Design Social: Fundamentos, tendências e contribuições para transformação social em processos de microplanejamento / Social Design: Fundamentals, trends, and contributions for social changing in micro- planning processes

May 30, 2017 | Autor: Delano Rodrigues | Categoria: Design for Social Innovation, Social Design, Codesign, Microplanning
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Design Social: Fundamentos, tendências e contribuições para transformação social em processos de microplanejamento / Social Design: Fundamentals, trends, and contributions for social changing in microplanning processes. Carlos Delano Rodrigues · [email protected] Investigador, Universidade de Lisboa / Doctoral researcher, University of Lisbon Professor, Universidade Federal do Maranhão / Associate Professor, Federal University of Maranhão Carlo Franzato · [email protected] Decano da Escola da Indústria Criativa da Unisinos / Dean of Unisinos Creative Industries School Rita Assoreira Almendra · [email protected] Professora Auxiliar, Universidade de Lisboa / Auxiliar Professor, University of Lisboa

Resumo Está na essência do design o comprometimento com a resolução de problemas humanos. No entanto observamos que no último século, muito desse esforço foi canalizado na concepção de produtos e mercadorias para venda e consumo. Em paralelo, o surgimento de uma cultura crítica da atividade do design a partir dos anos 1960, fez emergir uma consciência da prática da disciplina e de sua relação e impacto para a sociedade. Nesse âmbito o Design Social emergiu como alternativa para a resolução de questões e problemas relacionados com a condição de sobrevivência e cidadania priorizando grupos de pessoas, comunidades e indivíduos em situação de vulnerabilidade e pobreza. Este artigo tem como objetivo apresentar as percepções relacionadas com uma pesquisa bibliográfica sobre o Design Social, Codesign e Microplanejamento, referentes ao primeiro ano da pesquisa de doutoramento. Além de compreender como iniciativas de Design Social baseadas em ações de microplanejamento ajudam na sustentabilidade de projetos participativos em comunidades em situação de vulnerabilidade social. Os resultados encontrados foram utilizados em dois workshops com os moradores do bairro do Alto da Cova da Moura, na Amadora, distrito de Lisboa, Portugal. E no bairro do Desterro no centro histórico da cidade de São Luís do Maranhão, Brasil. Palavras-chave design social, codesign, microplanejamento.

Abstract Part of designs’ essence is about being deeply committed to finding solutions for human problems. However, we can observe that, on the last century, much of this effort has been channeled to the design of products and goods for sale and consumption. At the same time, the arising of a critical culture of design, from the 1960’s, made a practical conscience of this field and its relation and impact on society emerge. Consequently, Social Design has emerged as an alternative to solving problems and issues related to survival and citizenship conditions, giving priority to certain groups of people, communities and individuals in vulnerability and poverty situations. This paper aims to present impressions of a bibliographical research about Social Design, Codesign and Micro-Planning, related to the first year of doctoral research. It also understands how social design initiatives based on microplanning actions help participative projects sustainability in socially vulnerable communities. The results were used in two workshops with residents of Alto da Cova da Moura neighborhood, Amadora municipality, Lisbon district and Desterro neighborhood, in the historic center of São Luis, state of Maranhão, Brazil. Keywords social design, codesign, microplanning. 1. Introdução A formação da sociedade industrial, na metade do século XVIII e sua continuidade até meados do século XX foi caracterizada entre outras coisas pela concentração de massas de trabalhadores assalariados nas fábricas e nas empresas;

por uma

sistemática aplicação das descobertas científicas ao processo produtivo na indústria; pelo crescimento da mobilidade geográfica e social que incentivou o surgimento de grande parte das cidades; pela fé em um progresso irreversível e em um bem-estar crescente e pela difusão da ideia de que o homem, em conflito com a natureza, deve conhecê-la e dominá-la. (De Masi, 2003, p.19)

Foi nesse cenário que o design emergiu com o principal intuito de estabelecer uma ordem a produção industrial. Esse período proporcionou um significativo aumento da oferta de bens de consumo aliada à queda de seus custos que ocorreram devido à

mudanças de organização nos meios produtivos, surgimento de novas tecnologias e diversificação dos sistemas de transporte. Esta era proporcionou a um grande número de pessoas o acesso a compra de uma variada gama de produtos, o que se pode caracterizar como a “infância da sociedade de consumo”. (Cardoso, 2014, p.15)

É certo afirmar que muitos dos produtos originários dessa produção industrial proporcionaram conforto e bem-estar para uma numerosa quantidade de pessoas em todo o mundo. No entanto, de forma paralela, essa atividade industrial gerou um sem número de externalidades1 ambientais e sociais negativas. Exemplos como o aumento da geração de lixo e seu impacto na saúde pública, a multiplicação de guerras regionais para o controle de recursos naturais limitados e os consequentes problemas raciais oriundos dos limites demográficos e sociais, o desemprego e a crescente desigualdade social, entre outros, nos levam a questionar o real significado da expressão “bem-estar”. (Manzini, 2008, pp 20.)

Neste âmbito a investigação que se encontra em andamento no programa de Doutoramento em Design da Faculdade de Arquitetura da Universidade de Lisboa, intitulada

Design

Social:

Fundamentos,

tendências

e

contribuições

para

a

transformação social em processos de microplanejamento tem como objetivo desenvolver uma reflexão crítica da atividade do Design Social a partir de ações de microplanejamento focadas em processos locais participativos, implementadas em bairros em situação de vulnerabilidade social situados em cidades do Brasil e de Portugal, analisando suas contribuições para a melhoria da qualidade de vida de seus moradores.

Neste momento, a partir dos resultados encontrados, foram desenvolvidos workshops de Design Social que utilizam métodos de codesign e microplanejamento em conjunto com os moradores do bairro do Alto da Cova da Moura, município da Amadora, distrito [1]

Para LONGO (1983, apud (Soares, 1999) 1999, p. 18) “Uma externalidade é uma imposição de um efeito causado a terceiros, gerada em uma relação de produção, consumo ou troca”.



de Lisboa e o bairro do Desterro no centro histórico da cidade de São Luís do Maranhão, Brasil.

2. Design Social, codesign e microplanejamento No final da década de 1960, as preocupações ligadas ao meio-ambiente, face à constatação dos efeitos devastadores da poluição, do desperdício e à crise energética dos anos 1970, trouxe reflexões acerca do papel do design dentro desta realidade complexa.

Em 1971, o designer Victor Papanek publica o livro Design for the Real World [Design para o mundo Real] onde destaca a responsabilidade moral do designer. Ele afirma de forma contundente ainda no prefácio que “existem profissões mais prejudiciais que o design, mas bem poucas”2. Mais a frente, ao tratar das responsabilidades sociais e morais do design, ele convida todos que atuam na profissão a adotar uma nova postura diante de sua produção. “Preciso concordar que o designer tem uma responsabilidade com a maneira que os produtos por ele projetado serão recebidos no mercado local. Mas esta é ainda uma visão estreita e antiquada. A responsabilidade do designer deve ir muito além destas considerações. Sua capacidade crítica social e moral deve ser posta em jogo muito antes dele começar a projetar, uma vez que ele tem que fazer um julgamento, um julgamento a priori, para saber se os produtos que lhe foram propostos a projetar ou redesenhar merecem a sua total atenção. Em outras palavras, observar se o seu 3 projeto está ao lado do bem social ou não” . (Papanek, 1971,p.55)

No livro, Papanek conclama os designers a buscar respostas para os problemas sociais presentes no mundo em lugar de uma atuação alinhada apenas por interesses comerciais. O autor acreditava ainda que estes poderiam proporcionar soluções para sistemas e produtos para o uso coletivo ou em comunidades, utilizando alternativas simples e tecnologias apropriadas. Sua ótica ia ao encontro de um design orientado para o ser humano, e propunha buscar inspiração na experiência de outros países [2]

“There are professions more harmful than industrial design, but only a very few of them”. “I must agree that the designer bears a responsibility for the way the products he designs are received at the market-place. But this is still a narrow and parochial view. The designer's responsibility must go far beyond these considerations. His social and moral judgement must be brought into play long before he begins to design, since he has to make a judgement, an a priori judgement at that, as to whether the products he is asked to design or redesign merit his attention at all. In other words, will his 3 design be on the side of the social good or not” [3]

(especialmente aqueles em desenvolvimento), para melhor compreender e atender às necessidades da humanidade e sua relação com o design.

O livro Design for the Real World pode ser considerado um marco histórico de uma busca por uma postura socialmente responsável do design, pois desde então outros designers têm respondido ao seu chamado procurando desenvolver programas de design para demandas sociais, estendendo-se desde as necessidades de países em desenvolvimento até aquelas direcionadas a idosos, pessoas em situação de pobreza e portadores de necessidades especiais. (Margolin e Margolin, 2002).

Todavia o papel dos designers não se alterou muito nas últimas décadas e ele continua fazendo “parte do problema”. No entanto, “estes podem e devem ter outro papel, tornando-se, portanto, ‘parte da solução’. Isto é possível porque no código genético do design está registrada a ideia de que sua razão de ser é melhorar a qualidade do mundo”. (Manzini, 2008, pp. 16)

De certo que o objetivo primário do design é o foco no mercado, criando produtos para venda. De modo contrário, o objetivo primordial do design social é a satisfação das necessidades humanas. No entanto Margolin e Margolin (2002) propõem que o “modelo de mercado” e o “modelo social” não sejam considerados como lados opostos, mas sim como dois polos de uma constante. As diferenças seriam definidas pelas prioridades do problema ao invés de um método de produção ou distribuição. Eles também enfatizam que muitos produtos que são desenvolvidos para o mercado também atendem às necessidades sociais, porém argumentam que o enfoque mercadológico não consegue, e provavelmente não pode, cuidar de todas as necessidades sociais, visto que algumas delas são relacionadas a populações que não constituem uma classe de consumidores no sentido de mercado.

Essa abordagem socialmente responsável precisa trazer para o design, uma perspectiva sistêmica que englobe aquilo que é social, ambiental e economicamente sustentável - três pilares fundamentais da qualidade de vida que foram definidos e

abordados pela Comissão Mundial das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento no ano de 1987.

Na conferência internacional “Changing to Change” ocorrida no ano de 2008, Victor Margolin dizia que o design social teria como objetivo especifico “a melhoria da qualidade de vida. Sendo responsável por resultados sociais e não simplesmente por trocas bem-sucedidas de Mercado”4.

Na mesma conferência Ezio Manzini apontou dois enfoques para o design: onde um deles é o design com uma obrigação explicitamente social: “Um novo campo de design onde alguns designers especializam-se em colaborar com assistentes sociais para resolver problemas sociais graves e específicos”5. O outro é mais geral e se refere à comunidade

de

design

como

um

todo.

Nesse

caso,

todos

os

designers,

independentemente de sua especialização, deveriam redefinir seus objetivos e serem reorientados para novas demandas sociais emergentes. Ele afirma ainda que embora ambas ações sejam importantes, o maior desafio dos dias de hoje envolve a mais recente definição de design: “desenvolver conhecimento necessário para melhorar o bem estar da sociedade, em direção à sustentabilidade”.6 Há muita controvérsia, dúvida e ambiguidade neste novo campo. Há uma imensa quantidade de termos empregados, tais como: Design Social, Design para a base da pirâmide, Design Humanitário, Design para o desenvolvimento, Design socialmente responsável, Design para o bem estar social, design para a Mudança Social, Design para o Impacto Social, Design para a Inovação Social, Design para Inovação Social e Sustentabilidade, Design Social Ambiental Econômico, Design Útil, Design para a Transformação, Design para bens públicos, entre outros. Esta diversidade de termos dificulta o diálogo entre os diversos atores e a consolidação do campo. (Veiga e Almendra, 2013; Laski, 2013) [4]

“Design aimed specifically at improving the quality of life. It is accountable to social results and not simply successful market exchange”.(Manzini apud Cippola e Peruccio, 2008, p.23) [5] “One of them is a design with an explicit social agenda: a new design field where some designers specialize in collaborating with social workers to solve specific, acute social problems” (idem) [6] “to develop knowledge that is needed to improve the welfare of the whole society, as we move towards sustainability” (idem)

Mas, é possível apontar que o termo “Design Social” é o mais geral e usual no discurso de designers para descrever e identificar a área ou a prática e é muitas vezes usado de forma intercambiável com outros. Acredita-se que ele tenha grande potencial para ser o único “termo guarda-chuva” que poderia servir como "nome" para esta área. As principais razões são que este identifica imediatamente o domínio e âmbito da ação de design e é um termo holístico e aberto. (Veiga e Almendra, 2013)

Embasado em outros autores Fuad-Luke (2009) discorre sobre o termo “Design Social”, e diz que este possui diversos significados, no entanto o que melhor o define é aquele que se refere ao desenvolvimento de um modelo social e um processo de design que tenha como objetivo contribuir para a melhoria da qualidade de vida.

Neste âmbito Veiga e Almendra (2013) tratam que esta nova área desde a sua concepção está relacionada com a busca em resolver problemas e responder a necessidades. A palavra "social" aponta diretamente os problemas, necessidades ou questões relacionadas com a sociedade, grupos de pessoas, comunidades, indivíduos, cidadãos, seres humanos. E continuam afirmando que estes problemas de ordem "social", muitas vezes não são apenas de carácter "social", são também "culturais", "ambientais", "econômicos" e "políticos". No entanto, uma vez que estes são aspectos inerentes à condição humana e todos são produzidos pela sociedade ou ao menos são de sua responsabilidade - ambiental -, em uma última análise, todos eles podem ser considerados uma questão "social".

Para Fuad-Luke (2009) o objetivo geral do Design Social é melhorar a "qualidade social", e ele fundamenta essa qualidade a partir do conceito definido por De Leonardis (apud Morelli, 2007) como a medida da capacidade que os cidadãos têm de participar na vida social e econômica da sua comunidade em condições que melhoram tanto a sua riqueza individual quanto as condições de sua comunidade.

Ao investir em soluções para comunidades vulneráveis se torna cada vez mais comum

buscar o caminho que alia a inovação social, o empreendedorismo e a colaboração entre designers e usuários, como forma de promover melhores ideias e resultados para novos produtos, sistemas produtos-serviços ou novos negócios (Franzato et al., 2013).

Nesta perspectiva, a colaboração se faz um dos principais pilares do Design Social. O codesign, o “projetar com os outros”, uma abordagem que encoraje os diversos atores de um problema a construírem uma solução em conjunto está no centro de um processo de design mais democrático, aberto e inovador e vem encontrando maior expressão em setores sem fins lucrativos. “Enquanto abordagem de Design pode potencialmente criar novas disponibilidades e novos valores mas requer um novo conjunto de aptidões e uma abordagem filosófica subjacente da parte dos designers” (Fuad-Luke, 2009, p. 147).

Sanders e Stappers (2008) entendem o codesign como uma instância específica de co-criação, que por sua vez, se refere a qualquer ato de criatividade coletiva, ou seja, a criatividade que é compartilhada por duas ou mais pessoas. Eles afirmam também que alguns entendem o codesign como a criatividade coletiva quando designers atuam em colaboração, sendo mais específico, é a criatividade coletiva aplicada em toda a extensão de um processo de design. Entretanto acreditam que o termo possui um sentido mais amplo,

pois se refere à criatividade quando

designers e pessoas que não são treinadas em design trabalham juntas no processo de desenvolvimento de design.

Neste sentido o codesign é uma abordagem de projeto integradora que incentiva a participação individual e coletiva, além de ser uma poderosa tecnologia social para a concepção de soluções de problemas que muitas vezes não estão claros ou mal formulados. Essa abordagem do design pode contribuir de maneira significativa em processos orientados pelo microplanejamento.

O microplanejamento é um processo de design e desenvolvimento baseado na experiência de comunidades, que permite a formulação e implementação de programas

que promovam o sentido do comum, de um modo local, rápido e colaborativo. É um processo de "dimensionamento", que se baseia em instituir a capacidade de administrar localmente as decisões, além de atuar a partir delas, assim como implementar as tarefas do projeto. (Goethert et al, 1992)

O processo incentiva o planejamento de ações, provendo ferramentas que permitam o rápido desenvolvimento de planos em comunidades de pequeno e médio porte, concebidos com ampla participação. Incorpora várias técnicas rápidas e simples para a confecção de planos, além da sua execução e acompanhamento, pressupondo a necessidade de um planejamento estratégico aliado a uma ação local espontânea. Se configura como um processo de aprendizagem e capacitação construído para caminhar de forma paralela a sua implementação, seguindo os princípios do “aprender-fazendo”, para em seguida colaborar para impulsionar o desenvolvimento local. (Gomez et al, 2007)

Seus métodos não são baseados em proibições ou prescrições quanto a conteúdo ou procedimentos, e deixam muito espaço para improvisação. Não são pré-estabelecidos ou pré-fabricados, são conduzidos pelo entendimento dos problemas, e a partir de cada ação é que serão identificadas as ações subsequentes, um programa que é construído a medida em que os envolvidos avaliam cada ação. O ponto de partida, em outras palavras, depende em grande parte das circunstâncias e objetivos locais. (Goethert et al, 1992)

Para Marcos L. Rosa (2013, p. 14) o microplanejamento é uma abordagem que explora a “experimentação como uma forma vital de abordar a complexidade crescente das cidades, à procura de novos tipos de planejamento alternativo, capazes de absorver o que emerge e é gerado pelos meios urbanos”. Ele completa explicitando que o processo se dá pelo incentivo a formação de conexões e redes estratégicas de projetos que se utilizam de “processos locais abertos a táticas bottom up (de baixo para cima), experiências localizadas que carregam consigo a intenção de mudança dos locais”.

2. Workshops de design social Trabalhando com a perspectiva de unir a abordagem criativa do codesign com o método de atuação do microplanejamento, o autor está envolvido em duas ações de Design Social que vem sendo realizadas em bairros em situação de vulnerabilidade social, nas cidades de Lisboa, Portugal e São Luís, Maranhão, Brasil. Dentre os vários enfoques dados ao termo “vulnerabilidade social” utiliza-se aqui aquele que possui um razoável consenso em torno desta questão fundamental: “a qualidade do termo deve-se a sua capacidade de captar situações intermediárias de risco localizadas entre situações extremas de inclusão e exclusão, dando um sentido dinâmico para o estudo das desigualdades, a partir da identificação de zonas de vulnerabilidades que envolvem desde os setores que buscam uma melhor posição social, até os setores médios que lutam para manter seu padrão de inserção e bem estar, ameaçados pela tendência a precarização do mercado de trabalho”. (DIEESE, 2007, p.13)

A primeira iniciativa vem sendo conduzida junto ao projeto Kowork E5G no bairro do Alto da Cova da Moura, município de Amadora, distrito de Lisboa, Portugal. Se configura como um projeto de inclusão social e profissional financiado pelo Programa Escolhas Pontual do Alto Comissariado para as Migrações, criado pelo GIP / ACMJ – Associação Cultural da Cova da Moura, para capacitar jovens que vivem no bairro a expandir oportunidades individual e coletivas de emprego ou construir suas próprias ideias de negócios. O projeto vem ocorrendo desde o mês de setembro de 2015, através do trabalho conjunto com os colegas investigadores Inês Veiga, António Pinto e Natália Plentz.

Esta ação se deu inicialmente através de pequenas oficinas que exploraram em termos conceituais e práticos o que é (e pode ser) design e ser designer e, onde pretendeu-se que o conjunto de jovens desenvolvessem capacidades criativas e uma visão empreendedora e cidadã sobre o seu futuro e a sua vida.

A iniciativa trabalhou com a perspectiva do que Nigel Cross (2011) denomina como “Design ability”. Ele enfatiza que o ato de projetar coisas é uma capacidade inerente aos seres humanos, e que o 'design' nem sempre foi considerado como algo que

necessitava habilidades especiais, “pois esta costumava ser de alguma forma uma capacidade coletiva ou compartilhada, e é apenas em tempos relativamente recentes que a capacidade de design tornou-se considerada como um tipo de talento excepcional”.7 É certo que cada área de atuação do design possui uma forma de buscar soluções e ferramentas para alcançá-las. No entanto é possível visualizar que existe alguma similaridades na forma de atuar dessas diversas especialidades.

Com o intuito de utilizar um método que pudesse gerar um fácil entendimento do que é design, além de incentivar a capacidade de projetar dos moradores, utilizamos o 'Double Diamond design process', modelo desenvolvido pelo Design Council UK em 2005. Dividido em quatro etapas distintas, definidas como: Descobrir (Discover), Definir (Define), Desenvolver (Develop) e Entregar (Deliver). O 'Double Diamond’ ilustra o processo de design “a partir de pontos onde o pensamento e as possibilidades são tão amplas quanto possíveis para situações deliberadamente reduzidas e focadas em objetivos distintos”. 8

A partir da questão central: “o que pode ser melhorado no bairro”, os participantes foram convidados a refletir sobre os problemas e oportunidades presentes na Cova da Moura, para depois propor soluções que pudessem ser executadas sem que houvesse uma intervenção inicial do estado ou envolvesse financiamento público, buscando a formação de redes que viabilizassem sua implementação (Imagem 01).

[7]

“To design things is normal for human beings, and ‘design’ has not always been regarded as something needing special abilities. Design ability used to be somehow a collective or shared ability, and it is only in fairly recent times that the ability to design has become regarded as a kind of exceptional talent”.(Cross, 2008, p.03) [8]

“where thinking and possibilities are as broad as possible to situations where they are deliberately narrowed down and focused on distinct objectives”. (Design Council, 2005, pp. 06)



Imagem 1 · Kowork E5G. Discussão sobre problemas e oportunidades no bairro da Cova da Moura.

Os participantes propuseram um conjunto de soluções que abordavam questões como o acumulo de lixo, a falta de sinalização de ruas, mobiliário urbano, ausência de espaço para hortas urbanas, entre-outras e apontaram possíveis locais para futura implementação. Para entender a complexidade de cada ideia, foram utilizadas ferramentas de análise de cenários como as de SWOT9 e 5W2H10 para a compressão dos contextos de implementação das ideias.

Entretanto,

a partir da perspectiva do microplanejamento, foi sugerido que eles

buscassem um só espaço para implementação das ideias, que este se encontrasse [9]

SWOT é uma sigla em inglês dos termos Strengths (pontos fortes), Weaknesses (pontos fracos), Opportunities (oportunidades) e Threats (ameaças). Os pontos fortes e fracos, em geral, estão dentro da própria empresa, enquanto as oportunidades e as ameaças, na maioria dos casos, têm origem externa. (Endeavor, 2015)



[10]

(What) O que deve ser feito? (Why) Por que deve ser implementado? (Who) Quem é o responsável pela ação? (Where) Onde deve ser executado? (When) Quando deve ser implementado? (How) Como deve ser conduzido? (How much) Quanto vai custar a implementação? (Endeavor, 2015)



degradado, que possibilitasse o incentivo a participação comunitária, proporcionando um local de experiências e ponto de partida para outras transformações no bairro. O espaço escolhido se encontra próximo a entrada do bairro, ao lado da creche familiar que é gerida pela Associação Cultural Moinho da Juventude e com fácil acesso a rede de transporte público (Imagem 2).

Imagem 2 · Área para intervenção. Espaço localizado ao lado da creche familiar da Cova da Moura.

A intervenção proposta no espaço, prevê a construção de uma estrutura para dar apoio a eventos culturais, que incentivem o surgimento de pequenos negócios locais (Imagem 3).

Imagem 3 · Solução de intervenção. Espaço localizado ao lado da creche familiar da Cova da Moura.

Isso se dará através de uma oficina de marcenaria que será oferecida ainda no ano de 2016 ao mesmo grupo de jovens, onde estes irão executar as peças de mobiliário que farão parte do espaço.

A segunda experiência está sendo conduzida em São Luís do Maranhão, onde o investigador realizou nos meses de janeiro e fevereiro de 2016 sob supervisão, o workshop LABDES - Laboratório de Design Social do Desterro junto a um grupo de moradores e alunos de uma escola localizada no bairro do Desterro. A proposta teve o mesmo foco do projeto Kowork, discutir soluções para os problemas e como aproveitar as potencialidades do bairro (Imagem 4).

Imagem 4 · LABDES-Desterro. Discussão sobre problemas e oportunidades no bairro do Desterro.

A área escolhida pelos moradores está localizada em um espaço que no passado fez parte de uma zona de prostituição, onde antes havia uma edificação que desabou há cerca de 40 anos e atualmente sofre com o abandono e acúmulo de lixo (Imagem 5).

Imagem 5 · Área para intervenção. Espaço localizado a esquina das ruas Jacinto Maia e 28 de julho.

O grupo propôs a construção de uma área de convivência que pudesse ser utilizada como espaço de descanso, mas também para o lazer e apresentação de eventos culturais (Imagem 6).

Imagem 6 · Solução de intervenção. Área de descanso, lazer e entretenimento.

Conclusões / Conclusions É grande o potencial de transformação em áreas degradadas de bairros em situação de vulnerabilidade social, através de ações de Design Social baseadas em processos de microplanejamento. Usar este caminho como forma de incentivo a participação e empoderamento de comunidades, analisando o quanto estas apreenderam suas dinâmicas, além do seu impacto social e sustentabilidade ao longo do tempo, se torna primordial para que esta investigação possa contribuir de forma significativa em futuras ações do gênero. No momento as ações iniciadas nos bairros começam a seguir caminhos distintos para suas respectivas implementações. No bairro da Cova da Moura nos arredores de Lisboa, a ação se encontra suspensa temporariamente devido a necessidade de autorização do proprietário do terreno escolhido pelo grupo de moradores.

Já no bairro do Desterro, foi possível formar uma rede de projeto mais ampla que envolve não só os moradores, mas também entidades localizadas no bairro e que atuam junto ao centro-histórico de São Luís do Maranhão, fazendo com que estas iniciassem ações como a limpeza e pintura, assim como a realização de duas “ocupações” culturais no espaço escolhido, mesmo sem a prévia autorização do proprietário. No entanto, a medida que essas ações se desenrolaram e ganharam notoriedade, necessidades de protagonismo político por parte de grupos específicos se evidenciaram, demonstrando a complexidade em torno da implementação e sustentabilidade deste tipo de ação. No momento se apresenta como questão de análise preponderante, como o contexto cultural e das dinâmicas políticas dos locais investigados influenciam os projetos de Design Social. Que fatores foram determinantes para que certas etapas do projeto ocorressem com maior facilidade no Brasil do que em Portugal. E de que maneira estas duas iniciativas podem colaborar para a formação de redes de projeto que viabilizem a implementação e sustentabilidade de projetos que melhorem a qualidade de vida de moradores de bairros em situação de vulnerabilidade social. Referências bibliográficas / References Cardoso, Rafael. (2014). Design para um mundo complexo. São Paulo: Cosac Naify. Cross, Nigel. (2011). Design thinking: undestanding how designers think and work. Oxford/New York: Bloomsbury Academic. De Masi, Domenico (org.). (2003). A Sociedade Pós-Industrial. São Paulo: Editora SENAC São Paulo. 3ª ed. Design Council. (n.d.). Design methods for developing services: An introduction to service design and a selection of service design tools. Disponível em: http://www.designcouncil.org.uk/sites/default/files/asset/document/Design%20methods %20for%20developing%20services.pdf DIEESE. (2007). Aspectos sociais da vulnerabilidade Social. São Paulo: DIEESE/MTE. Franzato, Carlo. (2011). O processo de inovação dirigida pelo design: um modelo teórico. In REDIGE – Revista de Design, Inovação e Gestão Estratégica. Rio de Janeiro: SENAI-CETIQT. v. 2, n. 1.

Endeavor. (2015). Ferramenta: Análise SWOT. Disponível em: https://endeavor.org.br/ferramenta-analise-swot/. Endeavor. (2015). Ferramenta:5W2H: Aprenda a responder às perguntas certas de Gestão dos Projetos. Disponível em: https://endeavor.org.br/5w2h-aprenda-responderperguntas-certas-de-gestao-dos-projetos/. Fuad-Luke, A. (2009). Design Activism: beautiful strangeness for a sustainable world. London: EarthScan. Goethert, R; Hamdi, N; Gray, S; Slettebak. (1992). La Microplanificácion: Un processo de Programación y Desarrolo con Base en la Comunidad. Washington: Banco Mundial. Gomez, R.O; González, R, M; Fernandéz; G,R. (orgs.). (2007). Herramientas de Planeamiento Participativo para la Gestión Local y el Hábitat. Havana: PNUD. Laski, Julie. (2013) Design and Social Impact: A Cross-Sectoral Agenda for Design Education, Research, and Practice. In Social Impact Design Summit. New York: Smithsonian Cooper-Hewitt National Design Museum, The Lemelson Foundation, National Endowment for the Arts. Manzini, E. (2008). Changing the Change. In Changing the Change: Design, Visions, Proposals e Tools Proceedings. Torino: Politecnico di Milano/Politecnico di Torino. Manzini. E. (2008). Design para inovação social e sustentabilidade: comunidades criativas, organizações colaborativas e novas redes projetuais. Rio de Janeiro: Epapers. Margolin, V. (2008). Changing the Change. In Changing the Change: Design, Visions, Proposals e Tools Proceedings. Torino: Politecnico di Milano/Politecnico di Torino. Margolin, V; Margolin, S. A “Social model” of Design: Issues of practice and research. In Design Issues. Massachusetts: MIT Press, Vol. 18, N.4, pp. 24-30. Papanek, Victor. (1971) Design for the Real World. Chicago: Academy Chicago Publishers. Rosa, Marcos L. (org.). (2013). Microplanejamento: práticas urbanas criativas. São Paulo: Editora de Cultura. Sanders, E. B.; Stappers, P. J. (2008). Co-creation and the new landscapes of design. CoDesign, v. 4, n. 1, p. 5-18, Disponível em: http://www.tandfonline.com/doi/abs/10.1080/15710880701875068#.UhEZ3NJWySo Veiga C; Amendra, R. (2014). Social Design Principles and Practices. In Proceedings of

the Design Research Society Symposium (DRS-2014), Umea, Sweden: june 2014 (pp. 572-583).

Agradecimentos / Aknowledgements (opcional) Aos moradores dos bairros do Alto da Cova da Moura e do Desterro, a todos os colaboradores das entidades dos referidos bairros e à CAPES (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior) cuja bolsa de doutorado viabiliza esta investigação.

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