extensão destes, mas também como forma intuitiva a partir da qual a sensibilidade humana organiza a experiência sensorial. Contudo, este espaço habitado pelos objetos virtuais possui propriedades que o diferencia radicalmente do espaço habitado pelos objetos “reais”. O espaço muda: virtual, pode assumir todas as dimensões possíveis, até dimensões não inteiras, fractais mesmo o tempo flui diferente; ou antes, não flui mais de maneira inelutável; sua origem é permanente “reinicializável”: não fornece

Acerca desta outra natureza do espaço, Quéau irá defrontar a concepção kantiana de espaço, como uma representação necessária a priori que serve de fundamento, substrato, a todas as intuições por este distribuídas, enquanto o espaço nos mundos virtuais deixa de ser uma forma a priori, mas o que se constitui como interstício das intuições. Se na concepção kantiana o espaço é a condição da experiência, para Quéau é a experiência que condiciona o espaço. Os objetos já não habitam o espaço, mas o constituem, assim como são constituídos por ele. “El espacio deja de ser un substracto intangible. Se convierte en objeto de modelaje y interacción constante con los otros objetos que ha de contener”. (QUÉAU, 1995, p. 84) O deslocamento do jogador por entre as diversidades contempladas em uma simulação é que dá sentido a experiência subjetiva de navegação. Sob este aspecto, tão rica pode ser tal experiência em função das multiplicidades expressas pelas possibilidades de navegar e interagir com o espaço e os objetos que nele se percebem. O espaço de um videogame, e das hipermídias em geral, é assimilável ao espaço de um labirinto, não apenas por sua arquitetura, mas pela disposição e intrincamento dos elementos e formas de ação e resposta que estes incitam e distribuem. Sob a figura do labirinto, a noção de imersão converge com a noção de enredamento.

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mais acontecimentos prontos, mas eventualidades. (COUCHOT, 1993, p. 42)

Além de navegar o espaço para lhe conferir sentido, é preciso excluir-se, afir45 ma Murray. Excluir o Eu, a fim de que a realidade virtual experimentada não se desagregue pela presença de um corpo estranho que falseie as respostas, perdendo seu potencial imersivo. A imersão só pode ser alcançada a partir do momento em que nossa inteligência não atua criticamente, de modo questionador, mas passa a figurar enquanto esta atua de modo questionante. O primeiro método é daquele que busca analiticamente, o segundo é o método sintético de busca. A imersão utiliza-se de nossos pensamentos para reforçar a ilusão. É preciso que o jogador se “misture” ao aparelho que manipula, que não seja na realidade que intervém a razão do movimento de todos os entes. Caso contrário, o círculo imersivo pode ser quebrado.18 Neste sentido, o jogador necessita de 18. No cinema, cf. O show de Truman – o show da vida. Dir. Peter Weir, 1998. Quando Truman começa a perceber que o mundo em que vive está sempre reagindo de acordo com

um avatar, precisa transformar-se, tomar outra materialidade, uma materialidade sensível à realidade imersiva. Entretanto, mesmo que grande parte do poder imersivo de uma hipermídia esteja na diversidade de elementos atuando concomitantemente, estes elementos precisam estar ao alcance do jogador. Cria-se um espaço vivo não tanto pela quantidade de movimentos e de objetos que a imagem pode revelar (fenômeno que tem ganha números cada vez mais expressivos graças ao aumento da capacidade de cálculo dos dispositivos informáticos, principalmente dos dispositivos dedicados, especialmente as GPUs19), mas pela quantidade de movimentos que a imagem solicita ou induz ao jogador. “Uma vez criado o espaço de ilusão, sua presença psicológica é tão grande que ele pode até separar-se dos meios de representação”. (MURRAY, 2003, p. 107) Isto é, se o papel da imersão é justamente “eliminar as bordas” que se desenham no campo perceptivo entre a imagem com qual se joga e o mundo real na qual se insere, uma vez que o esteja estabelecido o espaço que o jogador tenha adentrado o espaço, é possível explorar os limites desse deste como características expressivas. Murray reconhece um exemplo de deste caso quando o personagem olha para o “lado de fora” da tela, como se pressionasse o jogador por uma ação. O transe imersivo ocorre quando o jogador entra em estado de profunda absorção, cheio de sensações e emoções originadas por um objeto imaginário. A imagem sintética, apesar de muitas vezes não ser nada “natural”, pejorati46 vamente “sintética”, consegue tocar a sensibilidade do jogador, envolvendo-o numa forte impressão de pertencer e modificar uma realidade.

seus deslocamentos, a imersão vai se tornando cada vez mais fraca, até o momento em que ele perde o interesse em habitar o mundo construído para ele. 19. GPU – Graphics Processing Unit ou VPU – Video Processing Unit, ou unidade processadora de vídeo: o chipset da placa de vídeo. Ambos os termos, sugiram junto com as primeiras placas de vídeo 3D populares. A placa de vídeo deixou de ser um periférico que simplesmente mostra imagens no monitor para tornar-se um componente muito mais sofisticado, que aplica efeitos, finaliza imagens em tempo real, cuida de parte da movimentação das cenas.

A agência é, por definição, capacidade de agir. Neste sentido, podemos afirmar que poucas coisas são tão característica a um videogame quanto a agência e a diversão a ela associada. Murrey define: “agência é a capacidade gratificante de realizar ações significativas e ver o resultado de nossas decisões e escolhas”. (2003, p. 127) Entretanto, como ela mesma observa, a agência vai além da capacidade de ação. Mas atividade por si só não é agência. Por exemplo, num tabuleiro de jogo de azar, os jogadores podem manter-se muito ocupados girando a roleta, movendo as peças do jogo e trocando dinheiro, mas eles não podem ter qualquer sentido real de agência. As ações dos jogadores geram efeitos, mas tais ações não são escolhidas por eles e seus efeitos não estão relacionados às intenções dos jogadores. (MURRAY, 2003, p. 129) Eis aí também a diferença dos jogos de videogame, e de modo geral, dos jogos em que se brinca, aos jogos de azar. Mesmo que se argumente que as ações num jogo de videogame são restritas – e de fato são –, ainda assim elas interferem integralmente no mundo jogado.

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Agência

A esta restrita capacidade de ação corresponde um sujeito diferente daquilo que usualmente designamos como tal. Também por isso faz-se necessário excluir o Eu, adotar uma outra materialidade para agir sobre estes mundos. Descemos sobre estes mundos através de avatares, que como observa Murray, 47 funcionam como máscaras, o limiar entre o mundo jogado e o “mundo real”. (MURRAY, 2003, p. 114) Sob este aspecto, podemos dizer que não operamos os avatares; antes, operamos as realidades imersivas por meio de avatares. Assim, designá-los como as imagens gráficas que nos representam no mundo jogado é dá-los pouco crédito e só pode assimilá-los a personagens sob aspectos limitados. Os avatares personificam as maneiras pelas quais podemos operar estas realidades. Existe uma ligação direta entre o potencial de imersão e potencial de ação de um jogo. Ao ligar uma ação a um dado sensível, tanto a agência quanto a imersão são aumentadas. A agência se torna mais evidente e satisfatória, pois

experimentamos as conseqüências de nossas ações instantaneamente, imprimindo modificações sensíveis na no espaço representativo, fazendo com que nos sintamos cada vez mais “dentro” das simulações, ou seja, a imersão é ampliada. Jogos de combate também desenvolveram uma maneira infalível de combinar agência com imersão. O aspecto mais atraente desses jogos é o casamento perfeito entre o dispositivo de controle e a ação na tela. Um clique tangível no mouse ou no joystick resulta numa explosão. É necessário um mínimo esforço de imaginação para entrar num mundo como esse, porque a sensação de agência é muito direta. (MURRAY, 2003, p. 143)

Tomemos agora a agência sobre outro aspecto. Age-se, efetivamente, sobre os objetos. Contudo, se agimos para deslocar o alvo da ação, o objeto, fazemo-lo para alcançar um objetivo. Mesmo que a meta a ser atingida seja o deslocamento do objeto, uma predisposição subjacente deve configurar esta ação. Afinal, deslocar o objeto para onde?, e se não se importamos com local, deslocamos ainda porque algo precedente à ação nos possibilita e nos solicita à esta. Anteriormente, já tínhamos invocado a integração dos diversos sujeitos larvares na composição da ação. Segundo Deleuze, para agir, é preciso integrar as contemplações. De modo análogo, Bergson concebia a percepção com vistas à ação. A agência, enquanto capacidade de agir, é a mobilização dos eus passivos, dos sujeitos larvares sob uma orientação, integrados para desferir uma ação. Também já falamos da ação que se desfere ao objeto real com intuito de acessar o 48 objeto virtual. Parece-nos agora mais clara a organização dessa capacidade de ação frente aos objetos virtuais, ou o que a anima a integração destes sujeitos larvares em direção ao objeto virtual: o desejo. O desejo é esse conjunto de sínteses passivas que maquinam os objetos parciais, os fluxos e os corpos, e que funcionam como unidade de produção. O real decorre dele, é o resultado das sínteses passivas do desejo como auto-produção do inconsciente. (DELEUZE; GUATARRI, 1976, p. 43-44) O sujeito que navega a realidade do jogo é um sujeito larvar, misturado ao mundo que vasculha, associando o desejo à percepção. Sobre as relações do desejo com a percepção, Rossi aponta uma importante interseção entre as obras de Leibniz e Deleuze.

É desta forma, então, que vamos encontrar a idéia de devir-animal em Deleuze, onde as a-percepções regeriam a navegação de forma realmente ‘aberta’ na World Wide Web, num retorno ao puro desejo, bem como na formação de desejos, não maquinados. (ROSSI, 2003, p. 59-61) Este devir-animal, que faz do ser, ser à espreita, navegando, deslocando-se sobre os territórios segundo seus desejos, desejos não dirigidos pelas grandes máquinas sociais de subjetivação. A ação tem um sentido diverso com relação aos objetos virtuais, para além do condicionamento das atividades humanas.

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Podemos encontrar, no filósofo Leibniz, referencias tão sublimes quanto as definições deleuzianas, como o desejo associado a uma diferença de consciência entre as mônadas (chamadas de unidades de força) enquanto percepção, pois os animais são constituídos de mônadas sensitivas, dotadas de apercepções e desejos, e o homem de mônadas racionais, com consciência e vontade.

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Considerações finais O que buscamos abordar nesta documentação foram os processos de distinção entre sujeito e objeto e daí verificar como se configura o objeto virtual e as características que mais influem em sua relação com o sujeito. Evidenciou-se, neste sentido, que a distinção entre sujeito e objeto, mais que espacial, é temporal. Não poderia ser de outra natureza a relação entre os jogadores, seus territórios de jogos e os deslocamentos que nele se inscrevem. Já a imagem, enquanto mediação entre sujeito e objeto, forma sob a qual apreendemos o mundo, mostrouse mais “profunda” de sua concepção usual. Quanto o objeto virtual, mesmo sendo essencialmente passado, de modo algum coexiste com a consciência, cuja instalação depende da ação da memória; pelo contrário, dá nota de um inconsciente desejante. Para um tal objeto, que nunca pode ser possuído, que nunca é efetivamente atingido, que sempre se furta e falta a si mesmo, que se mascara, outras relações de desejo devem ser invocadas. Não mais um desejo que se abaixa sobre os objetos, objeto do desejo, mas um desejo que esquadrinha e questiona, um desejo à espreita, atento e vigilante. As simulações que levam estes objetos a terem efeito na realidade, que efetuam os jogos, funcionam por meio da permutação de signos, uso de máscaras da qual se monta o simbólico, não signo arbitrário, mas signo que se desloca em 50 relação a si mesmo e a todos os outros. A imagem torna-se sensível e, a representação que da simulação se desprende, um efeito de seu funcionamento. Tratando de questões de linguagem, apontar os limites sobre qual se configuram as questões estéticas foi o nosso foco. Neste sentido, constamos que o fundamental às características imersivas não está na semelhança com a realidade, hoje muito comum em diversos videogames, mas baseia-se preponderantemente no estado de absorção do jogador, estado este que se configura mais em relação ao tempo que da representação espacial. Em palestra proferida sobre as interações entre o cinema e os jogos eletrôncos este ano no III Encontro de Design de Games, Ale McHaddo, enfatizou que estamos perto de encontrar os limites de uma linguagem “própria” dos videogames,

Os objetos tornaram-se sensíveis, reagentes e os sujeitos parecem ter com estes uma outra comunhão. É neste sentido que inicialmente afirmamos que a produção de subjetividade passava necessariamente por alterações. Mas, em outro plano, o que falamos é que se outras relações de desejo aparecem, aparecem por uma mudança nas possibilidades de intervenção sobre as máquinas coletivas de subjetivação. Disto deve-se organizar-se um outro Design, um design que não se contenta em fazer o desejo baixar sobre os objetos, que concebe o desejo de forma extremamente ativa, e que apontamos como o Design de Relações.

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mesmo porque as características técnicas do meio estão começando a dar sinais de estabilidade, e que mudanças tecnológicas significativas não serão produzidas com a mesma freqüência que se produzem hoje. Certamente esta é uma possibilidade (com um elevado grau de realidade), principalmente no que tange a bilionária indústria de games. Entretanto, se as capacidades gráficas e a linguagem visual dos videogames estão próximas de uma estabilização, cujo sinal é dado pela insípida estandardização visual dos mesmos, ainda há muito a se explorar na interação homem-máquina.

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