Desloucadas transitorias e provocativas Carol Barreto e Laila Rosa

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Deslo(u)cadas, transitórias e provocativas: troca de saberes e experimentos artísticos em moda e música no contexto pós-colonial Carol Barreto1 Laila Rosa2 Resumo: Relato sobre parcerias e laboratórios resultantes de nossos trabalhos artísticos, acadêmicos e sobretudo políticos, no compartilhamento de experiências e conhecimentos sobre os estudos feministas, de gênero, relações étnico-raciais e sexualidades que são tomados como imprescindíveis nas leituras pós-coloniais contemporâneas. A ideia é apresentar o modo como discursos e práticas artísticas colaborativas no âmbito acadêmico e, para além deste, fundamentam discursos e práxis polítizadas feministas, antirracistas e pró-LGBT. Palavras-Chave: Artevismo Político, Educação, Feminismo Interseccional.

Trazemos neste texto um breve relato e uma reflexão conjunta sobre algumas parcerias que construímos na nossa trajetória como docentes e pesquisadoras do Núcleo de Estudos Interdisciplinares sobre a Mulher - NEIM – UFBA. Um conjunto de ações que compusemos como espaços de compartilhamentos de experiências e conhecimentos sobre os estudos feministas e de gênero, das relações étnico-raciais e das sexualidades que são tomados como imprescindíveis nas leituras pós-coloniais contemporâneas (CURIEL, 2010; PONS, 2012), pensando o modo como discursos e práticas artísticas colaborativas no âmbito acadêmico e, para além deste, fundamentam discursos e práxis polítizadas feministas, antirracistas e pró-LGBT; importantes laboratórios não somente de nossos trabalhos artísticos e acadêmicos, mas sobretudo políticos. Nos apresentamos, portanto, em carne viva literária e desnudas em nossos deslo(u)camentos transitórios e provocativos tão profundamente intrínsecos à nós mesmas, artistas feministas que, enquanto professoras e acadêmicas, trazemos para o campo do artístico e do cultural as dores, alegrias e inquietudes do enfrentamento às matrizes de produtoras de desigualdades e estruturantes de tantas violências como o

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Caroline Barreto de Lima é designer de moda, professora do Bacharelado em Estudos de Gênero e Diversidade, Departamento de Ciência Política, FFCH – UFBA. Doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Cultura e Sociedade - PosCultura - IHAC – UFBA. Pesquisadora do Núcleo de Estudos Interdisciplinares sobre a Mulher – NEIM, na área de Gênero, Cultura e Linguagem. Designer, assina a marca que leva seu nome, representou o Brasil na Dakar Fashion Week (Senegal), evento que reúne criadorxs de diversas nacionalidades. Site: www.facebook.com/carolbarretodesigner E-mail: [email protected]

2 Laila Andresa Cavalcante Rosa é musicista e Dra em Etnomusicologiapela Universidade Federal da Bahia (2009), com bolsa CAPES de doutorado sanduíche de 1 ano realizado na New York University (Nova York, 2007). Profa Adjunta da Escola de Música/Programa de Pós-Graduação em Música da UFBA, Pesquisadora do Núcleo de Estudos Interdisciplinares da Mulher - NEIM/UFBA. Com o Coletivo os Ventos (www.myspace.com/lailarosa) lançou seu primeiro disco autoral, contemplado pelo edital de Demanda Espontânea 2011: "Água Viva: um disco líquido", livremente inspirado na obra homônima de Clarice Lispector. E-mail: [email protected]

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racismo, o etnocídio, o sexismo e a LGBT-fobia. Quem somos nós? Jovens artistas feministas nordestinas, negra e branca, mas igualmente antirracistas, ativistas no fazer e no pensar sobre arte e cultura a partir dos parâmetros pós-coloniais que propõem ações de descolonização de pensamentos e corporalidades como estratégias políticas e criativas de enfrentamento contínuo. Trazemos conosco referências dos escritos lesbianos contraventores de Glória Anzaldua (2000 e 2005) e Audre Lorde (S/D), que, de forma poética, são profundamente revolucionárias. Trazemos na bagagem discussões sobre as relações étnico-raciais e a ainda silenciada branquitude que nos denunciam Aparecida Bento (2002) e Liv Sovik (2009) e também das sexualidades “abjetas” (BUTLER, 1999; BENTO, 2006), das teorias Queer e da contravenção feminista lésbica latino-americana (CURIEL, 2013). Tudo isso para falar sobre nós mesmas, na perspectiva dos saberes localizados de Donna Haraway (1995), enquanto sujeitas políticas em diálogo com a comunidade acadêmica e para além dela, com os diversos públicos que têm acompanhado nossos trabalhos e mais ainda, nos ensinado com suas histórias de vida tão plurais e contribuindo à construção do conhecimento situado como a autora propõe, nos provocando a pensar que todo saber é localizado e corporificado quando diz: “Não perseguimos a parcialidade em si mesma, mas pelas possibilidades de conexões e aberturas inesperadas que o conhecimento situado oferece. O único modo de encontrar uma visão mais ampla é estando em algum lugar em particular.” (HARAWAY, p. 33, 1995)

Assim, de dentro desse lugar particular, já há algum tempo nos encontramos no Núcleo de Estudos Interdisciplinares da Mulher (NEIM/UFBA), onde somos pesquisadoras na linha Gênero, Arte e Cultura, mas oriundas de dois campos diferentes na universidade – Carol Barreto do Bacharelado em Estudos de Gênero e Diversidade e Laila Rosa da Escola de Música - e desde então unimos nossas inquietudes artísticas, políticas e acadêmicas para produzir eventos, shows, cursos e desfiles performáticos, todos eles marcados por um perfil que nos é peculiar e que consiste em trabalhar de forma colaborativa e participativa, com abordagem metodológica dialógica e horizontal nos termos feministas.

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Da trajetória de artEvismo politico e das improvisações;

Assumindo a importância da compreensão de que nas práticas feministas a produção de conhecimento perpassa pelo acionamento da reflexão acerca das interseccionalidades entre os marcadores sociais da diferença, construímos nossas estratégias de artEvismo politico, pensando arte e cultura como elementos produtores de formas de construção de conhecimento específicas e emancipatórias. Respaldadas pelas epistemologias feministas, nessa campo, os processos de ensino-aprendizagem constroem-se a partir de relações horizontais e igualitárias entre professoras e turma, os textos indicados para leitura e expressão de nossas histórias de vida advêm de produções de intelectuais negras, lésbicas e trans*, a fim de elaborar interpretações pessoais e mediadas das “realidades” produzidas em cada contexto, bem como construir técnicas de leitura e escrita criativas, que não separam o vocabulário “acadêmico” dos “ditos populares”, gírias e abraços, constituindo a sala de aula ou grupo de pesquisa como um espaço de fruição da afetividade e das relações interpessoais. Elaborando um entendimento acerca do discurso como linguagem produtora de realidades (BUTLER, 1999; FAIRCLOUGH, 2001), as análises do discurso críticas empreendidas nesses experimentos e propostas são resultado de um questionamento aos métodos e referenciais teóricos tidos como verdadeiros, confiáveis e testáveis, mas que não inserem a percepção da ‘pessoa pensante’ como parte da análise. Assim, nas nossas práticas estabelecemos uma interconectividade entre as linguagens do corpo e da oralidade, do texto escrito e da linguagem do Desenho como registro e memória visual, como propõem Lysie Oliveira e Gláucia Trinchão (1998) ao analisar, por exemplo, tanto o desenho das cidades como dos corpos nela inseridos para estudar sobre gênero, raça e sexualidade, aspecto que tange à nossa provoação à área de conhecimento nas artes. Assim, a partir do nosso encontro no NEIM em 2011, a musicista Laila Rosa e a designer de moda Carol Barreto, passamos a produzir experimentações sonoras e visuais a fim de produzir nossas e outras representações, quebrando os padrões do científico, acadêmico e artístico, pois vemos tais campos como indissociáveis e complementares. Apresentamos nosso primeiro texto juntas no XVII Simpósio Baiano de Pesquisadoras (es) do NEIM, UFBA, em Maio de 2012. O artigo resultou das reflexões sobre um espetáculo intitulado ‘Híbrida’, um desfile performático das coleções de Carol Barreto, com participação do grupo Feminária Musical sob coordenação de Laila Rosa, com IV SEMINÁRIO ENLAÇANDO SEXUALIDADES – Moralidades, Famílias e Fecundidade - 2015

participação da cantora lírica espanhola Pepa Chacon e intervenção do bailarino nova iorquino André Singleton tanto no espetáculo como dentre as atividades culturais do Simpósio, contando também com uma apresentação do grupo Baphão Queer, vestindo as peças da estilista. Acionando tanto no texto publicado – que foi produzido a partir de entrevistas aplicadas aos atores e performers que integraram o espetáculo - como na performance, o debate questionou o racismo e a LGBT-fobia como esferas estruturantes dos critérios de beleza e sofisticação sempre pautados num padrão de heteronormatividade (BUTLER, 1999) e branquitude (BENTO, 2002; SOVIK, 2009). Elegendo como ícones desses padrões de sofisticação e beleza as linguagens do Desfile e do Editorial de Moda como um “Processo de criação de imagens e performance artística relacionadas a um conceito canônico que reproduz em moda padrões recorrentes - comumente conhecidos e criticados por produzir modelos de beleza hegemônicos, eurocentrados e estereotipados” ( BARRETO & ROSA, 2012) decidimos não somente subvertê-las, como propor a multirepresentação de rostos e corpos brancos, negros, indígenas, afro-indígenas, heteros, homo e transgêneros. Os espetáculos de moda podem “brincar” de forma subversiva com os padrões heteronormativos de masculino e feminino, assumindo em palco/passarela/rua outras possibilidades de ser:

Em uma cultura de dominação e antiintimidade, devemos lutar diariamente por permanecer em contato com nos mesmos e com os nossos corpos, uns com os outros. Especialmente as mulheres negras e os homens negros, já que são nossos corpos os que freqüentemente são desmerecidos, menosprezados, humilhados e mutilados em uma ideologia que aliena. Celebrando os nossos corpos, participamos de uma luta libertadora que libera a mente e o coração. (HOOKS, p. 06, 2005)

Como nos provoca a intelectual bell hooks, devemos pensar a produção dos fazeres artísticos e as corporalidades como agência política legítima de enfrentamento ao racismo, ao etnocídio, ao sexismo, a lesbo-homo-trans-fobia e outras matrizes produtoras e legitimadoras das desigualdades, estas são questões presentes na produção intelectual do Feminismo Interseccional e nas nossas propostas de artEvismo político. Assumimos que as relações étnico-raciais, bem como, o racismo e etnocídio, reconfiguram as identidades que compõem a diversidade humana, visto que a branquitude (BENTO, 2002; SOVIK, 2009) ainda se faz hegemônica enquanto parâmetro de produção de conhecimento, estética, beleza e sofisticação, bem como são excludentes os discursos do machismo, sexismo e misoginia, aspecto que nos impele a declarar nossas práticas IV SEMINÁRIO ENLAÇANDO SEXUALIDADES – Moralidades, Famílias e Fecundidade - 2015

artísticas como feministas, a fim de desconstruir a ideía de “universal” e “humano”, como já nos denunciou a escritora nigeriana Chimamanda Adichie:

O feminismo faz, obviamente, parte dos direitos humanos de uma forma geral – mas escolher uma expressão vaga como ‘direitos humanos’ é negar a especificidade e a particularidade do problema de gênero. Seria uma maneira de fingir que as mulheres não foram excluídas ao longo dos séculos. Seria negar que a questão de gênero tem como alvo as mulheres. Que o problema não é ser humano, mas especificamente um ser humano do sexo feminino. Por séculos, os seres humanos eram divididos em dois grupos, um dos quais excluía e oprimia o outro. É no mínimo justo que a solução para esse problema esteja no reconhecimento desse fato. (...) A cultura não faz as pessoas. As pessoas fazem a cultura. Se uma humanidade inteira de mulheres não faz parte de nossa cultura, então temos que mudar nossa cultura. (ADICHIE, p. 12, 2015)

Desse modo, propomos novos/outros modos de ver e experimentar as fronteiras entre o nosso lugar de fala, os ativismos politicos, a produção acadêmica e as artes, quando partimos para a elaboração de registro textual das nossas práticas em pesquisa e extensão na Universidade Federal da Bahia atreladas ao Grupo de Pesquisa ‘Fora do Objeto’ - que consiste no grupo de experimentações sonoras ‘Feminária Musical’, sob coordenação da Prof. Laila Rosa e a pesquisa ‘As Expressões de Raça/Etnia e Gênero/Sexualidade na Moda: a Aparência como Ativismo Político’, sob coordenação da prof. Carol Barreto' - desconstruindo também a hierarquia que compõe uma oposição binária entre pesquisa e extensão. Na nossa linha do tempo constam ações desde o ano de 2012, junto ao grupo do Diretório Central dos Estudantes da UFBA quando nos convidaram a participar como oficineiras no II ENNUFBA (Encontro de Estudantes negras/os, indígenas, quilombolas e cotistas da UFBA), em Novembro de 2012, com intervenção do grupo Feminária Musical, do bailarino nova iorquino André Singleton e nossas palestras sobre processos criativos como estratégias políticas de enfrentamento das desigualdades, tendo raça, gênero e sexualidades como temas principais. Como nos sugere bell hooks, solicitamos a participação da platéia nas falas, nas escritas e principalmente no movimento dos corpos, que em ação na dança e na improvisAção passam a fazer reverberar as reflexões e observações sugeridas nas nossas falas advindas da oralidade e das corporalidades. No mesmo ano, numa interação com as estudantes do Curso de Design de Moda da Faculdade UNIME, Lauro de Freitas, colaboramos na realização de um evento performático de moda produzido pelas discentes, buscando a expressão de reflexões sobre a pele como limite e expansão das identidades, por meio de um debate sobre os marcadores sociais da diferença e a centralidade da aparência nos processos de IV SEMINÁRIO ENLAÇANDO SEXUALIDADES – Moralidades, Famílias e Fecundidade - 2015

agenciamento. O desfile performático ‘Cartografias do Tempo sobre a PELE’, aconteceu no Teatro Movimento, Escola de Dança da UFBA, em Novembro de 2012 e também contou com a Intervenção do performer Andre D. Singleton (NY) e do Grupo Feminária Musical –Escola de Música – UFBA, sob a orientação dos profs Carol Barreto e Maurício Portela da Unime. As imagens de moda foram construídas por meio de números de improvisação individual em dança, realizados por “corpos diversos e fora do padrão comercial” que vestiram e desvestiram as criações das estudantes sob interpretação das desconstruções dos padrões de beleza ocidentais. A partir de janeiro de 2013 tivemos a aprovação no Edital Proext, do projeto Abrindo a Roda: toda a Escola pela Diversidade, sob coordenação da prof. Mariângela Nascimento e Carol Barreto como vice-coordenadora do projeto, que ocorreu no período de 01 de janeiro de 2013 a 01 de janeiro de 2014. Contamos com Laila Rosa como convidada e que passou a atuar como coordenadora pedagógica de prática de ensino para orientação dxs bolsistxs, também militantes do coletivo KIU de diversidade sexual. Nesse contexto, inaugurando as ações do grupo ‘Fora do Objeto’ tivemos a alegria de trabalhar em uma comunidade numa escola pública de Salvador e juntamente com o Coletivo LGBT

‘KIU’,

desenvolvemos

o

projeto

através

de

apreciações

musicais,

compartilhamentos de experiências, exercício de criatividade e desenho, realizando encontros semanais com estudantes, gestoras e docentes do colégio, que foram pessoas centrais nas rodas de diálogos que se abriram para reflexões sobre a diversidade humana e contra toda e qualquer forma de violência e preconceito. As práticas experimentadas no Colégio Estadual Mário Costa Neto, no bairro da Federação demonstraram como as pessoas que vivem do Vale da Muriçoca, comunidade carente em Salvador – BA, consideram essa escola como elemento central de atuação ‘na e com’ a comunidade e assim, os processos criativos para reflexão acerca de temas como racismo e homofobia foram construindo entre estudantes da UFBA (nossos bolsistas) e estudantes do colégio, bem como entre professoras do colégio e da UFBA (nós duas), como um vetor para se pensar as desigualdades construídas historicamente e alimentadas culturalmente. No semestre 2013.2 foi lançado o edital MAM/UFBA, que buscou selecionar projetos de cursos livres e transdisciplinares que considerassem o fazer criativo e artístico como forma de produção cotidiana de conhecimento e assim a nossa proposta intitulada: ‘Possíveis Iconografias Da Diáspora: Um Diálogo Entre As Artes Visuais, Moda e Música’ se formou como mais um espaço para legitimação dessa interconectividade entre IV SEMINÁRIO ENLAÇANDO SEXUALIDADES – Moralidades, Famílias e Fecundidade - 2015

“o científico, acadêmico e artístico”. A partir da reflexão proposta pelo Museu de Arte Moderna da Bahia – MAM, sobre o “Por que e como fazer novas formas de vida?” O curso

se

constituiu

numa

parceria

entre

nós

duas,

contando

com

a

significativa colaboração do artista plástico negro estadunidense Duron Jackson, bolsista Fullbright em residência artística no Brasil. Mais uma vez, pautamos a proposta de pensar arte e corpo como agência política legítima de enfrentamento ao racismo, ao etnocídio, ao sexismo, a LGBT-fobia e outras matrizes produtoras e legitimadoras das desigualdades, questões presentes na produção intelectual e artística de nós três, ainda que de maneiras bem diferentes. Com estas inquietações, que nada mais são do que fruto de nossas próprias trajetórias de vida, experiências artísticas e enfrentamentos políticos, desejávamos fortalecer um espaço criativo que fosse, sobretudo, de compartilhamentos. Compartilhamentos sobre a historicidade destas matrizes de desigualdades na diaspora africana e seus desdobramentos no campo artístico de modo geral, compartilhamentos das histórias de vida de cada participante e de seus desejos e anseios artísticos frente a este panorama político, bem como, da percepção de si enquanto sujeito político e criativo. Ao concluir o curso do MAM, organizamos junto com a Feminaria Musical o “Encontro Novembro Negro nas Artes: diálogos sobre raça, gênero e sexualidade nas artes visuais, educação, literatura, moda e música”, que com muita sonoridade trouxe uma discussão interdisciplinar envolvendo artistas-ativistas-pensador@s e aberto a um público bem heterogêneo que participou ativamente da ação que culminou numa improvisação musical coletiva, procedimento metodológico que, aliás, vem se tornando nossa marca. Sempre terminamos em roda, partindo do seu princípio agregador, coletivo e horizontal. Destas têm surgido escritos, poemas, desenhos, sonoridades e corporalidades nada normativas ou conformadas e essa tem sido também nossa graça e nossa pequena revolução. Na mesma época, fomos convidadas para compor a mesa de abertura do Seminário “As Expressões Artísticas e as Questões de Gênero”, numa palestra intitulada ‘Gênero e Arte: processos criativos e artísticos atrelados aos estudos de gênero, raça/etnia e sexualidade’sob coordenação de Lucia Helena Guerra da UFPE. O evento aconteceu no Teatro Arraial, em Recife – PE, promovido pela Secretaria da Mulher e pela Secretaria de Cultura do Estado de Pernambuco e direcionado a gestoras e produtoras culturais, convidou mulheres das artes de todo o país para pensar tais questões e suas interseccionalidades atreladas a esse contexto. IV SEMINÁRIO ENLAÇANDO SEXUALIDADES – Moralidades, Famílias e Fecundidade - 2015

Um novo edital MAM/UFBA em 2014 nos oportunizou estruturar um outro curso de extensão que chamamos de: ‘Sobre corpos, paisagens e sonoridades: desconstruindo estereótipos de nordeste com moda e música.’ A proposta da ação visou contribuir para a desconstrução do entendimento do termo Homem como categoria universal, construindo um debate que aponta para descolonização criativa dos nossos corpos e ações. Como sugeria o edital, o tema geral proposto era consoante à proposta da Bienal da Bahia: “É Tudo Nordeste?”, tema que interroga sobre os processos constitutivos da experiência cultural e histórica do Nordeste a partir da perspectiva baiana e seu diálogo com o Brasil e a experiência universal, discutindo a permanência ou a falência de conceitos como regionalismo, determinismo e a ocupação física e mental de territórios.” Assim questionamos como fazer isso sem começar pelas linguagens e examinar as relações de poder intrínsecas aos usos naturalizados de termos como Homem, Universal e afins? Sob o seguinte questionamento: somos faladas ou falamos pelas linguagens? abordamos as esferas do texto, discurso e ideologia como formas de ação e entendimento das artes sob a perspectiva da análise do discurso crítica (ADC), mapeando as materializações discursivas nas falas, gestos, escritas e instituições, que cerceiam nossos corpos ou requerem a subversão dos padrões por meio da moda e da música, de forma a reconhecer e respeitar as diferenças dos vários grupos sociais: negros, quilombolas, pessoas com deficiência, povos indígenas, trabalhadores do campo, mulheres, LGBT’s (lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais), dentre outros. Por meio da criação artística como forma de expressão de outras identidades, visamos contribuir ao combate das muitas manifestações de discriminação e preconceito, trabalhamos a partir da transdisciplinaridade sob o ponto de vista do artEvismo nas artes visuais, literatura, música e na moda, em interação com os marcadores sociais supracitados, intentando abrir um espaço de troca de experiências, considerando a multiplicidade possível dentre o público integrante do curso como parte central para o debate sobre diversidade no fazer artístico enquanto campo de expressão do posicionamento político e das subjetividades múltiplas. Nessa trajetória de experimentos fundamentados num conjunto de conceitos e teorias pró-equidade (feministas e pós-coloniais), temos como referência as práticas vivenciadas por docentes e pelas discentes dos cursos, como um modo de reforço das formas de enfrentamento ao preconceito e discriminação a pessoas e grupos subalternizados, considerando o pessoal e o privado como prática feminista nas artes, considerando que esses temas e a prática de produção artística são parte indissociável ao IV SEMINÁRIO ENLAÇANDO SEXUALIDADES – Moralidades, Famílias e Fecundidade - 2015

eixo pesquisa-ensino-extensão. Os estudos sobre feminismos, gênero, sexualidades e diversidade é um dos campos que consideramos chave para as análises das “novas identidades” emergentes no mundo contemporâneo. No Brasil, assim como em outros países de população híbrida, mas desigual, os processos de colonização e aculturação provocaram mudanças profundas no imagético nacional. Pessoas têm sido inferiorizadas ao longo de séculos, em virtude de seu pertencimento a distintos marcadores de gênero, sexualidades, raça/etnia, geração, dentre outros. Assim, como pesquisadoras, artistas e analistas de gênero, sobretudo, na área da educação, temos buscado promover e provocar novos agenciamentos no âmbito das artes e cultura e outros diálogos entre pares de abordagem transdisciplinar. Essas provocações têm apontado para a necessidade de analisar e compreender novas dinâmicas sociais, a partir dos próprios sujeitos que as experimentam, e, então, produzir e difundir esses conhecimentos ‘de e sobre si mesmos’. Nesta escrita, objetivamos a partilha de concepções, perspectivas e olhares entre diferentes atores/atrizes sociais como ação fundamental para a divulgação dos estudos de gênero e diversidade que estão sendo realizados nos mais variados domínios, bem como para fazer conhecer as demandas desses sujeitos de desejo. Ainda hoje, no século XXI, carrega-se o saldo negativo histórico de preconceitos estruturais e que hoje se apresentam em novas versões. Existem cada vez mais denúncias dessas discriminações, o que atestam a continuidade dessas práticas e discursos nos mais variados espaços. Desponta como imprescindível que subalternizados/as de todos os grupos não contemplados produzam, pesquisem e apresentem suas diferenças por meio das mais variadas linguagens, assim haverá maior multiplicidade de olhares e expressão empoderada das diferenças. Consideramos a parceria que une criação e performance como fundamental para o crescimento intelectual das pessoas, além de ser também uma forma efetiva de diálogo das docentes e das universidades com a sociedade civil, que, de modo geral, também faz ou aprecia artes e cultura. Por fim gostaríamos de registrar que este relato de experiência foi composto sob o olhar de duas pesquisadoras, professoras universitárias, que, além de nossas carreiras acadêmicas, investimos na carreira artística produzindo performances com as temáticas em questão e juntas temos produzido escritas sobre processos criativos atrelados aos estudos de gênero, raça e sexualidades, buscando combater por meio do artEvismo político as muitas manifestações de discriminação e preconceito. Nossa trajetória desenha-se do armorial, ao toque de terreiro Xambá do Quilombo Portão do Gelo IV SEMINÁRIO ENLAÇANDO SEXUALIDADES – Moralidades, Famílias e Fecundidade - 2015

(Olinda/PE), das coquistas Del do Coco e Graça do Coco ao rock progressivo e violino distorcido em meio a quarteto de cordas, alaúde e pifes encantados aos ouvidos de Laila Rosa... Do silicone industrial no corpo das travestis nas capitais do nordeste, ao padê que manda ‘acuendar a neca e descer pra batalha’, das passarelas mecanizadas pelas passadas maquinímicas aos rebolados e saias Cyclone que cruzam as ruas de Salvador sob olhar de Carol Barreto, mas, principalmente do meu ao seu corpo, esse texto também é improvisAção.

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