DESLOCAMENTOS FORÇADOS POR QUESTÕES AMBIENTAIS: HAITIANOS NO BRASIL

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TERCEIRO SETOR E TRIBUTAÇÃO (Coordenação José Eduardo Sabo Paes) Volume 7, Rio de Janeiro: Forense, 2015, p. 111-135

DESLOCAMENTOS

FORÇADOS

POR

QUESTÕES

AMBIENTAIS:

HAITIANOS NO BRASIL Leila Bijos Sumário: Introdução – 1. Trajetórias Migratórias e Inserção Laboral – 1.1 MINUSTAH – 1.2 Processos de Reconstrução Democrática no Haiti – 1.3 Organizações Internacionais e o Deslocamento de Haitianos – 2. Recepção Brasileira de Imigrantes Haitianos – 3. Atuação do Terceiro Setor no Haiti: exemplo de sucesso Casa Brasil – Conclusão - Referências

Palavras-chave: Movimentos Migratórios e Refúgio. Respostas Humanitárias. Política Brasileira de Atenção aos Haitianos. Atuação do Terceiro Setor: Casa Brasil. INTRODUÇÃO A crise financeira e econômica internacional se apresenta como um grande choque no panorama da imigração, que durante as últimas décadas se manteve em ritmo acelerado. Neste contexto, estereótipos da migração é um tema relevante pela sua atualidade, principalmente no que concerne à análise do perfil dos cidadãos que decidem partir do hemisfério Sul para os países do Norte em busca de melhores oportunidades de trabalho e qualidade de vida. A história da humanidade sempre esteve marcada por processos migratórios, principalmente nos últimos 500 anos nas Américas, o que resultou na atual estrutura demográfica de duplicação do número de habitantes no continente. No que refere à América Latina, sobressaem-se os conflitos centro-americanos, a guerra civil na Colômbia, as ditaduras militares na América Central e América do Sul, os terremotos, a ausência de políticas sociais e econômicas. O Brasil enfrenta um dilema humanitário com levas de imigrantes, a maioria proveniente dos países vizinhos, bolivianos, paraguaios, peruanos, chilenos, argentinos, colombianos, e ultimamente, um número expressivo de haitianos. Não se pode abordar a questão migratória desvinculada dos problemas econômicos ocasionados pelo sistema vigente, globalizado e neoliberal.

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As tendências migratórias na América Latina e Caribe, nas últimas três décadas, mostram um fenômeno preocupante para a agenda hemisférica e global. O fluxo migratório que se apresenta como expressivo no sentido Sul-Norte é impulsionado, de um lado, pelas diferenças econômicas internacionais e, de outro, pelas agudas insuficiências estruturais dos países em desenvolvimento, ou pelos deslocamentos ambientais, como é o caso dos haitianos. O Brasil tem propiciado um ambiente de proteção favorável oferecido aos refugiados, como iniciativa do Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (ACNUR), reafirmando o princípio da não-devolução (non-refoulement), a importância da reunificação familiar e a priorização das abordagens de idade, gênero e diversidade. No que se refere aos haitianos, o Brasil marcou forte presença depois do terremoto que devastou o Haiti no dia 12 de janeiro de 2010, sendo significante cooperador internacional, doando em maio de 2010 um montante US$ 55 milhões. As doações emergenciais corresponderam

a quatro mil toneladas em alimentos, água,

medicamentos, artigos de vestuário, barracas e outros artigos humanitários às vítimas do terremoto. Outro fator preponderante na ajuda humanitária brasileira é que o Brasil é signatário dos principais tratados internacionais de direitos humanos, é membro atuante na Convenção das Nações Unidas de 1951 sobre o Estatuto dos Refugiados e no seu Protocolo de 1967. Como parte de suas ações humanitárias pró-ativas, o Brasil promulgou em julho de 1997 a sua lei de refúgio nº 9.474/97, contemplando os principais instrumentos regionais e internacionais sobre o tema. Ao debruçar-nos sobre a definição ampliada de refugiado estabelecida na Declaração de Cartagena de 1984, que considera a “violação generalizada de direitos humanos” como uma das causas de reconhecimento da condição de refugiado. Atualmente o Brasil possui mais de 4.689 refugiados reconhecidos de 79 nacionalidades distintas, sobressaindo-se o grupo de mulheres, e grupos distintos de Angola, Colômbia, República Democrática do Congo (RDC) e Iraque. Este perfil com dados do Comitê Nacional para os Refugiados (CONARE), um órgão interministerial presidido pelo Ministério da Justiça, agregou, recentemente, refugiados sírios que buscam uma estabilidade econômica e social no Brasil, em face dos conflitos políticos vivenciados nos últimos dois anos.

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O número de pedidos de refúgio mais que triplicou nos últimos cinco anos, devido às crises mundiais na Síria, Mali, RDC e Costa do Marfim. O ACNUR trabalha em parceria com o governo (nos âmbitos federal, municipal e estadual), com o setor privado e organizações da sociedade civil que operam em regiões estratégicas do país. Os projetos mais relevantes são implementados por Organizações NãoGovernamentais (ONGs) localizadas nos estados de São Paulo e Rio de Janeiro, mas atendem as populações de refugiados mais expressivas no Rio Grande do Sul, Amazonas e Distrito Federal. No desenvolver do trabalho, apresentaremos alguns casos de sucesso de ajuda humanitária aos refugiados, especificamente em relação aos haitianos.

1. TRAJETÓRIAS MIGRATÓRIAS E INSERÇÃO LABORAL Ao proceder-se ao exame das migrações e dos processos desenvolvimentistas, inúmeras pesquisas conduzem à emigração e levas de imigrantes oriundos de países em desenvolvimento que se dirigem a países desenvolvidos. Casos específicos narram a saga de cidadãos latino-americanos e caribenhos atraídos pelo sonho de sucesso nos Estados Unidos da América, na Europa e, nos mais remotos países asiáticos. No que se refere ao Brasil, este enfrenta um dilema humanitário com a grande quantidade de imigrantes, a maioria proveniente dos países vizinhos, bolivianos (BIJOS, 2013, p. 78), paraguaios, peruanos, chilenos, argentinos, colombianos, e agora, um grande número de haitianos. Desde a calamidade ocorrida no Haiti em janeiro de 2010, mais de quinze mil imigrantes haitianos já adentraram ilegalmente as fronteiras brasileiras pelo Acre e pelo Amazonas. Localizado na América Central, a antiga colônia francesa é a primeira república negra do mundo. O país mais pobre do Ocidente tem uma extensão territorial de 27.750 quilômetros quadrados, isto equivale ao tamanho do Estado de Alagoas e uma população composta de 9.801.664 habitantes. Destes 95% negros e 5% mulatos e brancos (LIBRARY PUBLICATIONS, 2014). O país tem duas línguas oficiais, o Francês e o Creole (idioma derivado do francês). O PIB per capita do Haiti é de US$ 669, isto é apenas 6% do PIB per capita brasileiro (SIMÕES, 2011). É o país mais pobre de toda a América, e em um total de

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169 países avaliados no Índice de Desenvolvimento Humano, ocupa ele a posição 145. Sendo ainda o único país das Américas a integrar a relação de Países de Menor Desenvolvimento Relativo das Nações Unidas. Aproximadamente 80% de sua população vivem abaixo da linha da pobreza, isto quer dizer, com menos de 1,25 dólar por dia e 54% em extrema pobreza (LIBRARY PUBLICATIONS, 2014). Do ponto de vista histórico, no final de 1700, mais de meio milhão de negros se revoltaram no Haiti, Toussaint L’Ouverture, um ex-escravo, liderou a independência. Em 1804 se tornou o segundo país independente das Américas. Durante a Primeira Guerra Mundial os Estados Unidos da América ocuparam o Haiti, a ocupação se estendeu até 1934, e durante este período os americanos controlaram as forças de segurança e a administração local. Em 1957 teve início da Ditadura Sangrenta, comandada por François Duvalier o “Papa Doc”, sua milícia perseguia e torturava seus opositores. Após sua morte em 1971, assume o poder seu filho Jean-Claude Duvalier o “Baby Doc”, que em 1986 é retirado do poder por protestos populares. Logo em seguida, no ano de 1987 é proclamada no Haiti uma nova constituição. Em 1990, com 67% dos votos é eleito o ex-padre, Jean Bertrande Aristide, que tem seu mandato interrompido por um golpe de estado em 1991. Aristide acaba sendo exilado e só retorna ao país em 1994. No ano de 2000 foi novamente eleito e acabou comandando um governo marcado pela corrupção e pela violação de direitos humanos. Em 2004, sofre um novo golpe e acaba sendo levado à força aos EUA. O Haiti tem sido assolado pela violência política durante a maior parte de sua história, que foi marcada por diversos governos ditatoriais e golpes de estado. Somente em maio de 2006 o Haiti conseguiu finalmente colocar no poder um presidente democraticamente eleito e instaurar um parlamento (LIBRARY PUBLICATIONS, 2014). Sua população presencia uma guerra civil e muitos problemas socioeconômicos, problemas estes agravados depois da catástrofe ocorrida em janeiro de 2010, quando um terremoto de magnitude 7.0 na escala Richter devastou a capital Porto Príncipe e seus arredores. Cerca de 300 mil pessoas morreram e mais de 500 mil ainda estão desabrigadas por 800 campos de refugiados espalhados pelo país. De acordo com dados da Agência Fides o terremoto destruiu 90% das escolas, 60% dos hospitais e deixou aproximadamente 1 milhão de órfãos. É importante ressaltar que: 4

Apesar de catástrofes como o furacão Jeanne, que passou pelo Haiti em 2004, foi o terremoto de 12 de janeiro de 2010 que estampou nos veículos de mídia de todo o mundo a já precária situação do país, agravada pela referida catástrofe natural que causou severo impacto na débil estrutura haitiana (PLACIDES & PEREIRA JÚNIOR, 2012).

Neste momento foram realçados também os trabalhos realizados pelas tropas brasileiras que estavam em missão de paz no país pela MINUSTAH. Os brasileiros foram adaptando seu modus operandi conforme a realidade do país se modificava, conforme elencado no próximo tópico.

1.1 MINUSTAH A Missão da Organização das Nações Unidas para Estabilização no Haiti (MINUSTAH) foi estabelecida pela Organização das Nações Unidas (ONU) no Haiti em 2004, visando salvaguardar a segurança institucional e estabilizar o país frente à crise política com a qual convivia (PLACIDES & PEREIRA JÚNIOR, 2012). Outros fatores importantes que precederam a intervenção da ONU no Haiti foram a violência urbana desmedida, a instabilidade das instituições democráticas e a queda do presidente Jean-Bertrand Aristide, desencadeando o caos, suscitando ação imediata em favor da segurança naquele país. Somados aos referidos problemas, os confrontos físicos, as disputas ideológicas e a ação das milícias armadas e de grupos criminosos tornaram a situação insustentável, o que chamou a atenção do Conselho de Segurança das Nações Unidas (CSNU), exigindo da sociedade internacional uma resposta enérgica, o que veio com a criação da MINUSTAH. Devido a fatores como os de identificação cultural e outros referentes à postura do Brasil no cenário internacional, atribui-se ao Brasil o comando do componente militar da missão de paz. O contingente brasileiro era composto por diversos militares das Forças Armadas, policiais e pessoal técnico e diplomático, cuja atuação gerou progressos, como também alguns pontos de ineficácia. A criação da MINUSTAH tinha, inicialmente, o objetivo de auxiliar o governo haitiano a assegurar um desenvolvimento seguro e estável, garantindo o bom andamento dos processos políticos e constitucionais no Haiti. No entanto, os problemas aumentaram e surgiram novos desafios para a população haitiana assim como para as pessoas que trabalhavam na MINUSTAH. 5

Ainda conforme os mesmos autores, o terremoto em 12 de janeiro de 2010, agravou a situação do país, deixou mais de 220 mil mortos e vários desaparecidos (UNIC, 2011), além de mais de um milhão de desabrigados. Tal evento ampliou a missão dos enviados brasileiros e da MINUSTAH. Em 2010, a MINUSTAH foi de fundamental importância para a reconstrução do país, que se arrasta até os dias de hoje. Após a catástrofe, o Brasil aumentou o contingente de aproximadamente dois mil homens e ao lado do Canadá, União Europeia, Estados Unidos, França e Espanha, apoiou a realização do processo eleitoral de 2011, quando Michel Martelly foi eleito presidente do país (MACEDO, 2011). Segundo o Ministério da Defesa cerca de 14 mil militares do Exército participaram da MINUSTAH. A estratégia brasileira de assistência ao Haiti abrange três áreas de atuação; a primeira é a cooperação técnica bilateral, que a Agência Brasileira de Cooperação (ABC) e o Ministério da Saúde prestam. Sendo importante salientar que é o Haiti o maior recebedor da cooperação técnica prestada pela ABC e o Ministério da Saúde é o maior ordenador de despesas. A segunda é a MINUSTAH e por último, a Comissão Interina de Reconstrução, que foi criada na Conferência de Doadores por um Novo Futuro para o Haiti. A forma peculiar como os brasileiros lidaram com a situação no Haiti, gerou admiração por parte dos haitianos, que viam o Brasil como uma nação “fascinante”, “admirável”. Além disso, segundo Placides e Pereira Júnior (2012 p. 174), [...] a participação dos brasileiros era diferente da de pessoas de outras nacionalidades na operação de paz no Haiti, e de que tal diferença era positiva no que concerne às benesses para a missão e para as pessoas, oriunda de uma relação profícua entre soldados e nacionais.

Politicamente falando, esta atuação brasileira poderia ter a pretensão de tornar o Brasil um membro permanente do Conselho de Segurança da ONU, no entanto, a vivência das tropas brasileiras em campo, as experiências e as percepções do pessoal brasileiro em sua atuação na operação de paz no Haiti, geraram uma relação de influência mútua entre agentes e estrutura, o que certamente influenciou também na decisão dos haitianos de se refugiarem no Brasil.

1.2 Processos de Reconstrução Democrática no Haiti

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Quando se fala da relação entre o Haiti e o Brasil sempre é citado o futebol, porém, muito mais profundamente, pode-se lembrar da presença incessante da força de paz brasileira no país há mais de oito anos, relação esta embasada nos direitos humanos. A conduta dos militares brasileiros junto aos haitianos não se limitava ao cumprimento das obrigações ante as Nações Unidas, mas consistia em vínculos mais profundos e intimistas do que as tropas de outras nacionalidades. Seu vínculo com a MINUSTAH ia além do contrato com a ONU e das obrigações militares com o Brasil. Placides e Pereira Júnior (2012, p. 187) mostram outra face da conduta de alguns dos militares brasileiros que denota superação dos limites oficiais da missão quando estes decidiram “apadrinhar crianças haitianas, auxiliando-as com doações, pagando mensalidades escolares, ensinando português”. Conforme os mesmos autores (p. 177), a missão de paz coordenada pelo Brasil no Haiti teve três fases distintas: a primeira, de 2004 a 2008, tinha o objetivo de pacificar, garantir a estabilidade e “evitar um colapso político e a assunção ao poder por grupos armados e criminosos”. O que fragilizaria o processo da reconstrução democrática. A segunda fase da missão, de 2008 até o início de 2010 consistia em urbanizar o país, cujos índices de violência ja haviam sido reduzidos, inclusive os assassinatos e sequestros. Investia-se também na capacitação profissional, na infraestrutura do país, em projetos contra a fome e combate à pobreza. A terceira fase se iniciou com o terremoto em 2010, momento em que muitos dos progressos alcançados pela missão voltaram à estaca zero. A partir daí as tropas brasileiras extrapolaram os limites da obrigação para realizar um trabalho de cunho humanitário, embora mantivessem suas funções elementares. Observa-se que o Brasil marcou forte presença também depois do terremoto que devastou o Haiti, sendo significante cooperador internacional, doando em maio de 2010 um montante US$ 55 milhões. Vale salientar que “Do ponto de vista emergencial, o Brasil doou volume próximo a quatro mil toneladas em alimentos, água, medicamentos, artigos de vestuário, barracas e outros artigos humanitários às vítimas do terremoto” (SIMÕES, 2011, p. 20) Em um país devastado não havia espaço, naquele momento, para oportunidades e melhoria da qualidade de vida. Tendo como base o engajamento das tropas brasileiras, as experiências pessoais vividas ao lado dos haitianos, estes viram no Brasil uma oportunidade de mudança de vida.

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Como o país padece de problemas sociais, ecológicos e políticos, principalmente o desemprego, os haitianos escolheram o Brasil como destino. Eles esperavam ter novas oportunidades de trabalho, visando juntar parte do dinheiro para enviar às suas famílias, seja para o sustento delas ou para financiar a vinda de mais um haitiano para o Brasil, onde sonham viver com mais dignidade. Além de ser visto como “um país muito receptivo”, o Brasil deslumbra estes cidadãos por ser a sexta maior economia do mundo, fazendo-os acreditar que aqui poderão reconstruir suas vidas e trazer suas famílias para uma terra estável, livre da fome e do desemprego. Conforme o ACNUR, uma das grandes atrações foi a Copa do Mundo de 2014 realizada no Brasil. Além disso, os haitianos são atraídos pelas possibilidades de emprego trazidas pelas Olimpíadas de 2016, também programadas para serem realizadas no Brasil.

1.3 Haitianos: Solicitação de refúgio Ao chegar ao Brasil, cruzando o Equador e o Peru, até chegarem à cidade de Brasiléia no Acre, os haitianos recorrem primeiramente à Polícia Federal, requerendo o status de refugiado. O pedido na maioria dos casos é indeferido, pois os haitianos não se enquadram nas definições previstas na Convenção de Genebra e no Protocolo de 67, definições estas consideradas ultrapassadas por teóricos modernos. A realidade vivida na época destes acordos feitos em prol dos refugiados se modificou e hoje presencia-se um mundo que sofre com calamidades naturais e novos problemas de estrutura. A Convenção de Genebra apenas atende a refugiados por motivos ocorridos antes de 1º de janeiro de 1951 e oriundos da Europa. O Protocolo de 1967 apenas complementou a Convenção, acabando com a reserva geográfica e temporal, fora isto manteve a definição de refugiado intacta. De acordo com alguns teóricos há uma nova classe de refugiados, os chamados refugiados ambientais, estes não se enquadram nem na Convenção nem no Protocolo, logo são tratados juridicamente apenas como imigrantes e não refugiados. Em 1969 a Organização da Unidade Africana (OUA), traz a Convenção Relativa aos Aspectos dos Refugiados Africanos, que vai um pouco além dos conceitos já estabelecidos anteriormente, ampliando o significado de refugiados. De acordo com a Convenção: 8

O termo refugiado aplica-se também a qualquer pessoa que, devido a uma agressão, ocupação externa, dominação estrangeira ou a acontecimentos que perturbem gravemente a ordem pública numa parte ou na totalidade do seu páis de origem ou do país de que tem nacionalidade, seja obrigada a deixar o lugar da residência habitual para procurar refúgio noutro lugar fora do seu país de origem ou de nacionalidade (OUA, 1969).

Ao se analisar a Convenção Relativa aos Aspectos dos Refugiados Africanos, o conceito de refugiado, a agressão, ocupação externa, dominação estrangeira, é preciso debruçar-nos sobre as modalidades de conflitos na África: On analyzing conflict in Africa it is necessary to understand that there is a range of intra- to inter-state conflicts, which affect the socioeconomic development of the continent. African countries have been involved in active civil war for some decades, and between the 1960s until the mid of 1990s mass violence has afflicted every nation, even those which got their independence experiencing personal injuries, physical and mental disorders, deaths, followed by the destruction of tribes, families bonds, wealth and infrastructure (BIJOS, Foreword in BISWARO, 2013).

O cenário geral mostra que aproximadamente oitenta mudanças governamentais ocorreram nos 48 países da África Subsaariana, e muitos destes diferentes países tiveram conflitos fatais envolvendo situações no Burundi, na República Democrática do Congo (DRC), Libéria, Ruanda, Serra Leoa, Somália e Sudão, dentre outros, além de um grande número de refugiados. A Declaração de Cartagena também trouxe uma ampliação do termo refugiado, mas vale lembrar que esta não possui poder jurídico, pois é apenas uma declaração e não um tratado e, neste caso, mesmo que seja desrespeitada por um Estado isto não configuraria em ilícito internacional. Autores como Morton e Laczko, Boncour (2008), reconhecem os “refugiados ambientais”, que são indivíduos que cruzam as fronteiras de seu país, por temor de ameaça às suas vidas ou integridades, em razão de secas, inundações, terremotos e outras catástrofes ambientais, sejam de origem natural ou decorrente da ação humana.

Nesse sentido, insere-se o contexto haitiano, de pessoas forçadas a deixar seu habitat natural, temporária ou permanentemente, por causa de uma marcante perturbação ambiental, desencadeada pelo terremoto de 2010, que colocou em risco sua existência e afetou seriamente sua qualidade de vida.

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Pode-se verificar que apesar de o assunto já ter sido tema de diversos debates e conferências, atualmente não há mecanismos jurídicos para enquadrar os “refugiados ambientais” como refugiados, e que fica discricionário ao país receptor, aplicar ou não estas recomendações, aceitando ou recusando a entrada destas pessoas em seu Estado. 1.4 Organizações Internacionais e o Deslocamento de Haitianos A atuação junto aos imigrantes haitianos é realizada especialmente pelo Escritório do Alto Comissariado da ONU para os Refugiados (ACNUR), que tem como missão proteger e assistir a milhões de pessoas privadas de seus lares e de segurança em todo o mundo. Quando sua situação resulta de conflitos, missões de paz da ONU freqüentemente se disponibilizam para proteger suas moradias. Quando elas ficam sem acesso a necessidades básicas como água, comida e saneamento, a família das Nações Unidas as fornece. Quando sua saúde está em perigo, o Sistema da ONU busca proteção (ONU, 2012, p. 01).

Não obstante o empenho da ONU verifica-se um grande deslocamento de haitianos por todo o mundo em busca de melhor qualidade de vida, pois em um país devastado já não há esperança de reconstrução, emprego, educação e saúde. De acordo com a ONU (2012), no final do ano de 2011 verificou-se o número de 1.785 solicitaçoes de refúgio em Cuba, Irã, Iraque e outros países, a maioria vindo do Haiti. Este fato fez com que o ACNUR realizasse um censo a fim de verificar a quantidade de pedidos de refúgio, a origem dos solicitantes, sua real situação e as providências tomadas em cada país. Nese sentido, o Brasil com um fluxo notável de imigrantes haitianos tem sua solidariedade reconhecida pelo ACNUR, que ressaltou o fluxo migratório iniciado em fevereiro de 2010, que se intensificou recentemente, especialmente nas cidades de Tabatinga e Basiléia, próximas à fronteira com o Peru. Os dados estatísticos disponibilizados no Quadro 01 mostram as autorizações para concessão de visto permanente ou residência permanente no Brasil.

Quadro 01 – Concessão de Visto pelo Conselho Nacional de Imigração

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Fonte: Conselho Nacional de Imigração, Coordenação Geral de Imigração, 2012

Evidencia-se, claramente, a evolução das solicitações de 0 em 2009, a 21.000 em 2010 e mais de 30.000 em 2011. De acordo com pesquisa realizada pela PUC de Minas Gerais, até o final de 2014, o Brasil receberá 50 mil imigrantes haitianos. Além de serem considerados como “refugiados ambientais”, vítimas de crises políticas, regimes ditatoriais, e terremotos, estes indivíduos ainda enfrentam problemas com os atravessadores e problemas de saúde derivados da condição na qual viviam ou das condições precárias em que são transportados para o Brasil. Outro fator importante observado pelo ACNUR é o elevado número de mortes causadas por tentativas de fuga pelo mar, com a utilização de embarcações impróprias. Os que conseguem chegar aos locais pretendidos ainda têm que conviver com o medo de serem presos ou mandados de volta para o Haiti. É de fundamental importância ter em mente que a vida de cada indivíduo sobressai no contexto do Direito Internacional dos Refugiados, o princípio da não-violência transparece em primeiro lugar. O instituto jurídico do asilo oferece ao ser humano um espaço de proteção no qual ele encontra-se

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livre da situação de sua terra natal, que ameaçava seus mínimos direitos humanos fundamentais (BIJOS, 2013, p. 21). Segundo o porta-voz do ACNUR, embora muitos destes haitianos não tenham os pré-requisitos exigidos para o pedido de refúgio, o Brasil lhes oferece abrigo, assistência médica e o visto humanitário, permitindo que eles fiquem no país e procurem emprego. O ACNUR, preocupado em manter os cidadãos em sua pátria de origem, vem oferecendo auxílio às autoridades dos países de onde o fluxo de migração é maior, especialmente ao Haiti, que na Conferência Ministerial do ACNUR de 2011, em Genebra, assumiu o compromisso de ratificar a Convenção para a Redução de Casos de Apátridas de 1961 (ACNUR, 2010). No entanto, para aqueles que já se foram de sua pátria em busca de melhores condições de vida em outros países, são oferecidas oportunidades de trabalho e integração que promovam sua autossuficiência econômica. No Brasil, um dos programas do governo para promoção dessa qualidade de vida para os refugiados, sob a coordenação do Ministério do Trabalho e Emprego, inclui a realização de oficinas com palestras para reflexão acerca dos principais problemas enfrentados pelos haitianos quanto à sua qualificação profissional e a inserção no mercado de trabalho.

2. RECEPÇÃO BRASILEIRA DE IMIGRANTES HAITIANOS O Comitê Nacional para Refugiados (CONARE) é um órgão colegiado, vinculado ao Ministério da Justiça, formado por representantes governamentais, civis e pelo ACNUR, e tem como principal função declarar em primeira instância o “status” de refugiado, verificando se os pedidos são procedentes e se foi efetivada a presença do temor de perseguição. O CONARE age em consonância ao Estatuto do Refugiado de 1951, com o Protocolo sobre o estatuto dos refugiados de 1967 e com a lei nº 9474/97. De acordo com o próprio CONARE é ele que orienta e coordena as ações necessárias à eficácia da proteção, assistência, integração local e apoio jurídico aos refugiados. No Brasil, além dos órgãos governamentais, atuam também diversas Instituições vinculadas à igreja Católica, uma delas é o Instituto de Migrações e Direitos Humanos (IMDH), presente no Distrito Federal.

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O IMDH é uma associação filantrópica e sem fins lucrativos, que atua na luta pela preservação dos direitos humanos de refugiados e imigrantes. O IMDH faz o reconhecimento da cidadania, presta assistência jurídica e social e busca pela integração do imigrante na sociedade brasileira. O IMDH divide suas ações em 8 projetos: - Projeto 1 – Atenção a Migrantes Internos indocumentados, residentes no DF. - Projeto 2 – Defesa dos Direitos, documentação, e assistência a imigrantes para que acedam à situação de regularidade e direitos de cidadania. - Projeto 3 – Acolhida, Integração e Assistência a Refugiados e Refugiadas, em parceria com ACNUR e CONARE. - Projeto 4 – Atendimento a Estrangeiros Encarcerados e familiares. - Projeto 5 – Apoio e fortalecimento da “Rede Solidária para Migrantes e Refugiados” e estímulo ao voluntariado. - Projeto 6 – Construindo Cidadania – formação, cursos, seminários, atuação em políticas públicas[...]. - Projeto 7 – Brasileiros e brasileiras no exterior e parcerias para apoio aos retornados. - Projeto 8 – Ação Pastoral junto a Migrantes e Refugiados (Mobilidade Humana). Estes projetos têm sido de fundamental importância para os imigrantes recémchegados ao país, pois Instituições como esta tratam o imigrante de forma humanitária e não só como uma estatística. Tabela 1 – Imigrantes no Brasil – 2011

País Total Alemanha 01 Angola 06 Bolívia 14 Canadá 01 Chile 02 Colômbia 08 Espanha 01 EUA 01 França 01 Haiti 639 Kosovo 01 Total Fonte: IMDH, Brasília – DF, 2011

País Nicarágua Nigéria Panamá Paraguai Peru Equador República Serra Leoa Uruguai Outros

Total 01 01 01 01 09 02 09 01 07 04 711

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Pode-se observar claramente por esta tabela a relevância da imigração haitiana no Brasil. Os números só estão crescendo a cada dia, e as instituições têm que se adequar a esta nova classe de imigrantes que buscam residência permanente. Em Glicério, São Paulo, o Padre Paolo Parisi, Diretor do Centro de Estudos Migratórios, e um dos coordenadores da Missão Paz, já acolheu mais de 2,6 mil haitianos. Externando sua preocupação com os mais de 200 haitianos que começaram a chegar semanalmente à Igreja Nossa Senhora da Paz, vindos do Acre, declarou “Chegamos ao nosso limite” (Portal Forum, 2014). Normalmente são abrigadas 110 pessoas por noite, e a Casa não suportou o número crescente de haitianos enviados de ônibus pelo Governo do Acre. A Casa acolhe imigrantes vindos da República Democrática do Congo, Costa do Marfim, Senegal, Egito, Palestina, Síria e Paquistão. Os imigrantes haitianos são encaminhados sem a uma estrutura política de integração e acolhida. O imigrante precisa de um atendimento diferenciado de um morador de rua ou dependente químico. Algumas fontes indicam que a evasão haitiana já ultrapassou o número de 3 milhões de pessoas (Haitian Diáspora – 2011). O Brasil não é o único destino, a maioria se encontra nos Estados Unidos, com um total 1 milhão de imigrantes, 800.000 na República Dominicana, mas o fato é que no primeiro semestre de 2014 verificou-se um aumento significativo na entrada de haitianos no Brasil. O CONARE aprovou em 2013, um montante de 1.200 vistos humanitários anuais, vistos estes que deverão ser concedidos a haitianos ainda no Haiti, na tentativa de controlar a entrada desenfreada e as formas ilegais das quais eles se utilizam para adentrar as fronteiras brasileiras, formas estas que muitas vezes colocam suas vidas em risco. A capital do Haiti, Porto Príncipe, cenário de tantos regimes ditatoriais, desrespeito aos direitos humanos e miséria, atualmente se encontra destruída quase que por completo e, em um país pobre como este, a impressão que se tem é que assim permanecerá ainda por muitos anos.

3. ATUAÇÃO DO TERCEIRO SETOR NO HAITI: EXEMPLOS DE SUCESSO Apesar do cenário de destruição e miséria, algumas Organizações NãoGovernamentais Internacionais têm trabalhado arduamente no Haiti, como a One Hundred for Haiti, registrada na Amazon.com’s non-profit “Smile”, que se especializou na ajuda às crianças haitianas que viviam em regime de escravidão, e aos sem teto. A 14

ONG Viva Rio, que possui quatrocentos funcionários em Porto Príncipe, sendo nove brasileiros. A ONG Viva Rio intensificou seu trabalho no país a partir do terremoto, organizando uma ajuda emergencial, e prestando socorro aos atingidos, uma vez que sua sede não foi atingida. A Pastoral da Criança, na pessoa de sua fundadora Zilda Arns também participava da ajuda humanitária no momento do terremoto. A Pastoral da Criança fundada pela médica e sanitarista Zilda Arns trabalhava em ações de urgências e emergências na capital Porto Príncipe, além de procedimentos de média complexidade e cirurgias, quando ocorreu o terremoto e causou sua morte. O Ministério da Saúde do Brasil e o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) decidiram pela criação de um espaço alugado, de 200 metros quadrados, no mesmo edifício da Embaixada do Brasil, na capital Porto Príncipe, para abrigar um posto e a respectiva equipe técnica, que trabalharão numa unidade de atendimento, numa área em que vivem 600 mil haitianos. O projeto contempla o desenvolvimento do Instituto de Reabilitação para portadores de deficiência, a aquisição de ambulâncias e a instalação de uma rede de frio, com freezers horizontais e freezers adaptados a veículos que serão utilizados em campanhas de vacinação. Trata-se de acordos bilaterais entre o governo do Brasil e do Haiti, e multilaterais com o governo de Cuba, e várias agências do sistema ONU (PNUD, UNOPS, OPSOMS e UNICEF), com o objetivo de fortalecer a saúde pública e epidemiológica no país, e que movimentará mais de US$ 53 milhões, conforme dados da Pastoral da Criança. O governo cubano designou médicos para capacitação de mão de obra. A iniciativa está inserida na Cooperação Sul-Sul do PNUD, visando à integração das partes envolvidas na recuperação e aprimoramento do sistema de saúde do Haiti. O intercâmbio de conhecimentos entre os parceiros membros é de extrema importância para a consolidação de políticas públicas no país caribenho. Destaca-se o trabalho dos Médicos Sem Fronteiras no Haiti, que já atuava no país há mais de duas décadas, e passaram a ajudar a população imediatamente após o terremoto. No entanto, como suas estruturas hospitalares foram afetadas pelo sismo, tiveram que se mobilizar para organizar outros espaços possíveis para o atendimento médico. O socorro emergencial recebeu o apoio de profissionais que se deslocaram de vários países, totalizando mais de 3.000 pessoas. Após uma catástrofe de tal dimensão era fundamental salvar vidas, totalizando 41 mil pessoas, e mais de 3,4 mil cirurgias realizadas nessa operação, a maior dos Médicos Sem Fronteiras (Informativo MSF, 2010). 15

A tragédia do Haiti sensibilizou governos, organizações, igrejas, como a Igreja Batista Central (IBC) de Brasília, que se mobilizou, visitou o país e decidiu criar a Casa Brasil, para assistir à população haitiana. O objetivo da IBC centrava-se em obter um trabalho missionário bem sucedido, em que o evangelismo e o assistencialismo pudessem caminhar pari passu; isto é, no mesmo compasso, ou carinhosamente de mãos dadas. Por isso, instituiu a Casa Brasil, uma base missionária, instalada no Haiti, com a finalidade de apoiar igrejas e missionários, que atuam naquelas regiões, prestando assistência social e espiritual às comunidades carentes. A ausência de infraestrutura em Porto Príncipe levou a IBC a comprar um imóvel para acomodar missionários, médicos, enfermeiros e voluntários. O contato inicial foi feito com pastores batistas e professores. Foi preciso reconstruir a igreja parcialmente atingida pelo tremor. A escola que funcionava no anexo da Igreja Batista em Porto Príncipe foi totalmente atingida, e todos os alunos morreram soterrados na hora da tragédia. O Pastor Maxis Blanc, ao ser contatado ficou responsável pela coordenação dos trabalhos, e, através de parceria com a IBC, ampliou seu trabalho de assistência médica, alfabetização, capacitação profissional e evangelismo. A assistência médica compõe-se de obra voluntária de médicos e enfermeiros que viajam mensalmente ao Haiti, sob a coordenação do Pastor Ricardo Espíndola e sua assistente Érika Santos. O trabalho preparatório inclui campanhas para doação de roupas, remédios e brinquedos. Em novembro de 2013, Cecília Bijos, funcionária da Embaixada Britânica em Brasília, foi convidada a acompanhar, como intérprete, uma delegação de 14 pessoas em missão de 10 dias a Porto Príncipe. O sucesso da iniciativa se revestia da importância da comunicação entre a equipe e a população, principalmente para interpretar as consultas médicas. Um total de 700 pacientes foi atendido, com os mais diversos sintomas, e enfermidades. O relato da missionária destaca a ausência de saneamento básico que provoca inúmeras doenças e infecções, e mesmo assistindo aulas ministradas pelo grupo sobre higiene, não conseguem entender a necessidade de usar um vaso sanitário, para eles, um buraco no chão é mais do que suficiente. Como conseqüência, 99% das mulheres tratadas pelos médicos brasileiros sofrem com infecção vaginal, e mesmo as crianças são afetadas. Cecília relata que presenciou e interpretou a consulta de uma jovem mãe com infecção vaginal, que tem uma filha de 11 meses e que já sofre da mesma doença (Bijos, Vestindo a Camisa: FCO GOV/UK blog, 2013). O trabalho foi desenvolvido nos bairros Delmas e Campo Corrail. Delmas 16

está localizado no centro da capital, enquanto Campo Corrail se encontra na periferia. Trasladar-se de um bairro a outro leva horas, porque as ruas não foram recapeadas após o terremoto, na verdade, ficaram piores. O contraste é evidente quando se visita Petionville, o bairro rico da cidade, onde as ruas são perfeitas, asfaltadas, limpas, com energia elétrica, redes de esgoto, e é onde estão localizadas todas as embaixadas, residências dos oficiais internacionais, voluntários da Cruz Vermelha, resorts, hotéis e supermercados. Em Campo Corrail não há asfalto, e a construção idealizada pela Casa Brasil, com doações dos membros da Igreja Batista Central, está às escuras, isolada entre as tendas que servem de moradia à população local. Para construir a igreja, a escola e a infraestrutura para o atendimento médico, a Casa Brasil levou brasileiros e o supervisor contratou haitianos para treiná-los e ensinar-lhes como trabalhar com profissionalismo, preparando-os para atuarem no país. Atualmente os trabalhos são desenvolvidos em 12 igrejas. Os médicos e enfermeiros

atendem

gratuitamente

a

população,

examinando-os,

doando

medicamentos, roupas e brinquedos para as crianças. A obra tem sido árdua, intensa, mas compensadora. Os voluntários têm desempenhado um trabalho fundamental, no atendimento a obreiros, no ensino para cerca de 850 crianças, na ajuda para as 12 igrejas e na manutenção da escola. A maioria dessas crianças é órfã, portadora de doenças graves, como AIDS e epilepsia. No depoimento de Érika Santos e do Pastor Ricardo Espíndola, em recente seminário do NEPATS, na Universidade Católica de Brasília, a “Casa Brasil é um desafio que Deus colocou nas mãos da Igreja Batista Central de Brasilia. Os resultados positivos tem sido alcançados, graças a ajuda de todos, que tem orado e contribuído financeiramente”. A capital do Haiti ainda não foi reconstruída, a limpeza é precária, a distribuição de gêneros alimentícios se faz de forma desordenada, e a maioria da população vive em acampamentos precários, barracas improvisadas nas ruas, sem água potável, assistência médica ou higiene, o que causa grande comoção naqueles que participam das missões voluntárias.

CONCLUSÃO O histórico do refúgio num contexto mundial revela uma realidade marcada pelo movimento massivo de levas populacionais, em busca de melhores condições de vida. 17

Inserem-se neste contexto os haitianos que vivenciaram por décadas regimes ditatoriais, violações de direitos humanos e índices de desenvolvimento insustentáveis para seres humanos. A atuação das tropas brasileiras na MINUSTAH foi uma das fortes razões para que os haitianos escolhessem o Brasil para se refugiar das mazelas do seu país de origem, especialmente após a eclosão do terremoto em janeiro de 2010, o que agravou os problemas políticos, econômicos e sociais da nação, impelindo-os a emigrarem para outros países O Brasil tem sido, ao longo de sua história, um grande receptor de imigrantes, e atualmente, com os haitianos não é diferente, pois, por ser um país em desenvolvimento, representa uma nova esperança de vida, a reconstrução da dignidade pessoal, inserção no mercado de trabalho e mobilidade social. A pesquisa em questão não é conclusiva, terá continuidade, em face da chegada contínua de haitianos no país. Esta primeira etapa objetivou contribuir para o conhecimento da realidade dos imigrantes e refugiados no Brasil e o papel relevante do terceiro setor, com envolvimento humanitário das Organizações Não-Governamentais. Propõe-se uma segunda etapa de pesquisa, quando serão analisadas políticas públicas de integração, a visão do estrangeiro em relação aos mecanismos jurídicos de concessão do visto de permanência no Brasil, e as ações de cooperação internacional inseridas no âmbito da política externa brasileira.

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