Desontogênese e Desfilogênese na esfera pública

July 7, 2017 | Autor: Henrique Assai | Categoria: Filosofía Política, Filosofía social, Ciencia Politica
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José Henrique Sousa Assai

A “DESONTOGENIZAÇÃO” E “DESFILOGENIZAÇÃO” NA ESFERA DA SOCIABILIDADE NO ATUAL CENÁRIO POLÍTICO: UMA BREVE REFLEXÃO FILOSÓFICA – POLÍTICA A PARTIR DA CONCEPÇÃO HABERMASIANA DE ESTADO



Trabalho de Pesquisa realizado em 2004 no mestrado em Filosofia (UFC)

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RESUMO

Jürgen Habermas interpreta as sociedades contemporâneas como possuidoras de um estatuto racional técnico e científico ou, de outro modo, cognitivo-instrumental; entretanto, tal racionalidade se confronta com outro paradigma racional cunhado pelo próprio Habermas e que se faz também presente na sociedade: a razão comunicativa. Esta racionalidade, por sua vez, a partir da pragmática lingüística, ou melhor, de uma Teoria da Linguagem, oferece condições de fomentar uma Teoria Normativa da Ação que favoreça ao uso público da razão, isto é, a partir dessa teoria se pode pensar a ação política. Na compreensão de Habermas, essa ação traz consigo o pressuposto filosófico da Teoria Crítica no qual exige princípios normativos – arcabouço da concepção filosófica-política habermasiana – que coordenem a vida política. Ora, é na polis (grega) que encontramos a gênese da filosofia política e essa origem é marcada precisamente pela relação frontal do agir humano com as instituições sociais. Essa relação não se perde na história, mas ainda continua a um nível de maior abrangência onde tais esferas societárias se referem ao Estado como aquela instituição capaz de coordenar as ações humanas. Não obstante a importância do Estado como ator político, Habermas afirma que no interior da esfera social, onde o mundo da vida e o sistema se articulam, há uma forte acentuação da racionalidade instrumental sobre qualquer outra esfera possível na sociedade; mas, sob o ponto de vista político e filosófico, essa primaz posição ou o caráter absoluto da racionalidade instrumental torna-se um problema crucial para a sociedade. Habermas não se opõe simplesmente à razão instrumental, mas a critica quando a mesma adquire uma função ditatorial e primacial em relação às demais esferas sociais. Sob o ponto de vista da ação política, que se volta também à crítica do sistema produtivo capitalista, o Estado nacional se depara com o seu maior desafio na atualidade: o progressivo esvaziamento de sua capacidade de ação. Tal ação deve ser entendida na perspectiva tanto administrativa quanto econômica. Daqui surge rediscutir da tarefa do Estado, e particularmente, o Estado de direito democrático como aquele que pode, inversamente à perversa ditadura do poder mercadológico que solapa as fontes do mundo da vida (personalidade, sociedade e cultura), proteger estas mesmas fontes salvaguardando também a multiplicidade entre as comunidades históricas.

Palavras-chave: Estado – Filosofia Política – Mundo da vida – Agir Comunicativo – Agir Social.

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ABSTRACT Jürgen Habermas interprets the contemporary societies as possessors of a technical and scientific rational statute or, in another way, cognitive-instrumental such; however, such rationality is confronted with another rational paradigm sayed for own Habermas and that is also made present in the society: The communicative reason. This rationality, for your time, starting from the pragmatic linguistics, or better, of a Theory of the Language, offers conditions of fomenting a Normative Theory of the Action that favors to the public use of the reason, that is, starting from that theory if can think the political action. In Habermas' understanding, that action brings with herself the philosophical presupposition of the Critical Theory in which demands beginnings normative concept framework of the conception philosophical-politics Habermas: coordinate the political life. Now, it is in the you polish (Greek) that found the genesis of the political philosophy and that origin is marked precisely by the front relationship of the human to act with the social institutions. That relationship doesn't get lost in the history, but it still continues her/it a level of larger inclusion where such spheres societies refer to the State as that institution capable to coordinate the human actions. In spite of the importance of the State as political actor, Habermas affirms that inside the social sphere, where the world of the life and the system pronounce, there is a strong accentuation of the instrumental rationality on any other possible sphere in the society; but, under the political and philosophical point of view, that primate position or the absolute character of the instrumental rationality becomes a crucial problem for the society. Habermas is not simply opposed to the instrumental reason, but he criticizes her when the same acquires a dictatorial function and important in relation to the other social spheres. Under the point of view of the political action, that he also returns to the critic of the capitalist productive system, the national State comes across your largest challenge in the nowadays: the progressive emptying of your action capacity. Such action should be understood so much in the perspective administrative as economical. Of here it appears approach again of the task of the State, and particularly, the State of democratic right as that that can, inversely to the perverse dictatorship of the power of market that undermines the sources of the world of the life (personality, society and culture), to protect these same sources also safeguarding the multiplicity among them communities historical. Key Words: State – Political Philosophy – Life-words – Communicative Action – Social Action.

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1. A HEURÍSTICA TAREFA DA FILOSOFIA POLÍTICA.

1.1 AS ESTRUTURAS ONTO-FILOGENÉTICAS DO ESTADO NACIONAL E SUA RELAÇÃO COM A ESFERA POLÍTICA - PÚBLICA.

Uma das mais importantes tarefas do saber filosófico é tematizar o chão da vida dos sujeitos historicamente contextualizados à luz da tipologia racional que os segue1, ou seja, esclarecer qual (is) critério (s) racional (is) serve (m) de subsídio (s) para suas ações na vida prática. Assim, as questões relacionadas à ética e à política ganham um status de notoriedade temática na atual urdidura epistêmica-filosófica. Apontamos, portanto, dois motivos basilares para tal situação. Delineamos, a seguir, dois exemplos que ratificam situar a questão desta maneira: primeiramente, encontramos a racionalidade instrumental que predica o domínio do indivíduo sobre as esferas bio-antrópicas do mundo objetivo. Ora, o projeto da modernidade cunhou tal mote até as últimas conseqüências transformando a técnica de meio a fim fundamental da vida humana. Em segundo lugar, surge uma nova constelação nas relações nacionais e internacionais que se presentifica mediante um sistema sócioeconômico em nível mundial denominado globalização. Nesse contexto, o paradigma torna-se o mercado que provoca a mercantilização da vida social como um todo2. De certa forma, toda esta configuração hodierna afeta as estruturas políticas e sociais do mundo moderno e, por conseguinte, exige uma redefinição da própria política em nível nacional e pós-nacional. A propósito, a nossa atual vivência nos aponta ao entendimento de que o saber filosófico já nas sociedades modernas deixou de preconizar sua tarefa mediante contornos pós-metafísicos empiricamente vividos pelo pluralismo3. Aqui se insere, sob a perspectiva de uma pesquisa filosófica, a proposta de Habermas, que deslinda o deslocamento sistêmico ocorrido no interior das sociedades tradicionais movendo-se para as sociedades pós-tradicionais e acarretando sérios problemas para o Estado nacional.

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HABERMAS, Jürgen. Kommunikatives Handeln und detranszendentalisierte Vernunft. Stuttgart: Reclam, 2001. 2 OLIVEIRA, Manfredo Araújo (org.) Filosofia Política Contemporânea. Petrópolis: Vozes, 2003. 3 Id.ibid., p.12-16

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Em virtude de tais reflexões acima arroladas, reside aqui o caráter identitário de nossa pesquisa na qual afere o corolário de uma política voltada à reificação da vida. Dessa forma, o Estado que se encontra imerso em um mundo da vida (Lebenswelt) historicamente articulado se depara com o mais nobre problema de sua identidade: diante de um sistema econômico globalizante o Estado nacional perde cada vez mais sua força soberana e sua atuação na e para a esfera ontofilogenética do mundo da vida, isto é, indivíduos e coletividades encontram-se mergulhados em uma facticidade que, sob o ponto de vista sócio-político e principalmente econômico, sofrem um processo de erosão de suas próprias biografias particulares. Diante disto, urge tematizarmos como pode ser articulado critérios políticos que legitimem o Estado nacional para a efetivação de sua profícua tarefa: proteger as fontes do mundo da vida4, isto é, a tese de que o Estado ainda é o principal ator político5 e por isso mesmo não pode deixar que os cidadãos sofram um vertiginoso processo de solapamento não só político, mas também em todas as esferas do mundo da vida (personalidade, cultura e sociedade) 6. Garantir o status situacional do Estado, enquanto este ainda é protetor das fontes do mundo da vida, se traduz em uma tarefa (Aufgabe) fundamental para as democracias nacionais instadas nos Estados nacionais, que paulatinamente deslocam-se e articula-se para e em vista de uma urdidura pós-nacional. A presente pesquisa, portanto, evoca o problema de como o Estado nacional, mesmo diante de todas estas questões inerentes à estrutura sócio-política e econômica, pode responder às sociedades hodiernas na busca de alternativas para as problemáticas relacionadas a um sistema econômico cunhado agora fortemente pelo processo sócio-econômico cognominado de globalização e que, por sua vez, são estigmatizados pelos dois processos de erosão das fontes genésicas do mundo da vida que se deslindam na “desontogenização” e “desfilogenização”. Como corolário destas premissas, urge esclarecer, de forma conceitual, o que se entende por desontogenização e desfilogenização, para que daí situar tais processos na atual estrutura do Estado nacional.

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HABERMAS, Jürgen. Era das Transições. Tradução de Flávio Siebeneichler. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2003. 5 Id.ibid., p.25 6 HABERMAS, Jürgen. Theorie des Kommunikativen Handelns. 1.ed. Frankfurt am Main: Suhrkamp Taschenbuch Verlag, 1995. 2 v. p.182 - 229

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Como isagoge desta problemática, encontramos já no atual sistema sócioeconômico uma busca irrefragável pelo capital, fazendo com que todos os indivíduos e sociedades se curvem ou se moldem aos ditames homogêneos e ditatoriais de uma lógica econômica que visa apenas o lucro7. É fático que todo cidadão que tenha seu trabalho deva receber seus dividendos. A questão não essa; mas, na relação do processo produtivo capitalista o que se tem observado na cotidianidade é o aviltamento social e econômico dos Estados e, portanto, dos atores sociais nos quais se encontram imersos no próprio Estado. Por isso mesmo, e em se considerando que a ontogênese trata sobre a estrutura subjetiva do ser humano e a filogênese reporta sua atenção à sociedade, então se prefigura aqui um vertiginoso processo de esvaziamento dessas duas esferas vitais que estão presentes no mundo da vida. Não obstante tal questão não se resume a mera perda de auto-reconhecimento para ambas as dimensões, mas se relaciona à própria perda de sentido. Ora, tanto os processos de desontogenização e desfilogenização são a prova empírica de que as configurações políticas calcadas em conceitos aqui e acolá ainda ortodoxos de Estado estão, no mínimo, obsoletas e situadas no tribunal da criticidade. Ora, esses prefixos agora utilizados estão longe de serem inocentes, pois os mesmos remetem a uma situação fática inexorável: a perda da capacidade do Estado em autogerenciar suas atividades8. Em consideração a este fato, a filosofia política ainda pode dar luzes (Einsichten) para a sociedade hodierna, isto é, mesmo que o saber filosófico esteja desprovido das pretéritas pretensões metafísicas9 isto não deve se tornar óbice, sob o vértice da própria ótica política, a uma crítica sistemática à colonização do mundo da vida10. Por sua vez, o próprio mundo da vida se encontra paulatinamente sucumbido pelas ingerências da racionalidade cognitivo-instrumental que estão sedimentadas pela ciência e pela técnica; ademais, essa crítica deve se expandir até a lógica do próprio capital e mercado que gravitam suas ordens legítimas à primazia do consumo, fruto de uma sociedade cunhada hedonisticamente. Tanto a constante perda da autonomia subjetiva e identitária – desontogenização – e a lépida perda da sociabilidade enquanto evento institucional - desfilogeni7

OLIVEIRA, Manfredo Araújo. Uma crítica do capitalismo a partir das vítimas. In:_____. Desafios éticos da globalização. 2. ed. São Paulo: Paulinas, 2002. 8 HABERMAS, 2003, p.103-109. 9 HABERMAS, Jürgen. Bewuβtmachende oder rettende Kritik die Aktualität Walter Benjamins. In:_____. Politik, Kunst, Religion. Frankfurt am Main: Reclam, 2001. p.64. 10 HABERMAS, Jürgen. Verdade e Justificação: ensaios filosóficos. Tradução de Milton Mota. São Paulo: Paulinas, 2004.

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zação – forma um único escopo de uma só urdidura: o Estado nacional que se articula transnacionalmente encontra amiúde dificuldades em estabelecer critérios basilares para a vida cotidiana dos seus cidadãos. Sendo que o Estado ainda continua a ser o principal ator político11, as biografias particulares e a sociedade em geral, devem à luz de políticas reconstrutivas12 fomentarem uma equanimidade política e social entre os próprios atores sociais. Em prática não é o que se observa; ao contrário, a beligerante amálgama do poder hegemônico com a técnica faz com que haja o aumento desproporcional entre o mesmo poder e os critérios ético-políticos capazes de reger a vida, tanto individual quanto societária. Sim, a racionalidade instrumental está a cada dia ganhando terreno em relação a uma racionalidade que tematiza o próprio ser humano e a sua ação na vida social como elementos basilares de uma construção epistêmica-racional13. Ora, tal arquitetônica é sedimentada pela heurística simbiose entre os atores sociais entre si que, em última instância, desejam se entender mutuamente, a alteridade objetiva, sobre algo no próprio mundo objetivo14. E essa é a intuição fundamental articulada por Habermas na Ação Comunicativa onde o agir social é fundamento prático a ser executado no interior do Estado. Diante do que fora exposto anteriormente poder-se-ia indagar sobre a legitimidade de levantar a temática do Estado enquanto aquele que guarda as fontes do mundo da vida no seguinte modo: ainda é possível falar sobre uma reflexão filosófica-política com relação ao Estado e que tenha uma veraz imbricação com respeito aos eventuais processos de estiolamento das estruturas onto-filogenéticas? Ou, de outro modo, seria palatável esquecer todo este discurso e nos inserirmos na pura contingencialidade fática e histórica nos enredando nos contextos locais e, quiçá, nos pós-locais? As perguntas não são inocentes; mas, traduzem um sentimento que brota do interior das massas despolitizadas e que não possuem critérios reflexivosobjetivos para a tematização e eventuais resoluções de seus próprios contextos vitais. Daí que a Teoria Crítica, sem seu programa de fundamentação crítico-social, 11

HABERMAS, 2003, p.25. Chamo de Política Reconstrutiva aquela que oferece uma condição de refazer a concepção societária e política da “vida boa” aristotélica calcada no capital e no mercado. O paradigma fundamental sócio-econômico deve, portanto, deslocar-se da primazia do capital para o próprio ser humano. Isso, de certa forma, nos remete a éticas que levem a sério o estatuto ontológico do heurístico conjunto temático do mundo da vida. 13 HABERMAS, Jürgen. Técnica e Ciência como “Ideologia”. Tradução de Artur Morão. Lisboa: Edições 70, 2001 (Coleção Biblioteca de Filosofia Contemporânea). 14 HABERMAS, Jürgen. Pensamento Pós-Metafísico: estudos filosóficos. Tradução de Flávio Siebeneichler. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1990 (Série Estudos Alemães). 12

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ainda pode dar suas contribuições para os problemas gerados no âmbito interior do Estado. O próprio Habermas predica que não se esqueceu da intuição fundamental da Teoria Crítica apesar de tê-la feito passar a um outro nível, o da pragmática15:

(...) a mudança de perspectiva ligada ao fato de eu ter migrado de um questionamento epistemológico para a pergunta lingüísticopragmática acerca das condições necessárias do acordo mútuo possível. (...) E quero duvidar de que isso leve a um enfraquecimento da energia crítica, e menos ainda ao “fim da Teoria Crítica”.

Esta lapidar idéia habermasiana nos encoraja ao fundamento da Teoria Crítica que se ancora à concepção da Teoria do Agir Comunicativo, no qual deve esclarecer as razões pelas qual o desenvolvimento social tem problemas estruturais; de outro modo, se esses mesmos problemas, que podemos caracterizar como crises patológicas da sociedade oriundas de disfunções sociais e econômicas, estão abertos para a contemporaneidade como um acesso privilegiado às estruturais mais gerais do seu mundo da vida objetivo

16

. É importante fundamentar a Teoria Crítica

17

, e ela se

define funcionalmente, como afirma Michael Theunissen, na transformação da sociedade enquanto tal, ou seja, na tematização do “Sitz im Leben” situado historicamente. Ora, pode-se afirmar que o pressuposto filosófico que sustenta tal premissa conceitual encontra-se ainda na dialética cunhada fortemente por Marx, onde a pretensão de uma teoria do Absoluto (Voraussetzungslos) é relegada; contrariamente, a partir de então, a Filosofia desloca-se de seu eixo epistêmico: enquanto saber principial esvazia-se de suas pretensões metafísicas e se deixa perpetrar pelo espírito da contingencialidade como um paradigma temático. Sob o prisma das contingências históricas, e sem perder o horizonte do saber filosófico do esclarecimento (Einsichten) da sociedade hodierna, faz-se necessário investigar o legado da Teoria Crítica que se desenvolve na Teoria da Ação como escopo fundamental na Teoria do Agir Comunicativo, desenvolvido na esfera discursiva da política. É cognominada de discursiva porque, para Habermas, as esferas discursivas são: moral; direito e a política (democracia). Daí se insere uma atividade racional e filosófica que leve a sério a ação política no interior das esferas discursivas, especificamente no âmbito da políti15

HABERMAS, Jürgen. A Inclusão do Outro: estudos de teoria política. Tradução de George Sperber e Paulo Soethe. São Paulo: Loyola, 2002. p.342. 16 HABERMAS, 1995, p.193 17 THEUNISSEN, Michael. Kritische Theorie der Gesellschaft: Zwei Studien. Berlin: de Gruyter, 1981. p.9

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ca enquanto aspecto fundamental da Ação Comunicativa. É o que propomos a seguir: primeiro, um breve relato da Teoria da Ação que se articula juntamente com o Agir Comunicativo, portanto, o agir não denota simplesmente articular pragmaticamente conteúdos semânticos, porém, acima de tudo, é operar na contingencialidade meios eficazes para a resolubilidade das questões cruciais inerentes ao mundo da vida, e, em virtude da busca de alternativas para os Estados nacionais politicamente articulados entre si e confrontados com os processos de globalização, apresentaremos, a seguir, a proposta habermasiana de um ordenamento político voltado à pósnacionalidade: a política deliberativa.

1.2 TEORIA DA AÇÃO: AÇÃO SOCIAL ENQUANTO ELEMENTO CONSTITUTIVO DO AGIR COMUNICATIVO.

Desde o prefácio à primeira edição da obra “Teoria do Agir Comunicativo” 18, Habermas deslinda conceitos fundamentais do que ele entende por esta teoria, a saber: “a teoria do agir comunicativo não é uma metateoria, mas início de uma teoria da sociedade, que se esforça, para desterrar de seus critérios críticos”

19

. Ora, a

questão fundamental é a proposta de uma Teoria Crítica da Sociedade como escopo nuclear do programa de fundamentação habermasiana, tendo como primeiro aspecto o deslocamento conceitual da razão ou da racionalidade, isto é, como os sujeitos capazes de falar e agir adquirem e utilizam o saber. O chão temático aqui é justamente um eixo epistêmico-cognitivo calcado em um viés pragmático sob uma forte conotação crítica, e isto significa que o conceito articulado por Habermas sob o Agir Comunicativo consiste na abertura a três complexos temáticos: um conceito de racionalidade comunicativa que ainda resiste a uma redução cognitivo-instrumental da razão; um conceito de sociedade, que se associa aos paradigmas do mundo da vida e ao sistema – onde se desenvolvem os sistemas funcionais de uma sociedade – e, finalmente, uma teoria da modernidade que esclarece visivelmente as patologias so-

18

HABERMAS, Jürgen. Vorwort zur ersten Auflage. In:______. Theorie des Kommunikativen Handelns: Handlungsrationalität und gesellschaftliche Rationalisierung. 1. ed. Frankfurt am Main: Suhrkamp Taschenbuch, 1995, 2 v , p.7 19 HABERMAS, loc.cit.

10

ciais

20

. É evidente que aqui o Estado enquanto caleidoscópio onto-filogenético (in-

divíduos e sociedades) ganha um significado próprio em relação ao sistema funcional de caráter sócio-econômico vigente na urdidura contemporânea, que é o sistema capitalista. E, em virtude disso, é que a teoria da Ação Comunicativa deve possibilitar uma conceituação das interações vitais existentes nas sociedades que se fazem presente nas contradições da modernidade. Assim, toda sociedade, sob o ponto de vista pragmático, se refere à interação de sujeitos – atores políticos – capazes de falar e agir que se dissolvem, em última instância, nas relações interpessoais contextualizadas historicamente. Ora, essas mesmas relações evocam, preliminarmente, o conceito fundamental da teoria do desenvolvimento cognitivo, ou seja, estamos tematizando a construção de um universo subjetivo que se objetiviza aos demais e isto significa que o horizonte de compreensão perpassa por uma construção de um sistema de significados para a delimitação simétrica dos mundos objetivos, sociais e subjetivos. Disto podemos apresentar, em síntese

21

, os Tipos de Ação desenvolvi-

dos por Habermas, em seu esboço embrionário, são seguidos nesta ordem:

AÇÃO

Orientada ao sucesso Orientada à compreensão

Não-social

Agir instrumental

social

Agir estratégico

Agir Comunicativo

Para Habermas, o desenvolvimento cognitivo significa precisamente a “descentralização de uma egocêntrica cosmovisão desde sempre apregoada”

22

. Paralela-

mente também se desenvolve o conceito de mundo da vida (Lebenswelt) articulado pragmaticamente, isto é, sem prescindir do “mundo interior” e, portanto, subjetivo, desloca-se o eixo paradigmático da razão para uma perspectiva intersubjetiva. Assim, em cada sociedade e, é claro, nos múltiplos sistemas funcionais, o ator político quer se entender com outro sobre algo constitutivo/normativo da e na realidade objetiva; desse modo, “cada ato da compreensão se faz compreender como parte de cooperativo êxito de significado que tem em vista as definições situacionais reconhecidas intersubjetivamente” 20

23

. Daí se depreende o prolegômeno do conceito de mundo

HABERMAS, id.ibid., p.8. HABERMAS, Jürgen. Vorstudien und Ergänzungen zur Theorie des Kommunikativen Handelns. 1.ed. Frankfurt am Main: Suhrkamp Taschenbuch, 1995. p.460. 22 HABERMAS, 1995, 2 v. p.106. 23 HABERMAS, 1995, 2 v. p.107. 21

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da vida como correlato dos processos de entendimento; portanto, o sujeito que age comunicativamente se entende sempre no horizonte de um mundo da vida. E nessa mesma esfera “mundana” sempre se organiza mais ou menos difusamente as concepções fundamentais não-problematizadas. Para Habermas, é este “pano de fundo” (Hintergrund) engendrado no mundo da vida que serve como fonte primaz para as definições situacionais entre os indivíduos que são pressupostos pelos participantes do processo de entendimento. E é por meio dessas orientações interpretativas cunhadas pelos atores sociais que os membros (participantes) de uma comunidade comunicativa delimitam um mundo objetivo e seus mundos sociais partilhados intersubjetivamente. Todo esse processo é realizado mediante as pretensões de validez próprias dos indivíduos, ou seja: verdade proposicional; correção normativa; veracidade subjetiva

24

. O método para a efetivação deste projeto – uma Teoria da Ação

Comunicativa – é um tipo de racionalidade profundamente marcada pela discursividade; justamente caracterizada por Habermas mediante os estudos prolegomênicos do legado filosófico de Wellmer

25

. O conceito de racionalidade discursiva ganha for-

ça e diz respeito, em suma, “às interações de pelo menos dois sujeitos capazes de falar e agir (sprach- und handlungsfähigen Subjekten) – e o mais importante é que seja por meio verbal ou extra verbal – que contraiam uma relação pessoal”

26

. Ora,

este conceito nos convida a uma reflexão já que sempre lemos e ouvimos este mote habermasiano – o sujeito capaz de falar e agir – e temos a inclinação de nos propor à interpretação por parte daqueles (as) que não poderiam articular verbalmente suas intenções propositivas ou, de outro modo, objetivar epistêmica-socialmente suas biografias particulares. É dentro desta urdidura conceitual que Habermas fala de “meios extras verbais” (extraverbalen Mitteln); daí que aqui se abre um espaço também “discursivo” e discutível sobre as reais possibilidades daqueles que não portam a faculdade cognitivo-racional de expressar verbalisticamente suas ações e intenções. Disto decorre que o cerne fundamental da presente questão não reside simplesmente nos atores (Aktoren) ou sujeitos (Subjekten) portadores da fala natural; também aqui podemos agregar a este conceito, e não simplesmente minimizá-lo, todos aqueles (as) que não podem falar, mas especificamente podem, sim, ser autônomos em suas capacidades pessoais de falar e agir de uma maneira não-formal, isto é, simbó-

24

HABERMAS, 1995, p. 109. HABERMAS, 1995, p.110. 26 HABERMAS, 1995, p.128. 25

12

lica. A partir destes pressupostos poder-se-ia indagar se em nossa sociedade ainda é possível resguardar esta proposta habermasiana da comunicabilidade racionalmente motivada ainda mais no que concerne às questões nevrálgicas envolvendo um macro sistema: o Estado no interior do sistema capitalista? E por quê? Uma possível resposta é que justamente no trânsito de vários sinais do desgaste da comunicação entre povos e nações, expresso pela via beligerante ou social-política e principalmente econômica, ainda é possível reconstruirmos nossos planos de ação (Handlungspläne) tendo em vista o mútuo entendimento (Einverständnis) na qual perpassa pela compreensão (Verständigung) das pretensões de validez articuladas pelos atores sociais, e que precisamente nessas ações são exigidas pretensões universais para e no processo de entendimento discutidas por Habermas, consolidando-se, portanto, na expressividade compreensível; algo a ser entendido e oferecido. Resumindo, estes dois conceitos são fundamentais: por Verständnis, diz-se que é o entendimento fático, pois atores sociais podem se entender até para o dissenso; já o Einverständnis, relaciona-se com as pretensões de validez inseridas na Ação Comunicativa que tendem ao mútuo acordo. Daqui decorre como pressuposto fundamental que os “falantes devem escolher uma expressão inteligível e com isso falantes e ouvintes podem se compreender um ao outro sobre algo objetivo”

27

. O estatu-

to empírico na qual Habermas se ancorou para deslindar sobre tais conceitos é a ação social; poder-se-ia discutir se tal dado de comprovação empírica se legitima na reflexão filosófica, pois uma crítica contumaz a esta construção é a de que os pressupostos usados por Habermas são matricialmente sociológicos e não filosóficos. Em virtude de nossa proposta não cabe aqui discutir sobre tais questões; porém, a partir de pressupostos, tanto filosóficos quanto sociológicos, Habermas insiste que a “Teoria do Agir Comunicativo” “recortou as necessidades da Teoria da Sociedade e, ademais, esta Teoria tem conseqüências para a solução dos problemas filosóficos” 28. Não obstante a isto, a Filosofia não ocuparia mais o papel de tutora do saber totalizante. A partir de tais premissas, essa possível panacéia filosófica não se legitimou mais, para Habermas, e isso é demonstrado pela sua posterior historiografia, parti-

27 28

HABERMAS,1995, p. 354 HABERMAS, Jürgen. Was hei t Universalpragmatik?. In:_______. Vorstudien und Ergänzungen zur Theorie des Kommunikativen Handelns. 1.ed. Frankfurt am Main: Suhrkamp Taschenbuch, 1995. p.604.

13

cularmente na obra “Consciência Moral e Agir Comunicativo”

29

onde, a partir de

então, a Filosofia ocupa uma nova tarefa: guardar o lugar dos saberes da realidade objetiva. Certamente toda a preocupação pela pragmática tematiza a guinada paradigmática do conceito vital para Habermas: a razão. De outro modo, ele não fixou sua atenção a um solapamento da razão ou na tese do logocentrismo, ainda vigente na filosofia da consciência, mas no Agir Comunicativo que visa justamente desvelar os elementos que possam facilitar e garantir, acima de tudo, o próprio estatuto lógico-ontológico racional como força motriz ao e no entendimento entre os indivíduos ou atores sociais. É por isso que há exigências vetoriais na racionalidade comunicativa30: A relação do sujeito cognoscente frente a um mundo de acontecimentos e fatos; a relação prática do sujeito em interações com outros sujeitos atuantes num mundo social; e, finalmente, as relações do sujeito que sofre e é apaixonado (...) com sua própria natureza interna, com sua subjetividade e com a subjetividade dos demais.

Observa-se claramente que a linguagem possui uma funcionalidade comunicativa, isto é, visa a um entendimento mútuo (Übereinstimmung) e isto pressupõe, por um lado, um sistema de referências lingüísticas devidamente representadas, o que nos sugere um realismo epistêmico, pois o próprio Habermas se define como “um realista nas questões epistêmicas e um construtivista nas questões morais”

31

; por

outro, estabelece-se o fio condutor da presente questão que está sedimentado na seguinte assertiva: “o falante comunica-se com um outro membro de sua comunidade lingüística sobre algo no mundo“

32

. Daí a necessidade de tematizar o agir social

como elemento pragmático e inexorável na construção de uma Teoria da Ação Social, que ainda calcada em pressupostos pragmáticos, é capaz de oferecer alternativas ao processo de solapamento dos elementos conteudístas do mundo da vida.

29

HABERMAS, Jürgen. Consciência Moral e Agir Comunicativo. Tradução de Guido Almeida. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro,1989. p.17-34. 30 HABERMAS, Jürgen. Die Neue Unübersichtlichkeit: Kleine Politische Schriften V. 1.ed. Frankfurt am Main: Suhrkamp Verlag, 1985. p. 185. 31 HABERMAS, Jürgen. A Ética da Discussão e a Questão da Verdade. Tradução de Marcelo Cipolla. São Paulo: Martins Fontes, 2004. p.46. 32 HABERMAS, 1989, p.40.

14

1.3 A AÇÃO SOCIAL COMO LEITMOTIV (FIO CONDUTOR) PRAGMÁTICO DE UMA TEORIA DA SOCIEDADE.

Em virtude do que fora asseverado anteriormente, a Teoria da Ação Comunicativa concatena três importantes considerações: a primeira, trata-se da relação entre ação e interpretação ou hermenêutica, onde a linguagem se constitui como um meio para atingir o “telos do entendimento”

33

. E ainda mais: este conceito de enten-

dimento deve ser visto sob a perspectiva de um conteúdo normativo e não puramente como uma expressão gramatical. Ora, sob tal condição, ou seja, de uma não redutibilidade à gramática, Habermas desenvolve uma crítica às teorias do significado, especificamente à semântica intencional e a formal. No que tange à primeira, reside à redução das proposições à forma lógica; quanto à segunda, há um outro tipo de reducionismo: a linguagem se apresenta apenas como um sistema de signos e que não abre espaço para a discussão sob a validade e sentido das expressões lingüísticas. A partir daqui desenvolve-se uma saída aos dois modelos – o terceiro aspecto – elencados utilizando-se de uma via “pós-Sprachspiel” wittgensteinianamente articulada, ou seja, a linguagem não é um puro jogo onde não existem alternativas senão a própria regra do jogo na qual uma determinada linguagem se encontra inserida, mas ela está conectada com a ação, ou seja, há o princípio da ilocucionaridade cognominado de elemento ilocucionário (illokutionäre Bestandteil). Daí a contribuição de Austin

34

e isto porque Habermas se preocupou no que diz respeito à Teoria da

Ação, não sob o aspecto meramente psicológico, mas o objetivo dele é a compreensão das estruturas mais gerais dos processos do entendimento. Ora, esses mesmos processos recaem sobre o conceito mesmo de entendimento, este, por sua vez, pressupõe um processo de acordo entre os atores sociais (Subjekten) que são capazes de falar e agir. Justamente aqui também se articula a força proposicional e intencional dos sujeitos comunicativos com o propósito de fundamentar as condições do entendimento diferenciando-se também a relação entre o entendimento (acordo) e a compreensão (Einverständnis und Verständigung). Tudo isso para afirmar que os processos de entendimento visam ao entendimento (acordo), tanto na esfera fática 33 34

HABERMAS, 1990, p.77. Habermas define como Austin diferencia os atos: locucionários (o falante expressa um estado de coisas), ilocucionários (o falante executa uma ação quando diz algo), perlocucionários (o falante consegue um efeito do ouvinte). HABERMAS, Jürgen. Erste Zwischenbetrachtung: Soziales Handeln, Zwecktätigkeit und Kommunikation. In:______. Theorie des Kommunikativen Handelns. 1.ed. Frankfurt am Main: Suhrkamp Taschenbuch, 1995. 1 v.

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como na normativa. Nessa definição do “normatives Einverständnis” (entendimento normativo) ela oferece, a nosso ver, na esfera política, um espaço discursivo para a própria política procedimental incluindo-se também o direito como mediador entre o mundo da vida e os sistemas funcionais da sociedade. Não deslindaremos especificamente sobre a tarefa do direito, entretanto, na realização de concretizar os objetivos sugeridos pela Ação Comunicativa “revirada linguisticamente”, Habermas inicia com o conceito de compreensão onde a mesma é inerente ao telos da linguagem humana e os atos comunicacionais e comunicativos versam como um mecanismo de coordenação de ação; para que daí se tenha um modelo que torne possível na Ação Comunicativa o uso da linguagem sob a perspectiva de uma ação orientada a compreensão. Até o presente momento nos ocupamos em apresentar caricaturalmente a gênese da Teoria do Agir Comunicativo que teve como auxílio à Pragmática junto com a Teoria da Ação. Só que o mundo da vida (Lebenswelt) não está resumido a puros conceitos pragmáticos de caráter intencional e semântico, mas, por outro lado, ele também arrola, a partir do próprio Agir Social e Comunicativo, uma abordagem sistêmica e social que desemboca nas esferas sociais inseridas em um macro contexto: o Estado enquanto catalisador de todas as integrações sistêmicas. Em síntese, o uso pragmático da linguagem reporta ao sentido de pertença a uma realidade fáticaobjetiva na qual os atores sociais (sujeitos) podem se entender acerca de algo; ora, isso significa que a linguagem não se limita à pura transmissibilidade informacional, mas possui também uma tarefa de coordenação da ação (Handlungskoordinierung) ou do agir e é, por isso mesmo, que a linguagem se constitui como evento mediático trazendo consigo o princípio teleológico do mútuo entendimento. É só dessa forma que, de acordo com Habermas, a pragmática da linguagem transcende o puro entendimento semântico das orações e, por outro lado, faz com que a ação se reporte a um tipo de racionalidade – comunicativa, no caso – postulada sob duas formas: agir social ou não-social, já asseverado anteriormente. E no que toca à orientação, encontramos a ação orientada ao êxito e ao entendimento (Erfolgs-Verständigungsorientierung)

35

. É na ação, de uma forma geral, na atitude dos participantes do pro-

cesso comunicativo – atores sociais –, que os mesmo são remetidos para o interior

35

HABERMAS, Jürgen. Aspekt der Handlungsrationalität. In:______. Vorstudien und Ergänzungen zur Theorie des Kommunikativen Handelns. 1. ed. Frankfurt am Main: Suhrkamp Taschenbuch, 1995. p.459-461.

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da própria ação dialógica tripartidamente articulada 36. E justamente nesta referência a estes três mundos intercalam-se também três conteúdos diferenciados entre si: subjetivo, normativo e objetivo. Assim, nesse urdume filosófico é que se localiza a estrutura nuclear do Lebenswelt, ou seja, para além das relações ator (sujeito) e mundo (facticidade) mediante os três componentes simbolicamente articulados (personalidade, cultura e sociedade) há também um determinado encadeamento de ordem funcional (saber, individualização e socialização). Não é demais assinalar que toda essa tripartição esquemática está alicerçada na tríade sistêmica da sociedade com os seus respectivos estados de crise, a saber:

SISTEMA POLÍTICO-ADMINISTRATIVO SÓCIO-CULTURAL ECONÔMICO

CRISE RACIONALIDADE E LEGITIMAÇÃO MOTIVAÇÃO ECONÔMICA

Não propomos aqui a desenvolver cada sistema assinalado e seu posterior estado de crise. Diante desta abordagem, o conceito de mundo da vida (Lebenswelt) se apresenta como “horizonte em que se movimenta da “já sempre” Ação Comunicativa, que de sua parte seria definida e transformada através da mudança estrutural da sociedade”

37

. Sim, uma mudança estrutural da sociedade que reporta à Teoria

Crítica da Sociedade, onde o Estado e seu estatuto situacional bem como sua relação com os sistemas funcionais na sociedade e o modo de produção tornam-se elementos fundamentais para a referida reflexão; e isto, de certa forma, desemboca no objeto da pesquisa em voga. Não obstante a isto, retomando a discussão, o Lebenswelt se constitui como um conceito complementar para a Ação Comunicativa; portanto, na própria comunicação está inserida a temática das expressões (Äuerrung) como elementos mediáticos que compõem tal idéia fundamental, isto é, na busca ao entendimento recíproco entre os sujeitos. Aqui, Habermas manifesta os três componentes do mundo da vida (Lebenswelt), a saber: “cultura, sociedade e 36

O mundo objetivo (a totalidade das entidades); mundo social (o conjunto das relações interpessoais) e o mundo subjetivo (o conjunto das vivências subjetivas em que o falante pode se expressar diante de um público). Cf. HABERMAS, Jürgen. Das Konzept der Lebenswelt und der hermeneutische Idealismus der verstehenden Soziologie. In:______. Theorie des Kommunikativen Hadelns.1.ed. Frankfurt am Main: Suhrkamp Taschenbuch, 1995. 2 v. p.183 37 HABERMAS, 1995, 2 v. p.182.

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personalidade”

38

, onde se entende por cultura como aquele saber agregativo (Wis-

sensvorrat) – “armazém do saber”, expressão que ele também usa na obra “Pensamento pós-metafísico” – que armazena e concentra os participantes da comunicação em vista do entendimento; já a sociedade é uma ordenação legítima (legitimen Ordnungen) que regula aos participantes da comunicação seu sentido de pertença a um determinado grupo social garantindo, com isso, a solidariedade; e, por fim, o indivíduo (Persönlichkeit) é definido como as competências que fazem um sujeito ou a personalidade ser capaz de falar e agir. Justamente na ação que se orienta ao mútuo entendimento – acordo fático e normativo – se apresenta a clássica diferenciação que se torna fundamental no escopo da ação comunicativa entre a compreensão (Verständigung) e o acordo ou entendimento (Einverständnis). Pelo primeiro, “significa o acordo dos participantes da comunicação sobre a validade de uma expressão”

39

e o mútuo entendimento “é o reconhecimento intersubjetivo das pre-

tensões de validez que o falante eleva”

40

. Em suma, a linguistic turn que se define

também pela transição da semântica à pragmática, estabelece, a seu modo, como um pano de fundo (Hintergrund) uma Teoria do agir ou da ação. Daí a relevância deste conteúdo ao Lebenswelt (mundo da vida) para Habermas. Foi por isso, certamente, que se sucedeu uma crítica à razão redefinindo-a a partir de uma postura deflacionária da teoria logocêntrica

41

, contudo não de uma maneira que se firme o

pressuposto detritívoro da própria razão – “destruição da razão”

42

–; mas agora, o

estatuto racional se fixa como garantia ao mútuo entendimento entre os sujeitos que participam do processo comunicativo. Nessa atividade co-participadora, a esfera pública

43

(Öffentlichkeit) ganha um status proeminente: é o espaço gregário de todos

os elementos constitutivos do mundo da vida. A partir da noção do Agir Comunicativo como fator que se faz presente na esfera discursiva da política, encontra-se a importância de pôr em relevo a esfera pública e a sociedade civil como elementos essenciais na prática discursiva do agir político. Independentemente dos atores políticos, o discurso teleologicamente articulado para o entendimento mútuo se constitui como agente categorial basilar no interior do dis38

HABERMAS, 1995, 2 v. p.229. HABERMAS, 1995, 2 v. p.184. 40 Id. Ibid., p.184. 41 HABERMAS, 1990, p.11-17. 42 HABERMAS, Jürgen. Die Nachholende Revolution: Kleine Politische Schriften VII. Frankfurt am Main: Suhrkamp Verlag, 1990. p.106. 43 HABERMAS, Jürgen. Mudança estrutural da Esfera Pública. Tradução de Flávio Kothe. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1984. 39

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curso político e, portanto, da própria ação política. É por isso que, anterior a qualquer tentativa de tematizar a esfera política, deve-se sublinhar os espaços onde acontecem as ações políticas, precisamente a esfera pública e a sociedade civil, porque são precisamente aqui que os próprios discursos públicos – práticas comunicacionais advindas da ação política – precisam de uma especificidade de acordo com sua realidade objetal, ou seja, a urdidura sócio-política, para que não seja perdida de vista nem a formação política da opinião e da vontade nos espaços públicos – esfera pública e sociedade civil – e nem nas decisões consolidadas nas legislações: instância normativa. Sabemos que nas complexas sociedades hodiernas agudizam-se déficits da e na ação política. Daí a efetiva participação dos cidadãos nos processos que tendem à regulamentação da vida na esfera societal é deslocada para os representantes eleitos pelo poder público. Isto gera a perda da autonomia da sociedade o que denota a transmutação de um estatuto racional presente nos meios sociais, racionalidade esta que leva a sério a co-existência dos indivíduos nas múltiplas sociedades. Assim, sob o ponto de vista de uma racionalidade instrumental personificada no atual momento pela lógica do mercado – globalização – faz-se necessário um repensar deste tipo de razão, ou seja, provocar, tendo como ponto de partida o paradigma filosófico da intersubjetividade, a atitude migratória de uma razão centrada na técnica para uma razão emancipadora e, nesse caso, comunicativa. Recriar os espaços públicos e privados onde se pode manifestar a liberdade – pensar, agir, falar – e efetivar a igualdade, duas vertentes do projeto da modernidade, significa retomar os processos decisórios dos membros das comunidades políticas autônomas. Aqui, urge frisar o peso axiológico da autonomia que se radica na mútua compatibilidade dos indivíduos, ou seja, “uma pessoa só pode ser livre se todas as demais o forem igualmente”

44

. Este conceito nos ajuda a entender a dimensão intersubjetiva da au-

tonomia, que é um legado da liberdade subjetiva (Willkür) kantiana, como um contraponto a uma idéia puramente distributiva da autonomia; portanto, ela não é atingível monoliticamente – no sentido de individual – mas com o auxílio da alteridade. A razão comunicativa está imersa na política como uma condição processual de poder (Gewalt), no sentido de força interna, onde diversos interesses se defrontam na participação dos agentes políticos e nessa luta de interesses se localiza o conceito de

44

HABERMAS, 2004, p.13.

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esfera pública enquanto um espaço de luta por influência como algo dinâmico, sendo que essa mesma influência sedimenta o entendimento fático e mútuo. Na verdade, é em virtude dos processos institucionalizados que é possível o câmbio de uma influência política para a dimensão do poder político. Aqui, a efetivação da liberdade comunicativa enquanto momento democrático é garantida mediante os procedimentos comunicacionais, a fim de que a própria estrutura comunicativa da esfera pública viabilize o trânsito dos interesses particulares para o espaço público político. Isto se confirma – o caráter da “publicidade” do espaço público porque ele é entendido como “para além do contexto das interações simples, entra em cena uma diferenciação que distingue entre organizadores, oradores e ouvintes (...) entre palco e espaço reservado ao público espectador”

45

. Daqui se tematiza a gênese e também a tarefa

específica dos atores políticos, partindo do princípio que a referida dicotomização sugere que alguns atores, oriundos do próprio público, participam da esfera pública e outros que se locupletam dela. Diante desta dualística caracterização que se forma no interior da esfera pública evidencia-se o perigo da pressão do poder manipulador da opinião pública por parte daqueles que dela se aproveitam, como, por exemplo, as grandes corporações de caráter multinacional. Ligado a isso, é elucidativa a assertiva habermasiana quando articula que “as opiniões públicas podem ser manipulada, porém não compradas publicamente, nem obtidas à força (...) pelo fato de que nenhuma esfera pública pode ser produzida a bel-prazer” 46. Isto torna claro o aspecto autônomo da esfera pública e, portanto, inalienável do seu estatuto ontológico e identitário; e essa autonomicidade resguarda o aspecto funcional primaz da esfera pública que consiste na tematização e captação da constelação dos problemas advindos da sociedade ancorado em um contexto comunicativo dos indivíduos inseridos em um mundo da vida específico. E essa perspectiva da comunicabilidade dá luzes (Einsichten) à teoria do Agir Comunicativo, pois aqui as múltiplas falas ou “vozes díspares” eclodem a partir das particulares experiências causadas, sobretudo, e sob o nosso enfoque temático, pelo Estado. Tanto quanto a esfera pública, também a sociedade civil se insere na presente temática porque a relação entre ambas é explícita a partir do princípio de que tudo aquilo que é engendrada na esfera pública política deságua na sociedade civil. As-

45

HABERMAS, Jürgen. Direito e democracia: entre facticidade e validade. Tradução de Flávio Beno Siebeneichler. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1997. 1 v. p.96. 46 Id.ibid., p.97.

20

sim, a sociedade civil se define pelo conjunto “de movimentos, organizações e associações, os quais captam os ecos dos problemas sociais que ressoam nas esferas privadas, condensam-nos e os transmitem para a esfera pública política”47. É por isto que a sociedade civil torna-se capaz de agregar todos os discursos de resolubilidade, que são problemáticos, advindos da esfera pública. No que toca à política institucional, o sistema político se insere eficazmente na articulação tanto da esfera pública quanto da sociedade civil porque a própria sistematicidade da esfera política imbrica-se com as duas outras instâncias mediante a representatividade e participação dos partidos políticos e partidários, por um lado, e da ação ou atividade eleitoral dos cidadãos, por outro. Disto decorre que a tentativa de salvaguardar a formação e opinião da vontade pública e política encontram em seu espaço autônomo sua estrutural constituição. Não obstante a tudo isso, tanto a esfera pública como a sociedade civil necessitam de uma ordem institucional para que possam se estabelecer. Tal necessidade advém do imperativo fático das próprias relações sociais que, para serem efetivadas, precisam minimamente de uma ordem jurídico-institucional. Ora, sabemos que Habermas trata a esfera discursiva democrática sob três paradigmas: republicano; democrático e deliberativo48. Como isagoge desta questão anterior, retomamos a discussão sobre a tarefa profícua de uma Teoria da Sociedade. Sim, só a partir dela e diante da Teoria do Agir Comunicativo é que se pode reorganizar a questão em voga que se traduz sinteticamente na atual posição que o Estado ocupa na “arena” hodierna, principalmente pelo fato de que os câmbios sociais e político-econômicos, materializados fortemente pelo processo da globalização estiolam os componentes do mundo da vida. Diante deste quadro conceitual é que a proposta para a presente reflexão incide em discriminar o status situacional do Estado na modernidade especialmente quando relacionado ao sistema capitalista, apresentando o modelo de uma política procedimentalmente articulada como um sinal preclaro de que “alternativas existem, apesar de tudo!”

49

em uma realidade objetivamente fática que se testifica empiricamente o

aviltamento não só do Estado enquanto instituição, mas também dos indivíduos em que nele estão circunscritos jurídico-territorialmente perante um modelo produtivo 47

HABERMAS, Jürgen. Direito e Democracia: entre facticidade e validade. Tradução de Flávio Beno Siebeneichler. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro,1997. 2 v. p.99. 48 HABERMAS, 2002, p.269-284. 49 HABERMAS, 2003, P.21-35.

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“capitalisticamente” efetivado pelas classes hegemônicas do próprio mundo objetivo. Para tal tarefa, tematizamos, por primeiro, o caráter do agir comunicativo – cerne da reflexão filosófica habermasiana – na ação social, e com isso inexoravelmente interpormos a Teoria Crítica da Sociedade; para que daí, finalmente, observarmos criticamente os limites desta posição assumida. Para finalizar o tema da ação social como dado imbricativo-pragmático do Agir Comunicativo e sob o ponto de vista da pragmática, postulamos a tese nuclear de que a linguagem é também condição de possibilidade de qualquer ação fática e normativa, podendo até ser considerada como um universal concreto pelo fato de que só na comunidade histórico-lingüística ela passa a ser reconhecida como um tema pensável por todos, pois aqui se estabelecem as duas condições basilares do conceito habermasiano de mundo vivido: linguagem e cultura

50

; portanto, toda e

qualquer ação humana – o trabalho social está inserido nessa prática

51

– tem uma

imisção sistemicamente interacional. Afirmamos, portanto, que toda forma de produção e ação faz uso do evento lingüístico como elemento mediático de seu processo epistêmico. Sendo auferida inferencialmente o status primacial que a linguagem ocupa em relação ao trabalho, na compreensão de Habermas, o trabalho desloca-se de um eixo categorial sociológica e migra para também uma reflexão filosófica: a compreensão do mundo moderno. Aliás, deve-se asseverar que a o saber filosófico ainda possui a tarefa de “autoclarificação racional”

52

e que conjuntamente “se esforça ain-

da hoje por esclarecer os fundamentos racionais do conhecimento, da linguagem e da ação” 53; assim, a filosofia não pode abandonar a tarefa de ser protetora da racionalidade e, por conseguinte, ela mesma, revestida de pressupostos ético-políticos, também se apresenta como uma crítica à

colonização de um mundo da vida que é esvaziado pelas intervenções da ciência e da técnica, do mercado e do capital, do direito e da burocracia (...) para responder a perguntas fundamentais da vida em comum normativa, em especial a vida política justa. (HABERMAS, 2004, p.324).

50

OLIVEIRA, Manfredo Araújo. Reviravolta lingüístico-pragmática na filosofia contemporânea. 2. ed. São Paulo: Loyola, 2001 (Coleção Filosofia). p. 335-336 51 HABERMAS, Jürgen. Técnica e Ciência como “Ideologia”. Tradução de Artur Morão. Lisboa: Edições 70, 2001 (Coleção Biblioteca de Filosofia Contemporânea). 52 HABERMAS, 2004, p.333. 53 HABERMAS, 2004, p.321.

22

Ora, essa crítica nos faz reportar, tendo presente à tarefa (Aufgabe) do saber filosófico, para construções materialmente acessíveis entre os atores sociais para frear os processos de desontogenização e desfilogenização dos conteúdos do Lebenswelt (mundo da vida). Como corolário destes dois momentos detrítivoros, Habermas articula um novo conceito democrático que se volta aos problemas da sociedade atual e agrega os modelos: republicano e liberal. É o nosso próximo tema.

2. O DISCURSO POLÍTICO-DELIBERATIVO: UMA CONSTRUÇÃO PÓS-REPUBLICANA E LIBERAL PARA O ESTADO?

Já se sabe que as sociedades modernas, diante de uma moldura póstradicional 54, se encontram funcionalmente articuladas pelo poder tanto administrativo como pelo mercado. Ora, este conteúdo esquemático nos favorece predicar a dimensão política enquanto discurso entre participantes de um processo democrático que precisa ser definido a partir de uma tipologia funcional, porque só mediante uma forma definida de democracia é que o princípio de nacionalidade – direito e autodeterminação nacional – pode ser subsídio à soberania do Estado. Falar em soberania, nesse caso, nos remete à tese da colonização do mundo da vida – insere-se aqui a desontogênese e a deslifogênese – na qual o Estado se encontra atualmente descaracterizado de suas reais funções dentro do âmbito das esferas sociais. A princípio, na perspectiva de uma filosofia política, e sob a ótica da Ação Comunicativa, o Estado ainda deve ter a missão de proteger os conteúdos originários do mundo da vida calcado em um princípio racional intersubjetivo sendo orientado pela força ilocutiva que converge ao mútuo entendimento, e não em uma racionalidade tipicamente cognitivo-instrumental que à luz do sobrepujamento do mercado e do capital (dinheiro) escraviza e marginaliza os indivíduos e as sociedades. Resumidamente, a racionalidade procedimental 54

55

55

onde se empreende a noção de política procedimental en-

Para Habermas, a sociedade pós-tradicional é aquela que se ancora na problematização dos conteúdos do seu próprio mundo da vida. Tal tese diferencia-se radicalmente de uma sociedade tradicional. Cf. HABERMAS, Jürgen. Identidades nacionales y postnacionales. 2. ed. Tradução de Manuel Redondo. Madrid: Tecnos, 2002. p. 111-121. Entendemos por racionalidade procedimental pelos procedimentos pelos qual o ser humano manipula o real (o objeto dado); porém, pode-se maximizar tal conceito predicando um conteúdo metodológico, a saber: qualquer ação e seus critérios objetivos feita pelo indivíduo que efetive alguma

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quanto veículo institucional e jurídico nos estados nacionais busca empreender uma tentativa de repensar não só o papel da razão enquanto tal, mas especialmente, sem perder de vista o viés emancipatório da natureza humana, rearticular, por um lado, o caráter identitário da própria filosofia prática (política) como aquele saber que ainda pode contribuir para a sociedade atual e mais pontualmente sob a esfera discursiva da política, e, por outro, apresentar um modelo de democracia a ser instado no Estado no intuito de auxiliar contra o processo deflacionário do mundo da vida. É mediante esta situação que se faz importante salientar um modelo democrático que possa viabilizar a sustentação destas mesmas fontes do mundo da vida: o modelo político-deliberativo ou cunhado por uma “concepção procedimentalista”

56

. Para me-

lhor compreensão desta tarefa se efetive, temos que deslindar caricaturalmente sobre os modelos antecedentes ao procedimental: as concepções democráticas de caráter republicano e a liberal. As querelas são amiúde e intensas no conceito do paradigma democrático habermasiano, principalmente na “Inclusão do Outro” e antes ainda em “Direito e Democracia”, mas, por outro lado, reconstruir o Agir Comunicativo relacionando-o ao agir político, no viés do procedimento deliberativo, ainda pode se constituir como uma das tarefas da filosofia política e principalmente na filosofia habermasiana em construção

57

. Aqui, já se intercambiam dois pontos de vistas político-democráticos

contrastantes entre si: o modelo liberal e o republicano. Queremos, portanto, primeiramente explicitar as relevâncias concernentes a estes dois paradigmas na práxis política estatal para que, em um segundo momento, apesar dos limites a eles concernidos, apresentar o procedimentalismo ou a política deliberativa como um possível modelo de um Estado social democrático. Conforme a concepção política vinculada ao liberalismo, o Estado possui a tarefa de uma teleologicidade intrínseca voltada ao indivíduo, ou seja, o Estado se fixa no interesse da sociedade como um todo. Assim, a esfera política catalisa esses mesmos interesesses sociais quando usa o poder administrativo. Ora, a política, então, torna-se um espaço por vezes beligerante entre as posições sociais que permitam ou não dispor do próprio poder administrativo, sendo que, por outro lado, o

tarefa. Nesse caso, também na esfera política cabe espaço para um tipo de racionalidade procedimental, onde por parte de quem detém o poder age de acordo com os seus próprios interesses. 56 HABERMAS, 2002, p.269. 57 PIZZI, Jovino. O conteúdo moral do agir comunicativo: uma análise sobre os limites do procedimentalismo. São Leopoldo: Unisinos, 2005.

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mesmo processo logra êxito mensuradamente pelo voto “público”. Apresentamos as aspas porque esse caráter público não advém de uma consciência política do povo, mas fruto de processos espúrios no interior da ação política onde quase sempre àquele que faz uso do poder econômico para se beneficiar de um cargo público age à sorrelfa, à socapa, estilizando uma maneira sub-reptícia de “fazer política”. Por outro lado, o direito aqui versa para a subjetividade, isto é, a instituição jurídica se volta à análise de cada caso ou questão individualmente. Daqui já se forma um conceito de Estado na qual se radica no amparo em que o mesmo oferece no tocante à administração pública da vontade das pessoas sendo a sociedade um caleidoscópio dos interesses de cada indivíduo e também do trabalho social. Esses dois elementos – indivíduo e trabalho social – são estruturados, nessa ótica, pelas leis do mercado, pois a lógica mercadocêntrica atende às exigências de uma sociedade sedimentada no interesse subjetivístico ou corporativístico dos cidadãos, principalmente àqueles que conjuntamente detêm o poder econômico; portanto, na perspectiva liberal são efetivados os compromissos de interesses e os princípios normativos que regulam esses mesmos interesses. Sob esse aspecto, o neoliberalismo, enquanto atividade social e política, diante de um quadro que legitime o Estado considerado como fonte integradora da sociedade, não se torna palatável e, sendo assim, todos os que se fiam nesta proposta neoliberal predicam que as cosmovisões das biografias particulares presentes na realidade objetiva e, portanto, coordenadas funcionalmente, são dissipadas como unidades monoliticamente justapostas não logrando mais êxito de trilhar a via da integração social 58. Paradoxalmente à concepção política anterior, existe também a noção da política republicana. Aqui, a auto-referência do ator social como portador de direito só o é estabelecido sob o enfoque objetivo, isto é, o direito positivo. Então, os direitos subjetivos se devem a uma ordem jurídica objetiva e, nesse caso, segundo Habermas, o Estado deve garantir o processo de formação da opinião e da vontade no qual não está ancorado no mercado, que por ventura avilte ao Estado e às fontes do mundo da vida enquanto tal, mas às estruturas de uma rede pública comunicacional orientada no entendimento mútuo. Ocorre, portanto, um deslocamento paradigmático estratégico, pois “o paradigma não é o mercado, mas a interlocução”

59

sendo

que a centralidade da sociedade reside no próprio Estado; portanto, tal construção 58 59

HABERMAS, 2001, p.112. HABERMAS, 2002, p.275.

25

garante as premissas basilares do edifício da teoria do agir comunicativo. Nessa ótica, a perspectiva republicana versa-se na formação democrática da vontade que se efetiva no auto-entendimento ético-político onde aquilo que é deliberado politicamente tem em si o consenso dos participantes, quer dizer, os atores políticos; ou de outro modo, “a formação política da opinião e da vontade dos cidadãos constituem a sociedade como unidade política”

60

. Assim, o republicanismo, de acordo com Ha-

bermas, dicotomiza o poder comunicativo, oriundo da comunicação política pela formação da opinião pública, do poder administrativo. Aqui, conforme as concepções políticas arroladas acima, compreender legitimamente uma sociedade exige ou, pelo primeiro caso, uma legitimação do poder político – liberal – ou, no segundo modelo – republicano – constituir a sociedade como uma comunidade política. Desses dois modelos acima elencados pelo menos um é mais problemático com relação ao atual sistema neoliberal. Bem, para Habermas é nítido que o “neoliberalismo não é sensível à idéia republicana da autolegislação”

61

; disto decorre que

o conceito de autolegislação exprime a idéia de que os destinatários dos princípios normativos – leis – devem ser compreendidos concomitantemente como seus próprios autores, ou seja, uma co-participação e co-entendimento das partes envolvidas acerca dos princípios legais pelos quais os mesmos serão regidos. Não obstante, estabelece-se agora um critério de que o paradigma da política deliberativa não leva a uma oclusão da formação política democrática, pelo contrário, pensamos que ele se constitui apenas como um possível modelo diante de um fisiognomônico quadro conjuntural do Estado nacional de perda da soberania e da capacidade de legitimação; portanto, tal estatuto político levanta a pretensão de aglutinar tanto a formação democrática da vontade e da opinião pública

62

e é por isso

que o processo da política deliberativa torna-se, nessa perspectiva, o âmago do processo democrático, já que uma das tarefas da formação política da opinião e da vontade diz respeito à questão ético-política principal do processo democrático

63

. Como a Política Deliberativa é a fonte

64

, de acordo com o nosso alvitre, ela fomenta

ações em meio ao seu processo de formação da opinião e da vontade política. Não 60

RESTORFF, Matthias. Die politische Theorie von Jürgen Habermas. Marburg: Tectum Verlag, 1997. p.84. 61 HABERMAS, Jürgen. A constelação pós-nacional: ensaios políticos. Tradução de Márcio Silva. São Paulo: Littera Mundi, 2001. p.120. 62 HABERMAS, 1997, p.34. 63 HABERMAS, 1997, p.225. 64 RESTORFF, 1997, p.84.

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qualquer ação, mas uma atividade que se volte a um processo comunicativo na qual legitime e pretenda se entender fática-normativamente com a alteridade sobre algo em comum relacionado às suas vidas. Aqui se corporifica a importância da Ação Comunicativa que se firma como fio condutor (Leitmotiv) e item principal (Kernstück) da ação política, haja vista que a política é elemento inerente de uma das esferas discursivas sedimentadas pela normatividade. Além da política enquanto esfera do normativo – regida pelas sentenças normativas (Handlung) – inclui-se também a moral como o discurso de fundamentação de sentenças normativas e o direito como aquele que medeia o mundo da vida e o sistema

65

, este último – o sistema – elen-

dado por três categorias: econômico; político-administrativo e sócio-cultural. É em virtude deste conceito que mais uma vez se clarifica a tese da colonização do mundo da vida, porque isto se consolida quando o princípio sistêmico da integração na sociedade chega a solapar o próprio mundo da vida. Daí a necessidade profícua de uma ação política que se volte aos interesses das peças principiais do mundo da vida sem deixá-las serem vilipendiadas por um sistema econômico que reduz a vida humana à coisificação traduzida e sintetizada pelos mercados globais. Dada esta circunstância ainda é pertinente o objeto de estudo das crises oriundas dentro de cada sistema social, crises estas que se materializam em um déficit de racionalidade cognitivo-instrumental onde o mesmo sistema econômico não é capaz em promover o jargão a que lhe é devido: o bem-estar social a todos. Certamente a Teoria do Discurso, como epicentro do Agir Comunicativo, aglutina tanto o modelo republicano como o liberal, articulando uma forma procedimental nas e para as decisões tomadas pelos atores políticos, ou seja, Habermas retoma os dois paradigmas e acrescenta a Ação Comunicativa. Assim, o referido processo viabiliza-se nas “considerações pragmáticas, nos compromissos e os discursos de auto-entendimento e da justiça”

66

. Ora, assim como Habermas articulou a descentrali-

zação da razão – da subjetividade para a intersubjetividade – assim também essa idéia de democracia inserida na Teoria do Discurso traz consigo um conceito descentralizado de sociedade, e isto significa que, sendo a sociedade centrada no Estado, estabelece-se o enfraquecimento da formação democrática da vontade dos cidadãos pelo fato de que os mesmos passam a constituir apenas mais um elemento no âmbito de um código constitucional de uma nação. Por isso mesmo, são conce65 66

RESTORFF, 1997, p.72. HABERMAS, 2002, p.278.

27

bidos “os direitos fundamentais e princípios do Estado de direito são como uma resposta à pergunta sobre como institucionalizar as exigentes condições de comunicação do procedimento democrático”

67

. A respeito deste princípio, é que na teoria dis-

cursiva o mais importante são os procedimentos relacionados à institucionalização, e tal assertiva é solidificada a partir do aspecto em que o Agir Comunicativo necessita inexoravelmente da intersubjetividade que se encontra nos múltiplos processos de entendimento tanto na forma institucional – Congresso e/ou Parlamento – como nas redes comunicacionais oriundas da opinião pública de caráter político. Aqui, a esfera pública e a sociedade civil ganham status proeminente no processo democrático pelo fato de serem o fundamento das opiniões públicas subjetivas e também de forma contrafática conviverem com as fontes integradoras das sociedades hodiernas: a questão monetária, o poder administrativo e a solidariedade. O dinheiro é definido como um especial mecanismo de troca e que tanto ele quanto o poder são calculáveis mediante a ação instrumental

68

. Por outro lado, a solidariedade é apresentada

como condição até pós-convencional de convívio na vida pública e política; portanto, já que a política deliberativa postula uma rede de comunicações e decisões de caráter transregionais, a solidariedade também é localizada sob a perspectiva cosmopolita, ou seja, ela não é privilégio de um determinado Estado ou comunidade histórica, mas recurso ou subsídio válido universalmente na tentativa de construção de políticas para além do Estado ou àquelas cognominadas de pós-nacionais. É correto garantir que, sob o ponto de vista do saber filosófico, a “situalização” da razão ou a razão situada (situierte Vernunft) sempre fez parte da Tradição filosófica e esta deve ser entendida agora como um processo de destranscendentalização que significa, por sua vez, a imbricação de um indivíduo situado historicamente no contexto do mundo da vida

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. À vista disso, o nosso atual “contexto” dissertativo nos

sugere refletir sobre a solidariedade como um postulado não só ético, mas também político que garante os vínculos entre os atores sociais à luz da Teoria da Ação Comunicativa. Sim, no âmbito da política a solidariedade traz consigo uma condição de se estabelecer a justiça, já que a mesma “significa simultaneamente solidariedade”70, possuindo um nexo com a moral e isto se refere pelo fato de que estamos to67

HABERMAS, 2002, p.280. HABERMAS, 1995, 2 v. p.407. 69 HABERMAS, Jürgen. Kommunikatives Handeln und detranszendentalisierte Vernunft. Stuttgart: Reclam, 2001. p.16. 70 HABERMAS, 2002, p.42. 68

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dos em uma sistêmica rede interativa, uma comunidade real, isto é, na comunidade que se encontra na própria sociedade, onde cada um espera da alteridade um tratamento similar; entretanto, para “o problema da fuga dos mercados globalizados, não basta apelar para a teoria moral”

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, mas para os discursos da própria esfera

política, e isto significa que tanto a política quanto a moral são esferas de um único subsistema, mas cada uma tem “vida própria”. A solidariedade indubitavelmente adquire um locus particular que a difere das outras fontes que coadunam com a sociedade: o poder e o dinheiro, por um lado, mas também se apresenta como legado do liberalismo, uma fonte terciária de integração social, por outro. Observa-se que Habermas traduz àquilo que muito se predica a ele como sendo uma “esponja”, onde de cada centelha do saber filosófico ele filtra o que lhe convém para melhor aportar suas teorias. Não convém discutir sobre a “esponjosidade” filosófica de Habermas, mas em observar o que a Teoria Política Deliberativa pode nos auxiliar na construção de um Estado nacional soberano protetor do mundo da vida. Por soberania entendemos a posição que o Estado ocupa tanto na esfera jurídica – onde ele pode instituir princípios normativos válidos para todos – e sua identidade. É em virtude deste conceito que se pode também derivar a força estatal (Staatsgewalt) inerente ao Estado, força esta que se articula de maneira objetiva, pois o movimento sócio-político, nesse caso, dá-se de dentro para fora, isto é, da identidade “auto-afirmadora” do Estado e que posteriormente projeta essa força (Gewalt) para a exterioridade fática mediante os princípios normativos juridicamente elendados. Tais realidades são privadas de sua vivência em virtude dos processos de desontogenização e desfilogenização ocorridos no interior do mundo da vida. De fato, a ereção de democracias cosmopolitas nas quais vinculariam em si mesmas a solidariedade de caráter cosmopolita – que se fundamenta em um universalismo moral manifesto nos direitos humanos

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– e se difere da solidariedade tipi-

camente civil na qual se auto-reconhece na identidade coletiva, pode ser desenvolvida para além de uma nomenclatura, isto é, quer seja republicano ou liberal, os Estados nacionais necessitam redimensionar as suas próprias histórias sem perder de vista o particular, porém na incessante busca da autocompreensão ético-política dos cidadãos a nível global. Assim, a Política Deliberativa, apesar de aglutinar esses dois modelos de democracia, oferece em nível prático uma nova possibilidade no 71 72

HABERMAS, 2003, p.219. HABERMAS, 2001, p.137.

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que tange à situação do Estado nacional frente aos desafios da contemporaneidade. A novidade não reside no total e cabalmente novo, em uma nova e ufânica concepção política que serve de panacéia para todas as patologias sociais e políticas, mas em rediscutir e apresentar vias de possível resolução ao enfraquecimento da força do Estado nacional que, por sua vez, estiola as fontes integrantes do mundo da vida. E isso sob o ponto de vista filosófico centraliza o gládio entre dois tipos de racionalidade: ou optar pela razão instrumental ou pela razão comunicativa, ou ainda optar simbioticamente por ambas no prisma político. Utópico demais? Parece que no momento não temos outra saída que não seja a abertura ao novo que se atualiza pela atmosfera local e planetária pós-nacional. O atual quadro político mundial abastecido fortemente por uma realidade imagética não favorece mais a cabal oclusão de um Estado nacional diante aos outros e sim a construção política que vá além do próprio Estado nacional. Certamente ainda residem muitas questões a serem discutidas no interior destas “construções pós-nacionais”; entretanto, de acordo com os novos contextos geoistóricos este é um caminho sem volta. Daí que no âmago da filosofia prática a tarefa de clarificação de suas próprias vivências continua, ou seja, ainda são pertinentes as questões relacionadas à autoclarificação político-éticas

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nas so-

ciedades hodiernas. E isto, portanto, não é óbice para a construção de modelos democráticos que, em última instância, subsidiem o Estado nacional na sua tarefa de salvaguardar os elementos oriundos do mundo da vida. A crítica à colonização do mundo da vida esvaziado quer pela técnica quer pela ciência – racionalidade cognitivo-instrumental – ou por vezes pela lógica do mercado gestado pelo sistema capitalista (capital) não se perdeu no vácuo da reflexão filosófica política; pelo contrário, se constitui como fio condutor das presênticas reflexões filosóficas. O múnus e o legado da Teoria Crítica, portanto, ainda que reconstruído, quer habermasianamente ou não, torna-se profícuo na orientação do estatuto epistêmico-filosófico que se volta à tarefa da heurística esfera pública e política.

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HABERMAS, 2004, p.322.

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