Desigualdades em saúde e raça/cor da pele: revisão da literatura do Brasil e dos Estados Unidos (1996-2005)

June 5, 2017 | Autor: Ceci Noronha | Categoria: Saúde Coletiva, Saúde
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de Araújo, Edna Maria; Nascimento Costa, Maria da Conceição; Vilar Noronha, Ceci; Hogan, Vijaya K.; Vines, Anissa I.; Araújo, Tânia Maria de Desigualdades em saúde e raça/cor da pele: revisão da literatura do Brasil e dos Estados Unidos (1996-2005) Saúde Coletiva, vol. 40, núm. 7, 2010, pp. 116-121 Editorial Bolina Brasil Disponible en: http://redalyc.uaemex.mx/src/inicio/ArtPdfRed.jsp?iCve=84215105005

Saúde Coletiva ISSN (Versión impresa): 1806-3365 [email protected] Editorial Bolina Brasil

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desigualdade racial e saúde Araújo EM, Costa MCN, Noronha CV, Hogan VK, Vines AI, Araújo TM. Desigualdades em saúde e raça/cor da pele: revisão da literatura do Brasil e dos Estados Unidos (1996-2005)

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Desigualdades em saúde e raça/cor da pele: revisão da literatura do Brasil e dos Estados Unidos (1996-2005) A relação entre raça/cor da pele/etnia e saúde tem sido investigada nos Estados Unidos desde os anos 1980. No Brasil, estudos dessa natureza ocorreram cerca de dez anos depois. Este estudo tem como objetivo comparar a produção científica sobre desigualdade racial em saúde no Brasil e nos Estados Unidos. Foi revisada a literatura brasileira e norte-americana em Saúde Pública/Epidemiologia, que abordou a variável raça/cor/etnia. Obtiveram-se 63 estudos, dos quais 56 eram norte-americanos e sete brasileiros. A literatura do Brasil e dos Estados Unidos sobre o tema ainda é escassa. Assim, o investimento em pesquisas que visem a superar as limitações dos estudos de desigualdades raciais em saúde poderá representar uma grande contribuição para o alcance da equidade em Saúde Pública. Descritores: Desigualdade, Raça/cor/etnia, Saúde, Equidade. The relation between skin/ethnicity race/color and health has been investigated in the United States since the 1980s. In Brazil, this issue started to be considered 10 years later. This study aims to compare the scientific production on health social inequality in Brazil and the U.S. The American and Brazilian literatures in Public Health/Epidemiology on health inequalities according to race/color of skin were reviewed. From Sixty-three studies reviewed, 56 were Americans and 7 were Brazilians. Both literatures are still scarce. Investment in research aiming to overcome these limitations in the studies on health inequalities based on race/ skin color can represent a great contribution of Public Health to the deconstruction of these inequalities in health. Descriptors: Inequality, Race/color/ethnicity, Health, Equity. La relación entre el color de la piel/etnia y la salud ha sido investigada en los Estados Unidos de América desde los años 1980. En Brasil, esos estudios tuvieron lugar diez años después. Este estudio tuve como objetivo comparar la producción científica y influjo de la desigualdad racial en la salud de Brasil y en los EEUU. Tratase de una revisión de literatura de la Salud Pública / Epidemiología con la variable raza/color/etnia. Se obtuve 63 estudios, entre ellos 56 de EEUU y 7 del Brasil. La literatura de los países sobre el tema aun es escasa. Las investigaciones que logren superar las limitaciones de los estudios sobre las desigualdades raciales en la salud podrán representar gran contribución para el logro de la equidad en la Salud Pública. Descriptores: Desigualdades, Raza/color/ethnicity, Salud, Equidad.

Edna Maria de Araújo

Vijaya K. Hogan

Maria da Conceição Nascimento Costa

Anissa I. Vines

Doutora em Saúde Pública. Professora Adjunta da Universidade Estadual de Feira de Santana. [email protected] Doutora em Saúde Pública. Professora Associada do Instituto de Saúde Coletiva da Universidade Federal da Bahia.

Ceci Vilar Noronha

Doutora em Saúde Pública. Professora Associada do Instituto de Saúde Coletiva da Universidade Federal da Bahia.

Recebido: 02/12/2009 Aprovado: 13/04/2010

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Doutora em Epidemiologia. Professora Adjunta da Universidade de Carolina do Norte em Chapel Hill, Carolina do Norte, EUA. Doutora em Epidemiologia. Professora adjunta da Universidade de Carolina do Norte em Chapel Hill, Carolina do Norte, EUA.

Tânia Maria de Araújo

Doutora em Saúde Pública. Professora Titular da Universidade Estadual de Feira de Santana.

INTRODUÇÃO falta de equidade entre os diferentes segmentos populacionais segundo raça/cor da pele/etnia é uma característica marcante, tanto na população do Brasil como na dos Estados Unidos. Aproximadamente 50% e 12,3%, respectivamente, da população desses países são constituídas de afrodescen-

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isso poderá contribuir para a sua desvalorização enquanto dentes1,2 e, embora a escravidão tenha sido abolida dos mesmedida científica33,34. Os problemas com a classificação racial mos há mais de um século, seus resquícios ainda se fazem presentes e se traduzem no fato de a população negra estar também são referidos, haja vista que a auto percepção das sempre em desvantagem, quando comparada com a popupessoas sobre sua raça/cor pode mudar com o tempo35-37. Por lação branca no que se refere à maioria dos indicadores de sua vez, os estudos nessa área têm demonstrado diferenças situação econômica e de saúde3-5. estatisticamente significantes sem, contudo explorar potenciais fatores socioambientais subjacentes, o que poderá reforçar Nos Estados Unidos, a variável “raça” tem sido analisada a crença que o estado de saúde é uma função primariamente em investigações médicas e de Saúde Pública para quantificar inerente aos grupos racial/étnico ou ao indivíduo34,38. diferenciais nas condições de saúde e, se revelado como um importante preditor do estado de saúde. Considerando que Na perspectiva de que além das expressões dos movimentos já se encontra estabelecido pela ciência que as variações sociais, a produção acadêmica deva servir de base para a genéticas entre as raças humanas não são capazes de formulação de políticas públicas e intervenções de âmbito explicar os diferenciais em saúde por grupos de cor6-8, populacional, a atenção para as referidas limitações e a busca por sua redução revestem-se de especial importância alguns pesquisadores têm buscado esclarecer tais diferenças para a Saúde Pública. Portanto, assumindo o pressuposto fundamentando-se na teoria de determinação social, segundo de que raça/cor da pele é uma construção social geradora a qual, é a posição ocupada pelos indivíduos e grupos no de desigualdade, esse estudo tem como objetivo comparar espaço social, ou seja, a forma como os homens relacionama produção científica sobre desigualdade se entre si e com a natureza no processo racial em saúde segundo a raça/cor/etnia de trabalho que desempenha o principal no Brasil e nos Estados Unidos. papel na determinação da doença e de sua desigual distribuição na população9. “FORAM IDENTIFICADAS 63 METODOLOGIA Entretanto, a situação socioeconômica PUBLICAÇÕES EM PERIÓDICOS Trata-se de estudo de revisão da literatura não tem explicado totalmente as brasileira e dos Estados Unidos, que abordesigualdades observadas entre segmentos DA ÁREA DE SAÚDE PÚBLICA/ dou a variável raça/cor/etnia em estudos de cor4,5,10-13, fato que levou autores norteEPIDEMIOLOGIA, REFERENTES de desigualdades sociais em saúde, americanos argumentarem que raça é um publicada em periódicos de Saúde Pública fator de risco que representa as experiências AO PERÍODO DE 1996 A 2005 e Epidemiologia, entre 1996 e 2005. não mensuradas dos negros, devendo EM QUE A VARIÁVEL RAÇA/COR Foram levantadas e analisadas as assim ser identificadas. Nessa perspectiva, publicações relacionadas ao tema de observa-se que, em geral, para avaliar DA PELE/ETNIA FOI ABORDADA. interesse em revistas indexadas pelas desigualdade esses autores fazem distinção ESTAVAM REDIGIDOS NA bases de dados LILACS (Literatura Latino para o termo “raça” como uma variável e, Americana e do Caribe em Ciências Sociais), LÍNGUA INGLESA 56 ARTIGOS em substituição, usam o termo “racismo” MEDLINE (Literatura internacional da área como a verdadeira exposição que cria a (88,9%) E SETE NA LÍNGUA médica e biomédica) e SCIELO (Biblioteca desigualdade em saúde. PORTUGUESA (11,1%)” Cientifica Eletrônica). A escolha destas bases No caso do Brasil, país que tem a de dados deu-se a sua representatividade maior população de afrodescendentes na em revistas reconhecidas como de alta diáspora, as desigualdades sociais entre qualidade no campo. grupos e a falta de equidade em saúde são Foram selecionados artigos originais completos e de revisão, temas pouco explorados na literatura de Saúde Pública14,15. publicados em português e em inglês, e identificados a partir A produção acadêmica sobre o tema é escassa e recente, de combinação booleana, ou seja, busca na base de dados e esse atraso é atribuído à crença cultivada, ao longo dos utilizando-se vários descritores ao mesmo tempo. Os descritores anos, de que este é um país onde há “democracia racial” escolhidos na língua portuguesa foram: desigualdade social, e, portanto, não haveria razão para se investigar diferenças, desigualdade em saúde, raça/cor, raça/etnia; condições de decorrentes de racismo, entre grupos16. Contudo, essa crença saúde; saúde pública; e na língua inglesa: health inequalities, se desvela cada vez mais através dos diferenciais observados race/color, race/ethnicity, health status or public health. nos indicadores sociais investigados no campo da economia, Todas as publicações foram lidas integralmente, e as justiça, educação e mercado de trabalho que apontam piores informações obtidas de cada uma delas eram registradas em condições de vida para a população negra3,16-18. uma planilha com os seguintes itens: idioma em que o artigo foi Estudos sobre desigualdades em saúde no Brasil têm escrito; objetivo do estudo; desenho e população; se descritivo ou mostrado, principalmente, diferenças regionais e entre analítico; se a definição da variável raça/cor da pele/etnia estava estratos sociais19-25. Só mais recentemente, alguns autores explicitada; perspectiva/contexto em que a variável raça/cor ou começaram a investigar a exclusão social de negros e as raça/etnia foi trabalhada pelo autor (variável sociodemográfica, condições de saúde destes, dando ênfase aos diferenciais cultural, status socioeconômico ou racismo); área que o artigo se entre grupos segundo raça/cor da pele/etnia14,26-32. refere (Saúde da Mulher, Saúde da População, Saúde de grupos Do ponto de vista metodológico, a literatura tem apontado específicos e outros); metodologia utilizada; principais resultados; algumas limitações nos estudos de desigualdades raciais em se foram feitas recomendações voltadas para políticas públicas; saúde. A primeira delas se refere à falta de definição de raça/ cor como variável histórico social, sob o argumento de que

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se as diferenças observadas eram estase a variável raça/cor da pele/etnia foi testada tisticamente significantes. como fator de risco e se esta hipótese foi “A ESCASSA PRODUÇÃO DESSA Estabeleceram-se como critérios de comprovada; foi-se estabelecido o propósito inclusão os artigos terem sido publicados de incluir a variável raça ou etnia no estudo; LITERATURA NO BRASIL SE no Brasil ou Estados Unidos no período como o (s) autor (es) se referiu (ram) a raça DEVE AO FATO DA INCLUSÃO definido para o estudo e serem originais ou etnia na análise; se as limitações dos completos ou de revisão. estudos foram discutidas e quais as principais DA VARIÁVEL RAÇA/COR Foram utilizados os termos “raça/cor da conclusões do autor. NAS ESTATÍSTICAS VITAIS pele/etnia” para fazer referência às formas Cada estudo revisado foi classificado (CERTIDÕES DE ÓBITO E DE como essa variável tem sido usada nos como descritivo quando não apresentava dois países. um grupo de comparação, sua aborNASCIDOS VIVOS) TER SIDO A análise descritiva dos dados foi feita dagem se restringia à caracterização epiDECRETADA SOMENTE EM utilizando-se o programa estatístico STATA demiológica do fenômeno estudado na versão 9. população e era utilizado ou não um 1996 E, ASSIM MESMO, teste estatístico para verificar diferenças POR PRESSÃO DO RESULTADOS entre as características descritivas da poForam identificadas 63 publicações em pulação. Foram classificados como esMOVIMENTO NEGRO” periódicos da área de Saúde Pública/ tudos analíticos aqueles que, além de Epidemiologia, referentes ao período de descreverem as diferenças referidas, tam1996 a 2005 em que a variável raça/cor da bém avaliaram a existência de associação pele/etnia foi abordada. Estavam redigidos na língua inglesa (causal ou não), e usaram teste estatístico para mensurar 56 artigos (88,9%), e sete na língua portuguesa (11,1%).

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somente em 1996 e, assim mesmo, por pressão do Movimento Os artigos de revisão foram publicados em 31 periódicos Negro. Entretanto, esta inclusão somente veio a se efetivar em norte-americanos e em três brasileiros. A maioria dos artigos 199844, tornando possível, a partir daí, o monitoramento das brasileiros e dos Estados Unidos (68,7%) foi publicada entre 2002 e 2005. desigualdades em saúde segundo raça/cor. O retardamento Observou-se que 52 estudos eram do tipo transversal, sendo no monitoramento dessa variável é uma das possíveis 11 do tipo inquérito. Do restante, seis eram de vigilância, três explicações para que as primeiras publicações de estudos ecológicos e dois longitudinais. A definição explícita da variável de desigualdades raciais em saúde somente aparecessem, raça/cor da pele/etnia, como construto histórico social foi em periódicos de grande impacto nacional, a partir de encontrado em apenas três artigos em inglês e um em português. 2002. Coincidentemente, nesse mesmo período ocorreu um Os autores norte-americanos, em geral, tiveram como aumento de publicações sobre racismo e saúde nos Estados objetivo a investigação de diferenciais racial/étnico Unidos, maior intercâmbio acadêmico entre esses dois países com vistas a evidenciar desigualdades raciais em saúde e maior denuncia sobre as desigualdades raciais em saúde no que se refere à autoavaliação de saúde, morbidade, pelo Movimento Negro no Brasil. mortalidade, condição socioeconômica, Embora a classificação racial dos Estados hospitalização, utilização de serviços de Unidos inclua grupos étnicos, foi observasaúde, acesso e recebimento de cuidados do que poucos autores fizeram distinção “SÃO POUCOS OS ESTUDOS de saúde, orientação sexual, motivação considerando etnia. Os autores brasileiros profissional e exposição a riscos amusaram a classificação essencialmente BRASILEIROS E NORTEbientais e ocupacionais. Os autores brafenotípica e, destacadamente, fizeram AMERICANOS QUE sileiros deram mais ênfase à forma de comparação entre negros e brancos, o classificação racial e aos diferenciais na que pode estar indicando uma maior DESTACARAM O RACISMO saúde entre segmentos de cor. polarização da desigualdade em saúde E A DISCRIMINAÇÃO, Em geral, autores norte-americanos entre esses dois grupos, tanto nos Estados e brasileiros destacaram as diferenças Unidos36 como no Brasil e, possivelmente, EXPLICITAMENTE, COMO observadas entre grupos que apontavam represente a forma de como o racismo FATORES DE EXPOSIÇÃO piores indicadores para a população negra estabeleça a sua maior expressão. No sendo essas diferenças estatisticamente Brasil, além do critério de discriminação ÀS DISPARIDADES EM significantes em todos os estudos em que os fenotípica é agregado o de posição social SAÚDE, IMPLICANDO NA autores utilizaram algum teste estatístico. determinando dupla desigualdade para NECESSIDADE DE SER Nos estudos analíticos a variável raça/ quem é “preto” e pobre46. Nos Estados cor da pele/etnia foi avaliada como variável Unidos esta classificação se fundamentou ESTIMULADA A REALIZAÇÃO de confusão (24,2%), modificador de no conceito de “raça pura” que prevê DE INVESTIGAÇÕES QUE efeito (3,0%) e foi associada positivamente critérios ainda mais excludentes15,26,45,49. ao evento investigado em 84,4% deles. Portanto, os pesquisadores de ambos AVALIEM A CONTRIBUIÇÃO, Na seção “Discussão”, somente em alguns os países, devem atentar para se, dentre TANTO DO RACISMO QUANTO artigos foram feitas recomendações voltadas outros fatores, o racismo e discriminação para a adoção ou implementação de não estão estruturando as desigualdades DA DISCRIMINAÇÃO NA políticas públicas. As limitações dos estudos raciais em saúde. PRODUÇÃO DE DISPARIDADES revisados estavam descritas em 75,9% dos Sem dúvida, foi marcante a importância artigos norte-americanos e 80% dos artigos dos fatores socioeconômicos na relação EM SAÚDE” brasileiros e se referiam, em grande parte, entre raça/cor e saúde, mas estes fatores aos desenhos utilizados. Em quatro artigos sozinhos não explicaram toda a associação. publicados em inglês e um em português os Entretanto, cabe a ponderação de que grande autores propuseram metodologias específicas para a mensuração parte dos artigos revisados era do tipo transversal, portanto, de desigualdades raciais em saúde37,39-42. sujeitos a limitação de se referirem a um corte no tempo, sem indicar relação de causalidade. A presente revisão evidencia que no período de 1996 a O fato de 93,7% dos estudos revisados não apresentarem 2005, a produção científica sobre disparidades raciais em uma clara definição da variável raça/cor da pele/etnia que, saúde, apesar de ascendente, ainda é escassa nos Estados como já referido, pode contribuir para a sua desvalorização Unidos e incipiente no Brasil a despeito do aumento dos enquanto medida científica33,34, assim como a quase estudos sobre desigualdade em saúde observado por Almeida Filho et al43 e da pesquisa epidemiológica reportada inexistência de ênfase aos possíveis fatores subjacentes às desigualdades raciais, mesmo nas investigações que por Barreto 44. Uma das questões fundamentais apontadas encontraram associação estatisticamente significante, por Krieger45 para a baixa produção de pesquisas sobre reafirmam as limitações que são reportadas por Williams33 desigualdades raciais em saúde nos Estados Unidos se refere à falta de vontade política das agências de fomento para Jones et al38, e Lillie-Blanton & LaVeist34. É possível que a troca financiar estudos nessa perspectiva. de saberes interdisciplinar, por exemplo entre as Ciências da A escassa produção dessa literatura no Brasil pode se dever Saúde e as Ciências Sociais, possibilite a superação dessas ao fato da inclusão da variável raça/cor nas estatísticas vitais limitações de forma mais rápida e efetiva. (certidões de óbito e de nascidos vivos) ter sido decretada

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suas pesquisas sobre as desigualdades em Em contrapartida, 21,1% dos estudos saúde segundo raça/cor. Curiosamente, revisados eram do tipo inquérito, o “O RECENTE EDITAL PARA no Brasil, os poucos avanços observados que propiciou a autoclassificação de em termos de políticas públicas de saúde raça/cor dos sujeitos envolvidos que FINANCIAMENTO DE PESQUISAS para a população afro descendente, é considerado padrão ouro15, além de SOBRE DESIGUALDADES SOCIAIS como a Política Nacional de Saúde permitir a construção de indicadores Integral da População Negra assim como específicos de “raça” oriundos de uma EM SAÚDE COM ENFOQUE NA a criação de Secretarias Especiais de mesma fonte, auferindo, desse modo, SAÚDE DA POPULAÇÃO NEGRA Reparação e de Grupos de Trabalhos maior confiabilidade aos dados. Portanto, PELO CONSELHO NACIONAL DE em Saúde, refletem o reconhecimento essa proporção de investigações do tipo da existência de desigualdade racial inquérito pode estar expressando uma DESENVOLVIMENTO CIENTÍFICO em saúde e racismo institucional. Esse tendência de superação de uma das E TECNOLÓGICO (CNPQ) reconhecimento também foi expresso limitações atribuídas a essa literatura. na declaração de um Ministro da Saúde Cabe salientar que são poucos os É UM INDÍCIO DE QUE ESSA sobre a existência de distinção na estudos brasileiros e norte-americanos que QUESTÃO JÁ ESTÁ SENDO assistência dispensada a negros e brancos destacaram o racismo e a discriminação, pelo Sistema Único de Saúde47. Vale explicitamente, como fatores de exposição COLOCADA NA PAUTA DA às disparidades em saúde, implicando na destacar ainda, o protagonismo e força AGENDA GOVERNAMENTAL necessidade de ser estimulada a realização dos movimentos sociais, especialmente de investigações que avaliem a contribuição, o Movimento Negro, ao colocar na NA PERSPECTIVA tanto do racismo quanto da discriminação na agenda governamental essa preocupação ANUNCIADA” produção de disparidades em saúde. independentemente de uma expressiva Faz-se necessário destacar ainda que, produção acadêmica sobre o tema. mesmo os autores norte-americanos enfrentando a falta de priorização de recursos para as suas CONSIDERAÇÕES FINAIS investigações, são inegáveis o avanço e a abrangência de O que está em foco não é a mensuração de forças entre o poder público e a sociedade civil organizada, mas a oportunidade

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1. Unite tion. US http://w 2. Fund terística FIBGE; 3. Hase Graal; 1 4. Willi thodolo 5. Willi demiol. 6. Coop miologi 7. Osbo 8. Pearc 9. Breilh 10. Jam ryism, a 11. Krie gic theo 12. Krie miology 13. Wil racism 14. Cun ternet]. 15. Trav de públ 16. Gui cismo n 17. Has Maio M Fiocruz 18. Gui 1995;2 19. Lim por cau 1998;1 20. Mo ra de v 1999;1 21. Szw micide 22. Bara cos em 23. Vian saúde n 24. Cos vida: a Saúde P 25. Mac mortali Pública

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de a produção acadêmica no campo da Saúde Pública ser demandada pela necessidade social. Nesse sentido, o recente Edital para financiamento de pesquisas sobre desigualdades sociais em saúde com enfoque na saúde da população negra pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Cientifico e Tecnológico (CNPq) é um indício de que essa questão já está sendo colocada na pauta da agenda governamental na

perspectiva acima anunciada. Além disso, o investimento em pesquisas que considerem as limitações relacionadas aos estudos de desigualdades em saúde segundo raça/cor, no sentido de superá-las, poderá representar uma grande contribuição da Saúde Pública para a desconstrução dessas disparidades ao fomentar a criação de políticas e intervenções focalizadas.

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