Desordem e regresso. O período de ajustamento neoliberal no Brasil, 1990-2000.

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conteúdo deste livro, formado de diferentes ensaios, representa o resultado parcial de uma pesquisa teórica que está sendo desenvolvida na Escola de Administração da Universidade Federal da Bahia, desde 1999, sob a orientação do organizador. O núcleo inicial desse projeto foi formado por mim e por alguns dos meus alunos da graduação, dentro da disciplina Seminário sobre Temas Especiais em Planejamento. A partir do estímulo desses estudantes, decidimos retomar uma discussão iniciada por mim e pela professora Dra. Elizabeth Matos Ribeiro, desde o início dos anos 90 do século findo.

James Burnham, John Kenneth Galbraith e Chester I. Bamard, embora Galbraith seja considerado por alguns como um institucionalista. E a terceira, de origem francesa (também considerada uma derivação da escola institucinalista), faz uma crítica ao neoclassicismo pela incompreensão analítica e metodológica do que consideram ser relevante no contexto da análise econômica, a exemplo das instituições, normas, regulamentos, dos acordos políticos etc.; os nomes mais destacados dessa escola são os de Michel Aglietta, Robert Boyer e Alain Lipietz. Não obstante os avanços alcançados até o momento, destacamos a necessidade de aprofundar a exegese desses pontos na literatura sobre administração, para dar mais consistência teórica e histórico-analítica às hipóteses e aos pressupostos da pesquisa. Como sentencia o prefaciador: "O trabalho construído pela equipe integrante deste livro é mais um início do que uma conclusão no campo da administração. Traz um desafio não só para a administração como ciência quanto, e principalmente, para a teoria do conhecimento que então suporta, apóia e legitima os estudos e teses da administração científica. Os avanços do conhecimento da administração se deram, atéentão, através de métodos buscados na camisa-deforça da ciência como desenvolvida no século XIX ou através de proposições singulares e casuísticas que têm servido para extrapolações, infelizmente aceitas como conclusivas. Neste momento, este livro marca o resultado de reflexões que levam a conceitos inovadores, cuja utilização amplia bastante o campo investigativo da administração". Desse modo, a nossa expectativa é que os trabalhos de investigação apontados acima estejam concluídos em dois/ três anos para que fiquem, assim, estabelecidas as estruturas teórico-metodológicas básicas para a investigação no novo campo de conhecimento que denominamos de Administração Política.

O objetivo dessa, então, pesquisa é construir as fundamentações metodológicas e teóricas do conceito de um novo campo do conhecimento que denominamos de Administração Política. Para chegar a esse conceito, partimos do polêmico debate sobre o objeto que dá sustentação epistemológica à Administração como um campo próprio do conhecimento. Com esse objetivo, iniciamos a (re)leitura remissiva dos autores considerados clássicos na área da Administração. Nesse momento, tínhamos duas preocupações fundamentais: fazer, em primeiro lugar, uma apreensão da discussão sobre a Administração como arte e como ciência, e, em segundo lugar, dar conta da discussão dos referidos autores acerca do objeto e do método de investigação no campo da Administração.

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este livro se buscam as fundamentações metodológicas e teóricas do conceito de um novo campo do conhecimento: a Administração Política. Nele se fazem a discussão da Administração como arte e como ciência e a discussão de autores considerados clássicos acerca do objeto e do método de investigação no campo da Administração.

Fábio Guedes Gomes Eduardo Costa Pinto ORGANIZADORES

REGINALDO SOUZA SANTOS organizador

ISBN: 85-85148-27-6

EDIÇÕES MANDACARU FUNDAÇÃO ESCOLA DE ADMINISTRAÇÃO UFBA

Dada a interdisciplinaridade na investigação do conhecimento, a pesquisa foi orientada para alargar o campo investigativo para outras áreas, a exemplo, sobretudo, da economia política. A pergunta inicial era saber qual das vertentes da abordagem política da economia poderia melhor contribuir para a construção do conceito de Administração Política, o que nos levaria a compreender, fundamentalmente, a essência do modelo de gestão das relações sociais de produção. Desse modo, procurou-se ancorar essa abordagem na análise dos economistas considerados ”rebeldes” ou “desgarrados” da chamada economia convencional. Esses economistas estão agregados nas escolas institucionalista, gerencialista e regulacionista. A primeira desloca o foco da análise do indivíduo para as instituições e tem como principais representantes Thorstein Veblen, Gunnar Myrdal, Charles Lindblom e Douglass C. North. A segunda tem origem no institucionalismo e defende a tese de que há uma tendência de longo prazo para a condução dos técnicos e gerentes como classe dominante, tendo como principais representantes segue

“(DES)ORDEM E REGRESSO” O AJUSTAMENTO NEOLIBERAL NO BRASIL

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FÁBIO GUEDES GOMES EDUARDO COSTA PINTO ORGANIZADORES

“(DES)ORDEM E REGRESSO” O PERÍODO DE AJUSTAMENTO NEOLIBERAL NO BRASIL, 1990-2000

CARLOS EDUARDO CARVALHO LUIZ FILGUEIRAS NELSON DE OLIVEIRA PAULO BALANCO PEDRO PAULO ZAHLUTH BASTOS REGINALDO SOUZA SANTOS REINALDO GONÇALVES

Prefácio de ROSA MARIA MARQUES

EDIÇÕES MANDACARU São Paulo, 2009

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© Direitos autorais da organização, 2006, de Fábio Guedes Gomes & Eduardo Costa Pinto. Direitos de publicação reservados por Edições Mandacaru Letra & Arte Ltda., Rua Oratório, 3705 – 05412-001 São Paulo, Brasil. Telefone/Fax: (55 11)3083-7419 Atendimento ao Leitor: (55 11)3060-9273 [email protected] www.hucitec.com.br Depósito Legal efetuado.

Co-edição

GOMES, Fábio Guedes, PINTO, Eduardo Costa (orgs.). (Des)Ordem e Regresso: o período de ajustamento neoliberal no Brasil, 1990-2000./Fábio Guedes Gomes e Eduardo Costa Pinto (Orgs. – São Paulo: HucitecMandacaru, 2009. 314p. CDU – 000.000 Índice para Catálogo Sistemático 1. Economia Política 2. História Econômica 3. Política Econômica 4. Desenvolvimento Econômico

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AUTORES

CARLOS EDUARDO CARVALHO é professor associado de economia PUC/SP; doutor em economia (Unicamp, 1996); graduado em economia (PUC/SP, 1983); autor de diversos artigos e capítulos de livros nas áreas de economia monetária, economia do setor público, economia internacional e América Latina. E-mail: [email protected] EDUARDO COSTA PINTO é professor assistente do Departamento de Economia da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (Instituto de Três Rios); doutorando em economia da indústria e da tecnologia (IE/UFRJ), mestre em economia (UFBA, 2006); graduado em administração (Escola de Administração/UFBA); autor de artigos e capítulos de livros nas áreas de economia brasileira e economia política. E-mail: [email protected] ELIZABETH MATOS RIBEIRO é professora adjunta da Escola de Administração da UFBA; doutora em ciência política e administração pela Universidade de Santiago de Compostela (USC, Espanha, 2000); mestra em ciência política e administração (USC, Espanha, 1998); graduada em história (UFBA, 1991); autora de artigos e trabalhos nas áreas de gestão pública, administração política e instituições e políticas públicas. E-mail: [email protected]. FÁBIO GUEDES GOMES é professor adjunto da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade (Feac/Ufal); doutor em admi5

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 7 REGINALDO SOUZA SANTOS é professor titular da Escola de Administração (UFBA); pós-doutor no Instituto Superior de Economia e Gestão (Portugal, 1998); doutor em economia (Unicamp, 1991); mestre em Administração Pública (Fundação Getúlio Vargas, Rio de Janeiro, 1979); graduado em administração pública (UFBA, 1977); autor de diversos artigos e livros, dentre eles, A teoria das finanças públicas no contexto do capitalismo (Mandacaru-Hucitec, 2001); Políticas sociais e transição democrática (organizador) (Mandacaru-Hucitec, 2001); e Administração política como campo do conhecimento (Mandacaru-Hucitec, 2004). E-mail: [email protected] A USTUOMRÁERSI O

REINALDO GONÇALVES é professor titular de economia internacional do Instituto de Economia da UFRJ; ex-diretor da Sociedade Brasileira de Economia Política (2004-2005); livre-docente em economia internacional (UFRJ, 1991); Ph.D. em economia pela University of Reading (Inglaterra, 1986); mestre em economia pela EPGE-FGV (1976); mestre em engenharia da produção na Coppe (1974); e bacharel em economia (UFRJ, 1973). Ex-economista da Divisão de Questões Monetárias e Financeiras da Unctad (Genebra, 1983-1987). Expresidente do Instituto de Economistas do Rio de Janeiro (1995-96). É autor de centenas de trabalhos publicados no Brasil e no exterior. Entre seus principais trabalhos, podem-se mencionar os livros Empresas transnacionais e internacionais de produção (Petrópolis: Vozes, 1992); Ô abre-alas: a nova inserção do Brasil na economia mundial (Rio de Janeiro: Relume-Dumará, 1994); A nova economia internacional [et al.] (1998); O Brasil e o comércio internacional (São Paulo: Contexto, 2000); e Vagão descarrilhado (Rio de Janeiro: Record, 2002); Economia política internacional (Rio de Janeiro: Elsevier, 2005) e A economia política do governo Lula (Rio de Janeiro: Contraponto, 2007). E-mail: rgoncalves@ alternex.com.br. THIAGO CHAGAS SILVA SANTOS é doutorando em ciências sociais pela UFBA; mestre em ciências sociais pela UFBA; graduado em administração (Escola de Administração/UFBA). E-mail: thiagochagas@ hotmail.com VINICIUS MENDES DA COSTA é graduado em administração (Escola de Administração/UFBA). E-mail: [email protected].

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Prefácio . . . — ROSA MARIA MARQUES

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Apresentação .

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Capítulo 1 Capitalismo contemporâneo e suas dimensões constitutivas . — EDUARDO PINTO & PAULO BALANCO

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PRIMEIRA PARTE CAPITALISMO E INSERÇÃO PASSIVA BRASILEIRA

Capítulo 2 Anti-reformismo, estabilidade e desarticulação social: espectros de um republicanismo oligárquico . . . . — NELSON DE OLIVEIRA Capítulo 3 As aporias do liberalismo periférico: comentários à luz dos governos Dutra (1946-1950) e Cardoso (1994-2002) . . . — PEDRO PAULO ZALUTH BASTOS Capítulo 4 Poder potencial, vulnerabilidade externa e hiato de poder do Brasil . . . . . . . . . — REINALDO GONÇALVES 9

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SEGUNDA PARTE ESTADO, POLÍTICA ECONÔMICA E MUDANÇAS ESTRUTURAIS: PLANO REAL E INSTABILIDADES CRÔNICAS Capítulo 5 A controveritda crise fiscal brasileira — REGINALDO SOUZA SANTOS — ELISABETH MATOS RIBEIRO — MÔNICA RIBEIRO — THIAGO SANTOS — VINÍCIUS COSTA

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Capítulo 6 Estado capitalista, Plano Real e acumulação financeira . — FÁBIO GUEDES GOMES

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Capítulo 7 Endividamento público e arrocho fiscal na macroeconomia de FHC e de Lula . . . . . . . 234 — C A R L O S E D U A R D O C A R VA L H O Capítulo 8 Política econômica do governo Lula e os limites do crescimento. 252 — LUIZ FILGUEIRAS — EDUARDO PINTO Anexos .

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Referências

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Í N D I C E D E TA B E L A S E G R Á SF U I CMOÁSR I O

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ÍNDICE DE TABELAS E GRÁFICOS

TABELAS

6.1. As contas externas brasileiras, 1990/2001. 6.2. Evolução da dívida externa brasileira por categoria de devedor (US$ Bi), 1993/2001. 8.1. Variação anual de preços, 1994-2004 (%) 8.2. Transações correntes: montantes acumulados pré e pós-Real (em US$ bilhões) 8.3. Participação relativa dos principais parceiros nas exportações brasileiras, 2002/2003. 8.4. Superávit/déficit primário e divida líquida do setor público, 1994/ 2004 GRÁFICOS

6.1. Evolução da dívida externa total (US$ bilhões), 1980/2000. 6.2 Taxa de juros: over-selic (%), dez./1995–mar./1999 6.3. Evolução do investimento externo direto no Brasil (US$ bilhões), 1990/2001. 6.4. Evolução da dívida líquida do setor público (R$ bilhões e % do PIB), dez./1994-set./2002. 6.5. Superávits primários do setor público, 1994/2003. 8.1. Produto interno bruto 1994-2004. 8.2. Evolução da dívida líquida do setor público, dez. a dez. % do PIB, 1994-2004. 8.3. Taxa de desemprego na RMSP, PED/PME, 1990-2004. 11

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12  S U M Á R I O 8.4. Evolução do câmbio, 2002/2003 (comercial venda-período). 8.5. Balança comercial 1994-2004 (em US$ bilhões). 8.6. Índice de preço dos produtos exportados brasileiros (por classe), jan./02-dez./03 (base=1996). 8.7. Transações correntes, 1994-2004 (em US$ Bilhões) 8.8. Variação mensal de preços IGP-M, 2002/2003. 8.9. Variação mensal de preços IPCA, 2002/2003. 8.10. Brasil. Investimento estrangeiro direto e investimento estrangeiro em carteira, 1994/2003 (em US$ bilhões). 8.11. Componentes da demanda, variações (%) acumuladas nos anos de 2002 e 2003. 8.12. Evolução da taxa de desemprego, RMSP-PED, 2002/2003 8.13. Rendimento real das pessoas ocupadas, habitualmente recebidos por mês (Brasil metropolitano). 8.14. Evolução da massa de rendimento habitualmente recebido, mar./2003-dez./2003 (R$ milhões).

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PREFÁCIO ROSA MARIA MARQUES*

É preciso sonhar mas com a condição de crer em nosso sonho, de observar com atenção a vida real, de confrontar a observação com nosso sonho, de realizar escrupulosamente nossas fantasias. — V. I. L Ê N I N. Que Fazer?

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ouve um tempo em que essas palavras, impressas em cartazes coloridos, eram avidamente procuradas pelos trabalhadores, durante as assembléias do final dos anos 1970 e no início dos anos 1980. Depois, as legendas foram mudadas, pois estava em curso a construção do “sonho” que tomou o nome de Partido dos Trabalhadores (PT). Passados vinte e dois anos de sua fundação, eis que o PT, em 2002, finalmente, elegeu Lula para presidente da República. O sonho, antes de alguns, havia sido adotado por 53 milhões de brasileiros, que viam na elei* Professora titular da Faculdade de Economia e Administração da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP); pós-doutora na Faculté de Sciences Économiques de l’Université Pierre Mendès France de Grenoble (Eres/França, 2003); doutora pela Fundação Getúlio Vargas, SP (FGV-SP, 1996); mestra em economia (PUC-SP, 1985); graduada em Ciências Econômicas (Universidade Federal do Rio Grande do Sul); ex-presidenta da Sociedade Brasileira de Economia Política (SEP); autora de diversos artigos e livros nas áreas de economia política, proteção social, políticas econômicas e economia brasileira, dentre eles, Formação Econômica do Brasil (organizadora) (São Paulo: Saraiva, 2003); Economia Brasileira (organizadora) (São Paulo: Saraiva, 2000); e A Proteção Social e o Mundo do Trabalho (Bienal/SP, 1997). E-mail: [email protected] 13

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ção de Lula a possibilidade de, finalmente, o País começar a mudar, independentemente do que era dito na campanha eleitoral e do que estava escrito em seu programa. Desejo de mudança que significava a ruptura com o passado, pois parecia não ser mais possível a continuidade do consórcio entre as oligarquias locais e os “donos do mundo”, tal o nível da exploração dos trabalhadores, a desigualdade de renda e do patrimônio, e a deterioração dos serviços públicos, os mais elementares, tais como educação e segurança. Nem bem assumido o poder, aquele que havia sido eleito para mudar mostrou-se mais eficiente na condução da continuidade, do que os próprios representantes das classes dominantes brasileiras. Para isso contava com o apoio da maioria das direções sindicais, incluindo a Central Única dos Trabalhadores (CUT), com a força do PT e com um sem-número de militantes que passaram a integrar o aparelho do Estado federal. Pela primeira vez na história brasileira vimos, de forma escancarada, a criação de um verdadeiro amálgama entre governo, sindicatos e partido, o dos “trabalhadores”. Esse amálgama, que se traduziu no rolo compressor que passou por cima das posições históricas dos movimentos sindical e sociais, foi que possibilitou a aprovação da reforma da previdência social dos servidores públicos; a mudança do processo decisório sobre questões do sistema financeiro nacional, o que pode vir a facilitar o surgimento da tão falada autonomia do Banco Central; a manutenção de elevadas taxas de juros reais, entre outras. A facilidade com que essas proposições foram aprovadas deveu-se ao fato de que a capacidade de resistência dos trabalhadores tornouse quase nula, pois eles estavam manietados como um dos resultados do entrelaçamento entre governo, sindicato e partido. Foi essa facilidade de assumir a agenda neoliberal e fazer passar suas proposições, posto que as classes dominantes diretamente já tinham esgotado a capacidade de isso fazer, que levou essas mesmas classes dominantes a apoiaram financeira e abertamente sua eleição. Mas, depois de passado o susto provocado pela completa adesão do novo governo ao ideário neoliberal, aqui e ali a resistência começou a brotar. Essa resistência fez-se ouvir nos protestos dos servidores públicos contra a reforma previdenciária; na manifestação aguerrida de representantes do PT na Câmara e no Senado contra as propostas de sua direção, o que resultou em suas expulsões sumárias; na votação contrária de deputados federais de sua base partidária ou mesmo da aliada; no recrudescimento do movimento pela terra, particularmente encaminhado pelo Movimen-

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15 to sem Terra; na greve dos bancários, vitoriosa apesar de todos os esforços contrários de seus antigos dirigentes, tais como os ministros Luiz Gushiken1 e Ricardo Berzoini; mas também no posicionamento de cientistas e intelectuais contra o continuísmo. O livro “(Des)Ordem e Regresso”: o Período de Ajustamento Neoliberal no Brasil, 1990-2000 organizado por Fábio Guedes Gomes & Eduardo Costa Pinto insere-se nessa última manifestação. Os artigos, escritos por professores de diferentes universidades brasileiras, constituem, sem sombra de dúvida, uma crítica contundente à política neoliberal adotada pelos últimos governos. Mas o livro vai mais longe do que isso: recupera o papel das lutas dos trabalhadores no esgotamento relativo do fordismo como veículo da acumulação capitalista, o que raramente vemos escrito num texto de economia; insiste em enfatizar que as oligarquias brasileiras submeteram (e submetem) o país aos interesses do capital imperialista hegemônico e, atualmente, aos interesses da finança; preocupa-se em dissecar os interesses envolvidos e os motivos de a questão agrária ser sempre prioritária e nunca realizada no País; reescreve o conceito de crise fiscal ao olhar a totalidade do sistema capitalista, em particular os liames entre Estado, capital produtivo e capital financeiro; e ainda, trata da dívida externa e da vulnerabilidade externa, de maneira criativa e didática, e de vários outros aspectos, muitas vezes esquecidos pelos que se debruçam sobre a economia de um país subdesenvolvido, do porte do Brasil. Mas embora mencionada, certamente o leitor ficará curioso em saber como se alterou, ao longo dos governos analisados, a idéia de proteção social, sobretudo em relação ao risco-velhice (aposentadoria) e ao risco-doença (saúde). Mas também teria sido bastante ilustrativo ter tratado dos programas sociais implementados pelo governo Lula, pois de sua compreensão (amplitude da cobertura, impacto sobre a renda das famílias beneficiárias) pode-se entender, em parte, por que Lula mantém um vínculo forte com as camadas mais pobres da população brasileira. Desde o início dos anos 1980, há um quarto de século portanto, assistimos ao ressurgimento do capital produtor de juros como o determinante das relações econômicas e sociais do capitalismo contemporâneo. Trata-se de um capital que “busca fazer dinheiro sem sair da esfera financeira, sob 1 Gushiken, membro dirigente da oposição do Sindicato Bancário de São Paulo e Osasco, participou com destaque da histórica greve da categoria deflagrada em junho de 1979. Tanto Gushiken como Berzoini foram presidentes do Sindicato dos Bancários de São Paulo e Osasco.

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a forma de juros de empréstimos, de dividendos e outros pagamentos a título da posse de ações e de lucros nascidos da especulação bem-sucedida” (Chesnais, 2004, p. 35). Como explica esse autor, o capital financeiro não foi alçado a seu papel dominante por si só. Para isso foi absolutamente necessário que os Estados Unidos e a Grã-Bretanha decidissem pela liberação do movimento dos capitais, promovessem a desregulamentação de seus sistemas financeiros, e implementassem medidas que promovessem a centralização dos fundos líquidos, de empresas e das famílias. Essa última, curiosamente, tem início nos EUA na década dos anos 1950, durante os “anos dourados”, isto é, quando o capital produtivo era incontestavelmente dominante, e prossegue sua marcha inexorável nas décadas seguintes em países europeus. O início da crise capitalista, evidente para todos a partir de meados dos anos 1970, auxiliaram ainda mais nesse processo, quando as empresas americanas no exterior passaram a depositar seus lucros não reinvestidos na City de Londres, dando assim início ao surgimento dos eurodólares. Como sabido, a essa imensa disponibilidade de capital, somou-se a oriunda do petróleo, os petrodólares, base dos empréstimos realizados para os países do então chamado Terceiro Mundo e, portanto, da dívida externa brasileira. Não é o caso, no limite deste prefácio, recontar todos os passos da reconstrução do ressurgimento do poder do capital portador de juros e nem as raízes do endividamento do Brasil. Tampouco cabe discutir todas as implicações decorrentes de sua dominância. Mas é importante lembrar que os mesmos elementos que nos tornam reféns da dívida externa (e da interna), permitem que os Estados Unidos assumam a posição de império, definindo as políticas econômicas dos outros países. E não se está falando apenas de países como os da América Latina, mas também dos que, no passado, apresentavam diferenças em relação aos EUA, posto que suas burguesias defendiam interesses próprios. Hoje, o mundo inteiro é prisioneiro dos Estados Unidos. Nunca foi tão verdadeira a expressão “para onde vão os EUA, vai o mundo”. O curioso dessa situação, se é que se pode chamar essa situação de curiosa, é que o mundo todo é obrigado, sob pena de ver seu capital aplicado nos EUA virar pó, de continuar a alimentar o fluxo de recursos que flui para ele. Mas ao fazer isso, são re-alimentados os mecanismos que tornam os EUA “donos do mundo”, permitindo que, por exemplo, o euro, a libra esterlina e o iene mantenham-se altamente valorizados em relação ao dólar americano.

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17 Outro aspecto importante que deve ser lembrado é o impacto que o ressurgimento do capital portador de juros teve sobre a relação capital/ trabalho e sobre a idéia de proteção social que os países devem ter. Como sabido, a proteção social, tal como construída nos países europeus depois de finda a Segunda Guerra Mundial, mas aprofundada nas décadas que se seguiram, mesmo após o início da crise capitalista, está permanentemente sob ataque. E o bombardeamento não se refere exclusivamente a governos e representantes da direita, abrangendo também os que se dizem ideologicamente de esquerda. É claro que entre todos se destacam os representantes do capital financeiro, interessados na abertura/ampliação de um novo campo de operação, notadamente nos países onde ainda a previdência social pública não deu lugar a regimes privados de capitalização. Seus interesses são defendidos, em nome da “modernidade” e da eficiência, pelas agências e organismos internacionais, como o Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional (FMI). Na luta por incorporar esse espaço privilegiado para sua acumulação, que significa promover a privatização dos fundos sociais, o capital portador de juros conta com o apoio ativo do capital produtivo e dos Estados burgueses. Do lado do capital produtivo, isso ocorre porque o “estrangulamento” resultante da dominância financeira o impele a atuar sobre “o elo mais fraco”, isto é, sobre os trabalhadores, pois a redução do custo da força de trabalho passa a ser primordial, tendo em vista o tamanho da punção que o capital portador de juros retira da mais-valia. É por isso que o capital produtivo impõe a redução dos níveis salariais e defende ferozmente a eliminação dos encargos sociais e a diminuição substantiva dos impostos, uns e outros constituindo fonte de financiamento da proteção social em diversos países. Mas, para manter os salários reduzidos, faz-se necessária a permanência de altas taxas de desemprego. É por isso que o capital produtivo não está interessado em promover nada parecido com uma situação de pleno emprego. Dessa forma, em todos os pontos do globo, o capital produtivo pôs em marcha a destruição das instituições que tornaram a reprodução da força de trabalho em parte socializada; introduziu elementos que minam ou substituem a solidariedade dos sistemas de proteção social pela lógica da provisão individual para a velhice e adotou o conceito de empregabilidade, fazendo tábua rasa dos princípios da economia política com relação à determinação do emprego. Por esse processo — que está bastante avançado em alguns países — o capital tenta apagar da consciência das pessoas que,

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em uma sociedade capitalista, é ele o principal responsável pelo emprego e pela qualidade de vida dos trabalhadores. No lugar da explicitação das relações entre capital e trabalho, é resgatada, portanto, a velha idéia de que a concorrência estabelecida no mercado mundializado acaba por premiar a eficiência, resultando na construção de um mundo melhor. E tudo isso sem que de alguma maneira seja pelo menos referida a realidade de exclusão e miséria resultante de 25 anos de políticas neoliberais. A alta rentabilidade do capital financeiro, contentando-se com não menos do que 15% (Carré Rouge, setembro de 2004), e a concentração crescente da renda indicam que as escolhas hoje feitas pelos governantes são antes de tudo políticas, na defesa dos interesses das classes dominantes e não da fria reflexão da realidade, tal como querem fazer crer. Sobre a base teórica e as conseqüências da privatização da proteção social, diz Husson (2003, p. 103): A solução mercantil é num sentido bem simples: a cada um em função de sua renda, com o retorno a um tipo de estado natural do capitalismo. É por isso que o retrocesso não é somente social e político, mas implica uma crise profunda de civilização, que repousa sobre um pessimismo terrível quanto à capacidade da sociedade se auto-organizar. Por isso, a epígrafe deste prefácio. É preciso que recuperemos nossa capacidade de sonhar. Somente lutando por uma utopia podemos impedir a barbárie que toma lugar em todos os tipos das atividades humana, nas quais o individualismo exacerbado faz “grande massa explorada” perder o sentimento de pertencer a uma determinada classe, deixando de lhe fazer sentido valores tais como solidariedade, lealdade, entre outros (Beck, 2001). Mas para que o sonho se concretize, devemos “observar com atenção a vida real”, devemos “confrontar a observação com nosso sonho”. O livro “(Des)Ordem e Regresso”: o Período de Ajustamento Neoliberal no Brasil, 1990-2000 nos auxilia nessa tarefa. Permite que observemos, com olhos que não os do pensamento dominante, as complexas relações entre Estado, capital produtivo, capital-finança que hoje dominam o cenário internacional. Permite compreender as razões da subserviência dos governos brasileiros recentes aos interesses da finança. Enfim, vale a pena ser lido e estudado. .

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de cerca de três décadas (anos dourados) da economia capitalista desacelerou-se em meados dos anos 1970. Desde então, o sistema econômico passou a conviver com significativa redução da lucratividade e dos níveis de acumulação produtiva proporcionados pelas estratégias de saída “interna” à crise estrutural da década de 1970. Em paralelo, como conseqüências típicas dos processos recessivos, a redução das taxas de investimento e crescimento foi acompanhada de resultados sociais amplamente negativos. Evidente que esse processo não ocorreu em todos os espaços societários. A expansão capitalista em algumas economias asiáticas, sobretudo em países como a China e a Índia, foram exceções, casos emblemáticos de uma “modernização” na qual o sistema de acumulação encontrou condições de exploração de mão-de-obra barata e uma sociedade disposta a enfrentar os desafios da disputa interestatal nas relações econômicas internacionais. Destaca-se, por outro lado, o aumento do desemprego e seu caráter crônico, notadamente nos países avançados da Europa Ocidental, na América Latina e também nos EUA. Articulado ao momento de crise econômica, percebeu-se no período analisado dois movimentos político-econômicos relevantes para o entendimento dessa nova dinâmica capitalista, quais sejam: o esforço de manutenção da supremacia norte-americana e a queda do bloco socialista. Esse cenário, no qual esteve presente uma combinação de queda das taxas de lucros combinadas com um processo de superprodução E TA P A E X P A N S I VA

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20  A P R E S E N TA Ç Ã O de mercadorias e ainda estratégias de retomada da supremacia americana, acabaram por orientar o sistema em direção a formas alternativas de recuperação da lucratividade, atreladas às transformações políticas no âmbito nacional e internacional. A dificuldade cada vez maior de viabilizar a acumulação a taxas crescentes de valor novo no plano da produção fez o capitalismo voltar-se acentuadamente para alternativas de lucros centrados em fundamentos financeiros. Ao deslocarse da produção, passou a privilegiar o universo do capital-dinheiro em um grau de autonomia muitas vezes superior ao que se manifesta quando o capital portador de juros atua somente como um apêndice da esfera produtiva. Nesse contexto de crise, o Estado-Nação apropriou-se das armas mais poderosas (funções repressivas e ideológicas) para garantir a reprodução da acumulação rentista. Para asseverar a rentabilidade máxima do capital em sua forma financeira, em sua fuga à tendência baixista da crise, tornou-se necessária a introdução de mecanismos de potencialização da sua mobilidade dentro de determinados parâmetros inerentes à relação espaço-tempo, ao passo que, em sua forma produtiva, elevou-se, desmesuradamente, a coerção sobre o trabalho. Nesse sentido, as amplas medidas de desregulamentação financeira e os ajustes estruturais que os Estados centrais, sobretudo os EUA, passaram a impor, por intermédio do Banco Mundial, do Fundo Monetário Internacional (FMI) e da Organização Mundial do Comércio (OMC), aos Estados nacionais em geral deram formatação a um novo quadro político-econômico que se materializou na aplicação do chamado receituário neoliberal nas décadas de 1980 e 1990. Não surpreende, portanto, que, com a crise da dívida externa nos anos 1980, o Banco Mundial, o FMI e a OMC, instituições econômicas “supranacionais”, se tenham fortalecido, uma vez que elas continuaram a desempenhar, de forma amplificada, funções relevantes para o ajuste integrativo dos espaços mundiais, à luz das novas condições de produção e reprodução do capital. Esses três organismos constituíram a triarquia do capitalismo globalizado nas últimas décadas. Ficou patente a preocupação embutida nos principais movimentos efetuados por essas instituições, estreitamente identificadas com os seguintes eixos dominantes: i) capitalismo liberal como eixo da esfera econômica; ii) democracia liberal no campo político; iii) valores culturais coerentes com as perspectivas liberais. Esse ideário tornou-se

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21 uma quase obrigação a ser cumprida pelos países que disputam empréstimos ou ajuda financeira, notadamente nos momentos que enfrentavam dificuldades de captação de recursos para projetos produtivos ou crises cambiais, associados a desequilíbrios estruturais nos balanços de pagamentos. Desse modo, o FMI e o Banco Mundial impuseram os ajustes estruturais aos países que enfrentavam graves dificuldades econômico-financeiras com o intuito de ampliar e consolidar a expansão do capital internacionalizado. A crise da dívida dos países da América Latina, nos anos de 1980, que teve como determinante central a política norte-americana do “dólar forte”, pavimentou o caminho para a implementação de ajustes estruturais neoliberais. A maioria dos países da região adotou, se bem que seletivamente e com diferentes graus de intensidade, os ajustes estruturais que se constituíram, sinteticamente, em: privatizações e desregulamentações; flexibilização do mercado de trabalho; diminuição do papel do Estado; e, abertura comercial. Assumiu-se, portanto, a retórica de que o excessivo intervencionismo do Estado e os déficits fiscais eram os empecilhos para o crescimento e a prosperidade. Para tanto, a estabilidade monetária, o equilíbrio fiscal e a competitividade internacional seriam os instrumentos de modernização da periferia. Para a América Latina esta seria a receita para a prosperidade e o caminho para a pós-modernidade! Buscando embarcar nesse pseudodesenvolvimento, gerado pela globalização liberal, o Brasil modificou sua estratégia de desenvolvimento e de inserção internacional. Estratégia que tomou impulso no governo Collor e que se estruturou mais pragmaticamente na gestão Fernando Henrique Cardoso (FHC). Nasce, então, o Plano Real, em 1994, não como mais um dos planos de estabilização econômica os quais estávamos acostumados a enfrentar diante das instabilidades provocadas pelo processo inflacionário crônico que o Brasil apresentou durante toda a década de 1980 e início da década de 1990. Apresentou-se como um novo modelo de desenvolvimento assentado em premissas liberais. Portanto, o Plano Real funcionou ajustando estruturalmente a economia brasileira ao movimento neoliberal internacional que incluía dimensões tanto econômicas (programa de estabilização) quanto estruturais (reformas institucionais e administrativas). Passada mais de uma década do ajuste estrutural brasileiro (incluindo todo o período do Plano Real e primeiro mandato do governo APRESENTAÇÃO

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22  A P R E S E N TA Ç Ã O Lula), a preocupação tomou o lugar do otimismo fácil do primeiro mandato de FHC. Não é para menos, uma vez que o tão propalado desenvolvimento não se configurou. Muito pelo contrário, o País, na verdade, viveu graves crises econômicas e sociais que ampliaram a miséria e o desemprego, ao longo da década de 1990. Desse modo, o Plano Real significou muito mais que uma simples estratégia estabilizadora das condições macroeconômicas. Representou um programa de desenvolvimento econômico alinhado ao ideário neoliberal. Além de alcançar um relativo êxito no combate à inflação crônica, também foi responsável por profundas transformações das condições estruturais, tanto econômicas quanto sociais do País. Com a intensa abertura econômica, as privatizações, o controle monetário e a forte parcimônia fiscal puderam se verificar as mudanças nos eixos clássicos do desenvolvimento econômico brasileiro. Os resultados disso tudo serão ainda motivos de muitas discussões e avaliações durante alguns anos. As linhas mestras do Plano Real (ajuste estrutural) ainda estão muito firmes, sobretudo quando se trata das políticas monetárias e fiscais. Há, ainda, do governo Lula, um nítido compromisso de dar continuidade a algumas reformas liberais que o governo FHC não conseguiu. Apesar da crise internacional que se abateu sobre o mundo a partir da quebra de parte do sistema financeiro norte-americano, é preciso dizer que as políticas neoliberais retrocederam, mas em matéria de política econômica ainda existe uma discriminada situação que preserva alguns eixos daquela ideologia. Observou-se, nos últimos quinze anos, um compromisso ainda inarredável com a teoria e as práticas neoliberais. Isso pode ser exemplificado pelo enrijecimento da política monetária, pela manutenção e ampliação do aperto fiscal e pela administração da dívida pública. Tudo isso ainda conspira contra o desenvolvimento econômico brasileiro nos últimos anos. Por outro lado, reconhece-se que a política externa atual tem valorizado, em certa medida, alguns interesses nacionais de setores específicos, como, por exemplo, o agronegócio. Como resultado disso, o setor externo brasileiro melhorou no que diz respeito ao desempenho das exportações. Mas tal mudança, originária sobretudo do ciclo de expansão mundial entre 2003 e 2007, não garante as condições de sustentabilidade no equilíbrio das contas externas do País, particularmente se não há clara vontade de controlar os fluxos de capitais, blindando a economia doméstica dos efeitos

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23 deletérios das instabilidades da economia internacional. Qualquer idéia que possa estabelecer maior regulação sobre a conta de capital é logo tratada com desprezo ou simplesmente não é levada em consideração, demonstrando o total compromisso do governo atual com as práticas de um mercado liberal, sobretudo quando se trata do movimento do capital-dinheiro. Apesar da crise internacional recente, isso ainda é verdadeiro. Por esses e outros motivos, não menos importantes, é que é extremamente oportuna uma revisão e uma análise crítica desses quinze anos do Plano Real, ou melhor, do ajuste estrutural neoliberal brasileiro e da integração passiva do Brasil no âmbito internacional. O compromisso não se circunscreve a apenas isso. Trata-se também de procurar difundir idéias e debates que muitas vezes ficam à surdina por falta de espaços para o exercício da crítica. O poder da ideologia neoliberal foi responsável por rechaçar e menosprezar o pensamento alternativo e heterodoxo. Este livro, portanto, tem pretensão de ampliar o espaço do debate crítico a respeito da realidade mundial e, particularmente, brasileira, contrapondo-se ao establishment econômico academicista. Para tanto, o livro está estruturado em dois eixos fundamentais. O primeiro trata questões mais gerais sobre o capitalismo mundial e sua imbricação com o capitalismo brasileiro. O segundo propõe-se analisar a dinâmica da economia brasileira sob a batuta das políticas econômicas e reformas estruturais de perfil neoliberal nas duas últimas décadas. Nesta segunda parte a intenção é discutir temas cruciais como políticas econômicas, reforma do Estado e instabilidades macroeconômicas e sociais. Para discutir esses dois eixos temáticos, o livro é composto de oito capítulos escritos por professores e pesquisadores de diversas universidades públicas brasileiras. Esses trabalhos não tiveram a pretensão de terem sido escritos exclusivamente para este livro. São resultados de pesquisas e estudos desenvolvidos dentro da área de interesse de cada autor e apresentados em seminários, congressos e encontros científicos. Entretanto, todos têm uma linha de pensamento coerente com a temática do livro, qual seja, a crítica ao modelo neoliberal de desenvolvimento econômico. A primeira parte — C A P I TA L I S M O E I N S E R Ç Ã O PA S S I VA B R A S I L E I R A — foi dividida em quatro capítulos. No primeiro, denominado APRESENTAÇÃO

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24  A P R E S E N TA Ç Ã O “O capitalismo contemporâneo e suas dimensões constitutivas”, os professores Paulo Balanco e Eduardo Pinto engendram um debate sobre os elementos constitutivos das transformações recentes do capitalismo à luz das leis de movimento e reprodução do valor. Para tanto, desenvolveram uma caracterização da dinâmica capitalista desde o final da Segunda Guerra Mundial, passando pela análise da busca da harmonização entre capital e trabalho, verificada nos anos dourados do capitalismo, adentrando, também, pelos meandros teóricos e concretos da crise estrutural, dos anos 1970, e das saídas “internas” e “externas” a ela, até chegar ao momento atual do capitalismo, marcado pela reestruturação produtiva e pela globalização financeira. Os autores partem do argumento de que esses elementos do capitalismo hodierno, em associação com a (des)regulação neoliberal, funcionaram como estratégias voltadas à retomada do controle social, pelo capital, e à recuperação dos níveis de acumulação, tanto um como outro abalados pelo aumento dos conflitos de classe na década de 1970. Mostram, ainda, que tais estratégias conseguiram restabelecer o controle social. Entretanto, elas provocaram efeitos negativos à acumulação produtiva, tornando-se necessário, ao capital, abrir espaços para a acumulação financeira. A partir disso, conforma-se um padrão de acumulação dominado pelas finanças que provocou aumento da dependência econômica e aprofundamento do quadro social desigual, inter e intra-estatal, notadamente nos países periféricos, já que estes se integram passivamente, por meio de ajustes neoliberais, à dinâmica do capital. No Capítulo 2, o professor Nelson de Oliveira trata de um aspecto de fundamental importância à conformação do capitalismo brasileiro — a questão agrária. Como o próprio autor deixa claro nas primeiras linhas, o objetivo é realizar uma interpretação crítica do antireformismo como prática política dos grandes proprietários de terra e de vários setores da burguesia brasileira quando a questão é a defesa da propriedade da terra. A defesa de uma não-reforma agrária no País é um dos fortes argumentos para a explicação do metabolismo de uma das sociedades mais desarticuladas socialmente do século XX e XXI. Para explicar isso, o autor trata com profundidade a história dos movimentos sociais e políticos que emergiram no Brasil em torno do problema da terra desde o Império, passando pela República Velha, cobrindo o século XX, até os dias atuais, quando a questão ainda é

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25 importante e se apresenta com novas condições, de um País subordinado e integrado às redes de acumulação capitalista em escala global, tendo o agronegócio como uma de suas pontas de lança. Dessa feita, o anti-reformismo volta com maior força porque os interesses e a força das classes proprietárias são muito mais poderosos que no passado. No Capítulo 3, o professor Pedro Paulo Zahluth Bastos faz uma brilhante relação das políticas econômicas empreendidas nos governos Dutra e FHC, mostrando que nessas duas experiências de liberalização econômica, as vicissitudes dos mercados financeiros internacionais influenciaram diretamente na mudança do eixo central das políticas econômicas pró-mercado. Crises cambiais, sobretudo, inviabilizaram as estratégias de crescimento econômico baseadas na abertura comercial e financeira. Não se pode, segundo o autor, conferir verdade a mudanças no escopo ideológico e político das propostas desses governos. Foram essencialmente mudanças econômicas que redefiniram as estratégias de crescimento tendo em vista a inversão do pêndulo na direção de políticas de incentivo às exportações e substituição de importações, superávits em conta corrente e políticas de investimentos públicos. No geral, este capítulo procura demonstrar que o liberalismo em economias periféricas, quando condena a participação do Estado na economia e prioriza a liberalização comercial e financeira, está fadado a encontrar enormes dificuldades de sustentabilidade de suas políticas de crescimento econômico, porque se expõe demasiadamente aos mercados financeiros internacionais, integrando-se de forma passiva e tornando-se vulnerável às correntes de financiamento externo. No final da primeira parte do livro, o capítulo intitulado “Poder Potencial, Vulnerabilidade Externa e Hiato de Poder do Brasil”, do professor de economia internacional do Instituto de Economia da UFRJ, Reinaldo Gonçalves, sustenta o argumento que, apesar dos variados aspectos que o Brasil reúne em potencialidades no que diz respeito à sua inserção internacional, o comportamento econômico do País pouca influência exerceu na dinâmica econômica e política mundial nos anos 1980 e 1990 do século passado. O hiato de poder traduz-se na relação assimétrica entre poder potencial e vulnerabilidade externa, ou seja, o fato de o País desfrutar de recursos materiais que possam elevá-lo à condição de potência, mas, por outro lado, APRESENTAÇÃO

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26  A P R E S E N TA Ç Ã O apresentar baixa imunidade para resistir às pressões, fatores desestabilizadores e choques da economia e política internacional. Se, por exemplo, um determinado país apresente baixa vulnerabilidade externa e utilize seus recursos materiais para o fortalecimento do Estado nacional, logo seu poder potencial se torna efetivo. Portanto, poder efetivo, então, significa, para o autor, a “probabilidade real desse país de realizar sua própria vontade independentemente da vontade alheia”. Em resumo, hiato de poder seria a diferença entre poder efetivo e poder potencial. Com base na construção de um modelo bastante original e manipulando dados da Unctad e do Banco Mundial, o professor Gonçalves tenta medir esse hiato de poder para o caso brasileiro, comparando com outros países, e chegando à conclusão que o País apresenta um hiato de poder muito grande graças às sucessivas políticas econômicas de corte neoliberal aplicadas a ele nos últimos decênios. Na segunda parte do livro, E S T A D O , P O L Í T I C A E C O N Ô M I C A E MUDANÇAS ESTRUTURAIS: PLANO REAL E INSTABILIDADES CRÔNIC A S, são desenvolvidos mais quatro capítulos. Sem perder a linha crítica, os textos tratam mais especificamente da política econômica nesses últimos anos e a reestruturação por que passou o Estado brasileiro diante das propostas de reformas neoliberais. Tanto a política de estabilização econômica quanto a reforma do Estado não resolveram os problemas de vulnerabilidade externa, tampouco os conflitos sociais foram arrefecidos. Aí residem as instabilidades crônicas: a fragilidade financeira do País e a fragilidade social que resulta na escalada da violência e da ruptura do tecido social brasileiro. No Capítulo 5, o professor Reginaldo Souza Santos e o grupo de pesquisadores (Elizabeth Matos Ribeiro, Mônica Matos Ribeiro, Thiago Chagas Silva Santos e Vinícius Mendes da Costa) por ele coordenado vão na contramão do consenso e discutem a chamada crise fiscal do Estado. Reconhecem os autores que o conceito de crise fiscal dominou o debate sobre a Reforma do Estado nos anos 1990 no Brasil, mas invocam que esse conceito não passou de artifício ideológico e político para justificar o que o grupo prefere chamar de reestruturação produtiva do Estado (Reforma do Estado). Nesse sentido, a crise não deve ser entendida como uma crise do Estado, tampouco uma crise fiscal. Para o grupo de pesquisadores, a crise tem origem na própria dinâmica da economia capitalista e que tem rebatimentos no funcio-

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27 namento das estruturas institucionais do Estado, exigindo deste um sacrifício social com o fim de salvaguardar os capitais em concorrência, tanto no plano nacional como na esfera internacional. Para tanto, o Estado, como legítimo representante dos interesses predominantes na sociedade capitalista, abre possibilidades de expansão de fronteiras de acumulação capitalista, seja nas atividades produtivas, seja nas áreas financeiras, tendo as privatizações e o crescimento da dívida pública como exemplos emblemáticos. Isso é muito mais evidente nas economias capitalistas periféricas, nas quais o pacto de poder é constituído pelas elites econômicas nacionais e estrangeiras, com a competência executiva de grupos de intelectuais comprometidos com o ideário neoliberal. No capítulo seguinte, “Estado Capitalista, Plano Real e Acumulação Financeira”, do professor Fábio Guedes Gomes, a linha de raciocínio segue o mesmo fio condutor do texto anterior. No entanto, procura-se enfatizar mais a relação entre o Plano Real e o processo de acumulação financeira tendo o Estado como elo intermediador do processo de financeirização da riqueza. Discute-se a chamada crise fiscal do Estado como mais um dos discursos que legitimaram as reformas neoliberais no Brasil. Critica-se a noção de Estado utilizada por parte da literatura como uma instituição exógena, desarticulada da sociedade e blindada dos interesses de reprodução capitalista. É uma tentativa ainda muito inicial de mostrar a importância de se compreender as funções do Estado no contexto da totalidade da sociedade comandada pelas funções do capital. Nesse sentido, o autor procura entender o Estado com um novo papel dentro da dinâmica de acumulação, tal como ele exerceu diferentemente em diversos momentos da história econômica brasileira. No Capítulo 7, o professor Carlos Eduardo argumenta que o Plano Real e a política de estabilização econômica só foram possíveis em razão da flexibilidade da política fiscal, traduzida na expansão da receita tributária, aumento dos gastos correntes e no endividamento do setor público. Ademais, a situação favorável de déficits públicos moderados e relação dívida líquida do setor púbico/PIB confortável, permitiram o uso da política monetária e cambial para efeitos de abertura econômica e atração de capitais estrangeiros e, depois, para corrigir os rumos da economia depois dos abalos provocados pela crise asiática e russa. Por outro lado, o professor Carlos Eduardo conclui que esse APRESENTAÇÃO

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28  A P R E S E N TA Ç Ã O quadro de flexibilização da política fiscal, que permitiu a política econômica do Plano Real, defrontou-se com o agravamento da vulnerabilidade externa, notadamente a partir de 1999, e os desequilíbrios das contas públicas traduzidos em crescimento do endividamento público. O que era flexível transformou-se numa política fiscal contracionista, guiada pela necessidade de arrocho fiscal por meio da carga tributária elevada, superávits fiscais draconianos, redução da despesa pública com investimentos e gastos sociais e a necessidade de juros elevados, tudo isso para financiar a dívida pública crescente e, sobretudo, manter o equilíbrio das contas internacionais do País. Por fim, no Capítulo 8, os professores Luiz Filgueiras & Eduardo Pinto apresentam a dinâmica macroeconômica da economia brasileira nos dois governos FHC (1994-2002) e nos dois primeiros anos do governo Lula (2003-2004), à luz das políticas econômicas que foram implementadas, tendo por objetivo responder à seguinte questão central: com a manutenção da mesma política econômica, há possibilidade real de se reduzir, estruturalmente, a vulnerabilidade externa do País e a fragilidade financeira do setor público, substituindo-se o predomínio da lógica rentista pela lógica produtiva? A compreensão mais geral adotada, pelos autores, é de que a relativa estabilidade monetária, permanentemente ameaçada por sucessivas crises cambiais, foi conseguida à custa de uma grande instabilidade macroeconômica. A adoção do câmbio flexível, a partir de 1999, juntamente com a implementação da política de metas de inflação e a obtenção de elevados superávits primários, não conseguiu remover as principais restrições para o crescimento sustentado da economia brasileira. Mais recentemente, a retomada do crescimento em 2004 apenas reitera um padrão já observado nos governos FHC, no início do Plano Real (1994-1995) e em 2000, não significando, provavelmente, uma nova rota de crescimento sustentado. “(Des)Ordem e Regresso”: o Período de Ajustamento Neoliberal no Brasil, 1990-2000 é um livro que não tem, no geral, características propositivas. Alguns autores, evidentemente, tiveram a liberdade de anunciar algumas idéias que podem subsidiar a discussão em torno do crescimento e desenvolvimento econômico brasileiro. Mas, essencialmente, o livro é uma reflexão crítica sobre esses últimos decênios marcados pelas políticas de ajustamento estrutural. Como dizia o filósofo Gramsci, “É preciso afiar o pessimismo da razão para

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29 construir o otimismo da vontade”. Sem grande pretensão, digamos que nossa tarefa ao organizar esse livro tenha sido afiar o pessimismo da razão, porque construir o otimismo da vontade deve ficar a cargo de um projeto coletivo, no qual as forças sociais da maioria do povo brasileiro possam imprimir e participar das grandes transformações por que este País necessita passar. APRESENTAÇÃO

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PRIMEIRA PARTE CAPITALISMO E INSERÇÃO PASSIVA BRASILEIRA

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CAPÍTULO 1 O CAPITALISMO CONTEMPORÂNEO E SUAS DIMENSÕES CONSTITUTIVAS E D U A R D O C O S TA P I N T O PAULO BALANCO

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F I N A L I D A D E D E S T E C A P Í T U L O é efetivar uma análise das trans-

formações recentes do capitalismo, procurando situá-las como resultados do processo dialético das leis de movimento e reprodução do valor. Procurar-se-á explorar uma linha de caracterização do cenário capitalista contemporâneo desde o pós-Segunda Guerra até os dias atuais, à luz de alguns conceitos e realidades fundamentais hoje exaustivamente discutidos, dentre os quais o processo de reestruturação produtiva, a dinâmica da globalização financeira, o papel do Estado-nação e a extensão atual da crise e suas origens constitutivas na década de 1970. Esta iniciativa, ao mesmo tempo, enseja o tratamento deste objeto em contraponto às elaborações econômicas e políticas surgidas nos anos recentes dando conta de um quadro novo e potencialmente positivo que se estaria materializando a partir das transformações do capitalismo. Entretanto, não comungamos com a tese de que nada mudou na relação tanto entre capital e trabalho como entre as frações do capital; sendo assim, esta análise é efetuada tendo em vista importantes modificações na estrutura da produção e nas funções do Estado capitalista. Para esse propósito, considerando o grau de complexidade que cerca tal problemática, adota-se o constructo de que as transformações recentes tiveram origem no combate (saídas “internas”) à crise estrutural do capital dos anos 1970. Tais novidades, na verdade, são resultados do movimento contraditório entre capital e trabalho, que, por sua 33

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34  E D U A R D O C O S T A P I N T O & P A U L O B A L A N C O vez, provocou a elevação dos conflitos intercapitalistas, refletindo nas relações inter e intra-estatais contemporâneas. O aumento desses conflitos pode ser explicado tanto pela elevação das tensões externas, provocadas por modificações nas relações de coerção e controle entre os EUA e os demais países capitalistas avançados e periféricos, como também pela ampliação dos conflitos internos em virtude de novos rumos das estratégias públicas perante o novo poder das finanças. Nesse sentido, além desta introdução, discute-se na segunda seção do capítulo, os anos dourados do capitalismo planejado, marcado pela assunção do compromisso keynesiano/fordista, uma nova forma de controle social assentado na institucionalidade do Welfare State. Na terceira a preocupação está voltada para a apreensão das dimensões socioeconômicas da crise do capital, iniciada no final da década de 1960, e também para sua extensão atual. Para tanto, fez-se necessário debater, a partir de diversos eixos teóricos, as origens e as saídas “internas” e “externas” das crises. Na quarta seção são apresentados os elementos constitutivos do capitalismo hodierno, a reestruturação produtiva e a globalização financeira, como contraface do mesmo fenômeno, qual seja: estratégias de retomada do controle social e da recuperação dos níveis de acumulação, tanto um como outro, abalados pelo aumento dos conflitos entre capital e trabalho na década de 1970. E também como esse novo padrão de acumulação tem levado ao aumento da dependência econômica e do aprofundamento do quadro social desigual. Por fim, na sexta seção, procura-se alinhavar algumas idéias a título de conclusão. Os anos dourados do capitalismo planejado: a busca da harmonia entre capital e trabalho A Primeira Guerra Mundial, fruto da agudização da concorrência interimperialista, reafirmou a incapacidade do modelo institucional liberal de regular as diferenças dos mais diversos interesses socioeconômicos que se vinham materializando desde a crise de 1872. Ao final desse conflito não apenas a regulação da concorrência capitalista era preocupação da classe dominante, mas também a nova correlação de forças entre o capital e trabalho que emergiu após a revolução socialista russa de 1917. Tal evento político estimulou o crescimento do movimento operário em boa parte da Europa Oci-

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 35 dental. O capital não se acomodou diante de tal conjuntura “negativa” e foi ao contra-ataque, uma vez que delegou às forças da própria monopolização a direção dos padrões de concorrência e, no plano microeconômico, buscou reafirmar-se diante das lutas de classes mediante novas possibilidades de controle social (Oliveira, 2004). Nesse contexto de aumento dos conflitos interclasses (capital vs trabalho) e intraclasses (capital vs capital), as barreiras impostas ao processo de valorização tornaram-se mais robustas e elevadas, notadamente com o acirramento da luta de classes, a qual representa seu principal componente crítico. Tal dinâmica socioeconômica conflituosa, por sua vez, alçou o capital a uma segunda crise estrutural — iniciada nos anos de 1929 e concluída com advento da Segunda Guerra — que atingiu a totalidade do mundo capitalista, provocando (i) forte deflação de ativos; (ii) crises bancárias recorrentes; (iii) intensa queda dos preços das mercadorias; (iv) desvalorizações competitivas das moedas nacionais; (v) ruptura do padrão ouro; (vi) colapso da produção industrial e forte elevação do desemprego que chegou até a 40% da população economicamente ativa em alguns países centrais. A segunda crise estrutural de valorização do valor representou a ocorrência de um evento complexo com manifestações paradoxais. A redução dos impedimentos à acumulação só foi alcançada graças à profilaxia drástica e amplamente destrutiva de mercadorias, de capitais e de força de trabalho, originárias da Segunda Guerra Mundial, e à nova forma de controle social pautada pela regulação do Estado social (Welfare State), planejador e produtor. Esses fatores engendraram certa harmonização (1945-1970) no âmbito das relações entre capital e trabalho. Assim, foi possível o estabelecimento de uma nova plataforma de relançamento da acumulação. Em linhas gerais, a crise de 1929, sem dúvida, desempenhou um papel central no reforço da constituição de uma nova institucionalidade tanto no âmbito do capitalismo em sua generalidade quanto no do Estado. Essas mudanças refletiram alterações políticas ocorridas nos mercados capitalistas em virtude do grau mais elevado de socialização do capital até então. A busca de alternativas para conter os efeitos da crise — desemprego e deflação — tendeu a reforçar as mudanças no plano institucional e na determinação das políticas em seu todo. CAPITALISMO E DIMENSÕES CONSTITUTIVAS

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& PAULO BALANCO As novas alianças de classe que se articulam tendo em vista o enfrentamento da crise — New Deal, Planificação Nazista, Front Populaire. . . — aos poucos vão forjando aquilo que se pode caracterizar como a forma alternativa mais concreta ao Estado liberal [. . .]: o Estado social [Welfare State]”(Oliveira, 2004, p. 197). EDUARDO COSTA PINTO

A retomada da acumulação, no pós-crise de 1929, deve ser identificada como o ponto de partida do longo boom pós-Segunda Guerra. O programa de recuperação da economia americana (New Deal),1 e seus correlatos em outros espaços nacionais, inauguraram uma nova macroestrutura socioeconômica capitalista, cuja marca decisiva foi a forte presença estatal em termos normativos e também como esfera (ramo) de produção (Estado planejador e produtor), articulada à nova forma de controle social assentada no Welfare State, especialmente nos países centrais. Essa acentuada inflexão relacionada às atribuições socioeconômicas designadas ao Estado capitalista baseou-se em dois elementos fulcrais: (i) um inquestionável aparato de regulação com o propósito principal de enquadramento do capital financeiro e seu direcionamento para o financiamento da produção por meio do planejamento, considerado necessário à própria dinâmica do capital nesse momento histórico; e (ii) uma acomodação das contradições entre capital e trabalho por meio de certas concessões, pelo capital, aos trabalhadores dos países centrais (compromisso keynesiano/fordista ou estratégia de harmonização) e de forte coerção, pelas ditaduras militares, dos frágeis movimentos operários dos países periféricos. Embora o New Deal tenha sido implementado já no início da década de 1930, pode-se afirmar que essa nova macroestrutura e seus efeitos sobre a retomada da acumulação só se consolidaram realmente ao final da Segunda Guerra,2 a partir de um novo reordenamento internacional, qual seja, a materialização de um novo sistema monetário internacional (padrão dólar-ouro) e de instituições internacionais de coordenação e controle (Fundo Monetário Internacional, Banco Mundial e Gatt), baseado nos acordos de Bretton Woods, sob a égide irrestrita da nova supremacia, quer dizer, dos Estados Unidos, que se constituiriam posteriormente numa hegemonia mundial no sentido gramsciano até meados da década 1970.

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 37 A adoção da estratégia de recuperação socioeconômica foi assentada, por um lado, no princípio da economia da demanda efetiva, configurada no programa do New Deal e consolidada com o acordo de Bretton Woods e com o Plano Marshall, e, por outro lado, na busca de harmonização entre as classes capitalista e trabalhadora. Tal estratégia somente se consubstanciou em virtude de determinados fenômenos, a saber: (i) redução da influência dos condicionantes externos — cooperação antagônica — sobre as políticas macroeconômicas domésticas dos países capitalistas, notadamente após o começo da Guerra Fria em 1947; (ii) repressão financeira, ou seja, a “regulação”, pelas autoridades monetárias estatais, da moeda de crédito, capital a juros, mediante o processo de monetização da dívida pública; (iii) “mediação” estatal entre o empresariado e os trabalhadores, por intermédio de suas representações sindicais, objetivando articular o aumento dos salários reais aos ganhos de produtividade e dos preços e integrar o trabalhador ao âmbito dos processos decisórios da produção. Quando a mediação não funcionava, o Estado utilizava seu poder coercitivo, notadamente nos primeiros anos após o final da Segunda Guerra; (iv) incorporação de investimentos diretos e das transferências de seguridade social como componentes basilares da demanda e do controle social (Beluzzo, 1999; Guttmann, 1998; Meyer, 2000; Balanco & Pinto, 2004). O sistema monetário de Bretton Woods (padrão dólar-ouro), um dos elementos importantes da estratégia de recuperação, configurouse a partir de três elementos fundamentais: 1) taxas fixas de câmbio, mas ajustáveis, em virtude de “desequilíbrios fundamentais” associados aos balanços de pagamentos; 2) a aceitação do controle dos fluxos de capitais internacionais; e 3) a criação do FMI para monitorar as políticas nacionais e oferecer financiamento para equilibrar os balanços de pagamentos com desequilíbrios. Segundo Eichengreen (2000, p. 132) apenas “os controles de capital constituíram-se no único elemento que funcionava mais ou menos segundo o planejado”. Esse controle de capitais afrouxou os vínculos entre as políticas econômicas domésticas e externas — redução dos condicionantes externos —, possibilitando aos governos espaços para a adoção de políticas macroeconômicas voltadas ao pleno emprego (Eichengreen, 2000). Essa ordem financeira e monetária internacional, em que o dólar passou a funcionar como moeda de circulação internacional, foi CAPITALISMO E DIMENSÕES CONSTITUTIVAS

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38  E D U A R D O C O S T A P I N T O & P A U L O B A L A N C O construída sob a égide norte-americana em virtude de sua posição de superioridade diante de outros países centrais no pós-Segunda Guerra. O poderio dos EUA esteve atrelado, nesse momento, à sua posição de prestamista para todos os países aliados e às suas reservas em ouro que totalizavam quase que integralmente as reservas mundiais. Nesse cenário de assimetria de poder, quando do encontro de Bretton Woods, a delegação dos Estados Unidos — que tinha no Plano White seu programa de diretrizes —, impôs a maior parte de suas deliberações à delegação da Inglaterra — que pelo Plano Keynes vislumbrava certa contenção do poderio americano — e às delegações dos outros países vencedores e derrotados da Segunda Guerra. Os acordos firmados ao final do encontro permitiam a manutenção de controles sobre movimentos de capitais e a limitação do volume de financiamento para os países que apresentassem balanço de pagamento deficitário. Essa resolução garantiu grande poder para os países superavitários que nesse momento correspondia solitariamente aos EUA. Assim, mesmo com algumas concessões que permitiram o controle de capitais, os EUA consolidaram-se como o centro da ordem capitalista pós-Segunda Guerra (Eichengreen, 2000; Mattos, 2000; Serrano, 2004). Apesar de os EUA apareceram como o espaço capitalista pioneiro de desenvolvimento do New Deal, também a Europa e o Japão conheceriam a aplicação dos seus principais elementos constitutivos, sobretudo quando da imposição americana ao financiar suas reconstruções depois do fim da Segunda Guerra Mundial. Em particular, deve-se destacar a afinidade do Plano Marshall, aplicado à reconstrução dos países capitalistas da Europa Ocidental, ao modelo de demanda efetiva e seus enquadramentos institucionais. Por conseguinte, essa orientação, como um dos elementos que visava à recolocação da economia capitalista nos trilhos da expansão da acumulação, é introduzida particularmente no núcleo de países que passaria a ser considerado como o núcleo orgânico do sistema no plano mundial. O acordo de Bretton Woods não conseguiu sanar os graves problemas da Europa, pois a limitação de empréstimos para os países deficitários no balanço de pagamentos — nesse momento todos os países europeus — restringia a possibilidade de sua reconstrução. A instabilidade econômica (crise da libra esterlina em 1947) e política na Europa criaram um terreno fértil para a possibilidade da tomada do poder estatal por partidos comunistas, o que, por sua vez, poderia

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 39 provocar um alinhamento de alguns países europeus ocidentais ao bloco socialista. Certamente este resultado potencial ampliaria o poder da União Soviética no âmbito da Guerra Fria que se iniciou em 1947, e, sobretudo, poderia elevar o poder da classe trabalhadora numa nova correlação de forças entre o capital e o trabalho. Entrementes, antes de possíveis vitórias da classe trabalhadora socialista em território europeu ocidental, os EUA adotaram a estratégia da “exportação de capital”, em grande monta, por meio do Plano Marshall para reduzir a instabilidade socioeconômica européia e para ampliar os tentáculos da grande empresa hierarquizada e “verticalizada” norte-americana. Segundo Arrighi (1996, p. 306) o “Plano Marshall iniciou a reconstrução da Europa Ocidental à imagem norte-americana e, direta e indiretamente, deu uma contribuição à expansão do comércio e da produção mundiais da década de 1950 e 1960”. Para Brenner (2003) a expansão econômica do pós-guerra (195060) vinculou-se à capacidade do núcleo de países capitalistas avançados realizarem e sustentarem altas taxas de lucro,3 produzindo superávits relativamente elevados com base no uso de capital fixo/estoque de capital (instalações e equipamentos). No entanto, Brenner (2003) não apresenta, ou apenas tangencia, os novos elementos institucionais que proporcionaram aos países centrais a capacidade de sustentar a taxa de lucro nos anos 1950 e 1960, delegando à política, portanto, em sua análise, um caráter secundário. Na verdade, a sustentabilidade das taxas de lucro em um patamar elevado só foi factível a partir de um renovado arranjo político, articulado ao final da Segunda Guerra, ou seja, uma nova institucionalidade, tanto em níveis inter e intra-estatais quanto no plano gerencial-administrativo da produção. Com isso, a tarefa de regulação da concorrência intercapitalista e de arrefecimento da contradição entre capital e trabalho nos espaços nacionais foi facilitada pelo novo controle social estruturado em certas concessões aos trabalhadores. Na Europa empregou-se o reformismo social-democrata assentado da “participação” dos trabalhadores em “associação” com os capitais, já nos Estados Unidos configurou-se uma racionalização fordista/taylorista que possibilitava ganhos salariais aos trabalhadores. A intensa acumulação de capital ocorrida nos anos dourados aconteceu a partir do núcleo funcional composto pela grande empresa, aprofundando sua penetração nacional e internacional, e do Estado CAPITALISMO E DIMENSÕES CONSTITUTIVAS

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40  E D U A R D O C O S T A P I N T O & P A U L O B A L A N C O planejador e produtor, mediante forte intervencionismo e “regulação”. Entretanto, essa mesma receita pouco contribuiu para que os países periféricos lograssem diminuir o fosso que os separavam do núcleo orgânico do sistema, confirmando o desenvolvimento desigual e hierarquizado do capitalismo. A expansão da atuação da grande empresa4 americana no pósSegunda Guerra, para além dos espaços nacionais que as sediavam originariamente, caracterizou uma nova etapa da “exportação de capital”: num primeiro momento, por meio de gastos militares e do Plano Marshall; e num segundo momento, após o Plano, pela internacionalização do capital privado americano, financeiro e sobretudo industrial, para a Ásia e a América Latina. Tornou-se possível, com isso, um reordenamento na divisão internacional do trabalho, já que a revolução tecnológica então experimentada permitiu um avanço da integração dos países subdesenvolvidos ao mercado mundial de tal forma que os elevasse também à posição de produtores de bens acabados. Emerge, então, um novo quadro que apenas confirmaria a inexorável atuação das leis econômicas do capitalismo como fatores de impulsão ao deslocamento dos capitais entre os diversos espaços geográficos do planeta. No interior desse processo, os novos interesses das empresas multinacionais européias e, particularmente, americanas nas regiões atrasadas do planeta levaram-nas, por conseguinte, a ampliar o espaço de vigência das relações capitalistas de produção (Pinto & Balanco, 2004). As elevadas taxas de lucro alcançadas pelas economias avançadas no pós-Segunda Guerra propiciaram a manutenção de altos índices de investimentos, gerando uma aceleração da produtividade, associados a um crescimento rápido dos salários reais sem ameaçar os lucros. Nesse período, a maioria das economias capitalistas avançadas, e algumas subdesenvolvidas, viveram um longo boom econômico. Materializaram-se altas taxas de crescimento do investimento (privado5 e estatal), da produção,6 da produtividade7 e dos salários8 nunca vistos historicamente, ao passo que se constatavam pequenos níveis de desemprego9 e de inflação10 e processos recessivos mínimos (Brenner, 2003). O crescimento econômico dos anos dourados foi materializado com base na articulação entre crescimento das taxas de lucro e dos salários reais — economia da demanda efetiva — fundada em uma

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 41 nova institucionalidade voltada à harmonização das relações entre capital e trabalho. Essa articulação harmonizadora tornou-se viável, conjunturalmente, em virtude de determinados eventos políticos, quais sejam, a Segunda Guerra Mundial e a posterior consolidação do bloco socialista, conformando a divisão do mundo em dois pólos. No pólo capitalista os EUA buscaram configurar o êxito econômico para seus aliados e concorrentes como uma forma de consolidar a ordem capitalista — um mundo seguro para a livre empresa — e combater o regime comunista. Nesse cenário, o Estado imperialista americano, já consolidado como hegemônico, arquitetou uma cooperação antagônica entre os principais países capitalistas, ou seja, uma cooperação entre Estados capitalistas concorrentes (Thalheimer, apud Meyer, 2000), alçando o crescimento econômico e o progresso a questão de segurança nacional e de manutenção da ordem capitalista regulada. O processo de expansão mundial não ocorreu de forma simultânea no núcleo dos países avançados. Na verdade, os EUA, pelas suas condições econômicas e materiais no final da Segunda Guerra Mundial, saíram na frente no processo de expansão, provocando um crescimento temporalmente desigual entre os Estados Unidos, Europa e Japão. Quando a Europa e o Japão atravessaram os seus auges expansionistas a economia doméstica americana já vivia um processo de declínio relativo. Essa dinâmica mundial diacrônica garantiu a contínua vitalidade das forças dominantes dentro dos EUA, pois o desenvolvimento mais tardio, após a Segunda Guerra, da Europa e do Japão, em relação ao norte-americano, representou, de um lado, oportunidades de expansões externas para as empresas multinacionais e os bancos americanos, configurando canais de lucratividade para seus investimentos diretos. De outro lado, significou o crescimento das exportações dos produtores internos americanos que precisavam de uma demanda estrangeira de crescimento acelerado (Brenner, 2003). O êxito econômico estadunidense, como centro da economiamundo capitalista, portanto, esteve atrelado ao sucesso de seus concorrentes e aliados capitalistas e à manutenção da ordem capitalista regulada. Isto propiciou, ainda que sob hegemonia dos Estados Unidos, maior grau de cooperação e coordenação internacional — Plano Marshall e sistema financeiro internacional “regulado”: Bretton Woods —, marcado por altos níveis de apoio político-econômico dos norte-americanos a seus aliados e concorrentes. Nesse período a CAPITALISMO E DIMENSÕES CONSTITUTIVAS

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42  E D U A R D O C O S T A P I N T O & P A U L O B A L A N C O hegemonia americana foi exercida por um comportamento dual, coercitivo e persuasivo, com o aspecto persuasivo ocupando maior destaque na política internacional norte-americana (Meyer, 2000). Sem dúvida, tornava-se muito claro que o capitalismo resolvera adotar um modelo de desenvolvimento de inquestionável inspiração keynesiana,11 portanto, privilegiando o princípio da demanda efetiva como norma teórica tanto no plano econômico como no cultural. Coube ao Estado o papel de controle do ciclo econômico e de disseminação da cultura burguesa12 do consumo e da eficiência aos moldes norte-americanos (American Way of Life) por meio do consumo de massa e das transformações ideológicas dos indivíduos — um novo tipo humano. À medida que as organizações trabalhistas assimilavam tal cultura, aumentava a integração passiva dos trabalhadores aos rumos assumidos pelo movimento do capital em sua globalidade. Um desses mecanismos estatais, no plano econômico, foi a estrutura de regulação da moeda e do sistema de crédito adotada por Roosevelt.13 Assim, constituiu-se uma nova ordem monetária na qual as autoridades monetárias do Estado (bancos centrais) podiam interferir na oferta de moeda tanto de forma direta, alterando a quantidade de moeda em circulação, quanto indireta, mediante a regulação das atividades de criação monetária dos bancos comerciais. Isso possibilitou a criação de uma oferta elástica de moeda a juros baixos pelo aumento das despesas financiadas pelo endividamento. Esse processo originou uma “monetização” das dívidas e permitiu financiar, simultaneamente, os déficits orçamentários crônicos do Estado previdenciário, os investimentos necessários à difusão de tecnologias da produção fordista e as normas de consumo sociais de consumo de massa de bens mais caros, tais como automóveis e casas (Guttmann, 1998). A justificativa para a intervenção estatal na economia, sob influência do planejamento, em boa medida, foi explicada em vista da profunda destruição econômica causada pela Grande Depressão de 1929 e pela Segunda Guerra. Nesse cenário deletério seria uma quimera acreditar que semelhante situação poderia ser revertida rapidamente apenas com base nos mecanismos espontâneos do mercado e da livre-iniciativa. A destruição econômica e eventos do plano político — intensificação da luta de classes na Europa e a construção do “socialismo real” soviético — forçaram o engendramento, pelo capital, de estratégias contra-ofensivas de caráter preservativo pautadas na

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 43 harmonização entre as classes mediante algumas concessões14 aos trabalhadores: o chamado compromisso keynesiano/fordista. Quanto maiores fossem os poderes dos movimentos operários nacionais, maiores eram as concessões dos gerentes e representantes do capital. Assim, tal arranjo institucional “harmonicista” foi assumindo características bastante distintas em cada país, em face do nível nacional de correlação de força entre as classes. Isso explica, até certo ponto, as formas diferenciadas da harmonização adotadas nos Estados Unidos e na Europa e a predominância da coerção aos movimentos trabalhistas nos países periféricos. Na Europa Ocidental, ou na Europa que continuaria capitalista após os acordos de coexistência pacífica firmados entre EUA, Inglaterra e URSS ao final da Segunda Guerra, o compromisso keynesiano/ fordista, como estratégia de harmonização, teve de assumir um caráter mais amplo denominado “pacto social”,15 o qual também foi transplantado tanto para o plano macroestrutural (regulação institucional: Welfare State) quanto para o da produção (certa “participação” dos trabalhadores nos processos organizacionais e ganhos salariais reais), haja vista a grande insurgência das organizações dos trabalhadores europeus. Nos Estados Unidos o compromisso keynesiano/fordista voltou-se, prioritariamente, ao âmbito da produção mediante a racionalização taylorista/fordista. Esse processo proporcionou ingentes ganhos de produtividade, os quais foram em parte repassados aos salários dos trabalhadores norte-americanos. A maior intermediação, nos EUA, das instâncias políticas e ideológicas no processo de harmonização não se fez necessária em face da pequena articulação dos movimentos operários estadunidenses — sindicalismo reformista à semelhança das trade unions inglesas — e suas reivindicações de caráter muito mais salarial dos que anti-sistêmico. Gramsci, no seu ensaio “Americanismo e Fordismo”, fora um dos primeiros a perceber a relevância da gestão taylorista/fordista para o processo de harmonização social nos EUA. Para ele, o ganho com essa nova gestão da produção viabilizou CAPITALISMO E DIMENSÕES CONSTITUTIVAS

[. . .] racionalizar a produção e o trabalho, combinando habilmente a força (destruição do sindicalismo operário de base territorial) com a persuasão (altos salários benefícios sociais di-

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44  E D U A R D O C O S T A P I N T O & P A U L O B A L A N C O versos, propaganda ideológica e política habilíssima) para, finalmente, basear toda a vida do país na produção. A hegemonia [do capital] vem da fábrica e, para ser exercida, só necessita de uma quantidade mínima de intermediários profissionais da política e da ideologia (Gramsci, 1978, pp. 381-2). Nos países periféricos a relação entre os representantes do capital e os movimentos operários não assume a forma de compromisso keynesiano/fordista e sim de maior coerção, uma vez que tais economias dependentes estruturavam-se num modelo de capitalismo desarticulado — voltado para exportação ou para o consumo interno de bens de luxo — e alicerçado na “superexploração” do trabalho. Tal dinâmica capitalista dependente conformava um grande “exército industrial de reserva”, o que, em certa medida, restringia a ampliação das bases das organizações operárias. Com a correlação de força pendendo fortemente em favor do capital não se fazia necessária à harmonização de classes nos países periféricos. A coerção foi a arma principal do capital para se impor como dominação. Ao sinal de “subversão” dos trabalhadores à “superexploração” e, por conseguinte, ao sistema estabelecido, os representantes das frações dos capitais nacionais articulavam-se entre si,16 com os representantes das forças armadas, com parte das classes médias locais e com o grande capital forâneo para manter a ordem estabelecida. O instrumento de manutenção da acumulação e, conseqüentemente, dessa ordem capitalista dependente, fora o golpe militar e a respectiva instalação de regimes ditatoriais, pois estes facilitavam a extração de mais-valia dos trabalhadores mediante a repressão dos salários e a coerção da organização livre dos movimentos operários. A “ajuda” estrangeira para manutenção da ordem, geralmente, vinha dos organizadores do sistema capitalistas (EUA), quer seja por meio de intervenções militares violentas (Coréia, Vietnã, e República Dominicana), quer seja incitando e sustentando política e economicamente golpes militares e ditaduras ao redor do mundo (Brasil, Chile, Argentina, Grécia, Uruguai, etc.). Ao utilizar tais instrumentos, o Estado norte-americano estava buscando proteger os interesses de suas empresas multinacionais (grande capital) e, por conseguinte, defender sua posição central na economia mundo capitalista, além, é claro, da hegemonia do capitalismo como sistema social.

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 45 Em linhas gerais, a arquitetura de regulação e coordenação, sob controle norte-americano, seria ainda ampliada à dimensão internacional. O capitalismo pôs em prática um mecanismo “regulatório” dirigido para o controle das relações entre países, abarcando, dessa maneira, os fluxos financeiros e de mercadorias. Os acordos de Bretton Woods resultaram na substituição definitiva do padrão-ouro pelo padrão dólar-ouro e na construção de uma estrutura institucional baseada em organismos como o FMI, o Banco Mundial e o Gatt, sob a égide dos EUA. A principal preocupação vinculava-se à necessidade de evitar mudanças bruscas e imprevisíveis, amenizando a autonomia dos fluxos financeiros especulativos e potencialmente portadores de elementos desestabilizadores. Depois de 1944, quando os acordos de Bretton Woods foram firmados, prevaleceu até 1971 um controle relativo que acabou por privilegiar os fluxos de mercadorias e de investimento direto mediante um sistema de taxas de câmbio fixas fortemente administrado. O excesso de liberdade para os movimentos dos capitais, das duas primeiras décadas do século XX, daria lugar a uma condução econômica estatal planejada de perfil anticíclico associada ao controle social por meio da harmonização. Dessa forma, o papel da demanda agregada, no plano socioeconômico, passou a ser decisivo, o que implicou a elevação para o primeiro plano de dois elementos dessa macroestrutura, a saber, os gastos em consumo privado e as despesas público-estatais. No que diz respeito à função do consumo neste modelo, tornou-se necessário estabelecer uma estrutura institucional de “reforçamento” dos rendimentos do trabalho e de elevação do nível de emprego. O redimensionamento do Estado configurou-se como um dos principais componentes estruturais do padrão de acumulação posto em prática nesse período. Este redimensionamento, por um lado, expressou os novos componentes de controle social supracitado e, por outro, atribuiu ao Estado o papel de esfera produtiva no interior da divisão social do trabalho da economia. Todavia, não corresponde integralmente, e nem poderia, ao conceito de esfera produtiva tal qual a da categoria capital industrial como teorizado por Marx (1986) em sua interpretação da reprodução capitalista. No padrão de desenvolvimento dos anos dourados, o Estado cumpre atuação de inspiração keynesiana, o que significa dizer que, no plano econômico, o mesmo CAPITALISMO E DIMENSÕES CONSTITUTIVAS

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46  E D U A R D O C O S T A P I N T O & P A U L O B A L A N C O passa a se responsabilizar direta e indiretamente pela efetivação de uma determinada taxa de investimento, constituindo-se, por conseguinte, em fonte de estabilidade cíclica. Além disso, o Estado passa a ser fonte de financiamento fundamental ao capital produtivo. Tendo em vista a atrofia da esfera financeira e seu descolamento em relação à esfera produtiva, tal como se apresentou no período anterior à Grande Depressão, as amplas reformas introduzidas pelo New Deal, e propagadas para a Europa e o Japão, levaram a modificação drástica da estrutura de financiamento da economia. Isso significou uma ampliação da atuação estatal neste campo, uma vez que bancos, agências de financiamento e organismos de fomento de caráter público/estatal foram criados. O próprio segmento privado do setor financeiro passou por um processo de saneamento, ficando sujeito a legislações voltadas ao estímulo das atividades produtivas. Tais dispositivos de ampliação do financiamento do setor produtivo constituíram-se na outra faceta relacionada à importância adquirida pelo endividamento público, como instrumento que possibilitava a consecução de políticas fiscais expansionistas (déficit orçamentário) voltadas ao controle dos ciclos econômicos. Neste contexto, o gasto público assume significado relevante à dinâmica capitalista. Sem sombra de dúvida, em meio à fase de prosperidade experimentada pelos países centrais, a dívida pública tornase um dos componentes da acumulação produtiva. Ao lado dos elementos favoráveis à acumulação de capital, entre eles, o arrefecimento da luta de classes, a inovação tecnológica e organizacional, o padrão de consumo de massas e a introdução das relações capitalistas em novos espaços geográficos do planeta, a dívida pública cumpriu seu papel a contento ao se transformar em fonte de estabilidade cíclica e de acumulação. Portanto, a transferência de parte da riqueza e da renda para o Estado — e sua redistribuição sistêmica integradora de um mecanismo reprodutivo favorável aos capitais privados na esfera não financeira — foi tolerada sem maiores questionamentos até que o padrão de acumulação começasse a se esgarçar. Isso começou a ocorrer no final da década de 1960. Os primeiros sinais de reversão da expansão de cerca de três décadas surgem ao final da década de 1960. Desde então, a economia capitalista passou a conviver com uma significativa inflexão da taxa geral de lucro e dos níveis de acumulação gerados por uma grave crise.

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 47 Em paralelo, como conseqüências típicas dos processos recessivos, a redução das taxas de investimento e crescimento foi acompanhada de resultados sociais amplamente negativos. Destaca-se assim, entre outros, o aumento do desemprego e seu caráter crônico, notadamente, nos países avançados da Europa Ocidental e nos EUA (Brenner, 1998). Assim fica muito claro que o dispositivo “regulatório” tanto “harmonicista” quanto coercitivo aplicado ao mundo do trabalho nos mais diversos países reduziu as resistências dos trabalhadores à exploração, o que viabilizou a retomada do processo de acumulação e, por conseguinte, dos níveis de lucratividade que o capitalismo veria desaparecer com a eclosão da crise na década de 1970. CAPITALISMO E DIMENSÕES CONSTITUTIVAS

A crise da década de 1970 em perspectivas: impedimentos à acumulação ou à dominação? Um debate contraditório Por volta do final dos anos 1960 o boom econômico “virtuoso” dos anos dourados começou a se deteriorar. O padrão de acumulação assentado em normas “regulatórias”, no planejamento econômico e na harmonização entre as classes apresentava sinais de esgotamento. Assim, como na crise agrária de 1873 e na crise de 1929, fortes restrições impuseram-se à continuidade do processo de acumulação da ordem capitalista regulada e “harmonicista” dos anos dourados. O esgotamento desse padrão criou um contexto socioeconômico de instabilidade e incerteza quanto à trajetória societal. Tal fenômeno “problemático” suscitou diversas perspectivas para sua explicação e solução. Será que o sistema capitalista estaria atravessando um ciclo/ momento econômico e/ou institucional ou tecnológica desfavorável? Fundado em um determinado diagnóstico tal ciclo poderia ser corrigido (i) por políticas macroeconômicas de regulação e planejamento de inspirações keynesianas e kaleckianas; ou (ii) por um novo modo de regulação institucional pautado no regulacionismo francês; ou (iii) pela conformação de um novo paradigma tecnológico de origem neo-schumpeteriana; ou ainda (iv) por novos rearranjos privados regulados por um Estado liberal, sob uma perspectiva neoclássica. Ou será que se estaria vivenciando uma terceira crise estrutural17 do capital, como defendido por correntes marxistas, que poderia ser solucionada, pelo lado do trabalho, por uma ruptura anti-sistêmica ou,

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48  E D U A R D O C O S T A P I N T O & P A U L O B A L A N C O pelo lado, do capital, por transformações socioeconômicas de grande envergadura que propugnaria um novo padrão de acumulação? Para os neoliberais18 — liberais que não admitiam intervenções do Estado na atividade produtiva —, a crise da década de 1970 não teve origem em problemas na demanda, mas, sim, no poder excessivo dos sindicatos, que pressionavam tanto as empresas por maiores salários quanto o Estado pelo aumento dos benefícios sociais. Isso, por sua vez, levaria à compressão dos lucros, corroendo as bases da acumulação das empresas e acelerando a inflação. A partir desse diagnóstico, as propostas e ações neoliberais vão todas no intuito de desestruturar o compromisso keynesiano/fordista dos anos dourados e engendrar uma nova forma de Estado. Para tanto, fazia-se necessário (i) romper com o poder dos sindicatos, buscando restaurar a taxa “natural de desemprego”; (ii) desregulamentar os diversos mercados, principalmente o financeiro e o de trabalho; e (iii) reduzir as intervenções estatais no campo econômico e social, ou seja, substituir a regulação keynesiana pela “livre concorrência”, com o Estado assumindo uma dimensão mínima e forte para manter a ordem e a livre iniciativa. Apesar da apregoada oposição dos diversos pensamentos teóricos supracitados, quase todos eles, à exceção dos neoliberais e de algumas correntes marxistas, [. . .] se baseavam nas evidências conjunturais [da crise dos anos 70], cujos registros estavam fundados essencialmente nas dificuldades de realização das mercadorias produzidas. Desse modo, terminava por rodar em círculos e a construir identidades problemáticas: não realiza porque não há renda, ou não há renda porque não realiza (Oliveira, 1999, p. 58). Por outro lado, o diagnóstico da crise baseado na insuficiência de demanda, como formulado pelos kaleckianos e keynesianos, não se chocava completamente com o que postulavam os liberais intervencionistas que admitiam certas correções voltadas ao equilíbrio entre demanda e oferta por meio de rearranjos privados auto-regulados ou regulados por um Estado liberal (agências reguladoras). Mesmo algumas correntes marxistas, em certa medida, para direcionarem alternativas à crise, depois de efetuarem diagnósticos assentados em leituras d’O Capital, no que se refere à lei da tendência decrescente da taxa

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 49 de lucro e ao problema de realização, adotaram uma mescla da estrutura teórica de Keynes e Kalecki (Oliveira, 1999). Para os neo-schumpeterianos19 a crise seria uma manifestação periódica (ciclos ou ondas longas), autodeterminada e autogerada associado ao esgotamento de um determinado paradigma tecnológico, a força motriz do capitalismo. Tal interpretação da crise assenta-se no velho empirismo que tem como um de seus principais representantes o economista russo N. D. Kondratieff, que, fundado na análise dos movimentos de preços de atacados em vários países industrializados, detectou uma cronologia das flutuações longas. Para os schumpeterianos e neo-schumpeterianos as ondas longas de ascendência e descendência (crise) seriam determinadas pelas transformações do paradigma tecnológico. A saída da crise, para os neo-schumpeterianos, dar-se-ia, pelo lado da oferta, na configuração de novo paradigma tecnológico, tendo em vista que o paradigma da microeletrônica não conseguiu reverter a queda da lucratividade do sistema econômico. Tal paradigma novo proporcionaria nova fase de expansão do investimento e do produto. Para eles, a via “revolucionária” de superação da crise seria a biotecnologia, ou a bioeletrônica,20 já que, pela engenharia genética, poderia ocorrer uma ruptura do fluxo circular, tanto das técnicas utilizadas como de suas aplicações, viabilizando a criação de novos organismos a serviço da produção de riquezas (Perez, 1986). Assim sendo, a biotecnologia, como inovação estrutural, levaria a uma fase de obtenção de lucros acima do normal pelas empresas inovadoras e atrairia empresas imitadoras, resultando na elevação do nível de riqueza. Essa visão tem caráter pragmático, uma vez que confunde em linhas a crise como uma manifestação periódica, autodeterminada e autogerada. Percebe-se um esforço de neutralização das principais determinações da crise, sendo esta um fenômeno estritamente ligado ao paradigma tecnológico. Para tal corrente a ciência e a tecnologia (paradigma tecnológico) teriam uma lógica autônoma e apresentariam uma trajetória independente. No entanto, a ciência e a tecnologia estão vinculadas às condições sociais do sistema econômico e dependem do seu movimento reprodutivo. CAPITALISMO E DIMENSÕES CONSTITUTIVAS

O maior dilema da ciência moderna é que o seu desenvolvimento esteve sempre vinculado ao dinamismo contraditório do

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50  E D U A R D O C O S T A P I N T O & P A U L O B A L A N C O próprio capital. Além do mais [. . .] a ciência moderna não pode deixar de ser orientada para a implantação, a mais efetiva possível, dos imperativos objetivos que determinam a natureza e os limites inerentes ao capital, assim como seu modo necessário de funcionamento sob as mais variadas circunstâncias. [. . .] A obtenção da justa disjunção entre ciência e as determinações capitalistas destrutivas é concebível somente se a sociedade como um todo tiver sucesso em sair fora da órbita do capital e proceder um novo patamar — com princípios de orientação diferentes (Mészáros, apud Antunes, 1999, pp. 122-3). Para Lipietz (1989), um dos principais representantes da Escola da Regulação Francesa, a crise seria um fenômeno orgânico do capitalismo em virtude do seu caráter intrínseco atrelado ao movimento e ao funcionamento contraditório do sistema. A contradição estaria no âmago da relação salarial, já que, sendo a taxa de exploração muito acentuada, existiria a ameaça de uma crise de superprodução. Ao contrário, se a taxa é muito fraca, a possibilidade de subinvestimento poderia efetivar-se. Nesse arquétipo teórico, a crise emergiria em virtude do descompasso temporal/histórico entre as estruturas econômicas e os seus elementos de regulação.21 Dessa maneira, a crise do regime de acumulação fordista,22 da década de 1970, delineou-se à medida que surgiram dificuldades para a manutenção da estrutura macroeconômica keynesiana/fordista, em vista da queda da produtividade, do aumento dos salários reais e do aumento da concorrência do setor manufatureiro, elementos esses geradores da redução dos lucros (Lipietz, 1989). Para Aglietta (1979), as condições gerais da crise somente são apreendidas com base nas leis de regulação do capitalismo, pois estas satisfazem o princípio da invariabilidade e conformam historicamente uma determinada relação salarial, implicando, por conseguinte, que a crise do regime de acumulação fordista estaria associada à contestação dos fundamentos do modo de regulação. Vejamos os sinais do esgotamento apontados por Aglietta (1979): 1) A evolução da organização do trabalho que, em sua aplicação cada vez mais mecânica, tendeu a provocar o esgotamento das potencialidades produtivas e a renovar a insatisfação dos trabalhadores ao processo de trabalho fordistas; 2) O aumento da dependência do con-

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 51 sumo do governo para manter o nível de demanda em virtude da estabilização do consumo de massa; 3) A elevação dos gastos sociais dos Estados provenientes de maior pressão social; e 4) A incapacidade das políticas econômicas para conter a debilidade monetária manifestada por meio da inflação. Os regulacionistas franceses delegam papel importante ao processo histórico para a apreensão das crises. Para Boyer (1999) as crises maiores se sucedem; contudo, jamais se repetem quanto ao seu formato, já que o capitalismo evolui em espiral, nunca passando pela mesma configuração. As crises e conflitos, nesta dinâmica capitalista “inovativa” contemporânea, marcada por notável irreversibilidade, são os momentos oportunos para reajustamentos das formas institucionais. Assim, cada crise estrutural tende a ser original no exato entrelaçamento das causas e mecanismos de transmissão. Nessa linha, a saída da crise, segundo Aglietta (1979), passaria por uma nova forma de institucionalidade — novo modo de regulação: neofordismo — criada a partir de uma nova “relação salarial” coerente com as transformações das estruturas econômicas contemporâneas. Isso só seria possível se a nova forma de regulação proporcionasse uma articulação entre os custos sociais da força de trabalho — base da acumulação intensiva — e uma reestruturação do consumo por meios coletivos. Boyer (1999) e Lipietz (1989) passam a incorporar, com maior ênfase, o âmbito internacional, no processo de construção de um novo modo de regulação articulado nacional e internacionalmente. Para eles, a crise poderia ser sanada com base na regulação das finanças internacionais, articulando-as aos compromissos nacionais voltados para o crescimento econômico assentado na demanda doméstica. Para tanto, far-se-ia necessário construir uma nova agenda política (modo de regulação), completamente renovada, num duplo sentido: i) domesticar novamente as finanças e o mercado que devem tornar-se meios para garantir o bem-estar das sociedades; e ii) estabelecer novos compromissos institucionalizados para engendrar o crescimento vinculado à exportação e ao mercado interno. A formulação regulacionista apresenta, em certa medida, os conflitos e os choques de interesses de grupos organizados como delineadores da dinâmica do sistema capitalista de produção, destacando as diferenças entre os aspectos econômicos e sociais e o caráter intrínseco das crises a partir de um processo histórico. Para tal eixo teórico, a CAPITALISMO E DIMENSÕES CONSTITUTIVAS

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52  E D U A R D O C O S T A P I N T O & P A U L O B A L A N C O crise, apesar de sua regularidade, poderia ser eliminada, pelo menos temporariamente, por meio de controles instrumentais baseados no modo de regulação como peça-chave para contornar a crise, ao mesmo tempo preservando o padrão atual das relações sociais. Desse modo, as relações sociais contraditórias do capitalismo deixam de ser impedimento à continuidade sistêmica, do que se pode deduzir que esta escola, ao delinear suas alternativas à crise, torna-se funcional para dinâmica excludente do capital, uma vez que busca a harmonização para a retomada da acumulação, pondo a luta de classe num papel secundário (Oliveira, 2004; Braga, 2003). Essa funcionalidade da teoria da regulação francesa ao capital foi muito bem expressa por Braga: Sinteticamente, a Teoria da Regulação apresenta, desde as origens, sua vocação: representar, do ponto de vista teórico, o suposto destino dos trabalhadores em colaborar inevitavelmente com a burguesia. Por intermédio do reprodutivismo teórico, as determinações políticas da classe trabalhadora são sacrificadas no altar das “necessidades sistêmicas” capitalistas. O formalismo da análise expulsa, progressivamente, as referências aos antagonismos sociais, eliminado a contradição: a relação salarial assume o espaço da luta de classe (Braga, 2003, p. 228). De outro lado, as leituras marxistas, no que tange à reflexão da crise do capital e suas alternativas, podem ser divididas em dois grandes grupos: 1) os que a entendem apenas como uma crise de acumulação; e 2) os que a compreendem como uma crise de dominação. Vejamos os eixos dessas duas perspectivas marxistas. Alguns dos que apreendem a crise do capital sob um eixo apenas da acumulação tende a realizar leituras textuais d’O Capital sobre a lei da tendência decrescente da taxa de lucro e sobre o problema de realização das mercadorias. Os partidários desse tipo de leitura, em certa medida, “quase sempre se afastaram para uma linha de reflexão que privilegiava, sobretudo, as saídas internas; [acabando por] reforçar as linhas de harmonização em vista das retomadas de crescimento [e, por conseguinte, da dinâmica do capital]” (Oliveira, 1999, p. 62). As leituras marxistas, que apreendem a crise apenas com base em problemas na acumulação, argumentam que a crise ocorreria em virtude (i) das dificuldades de realização das mercadorias, associadas

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 53 ao subconsumo ou à superprodução, provocadas por desproporção intersetorial, ou pela queda nas taxas de lucro médias da economia, e (ii) da leitura textual e naturalizada da lei tendencial decrescente da taxa de lucro.23 Tais análises críticas partem quase sempre de uma lógica derivada do próprio capital. Os problemas na realização das mercadorias (superprodução ou subconsumo), como um dos processos originários da crise de acumulação, estariam associados a dois elementos, que não necessariamente estariam interligados, a saber: (1) a desproporção24 entre os setores produtivos; e (2) a queda nas taxas de lucros médias na economia. O primeiro elemento problemático à realização, a desproporção entre os vários ramos da produção, seria originário do caráter não planificado ou “anárquico” da produção capitalista. Quando algum ramo produtivo amplia a oferta de mercadorias acima do nível da demanda, ocorreria superprodução setorial. Tal ramo, por sua vez, restringiria suas compras de mercadorias dos outros setores, provocando uma superprodução também nestes últimos e assim sucessivamente, gerando uma crise geral de superprodução (Migliolli, 1986; Tugan-Baranowsky, apud Sweezy, 1976). A origem desse tipo de crise poderia ser eliminada pelo planejamento capitalista que funcionaria como uma saída “interna” à crise, o que permitiria a moderação dos conflitos em prol do crescimento econômico e, conseqüentemente, manteria a hegemonia do capital. Sweezy, no trecho abaixo, critica, de forma irônica, a idéia de Tugan e seus discípulos de que a crise seria provocada apenas pela desproporção: CAPITALISMO E DIMENSÕES CONSTITUTIVAS

[. . .] se as crises são realmente causadas apenas pelas desproporções no processo produtivo, então a ordem social existente parece estar a salvo, pelo menos até que as pessoas se tornem suficientemente bem educadas e moralmente evoluídas para desejarem uma ordem melhor. Enquanto isso, não só não há necessidade de um colapso no capitalismo, como muito se pode fazer [por meio do planejamento], mesmo sob o capitalismo, para eliminar as desproporções, causa de muito sofrimento (Sweezy, 1976, pp. 188-9). A queda na taxa de lucro média da economia, como outra leitura do problema crítico da acumulação, seria derivada do próprio movi-

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54  E D U A R D O C O S T A P I N T O & P A U L O B A L A N C O mento do capital, pois à medida que ocorresse um declínio da taxa média de lucro, proveniente principalmente do aumento da concorrência intercapitalista, consubstanciar-se-ia uma redução do investimento que acabaria por provocar redução nos níveis de emprego e salários, afetando a demanda por mercadorias e deflagrando a crise de superprodução. A visão de Robert Brenner sobre a crise dos anos 1970, em seu ensaio “A Crise Emergente do Capitalismo Mundial. . .” e no seu livro O Boom e a Bolha, o põe na perspectiva crítica de acumulação atrelada à queda na taxa de lucro média, muito embora rejeite o fundamento da lei marxista representado pelo crescimento da composição orgânica do capital. Para ele, a crise seria proveniente da queda secular da lucratividade, oriunda do excesso de capacidade e produção do setor manufatureiro mundial. Tal compressão dos lucros desse setor teria origem no acirramento da competição internacional, pois à medida que os produtores da Europa Ocidental e do Japão começam a suprir frações cada vez maiores do mercado mundial, com bens similares aos que já eram produzidos pelos EUA, surge redundância e excesso de capacidade e de produção. Para Brenner, o problema tendeu a se agravar com a crise monetária internacional e com o colapso da ordem de Bretton Woods, entre 1971 e 1973. Tanto o Japão quanto a Alemanha foram obrigados a enfrentar custos maiores em virtude das elevadas valorizações de suas moedas ante o dólar, e, por conseguinte, viram suas taxas de lucro reduzir-se, aprofundando ainda mais a contração dos lucros do setor manufatureiro internacional. À medida que se consubstanciava a redução das taxas de acumulação de capital, materializava-se a queda dos níveis de investimento e, conseqüentemente, do emprego. Isso provocou queda na demanda, o que, por sua vez, agravou o problema da realização, ampliando o problema do excesso de capacidade e de produção (Brenner, 1999 e 2003). Ainda na perspectiva de Brenner, a explicação da crise acaba por recair no problema de insuficiência da demanda atrelada à redução da taxa de lucro. O epicentro da crise seria conformado no plano da concorrência do setor manufatureiro, mormente nos países centrais; há, então, o deslocamento da luta de classe como o elemento principal do problema enfrentado pelo capital. Ao deslocá-la para posição secundária do movimento crítico, assumiu-se a concorrência intercapitalista como fator causal da crise, abrindo novamente possibilidades

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 55 de saídas “internas” a ela. Tais saídas podem ser representadas (i) por arranjos nacionais e internacionais de controle da concorrência capitalista que estimulem a demanda e (ii) por novos processos distributivos que levam à harmonização entre as classes; garantindo assim, elementos de sustentação do domínio do capital. Ainda numa perspectiva de crise de acumulação, algumas leituras marxistas utilizam a lei tendencial decrescente da taxa de lucro de forma textual e naturalizada, uma vez que a crise ocorreria em virtude da busca obsessiva dos capitalistas por mais-valia, tanto relativa quanto absoluta. Na busca pela valorização, o capital, no âmbito da concorrência intersetorial, é levado a reduzir ao máximo o uso da força de trabalho por meio do rebaixamento dos custos. Então, a tendência à queda da taxa de lucro seria originária da crescente exploração do trabalhador ante os ditames da concorrência intercapitalista. À medida que aumenta a extração de mais-valia (exploração) maior seria a resistência dos trabalhadores; em vista dessa maior resistência, ocorreria uma diminuição da mais-valia. De outro lado, essa situação amplia a possibilidade de utilização de novas tecnologias, que resultará na ampliação da mais-valia apenas à medida que haja diminuição da resistência dos trabalhadores. Atrelada a essa dinâmica há uma tendência ao aumento da relação entre as máquinas e a mão-de-obra direta (composição orgânica do capital) no processo produtivo. Isso, por sua vez, tenderia a provocar uma retração relativa da própria maisvalia, gerando assim uma crise. Em suma, a crise seria fruto de um crescimento mais elevado da composição orgânica do capital em relação ao crescimento da taxa de mais-valia (Sweezy, 1976). Geralmente, em tal análise da crise, a concorrência ganha precedência à resistência dos trabalhadores ao processo de exploração. Ao adotar tal primazia do elemento concorrencial, a crise, nessa perspectiva, torna-se auto-impulsionada pelos fatores econômicos. Isso conduz a um determinismo e a uma naturalização da lei tendencial decrescente da taxa de lucro. Essa visão abre também margens para formulações mecanicistas e positivistas extremadas de autodestruição do capital (teoria do colapso catastrófico) (Oliveira, 1999). Alguns marxistas, ao adotarem essa perspectiva de crise autogerada, esqueceram que Marx (1986) ao lado da formulação da lei tendencial decrescente da taxa de lucro também enumerou elementos “contrabalançadores” ou de contratendências — tais como o baCAPITALISMO E DIMENSÕES CONSTITUTIVAS

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56  E D U A R D O C O S T A P I N T O & P A U L O B A L A N C O rateamento dos elementos do capital constante, a elevação da intensidade da exploração, a compra da força de trabalho por preço abaixo do seu valor-de-troca, dentro outros — que podem manter reduzida a composição orgânica do capital ou elevar a taxa de mais-valia. As contratendências podem, portanto, impedir ou anular a queda da taxa de lucro. Assim, tal lei problemática ao capital assume caráter tendencial. Nenhuma lei em economia política pode deixar de ser tendencial, na medida em que é obtida isolando um certo número de elementos e deixando de lado, portanto, as forças contrapostas. Seguramente, será necessário distinguir um grau maior ou menor de tendencialidade e, enquanto geralmente o adjetivo “tendencial” subentende-se como óbvio, insistindo-se nele, pelo contrário, a tendencialidade converte-se em uma característica organicamente relevante (como neste caso, no qual a queda da taxa de lucro é apresentada como o aspecto contraditório de outra lei, a da produção de mais-valia relativa, na qual uma tende a suprimir a outra com a previsão de que a queda da taxa de lucro será predominante). [. . .] Quando se pode imaginar que a contradição chegará ao nó górdio, insolúvel normalmente, mas que exija a intervenção de uma espada de Alexandre? [. . .] Quando a contradição econômica transforma-se em contradição política e resolve-se politicamente [, por meio da luta de classe,] em uma inversão da práxis (Gramsci, 1977, p. 1.279, apud Braga, 2003, p. 216). Será, então, que o capitalismo se perpetuaria como sistema social, em virtude dos elementos de contratendência que proporcionariam saídas “internas” à crise? Gramsci, na passagem acima, responde a essa questão mostrando que a crise ao ganhar dimensão de totalidade (contradições econômicas e políticas) abre a possibilidade de saídas “externas” à sociabilidade construída pelo capital por meio da inversão de práxis. Em suma, a visão marxista de crise do capital, enquanto apenas uma crise de acumulação, associada aos problemas de realização (subconsumo e/ou superprodução) ou vinculada à leitura naturalizada e mecânica da lei de tendência decrescente da taxa de lucro, tende a

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 57 deslocar do eixo crítico da luta de classe, tornando-a uma variável externa, dependente e passiva à dinâmica do capital. Isso acaba descartando a necessidade de transformação social “para além do capital”. Ao adotar tal trajetória, essa leitura marxista se torna economicista à medida que privilegia o formalismo nas interpretações da crise em detrimento das análises das contradições. CAPITALISMO E DIMENSÕES CONSTITUTIVAS

Abdicar da luta de classe como fonte originária [da crise] abria caminhos para a busca de soluções orgânicas através do planejamento da repartição, da harmonia intersetorial com a interveniência do capital financeiro e da distribuição de rendas [. . .]. No fundo, o que se procurava deslocar como anacrônico era a idéia mesma de uma revolução como alternativa, em nome das reformas graduais. Não por acaso, estas paulatinamente ocupam esse espaço, quando a aposta intelectual se desloca para a possibilidade de eliminar a revolução pelo planejamento e pelos consensos possíveis, mesmo que ao custo da exclusão dos setores de base (Oliveira, 1999, pp. 62-3). Em outra direção, considerando-se agora a leitura do segundo grande grupo marxista, a crise somente ocorre quando existem elementos problemáticos à dominação do capital. Ou seja, uma crise de dominação, que deve ser tomada como categoria mais ampla do que a da crise de acumulação, uma vez que incorpora a luta de classes como principal elemento crítico, articulando-a aos fenômenos problemáticos à realização das mercadorias. Essa leitura assume caráter, ao mesmo tempo, objetivo e subjetivo, com interações dialéticas, já que a crise surge objetivamente no âmbito das relações de produção, associada à lei da tendência decrescente da taxa de lucro, ampliando-se para todo o conjunto das relações societais (culturais, políticas, éticas, intelectuais, ideológicas e morais), atingindo a dimensão de uma crise de dominação do capital. Cabe ressaltar que a crise de dominação pode atingir graus, formas e temporalidades diferenciadas em cada país em face da correlação de força entre as classes no nível nacional — haja vista o grau de desenvolvimento das forças produtivas, o nível de intercâmbio interno e as estruturas políticas de cada país — e, também, ao grau de hierarquização entre Estados nacionais mais fortes e mais fracos.

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58  E D U A R D O C O S T A P I N T O & P A U L O B A L A N C O Ao alcançar o patamar de crise de dominação, esta adquire caráter estrutural, isto é, de totalidade, à medida que desestabiliza, em certa medida, a hegemonia das classes dominantes, abrindo a possibilidade de rupturas sociais e, por conseguinte, de novas alternativas “societárias” fora do eixo do capital. Para Braga (2003, p. 215), apoiado em Gramsci, “a crise [de dominação], nesse sentido, aponta uma ruptura, por vezes violenta, dos vínculos que atavam as classes subalternas a todo um ambiente intelectual e moral [das classes dominantes]. Um verdadeiro movimento de erosão das bases do consentimento”. Na perspectiva marxista de crise de dominação, como uma crise do capital em sua totalidade, a luta de classe assume papel fulcral tanto no movimento da crise como em suas saídas “externas”, pois ela representa uma das principais restrições à acumulação e, também, pode funcionar como o elemento propulsor de novas trajetórias sociais. Segundo Oliveira (1999, p. 62), “fora o próprio Marx quem já alertara para o fato de que as maiores restrições impostas à continuidade do processo de acumulação são de natureza essencialmente política”, uma vez que depende “da correlação de forças que se expressa na luta marcada pela resistência dos trabalhadores à exploração”. Desse modo, a luta de classes está “na origem do processo crítico e, em perspectiva, é dela que vai depender o seu desfecho, não havendo, portanto, nada de natural ou mecânico no seu desenrolar”. Assim, a efetivação da crise de dominação do capital só pode ser apreendida a partir de uma dualidade, qual seja, ela se constitui quando os “de baixo” (classe trabalhadora) não quiserem mais subordinar-se à dinâmica do capital e os “de cima” (classe dominante) perdem certa capacidade e instrumentos para manterem-se como dominação/hegemonia. Com isso, materializa-se um ambiente de incerteza quando às trajetórias sociais. Os ciclos/momentos econômicos desfavoráveis que adquirem dimensão de crise de acumulação, vinculados à lei tendencial decrescente da taxa de lucro, são condições necessárias, mas não suficientes, para o surgimento de uma crise de dominação. Dito de outra maneira, para que ela exista faz-se necessário que os elementos econômicos objetivos, elevação do conflito distributivo entre lucro e salário, transbordem ao campo das contradições políticos da luta de classe. A possibilidade de um processo diacrônico, entre as dimensões críticas da economia e da política, está vinculada à dificuldade, pelo

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 59 capital, em determinados momentos históricos, em articular instrumentos de coerção e consentimento socioeconômicos25 que, ao mesmo tempo, eliminem os problemas na realização das mercadorias e reduzam a intensidade da luta de classe. Numa situação como esta a classe trabalhadora é mantida numa condição de “classe em si”, impedindo assim que se constitua numa “classe para si”. Quando o capital consegue engendrar tal articulação estaria por eliminar, pelo menos temporariamente, a crise em sua totalidade, quer dizer, tanto na dimensão da acumulação como da dominação. A construção do arranjo institucional do compromisso keynesiano/ fordista do pós-Segunda Guerra permitiu a eliminação da crise estrutural de 1929 em sua totalidade, já que criou um ambiente de harmonização da luta de classe e engendrou um novo modelo de acumulação assentado na demanda efetiva. Tal saída interna à crise do capital, de 1929, levou a um novo período de elevada taxa de acumulação capitalista. Em suma, a análise da crise do capital sob apenas uma das suas dimensões, a da acumulação, acaba por privilegiar, em certa medida, as resoluções dos problemas de realização. Ao adotar tal caminho subordinam o movimento da sociedade à dinâmica do capital e, em alguns momentos, acabam por viabilizar alternativas socioeconômicas para o próprio capital. Em outro campo, os que apreendem a crise do capital como um processo crítico de dominação tende a adotarem saídas “externas” à sociabilidade ditada pela lógica do capital ainda que estas, às vezes, não se evidenciem como uma possibilidade em determinados momentos históricos. CAPITALISMO E DIMENSÕES CONSTITUTIVAS

Os que se detiveram na crise como ruptura de um ciclo de dominação nem sempre estiveram colocados à construção dos arranjos institucionais e de outra natureza em vista da recomposição dos espaços do capital. Estiveram sim bem mais atentos aos caminhos da revolução como necessidades históricas ainda que esta, às vezes, não se evidenciasse como uma possibilidade (Oliveira, 1999, pp. 62-3). Após essa incursão nos eixos teóricos de apreensão da crise, faz-se necessário engendrar uma análise sobre o fenômeno crítico do capital iniciado no final da década de 1960 e suas dimensões atuais. Existe

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60  E D U A R D O C O S T A P I N T O & P A U L O B A L A N C O certo consenso, dentre as diversas correntes teóricas supracitadas, de que a década de 1970 foi marcada por um esgotamento do modelo de acumulação. Esse consenso deixa de existir no que se refere à duração dessa crise. Para muitos analistas críticos, a crise estaria presente até os dias atuais. Será que existe uma crise estrutural do capital no momento presente? Parte-se aqui do constructo de que não existe hoje uma crise estrutural do capital, como crise de dominação, mais sim o que existe é uma crise de acumulação, associada ao problema de realização das mercadorias que teve início na década de 1960 e perdura hodiernamente. A crise, atrelada ao esgotamento do padrão de acumulação dos anos dourados, foi ampliado-se e transbordou, no fim de 1960, ao âmbito político da luta de classes, particularmente nos países centrais do capitalismo. Nesse momento, a crise deixava de se configurar apenas como de acumulação para se materializar como de dominação, ganhado assim um caráter estrutural e de totalidade em vários espaços nacionais. Os representantes do capital nesses territórios, ao perceberem o momento de instabilidade de sua hegemonia, contra-atacaram engendrando transformações socioeconômicas de grande envergadura que acabaram por contornar a crise de dominação, por volta do início dos anos 1980, pela redução do poder da classe trabalhadora. Vale ressaltar que a cronologia histórica e as dimensões da crise assumem características bastante diferenciadas nos países periféricos, pois nestes a crise de acumulação, em certa medida, foi adiada pelas ditaduras militares, em virtude de instrumentos de achatamento dos salários que retardaram temporariamente, até finais dos anos 1970, à queda da lucratividade. Ademais, nessa região a crise de acumulação não se propagou para a dimensão de crise de dominação. As amplas transformações construídas conseguiram arrefecer a crise de dominação, mas não a crise em sua totalidade, uma vez que outros impedimentos à acumulação, atrelados sobretudo à concorrência capitalista inter e intra-setores, continuaram e continuam até os dias atuais. A continuidade da crise decorre da dificuldade de fixação de um novo padrão de acumulação que incorpore os diversos interesses organizados, em virtude das próprias transformações (regulação liberal e reestruturação produtiva) engendradas pelo capital para contornar a luta de classe. Vejamos, a seguir, de forma mais detalhada a dinâmica prática da crise.

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 61 Por volta do final dos anos de 1960, as contradições do padrão dos anos dourados vão sendo reforçadas à medida que (i) se elevava a contradição entre as classes, mediante a rearticulação dos movimentos operários diante da redução do “exército industrial de reserva”; (ii) se acirrava a concorrência inter e intra-setorial dos capitais, notadamente nos países centrais (EUA, Alemanha e Japão) pela busca de apropriação dos segmentos mais lucrativos, o que acabou gerando um excesso de produção e de capacidade; (iii) ocorreram aumentos nos preços das matérias-primas, associados à redução dos investimentos da indústria petrolífera e à maior pressão da Opep por reajustes de preços que estavam defasados em valores reais, provocando a elevação dos custos de produção (Claudin, 1977, apud Oliveira, 1999). Esses foram os três fatores determinantes da queda tendencial observada nas taxas de lucro, a partir da década de 1970, na origem da qual está o aumento da contradição de classes no âmbito da produção, particularmente entre o final da década de 1950 e início da década de 1980. Nesse período, os movimentos operários (classe trabalhadora) rearticularam-se em decorrência da redução do “exército industrial de reserva” provocada pelo crescimento econômico dos anos dourados. Em boa parte do planeta os movimentos trabalhistas realizaram uma ofensiva ao capital com características bastante peculiares. Dentre essas, destaca-se a construção de movimentos/greves de base operária autônoma e, por conseguinte, independentes, em certa medida, das instituições sindicais social-democratas que nessa altura ainda “representavam” os trabalhadores na arquitetura do compromisso keynesiano/fordista (consenso estabelecido entre a burocracia sindical e os patrões). Tais iniciativas dos trabalhadores foram denominadas, num primeiro momento, de greves “selvagens”, ficando depois conhecidas como movimentos autônomos. Não foram poucas as ocupações das empresas por trabalhadores buscando remodelar as relações tayloristas/fordistas26 de trabalho e sua respectiva disciplina empresarial. Boa parte do movimento grevista esteve em luta contra essa forma de organização da produção e sua rígida hierarquização (Bernardo, 2000; Antunes, 1999). A contradição entre as classes elevou-se, em maior ou menor grau, tanto na Europa, notadamente nos países industrializados centrais, quanto na América à época. Pelos idos de 1968, as ações dos movimentos trabalhistas de deslegitimação destes processos de traCAPITALISMO E DIMENSÕES CONSTITUTIVAS

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62  E D U A R D O C O S T A P I N T O & P A U L O B A L A N C O balho autoritários e avessos a formas democráticas de participação atingiram um dos seus pontos culminantes. Passou-se a questionar alguns pilares constitutivos do capital, tanto no âmbito da produção quanto, em certa medida, da superestrutura, particularmente os relacionados ao controle social. A ampliação da luta de classe e do poder do operariado, nos países capitalistas desenvolvidos, perturbou seriamente o funcionamento do sistema capitalista, constituindo-se no fator mais importante no desencadear da crise estrutural do capital. À medida que o conflito distributivo passava a uma dimensão de luta de classe, verificava-se o aumento da resistência dos trabalhadores à exploração que, por sua vez, provocava a queda da taxa de lucro. A crise transbordara ao âmbito das contradições políticas da luta de classe, ao longo da década de 1970, tanto no plano da fábrica, quanto além dela, em menor grau, por meio dos movimentos estudantis, dos grupos em luta por direitos humanos, da oposição à guerra do Vietnã e dos movimentos de contracultura. À época verificava-se certa contestação da ordem estabelecida, ou seja, o capital atravessava uma crise estrutural em sua totalidade equivalente a uma crise de dominação. Vale ressaltar que ela foi menos intensa do que as crises estruturais pretéritas, em função da influência social-democrata no interior dos movimentos proletários e da absorção, pelos trabalhadores, da cultura e da ideologia burguesa do american way of life. Além da intensificação da luta de classe, outros dois fatores provocaram a redução na taxa de lucro. O primeiro foi a elevação dos preços das matérias-primas, especialmente, como já mencionado, do petróleo. A Opep começou, a partir de 1971, a pressionar por reajustes no preço internacional do petróleo que estavam defasados. Os EUA aceitaram um reajuste de cerca de 50% no preço internacional do petróleo, entre 1971 e 1973, buscando manter relações estáveis com os países árabes e, em especial, para viabilizar a indústria petrolífera norte-americana cujos custos se haviam elevado. Em 1973, a guerra entre os países árabes e Israel foi o estopim de um elevado aumento dos preços do petróleo, que quase quadruplicou (Serrano, 2004). Desse modo, os custos das matérias-primas elevaram-se provocando uma compressão nos lucros. O segundo deles diz respeito ao acirramento da concorrência inter e intra-setorial, notadamente entre os capitais americanos, alemães e japoneses, a partir da segunda metade da década de 1960, uma

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 63 vez que os produtores da Europa Ocidental e do Japão começaram a suprir frações cada vez maiores do mercado mundial, até mesmo com bens similares aos que já eram produzidos pelos Estados Unidos. Tal situação acabou por reduzir ainda mais as taxas de lucro que se vinham comprimindo em virtude da elevação da luta de classes. Assim, havia-se tornado difícil repassar aos preços a elevação dos custos de produção, ante o excesso de produção. Com a intensificação da concorrência capitalista ocorreu a elevação do grau de atrito entre os Estados nacionais industrializados (EUA, Alemanha e Japão), gerando também a ruptura do arranjo institucional do sistema monetário de Bretton Woods construído nos anos dourados. Nesse contexto de desarranjo institucional cresciam os conflitos entre os Estados desenvolvidos ao longo dos anos 1970. A cooperação antagônica desestruturou-se. O acirramento das tensões no bloco capitalista esteve eminentemente vinculado à contestação da supremacia norte-americana no sistema-mundo capitalista pelos capitais japoneses e alemães. Muitos analistas, na década de 1970, dos mais diversos matizes, afirmaram que a supremacia dos EUA estaria chegando ao seu ocaso e que estaria por emergir um novo centro capitalista. Tais previsões não se confirmaram; ao contrário, o que se verificou foi uma forte retomada da supremacia dos Estados Unidos, notadamente no final dos anos de 1970 com a política Volcker do “dólar forte”. Mais recentemente, pós-dissolução do Pacto de Varsóvia e do fim da União Soviética, os Estados Unidos têm ampliado seu poderio econômico, político, militar e cultural, e, a partir de 1991, vem buscando consolidar um projeto de império. “Segundo Henry Kissinger, os Estados Unidos enfrentaram, em 1991, pela terceira vez na sua história, o desafio de redesenhar o mundo à sua imagem e semelhança [. . .]” (Fiori, 2004, p. 94). Em suma, a crise foi conseqüência de um conjunto de manifestações econômicas e políticas que caracterizaram um determinado período histórico, a saber: o aumento da contradição entre as classes, articulado ao aumento da concorrência intercapitalista entre países, a partir da década de 1960, e à elevação dos preços das matérias-primas. Tal processo crítico assumiu a dimensão de crise de dominação a partir da ampliação dos movimentos de contestação, em certa medida, da ordem capitalista estabelecida. Os representantes do capital, diante da crise estrutural (dimensão econômica e política), engenCAPITALISMO E DIMENSÕES CONSTITUTIVAS

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64  E D U A R D O C O S T A P I N T O & P A U L O B A L A N C O draram estratégias contra-ofensivas de caráter preservativo, em seus diversos espaços nacionais, em especial nos países desenvolvidos, pautadas principalmente na coerção e no controle sobre a classe operária, provocando intenso processo de desvalorização da força de trabalho, diferentemente da estratégia “harmonicista” (compromisso keynesiano/fordista) adotada como alternativa à crise de 1929. As estratégias de reação à crise, implementadas pelo capital, tanto no plano micro (reestruturação da produção) quanto no macro (modelo de regulação liberal), em associação com a dificuldade dos movimentos operários de construir um projeto hegemônico 27 contrário ao capital, acabaram por arrefecer a crise de dominação. Como resultado, houve arrefecimento da luta de classes decorrente, sobretudo, da desvalorização da força de trabalho e de sua contrapartida, o aumento do “exército industrial de reserva”, além do combate dos sindicatos. No entanto, não ocorreu a eliminação da crise em sua totalidade, permanecendo no plano econômico, uma vez que, por um lado, o processo de reestruturação produtiva, ao criar um maior contingente de desempregados, acabou por reduzir a demanda agregada e, por conseguinte, gerou problemas na realização das mercadorias. Por outro lado, a adoção do modelo de regulação liberal (neoliberalismo) dificultou, e continua dificultando, a consolidação de um novo padrão de acumulação que consiga incorporar os diversos interesses organizados, ainda mais com a assunção dos rentistas à posição central na disputa entre frações da classe dominante. A regulação neoliberal, na verdade, ampliou a concorrência capitalista intra e intersetores e abriu brechas para a assunção das finanças como importante motor da dinâmica capitalista, provocando profundas transformações na natureza dos ciclos econômicos, tornando-os cada vez mais curtos e instáveis, consubstanciando, assim, crises financeiras constantemente.

O enfrentamento da crise: reestruturação produtiva e globalização financeira como contra face do mesmo fenômeno A instabilidade socioeconômica fora a marca da década de 1970. O capitalismo mergulhara numa crise estrutural (de dominação) que significou um abalo nos mecanismos de controle social e de acumu-

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 65 lação. Em tal contexto crítico, o capital engendrou, nos mais diversos espaços nacionais, particularmente onde a crise estrutural assumiu maior intensidade, uma série de importantes transformações estruturais de grande envergadura, tanto no âmbito da produção quanto no plano superestrutural do Estado e da ideologia. O enfrentamento da crise estrutural processou-se a partir de duas dimensões que se articulam, quais sejam: (i) no plano da produção, pela reafirmação do capital diante das lutas de classes mediante a fragmentação da produção e, conseqüentemente, do trabalho, associado ao processo de centralização e concentração do capital. Isso foi viabilizado pela reestruturação da produção — que teve como balizadores a acumulação flexível e a adoção de novas formas de organização das empresas — e pelas mudanças institucionais no âmbito nacional e internacional; e (ii) no plano institucional, pela assunção do modelo de regulação neoliberal que trouxe subsídios ao processo de fragmentação da produção e ao processo de retomada da supremacia pelos Estados Unidos. Este modelo neoliberal centrou-se e centrase na liberalização dos fluxos comerciais e financeiros, na desregulamentação dos mercados de trabalho, no forte ataque à estrutura sindical, na diminuição dos gastos públicos sociais e na redução da intervenção estatal na economia (privatizações). Esta nova regulação institucional abriu espaço para a globalização financeira e, por conseguinte, para o favorecimento do rentista, particularmente nos EUA, elevando seus beneficiários a uma posição central na disputa entre as frações da classe dominante nacional e internacional pela apropriação da renda e da riqueza. CAPITALISMO E DIMENSÕES CONSTITUTIVAS

Reestruturação produtiva e reafirmação do capital: fragmentação do trabalho com centralização e concentração do capital No ambiente de acirramento da luta de classes (crise de dominação) da década de 1970 os movimentos autônomos trabalhistas demonstraram a capacidade relativa dos trabalhadores de controlar diretamente tanto os movimentos reivindicatórios quanto o funcionamento da empresa. No entanto, os instrumentos de autoorganização dos trabalhadores acabaram sendo transformados, pelos capitalistas, em meios para a própria reestruturação produtiva. A autoorganização do trabalho, agora sob a égide do capital, em associação

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66  E D U A R D O C O S T A P I N T O & P A U L O B A L A N C O com novas tecnologias eletrônicas e computacionais (microeletrônica), se convertera na base para a reorganização capitalista sob novas formas de gestão do trabalho, tais como o toyotismo, a produção “enxuta”, a qualidade total, entre outras formas similares de gestão do trabalho associados ao padrão da acumulação flexível. Tal processo teve por objetivo retomar o controle social — abalado pelo questionamento da hierarquia e controle da produção fordista pelos trabalhadores — abafando as lutas de classes e restabelecendo níveis elevados de lucratividade. A passagem abaixo, do livro Transnacionalização do Capital e Fragmentação dos Trabalhadores, de João Bernardo, expressa muito bem esse processo: Os capitalistas compreenderam então que, em vez de se limitarem a explorar a atividade muscular dos trabalhadores, privando-os de qualquer iniciativa e mantendo-os enclausurados nas compartimentações estritas do taylorismo/fordismo, podiam multiplicar o seu lucro explorando-lhes a imaginação, os dotes organizativos, a capacidade de cooperação, todas as virtualidades da inteligência. Foi com esse fim que se desenvolveram a tecnologia eletrônica e os computadores e que se remodelaram os sistemas de administração de empresas, implantando-se o toyotismo, a qualidade total e outras técnicas similares de gestão (Bernardo, 2000, p. 29). Além das novas formas de gestão/organização do trabalho, a reestruturação produtiva vinculou-se também às transformações da produção tanto no âmbito setorial quanto nas estruturas organizativas das empresas. Tais modificações consubstanciaram estratégias defensivas, diante da crise estrutural, voltadas ao aumento da concentração e da centralização do capital, em articulação com a descentralização das operações (fragmentação da produção). O processo de acumulação flexível, estruturado a partir de formas novas da gestão do trabalho, em associação com a introdução ampliada de novos padrões de automação informatizada (base microeletrônica) e da teleinformática, possibilitou o surgimento de novas formas de organização industrial, combinando a desconcentração espacial da produção tanto nacional como internacionalmen-

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 67 te. Também faz parte dessa combinação a estrutura mais “horizontalizada” da grande firma e a integração entre a grande empresa e as diversas unidades menores subcontratadas em redes hierarquizadas, processo este denominado de terceirização. Nesse contexto, as empresas, por um lado, dispõem, cada vez mais, de menor contingente de força de trabalho e, por outro, de maiores índices de produtividade (Chesnais, 1996; Antunes, 1999). Na verdade, estas mudanças de gestão da produção permitiram aumentar a extração de mais-valia, tanto relativa quanto absoluta. Esses novos elementos, relacionados tanto à gestão do trabalho quanto às novas formas de organização industrial (“empresa-rede”), possibilitaram às multinacionais (empresas e bancos) maior controle da expansão de seus ativos em escala internacional. Ao mesmo tempo, também serviram para reforçar a ampliação das operações dessas firmas ao âmbito mundial por meio do crescimento tanto das relações de terceirização entre firmas localizadas a milhares de quilômetros umas das outras quanto da “deslocalização” de tarefas rotineiras nas indústrias. Esta dinâmica, por um lado, levou a maior concentração e centralização do capital, uma vez que os investimentos internacionais cruzados e as fusões-aquisições entre as multinacionais, notadamente nos EUA, Japão e Alemanha, consubstanciaram uma elevada concentração da oferta mundial. De outro lado, possibilitou a fragmentação de processo de trabalho e as novas formas de “trabalho em domicílio” (Chesnais, 1996). A centralização do capital é uma característica histórica e necessária ao padrão de desenvolvimento capitalista. No entanto, em momentos de crise esse fenômeno tende a se intensificar em vista das estratégias defensivas dos representantes do capital. Verifica-se que tal tendência vem materializando-se a partir dos anos 1980, na medida em que se observa uma grande elevação de fusões e aquisições, ampliando a concentração e a centralização dos mais diversos ramos produtivos. As indústrias já oligopolistas em seus espaços nacionais ampliaram seu espaço de atuação internacionalmente. Para tanto, utilizaram os investimentos externos diretos (IED) como forma de integrar, tanto horizontal quanto verticalmente, as novas bases industriais nacionais separadas e distintas (op. cit., 1996). Desse modo, verifica-se hodiernamente que os setores produtivos estão articulados internacionalmente, ou seja, a partir de diversos CAPITALISMO E DIMENSÕES CONSTITUTIVAS

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68  E D U A R D O C O S T A P I N T O & P A U L O B A L A N C O espaços nacionais, diferentemente do que ocorreu nos anos dourados do capitalismo. Vale ressaltar que o processo atual de fragmentação da produção não significou perda de poder para os Estados centrais, já que o controle do processo produtivo continuou aí instalado. À proporção que avançava o processo de reestruturação produtiva o capital ficava, cada vez mais, à vontade para se impor diante do trabalho. Esse maior poder do capital não pode ser associado apenas ao plano da produção, mas também ao campo da institucionalidade, uma vez que a assunção da regulação neoliberal teve papel preponderante na viabilização da reorganização da produção ao combater os sindicados e ao instituir o processo de abertura dos fluxos financeiros e comerciais. De fato, a abertura significou um elemento de fundamental importância à promoção da integração entre as bases empresariais nos diversos países — quer seja por meio dos IED, quer seja por maiores facilidades às importações e às exportações intrafirmas — e, por outro lado, abriu o caminho às alternativas de lucros centradas em fundamentos financeiros. As mudanças da estrutura produtiva, articuladas à regulação neoliberal, como estratégia de reorganização da dinâmica capitalista, acabaram por restabelecer a maior dominação do capital diante do trabalho quando a fragmentação dos processos de trabalho provocou intensa desvalorização da força de trabalho, notadamente em virtude da reconstrução do “exército industrial de reserva”. Tal dinâmica deletéria foi estruturada a partir de(a) (i) uma enorme desregulamentação dos direitos do trabalho; (ii) grande “precarização” e terceirização da força de trabalho, num cenário de aparecimento de desigualdades salariais; (iii) destruição dos sindicatos classistas. A reconstrução do exército de reserva de trabalhadores, associado à pujança da ideologia neoliberal — centrada no individualismo e na liberdade burguesa — desarticulou as formas clássicas de solidariedade. Isso, por sua vez, provocou fraturas nos vínculos classistas entre os trabalhadores, implicando a “precarização” das ações coletivas e um engajamento personalista e “egoísta”. Por outro lado, as medidas voltadas à desvalorização da força de trabalho geraram efeitos colaterais à acumulação produtiva, já que tais medidas provocaram redução na massa de salários e, conseqüentemente, consubstanciaram redução da demanda agregada, tanto pelo lado do consumo das famílias como dos investimentos, gerando as-

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 69 sim, problemas na realização das mercadorias. Tal dificuldade em realizar a produção criou limites à acumulação produtiva. Para compensar essa limitação, os representantes do capital buscaram alternativas nas finanças. Deslocando-se da produção, os capitalistas passaram a privilegiar o universo do capital-dinheiro em um grau de autonomia muitas vezes superior ao que se manifesta quando o capital portador de juros atua somente como apêndice da esfera produtiva. Em suma, o processo de reestruturação produtiva (centralização e concentração do capital e fragmentação do trabalho), vinculado à implantação da regulação estatal neoliberal, consolidada nos anos finais da década de 1970, notadamente nos países centrais do capitalismo, arrefeceu a luta de classes. O capital retomara o controle social. Entrementes, os mecanismos utilizados para tal “feito”, provocaram restrições à acumulação no âmbito da produção, o que levou a adoção, por parte dos capitalistas, de alternativas de acumulação pautadas nas finanças. CAPITALISMO E DIMENSÕES CONSTITUTIVAS

Globalização financeira: o papel dos Estados Unidos na ampliação da acumulação financeira Desde o início da década de 1970, em meio a um cenário marcado pela crise estrutural, as taxas de acumulação produtiva do capital nos países avançados começaram a apresentar trajetórias de desaceleração. Nem mesmo as estratégias, no âmbito da produção, voltadas ao aumento da produtividade, propiciaram a retomada da acumulação aos níveis pretéritos. Nesse contexto de aumento das barreiras à valorização do valor originadas do aumento do conflito entre capital e trabalho, configura-se um excesso de capacidade e de produção no setor manufatureiro, em decorrência da maior confrontação intercapital. Os preços do setor manufatureiro mundial não foram capazes de se elevar na mesma proporção dos custos diretos de produção. Essa dinâmica acabou gerando, ao longo da década de 1970, a desaceleração das taxas de crescimento do produto, da produtividade e dos lucros nas economias capitalistas.28 Diante de um quadro crítico estrutural, que se revelou reticente no que se refere à recuperação das taxas de lucros do setor produtivo e no que tange à expansão econômica e geopolítica dos EUA, importantes transformações estruturais foram introduzidas com o objetivo de

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70  E D U A R D O C O S T A P I N T O & P A U L O B A L A N C O recolocar o capital norte-americano no centro da economia-mundo. O processo de retomada da supremacia norte-americana foi consubstanciado, por um lado, pelo processo de globalização financeira e, por outro, pela “diplomacia das armas”, atrelada ao aumento da corrida armamentista e ao programa “guerra nas estrelas” (Tavares, 1997). As amplas transformações introduzidas no plano da produção, conforme já descrito, não foram capazes de alavancar a retomada da acumulação produtiva aos níveis dos anos dourados. Nesse contexto, a superestrutura financeira envereda por uma trajetória de descolamento atrofiado relativamente à esfera produtiva, destacando-se as alternativas de realização do lucro financeiro, primeiro na forma de capitais de empréstimos e, depois, como capitais voláteis especulativos, configurando-se a partir desse momento uma dinâmica de acumulação predominantemente financeira (Balanco & Pinto, 2004). A nova superestrutura financeira levantada depois dos anos 1970 viabilizou a chamada “financeirização”, quer dizer, a diminuição acentuada das restrições com as quais as empresas se deparavam para obterem um diferencial de rentabilidade positiva quando aplicam seus capitais em investimentos financeiros em vez de em investimentos produtivos (Salama, 2000). Vejamos agora de forma detalhada como a assunção do padrão de acumulação predominantemente financeiro esteve associada à crise estrutural da década de 1970 e às estratégias de suas saídas, voltadas à retomada do controle social e à recuperação da acumulação. A economia norte-americana, ao final dos anos 1960, enfrentava déficits astronômicos e persistentes no balanço de pagamentos, em virtude dos investimentos externos crescentes, associados ao Plano Marshall e aos gastos militares no exterior com a Guerra do Vietnã. Esses dois elementos, e mais a ingente elevação da quantidade de petrodólares no mercado financeiro europeu, produziram forte aumento na liquidez do dólar nos mercados internacionais, provocando a “crise do dólar” na década de 1970. Na verdade, desde o início dos anos 1960, o padrão cambial do dólar-ouro, firmado em Bretton Woods, começava dar sinais de precariedade. Segundo Eichengreen (2000, p. 160), em 1960, “pela primeira vez o passivo monetário dos Estados Unidos no exterior ultrapassou as reservas norte-americanas de ouro” e, em 1963, “o passivo norte-americano junto a autoridades monetárias externas” também ultrapassou suas reservas em ouro. A

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 71 paridade estabelecida entre o ouro e dólar estabelecida em Bretton Woods estava sob suspeita. Desde 1947, o economista Robert Triffin já vinha alertando para a instabilidade dinâmica do sistema de Bretton Woods à medida que aumentava, nos Estados Unidos, a geração de reservas mediante a acumulação de passivos oficiais no exterior sobre cada vez menos ouro. Isso causava uma instabilidade no padrão dólar-ouro, conhecida como “dilema de Triffin”, já que CAPITALISMO E DIMENSÕES CONSTITUTIVAS

[. . .] acumular reservas em dólares era algo atraente apenas na medida em que não houvesse dúvidas sobre sua conversibilidade em ouro. Mas, depois que os saldos em dólares do exterior cresceram muito em relação às reservas norte-americanas de ouro, a credibilidade desse compromisso poderia ser colocada em dúvida. [. . .] Se alguns credores estrangeiros procurassem converter suas reservas, as decisões destes poderiam produzir o mesmo efeito de uma fila de correntistas às portas de um banco. Outros entrariam na fila por temer que elas fossem fechadas (Eichengreen, 2000, p. 160). O crescimento do comércio e da renda nos principais países europeus, que passaram à condição de superavitários, a conversibilidade das contas correntes e a gradativa redução das restrições à mobilidade de capitais levaram a uma encruzilhada, a saber, as políticas econômicas nos Estados Unidos deveriam preservar a paridade dólarouro ou garantir as medidas internas expansionistas. Diante de tal tensão, os EUA não hesitaram em eleger os interesses domésticos como prioridade (Cunha, 2003; Eichengreen, 2000). Em face disso, tornou-se inevitável a ruína do sistema monetário de Bretton Woods, de relativa rigidez das taxas de câmbio e de taxas de juros fixadas em patamares reduzidos. Tal resultado possibilitou ao governo norte-americano praticar políticas monetárias expansionistas e keynesianas de déficits orçamentários “visando, de uma só vez, estimular o crescimento doméstico, desvalorizar o dólar para ajudar na competitividade do setor manufatureiro e depreciar as reservas de dólares mantidas no exterior por governos e indivíduos estrangeiros” (Brenner, 2003, p. 69). O financiamento dos déficits, tanto orçamentários quanto no balanço de pagamentos, do governo norte-americano, foram realiza-

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72  E D U A R D O C O S T A P I N T O & P A U L O B A L A N C O dos mediante o aumento da dívida pública. Para tanto, foi de fundamental importância o crescimento da mobilidade de capital com o intuito de captar capitais forâneos e repatriar parte do capital dos Estados Unidos que se havia deslocado para a Europa. O aumento da dívida pública norte-americana, nesse primeiro momento, facilitou os planos “produtivistas” de retomada do crescimento da economia e, ao mesmo tempo, fortaleceu os interesses financeiros domésticos dos principais bancos do país. As economias avançadas, sobretudo a dos Estados Unidos, em meados da década de 1970, recorreram uma vez mais, agora excepcionalmente, aos déficits keynesianos, em larga escala, que geraram intenso crescimento da dívida pública, possibilitando a superação pelo menos temporária da crise do petróleo por meio do subsídio à demanda. Contudo, o remédio keynesiano não limpou o caminho para novas expansões, pois perpetuou o excesso de capacidade de produção combinada com elevação de preços, gerando estagflação. Nesse contexto crítico de “crise do dólar”, o presidente Carter decidiu adotar uma mudança de sinal na sua política interna e externa mediante medidas monetaristas voltadas ao aperto da base monetária e aos ajustes do “lado da oferta”. A valorização do dólar, em 1979, implementada de forma unilateral pelo governo dos EUA, a denominada política Volcker, teve como objetivo estratégico enquadrar os países sócios e os principais competidores econômicos do mundo capitalista. Tal política foi centrada na elevação das taxas de juros dos Estados Unidos que propiciou um direcionamento dos fluxos de capitais da Europa, Japão e, especialmente dos países subdesenvolvidos, no sentido dos Estados Unidos, já que outrora este era o principal exportador de capitais. Esta ação permitiu o equilíbrio da balança de pagamentos, posto que o fluxo de capital oriundo do exterior mostrou-se suficiente para cobrir os déficits crescentes. Por essa razão, a valorização do dólar em 1979, como um típico ato de força, acabou por repercutir sobre os mais diversos espaços nacionais, atingindo diferentes instâncias de regulação regional. A política Volcker, por exemplo, praticamente decretou o default da maioria dos países latino-americanos na década de 1980. O (des)arranjo institucional entre Estados — provocado pelo fim do sistema financeiro internacional “regulado”, em 1973, e pela política do dólar forte adotada, em 1979 — acabou abrindo espaço para

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 73 o reflorescimento da fração da classe dominante do sistema capitalista, os rentistas, que fora mantida sob controle relativo durante o padrão de acumulação dos anos dourados. Isto porque o novo ambiente estabelecido para a recuperação do controle social e da acumulação, muito embora se apresentasse eficiente de per si, ao mesmo tempo abrira caminho inapelavelmente para a prevalência da acumulação em seu caráter financeiro, o que passou a limitar a acumulação mediante a reativação do capital produtivo. Características inéditas relevantes foram consolidadas como elementos dessa nova arquitetura financeira. A primeira delas, relacionada à tomada de decisão dos proprietários do capital e dos consumidores de alta renda, corresponde ao fenômeno denominado por Chesnais de “efeito mercado acionário”: este tem dois componentes, a saber, um “efeito-renda”, que financia o consumo com base em dividendos e juros, e um efeito “posse de patrimônio”, que patrocina despesas apoiadas em antecipações de ganhos financeiros futuros (Chesnais, 2001). Nesta nova fase do capitalismo a liquidez absoluta adquire status de meta exclusiva dos investidores, assegurando, por isso, um comportamento distintivo relativamente ao mercado financeiro tradicional. Se no passado o interesse primordial era o recebimento de dividendos, no presente se busca a liquidez a mais ampla possível. Este propósito é viabilizado por intermédio da apropriação de excedentes bursáteis mediante alternativas amplas de escolhas das aplicações, as quais podem ser encaminhadas instantaneamente para os mais diferentes espaços intra e internacionais. É por essa razão que as finanças exigem mercados financeiros amplos, nos quais as transações ocorram livremente em busca de revalorização de títulos e recomposição de portafólios. Por combinar originalmente mercados facilitadores da especulação e das “retiradas” estratégicas pode ser considerada como uma “estrutura ideal” (op. cit., 2001). A segunda característica, por outro lado, diz respeito ao papel do endividamento, o qual, visando à recuperação da lucratividade do capital financeiro, se estende para a esfera das relações entre as nações. A nova arquitetura das finanças internacionais, correspondendo a esta lógica, estrutura uma nova face da chamada “exportação de capitais”. Por conta da adoção dos procedimentos “desregulatórios” de estirpe neoliberal o movimento dos excedentes de capitais, cujos CAPITALISMO E DIMENSÕES CONSTITUTIVAS

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74  E D U A R D O C O S T A P I N T O & P A U L O B A L A N C O proprietários optam por não transformá-los em investimentos produtivos, torna-se muito mais fácil. Parcela significativa da chamada liquidez financeira do mercado internacional flui sem obstáculos entre os países centrais e os países atrasados, sobretudo na forma de aplicações especulativas. Neste ambiente a continuidade do pagamento do serviço da dívida e, ao mesmo tempo, a remuneração generosa do capital estrangeiro especulativo, deixam os países periféricos numa posição funcional ímpar no escopo da reprodução da crise econômica. Esta funcionalidade os obriga a implementarem políticas de ajuste macroeconômico de forte contensão ao nível interno de atividade. Paralelamente, o crescimento do endividamento interno, mediante a oferta de títulos públicos a juros generosos ao capital financeiro, se transformou em uma componente cotidiana deste processo. Com o avanço da acumulação financeira, verificou-se desaceleração do nível de atividade da economia mundial, também nos países capitalistas avançados, como Japão e União Européia, que enfrentaram taxas de crescimento reduzidas durante as décadas de 1980 e 1990. A exceção fica com os EUA, particularmente na segunda metade dos anos 1990, em razão de seus ganhos de corretagem sobre o capital financeiro nacional e internacional e das políticas keynesianas parciais configuradas em gastos bélicos. O baixo crescimento da economia mundial, a partir dos anos 1970 até os dias atuais, revela que a predominância das finanças na dinâmica da acumulação vem consubstanciando profundas transformações na natureza dos ciclos econômicos, tornando-os cada vez mais curtos e instáveis e, por conseguinte, gerando constantemente crises econômicas em vários países. Ao mesmo tempo, praticando a arbitragem, estes capitais especulativos não estabelecem prazos nem critérios definidos para sair dos mercados nacionais. E quando o fazem, em função de melhores oportunidades em outras regiões do planeta, ou em decorrência da deterioração das contas externas dos países onde se encontram, são armados ataques especulativos que os põem diante de crises econômico-financeiras agudas. Esta realidade é enfrentada não apenas pelos países latino-americanos, mas também outros países ditos emergentes, como é o caso dos novos países industrializados do Sudeste Asiático. Finalmente, seria conveniente mencionar o novo papel das instituições “supranacionais” dentro dessa estrutura. Após a crise da

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 75 macroestrutura definida pelos acordos de Breton Woods, estes organismos, entre os quais se destacam o FMI, o Banco Mundial e a OMC (ex-Gatt), são chamados para concretizar novas formas de integração dos espaços nacionais à dinâmica do capital. Isto acaba facilitando o processo acelerado de centralização acima observado, cujo rebatimento mais importante é a ampliação do poder econômico e político num espaço restrito, qual seja, o Estado norte-americano. Estas agências, na verdade, colaboram para a cristalização de uma nova configuração interestatal com a elevação da hierarquização entre países, a qual apresenta o Leviatã estatal americano desfrutando de uma ascendência inaudita sobre os demais estados nacionais. CAPITALISMO E DIMENSÕES CONSTITUTIVAS

A guisa de conclusão Procurou-se ao longo deste capítulo, mediante uma trajetória analítica centrada no arcabouço teórico marxista, mostrar que os elementos constitutivos do capitalismo contemporâneo, assentados na reestruturação produtiva e na globalização financeira, em articulação com a (des)regulação neoliberal — como estratégias de saídas “internas” à crise estrutural do capital dos anos 1970 —, propiciaram a retomada do controle social do capital, em virtude do processo de fragmentação da classe trabalhadora e da desvalorização da força de trabalho. Entretanto, tais modificações criaram impedimentos à acumulação produtiva, já que reduziram a demanda agregada, tanto pelo lado do consumo dos trabalhadores como pelo dos investimentos. A situação problemática à dinâmica da acumulação capitalista foi contornada mediante a ampliação da acumulação centrada nas finanças. O padrão de acumulação predominantemente financeiro é posto em prática num contexto de “convivência” com os problemas de realização das mercadorias e, principalmente, com o aprofundamento do quadro social desigual entre os países. Uma vez que tal padrão provocou transformações na natureza dos ciclos econômicos, tornando-os cada vez mais curtos e erráticos, gerando assim crises econômicas recorrentes, particularmente nos países periféricos. Neste contexto, os países periféricos, em especial os latino-americanos, foram, um a um, integrando-se passivamente à dinâmica financeira, por meio dos programas de ajustes neoliberais, que abriram espaço para os movimentos de capitais especulativos e voláteis na região.

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76  E D U A R D O C O S T A P I N T O & P A U L O B A L A N C O Dada a configuração do capitalismo atual, não existem elementos suficientes que ensejem fortes potenciais de agravamento ou explosão (crise de dominação), pois a luta de classe, principal alternativa de saídas “externas” ao capital, foi arrefecida ao longo dos anos 1980 e 1990. Contudo, existe uma crise no plano econômico, atrelada aos problemas na acumulação produtiva, que poderia, em algum momento, alcançar um estágio crítico de dimensões políticas (intensificação da luta de classe). Essa não seria uma projeção factível no curto-prazo, em virtude da grande penetração da ideologia burguesa neoliberal no imaginário dos trabalhadores e dos movimentos operário. Na verdade, a saída “interna” à crise econômica — um novo arranjo institucional que articule os mais diversos interesses socioeconômicos em prol da manutenção da lógica do capital — delineiase muito mais nitidamente, no momento histórico atual, do que a alternativa de saída “externa” ao capital. Notas 1 “A essência do New Deal era a idéia de que os grandes governos deveriam gastar com liberdade para conquistar a segurança e o progresso. Assim, a segurança do após-guerra exigiria certa liberdade de desembolsos por parte dos Estados Unidos, a fim de superar o caos criado pela guerra. [. . .] A ajuda aos [. . .] países pobres teria o mesmo efeito dos programas de bem-estar social dentro dos Estados Unidos — dar-lhes-ia segurança para superar o caos e impediria que eles se transformassem em revolucionários violentos” (Schurmann, 1974, p. 67, apud Arrighi, 1996, p. 285). 2 O programa de recuperação americana (New Deal) não conseguiu retomar inicialmente (1933-1938) os investimentos privados no montante esperado, em virtude das baixas expectativas de expansão dos mercados, configurando-se em um fracasso parcial num primeiro momento. Na verdade, a retomada da acumulação nos Estados Unidos teve forte vinculação à economia de guerra e ao processo de reconstrução da Europa no pós-guerra (Mandel, 1985). Apesar de certo fracasso inicial, as diretrizes do New Deal de maior intervenção e regulação estatal sobre os mercados, além de uma nova forma de controle social, tornaram-se o eixo da acumulação capitalista entre o pós-Segunda Guerra e a crise da década de 1970. 3 Entre 1950 e 1970, a taxa de lucro líquido do setor manufatureiro, em média anual, foi de 24,3% nos EUA, de 23,1% na Alemanha e de 40,4% no Japão (Brenner, 2003). 4 A grande empresa teve, ao longo de quase todo o século XX, o binômio taylorista/fordista como a expressão dominante da gestão da produção e seus respectivos processo de trabalho. Tal arranjo da produ-

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ção estava baseado na produção em massa de mercadorias mais homogeneizadas e na estrutura organizacional “verticalizada” (Antunes, 1999). 5 Verificou-se um crescimento relevante do estoque de capital (economia das empresas privadas), entre 1960 e 1969, de 3,9% nos Estados Unidos (estoque líquido), de 11,3% no Japão (estoque bruto), de 6,6% na Alemanha (estoque bruto), e de 4,8% no G-7 (estoque bruto) (Brenner, 2003, p. 93). 6 Entre 1950 e 1973, a economia mundial cresceu 4,9%, em média anual, recorde histórico. Tal crescimento foi puxado pela França e Alemanha, na Europa, que cresceram 5,0% e 6,0%, respectivamente; pelo Japão, na Ásia, que cresceu 9,2%; e pelo Brasil, na América Latina, que cresceu 6,8% (Gonçalves, 2002, p. 108). 7 As taxas de produtividade da mão-de-obra dos países centrais (PIB/trabalhador) alcançaram seus maiores crescimentos entre 1960 e 1969. Nesse período ocorreu alto crescimento nos Estados Unidos, no Japão, na Alemanha, na União Européia e no G-7 de 2,5%, 8,6%, 4,3%, 5,2% e 4,8%, respectivamente (Brenner, 2003, p. 93). 8 Os salários reais, entre 1960 e 1973, elevaram-se fortemente nos países centrais. Nos EUA, Japão, Alemanha e União Européia ocorreram crescimentos dos salários de 2,8% (por hora), 7,7% (por pessoa), 5,4% (por pessoa) e 5,6% (por pessoa), respectivamente (Brenner, 2003, p. 90). 9 Na década de 1960, as taxas de desemprego alcançaram os menores índices do século XX. 10 As baixas taxas de inflação dos anos dourados podem ser consideradas, em certa medida, surpreendentes num contexto de altas taxas do produto e do emprego. Na verdade, a estabilidade de preços teve como fatores relevantes o regime de cambio quase fixo de Bretton Woods e o controle, pelos norte-americanos, do petróleo do Oriente Médio. Isso, por sua vez, garantia a estabilidades dos preços das commodities negociadas internacionalmente, incluído o petróleo (Serrano, 2004). 11 A leitura keynesiana, como apresentada neste trabalho — a mesma defendida por Oliveira (2004) —, não se reduz apenas ao plano econômico: adoção, pelo Estado, de políticas ativas de criação de demanda agregada e de instrumentos passivos (regulação) de natureza monetária buscando a simples reativação do controle do ciclo; mas também ao plano cultural, uma vez que o Estado disseminou a cultura burguesa do consumo e eficiência mediante o consumo de massa (Oliveira, 2004). 12 O acesso aos bens e serviços representaria a felicidade individual e para tanto os envolvidos na produção deveriam comprometer-se com a eficiência. 13 A regulação do sistema financeiro americano pós-crise de 1929 esteve assentado na Glass-Steagall Act (1933) e pelo Securities Exchange Act (1934) e estruturou-se “em três princípios: a) proteção estatal que incluiu o sistema de seguro dos depósitos e mecanismos de supervisão; b) restrição à competição exacerbada entre instituições financeiras; c) intenção de dar transparência na gestão dos negócios” (Braga & Cintra, 2004,

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p. 257). Tais medidas tinham como objetivo regular a interação creditícia e especulativa interorganizações financeiras e entre bancos e indústria. 14 Vale ressaltar que essas concessões visavam contornar a ofensiva operária sem, no entanto, atingir a legitimidade do domínio do capital. 15 A “concertação” do “pacto social”, que perpassava pelo consenso negociado e pela harmonização das relações sociais entre capital e trabalho sob orientação social-democrata, assentou-se numa nova aliança de classe que concedia aos trabalhadores certas benesses em troca do fim das lutas mais radicais orientadas ao débâcle do sistema capitalista. A classe capitalista só aceitou fazer certas concessões em virtude do aumento, no primeiro quartel do século XX, das constantes insurgências, greves e revoluções da classe trabalhadora contra a ordem vigente nos países europeus industrializados e do “perigo” comunista que rondava o ocidente (Oliveira, 2004). 16 Em momento de possíveis rupturas sistêmicas as frações das classes dominantes deixam de lado, pelo menos temporariamente, os seus conflitos, associados à apropriação e à repartição da riqueza, em prol de instrumentos de manutenção da hegemonia do capital. 17 Para Marx a crise real só pode ser explicada pelo movimento real e dialético da produção, materializado na contradição entre capital e trabalho, e do conflito intercapitalista configurado a partir da concorrência e do crédito capitalista. 18 O neoliberalismo nasceu na Europa, logo após a Segunda Guerra Mundial, e teve como texto seminal o livro O Caminho da Servidão de Friedrich Hayek. A Sociedade de Mont Pellerin foi o eixo de resistência dos pensadores neoliberais os anos dourados do capitalismo, uma vez que tais ideólogos se reuniam de dois em dois anos, com o intuito de reforçar o combate ao keynesianismo e ao solidarismo, buscando preparar as bases para um capitalismo sem regulação estatal. 19 A concepção neo-schumpteriana — que tem como principais representantes Fremann, Dossi, Winter e Carlota Perez — está pautada na obra de Schumpeter, que interpreta o ciclo econômico a partir da inovação e da difusão, a qual apresenta a seguinte dinâmica: em um determinado momento “inicial” todos os empresários estariam obtendo “lucro normal” (reprodução simples), essa situação só seria modificada se um deles, mediante seu “instinto inovador”, implementasse determinada inovação. Desse modo, ele conseguiria obter lucros acima do normal; tal atitude seria imitada pelos demais empresários, desencadeando uma onda de difusão por imitação (fase de ascendência do ciclo) e, por conseguinte, ocorreria a expansão do investimento, incentivada por rendas temporárias de monopólio obtidas pelo empresário inovador. Quando a difusão da inovação chegasse ao máximo, o lucro do setor tende a retornar a zero. Isso ocorria por causa da sobrecapacidade engendrada pelo grande número de imitadores, caracterizando a fase de declínio do ciclo econômico (Schumpeter, 1984). 20 A bioeletrônica é objeto de crescente interesse no desenvolvimento de novas tecnologias, com a fabricação de “biochips”, mediante

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a utilização de células com capacidade de memória cem mil vezes maior que os chips atuais e maior velocidade de operação. 21 O modo de regulação inclui, entre outras coisas, as formas de determinação dos salários diretos e indiretos, de concorrência e de coordenação interempresas e da gestão da moeda. 22 O regime de acumulação fordista foi estruturado com base em acordos salariais coletivos, que viabilizaram a demanda efetiva para produtos padronizados, e de um novo sistema de proteção social, que tinha como objetivo manter o status de consumidor aos trabalhadores desempregados. 23 Alguns eixos marxistas ao adotarem uma visão naturalizada e mecânica da lei tendencial decrescente da taxa de lucro foram levados a assumir a idéia de autodestruição do capital, ou seja, a teoria do colapso catastrófico. Kautsky, por exemplo, escreveu, em 1891, que as “forças econômicas irresistíveis levam, com a certeza do destino, a produção capitalista ao naufrágio. A substituição da ordem social existente por uma nova já não é simplesmente desejável — tornou-se inevitável” (Kautsky, 1910, apud Sweezy, 1976, p. 220). Ao adotarem tal visão incorreram fortemente numa perspectiva positivista e determinista, deixando de lado o método materialista histórico e dialético que é a essência da perspectiva de Marx. 24 Tugan-Baranowsky foi um dos primeiros a utilizar os esquemas de reprodução expostos por Marx para provar que a crise seria provocada pela desproporcionalidade setorial. No entanto, Tugan pode ser considerado um “revisionista” de Marx, pois ele se utilizou de tal instrumental para rejeitar as explicações de Marx para a crise (Sweezy, 1976). 25 Tais instrumentos ideológicos, culturais, intelectuais, morais e éticos, no âmbito da superestrutura, e de controle do trabalho, no nível estrutural, viabilizam a integração passiva do trabalho à dinâmica do capital. A implementação desses é propugnada pelo Estado, pelos meios de “comunicação de massa”, pela “indústria cultural” e por novas formas de organização da produção e de controle do trabalho. 26 Segundo Antunes (1999, p. 37), esse processo produtivo caracteriza-se “pela mescla da produção em série fordista com o cronômetro taylorista, além da vigência de uma separação nítida entre elaboração e execução. Para o capital, tratava-se de apropriar-se do savoir-faire do trabalho, “suprindo” a dimensão intelectual do trabalho operário, que era transferida para as esferas da gerência científica”. 27 Os movimento operários tiveram problemas para construir um projeto societal hegemônico contrário, dada a dificuldade de reduzir a influência do sindicalismo social-democrata no interior do proletariado e a dificuldade de transbordar, com maior intensidade, a luta contra o controle e a hierarquia da produção fordista/taylorista para a luta contra o capital (Antunes, 1999). 28 Brenner (2003) apresenta, de forma detalhada, os índices de desaceleração da atividade econômica na década de 1970.

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CAPÍTULO 2 ANTI-REFORMISMO, ESTABILIDADE E DESARTICULAÇÃO SOCIAL: ESPECTROS DE UM REPUBLICANISMO OLIGÁRQUICO NELSON

DE

OLIVEIRA

A

S D I V E R S A S T E N TAT I VA S de pôr na agenda política nacional a

necessidade de debelar o latifundismo histórico, tal como herdado do antigo sistema colonial das sesmarias, foram quase sempre vetadas ou impedidas por forças e alianças fortemente conservadoras que, além de permanentemente se recusarem a aceitar qualquer aceno a reformas em geral como uma necessidade verdadeira, desde muito cedo trataram de embutir a reforma agrária mais especificamente no rol das propostas tidas como não apenas irrealistas, mas, até ironicamente, insensatas. O veto e a insistência na recusa foram a contrapartida mais evidente da defesa incondicional que passa a ser efetuada da grande propriedade, convertida mediante hábil contravenção ideológica, de fonte problemática em fator de equilíbrio social e garantia de frágil e permanentemente ameaçada unidade nacional. E, ao mesmo tempo, numa das mais importantes justificativas apresentadas por esse leque de forças, unindo as maiores expressões do latifundismo e dos negócios comerciais, para as sucessivas manobras de descaracterização das lutas sociais que passam a assolar o País desde os seus primórdios constitutivos. Por meio dessas manobras, não apenas a grande propriedade teria conseguido permanecer praticamente ilesa, mas resistido ferrenhamente às pressões contra a sua sobrevivência — da Colônia à Independência, ou da Monarquia à República —, terminando por se consolidar como uma das mais importantes retaguardas dos diferentes regimes sociopolíticos desde então implantados, independente de qual tenha 80

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 81 sido o seu formato institucional. Nem sempre atuando de forma coesa, mas muito bem concatenadas, além de importante barreira ideológica contra qualquer idéia de reforma no País, representações mais significativas desse conservadorismo terminam por se caracterizar como um dos mais influentes pólos de resistência anti-reformista do País, e baluartes na luta contra quaisquer mudanças nas estruturas de dominação social que tendam a afetar direta ou indiretamente seu poder e influência nos mecanismos decisórios, da Independência até os dias atuais. Neste capítulo, pretende-se efetuar uma interpretação crítica desse anti-reformismo arraigado, que permeia não apenas práticas e iniciativas políticas dos grandes proprietários de terra, mas que gradualmente tende a se tornar consensual entre os mais distintos setores de uma burguesia emergente, e que aos poucos vai transformando-se numa ideologia do conjunto das classes dominantes do País. Parte-se das seguintes premissas: primeiro, que as mais importantes articulações políticas efetuadas entre finais do Império e início do período republicano, ao se restringirem fundamentalmente à defesa do latifundismo vigente, se tornaram determinantes não só para o futuro da agricultura latifundiária, mas, sobretudo, para o caráter que passa a ser assumido pelas lutas por democratização no Brasil; segundo, que nas mais distintas conjunturas, a condução política da administração governamental, subordinadas a determinações quase exclusivas desses núcleos mais influentes de poder fundiário, e de seus aliados no capital comercial, além de repercutir numa conformação estatal profundamente autoritária que passa a brotar a partir daí, responde pela construção de uma das economias mais socialmente desarticuladas do mundo capitalista, na sua tradução mais concreta de exclusão social. Em seu conjunto, ímpetos anti-reformistas das classes proprietárias no geral e das agrárias em particular, são tomados aqui como expressão maior ou condição para efetivação de um pacto anti-republicano que não só demarca os limites de uma ordem sociopolítica, como estabelece os marcos de um projeto de nação que, de tão esgarçado, tende a se projetar como algo quase sempre politicamente inacabado. O conceito-chave que norteia a argumentação é o de contra-reforma, uma tradução para a desmontagem de qualquer perspectiva de transformação social que aponte para rupturas com padrões de dominação, ou com velhos condicionamentos tais como os ANTI - REFORMISMO , ESTABILIDADE , DESARTICULAÇÃO SOCIAL

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82  N E L S O N D E O L I V E I R A que derivam das classes originárias da propriedade da terra. Contrareforma como não apenas uma inversão de sentido, ou expressão dessa insistente recusa à incorporação de novos segmentos sociais, tais como os pequenos proprietários, na estrutura socioeconômica e política, em função do declarado apoio que sempre teria sido dado institucionalmente aos grandes proprietários no País. Mas como eixo promotor de uma desarticulação social, desta que se revela como a forma acabada de reprodução das diferenças estruturais que demarcam tanto as economias exportadoras do tipo enclave como os modelos de substituição de exportações, em momentos-chave da experiência pós-colonial, nas quais se perpetuam desigualdades típicas da incorporação de formas pré-capitalistas à construção de modelos de capitalismo avançado.

Ambigüidades discursivas na construção hegemônica Um discurso reformista no Brasil só começa a se tornar mais evidente e a ensaiar os seus primeiros passos críticos, ainda que tardia e timidamente, a partir da primeira metade do século XIX. Deve ser ressaltado, no caso, que o período coincide, não apenas com a mudança de estatuto colonial, a partir da elevação da ex-colônia portuguesa à condição Reino Unido a Portugal e Algarve, mas com a proibição — nem sempre ou muito pouco obedecida — do tráfico de escravos pela Inglaterra, a partir de 1834, reflexo da sua afirmação como liderança inconteste do capitalismo mundial. Esses primeiros ensaios mais firmes podem ser tomados, portanto, como um dos subprodutos mais notórios das ameaças que pairam sobre os negócios no mercado de escravos, fonte fundamental dos elevados rendimentos obtidos pelos grandes intermediários comerciais, articulando ainda mais interesses localizados do capital comercial e da agricultura de exportação altamente dependente do fornecimento de trabalho servil.1 A crise foi determinante no despertar dos interesses localizados na agricultura para a necessidade de reformar as condições de produção no campo, antes que estas se pudessem transformar em algo mais grave e incontrolável. Apenas para isso. Poucos eram os que despertavam para a natureza da estrutura socioprodutiva. Os intuitos das parcas iniciativas reformistas, mesmo quando inovadoras do ponto de vista das classes dominantes, além de parciais e altamen-

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 83 te defensivos, se voltavam fundamentalmente para um único objetivo — o de enfrentar ou resolver problemas relacionados à oferta futura de mão-de-obra. Propostas como as de estímulo à migração européia, ao lado de outras pautadas na atração de mão-de-obra chinesa, passam a compor o panorama geral como essenciais e a limitar as possibilidades e alcance desse discurso inovador, já por volta da segunda metade do século, quando este começa a ser articulado mais concretamente. Durante todo esse percurso, predomina um marcante silêncio sobre as estruturas fundiárias e seus condicionamentos sociais. Não era conveniente. As representações da grande propriedade nunca se sentiram muito à vontade num ambiente demarcado por discussões sobre inovações, ainda mais quando estas podiam constituir uma ameaça. Sempre demonstraram muita dificuldade de absorvê-las em todas as suas dimensões. Daí talvez a reticência. Até a importação de mão-deobra européia, uma manobra das elites costurada com apoio oficial, soava com ameaça, já que não se tinha segurança total a respeito das relações sociais que predominariam no vácuo provável do fim da escravidão. Assim se justificam os esforços de desmontagem, peça por peça, do discurso, ou de, no mínimo, reconfigurá-lo totalmente já desde o seu nascedouro:2 a forma ideal de manter sob controle o próprio futuro. Os principais representantes da agricultura latifundiária e de seus aliados comerciais, não desconheciam as dificuldades e percalços do modelo agroexportador. Demonstram ter consciência dos dilemas enfrentados pela grande produção agrícola e pela grande propriedade, sobretudo da sua difícil adaptação aos novos tempos. Os problemas cresciam em complexidade. Já não se tratava à altura apenas de problemáticas como as de garantia de fluxos de mão-de-obra a preços compatíveis com suas necessidades de ganhos. A estas vinham somar-se outras, não menos importantes, como preços dos produtos ou defasagens tecnológicas, considerando a nova fase vivida pelo capitalismo e a intensidade concorrencial nos mercados agrícolas, fatores que contribuíam para agravar ainda mais as possibilidades atuais e futuras de inserção competitiva do País no comércio internacional. Tudo isso contribuía de fato para ampliar a consciência de que algo devia ser mudado, ainda que nada disso se constituísse numa garantia de que qualquer mudança seria assimilada como algo possível e necessário. Restava sempre uma ponta de desconfiança em relação ao ANTI - REFORMISMO , ESTABILIDADE , DESARTICULAÇÃO SOCIAL

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84  N E L S O N D E O L I V E I R A alcance das inovações e um temor quanto ao seu caráter. A segurança das posições desfrutadas pelas classes dominantes conservadoras pesava muito mais do que quaisquer demandas por inovação no momento da tomada de decisões. Quando se punha em pauta se levantava a questão das mudanças de eixo ou de situação. Pesava entre eles o temor de que as perdas fossem maiores do que os ganhos. Muito mais ainda quando essas mudanças, até mesmo pela sua simbologia, tendiam a afetar de algum modo o controle tradicionalmente exercido sobre as relações sociais. A grande propriedade quase nunca aceitou ser confrontada com as relações servis de produção que patrocinara e mantivera por tão longo tempo. Não apenas não aceitava, como a estas se havia acomodado por tão longos anos que já não sabia mesmo como sobreviver desfazendo-se delas tão abruptamente, assim como imaginava que poderia vir a acontecer. O futuro das relações sociais servis foram sempre postas no centro de qualquer argumentação defensiva antiinovadora, jamais sendo claros os argumentos e muito menos claras as decisões a respeito das mudanças necessárias para que se desse uma ruptura. Tudo parecia muito confuso. Até mesmo alguns dos que chegam a ensaiar argumentos críticos e até encarar como positiva uma possível mudança no eixo das relações sociais predominantes, nunca deixam de taticamente reduzir o alcance da crítica. O intuito é evitar qualquer mal-entendido. Não havia disposição de romper com os limites estruturais ou políticos definidos pelo regime de propriedade estabelecido, pelo menos de modo tão drástico. Não se pretendia atingi-la mais profundamente, até quando procuram afinar-se com o que compreendiam como o novo que vinha de longe — da nova potência emergente, os EUA, ou mesmo da Europa —, assim como teria ocorrido com alguns ditos expoentes modernizadores.3 O intuito aqui não vai muito além do simples desejo de modernizar as estruturas pelo alto, e de deixar intacto um sistema de propriedade que, como diria posteriormente e em outra circunstância Costa Porto, devia sobreviver como uma garantia da estabilidade política e da unidade nacional (Porto, 1985), mirando-se no exemplo do restante da América do Sul e na sua lamentável e pouco eficaz, como diria, pulverização republicana. Mesmo entre as camadas mais populares, entre os que aos poucos iam libertando-se da escravidão e procuravam encontrar-se na vida como trabalhadores livres, as críticas ao quadro exis-

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 85 tente mais primavam pela acomodação do que pela exigência de rupturas mais profundas. A grande extensão das terras livres e públicas contribuía talvez para amortecer o ímpeto dos protestos, já que havia sempre uma expectativa de que mudanças e reformas pudessem ser realizadas naturalmente, por uma decisão pelo alto de distribuir as “fartas riquezas”, e de que novas relações sociais brotassem daí sem a necessidade de grandes desperdícios em vidas humanas. Em geral, os protestos contra o atraso, ou contra a persistência de determinadas relações sociais, quase nunca se dirigiam explicitamente contra a grande propriedade. Estas quando muito eram estigmatizadas como um absurdo moral, mas quase nunca como propriedades que ainda albergavam no seu interior relações sociais escravocratas, como se não passassem de repositórios de proprietários acomodados e pouco atentos ao que vinha ocorrendo no mundo à sua volta.4 Uma crítica moral tende a acompanhar quase toda a oposição efetuada ao latifundismo, até mesmo quando ultrapassada sua fase mais estritamente escravista. Um movimento social que pudesse desaguar em alterações profundas e estruturais numa sociedade pós-colonial como a brasileira, dificilmente poderia vingar, subordinando-se, como ocorreu desde a Independência até o advento do período republicano, a compromissos de sobrevivência ou manutenção dos privilégios da grande propriedade. E, na verdade, foram muito esparsas as iniciativas de grupos ou pessoas que defendiam a necessidade de alterações nos padrões estruturais dominantes, redundando, na maioria das vezes, num imenso e profundo vazio de perspectiva. A prioridade do esforço mudancista foi quase toda destinada ao discurso, não contribuindo nem mesmo para a construção de forças políticas que pudessem dar respaldo institucional ao que se propunha discursivamente. Movimentos sociais confundiram-se com atividades de grupos que mais não se dedicavam do que a pressionar governos e avaliar caminhos e possibilidades de integração do País às novas tendências do capitalismo mundial. Os grupos que se organizam em defesa de seus interesses limitam o alcance de suas reivindicações ao plano de uma modernização que se restringe, como tal, ao âmbito do desenvolvimento das forças produtivas. A despeito de suas diferenças, não passavam, no geral, de grupos conservadores, pouco importando o partido a que pertencessem. Quase nenhum busca saídas para uma modernização excludente, ANTI - REFORMISMO , ESTABILIDADE , DESARTICULAÇÃO SOCIAL

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86  N E L S O N D E O L I V E I R A desprezando qualquer necessidade de inclusão social, senão de si próprios. Como grupos de interesses tinham o olhar sempre voltado para o além-mar, para a possibilidade de reintegração presente e futura das suas elites tradicionais;5 ainda assim, de modo relutante, pois sentiam e temiam o momento. Percebiam que o capital continuava a manter o seu domínio, em bases nitidamente tecnológicas — alternando a mais-valia absoluta com a mais-valia relativa —, mas já sofria os seus primeiros abalos mais sérios, frutos da reação perpetrada por trabalhadores, nos núcleos centrais do capitalismo, contra as formas mais hediondas de exploração. Tudo isso contribuía para que fossem sempre relativas as atitudes inovadoras e firme a decisão de não arredar pé das posturas anti-reformistas. Os primeiros reformistas não partiram da existência de uma questão agrária posta como limite estrutural. Eles sempre trataram de escamoteá-la, pelo menos até que se esboçasse uma idéia de nação que fosse, ao mesmo tempo, complemento da idéia de propriedade. Só muito superficialmente esta questão foi sendo admitida e se tornando mais assimilável pelas velhas e novas elites das classes dominantes, assim como, paradoxalmente, pelas classes dominadas. Mesmo esse grupamento mais amplo, constituído de trabalhadores recém-libertos, pequenos produtores sem terras, entre outros, decerto que sentindo a necessidade de mudanças num quadro social que respondia por séculos de opressão, quase nunca atentavam mais claramente para alternativas distintas das que vinham sendo defendidas pelos conservadores, ou pelos liberais. No decorrer de todo o período pós-Independência, os projetos de reforma das estruturas seguiram todos eles essa mesma linha de conduta vacilante de vislumbrar uma necessidade de mudança e de, ao mesmo tempo, recusá-la quando ensaiada mais concretamente. A postura foi sempre a mesma: lamentar que certos aspectos da estrutura predominante ainda perdurem, e até concordar que não são efetivas, mas opor-se a — ou, quando nada, temer — qualquer intuito de medida que pudesse resultar numa democratização radical das relações sociais. Esses temores viscerais transformaram todo e qualquer ensaio reformista, não importa o período, num mero exercício de prevenção contra qualquer tentativa de ruptura com padrões estruturais historicamente já conformados. Fruto desses exercícios, as reformas — planos de intenção ou leis —, de vias efetivas, transformam-se em expedientes táticos contra-reformistas

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 87 em defesa da grande propriedade e de seu papel de cimento que, unindo velhas e novas oligarquias em torno de um mesmo desiderato, tem em vista afastar as classes trabalhadoras em geral, até mesmo os pequenos produtores rurais, de qualquer pacto de poder ou bloco histórico no sentido gramsciano.6 A problemática não se restringe ao que teria acontecido no Brasil. Desde que crescem os seus apelos mais concretos mais veementes, a partir de finais do século XIX, é quase impossível conferir um significado preciso às lutas em defesa de uma reforma agrária, tanto nos países que já haviam alcançado o status de países capitalistas avançados, como nos que ainda buscavam alcançá-lo de algum modo. A dúbia caracterização dessa necessidade relaciona-se, sem dúvida, com a própria concepção muito pouco ou quase nada unificada de questão agrária. Lá como aqui, na maioria das vezes, antes mesmo de qualquer unificação em torno da questão, a dificuldade maior, muitas vezes, parecia ser convencer-se mais concretamente da sua real existência. Chegado a esse ponto, os limites da questão tendiam a ser cada vez mais ampliados. Por outro lado, os formatos de hegemonia do capital, nas suas mais distintas e modernas aparências, de industrial, comercial ou agrário, também reduziam o alcance e significado concreto das reformas propostas para o campo.7 Uma unidade tornava-se tão mais difícil de atingir quanto mais os conflitos de interesses derivados dessa complexidade assumiam nítidos perfis de classes, com rebatimentos diretos nas definições estratégicas do próprio Estado como expressão política dessa diversidade de formas de materialização do capital. Ainda assim, durante quase todo o século XX, mesmo tendo sido praticamente impossível chegar a um consenso ou realizar reformas efetivas de cunho agrário em qualquer parte do mundo, estas em certos momentos chegaram a ser até assimiladas como uma possibilidade, mesmo pelo conservadorismo político dos mais distintos países; pelo menos, se conseguia atingir um certo consenso a respeito da questão, e ao que se propunha de fato a reforma. Para conservadores em geral, esta era quase uma senha: a questão nunca podia ser deixada em aberto. Ora, fechar a questão era defini-la segundo seus próprios interesses. A natureza da questão apontava o sentido da reforma. Qualquer consenso alcançado tendia a refletir a situação vivida pelo país, o seu estágio político ou correlação de forças, e a capacidade de exercitar a hegemonia das classes dominantes. ANTI - REFORMISMO , ESTABILIDADE , DESARTICULAÇÃO SOCIAL

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88  N E L S O N D E O L I V E I R A A título de ilustração, poder-se-ia referenciar casos, por exemplo, como os da Rússia, quer durante os embates pós-reforma de 1861, quer posteriormente no período das reformas burguesas do campo promovidas por Stolípin, sobretudo após os fortes embates da Revolução de 1905; assim, também, os da Dinamarca, na segunda metade do século XIX; os da Europa Oriental — Romênia, Bulgária, entre outros —, por volta do início do século XX; ou, mais recentemente, casos como os do Japão, Coréia e Taiwan, ao final da Segunda Guerra, ou do Chile, Espanha e Portugal. Em quase todos, não se verifica apenas uma diferenciação de situações determinada por trajetórias históricas ou culturais diferenciadas. Sem ressalva nem mesmo das experiências revolucionárias pós-1917, na URSS, ou das democracias populares do Leste Europeu ou de Cuba, refletiram todas o difícil encaminhamento da questão agrária, cuja fundamentação, não deixando perpassar questões de natureza teórica, revelava-se, sobretudo, como política e hegemônica. Em nenhuma dessas experiências, qualquer tenha sido seu caráter, pôde-se constatar uma transformação da reforma agrária num projeto consistente de mudanças — a que questão procuravam responder? — que primasse pela clareza de objetivos. Nas circunstâncias em que chegaram a ser defendidas, poucas foram as que avançaram além de um plano de intenções e se basearam em coerentes arranjos institucionais, e não poucos os terminaram por ver essas experiências de tal modo amputadas, limitadas em função da incapacidade de ação, até cair num imenso vazio. Em grande medida, não ultrapassaram a condição de balões de ensaio, ou de iniciativas que não buscavam no conjunto muito mais que promover ajustes numa agricultura ainda indefinida em relação ao seu próprio papel, quer como fonte de acumulação, quer na reprodução do capitalismo em sua totalidade. Esses balões de ensaio não se limitavam apenas a tornar o campo funcional às necessidades da acumulação propriamente dita, mas, também, à legitimação política de Estados nacionais, em momentos de crise ou transição. Modelos como os da reforma Stolípin refletem a necessidade de conferir novo papel à agricultura, assim como os casos de Coréia e Taiwan e no pós-Segunda Guerra, mais recentemente, os casos chileno ou espanhol — mais especificamente, do sul da Espanha. Outros, como no caso do Leste da Europa, no período anterior à Segunda Guerra, e não somente neste, foram típicas reformas centradas numa necessidade de legitimação política.

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 89 Algumas situações, no entanto, por suas características e pelas circunstâncias — emergindo em períodos de crise e em situações em que predominam hegemonias bem-definidas — podem ser consideradas como híbridas, por atentarem, ao mesmo tempo, para necessidades de acumulação e de legitimação. Nelas podem ser enquadradas não só as experiências de reforma italiana ou das políticas para a agricultura encetadas no seio da Política Agrícola Comum, a partir dos anos 1950/1960, hibridismo que decorre da confusão de prioridades.8 Trata-se de propostas que contemplaram no seu ideário estratégias centradas em políticas de reestruturação das condições de produção, de modo que incorpore segmentos sociais que naturalmente seriam excluídos se submetidos livremente às leis concorrenciais impostas pelo mercado. O fundamento era a legitimação das novas estratégias socioeconômicas voltadas especificamente para os capitais industrias — nas quais o agro se inseria de forma subordinada —, ao tempo que se buscava promover uma acomodação das forças sociais, de tal modo que pudesse contornar a possibilidade de protestos provenientes de uma das áreas mais potencialmente conflitivas nesse momento conjuntural e histórico. Ao mesmo tempo que se dirige para as necessidades de modernização das estruturas que podiam responder pela elevação de suas margens competitivas, parte-se para a construção de estruturas de legitimação das novas políticas industriais, justamente num período crucial como o que estava sendo vivido pelo capitalismo europeu. Mais uma vez, parece clara a principal preocupação ou princípio que ordena a tomada de decisão: atentar para a questão antes de tratar das definições, objetivos ou instrumentos. A questão agrária só ganha contornos efetivos quando suas premissas são claramente apresentadas. Neste caso, como em qualquer outro que envolva situações hegemônicas, o que ressalta é o fundamento maior, que de nenhum modo pode prescindir da precisão: se se tratava a questão agrária, nas circunstâncias em que passa a ser defendida, de uma questão para o capital, ou se, ao contrário, apenas parte de uma demanda maior — proveniente ou não de movimentos sociais anticapitalistas —, de ruptura com a dominação das frações dominantes desse capital. A falta de precisão nem sempre decorria de anarquia conceitual muito comum e conveniente, mas afetava sobremaneira âmbitos reivindicativos, dificilmente unificados em torno de objetivos concretos, repercutindo esse hibridismo — se uma ANTI - REFORMISMO , ESTABILIDADE , DESARTICULAÇÃO SOCIAL

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90  N E L S O N D E O L I V E I R A solução para o capital ou mecanismo de resistência — não apenas a diversidade de interesses envolvidos, mas também a natureza contraditória dos processos de transição.

Um hibridismo singular Acompanhando a trajetória do capital, assim como as demais reformas de natureza institucional, a reforma agrária, mesmo refletindo condicionamentos históricos e estruturais nem sempre presentes nas demais, só conseguiu legitimação quando se afirmou como componente da eliminação de obstáculos impostos à unificação dos espaços de dominação do capital. Só quando refletiu a submissão do rural-agrícola ao urbano-industrial e repercutiu as demandas do capitalismo como totalidade, pôde-se afirmar como uma necessidade e reafirmar a importância de levar em consideração suas especificidades setoriais nessa transição. A tendência de toda a política agrária foi amoldar-se estritamente a cada momento dessa trajetória, sem diluir-se nessa totalidade, moldando o futuro com arcabouços institucionais do passado. Talvez por isso tenham sido tão distintos os caminhos e cada vez mais confusa a definição do que significava realmente reformar.9 No trânsito até formas mais avançadas de acumulação de capitais, ajustes institucionais foram sempre utilizados. Em determinados momentos, alguns desses ajustes chegaram a ser reconhecidos como reformas, pelo impacto exercido nas mudanças estruturais em curso. Quase sempre isso se deu quando não restava mais alternativa setorial, e a única condição de sobrevivência das classes dominantes no campo era submeter-se passivamente. A negociação do ajuste sempre implicava uma repactuação envolvendo a situação conjuntural desses resíduos rurais nas novas estratificações do poder. O ajuste em lugar da reforma põe no centro da problemática agrária o que fazer com as partes dominadas desse conjunto setorial integrado mas profundamente desarticulado. Quais procedimentos seriam necessários para manter o controle das massas rurais, ou das não contempladas no pacto que resulta nos ajustes integrativos, e quais os caminhos mais adequados para assegurar a mais completa integração dos não plenamente ajustáveis: pequenos produtores sem terras, com poucas terras e do proletariado agrícola em geral. A reforma parece permanecer como objetivo apenas nestes casos.

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 91 No caso brasileiro, uma dificuldade é localizar as especificidades do País no conjunto de espaços que transitaram de formas mais primitivas a etapas mais avançadas de acumulação capitalista. Em que pese o grande número de estudos voltados para esse objetivo, não tem sido suficientemente explicado por que na efetivação de uma etapa a outra, pôde-se prescindir de reformas fundamentais no campo, isto é: porque no Brasil pôde transitar de formas menos avançadas a formas mais avançadas de capitalismo sem que tivesse tido necessidade de solucionar antecipadamente uma questão agrária, em momento algum posta como limite ou obstáculo estrutural. A questão agrária como uma não-questão serviu de base, ao contrário, para uma apologia dessa transição que veio a ser tomada como paradigmática, provando-se uma possibilidade de trânsito para o moderno capitalista sem que necessariamente se tivesse de romper com o que se considerava atraso. Nem mesmo inúmeras tentativas governamentais de rever determinadas situações em curso, muitas vezes sob pressão de lutas e de novas tendências socioeconômicas, chegou a refletir uma demanda capital de classes que, de um modo ou outro, buscavam aproximar-se das tendências mais modernas. Pesava acima de tudo a ausência de qualquer unidade sobre seu real significado. Melhor reformar ou ajustar? Entre demandas de ajustes e reformas estruturais no campo, sacrificou-se a reforma agrária, esvaída como necessidade real ou como alternativa estruturante. Até mesmo propostas de reformar o meio rural, mediante a ocupação das fronteiras agrícolas, ou a reordenação das áreas dos imensos latifúndios, nunca conseguiram legitimar-se, insinuando-se quase sempre pelas brechas do sistema dominante como secundárias. Nunca passaram de vias ou intenções descoladas de uma estratégia centrada na alteração de uma correlação de forças encimada pelos grandes proprietários de terra, portanto, de fugas ante o enfrentamento da problemática efetiva, preservando não apenas o tradicional e questionável direito irrestrito de — ou da grande — propriedade, como assegurando a garantia dos seus espaços políticos. Esse desmedido respeito ao direito de propriedade foi desde o início o eixo fundamental da transformação da questão agrária numa questão fundiária, ao perpassar, duplamente, o esforço de preservação desse direito e de contornar, ao mesmo tempo, o enfrentamento de suas principais contradições. Esse duplo aspecto responde fundamentalmente por aquilo que aqui se denomina caráter híbrido do intuito ANTI - REFORMISMO , ESTABILIDADE , DESARTICULAÇÃO SOCIAL

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92  N E L S O N D E O L I V E I R A reformista no Brasil, ou para que jamais tenha sido atingida qualquer unidade maior a respeito da finalidade de lutar-se pela terra: se, simplesmente, como uma forma de assegurar um meio de produção e de sobrevivência, ou como meio de preservação de um instrumento de negociação de interesses junto ao poder central. A consciência de que uma reforma, para ser considerada como tal, teria de necessariamente atingir interesses estabelecidos, reformulando de alguma forma o direito de propriedade e seu caráter antidemocrático, foi determinante para a sua exclusão como eixo prioritário e para sua permeabilidade às diversas manobras pelo alto tendo em vista a sua demonização.10 A imagem construída da reforma como uma afronta ao direito de propriedade estabelecido passa a ser utilizada pelas classes proprietárias como uma ameaça: o atalho mais rápido para o caos, como procuram difundir. A propriedade é tratada como a única alternativa para a desordem e para anarquia. Assim passa a ser inteligentemente manipulada pelas elites dominantes e percebida estrategicamente pelo Estado em construção. Com essa ameaça, urdida em canais oficiais e representativos da grande propriedade, procura-se construir uma via capaz de unificar todos os grandes interesses em torno dessa que seria a única saída — transformar qualquer iniciativa de reforma numa inutilidade, ou melhor, num anacronismo,11 de tal modo que se deslocasse conscientemente o eixo da problemática, sempre que esta pudesse contribuir para integrar a questão agrária no conjunto das lutas por transformação social. As diferentes formas de percepção da função da agricultura no capitalismo exerciam papéis fundamentais na definição da sua importância e da sua atualidade. Mas só ganham maior realce, ou se tornam definitivas para o encaminhamento dos processos de luta no País, ao tornar complexa e indefinida a própria posição sobre a problemática. A partir do momento em que uma questão agrária passa a se anunciar, como um subproduto da expansão do capital, as resistências no campo começaram a assumir caráter muitas vezes explosivo, mas também perspectivas diversas, ainda que nem sempre tão distanciadas quanto a seus objetivos. Mais concretamente, sobretudo após as grandes revoluções técnicas, e com ênfase no que vinha acontecendo nos campos europeus ou norte-americanos, foi predominante uma tendência mais acentuadamente defensiva na agricultura. Palco de diversas manifestações, envolvendo distintos segmentos sociais, o que

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 93 se passou a observar foi que em quase todas essas manifestações o campo tendia a aparecer como algo que devia ser preservado, como uma cultura determinada ou como um setor que devia ser visto nas suas especificidades. Mas a vanguarda dessas manobras de resistência sempre esteve nas mãos e nas cabeças de velhos latifundiários, ou de uma pequena burguesia agrária que se defasara em relação aos seus congêneres industriais.12 Nas mãos dessa vanguarda oportunista — grandes proprietários, latifundiários diversos, empresários rurais e outras camadas sociais, e mesmo seus intelectuais — o corte setorial funcionou como arma fundamental na preservação de seus interesses maiores, predominantemente políticos, vinculados exclusivamente a suas necessidades de reprodução socioeconômica como grupos no poder. O dualismo setorial — agricultura/indústria — que acompanha, de certo modo, o dualismo estrutural — produtores tecnificados vs pequena produção familiar ou camponesa — responde, no caso, pelas diferentes formas de organização dos interesses e pelos seus diferentes papéis13 e repercute na formatação de uma diversidade associativa que aos poucos vai tornando-se real. A realidade do associativismo rural foi sempre profundamente anti-reformista na sua essência. Ele interpôs-se historicamente no caminho das mudanças, em defesa da tradição ou da tecnificação, pelo ângulo mais conservador da sua contribuição para a preservação das relações sociais, jamais se pondo ao lado, ou em defesa das grandes rupturas. Na medida em que o eixo da questão tendia a ser deslocado, quando a ênfase maior passa a recair, em quase todos os lugares, sobre possíveis defasagens setoriais decorrentes do avanço desproporcional do setor industrial em relação ao setor agrícola, ou da perda de posição e importância dos produtores familiares não tecnificados — pequenos, médios e grandes — em relação aos produtores tecnificados, evita avaliar as implicações desse deslocamento. A insistente postulação de uma autonomia setorial como princípio orientador, contradizia qualquer interferência ativa ou transformadora. A única reforma possível era melhorar as condições de produção, mediante ajustes nos processos produtivos e de distribuição. A defesa da autonomia dos espaços setoriais da agricultura, não se coadunava com intuitos de efetuar-se reformas profundas no campo. Partem do ponto de vista de que os setores são estanques, não apenas criaturas do processo de expansão do capital, evitando ANTI - REFORMISMO , ESTABILIDADE , DESARTICULAÇÃO SOCIAL

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94  N E L S O N D E O L I V E I R A qualquer consideração do assim chamado setor agrícola como um resultado do fracionamento e das necessidades de controle da reprodução capitalista. Não se trata apenas de puro conservadorismo. Essa insistente defesa de uma setorialização da agricultura revela muito mais do que isso, uma preocupação, um quase instinto de sobrevivência de classe: como se a integração do setor nos mecanismos de reprodução social do capital devesse ocorrer, mas sem perdas políticas para os seus membros no que se refere ao efetivo poder decisório.14 Poderse-ia até afirmar que, por trás de todo esse ardor defensivo do campo como unidade setorial autônoma, com características, se não tão exclusivas, pelo menos próprias, escondia-se também uma tentativa de manobra; uma tentativa de esquivar-se ao reconhecimento de que não passa o espaço setorial de momento de controle, de espaço no seio do qual as classes sociais se reproduzem como contradição que só na aparência podia ser tomada como estritamente setorial. O trato do campo como espaço autônomo servia muito bem aos que se recusavam a ver na profundeza da miséria rural uma manifestação da contradição que move o capital a cada passo de seu avanço e da sua crise. Ora, pequenos, médios e grandes produtores são reproduzidos no mesmo passo em que se processam as lutas de classe, tanto podendo desaparecer como resistir, já que nenhuma dessas configurações pode configurar-se como estável ou sempre necessária em qualquer circunstância. Toda funcionalidade das classes ao capital é móvel e dinâmica, pouco importando, no caso, o setor em que estejam localizadas. Nesse sentido, qualquer resistência que não desse conta dessa realidade, sobretudo no âmbito dos pequenos e proletarizados, podia ter efeito contrário aos dos muitas vezes desejados pelos que estavam à frente das lutas; ou, em último caso, reforçar argumentos dúbios, pouco importando a forma discursiva ou não de quem os estava apresentando. A formatação híbrida desse discurso está refletida nos mais diferentes estudos e avaliações sobre a reforma agrária no Brasil, na sua maioria quase sempre atentos não apenas para sua possibilidade de efetivação de políticas de ajustes circunstanciais na agricultura movidos por demandas puramente conjunturais, mas também para a sua realização como necessidade histórica num contexto demarcado por lutas de classe com diferentes graus de intensidade.15 A reforma tanto podia ser — ou servir para contornar — uma coisa ou outra. Para os que aparentam defendê-la como uma necessi-

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 95 dade histórica, quase sempre a reforma assume funções muito precisas de peça importante no tabuleiro do que consideram difícil processo de construção de um tecido nacional; mas são também os mais empolgados com a viabilidade técnica do empreendimento agrícola, desde que sejam reorganizados, e os que não se cansam de procurar convencer os demais, às vezes céticos, de que um capitalismo agrário é possível. Para todos eles, de um modo ou de outro, reformar não passa de uma via efetiva de integração virtuosa da agricultura no dinamismo comandado pelas forças mais avançadas do capital. As expectativas depositadas num agro reformado perpassam em geral o mundo das novas tecnologias e do consumo de bens e serviços de ponta, mais concretamente a sua atualização dinâmica, conformados todos eles com a sua subordinação. Desse modo, não chega a ficar muito claro o sentido maior da reforma, desde que a questão agrária, no caso, tende a ressaltar das próprias demandas de integração setorial e de reprodução social nos níveis mais avançados já alcançados pelo capital. Mais apropriado assim seria tomar-se, tanto uma como outra, como propostas de ajuste agrícola, ou de eliminação dos obstáculos localizados no campo, ao desenvolvimento do capitalismo. Não menos ambíguos são os que a defendem como componente fundamental de uma luta de resistência dos pequenos produtores agrícolas contra a penetração do grande capital no campo. Ao contrário, neste caso essas ambigüidades tendem a ser até mais amplas, uma vez que os que assim a defendem se restringem quase que exclusivamente à defesa do reformismo agrário como tábua de salvação para um sistema que não resolve seus problemas mais cruciais. A reforma aqui é encarada como a alternativa, ela mesma, contra a fome, a miséria e o desemprego, e a forma ideal de contrapor o pequeno ao grande proprietário, contribuindo para unificar a agricultura no seu conjunto como parte de um mesmo desiderato: como algo que deve ser protegido e preservado. Em determinado momento, por esta sua característica dúbia, deixa-se transparecer como uma bandeira de luta genérica e abrangente, mais voltada para a garantia de uma sobrevivência setorial, e, em outro, mais se aparenta a uma reivindicação sentimental, de cunho saudosista, nunca se sabendo ao certo se a sua justificativa é a fome de terras, a defesa de um espaço ou resistência cultural de deserdados da terra, ou a dificuldade de utilizá-la produtivamente, num contexto demarcado pela predominância dos grandes grupos ANTI - REFORMISMO , ESTABILIDADE , DESARTICULAÇÃO SOCIAL

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96  N E L S O N D E O L I V E I R A capitalistas comprometidos com a obtenção de elevada produtividade e eficiência produtiva no campo.16 Pois nada disso é deixado muito explícito, como se o enunciado da proposta, apenas isso, tivesse o dom de suplantar qualquer outra exigência de precisão dos seus objetivos; como se a reforma em si mesmo pudesse justificar-se, sem nenhum outro atenuante.

Antecedentes do contra-reformismo Neste emaranhado de postulações ambíguas, a política oficial, a despeito de repercutir essas mais diferentes manifestações e tendências, jamais se conduziu como um árbitro neutro. Ela foi sempre afirmativa e facciosa, considerando a negação de um dos pólos da articulação de interesses uma afirmação do que tendia a se expressar como seu núcleo dominante. Em princípio, nada justifica afirmativas como as de que a reforma agrária jamais teria desfrutado de importância em instâncias oficiais, pelo simples fato de normalmente estas terem descartado uma ou outra tomada como circunstancialmente viável ou necessária do ponto de vista de determinadas camadas sociais. Uma análise das diversas políticas voltadas para a agricultura no Brasil — ou para o campo em geral — contribui para evidenciar, ao contrário disso, que políticas de reforma agrária no Brasil assumiram caráter prioritário desde os primeiros ensaios de modernização capitalista no País, menos pelo que chegaram a anunciar em planos e projetos e mais pelo deixaram implícito nos referidos anúncios. A sua importância só pode ser avaliada, portanto, pela capacidade que demonstrou o governo de antecipar-se à sua concretização na medida em que a anunciava, e de sempre anunciá-la quando mais era necessária ou funcional aos seus objetivos de assegurar tradicionais alianças de classe conservadoras, cuidando de retirar-lhe qualquer caráter minimamente ameaçador de transformações. Foi, aliás, este o seu maior trunfo: negar a reforma quando mais parecia estar concordando com sua necessidade. Na realidade, planos de reforma agrária, quando elaborados pelo próprio governo, na maioria das vezes funcionaram como simples antídotos ou como contradiscursos, no seio dos quais o que mais se procurava realçar não eram os desejos de fomentála ou impulsioná-la, mas impor freios e impedimentos à sua implementação. As reformas já nasciam como uma arma contra-reformista,

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 97 como atitude preventiva; e sempre com muito realismo: como se o que não podia existir, no entender dos grupos oligárquicos e dominantes, não devesse mesmo nascer. A reforma como aborto do reformismo. Talvez não tenha sido um caso único, mas em quase nenhum país essa confusão entre reforma e contra-reforma foi tão esclarecedora quanto no Brasil. Poucos governos pressentiram ou se anteciparam tão decididamente ao que poderia vir a acontecer como ocorreu por aqui; nem manifestaram tão claramente o intuito de anular com antecedência qualquer futura reivindicação ou impedir o que podia estar nascendo, sob a justificativa de que, simplesmente, algo — uma reforma efetiva — não deveria nascer. Uma consulta às leis fundiárias do País pode muito bem comprovar como estas quase sempre procuraram refletir essa necessidade de antecipação, como se as leis não passassem de prenúncios do que poderia e não deveria acontecer. As leis foram sempre restritivas, promulgadas, na maioria das vezes, com o claro intuito de negar um provável futuro — como leis premonitórias —, ou alguma coisa que pudesse conturbar um certo e desejado equilíbrio de classes. A primeira, entre um conjunto de medidas antecipatórias que seriam editadas no País, foi decerto a Lei de Terras de 1850, promulgada três décadas antes da libertação legal dos escravos. Foi a primeira medida editada com tal objetivo, e a mais exemplar de uma proposta de contra-reforma agrária, por seu caráter, ao mesmo tempo restritivo, por impossibilitar legalmente, e na prática, a uma gama muito ampla de futuros produtores, o acesso livre a terras públicas; e, repressivo, por funcionar como o primeiro instrumento legal que impunha sanções bastante explícitas a quem ousasse infringir seus mandamentos. Foi por isso o primeiro documento legal de caráter fundiário que se arvorou a reorganizar o campo e definir prioridades, e que se preocupou em deslocar antecipada e preventivamente dessas prioridades categorias sociais oprimidas e exploradas, pondo no primeiro plano das atenções empresários e futuros imigrantes europeus. Seu caráter de medida legal contra-reformista é reforçado a cada momento. Em seu corpo legal antecipa-se uma noção que será doravante utilizada por quase todos os legisladores, a estes conferindo o privilégio do julgamento sobre quem é ou não é capaz como indivíduo produtor, com base simplesmente em preconceitos de classe, à época transfigurados em preconceitos de cor. Quem é ou não é ANTI - REFORMISMO , ESTABILIDADE , DESARTICULAÇÃO SOCIAL

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98  N E L S O N D E O L I V E I R A competente, capaz ou incapaz, tudo passa a depender de um prejulgamento de quem legislou. A Lei dispunha em geral sobre “[. . .] as terras devolutas do Império, e acerca das que são possuídas por título de sesmaria sem preenchimento das condições legais, bem como por simples título de posse mansa e pacífica; e determina que, medidas e demarcadas as primeiras, sejam elas cedidas a título oneroso, assim para empresas particulares, como para os estabelecimentos de colônias nacionais e de estrangeiros, autorizando o governo a promover a colonização estrangeira na forma que se declara”. O seu intuito repressivo era claro. Proíbe, no artigo 1.o,“[. . .] aquisições de terras devolutas por outro título que não seja o de compra e venda” com exceção das “terras situadas nos limites do Império com países estrangeiros em uma zona de dez léguas, as quais poderão ser concedidas gratuitamente”. Mas arremata: “os que se apossarem de terras devolutas ou de alheias, e nelas derrubarem matos ou lhes puserem fogo, serão obrigadas a despejo, com perdas das benfeitorias, e demais, sofrerão a pena de dois a seis meses de prisão e multa [. . .], além da satisfação do dano causado [. . .]”. Faz uma notória apologia dos já proprietários, numa tentativa de impedir que indesejáveis se imiscuíssem no meio e não se exime em momento algum da responsabilidade de preservar com antecedência os interesses de tradicionais beneficiários da estrutura conservadora, tratando de impedir que uma futura libertação dos escravos pudesse confundir-se com libertação da propriedade. Qual ex-escravo teria condições, no futuro, de acessar a terra por operações de compra e venda? Não havia dúvida que se tratava de garantia e alento para os grandes proprietários e latifundiários em geral. O governo imperial antecipa o seu conceito de modernidade. Do ponto de vista da lógica utilizada, decerto que amparava o capital, arrematando na lei o que era temido por todos os que pressentiam o fim da escravidão. Foi uma forma de instituir o trabalho livre e garantir a continuidade de sua exploração. A legislação procura assegurar as condições para a futura exploração da mão-de-obra, impedindo qualquer remoção de resquícios estruturais. A questão era óbvia: se exescravos tivessem acesso livre às terras disponíveis, ou mediante uma reforma efetiva nas condições de uso, quem cultivaria, e a que custo, as grandes propriedades dos barões remanescentes? Temia-se o futuro. Por isso, não só se cuidava de impedir o acesso livre às terras

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 99 devolutas, mas de criminalizar qualquer possível tentativa de furar os bloqueios impostos, ao decidir-se legalmente pela repressão a qualquer ensaio de livre apossamento. Ao lado de montagens legais como estas, outras estratégias de cunho decididamente contra-reformistas também foram utilizadas. A adoção de restrições legais nunca foi exclusiva, sobretudo quando em pauta se pôs a necessidade de impedir que anseios populares por reformas se concretizassem. A partir do momento em que esses anseios se manifestam com a força de um movimento de contestação da estrutura de propriedade herdada do velho sistema de sesmarias, a repressão não somente é desencadeada como utilizada abertamente e sem peias, com o mesmo ímpeto com que muitos julgam ser necessário defender-se de ameaças às próprias vidas. O episódio de Canudos é bem representativo desse momento repressivo como afirmação de uma razão oligárquica, no confronto com uma razão popular, que se impõe como razão de Estado no momento em que uma jovem e malconfigurada república procura justificar-se e alçar-se à condição de uma realidade política concreta, pondo-se na defesa justamente de uma de suas principais fontes de legitimação — a grande propriedade latifundiária. O combate efetuado aos que se amotinam no povoado do Belo Monte tem esse sentido, nem sempre explícito, de defesa de uma estrutura que jamais poderia sobreviver caso se alastrassem revoltas contra o primado da grande propriedade latifundiária. Dificilmente poderia afirmar-se que os amotinados de Canudos tinham por alvo a realização de uma reforma agrária ou algo parecido. Não os movia, pelo menos mais diretamente, um ataque à estrutura agrária vigente. Mas seria um contra-senso deixar de reconhecer que era a estrutura agrária a principal responsável pelo crescimento desse arraial que chegou a se constituir na segunda cidade da província da Bahia do final de século. O povo pobre e miserável que se reuniu nesse arraial que, no seu auge, chegou a atingir mais de 30.000 habitantes, era a faceta mais visível da concentração fundiária e do mandonismo das velhas oligarquias fundiárias. Era a revelação mais precisa das principais mazelas do País, não atacadas nem postas como objeto de atenção em perspectiva. A República nascente, assim como suas elites, mais reacionárias do que simplesmente conservadoras, desprezava qualquer argumento que partisse desse diagnóstico. Não vêem como nem por quê. Não pretendem atacar as causas, nem muito ANTI - REFORMISMO , ESTABILIDADE , DESARTICULAÇÃO SOCIAL

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100  N E L S O N D E O L I V E I R A menos corrigir seus efeitos. Em relação a Canudos, percebem apenas a implicação do movimento. Nesse sentido, não há conciliação possível, a não ser o abandono das posições já detidas pelos sertanejos. Aceitar o que estava ocorrendo era o mesmo que conciliar com um futuro imprevisível: aceitar um antecedente perigoso para as alianças que davam sustentação às estruturas de poder. Por isso o ultimato: derrotar Canudos era conservar intacto o espírito de uma república conservadora e de suas expressões de classe. Mas os sertanejos não recuam. A recusa em aceitar o que podia significar o fim de sua experiência de convívio coletivo, sem regulação oligárquica, irrita os republicanos-oligárquicos. O então presidente Prudente de Morais adota, ante a resistência, a única estratégia capaz de contentar os seus principais aliados nacionais — a ilustração positivista da capital da república — e regionais. Destruir a experiência em curso pelos amotinados foi a única forma encontrada de jogar para baixo do tapete uma questão estrutural não resolvida e que nem sequer se imaginava que pudesse ser resolvida. A repressão e o assassínio dos sertanejos, habilmente transfigurados de fanáticos, não buscava mais do que esconder a questão fundamental da concentração da propriedade e a continuidade de relações sociais escravistas por outros meios, ou impedir que esta se pudesse revelar por meio de uma ação consciente das próprias vítimas. O espírito da repressão era, no fundo, o mesmo que havia prevalecido na institucionalização da Lei de Terras, quase cinco décadas atrás. Assim como aquela, esta visou fundamentalmente travar uma possibilidade de que os “de baixo” pudessem vir a controlar as suas próprias ações, resguardando com isso os interesses dos grupos oligárquicos no poder, não só no presente, mas certamente no futuro. Se o movimento de Canudos não emergia como uma força mediante reivindicações claramente reformistas, tornava-se uma ameaça pelo que deixava implícito na decisão de constituir-se. Talvez por isso tenha atraído tanto a fúria do jovem poder republicano e se tornado alvo dessa ação criminosa numa guerra suja, comandada por militares e civis, cujo sentido maior era reforçar o espírito fundamental do contra-reformismo. A república oligárquica não podia compactuar com qualquer utopismo sertanejo.17 A mesma decisão de reprimir sonhos utópicos repetir-se-ia como tragédia no Contestado, região situada entre Santa Catarina e Paraná, na primeira década do século XX, quando mais uma vez, alardeando

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 101 um pretenso fanatismo de camponeses e trabalhadores, no momento em que estes se empenhavam na defesa de seus interesses de garantir a posse de terras devolutas, o governo resolve desfechar uma luta sem tréguas e violenta tendo em vista desmontar, não apenas o atual, mas com antecedência os seus possíveis e indesejáveis desdobramentos futuros. No Contestado, assim como em Canudos, a reação do governo revela-se claramente antipopular. As armas eram as mesmas, assim como os argumentos. Milhares de trabalhadores e pequenos produtores, tendo a sua utopia fundiária propositadamente transfigurada em fanatismo, passam a ser mortos aos milhares por forças arregimentadas por firmas internacionais18 apoiadas num governo que procurava dar demonstrações de firmeza republicana e de grande realismo, bastante elogiados pelos novos capitais estrangeiros e pela imigração européia19 que ansiava pela ocupação da área. O sonho não era tão grande assim. Esses ex-trabalhadores da construção de uma via férrea sonhavam com a ocupação produtiva de um território quase deserto. Queriam produzir, mas são considerados inaptos pelo governo e pelos empresários, por isso rechaçados e jogados na marginalidade, ou tratados como assassinos e fanáticos. São tratados como excluídos, quando postos diante das necessidades da grande exploração racional. A repressão não era apenas circunstancial: não se reprimia um evento qualquer. O governo procura antecipar-se ao futuro. Pretende com isto dar demonstração de que está em sintonia com as novas tendências mundiais,20 numa atitude de servilismo aos grandes grupos empresariais, e de racismo ao mesmo tempo, quando exclui os sertanejos e cede aos grupos internacionais o direito de utilização da área mediante a implantação de grandes projetos de colonização. Mas o que sobretudo procura reafirmar é o compromisso histórico de isolar qualquer possibilidade de construção independente de um movimento social que, de algum modo, atente contra os interesses da grande propriedade. Anos depois, o mesmo viria a acontecer em Trombas do Formoso, em Goiás, ou no episódio das Ligas Camponesas, entre Pernambuco e Paraíba. Nos dois casos também prevaleceu o mote: não permitir que a reforma agrária pudesse ganhar um conteúdo preciso, tratando-se de impedi-la no nascedouro com medidas preventivas, legais ou repressivas, de contra-reforma. O acento maior ou menor no instrumento legislativo ou na pura repressão, pouco importa. As ANTI - REFORMISMO , ESTABILIDADE , DESARTICULAÇÃO SOCIAL

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102  N E L S O N D E O L I V E I R A prisões e assassinatos em Formoso,21 assim com nas Ligas, refletiram um mesmo desiderato: cortar o mal — para o sistema — pela raiz. Mais importante era impedir que lutas sociais pudessem ganhar consistência e objetivos anti-sistêmicos. Esse anti-reformismo perpassa toda a República Velha, passando pela a Revolução de 1930,22 e assim se manterá incólume. Não é suficiente para impedir que as lutas aconteçam. Elas são muitas e, pelo contrário, crescem em intensidade desde então. Mas repercutem na orientação desse processo. Em que pese a força dos movimentos sociais e sua clara disposição de contestar o modelo latifundiário, nem sempre são notórios ou consistentes os seus apelos em prol de reforma agrária. Reflexo ou não das estratégias contra-reformistas, é confusa a percepção da necessidade de uma reforma do campo. Afora algumas poucas reivindicações surgidas no seio das organizações comunistas, a partir dos anos 1920/1930, mais particularmente após a redemocratização de 1945, a reforma nunca se revelava como tal, permanecendo como algo que acoberta, implícita nas lutas por uma distribuição mais justa das terras produtivas. Quando, no plano oficial, projetos de lei eram elaborados com esse objetivo, quase nunca eram discutidos ou aprovados; quando não deixados no esquecimento, terminavam por ser estereotipados como propostas infundadas. Estes sempre encontravam as baterias conservadoras do Congresso já armadas contra qualquer iniciativa que pudesse servir de base ou incentivo para uma abertura ou retomada de discussões como esta. Grupos oligárquicos e suas representações são taxativos e precavidos. Não reforçam nenhuma discussão que possa servir de argumento em favor da proposta. São contra, em princípio, e por princípios, a qualquer idéia de reforma, por mais insignificante e preliminar que seja. As experiências do New Deal norte-americano, ou do Front Populaire na França, entre a crise de 1929 e finais dos anos 1930, nem mesmo estas as sensibilizam. No Brasil do pós-Segunda Guerra, quando as lutas sociais no campo retomam a sua intensidade, a mística da terra como liberdade ganhava o reforço das lutas democráticas com caráter social. As duas se fundem: terra e liberdade tornam-se bandeiras ameaçadoras. A conquista da terra passa a sintetizar uma aspiração por mudança e a ser assumida, pelo menos pelas esquerdas, como componente de um novo projeto de desenvolvimento, pelo qual passam, sobretudo estas, a se bater. Nada disso, porém, demovia o conjunto dos conservadores e liberais mais rea-

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 103 cionários de suas posições, até pelo contrário. Às pressões provenientes do campo tendem a responder com maior exigência de repressão e nada mais do que isso.23 É certo que a esquerda patina entre uma reforma como a que estava implícita nas lutas sociais, com um nítido sabor de resistência das camadas mais empobrecidas da sociedade, cujo alcance não ia muito além da sobrevivência em condições minimamente dignas, e o que passam de fato a defender como alternativa institucional capaz de fomentar uma aliança com blocos de uma burguesia emergente contra o conservadorismo agrário predominante. A reforma funciona para esta como um mote para uma aliança desenvolvimentista. Não ia muito além disso. Por intermédio de sua principal representação, o Partido Comunista Brasileiro,24 procura integrar a reforma agrária nas malhas de frações industriais do capital, para as quais se voltam buscando reconhecimento, e às necessidades de formação de uma ampla frente política pretensamente renovadora e progressista. As perspectivas de uma resistência pura e simplesmente não o comove. Não descarta o apoio aos pequenos como excluídos. Mas não é este o objetivo. Pretende ir bem mais além. O intuito maior era apoiar ou reforçar os frágeis intentos de industrialização. Era claramente subordinar o campo atrasado ao capitalismo moderno e dinâmico; uma subordinação que tanto podia dar-se por meio de uma reforma distributiva, que só lateralmente atingiria os grandes latifúndios, como da própria modernização da grande propriedade. O contraste podia até ser sensível. Pois era a esquerda que propunha um projeto para o capital, sem nenhuma exigência — como teria sido o caso da Revolução Russa — de tomada de poder previamente. Mas nada disso seria mais importante do que a confiança depositada pela esquerda numa burguesia que podia em algum momento desempenhar funções que estavam apenas na cabeça das lideranças mais afinadas com as deliberações da Terceira Internacional para a América Latina. Não é nada surpreendente que a proposta de aliança jamais tenha sido aceita. Essa emergente burguesia nunca demonstrou simpatia alguma ou mostrou-se convencida da necessidade de formação de uma frente nacional progressista, assim como imaginada pelas esquerdas, nem muito menos procurou apropriar-se do significado histórico — ou se apropriou, talvez, bem mais que os comunistas de então —, nesse momento, de uma revolução nacional e democrática. ANTI - REFORMISMO , ESTABILIDADE , DESARTICULAÇÃO SOCIAL

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104  N E L S O N D E O L I V E I R A Ora, nenhuma proposta que pudesse ferir, da forma mais branda que fosse, os interesses maiores da oligarquia fundiária, jamais seria assimilada ou nem sequer ouvida pelos mais diversos grupamentos dessa burguesia. No atraso é que residia a força de ambas, uma e outra oligárquicas e temerosas em relação ao que poderia vir a acontecer. A consciência de classe, nesse sentido, era maior do que o que se imaginava. Verdade é que as grandes oligarquias fundiárias haviam perdido grande parte de seu poderio econômico, mas ainda não tinham perdido sua grande capacidade estratégica. E era essa sua capacidade que demonstrava ser de grande valia para uma burguesia industrial, ainda frágil e sem projeto próprio ou visão mais articulada de nação, não a ruptura com essa situação. As esquerdas em geral sempre tiveram muita dificuldade de perceber essas especificidades de um processo de desenvolvimento que tem no atraso, por exemplo, não um limite mas um potencial de dominação. Alexander Gershenkron, nos anos 1950, chegou a vislumbrar nesse atraso uma vantagem, refletindo o desenvolvimento como se este fosse um passo que devia ser dado até o alcance de uma fase mais avançada, tomada como irreversível. A burguesia brasileira também via no atraso uma vantagem, mas não pelas razões apresentadas por Gershenkron. Neste seu afã defensivo, o mais importante, no primeiro plano, era a preservação da ordem — alianças e reformas geravam desordens —, e no segundo plano, a garantia de intocabilidade das condições de superexploração que poderiam estar ameaçadas com a aceitação de postulados reformistas. Fundamental para esta burguesia era conter ameaças e evitar imprevistos. Por isso não queria reformas no curso de um processo que imaginavam controlado, por ela e por seus grandes aliados de fato. A esquerda fingia desconhecer esses condicionantes e especificidades históricas. Insistia em ver na burguesia uma classe com perfil revolucionário. Mas nada disso, como ficava demonstrado na prática, tinha fundamento algum. Até mesmo na construção das bases para o desenvolvimentismo dos anos 1950, na presidência de Juscelino Kubitschek, demarcado por grande euforia com a possibilidade de que o País alcançasse a sua maturidade industrial, nenhum aceno concreto teria sido efetuado à reforma agrária, nem pelas representações dessa burguesia, nem pelo governo. Nestes âmbitos, não se efetuava nenhum vínculo entre lutas sociais no campo e um projeto novo de sociedade. Pelo contrário, apostava-se claramente

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 105 na desarticulação social desse desenvolvimento. Tudo devia passar pela industrialização, como rezava nos catecismos cepalinos, assim como incorporado pela nova gestão desenvolvimentista, mas do modo como vinha sendo conduzido o processo: pelo alto e setorialmente concentrado. A reforma agrária não despontava como uma necessidade, e era de fato amplamente descartada, não somente pelas novas classes de base industrial que emergiam nessa nova onda de industrialização, mas também para as de base agrária. Nenhuma delas reivindicava o reformismo como precondição para alguma mudança substantiva no percurso até então seguido. Nem mesmo a justificativa apresentada pelas esquerdas de que desse processo de reforma a própria burguesia poderia sair fortalecida, justificando a postulação com a possível criação de um mercado interno, nem isso a sensibilizava. A única aliança que, de fato, começa a se fortalecer é a que passa a se firmar entre o capital de base urbana e a propriedade fundiária. Só esta é que se efetiva e se torna base para a nova ordem em construção, da qual não apenas resultaria uma gradual e segura territorialização da burguesia nascente, mas também uma rejeição definitiva, a partir daí, de qualquer bandeira de luta que partisse do reformismo agrário como eixo ou princípio motor. Em geral, nas camadas ditas progressistas, mesmo entre segmentos da própria burguesia industrial, continua a predominar uma rejeição mais ou menos explícita ao latifundismo. O latifúndio era condenado, pelo menos no plano do discurso, como uma representação do atraso ou restrição ao desenvolvimento das forças produtivas do capital. Ninguém parecia ter dúvidas a respeito, mas não havia nenhuma disposição de assumir o ônus de uma solução dessa problemática. O sistema do latifúndio, assim como amplamente reconhecido, travava o crescimento do mercado e impedia a modernização das relações sociais. Parecia haver unanimidade, como se não realizar uma reforma nessas circunstâncias tivesse o mesmo sentido de adiar o progresso. No plano da retórica, pelo menos, reformar era a condição fundamental para a modernização do País. Mas nada disso sinalizava para a construção de uma alternativa própria. Parte dessas argumentações se devia a um esforço de convencimento de camadas burguesas reticentes pelas esquerdas e tão-somente disso. Além do mais, a radicalização que impunham à defesa dessa proposta era, na maioria das vezes, unilateral, pois se a reforma agrária era necessária à modernização, ANTI - REFORMISMO , ESTABILIDADE , DESARTICULAÇÃO SOCIAL

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106  N E L S O N D E O L I V E I R A assim como viam e procuravam convencer, e a modernização não se coadunava com latifundismo, quase nunca se perguntavam sobre as perspectivas de classe desse processo de modernização, como se cada coisa viesse a seu tempo. O desenvolvimento por etapas cegava até mesmo o bom senso. Mas, mesmo não sendo muitas, nem tão significativas, eram notórias certas divergências ou, pelo menos, desconfianças entre os que comungavam com essa perspectiva dita progressista ou de esquerda. Às vezes parecia muito claro que tomar como fundamento da reforma promover a modernização do capital, significava abdicar da construção de um projeto próprio, e o atrelamento e subordinação, não só da esquerda — no caso desta, conscientemente — como dos pequenos lavradores e trabalhadores em geral, a frentes pretensamente progressistas do tipo da que se vinha tentando formar contra o atraso. Ora, era a própria esquerda que já se colocava previamente como representação destas forças ditas atrasadas. Nessa frente quase nunca se acenava para a forma concreta como se vinha consolidando o domínio do capital no País, ou para o significado mais concreto das convenientes articulações entre os segmentos agrários e comerciais, e dos grupos que emergiam como primórdios de um capital industrial e bancário. Portanto, as avaliações críticas ficavam sempre a meio do caminho, deixando-se no ar o que se poderia esperar daí, a não ser uma vaga modernização do País. Só podiam justificar-se, assim, pelo silêncio ante as mazelas estruturais. O que se demandava como modernização, se quase nunca ficavam definidas as reais fontes dessas mazelas estruturais? Isto nunca ficava claro ou preciso quanto ao seu real significado. Assim, por exemplo, sempre que se ampliava o entendimento sobre o significado político da modernização, à medida que esta passa ser reivindicada concretamente como democratização dos meios de produção, em particular da terra, fragilizava-se qualquer intuito de formalização das referidas frentes progressistas. A partir daí, as coisas de modo geral tendiam a ganhar outro rumo. Foi fundamentalmente isso que aconteceu durante o processo de constituição e afirmação das Ligas Camponesas, entre dois períodos marcantes da trajetória política nacional: o desenvolvimentismo de Juscelino Kubitschek e o populismo de João Goulart. O frentismo teria tido aí sua maior oportunidade histórica. A modernização das relações sociais ganhava caráter de prioridade; clamava-se por alianças

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 107 estratégicas de classe, ampliando-se expectativas e gerando-se, ao mesmo tempo, grandes ilusões. As lideranças das Ligas sempre demonstraram ter consciência dessa necessidade de modernizar as relações sociais. Pretendiam romper uma tradicional prerrogativa dos patrões — tradição típica do atraso que condenavam — de regular a força de trabalho nas suas propriedades e segundo suas conveniências, sem obediência a nenhuma regra ou direito público. Buscavam impor freios legais à superexploração, não se tratando nem mesmo de destruí-la. Mas cedo se convenceram de que nada disso constava da pauta dessa modernização ensaiada. Talvez não soubessem os trabalhadores organizados nas Ligas — ou, pelo menos, não se deram conta suas lideranças — que o direito era também uma propriedade dos que já o detinham, e que este não podia ser assim, sem mais nem menos, disseminado. Disseminar direitos significava promover uma inclusão social que não era e não fazia parte de nenhum desiderato patronal. O social-reformismo nunca fincara suas asas nessas paragens.25 Ao incluir a luta pelo direito à posse da terra, num momento de plena ascensão modernizadora no País, como parte dos caminhos para a reforma nas suas estruturas agrárias, as Ligas reforçam o que vem a se tornar eixo emblemático no imaginário popular de uma proposta de reforma agrária radical. Talvez por isso tenha-se defrontado, de forma tão violenta, com o reacionarismo dos grandes proprietários da Zona da Mata pernambucana e paraibana, que soube usar as suas prerrogativas legais para impedir os intentos. Muito cedo se percebe. Só poucos podiam jogar. A propriedade era a lei, e sua disseminação, nada mais do que a ante-sala de um indesejado coletivismo, como visto pelas elites fundiárias mais reacionárias, para as quais repartir a propriedade teve sempre o significado maior de repartição do poder, e repartição do poder de caminho para a refundação do próprio conceito de nação que, abertamente, defendem e não desejam ultrapassar. Aceitar novas regras para o direito, para todos eles, seria mais do que uma inconveniência legal, um delito político ou um suicídio; tanto a defesa de uma incorporação legal e pacífica dos pequenos produtores na totalidade sistêmica, como a de uma reforma que conduzisse a uma ruptura com os padrões de dominação predominantes. Com tantos senões assim e indefinições é que as reformas agrárias tendem a ser abortadas antes mesmo de seu nascedouro. A contriANTI - REFORMISMO , ESTABILIDADE , DESARTICULAÇÃO SOCIAL

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108  N E L S O N D E O L I V E I R A buição dada pelos meios de informação não foi de pouca valia. A imprensa, pelo seu sensacionalismo, foi até decisiva para que tudo permanecesse na eterna confusão: para que quase nunca se soubesse de fato para que ou por que reformar. Pois antes disso a diluíam e a transformavam habilmente numa colcha de retalhos de conflitos fundiários e reivindicações sociais, de um modo tal que se perdia de vista a importância e percepção real de sua necessidade e a sua real dimensão sociopolítica. A confusão era funcional aos interesses dominantes dos grandes proprietários, exercendo impactos que lhes eram bastante favoráveis. Um desses impactos é que quase nunca ocorria uma preocupação em qualificar de fato o que se entendia como reforma agrária, nem mesmo pelos que estavam à frente da luta. Em meio a essa indefinição geral, ora a reforma agrária era entendida como uma revolução, ora não passava de simples medida de redistribuição fundiária. A polissemia do termo e das necessidades refletia a confusão gerada pela necessidade de formar uma frente que diluía os interesses das classes dominadas num vazio, que não era tãosomente de ordem conceitual. A razão moderna cegava até mesmo o bom senso das representações de classes, destas que fingiam não perceber as implicações dessa diluição ou assimilação passiva do discurso contra-reformista e de sua assunção como expressão do atraso.

Continuísmo anti-reformista A diversidade de entendimento passa a ser tão ampla quanto a confusão que reina em torno de sua tradução conceitual. Isto desde sempre, mas, sobretudo, no caso brasileiro, a partir do Estatuto da Terra, de 1964, ou da edição do Plano Nacional de Reforma Agrária (PNRA), em 1985, ambos criaturas de novos regimes, o primeiro, fruto do regime militar, e o segundo, da sua queda e ascensão do que veio a ser denominado de Nova República. O primeiro, procurando promover uma desobstrução setorial tendo em mira, por uma ênfase cuidadosa nos segmentos mais competitivos, tornar possível uma modernização efetiva do campo; e, o segundo, regionalizar este processo de desobstrução, sem perder de vista a ênfase nos segmentos mais capazes de propiciar uma integração efetiva aos núcleos hegemônicos do capital. Não se pode dissociar o PNRA do Estatuto da Terra, isto por diversas razões. Vamos prender-nos aqui a algumas delas, em função do

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 109 objetivo do próprio texto. Partimos do pressuposto de que uma reforma agrária que pretendesse ir além do simples ajuste setorial ou regional, teria de ter um cunho nacional. E de que, no caso, tanto do ET como do PNRA, nem por sua abrangência nem por sua profundidade pode-se afirmar que tenham sido ambas, rigorosamente, propostas nacionais de cunho transformador. Por outro lado, apesar de se arvorarem o tempo inteiro de reformistas, no próprio processo de sua implementação se descaracterizam totalmente, como se não pretendessem de fato se tornar o que insistiam em difundir como seu imaginário. Em relação à sua amplitude, nenhum desses projetos conseguiu tornar-se nacional e, desse modo, se viabilizar regionalmente, numa demonstração cabal de que outros eram seus objetivos e das forças que, em tese, podiam ter-lhe dado sustentação. As circunstâncias em que foram elaboradas são distintas, mas seus fundamentos nem tanto. O Estatuto da Terra não passou de aliança firmada de modo conveniente entre forças contra-reformistas, e uma tentativa de legitimar um regime autoritário no seu nascedouro. Não foi, nem nunca foi anunciado como uma reforma agrária, assim como parecia estar na cabeça de seus principais idealizadores. Poderse-ia tomá-lo como tentativa de ajuste do campo a uma nova tendência do capital, amparado numa retórica reformista, nada mais do que isso. Mesmo quando pretendeu ensaiar passos reformistas, não foi muito além de instrumento de consolo das elites fundiárias, ao contemplar, no conjunto das medidas preconizadas, fundamentalmente, os interesses de grandes proprietários e empresários rurais, utilizando a perspectiva modernizadora como meio para consolidar os mais antigos vícios de dominação das grandes oligarquias brasileiras. No caso do PNRA, a orientação não foi distinta. Pequenas diferenças, quando existem, são talvez resultantes do próprio contexto em que foi elaborado, e de ter sido proposto como medida com caráter explicitamente reformista. Foram determinantes nesse sentido a queda da ditadura militar e a emergência de um novo governo civil, escolhido por um colégio eleitoral, ainda sob os auspícios do velho regime, portanto fracamente legitimado, diante das fortes pressões à altura, contra a ditadura e por eleições diretas. Como presidente escolhido indiretamente, e ex-membro da própria ditadura, o caminho natural do novo preposto civil, o ex-líder da Arena José Sarney, foi construir pontes para a sua legitimação. Nesse momento, ante as pressões do ANTI - REFORMISMO , ESTABILIDADE , DESARTICULAÇÃO SOCIAL

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110  N E L S O N D E O L I V E I R A movimento popular por reforma agrária, o caminho escolhido pelo novo governo foi então defendê-la abertamente como prioridade governamental. A história se repetia. A mesma estrada que teria conduzido ao Estatuto da Terra, também conduziu ao PNRA. Independente de qual tenha sido a motivação política, ambas as propostas partem de um anseio que parece generalizado e procuram antecipar-se aos seus prováveis desdobramentos. O governo recémempossado da chamada Nova República transforma o Congresso da Contag (Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura), que então se realizava, em palco no qual desfila seus compromissos com alterações na situação fundiária. Praticamente aí é que lança o PNRA, ainda em esboço por técnicos e assessores diversos, alguns deles já participantes do anterior Estatuto da Terra. Não somente técnicos, mas o que passa a ser moda desde então, com a participação da sociedade civil. O governo não pretendia perder tempo, podia-lhe custar caro: o tempo de sua difícil legitimação. O custo maior era refazer a cara da ditadura: reconfigurar o antigo regime como democrático, e convencer uma população desconfiada de que isto era verdadeiro. Daí as inúmeras ambigüidades. Para técnicos e diversos intelectuais envolvidos na proposta reformar tinha um significado distinto do que aparentava ter para membros mais influentes do staff governamental, novamente levantando-se a velha problemática: uma reforma para os incluídos ou para os excluídos? Esta passava a ser uma preocupação cada vez maior. Reformar como passo para um refazer dos caminhos ou para incorporação passiva de não integrados aos caminhos já construídos? As lutas nem sempre procuram dar respostas. Do ponto de vista dos trabalhadores do campo em geral, uma reforma só se podia configurar como tal se fosse transformada numa via para a integração dos excluídos. Mas nada disso ficava bem esclarecido, muito pouco se distinguindo da retórica dos seus intelectuais e do próprio governo. Em meio a esse turbilhão de ambigüidades, passa a predominar um grande vazio. O movimento impõe-se a qualquer projeto, e os projetos dissociam-se do movimento. As lutas parecem esgotar-se em si mesmas. A proposta de reformar o campo é limitada a aspectos exclusivamente fundiários. A partir de seus principais instrumentos, e da forma como a luta era encaminhada, pouco se podia vislumbrar como possibilidade de articulação entre os anseios dos trabalhadores do campo e das classes trabalhadoras urbanas. Cada

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 111 vez mais ficava-se entre uma política de ajuste fundiário e uma política social. Esta indefinição contribuía para abrir fendas sempre maiores no Projeto, aprofundadas e ampliadas a cada momento. A transformação da reforma numa mera proposta de assentamento rural foi uma delas; outra, foi sua regionalização. Ambas destoam de qualquer aceno de transformação mais profunda nas relações sociais, aproximando-se bem mais dos acenos oficiais de ajustar a realidade do campo, a partir de suas especificidades locais ou regionais, aos núcleos dinâmicos do capital, do que transformá-las. A implementação de programas regionais de reforma agrária, ao lado da prioridade conferida aos assentamentos rurais, como uma das prioridades do PNRA, foi mais do que um modo de assumir as diferenças como fundamento estratégico. Foi a maneira de destituir a totalidade estrutural como alvo de uma transformação, que terminaria assim por se isolar mediante a ênfase em medidas tópicas e desarticuladas de objetivos mais profundos. A ênfase no regional serviu, portanto, como meio para o mascaramento das reformas estruturais e como argumento pouco sólido, mas muitas vezes convincentes, da contra-reforma. Os mais diversos sentidos da reforma, a partir daí, baseiam-se em tentativas de reorientar suas perspectivas estratégicas. A alegação para a regionalização e para as políticas de assentamento em geral fundava-se nos mesmos pressupostos de que a questão da terra não se confundia com uma questão agrária, porque a agricultura já se articulara, desde muito, às tendências mais modernas do capital; e que, portanto, nada disso contribuía para que a questão da terra fosse vista como uma questão nacional, resumindo-se a política reformista às demandas de funcionalização da agricultura às necessidades do próprio capital. Uma questão nacional, se existia, resumia-se à necessidade de apaziguamento dos conflitos reais e potenciais de classe, no caso, à contenção da radicalidade das lutas sociais. Daí a expressão maior ou menor das diversas regiões. Como era admitido que a questão agrária já havia sido resolvida no centro-sul do País, restava, mediante a regionalização da reforma, resolvê-la nos demais espaços, como norte-nordeste, sul e centro-oeste. A política era de contrainsurgência. Procura-se ganhar tempo, à medida que se procura esvaziála. E nada melhor para esvaziar um projeto do que construí-lo de forma ambígua, sem definição mais clara de seus objetivos, assim como vinha sendo efetuado desde a edição da Lei de Terras de 1850. ANTI - REFORMISMO , ESTABILIDADE , DESARTICULAÇÃO SOCIAL

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NELSON DE OLIVEIRA

Contra-reforma em transe neoliberal Quando o PNRA foi lançado oficialmente, ao lado de tantas expectativas de que algo de novo emergia de fato, enfrentava-se um dos períodos mais turbulentos da nossa história recente, demarcado por um quadro de crise que se alastrava por todos os poros da sociedade. Foi um período demarcado pela imposição de programas de ajuste estrutural em toda a América Latina, sob a égide do Banco Mundial e do FMI, destacando-se a ressurreição deste último, após anos de marasmo e de insignificância regulatória. Valendo-se da situação vivida pelo conjunto dos países latino-americanos, entre eles o Brasil, condições bastante rígidas de ajuste passaram a ser impostos aos referidos países, altamente endividados e sem condições de cumprir seus compromissos com a finança internacional. Para o Banco Mundial, assim como para o FMI, a liberação dos mercados assumia nesse momento papel primordial no ajuste estrutural desses países, e passa a se transformar no eixo fundamental das condicionalidades impostas para a reintegração dos referidos países nos mercados financeiros globais. A rigidez das imposições torna-se uma norma. A abertura indiscriminada das contas mercadoria e capital não só se tornam exigência como passam a ser assimiladas cada vez mais como necessidade pelos responsáveis, em âmbito ministerial, pela política econômica. Forja-se uma nova realidade em países como Brasil, Argentina ou Uruguai, em que políticas nacionais se confundem com políticas de ajuste e estabilização sob a ótica predominante de seus principais credores. Os anos 1990 foram definitivos. Entre Collor/Itamar Franco e Fernando Henrique Cardoso, desenha-se um quadro de submissão aos organismos financeiros que, se não são tão peculiares às respectivas gestões, contribuem para anunciar uma nova perspectiva de ajuste passivo e de submissão à vontade declarada dos organismos financeiros. A situação não era nova, pois já vinha desenhando-se desde pelo menos os anos 1980. Mas a conjuntura era bem outra. Em relação mais concretamente ao Brasil, no início da Nova República, sobretudo após a moratória técnica do governo Sarney, as exigências ainda não eram tão acentuadas, sob nítida influência da própria conjuntura de transição. Até mesmo porque não estava muito claro o que

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 113 poderia vir a acontecer. De fato ninguém sabia ao certo qual a natureza da “transição democrática”. As dúvidas estimulavam a “sabedoria política”, contornando-se qualquer possibilidade de conflito mais agudo na busca de alternativas. As lutas sociais apontavam várias possibilidades e direções, aguçando assim as incertezas quanto ao futuro. Isto talvez explique a limitada ofensiva dos organismos financeiros na circunstância, nada disso significando que tivesse deixado de intervir. Ressaltam apenas os cuidados que derivavam das incertezas. A habilidade exigida era muito grande, em se tratando de fazer retornar aos eixos uma periferia que, em certos momentos, parecia almejar uma certa autonomia decisória. Claro, o Brasil não era qualquer periferia. Não apenas pelo volume de investimentos aqui efetuados pelas grandes empresas multinacionais, mas, sobretudo, pelo tamanho da sua dívida externa. A dívida, pelo seu elevado montante, ameaçava a saúde e a estabilidade das finanças internacionais. Portanto, todo cuidado era pouco. A moratória técnica de 1987 deixara um rastro de preocupação. Havia sempre uma possibilidade de que o exercício da soberania fosse exercido. Pondera-se a implicação de tomadas de decisão soberanas dos Estados nacionais, em relação aos organismos financeiros e de regulação internacionais, sobre a continuidade do ciclo de valorização dos capitais. Daí a cautela, sempre acompanhada de uma busca das formas mais adequadas e convenientes aos interesses da finança internacional de resolver a situação. Talvez por isso se verifique um certo atraso do Brasil, quando comparado aos demais países do Cone Sul, por exemplo, no tocante à adoção de políticas de ajuste estrutural. Temiase a implicação de uma moratória em cadeia. De qualquer modo, o acesso do País ao circuito financeiro internacional havia sido praticamente cortado, limitado a alguns poucos já contratados anteriormente. Era parte de uma represália branda e, ao mesmo tempo, naturalmente, um aviso. A decisão não poderia ser bem-vista, nem muito menos aceita. Nada, porém, sinalizou para uma radicalização de posições. É sintomático que o Banco Mundial não deixa de operar no País, e que, de forma limitada, tenha mantido os seus compromissos, como organismo financiador, praticamente inalterados. No tocante às políticas agrárias, as suas repercussões foram, de fato, bastante sensíveis, não só pelo ângulo do financiamento como das novas facetas da reestruturação dos mecanismos regulatórios até ANTI - REFORMISMO , ESTABILIDADE , DESARTICULAÇÃO SOCIAL

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114  N E L S O N D E O L I V E I R A então em curso. Desde muito, essas imposições já eram notórias. Já se faziam sentir nas alterações promovidas em programas como o Polonordeste, refletindo os interesses do Banco Mundial. A criação do PDSFN (Programa de Desenvolvimento do Sistema Fundiário Nacional), para além de qualquer influência dos militares na sua criação, já refletira uma estratégia contra-reformista dos próprios organismos financeiros internacionais, não apenas do Banco Mundial.26 Mas foi sobretudo este que durante o período mais atuou para instituir elementos de contra-reforma a cada momento em que pressentia qualquer indício de avanço da idéia reformista. Como instituição financeira não via — e não podia ver mesmo — como politicamente saudável qualquer avanço nessa direção, utilizando toda a sua capacidade de intervir para anular no nascedouro qualquer intento que assumisse a bandeira da reforma fora dos marcos sistêmicos estabelecidos. De início, procura atuar nas franjas como um coadjuvante, mas aos poucos vai impondo-se nas discussões, introduzindo os elementos que considera mais relevantes para que as políticas voltadas para o campo pudessem vir a contar com seu apoio. Ter seu apoio, nesse momento, era o passo fundamental para a viabilidade de projetos de reforma que tinham o aval do governo. Foi assim que durante e após os anos 1990, aproveitando-se das fragilidades estruturais de um país altamente endividado, buscando construir diques de contenção contra os movimentos sociais que lutavam pela terra, que o Banco passou a introjetar paulatinamente sua visão como dominante. Suas consultorias tornam-se cada vez mais eixos ideológicos de uma nova construção que passa a se impor às já existentes, carregando consigo as mais distintas camadas de intelectuais que, de um modo ou de outro, tinham no campo seu objeto principal de estudo. Sob a ótica desses consultores não parecia haver dúvida de que era necessário dar um novo significado à política agrária. Para estes, nada poderia ser mais contraproducente à altura do que insistir em velhos discursos. Isso não queria dizer negar em princípio a reforma, mas reformá-la significativamente, qual seja, reorientar seus fundamentos de tal modo a adaptá-la às necessidades do presente. O que se exige é uma mescla, segundo entendem, de projeto para excluídos com uma proposta que atente prioritariamente para o mercado. A questão passa a ser, portanto, bem outra, já que nenhuma reforma podia configurar-se como tal se se eximisse da integração nas

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 115 demandas do mercado de competitividade e eficiência. Uma reforma descolada da lógica estritamente mercantil, mas do que um desperdício, era um puro contra-senso. No caso, para o Banco Mundial e para seus consultores nacionais, o momento estava a exigir uma reforma no campo que não se descolasse das reformas gerais em curso, envolvendo desde a abertura de mercados às privatizações, comprometidas com a reintegração do País aos circuitos financeiros internacionais. O mercado torna-se um imperativo, e a reforma agrária não um passo no caminho de prováveis rupturas estruturais, mas dos ajustes necessários para a plena integração setorial. Só assim se podia justificá-la. Quase todas as organizações que tratam da reforma, direta ou indiretamente, passaram a assumir esse desiderato. Todas passaram a assumir como fatal, acriticamente, a identificação entre reforma e mercado, como se uma sem o outro não pudesse mesmo existir ou funcionar. Assumem, mas sentem o peso da decisão, pela ampla confusão que passou a predominar. A confusão não atingiu apenas as chamadas organizações da sociedade civil. Até mesmo os técnicos encarregados da implementação das propostas oficiais em andamento desde cedo passaram a sentir o impacto das novas exigências, mesmo que fingindo, muitas vezes, desconhecê-las. O financiamento da reforma provinha em grande parte de instituições que não tinham nenhum interesse em alterar a correlação entre as forças dominantes no campo, apenas voltadas para a modernização das relações técnicoprodutivas. O PNRA esvai-se, assim, premido por uma dupla falta: de recursos e de fundamentos. Por meio das instituições financeiras e respaldando-se nas novas visões de integração competitiva, buscam-se outros caminhos. O mais importante passa a ser influenciar condutas e, quem sabe, ganhar as próprias cabeças, valendo-se, à altura, de uma possível fragilização ou fragmentação do movimento social. O significado da nova proposta é muito claro: criar produtores competitivos e integrados à lógica dos mercados mundiais. As condições que propiciam essa influência refletem a dependência dos projetos de reforma, ou dos projetos de assentamento, dos mercados financeiros e do Banco Mundial como um de seus mais importantes instrumentos de regulação. Exigências dos organismos financiadores, não somente do Banco Mundial como do Fundo Monetário Internacional, centradas na liberação das economias nacionais como condição para a sua reinANTI - REFORMISMO , ESTABILIDADE , DESARTICULAÇÃO SOCIAL

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116  N E L S O N D E O L I V E I R A tegração aos mercados, refazem percursos até então seguidos e agravam a problemática estrutural. Mas são encaradas como uma necessidade improrrogável. Após o Plano Real o que se pôde observar foi um abandono de qualquer projeto de sociedade que ultrapassasse a dimensão de mercado. Só passa a ser societário o que se enquadra nas exigências mercantis. Os resultados do Plano Real comprometem e agravam a dívida pública nacional. O orçamento é engessado e compromete a mínima autonomia da política pública. Nada disso, porém, abala a certeza dos que o tomavam como uma “necessidade histórica” do ajuste nacional. Os membros da equipe econômica do governo Fernando Henrique tornam-se os novos heróis de um neoliberalismo que queria levar todos ao altar da modernidade enfim conquistada. Pouco importava o que havia de real no Plano Real. Mais importante era a imagem que vinha sendo construída e até certo ponto aceita por grande parte da população. Refletindo pela ótica agrária, as conseqüências serão tão dramáticas como sob as outras óticas do emprego, da renda, dos direitos sociais, do crescimento da miséria e do aprofundamento da marginalidade social. Deve ser acrescentado apenas que, no caso da reforma agrária, parece ser clara a decisão de torná-la um anacronismo que devia ser definitivamente extirpado, atestando o interesse maior de excluir qualquer expectativa de ruptura estrutural — ainda presente nas discussões sobre questão agrária — do conjunto de mudanças promovidas numa sociedade que sempre teve na agricultura o paradigma de atraso mas, também, de resistência.27 A inexistência de sobras orçamentárias para a reforma agrária denota seu isolamento maior como projeto estrutural ou como uma necessidade social. O governo demonstra que não a considera uma prioridade estratégica e passa a responsabilidade de garantir até mesmo as mínimas condições de funcionamento dos projetos em curso para os organismos financeiros internacionais. Com isso, se não dá um tiro de misericórdia nas expectativas reformistas — pois a reforma se coloca muito além do simples interesse imediato dos governos — a recondiciona segundo uma lógica muito precisa. A lógica agora é a competitiva, devendo-se reconstruir o próprio significado da solidariedade embutida no projeto em algum momento. Reformar passa a ser criar as condições para o surgimento de vencedores.28 Nada mais do que isso interessava aos novos reformadores.

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 117 Aplicar recursos no campo, em assentamentos ou não, implica a aceitação das condições impostas pelo organismo financiador. Os movimentos sociais não encontram a forma mais adequada de reação. Eles também precisam desses recursos. A profissionalização dos movimentos sociais quebra um pouco o ímpeto de autonomia que sempre pretenderam demonstrar. Até mesmo estes passam, por carência não somente de recursos financeiros, mas muitas vezes por convicção, a reproduzir uma ideologia que mesmo resistindo a tomá-la como uma verdade, não deixam de encará-la como uma necessidade (de quem?). Mais do que um paradoxo, este passa a ser um dilema que não deixa de refletir a difícil construção da reforma como uma proposta unificada de cunho estruturante. Havia esperanças de que o governo Lula, eleito em 2002, embarcasse nas esperanças das massas de trabalhadores rurais. Mas este, desde que eleito, tampouco priorizou esse compromisso. A ideologia de griffe do Banco Mundial contaminou o novo governo, de modo tal que o tornasse cada vez mais distante de uma proposta de mudança e próximo do ideal de modernizar as estruturas que pudessem dar conta das mais prementes necessidades do País: pagar dívidas e assegurar a sua condição de cumpridor fiel dos compromissos internacionais. A contra-reforma ganha um novo tentáculo nas condições de eficiência que passam a ser exigidas dos pequenos produtores. Reforma confunde-se com produtividade mais elevada, cuja face mais sensível é o agronegócio. É sensível o afastamento definitivo dos princípios fundadores de um reformismo fundante de uma novidade estrutural e a aproximação do pragmatismo que, diga-se, não se limita ao governo, mas aos próprios assessores de áreas onde já existem produtores assentados. O discurso do crédito ou da cesta básica unifica os de baixo e o da eficiência e produtividade, aliado à integração competitiva os de cima. Uns afinados com a resistência, outros com a evolução, cujos elos o governo não deixa de perceber: o desvio da reforma de seu potencial como fonte de ruptura com os históricos mecanismos de desarticulação social. ANTI - REFORMISMO , ESTABILIDADE , DESARTICULAÇÃO SOCIAL

Reflexões finais Alguns aspectos podem ser ressaltados de tudo que foi tratado aqui neste ensaio. Não significa, contudo, que se possa tomar o desta-

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118  N E L S O N D E O L I V E I R A que como uma conclusão. Parte-se, no entanto, de que qualquer discussão que procure cingir-se aos limites da existência ou não de uma questão agrária no País, não se trata de algo mais do que puro engodo ou tentativa de mascarar os dramas de uma totalidade setorialmente estruturada pelo capital; e de que a crise do reformismo agrário reflete a sua assunção como mecanismo puramente funcional às necessidades do capital, ao invés de ponto de partida para a sua própria superação. Trata-se de equívoco que se repete historicamente, limitar o escopo de uma ação reformista ao âmbito de uma necessidade conjuntural. Foi isso que levou a que, cada vez mais, planos de reforma sejam confundidos com planos de ajuste conjuntural. Disso decorre a necessidade de que sejam precisos e fundados o entendimento de sua necessidade. O pragmatismo tende a tomar conta de tudo e de todos quando se perde de vista uma perspectiva de transformação que esteja baseada em argumentos concretos. Os riscos, neste caso, são muito grandes, sobretudo de isolamento de toda e qualquer perspectiva que aponte para uma necessidade de ruptura com a ordem estabelecida. A forma histórica de isolar a reforma de seus desideratos mais profundos e transformadores foi a de submetê-la às normas restritivas legais, antes mesmo que ela alcançasse status de necessidade real das classes que trabalhavam a terra. Uma reforma funcional às necessidades do capital seguiu dois rumos não excludentes entre si: o da funcionalização do agro e o de seu isolamento. Ambos acentuam a defesa da propriedade como objetivo maior e a setorialização como condição para uma efetiva articulação socioprodutiva à dinâmica do capital. No fundamental, qualquer que tenha sido a alternativa utilizada, o resultado foi sempre o mesmo: o isolamento dos trabalhadores pobres de qualquer possibilidade de construir um projeto que tivesse a cara das suas necessidades. Os mecanismos foram diversos, de natureza política ou ideológica, mas, de qualquer modo, foram e têm sido relativamente efetivos. Basta observar a “pujança capitalista” do agronegócio, de um lado, e a miséria dos acampamentos à beira das estradas, de outro. A naturalidade com que se assimila ambas as facetas desse contra-reformismo chega a ser surpreendente. Essa fácil assimilação não deixa de ser um reflexo do isolamento histórico de uma reforma que se desprendeu da posição de crítica da totalidade do capital, para se

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 119 firmar no papel de coadjuvante em funções meramente reprodutivas ou de legitimação social. A persistente miséria social dos campos e o seu rebatimento nas formas atuais de urbanização selvagem foram a resposta mais fiel ao silêncio diante dos mecanismos que nas últimas décadas reforçaram visivelmente esse dualismo: o corte estratégico entre políticas agrícolas para ricos e políticas agrárias — sempre desconectadas de projetos — para pobres. O corte entre políticas agrícolas e políticas agrárias foi, de fato, um dos componentes mais sensíveis dessa nossa miséria histórica. Até porque se podemos facilmente compreender o significado da política agrícola, pelo sem-número de incentivos creditícios ou fiscais, técnicos e de mercado, nunca foi suficientemente claro o significado da política agrária. Tudo isso sempre foi muito escamoteado. Na realidade, a confusão entre ambas foi, e tem sido, bastante funcional ao predomínio e eficácia do conjunto de medidas aqui consideradas eixos da contra-reforma agrária no País e de sustentação ideológica do anti-reformismo do conjunto das suas elites, plenamente satisfeitas com os rumos e sinalizações de uma estratégia cujo eixo era bem delimitado: aos ricos, incentivos materiais, e aos pobres, políticas sociais de acomodação estrutural. As propostas atualmente provenientes dos organismos financeiros internacionais chegam até a ir além, qual seja, partir da exclusão como uma decorrência da incapacidade de integração, e construir instrumentos que ensejem uma seleção dos mais competentes entre estes. O objetivo é claro: apoiá-los na medida em que seja viável a sua transformação individual ou como categoria social em produtores competitivos nos mercados nacionais e internacionais. As diferenças, contudo, não são muito sensíveis. As vias contra-reformistas do novo reformismo perpassam o ajuste, mediante a seleção dos mais aptos às demandas de mercado, cujo modelo é o agronegócio de exportação, referencial para todas as propostas voltadas para a acomodação do campo às novas tendências estruturais. Aproximar os pequenos da ideologia competitiva que brota dos negócios agrícolas não apenas expressa uma confusão, mas se trata de uma impossibilidade real: de tornar a reforma um passo até um capitalismo democrático, ou melhor, a contra-reforma numa alternativa de acomodação das forças sociais, isso considerando o ímpeto ainda demonstrado pelas lutas de classe no campo. ANTI - REFORMISMO , ESTABILIDADE , DESARTICULAÇÃO SOCIAL

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120  N E L S O N D E O L I V E I R A Mais recentemente, em meios acadêmicos ou jornalísticos, as questões levantadas passaram a se referir muito mais à oportunidade da proposta do que à sua atualidade, desdenhando uns a problemática e/ou desandando-a outros para âmbitos estritamente conjunturais; como se a persistência de uma estrutura social anacrônica, revelada na excessiva concentração fundiária, pudesse funcionar como uma denúncia das implicações de sua ausência ou, por outro, o capitalismo agrário moderno ou dinâmico-exportador pudesse ser considerado uma apoteose: uma clara demonstração de sua total inutilidade. Nem sempre, porém, a natureza concreta, política e histórica, das divergências chegou a ser aprofundada, como se estas pudessem limitar-se à necessidade de corrigir os efeitos de políticas — ou nãopolíticas — agrárias equivocadas do passado ou de, apenas, reinventá-la ou reconstruí-la como significado. Assim como disposta, a problemática revela-se parcial e insuficiente, por pelo menos duas razões que, como apresentadas, tendem a revelar-se amplamente inconsistentes, a saber: por tomar como fundamento da reforma agrária a atualização das relações sociais no campo, como se toda a problemática da reforma se limitasse à superação de um determinado anacronismo, dada a sua repercussão negativa sobre a situação social de parcela expressiva de trabalhadores e pequenos produtores rurais; ou, por descaracterizar a reforma agrária como simplesmente algo descartável — carente de uma reinvenção —, em função das circunstâncias atuais de modernização intensiva do capital, como se o próprio anacronismo não tivesse desempenhado qualquer impedimento ou tivesse, até mesmo, sido funcional ao referido processo de modernização. Ora, em que pesem os descaminhos e acertos já apontados por diversos grupos de avaliadores, uma reforma agrária não conseguiu até aqui firmar-se no Brasil como uma alternativa de transformação social, nem mesmo quando o País começou a transitar na direção das suas etapas mais características de modernização capitalista. Ela mais soou como uma proposta de ajuste e de inclusão social de determinadas camadas sociais a um — ou num — determinado modelo de acumulação, na maioria das vezes de forma passiva e determinada, do que qualquer outra coisa, ainda por cima marcada por ambigüidades diversas e pela falta de qualquer unanimidade entre os seus diversos postulantes. Mas foi assim que chegou a se tornar eixo fundamental

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 121 de uma problemática que esteve e continua a estar no centro dessa confusa definição hegemônica que demarca a constituição do Estado brasileiro, pela própria geléia geral em que se foi tornando o universo das classes e das instituições, e pelo significado muito pouco preciso, na maioria das vezes, de uma luta por transformação social. ANTI - REFORMISMO , ESTABILIDADE , DESARTICULAÇÃO SOCIAL

Notas 1 Impressiona, no caso, como os grandes conflitos que aqui grassaram desde a fase colonial vinham tendo como pano de fundo não a problemática da terra, como se esta não existisse, mas interesses contrariados de certos grupamentos vinculados a um incipiente capital comercial. Pode-se tomar como exemplo, as revoltas em Pernambuco, no Maranhão ou no Pará, na primeira metade do século XIX, para não citar outras mais significativas. Em todas elas foi predominante o silêncio em relação à existência de uma questão de natureza fundiária, com ressalva apenas para seus interesses contrariados. 2 A estratégia dominante dos conservadores do Império e dos novos republicanos foi silenciar sobre as principais implicações de um reforma institucional no País. Os discursos parlamentares de Joaquim Nabuco revelam a habilidade de uma figura importante do período, preocupada com as mudanças no mundo e a adaptação do País à modernidade do capital, cujo tipo-ideal eram os Estados Unidos da América, mas que nem sequer se referia à reforma agrária quando tratava de reformas, mesmo quando se mostrava arredio à aceitação da escravidão. É certo que chega a suspeitar da relação entre uma coisa — a grande propriedade — e outra — a escravidão —, mas prefere vislumbrar na descentralização do poder, com o fim da escravidão, a condição para uma modernização efetiva do país, uma modernização que, ressalte-se, prescindia de qualquer reforma que se traduzisse numa alteração dos critérios de apropriação fundiária. A modernização da grande propriedade estava à frente de qualquer proposta de seu desmonte estrutural. Ver Nabuco (1949). 3 O discurso em defesa da racionalidade, como exposto por André Rebouças, por volta da segunda metade do século XIX, amigo e correspondente de Joaquim Nabuco, faz parte desse conjunto de iniciativas não tão disseminadas. De qualquer modo, foi pioneiro na defesa da centralização como condição para a eficiência, criticando a grande propriedade escravocrata, por ineficiência, defendendo a divisão da grande propriedade em pequenas explorações nucleadas por uma fazenda central. Para ele, “[. . .] o princípio da centralização agrícola se transformará em princípio da centralização industrial [. . .]” (Rebouças, 1883, p. 6). 4 Não é de pouca importância o fato de, no momento em que o ocorre a segunda revolução tecnológica, no segundo quartel do século XIX, crise que assume perfil característicos de uma crise de preço em virtude da superoferta de alimentos, o Brasil encontrava-se ainda sob a dominação de relações escravocratas.

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Esse aparente cosmopolitismo funcionava como verniz civilizatório pelas elites brasileiras, muito distantes de qualquer compreensão mais ampla de construção nacional. Ao contrário do que já compreendiam até mesmo certos espíritos mais esclarecidos da burguesia mundial, as elites brasileiras não viam nenhum sentido na incorporação de qualquer fragmento do popular num projeto nacional. A nação das elites fundiárias estava longe de qualquer interesse numa fusão dos interesses, nem o consideraram estratégico em nenhum momento, nem mesmo taticamente. 6 Uma diferença provável entre os conceitos de bloco histórico e de desarticulação social perpassa a questão decisiva da construção da hegemonia. Pois se em Gramsci o bloco histórico pressupõe uma determinada consolidação hegemônica, de uma classe ou de uma aliança de classes, no caso da desarticulação social não. Aqui as hegemonias não são construídas facilmente, são sempre instáveis, quase nunca despontando alianças de classe que possam redundar na construção de um bloco coeso, assim como se imagina ter ocorrido em economias capitalistas, social e setorialmente articuladas da Europa. Para uma conceituação diferenciada de economias socialmente e setorialmente articuladas e desarticuladas, ver Janvry (1981). 7 Dúvidas que não perpassavam apenas problemáticas de natureza estrutural, mas sobretudo acerca da conveniência política para as classes que mantinham controle quase absoluto sobre os processos produtivos. 8 O hibridismo da política européia não pode ser tomado como generalizado. Há consenso, no entanto, de que prevaleceu nessa região, como modelo de política agrária, a seletividade dos agricultores. Para Claude Faure, “A política de seleção dos agricultores considerados mais aptos e de eliminação dos demais, tem sido comum a todos os países da Europa Ocidental, e se constituído um dos princípios da PAC. Mas” — ressalta — “nem todos os países as têm adotado com o mesmo vigor” (Faure, 1988, p. 185). 9 Retornando ao argumento de Claude Faure, referindo-se ao caso da Europa Ocidental, durante o período de implantação da PAC, adotaram a mesma orientação ou foram tão vigorosos na defesa de uma mesma orientação. As razões são, ao mesmo tempo, históricas e estruturais. “A Itália, por exemplo, tem um setor de agricultores minifundistas tão numeroso que se torna impossível planejar sua eliminação de forma rápida. A Alemanha, por seu lado, protege a sobrevivência de um grande número de explorações que em outro lugar seriam consideradas «não viáveis», em nome de considerações complexas de equilíbrio político. Os Países Baixos e Dinamarca, bem ao contrário, levaram muito longe a política de seletividade dos produtores” (Faure, 1988, p. 185). 10 Autores simpáticos às teses conservadoras partem de que o ruralismo seria virtuoso quando nos atemos à necessidade de união nacional. Na interpretação de Costa Porto (1985), numa defesa, mesmo do coronelismo, todos os períodos em que verificou uma ascensão do capital comercial foram propensos à perda de unidade, assim como durante

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o período colonial. A fase imperial, sobretudo após 1831, recupera o predomínio da agricultura sobre o comércio, portanto, mais propensa à unidade. Sempre assim. O ruralismo é confundido com o domínio das oligarquias agrárias, em tese mais nacionalistas, com todo o seu localismo, tomado aqui como base de sustentação do nacional, tomando-se a reforma agrária como ameaça, justamente por isso: por perturbar um equilíbrio necessário à construção de um projeto de nação unificada. 11 Anacronismo que tem aqui um sentido dúbio. Pois tanto pode ser uma proposta ultrapassada, já que o capital poderia ser realizado sem a efetivação de reformas agrárias, como pode ser tomada, à luz das teses mais conservadoras, como um comprometimento da unidade do País. Assim, portanto, como uma ameaça à paz e à harmonia entre as “classes produtoras”. 12 Talvez por isso seja considerada anacrônica a luta de diferentes pequenos proprietários em defesa de sua condição de camponeses ou pequenos produtores, estendido à defesa das diversas formas de propriedade comunal e outras, direcionadas preferencialmente à defesa de direitos ancestrais. Não apenas pelo sentido cultural e antropológico dessa resistência, mas porque pode comprometer a continuidade do ciclo reprodutivo do capital. Assim como configurada, não se enquadra nos pressupostos de uma luta reformista, já que atenta apenas para a preservação ou manutenção de determinadas relações sociais, ou de um retorno que, se não ameaça nunca o sistema, insiste em contornar as suas principais determinações. 13 No Brasil, até os anos 1960, só as organizações representativas dos grandes produtores eram consideradas legais pelo Estado. A essa resistência à incorporação dos pequenos como legítimos agricultores, corresponde a própria concepção de agricultura, sempre relacionada às atividades desenvolvidas no seio da grande propriedade. 14 À medida que o capital toma a dianteira dos processos produtivos na agricultura, pouco a pouco suas funções tendem a se restringir a âmbitos bem-delimitados, tais como as funções de reserva industrial — de mercado e de fornecimento de mão-de-obra barata, e de legitimação política das formas de acumulação. A dinâmica de agroindustrialização não esgota a necessidade de legitimação das diversas formas de maisvalia — a exemplo da recuperação de diferentes modos de escravização do trabalho no campo em pleno auge do progresso técnico —, como uma forma determinada de contribuição do campo para o desenvolvimento econômico. Nas palavras de dois sociólogos italianos, Giovanni Mottura & Enrico Pugliese, “a causa aparente do atraso na agricultura na sociedade capitalista consiste essencialmente em remanescentes institucionais do passado que permanecem funcionais aos objetivos primários do presente; objetivos que tanto podem ser socioeconômicos — desenvolvimento da agricultura capitalista, criação de um exército industrial de reserva — como ideológicos, a exemplo da difusão ideológica da propriedade camponesa ou negação da proletarização” (Mottura & Pugliese, 1980).

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Enquadram-se aqui não somente clássicos como Guimarães (1968), mas, também, produções mais recentes, de cunho teórico ou avaliativo, como: Silva (1996), Romeiro et al (1994), Medeiros et al (1994), Stédile (1994), entre outros. 16 Paradoxalmente, os que nunca a defenderam, foram os únicos precisos, nas intenções e nas propostas, os menos ambíguos, que nunca vacilaram em afirmar que a reforma era inoportuna e desnecessária, numa postura de classe nítida, pois longe dos interesses de classe a reforma não passava mesmo de mera palavra de ordem: de mero consolo para derrotados e excluídos. 17 Na transição do governo de Floriano Peixoto para o de Prudente de Morais, qualquer utopia significava um regresso, um retorno ao passado, e retorno ao passado não mais do que monarquismo. Esta teria sido até mesmo a justificativa maior, do ponto de vista oficial, para a repressão: a de fanatismo regressivo. 18 Eram firmas de capital norte-americano, contratadas para construir uma ferrovia, cujo contrato envolvia a exploração de madeiras. O único resultado desse contrato foi uma violenta devastação florestal e nada mais. Mas os agentes da ferrovia não se contentaram com a devastação e com os negócios da madeira, interferindo na consecução de projetos de colonização na região do Contestado, donde claramente excluíam os antigos trabalhadores, migrantes de várias regiões do País, em benefício daqueles oriundos de zonas européias. 19 Uma versão do conflito pode ser encontrada em Queiroz (1977). 20 É de notar que nem todo utopismo era condenado pela antiga monarquia ou pelos novos republicanos. A abertura republicana para os cooperativistas no Rio Grande do Sul, no mesmo período em que reprimia as utopias do Conselheiro em Canudos, e sintomática; assim como também, a postura do imperador Pedro II ante os fourieristas na península de Saí em Santa Catarina. Sobre esta última experiência, ver Thiago (1995). 21 Clóvis Moura ressalta a importância dessa experiência de luta, por ser a primeira em que se deu claramente, e por influência do antigo PCB, um território livre, em que “grupos se organizavam em mutirões, tanto para abrir novas frentes de posseiros como para guarnecer, através de homens armados as terras conquistadas na luta” (Iocoi, apud Moura, 2000, p. 113). A luta pelo “território livre” de Trombas do Formoso durou de 1948 a 1964, quando os camponeses foram derrotados pelas forças da repressão da ditadura militar. 22 O tenentismo não chegou a ter uma proposta acabada de reforma agrária. Mas chega a insinuar a sua necessidade como condição para a democratização do País. Entenda-se aqui como democratização, a realização de eleições livres e limpas que, segundo alguns de seus próceres, era impedida pela dominação que exercia o latifundiário sobre todos os que viviam no seu entorno. Para uma visão esquemática do tenentismo, ver Santa Rosa (1976). Para uma visão das conseqüências do latifundismo sobre os processos de dominação, com ênfase no controle exercido pelos coronéis sobre o voto, ver Leal (1986).

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Ressalta, no caso, o intento de colonização na fronteira agrícola do norte do País pela ditadura getulista, no auge do período repressivo. A colonização funcionaria como uma fuga ao enfrentamento estrutural, e como parte de uma resposta às aspirações por mudanças no sistema de apropriação de terras. Era a contraparte da repressão mais estrita às reivindicações. 24 Para uma visão esquemática da proposta da esquerda oficial do PCB no período ver Vinhas (1972). 25 Comparando as lutas travadas em Formoso e seus objetivos com os acontecimentos no Nordeste brasileiro, Clóvis Moura chega a afirmar que os objetivos das Ligas ante os de Formoso não passavam de reformismo, considerando, claro, o caráter revolucionário da experiência em Goiás. Texto sintético sobre as Ligas Camponesas, mas bastante informativo é de Aued (1986). Há aí um esforço de enfatizar o papel do PCB no processo de surgimento e estruturação das Ligas. 26 O programa mantinha-se fiel à política do general Figueiredo, de retirar o foco das políticas de desapropriação por interesse social e centrálo nas políticas de regularização fundiária. Esse redirecionamento do foco da política conta com apoio explícito do Banco Mundial e passa a soar como mais um engodo anti-reformista. Procura-se confundir uma política reformista com política de regularização de terras. 27 Contrapartida evidente dessa visão dominante foi o esforço deliberado do ministério encarregado dos assuntos fundiários nessa gestão de criminalizar abertamente os movimentos sociais de luta pela terra, em especial o MST. 28 As novas diretrizes dos programas cédula da terra e, posteriormente, do Banco da Terra, ambos patrocinados pelo Banco Mundial, já embutem essa necessidade, em mais um esforço contra-reformista.

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CAPÍTULO 3 AS APORIAS DO LIBERALISMO PERIFÉRICO: COMENTÁRIOS À LUZ DOS GOVERNOS DUTRA (1946-1950) E CARDOSO (1994-2002)1 PEDRO PAULO ZAHLUTH BASTOS

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Á R I O S T E Ó R I C O S L I B E R A I S alegaram que experiências de inter-

venção estatal na América Latina, visando o desenvolvimento industrial de economias agrárias exportadoras a partir da década de 1930, resultaram de projetos “artificiais” liderados por políticos populistas, elites predadoras de renda e ideólogos (sobretudo economistas) movidos, no fundo, por interesses particulares. Para políticos, o interesse da popularidade rápida e, sobretudo, irresponsável; para empresários, lucratividade fácil, protegendo-se da competição estrangeira e predando recursos públicos; para economistas, reputação, influência e cargos bem-remunerados no Leviathan em expansão veloz, descontrolada e ineficiente. Intervenção estatal, ideologia antiliberal, projeto “artificial” de desenvolvimento. A suposição implícita dos críticos liberais desta tríade é que eles, sim, conheceriam o curso “natural” de desenvolvimento distorcido por essa conjunção de interesses escusos; pois é por referência a um curso presumidamente “natural” de desenvolvimento que a “estratégia artificial” é criticada. A defesa do liberalismo nestes países periféricos, porém, enfrenta algumas aporias. Como saber qual o curso “natural” que deveria ter sido seguido, caso interesses inconfessáveis não tivessem desviado regiões inteiras do rumo correto? Como este “reino da natureza” não foi experimentado historicamente, sua existência (metafísica) não poderia ser, ela sim, o produto “artificial” da imaginação de teóricos liberais? Teóricos estes que, 126

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 127 então, poderiam estar interessados menos em ciência (com base na investigação empírica) e mais em critérios normativos para criticar a realidade objetiva em defesa de reformas liberais? O recurso retórico à metafísica do “estado de natureza”, aliás, não teve sempre intuito político (às vezes revolucionário) através dos tempos? Daí a indagar pelos interesses dos reformistas liberais vai um passo: lutam por ideais metafísicos ou interesses menores? Daí a sugerir que economistas proponentes de reformas liberais possam ser movidos pela busca (inconfessável) de reputação, influência e cargos bem-remunerados no mesmo Leviathan, agora em crise e redefinição, vai outro passo. Sem absorver o ônus da prova desta possibilidade (nem absolvê-la), este capítulo tem por objetivo: (1) apresentar a crítica de economistas liberais ao “artificialismo” desenvolvimentista, e a maneira como buscam dar densidade “empírica” ao presumido curso natural de desenvolvimento que poderia ter sido seguido na América Latina, comparando-o com o caso “asiático”; (2) discutir as experiências mais aproximadas e recentes de uma “estratégia liberal” (pelo menos no que tange à abertura externa) no caso brasileiro (governos Dutra e Cardoso); mostrando que a crise da abertura pretendida de início não foi produto de uma “reviravolta desenvolvimentista”, mas de uma crise cambial incontrolável e indesejada, particularmente porque a oferta de financiamento externo ficou aquém do esperado; (3) apresentar os efeitos “naturais” da crise cambial sobre a dinâmica de produção e investimento privado, induzindo processo de substituição de importações para um desenvolvimento econômico mais autárquico do que planejado pelos reformistas liberais; nesse sentido, o elogio da substituição de importações que se seguiu à crise da estratégia de abertura não resultou de uma preferência apriorística pelo nacional contra o importado, mas do fato de reagir a um problema inescapável: a necessidade urgente de superar ou atenuar a crise cambial; (4) constatar e discutir por que o processo de substituição de importações, que limitou a abertura externa no plano comercial, não foi acompanhado de redefinição antiliberalizante semelhante no plano financeiro, depois da crise cambial, uma vez que os governos insistiram em obter os fluxos financeiros que acreditavam corresponder AS APORIAS DO LIBERALISMO PERIFÉRICO

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128  P E D R O P A U L O Z A H L U T H B A S T O S à sua adesão “crível” a um ambiente regulatório atraente ao capital estrangeiro. Assim, o capítulo pretende realçar outra aporia do liberalismo periférico latino-americano: o fato de que, ao contrário do que alegam vários economistas liberais, um curso de desenvolvimento econômico menos “autárquico” e mais “natural” (aberto de diferentes maneiras à economia mundial) foi testado no Brasil em pelo menos duas circunstâncias. E que, a despeito de sua pretensão de corresponder ao “estado natural das coisas”, ele não se sustentou historicamente. Sua crise, por sua vez, induziu “naturalmente” um estado de coisas mais “autárquico” do que inicialmente pretendido pela opção liberal, por meio de alteração abrupta e indesejada da taxa de câmbio ou da proteção comercial efetiva. Sobretudo depois que a crise cambial pressionou o sistema de preços relativos e induziu a substituição de importações, os governos procuraram colaborar retirando “gargalos” que limitavam o “livre curso” da expansão induzida pela crise cambial. Sem, porém, reverterem a abertura financeira inicial, embora enfrentassem crises econômicas e oposição política a esta opção liberal. Não é difícil sugerir, a partir daí, que o projeto liberal era “artificial” e que a substituição de importações correspondeu a um curso de desenvolvimento induzido “naturalmente” por crises históricas do próprio projeto liberal. Este artigo, porém, não pretende assumir o ônus deste argumento em geral, embora admita, com as qualificações necessárias, que este pode ser o caso para as conjunturas históricas analisadas. O primeiro item, a seguir, resenha os argumentos liberais sobre o desenvolvimento econômico latino-americano. O segundo item discute o governo Dutra e o terceiro, o governo Cardoso. O último item faz considerações finais.

O padrão “natural” de desenvolvimento econômico As crises monetárias e cambiais latino-americanas nos anos 1970 e 1980 foram explicadas por economistas liberais de um modo inequívoco: resultariam da interferência estatal, exagerada, duradoura e ineficiente, no mecanismo alocativo presumidamente eficiente representado pelos sinais de preços de mercado. Em novembro de 1989, um amplo seminário promovido pelo Instituto de Economia Inter-

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 129 nacional de Washington sistematizou críticas ao modelo de desenvolvimento “autárquico” e “artificial” latino-americano, elaborou propostas “consensuais” para superar o modelo e comparou casos nacionais para avaliar o que vinha sendo feito para corrigir os “erros” por meio de reformas liberais (J. Williamson, 1990). As principais conclusões foram batizadas de Consenso de Washington e forneciam um conjunto de propostas de reforma liberal (comerciais, financeiras, patrimoniais, fiscais, cambiais e monetárias) para superar “erros” identificados. Estas propostas originavamse de diagnósticos liberais anteriores de que: (1) as crises monetárias e cambiais (incluindo a crise da dívida) que marcaram o esgotamento do “modelo autárquico de industrialização” resultaram do acúmulo de “erros” de política econômica, motivados por dogmas doutrinários ultrapassados e/ou atividades políticas “predadoras de renda”; (2) as crises seriam superadas por reformas e políticas “corretas” que liberassem o sistema de preços para alocar recursos sem interferências errôneas.2 O argumento típico alega que o modelo de desenvolvimento “autárquico” por substituição de importações industriais teria sido idealizado previamente e perseguido politicamente. A intervenção injustificada na eficiência alocativa do sistema de preços seria motivada tanto por atividades políticas “predadoras de renda” quanto por idealizações “artificiais”, “arbitrárias”, “antinaturais” a respeito do desenvolvimento latino-americano. O objetivo alegado dessa intervenção seria desenvolver a indústria substitutiva de importações, mas seu efeito prático era favorecer empresários ineficientes e prejudicar consumidores de bens nacionais piores e mais caros do que os similares importados. Os instrumentos dessa intervenção fracassada eram vários (incentivos fiscais e creditícios, sobrevalorização da moeda local, altos níveis de proteção comercial), mas seu pior efeito não era a transferência de rendas públicas, a curto prazo, para empresários ineficientes e políticos corruptos. Seu prejuízo mais duradouro seria a má alocação de recursos privados gerada pela distorção “artificial” do sistema de preços. A proteção estatal reduziria o escopo de produção/consumo afetado pelo comércio exterior e pela disciplina de eficiência alocativa exigida, induzindo realocações “artificiais” de recursos domésticos da produAS APORIAS DO LIBERALISMO PERIFÉRICO

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130  P E D R O P A U L O Z A H L U T H B A S T O S ção de bens exportáveis para produção de bens importáveis. Assim, tal proteção afastaria a alocação de recursos da direção “naturalmente” eficiente representada pelas vantagens locais, ou seja, iria desviá-la da especialização “correta” na divisão internacional do trabalho por proteger especializações “incorretas” e insustentáveis. Embora a opção intervencionista pudesse provocar expansões a curto prazo, ela teria fôlego curto. Em vez da opção natural de “take the right prices as they are”, a tentativa artificial de “make prices as whished”, além do limite do possível, seria contraproducente a médio prazo. Déficit público (induzido por populismo macroeconômico e incentivos/desperdícios fiscais), ineficiência produtiva (por proteção comercial) e manutenção de taxas de câmbio antiexportações (pela fixação nominal ou condescendência com inflação) gerariam tendência de déficit comercial e endividamento externo cumulativo, agravando eventuais restrições de divisas que se pretenderam superar. Uma hipótese central implícita ao argumento é a existência de um caminho “natural” de desenvolvimento latino-americano que só não foi seguido em razão da arbitrariedade dos grupos políticos e técnicos que o rejeitaram. O argumento enfrenta uma aporia: definir o que seria (ou teria sido) o desenvolvimento “natural” destas economias não é trivial e, à luz do que efetivamente ocorreu (um desenvolvimento presumidamente antinatural), defini-lo não pode deixar de constituir um exercício contrafactual, recurso próximo do “artificialismo” de que se quer afastar. Afinal, como o desenvolvimento “natural” não foi experimentado historicamente, sua “existência” não poderia ser o produto “artificial” da imaginação liberal (ou seja, ter apenas uma existência “teórica”)? Diante da dificuldade de superar esta aporia sem uma referência externa à própria experiência latino-americana, os exercícios voltamse para a história comparativa: a experiência de desenvolvimento latino-americana é posta defronte à experiência (estilizada) do Sudeste Asiático. Os casos nacionais do Sudeste Asiático ilustrariam o caminho “natural” que poderia ter sido percorrido pelos países latino-americanos. Aqui, “arbitrariedade”; lá, “natureza”: os pares são e podem ser os mais diversos (déficit público/equilíbrio fiscal; sobrevalorização cambial/câmbio justo; inflação/responsabilidade monetária; proteção redundante/proteção temporária, etc.), mas todos servindo ao dualismo artificialismo/naturalidade.

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 131 A comparação é complicada pelo fato de que a experiência de desenvolvimento dos países asiáticos é marcada pelo reconhecimento de que o papel do Estado no desenvolvimento da região é pelo menos “maior” ou “diferente” de algum padrão de desenvolvimento dito “clássico”. A presença do Estado no desenvolvimento de Coréia do Sul e Formosa, para não falar do Japão, não parece constituir exceção em relação a outros processos de industrialização tardia, não apenas na interferência indireta por meio de incentivos alocativos ao investimento privado direcionado, como também na intervenção direta de empreendimentos estatais em atividades essenciais e estratégicas.3 Esta dificuldade é contornada apontando-se a “ênfase” da intervenção estatal e sua convivência com políticas de comércio exterior “corretas”. Embora reconheçam a intervenção estatal na Ásia, os relatos liberais argumentam que a intervenção teria voltado a reafirmar sinais alocativos do sistema de preços e apoiar a alocação privada de recursos na direção “natural” das vantagens comparativas, preferindo um regime liberal de importações. Nisso, as economias asiáticas se teriam diferenciado do curso das economias latino-americanas depois da primeira etapa, “fácil”, da substituição de importações. Ao final desta etapa inicial, enquanto na América Latina se teria optado pela estratégia de aprofundar a substituição de importações em direção à segunda etapa, “difícil” porque exigente de fatores de produção escassos na região, no Sudeste Asiático a escolha recaíra em um caminho “extrovertido”: aí, a despeito da intervenção estatal, nunca se pretendera eliminar a disciplina e os sinais alocativos do comércio exterior e afastar a alocação de recursos de sua tendência “natural” (Balassa, 1981). Em suma, na comparação com a intervenção estatal predominante no Sudeste Asiático, a intervenção latino-americana perderia por não se limitar a apoiar o caminho “natural” indicado pelo sistema de preços (market friendly), mas por buscar revertê-lo de todo, orientando-o “para dentro” e não “para fora”. Ou seja, fechando-o à divisão internacional do trabalho, limitando benefícios da especialização econômica “correta” e protegendo decisões de especialização “erradas” (Krueger, 1985; Ranis & Orrock, 1985). Ao realizar essa comparação, o argumento liberal não recorre à hipótese de que restrições econômicas (não ideológicas ou corporativas) tenham impedido ou dificultado a consolidação do padrão “natural” AS APORIAS DO LIBERALISMO PERIFÉRICO

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132  P E D R O P A U L O Z A H L U T H B A S T O S de desenvolvimento econômico. Ao contrário, alega-se que restrições econômicas herdadas da disponibilidade relativa de fatores de produção, particularmente naturais, aconselhariam “naturalmente” à abertura e à especialização “correta”. Algo que só não se teria realizado em razão da conjunção de interesses e ideologias de grupos políticos, econômicos e técnicos particularistas prejudicados. Assim, as crises posteriores podem ser explicadas exclusivamente pela equivocada condução de políticas econômicas (unsound policies), porque se presume que não haja nada que as justifique de início, tirante ideologias erradas e interesses corporativos dos que as executaram. Em outras palavras, supõe-se que: (1) os policy-makers operaram em contexto livre de restrições econômicas internacionais ou locais que implicassem a insustentabilidade histórica do projeto de abertura; e, (2) eles poderiam/deveriam ter “optado” por políticas liberais, diferentes das implementadas e consideradas equivocadas à luz das teorias liberais invocadas para analisá-las: se um curso de desenvolvimento econômico “natural” foi bloqueado, isto não teria acontecido porque restrições econômicas o inviabilizaram, mas porque políticos, economistas e empresários liberais perderam embates ideológicos e políticos para congêneres “desenvolvimentistas”. As próximas seções deste trabalho pretendem avaliar o papel que restrições não ideológicas ou corporativas, mas econômicas, tiveram na dificuldade de consolidar um curso de desenvolvimento econômico menos “autárquico” no Brasil, em duas das circunstâncias mais recentes em que a tentativa foi feita: nos governos Dutra e Cardoso. Por que avaliar restrições econômicas, e não ideológicas ou corporativas? Primeiro, porque estes governos foram influenciados por propostas liberais de abertura externa. Como o argumento liberal para explicar o “desvio” para um desenvolvimento “mais autárquico” e “menos aberto” apela para restrições ideológicas e corporativas, tomar conjunturas em que os embates ideológicos e políticos favoreceram propostas de abertura externa é relevante para avaliar, ao revés, a sustentabilidade econômica destas propostas. Segundo, porque estes governos descreveram, de certo modo, um movimento pendular de política econômica, iniciando com propostas de abertura externa que explicitamente valorizavam a entrada barata de produtos importados e terminando com elogios à substituição

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 133 de importações industriais protegidas (espontaneamente ou não) da competição estrangeira. Terceiro, e mais importante, porque este movimento pendular não foi produto de uma “reviravolta desenvolvimentista” que decidisse embates ideológicos e políticos em sentido antiliberal. Resultou, sim, de uma crise cambial incontrolável e indesejada que tornou insustentável a política anterior; foram restrições econômicas, e não preferências apriorísticas pelo nacional contra o importado (motivadas por interesses corporativos ou ideologias ultrapassadas), que levaram estes governos a elogiar a substituição de importações, depois de tanto elogiarem as importações. Assim, se algum exemplo reverso pode ser dado pela experiência brasileira, é o de que um regime liberal de importações não basta para explicar o sucesso asiático e que as lições liberais sobre este sucesso estão desfocadas. AS APORIAS DO LIBERALISMO PERIFÉRICO

O pêndulo do governo Dutra (1946-1950)4 A opção liberal A opção inicial por uma política ortodoxa de combate à inflação no governo Dutra teve o sentido de rejeição ideológica e técnica ao intervencionismo “varguista”, considerado responsável pela aceleração inflacionária durante a Segunda Guerra. Um amplo consenso liberal formou-se entre elites políticas e econômicas a respeito das causas da inflação, responsabilizando o par intervenção estatal (déficit público) e proteção comercial (lucros extraordinários). O líder da campanha liberal foi inegavelmente Eugênio Gudin, já acompanhado do jovem Otávio Gouveia de Bulhões. O principal conflito ideológico deu-se em torno da proposta de planejamento econômico de Roberto Simonsen (líder da indústria paulista) ao Conselho Nacional de Política Industrial e Comercial (CNPIC), bombardeada por Gudin na chamada “controvérsia do planejamento”. Simonsen mostrava-se pessimista diante da possibilidade de assentar o crescimento econômico em exportações agrícolas e considerava essencial preservar a proteção “natural” propiciada pela Grande Depressão e pela Segunda Guerra, substituindo-a pelo protecionismo deliberado da indústria nacional no pós-guerra. Além disso, propunha fomentar o desenvolvimento industrial com crédito

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134  P E D R O P A U L O Z A H L U T H B A S T O S subsidiado e investimento estatal complementar e a criação de uma Câmara de Planificação na qual participariam industriais para alocar financiamento norte-americano tomado de governo a governo.5 A posição de Gudin foi editada em livro (Rumos da Política Econômica) e, indo muito além de críticas técnicas às propostas de Simonsen, associava a orientação econômica do Estado Novo e a proposta de planejamento ao autoritarismo político (citando teses contemporâneas de Hayek), sendo elemento incompatível ao movimento de redemocratização do País. Propunha modificar o modelo de crescimento em um sentido liberal: restaurar sinais de mercado por meio de abertura externa (comercial e financeira) e controle da inflação, para que recursos privados fossem alocados de maneira eficiente entre setores urbano e rural. Um ambiente regulatório atraente ao capital externo privado deveria ser criado, facilitando remessas de lucro e evitando a presença de estatais que empurrassem filiais internacionais de setores onde poderiam atuar (sobretudo infra-estrutura e extração mineral), havendo forte crença de que estas reformas seriam suficientes para atrair fluxos de capital capazes de financiar importações crescentes, seja para “reaparelhar” a estrutura produtiva, seja para combater os “lucros extraordinários” dos industriais e, portanto, a inflação. As críticas liberais de maior apelo político estavam na questão inflacionária, resultando da proteção comercial (lucros extraordinários) e de uma intervenção estatal arbitrária e excessiva que deveria ser abandonada junto com o Estado Novo: Como conceber uma ditadura econômica dentro de uma democracia? [. . .] Não discuto aqui ideologias. Mostro apenas a grave herança de capitalismo de Estado que nos ficou do regime totalitário que ora se extingue [. . .] Há muito quem pense — e pense erroneamente — que muitos dos empreendimentos não se poderiam ter realizado porque a economia privada não dispõe de recursos suficientes e porque só o Estado tem capacidade financeira para tanto. É um erro, baseado na idéia de que o Estado pode forjar capital [. . .] Mas papel pintado só é capital na cabeça dos inocentes. O que o papel-moeda faz é tirar do povo para as mãos do governo que emite o dinheiro (Gudin, 1945b, pp. 68, 81-2).

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 135 A principal reação de Vargas à campanha econômica liberal acabou reforçando-a. O decreto da Lei Malaia (n.o 7.666, de 22 de junho de 1945) transferia a responsabilidade pela inflação aos “trustes e cartéis” formados para cometer “atos contrários à economia nacional”, explorando a miséria e a impotência do povo.6 Esta reação, que visava aproximar Vargas do povo (e dos “queremistas”), acabou empurrando empresários para a campanha liberal, envolvendo manifestos da Ordem dos Advogados, da UDN e uma carta aberta das “classes produtoras” publicada na Folha da Manhã, unificando a Federação das Associações Comerciais, a Confederação Nacional da Indústria e a União das Associações Agropecuárias do Brasil Central, interpelando Vargas: “Crédito e papel moeda mais do que duplicaram em 10 anos. Para que procurar outra causa para a alta de preços, quando ela está aí evidente aos olhos de todos?” (Carone, 1976, pp. 369-77). O próprio Eugênio Gudin endereçaria carta a Vargas pedindo demissão dos órgãos de que participava como conselheiro por discordar frontalmente do DL n.o 7.666 (EUG/45.07.30cor). O efeito político da Cade foi, de um lado, reforçar a impopularidade dos industriais na questão inflacionária e, de outro, afastá-los de Vargas. Embora a vinculação da política cambial à proposta de reaparelhamento da indústria pelo regime de licença prévia (cinco meses antes) favorecesse os industriais, a legitimidade da defesa da proteção contra o dumping das importações era severamente afetada, se os empresários, já tributados por um imposto sobre “lucros extraordinários”, eram agora acusados de atos contrários à economia popular. O candidato pessedista Dutra também preferia não se afastar, na questão inflacionária, da matriz ideológica que orientava o programa da UDN.7 Não surpreende que o governo Dutra recebesse e aprofundasse as iniciativas de liberalização herdadas do governo provisório. Mantendo iniciativas para contrair a expansão do crédito e investimentos públicos, a revogação do regime de licença prévia das importações (PI-7) pela Portaria n.o 258 (28 de dezembro de 1945) começou o desmonte dos mecanismos cambiais instituídos no Estado Novo. Taxa de câmbio fixa, mas desregulamentação sucedendo-se gradualmente, pautando-se na crença de que receberíamos financiamento externo suficiente para sustentar o programa liberal de importações. AS APORIAS DO LIBERALISMO PERIFÉRICO

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Crise e reversão liberal Sabe-se que a liberalização das importações não durou todo o governo. Uma crise cambial forçou reversão ao regime de licenças prévias e seletivas de importações, restaurado em 1948. Mas a crise cambial não foi provocada, como Vargas gostaria de repetir, pelo boom importador de “bugigangas”. Pesquisas acadêmicas revisaram esta interpretação, considerando-se atualmente que a crise cambial de 1947 deveu-se também a que: (1) o saldo comercial tenha caído rapidamente em 1947, contando também com expansão de importações de bens de capital respectivamente de 47% e 57% em 1946 e 1947, mais que dobrando no biênio; (2) o surto de importações se tenha concentrado particularmente em moedas conversíveis (60% oriundas dos Estados Unidos), dada a lentidão da reconversão produtiva das demais economias industriais afetadas pela guerra, com as quais o País mantinha acordos de compensação bilateral; (3) as exportações se tenham concentrado em moedas inconversíveis (apenas 40% destinadas aos Estados Unidos), retidas como créditos nos acordos bilaterais; (4) o preço do café não se tenha recuperado até 1949 como era esperado, limitando a geração de créditos bilaterais e, sobretudo, de dólares; (5) a fuga de capitais propiciada pela liberação das remessas de lucro tenha gerado saídas líquidas de US$ 500 milhões entre 19461950, desfinanciado o balanço de pagamento e limitando a acumulação de reservas mesmo depois dos controles instituídos em 1948; (6) a hipótese de que a condição de “aliado especial” dos Estados Unidos compensasse o País com créditos de governo a governo tenha fracassado à medida que o esforço diplomático e financeiro norteamericano se deslocou para regiões problemáticas no início da Guerra Fria (Tavares, 1963; Malan, 1976; 1977; 1984; Vianna, 1987; Bastos, 2001). Em suma, a liberalização comercial não se mostrou viável e desaguou em crise cambial em razão de fragilidades inerentes à condição periférica do País nos planos econômico, político e cultural do mundo capitalista pós-Segunda Guerra, em particular da incapacidade de obter financiamento externo no montante desejado.

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 137 Em contexto de crise cambial aguda, a reversão ao regime de licenças prévias foi provocada pela inviabilidade prática de preservar a liberalização das importações. É verdade que o governo poderia ter desvalorizado a taxa de câmbio ou liberado-a (e o fez em parte). Mas mesmo economistas liberais reconheciam que as circunstâncias historicamente específicas do Brasil (exportador de commodities inelásticas ao preço) não aconselhavam a proposta em geral. Gudin repetia, em 1945, o recado de seu influente Café e Câmbio (1933), afirmando em palestra aos cafeicultores que “nenhum produto de nosso comércio internacional pode ser mais beneficiado pela estabilidade cambial que o café [. . .] as sucessivas desvalorizações de nossa moeda só tem tido efeito deprimente sobre os preços-ouro do café, com grave dano para a economia nacional, obrigando-nos a dar uma quantidade cada vez maior de sacas de nosso produto em troca de nossas importações” (Arquivo EUG/reg. Gudin Fº-pi45.09.16d). Em vez de generalizar taxa de câmbio desvalorizada ou livre, o governo preferiu promover as exportações de produtos “gravosos” com câmbio livre a partir de 1948, estimulando as exportações capazes de reagir a estímulos de preço. Por outro lado, a restauração do regime seletivo de importações permitia contornar a crise cambial sem experimentar o impacto inflacionário do encarecimento de importações essenciais. O efeito desta política é conhecido: o bloqueio da importação de bens não essenciais e o barateamento relativo das importações complementares representaram “um estímulo considerável à implantação interna de indústrias substitutivas desses bens de consumo, sobretudo os duráveis, que ainda não eram produzidos dentro do País e que passaram a contar com uma proteção cambial dupla, tanto do lado da reserva de mercado quanto do lado dos custos de operação. Esta foi basicamente a fase de implantação das indústrias de aparelhos eletrodomésticos e outros artefatos de consumo durável” (Tavares, 1963, p. 71; ver também Malan et al., 1977, cap. 5). A maioria dos intérpretes desta reversão alega não apenas que o governo foi forçado a realizá-la pela crise cambial (o que é inegável), mas também que era inconsciente dos efeitos da restauração de controles cambiais sobre a substituição de importações, o que não é corroborado por documentos oficiais (cf. Bastos, 2001; 2003). Já no discurso de fim de ano de 1947, Dutra anunciava programa de AS APORIAS DO LIBERALISMO PERIFÉRICO

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138  P E D R O P A U L O Z A H L U T H B A S T O S investimentos públicos (o que viria a chamar-se Salte) como uma reação diante dos limites da estratégia exportadora e como uma imposição das circunstâncias: Os recursos da nossa exportação são insuficientes. Ou procuramos outras fontes de exportação, ou havemos de substituir os nossos acréscimos de compra com produção nacional, evitando, desse modo, o aumento crescente da importação. Não é possível escolher, com exclusividade, um ou outro caminho. Não há dúvida, porém, sobre a conveniência e urgência de dotar o país de meios para incrementar a produção, através do reaparelhamento dos transportes, do aumento da produção de energia e da exploração de petróleo [. . .] Saúde, alimentação, transporte, energia e petróleo — são as balizas que devem orientar o nosso esforço de recuperação, uma vez reconhecido, depois do grande otimismo inicial, que a confiança inicial na estabilidade do setor externo se frustrara.8 O governo voltaria a reconhecer a necessidade de retirar gargalos à expansão industrial na Mensagem Presidencial de 1948, uma vez que a estratégia liberal fracassara. Agora, nas novas circunstâncias, para “[. . .] precaver os próprios interesses do povo, é necessário firmar a noção de que o Brasil precisa importar, mas com a finalidade de equipar-se convenientemente, para incrementar a sua indústria e aparelhá-la do que lhe falta” (p. 147). Enquanto o governo favorecia importações essenciais, o Banco do Brasil passou a realizar política de crédito mais acomodatícia (lembre-se que 1948 foi o primeiro ano da história em que os empréstimos para a indústria superaram os destinados ao comércio), de modo que se restaurava a combinação entre plano de investimentos, política cambial seletiva, câmbio fixo e política acomodatícia de crédito visualizada no final do Estado Novo. Não se exagere, porém, a racionalidade desta política. O Plano Salte foi pouco além de um somatório de projetos relativamente desconexos, reunidos formalmente em projetos de gasto que ultrapassassem o ano fiscal, sem definir cronogramas de execução e articulá-los a fluxos de financiamento (cf. Draibe, 1980). Não foi acompanhado de qualquer reforma administrativa, nenhuma agência central de coordenação, nenhum esquema novo de financiamento ou empresa

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 139 estatal. A única indústria nova a criar em seu anteprojeto (material elétrico pesado para geração e distribuição de energia hidrelétrica) desapareceria da proposta final: a substituição de importações ficava restrita aos ramos “fáceis”. Tratou-se de retirar alguns gargalos de infraestrutura ao crescimento econômico, crescimento este que acompanhou a expansão/diversificação industrial induzida, espontaneamente, pela crise cambial e pela proteção à substituição de importações: não foi produto de um plano governamental abrangente. De todo modo, o governo, forçado a uma reversão, não conseguia agradar nem a gregos nem a troianos. Velhos aliados liberais exasperavam-se porque a estratégia inicial de incentivo às importações começava a ser substituída pelo elogio do planejamento e da substituição de importações; Gudin escreveria uma violenta crítica ao Plano Salte, encarando-o como um retrocesso (cf. Bielschowsky, 1985). Vargas continuava torpedeando o governo de críticas (reunidas em A Política Trabalhista no Brasil) por seu caráter “liberal”, “anacrônico” e “omisso”, embora o elogio do planejamento feito por Dutra visasse em parte desarmar críticas da oposição ao alegar que o governo já tomara as iniciativas exigidas pelo momento. Mas o governo não agiria com a mesma presteza para controlar outra fonte de desequilíbrio externo: as remessas financeiras, facilitadas pela liberalização completa empreendida pela Instrução 20 da Sumoc em agosto de 1946 (“tendo em vista as condições favoráveis do mercado de câmbio”, no texto da lei), não paravam de aumentar sem que o governo restaurasse os controles originais. Por não criar nem contar com mecanismos internos de financiamento de projetos essenciais (e ter abolido até o fundo constituído com taxa de 5% sobre transações cambiais que financiara o programa que antecedera o Salte, isto é, o Plano de Obras e Equipamentos), o governo continuava esperando uma promessa liberal que também não se realizou: que um arcabouço amigável para remessas por si só induziria grande surto de financiamento externo. Tal não se deu, e o governo amargou um saldo negativo de 500 milhões de dólares de saídas líquidas de capital privado que manteve as reservas cambiais em níveis pouco confortáveis para financiar mesmo importações essenciais crescentes.9 Assim, a resposta à crise da estratégia liberal foi restringida por limites: AS APORIAS DO LIBERALISMO PERIFÉRICO

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140  P E D R O P A U L O Z A H L U T H B A S T O S (1) aos esforços de criação de mecanismos de centralização financeira interna que apoiassem investimentos locais (privados e estatais); (2) à articulação planejada de metas de investimento e de mercados a criar aos quais talvez pudessem integrar-se filiais internacionais, complementando investimentos locais (Bastos, 2001). Em outras palavras, o governo foi obrigado a dar meia-volta no pêndulo em virtude de uma crise que não queria experimentar; tomou consciência de certas ilusões do liberalismo periférico; mas permaneceu distante de retirar e buscar implementar todas as exigências práticas que pudessem corresponder a esta nova consciência. O pêndulo do governo Cardoso (1995-2002) A opção liberal Anos 1990, tempos em que a ofensiva política neoliberal prometia abundância de financiamento externo aos países (ditos “emergentes”) que aderissem ao Consenso de Washington. O sistema monetário e financeiro internacional fora virado de ponta-cabeça desde a escassez de financiamento externo experimentada por Dutra ou Vargas: a época dos “mercados domesticados” pelo acordo de Bretton Woods fora substituída pelo mundo das “finanças desreguladas”, por ciclos de entrada e saída de capitais mais curtos, pouco favoráveis ao investimento produtivo e sujeitos a movimentos especulativos e de contágio em escala global (Helleiner, 1994; Belluzzo, 1995). Em meados da década, Cardoso não inaugurava a abertura comercial e financeira no Brasil, mas a herdava de bom grado do governo Collor. As reformas liberalizantes de Collor foram anunciadas na campanha eleitoral de 1989, em que o candidato brandia slogans contra os “marajás” do serviço público, os “elefantinhos” do setor produtivo estatal e as “carroças” produzidas pelo setor automobilístico protegido. É claro que a opção liberal não era consensual, havendo forte polarização entre Collor e candidatos à esquerda (Brizola e Lula); mas tampouco resultava de idiossincrasia do candidato: suas posições liberais articulavam-se a um movimento reformista amplo que se gestara durante a agonia lenta do governo Sarney (cf. Cruz, 1992).

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 141 Uma vez no governo, tratou-se de realizar reformas semelhantes às que vinham sendo propostas pelas instituições multilaterais sediadas em Washington (FMI e Banco Mundial) e pelo Departamento do Tesouro dos EUA, visando, em linhas gerais, reduzir e delimitar o papel do Estado e aumentar o grau de concorrência (comercial e financeira) com menor proteção política e maior abertura externa. A abertura comercial iniciou-se já no governo Sarney com eliminação de controles administrativos, radicalizada no governo Collor e fazendo-se seguir de cronograma de desgravação que visava redução da média e da variância tarifária (cf. Holanda, 1997); a liberalização financeira também se iniciara com algumas iniciativas em 1988, acelerando-se até 1992 com facilidades abertas de movimentação via CC-5, dentre outras (cf. Margarido, 1997); o programa de privatizações foi inaugurado com o setor siderúrgico (Usiminas, 24 de outubro de 1991) estendendo-se depois para petroquímica, fertilizantes e, já no governo Cardoso, transportes, telecomunicações, energia e bancos (cf. Oliveira, 1996). O programa liberal foi ainda levado adiante no governo Cardoso com uma série de mudanças regulatórias que facilitavam o programa de privatização (EC-5 a EC-9/1995) e aprofundavam a abertura financeira, facilitando fluxos de capitais de diferentes prazos e perfis sob justificativa de adaptar o marco regulatório doméstico às novas oportunidades da globalização financeira (cf. Freitas & Prates, 2001). A justificativa da abertura comercial continuava, em parte, a mesma de cinqüenta anos antes: deixar para trás os lucros extraordinários, a diversificação excessiva e o descaso com ganhos de produtividade que seriam inerentes ao modelo protegido de substituição de importações. A novidade é que se passava a argumentar que a abertura comercial era uma necessidade imposta pela globalização, vale dizer, pela nova forma de internacionalização das corporações, operando em redes produtivas globais recorrendo ao outsourcing com níveis de integração vertical local menores do que, se alegava, na “época dos mercados nacionais protegidos”. Como a proteção à substituição de importações seria inadequada à atração de investimentos destas “empresas-rede”, a redução da proteção (acompanhada de privatizações e outras reformas do marco regulatório) atrairia investimentos que, por sua vez, financiariam o aumento das importações e eventuais déficits correntes resultantes, ao mesmo tempo que aumentariam a produtividade geral do sistema (cf. Franco, 1996). AS APORIAS DO LIBERALISMO PERIFÉRICO

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142  P E D R O P A U L O Z A H L U T H B A S T O S Com argumentos velhos e novos, liberar importações foi considerado um “dever de casa” para melhorar a qualidade dos produtos oferecidos no mercado brasileiro, criando pressão competitiva para que produtores internos (nacionais ou não) melhorassem suas plantas e/ou focalizassem suas atividades em produtos em que efetivamente fossem competitivos. Esta pressão competitiva tornou-se mais premente com o Plano Real, pois se tratava de usar a liberação de importações também para chancelar a estabilidade de preços: o cronograma de abertura foi acelerado no segundo semestre de 1994, durante a implementação do plano no final do governo Itamar, “como meio de evitar a transmissão para os preços das pressões de custo e de demanda que se manifestavam” (Bacha, 1997, p. 43). A pressão competitiva não resultava, porém, apenas da aceleração da abertura comercial, e era fortemente articulada à própria liberalização financeira, pois era acompanhada por uma política cambial que Edmar Bacha, talvez o principal formulador do Plano, chamou de “banda cambial assimétrica”, ou seja, o compromisso do BC de manter a taxa entre um limite superior de R$ 1,00 e um limite inferior indefinido, “que na prática provou estar em torno a US$ 0,83 por Real” (Bacha, 1997, p. 21), já que o real se apreciou rapidamente em julho de 1994, sob pressão da abundância de capital externo destinada então aos mercados emergentes. Gustavo Franco, então diretor do Banco Central responsável pela política cambial, admitia que: [. . .] ao abster-se de intervir no mercado de câmbio, o BC permitiu, como se esperava, e como não poderia deixar de acontecer, uma apreciação nominal da taxa de câmbio. Tratava-se de ir além de uma “âncora cambial” na medida em que se criava uma pressão deflacionária no universo de mercadorias e serviços com seus preços associados ao dólar. A deflação no câmbio, bem como em diversos outros preços determinados em mercados competitivos, produziu um choque de expectativas que se revelou fundamental, nas primeiras semanas do Plano Real (Franco, 1995, p. 59). A taxa de câmbio apreciada continuou a ser usada como recurso de controle dos preços domésticos durante todo o primeiro mandato de Cardoso. É verdade que, depois da crise do México, transitou-se

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 143 para um regime de bandas cambiais, em que o Banco Central corrigia a taxa de câmbio com depreciações nominais que pouco compensavam a apreciação do início do Plano Real (seguindo ritmo claramente maior que a inflação corrente apenas em 1997). O BC esforçava-se para manter controle sobre um ritmo de depreciação que não reduzisse a pressão competitiva das importações, recorrendo a elevações bruscas da taxa Selic, aumento de depósitos compulsórios e incentivos à entrada de capitais sempre que ataques especulativos ameaçassem o limite superior do regime de bandas (cf. Filgueiras, 2000; Prates, 2000). A decisão do governo Cardoso de não reverter a apreciação inicial do real foi justificada em vários textos de Gustavo Franco, executor da política cambial e, a partir de setembro de 1997, presidente do Banco Central; deixava-se claro que a taxa de câmbio verificada era necessária para reforçar a pressão competitiva promovida pela abertura comercial sobre preços internos, aumentando a produtividade empresarial e a renda real dos consumidores: AS APORIAS DO LIBERALISMO PERIFÉRICO

[. . .] a indução (à produtividade) tem viés deflacionista, pois o repasse pode beneficiar o consumidor se a maior eficiência é repassada aos preços e se a manutenção da competição estrangeira impede o uso de margens de lucro para a geração de lucros extraordinários retidos para fins de investimento. A abertura é a base para a construção de um novo modelo de crescimento [. . .] a abertura se tornou uma causa progressista em oposição ao protecionismo que busca suas justificativas em idéias nacionalistas e em grupos de pressão comprometidos com os velhos processos da substituição de importações e a exploração de maiorias por minorias organizadas e politicamente influentes (Franco, 1996, pp. 42-4). Franco e outros seguiam alegando que a nova taxa de câmbio deveria reforçar a disciplina alocativa de recursos de maneira “natural” (sem proteção artificialista) e, em si mesma, a nova taxa não produzia nem manifestava nenhum “desequilíbrio” cambial; era uma taxa de equilíbrio determinada pela abundância de capital externo disponível para os países em desenvolvimento e, sobretudo, por um novo modelo de crescimento econômico sustentado em aumentos de produtividade. Estes aumentos eram, a um tempo, conseqüência e

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144  P E D R O P A U L O Z A H L U T H B A S T O S causa da nova taxa de câmbio: a apreciação cambial reforçara o poder “purificador” da abertura comercial e da atração de investimentos para induzir ganhos de produtividade; os ganhos de produtividade e a atração de investimentos sustentariam a nova taxa de câmbio apreciada e, com ela, a estabilidade de preços e a pressão competitiva inerente à liberalização de importações (Franco, 1996; Resende, 1996). Muito se discutiu sobre a concordância ou não do presidente Cardoso com as teses defendidas pelo diretor do Banco Central (cf. Safatle, 1996; Pinto, 1996). Na prática, o diretor não apenas continuou conduzindo a política cambial depois da crise do México como passou à Presidência do Banco Central em setembro de 1997, dirigindo o BC com tamanha garantia de autonomia (coerente com sua visão da política cambial e monetária) que, ao perdê-la (em suas palavras), decidiu demitir-se, em janeiro de 1999 (Franco, 1999). Antes disso, a convergência, senão teórica, pelo menos prática, era ampla: o presidente Cardoso não somente conferia autonomia à gestão do Banco Central, mesmo diante de elevações da Selic politicamente amargas; ele freqüentemente se referia à verdadeira “âncora” que sustentava o real como sendo o aumento “revolucionário” de produtividade que a abertura comercial e o ajuste das estratégias empresariais teriam produzido.10 Crise e reversão Na prática, sustentar a apreciação cambial foi mais difícil do que parecera de início, uma vez que a fragilidade financeira externa aumentou muito rapidamente ao longo do primeiro mandato de Cardoso (Belluzzo & Almeida, 2002; Carneiro, 2002; Paula & FerrariFilho, 2003). As entradas de capitais que apreciaram a moeda podiam ser revertidas abruptamente graças à liberalização financeira empreendida, havendo desproporção entre o volume de ativos financeiros em moeda local que podiam ser convertidos em dólar, a curto prazo, e o limitado “colchão de reservas” usado para defender a banda cambial. Não obstante isso, o governo perseverou em não perder o “viés deflacionista” da taxa de câmbio nas conjunturas de crise internacional que diminuíam a credibilidade no regime cambial brasileiro (México, 1995; Ásia, 1997; Rússia, 1998), contando com políticas monetárias austeras, mas esperando que, no futuro, a melhoria da

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 145 competitividade empresarial e a permanente atração de filiais criassem bases de sustentação duradouras da posição externa do País (cf. Franco, 1995; 1996; Barros & Goldenstein, 1997). A esperança frustrava-se a cada vez que o déficit comercial aumentava, acompanhando a retomada do crescimento depois de cada crise. A abertura comercial forçou as empresas a realizar penosas “reestruturações” administrativas e a incorporar ganhos de produtividade materializados, sobretudo, em bens de capital e insumos importados, particularmente (mas não apenas) onde a propriedade estrangeira aumentou por investimentos novos ou fusões e aquisições (Sarti & Laplane, 2002). Mas a reação das empresas à abertura com apreciação cambial implicou mudanças na estrutura produtiva e no comércio exterior que manifestavam um aparente paradoxo: ao passo que as empresas sobreviventes tornavam-se mais competitivas, a economia ficava mais vulnerável a choques externos e dependente de alto nível de importações, graças à perda de densidade das cadeias produtivas internas vinculada ao outsourcing empreendido (por empresas nacionais ou filiais) para defender, sobretudo, parcelas do mercado interno (cf. Bielchowsky, 1993; Miranda, 2001).11 Assim, ao contrário de trazer um novo modelo de crescimento sustentado e duradouro, o Plano Real foi sucedido de ciclos curtos de stop-go induzidos por movimentos de política monetária destinados a defender a apreciação cambial de ataques especulativos; saindo de cada crise, a expansão ulterior da renda era limitada pelo “vazamento” para o exterior dos efeitos multiplicadores e aceleradores do gasto interno, com aumento mais que proporcional das importações; enquanto o déficit de serviços financeiros, resultante do crescente passivo externo, aliado ao déficit com fretes, seguros e viagens internacionais, aumentava o déficit de transações correntes, financiado em parte com um ciclo expansivo de Ides; sujeito, porém, a reversões abruptas do movimento de capitais que forçavam o Banco Central a defender a taxa de câmbio apreciada, nas palavras de Cardoso ainda em início de mandato, por meio de “expedientes como juros altos e recessão (que) não surtem efeitos positivos de médio prazo” (Cardoso, 1995). O governo não foi capaz de defender-se do ataque especulativo iniciado depois da moratória russa, embora não hesitasse em recorrer aos juros altos, preferindo não esperar que as reservas cambiais fossem esgotadas antes de admitir a derrota e deixar AS APORIAS DO LIBERALISMO PERIFÉRICO

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146  P E D R O P A U L O Z A H L U T H B A S T O S a moeda flutuar em janeiro de 1999, a contragosto do presidente do Banco Central.12 Mas a perda de controle do ritmo de desvalorização cambial fezse a contragosto do próprio presidente. Não há bases para afirmar que resultou de uma mudança de orientação ideológica da política econômica, nem de uma opção que refletisse um novo equilíbrio político entre “desenvolvimentistas” e “monetaristas”. Tendo em vista o episódio da demissão, alguns meses depois, do titular do Ministério do Desenvolvimento, Clóvis Carvalho, e a centralidade conferida pelo presidente à preservação da credibilidade da política econômica perante os mercados financeiros (associada à credibilidade do próprio ministro Malan), a balança continuou pendendo em favor das políticas consideradas necessárias pela Fazenda. O que se pode afirmar que mudou foi a crença de que o ajuste cambial poderia ter sido feito mantendo o controle de seu ritmo. Como o presidente Dutra fizera muitos anos antes, Cardoso reconheceria uma perda de ilusões: admitiria que a escassez de capitais, detonada pela crise da Rússia e a velocidade da perda de reservas, o convencera da impossibilidade de manter a política cambial, apoiada até então na crença de que ganhos de produtividade e a abundância de capitais permitiriam a correção lenta do câmbio, preferível por evitar os riscos inflacionários de uma correção brusca.13 De todo modo, o abandono forçado da política de depreciações controladas trouxe expectativas de relaxamento da política monetária graças à retomada do crédito no exterior, depois que o alvo fixo do ataque especulativo fora eliminado. Mas não levou o governo a reverter a liberalização financeira empreendida até então, como se estivesse convencido da “armadilha da ilusão da oferta de divisas” de que falavam membros da “ala desenvolvimentistas”; pelo contrário, a gestão de Armínio Fraga no BC aprofundou reformas liberalizantes do movimento de capitais visando estimular novos influxos voluntários, enquanto contava com o empréstimo de reservas cambiais negociado em acordos com o FMI (Freitas & Prates, 2001). Assim fazendo, como no governo Dutra, parecia continuar depositando “vasta confiança em uma solução duradoura para o potencial desequilíbrio do balanço de pagamentos nacional [. . .] através de uma política liberal de câmbio que, em estimulando as saídas de capital, pudesse estimular também ingressos brutos em proporção ainda mais signifi-

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 147 cativa no futuro” (Malan, 1984). Com isso, podia-se até supor que a política monetária ganharia amplos graus de liberdade para redução das taxas de juros: tão cedo quanto no anúncio do regime de “banda diagonal endógena” em 13 de janeiro de 1999, Fazenda e Banco Central alegavam que maior flutuação cambial permitiria quedas mais rápidas e sustentáveis das taxas de juros (BCB, 1999). Ao contrário do governo Dutra (protegido pelo acordo de Bretton Woods por uma definição de liberdade cambial que não incluía arbitragens de juros a curto prazo), o governo Cardoso não recuperou amplo grau de autonomia na gestão monetária e continuou subordinando o crescimento econômico desejado pelos “desenvolvimentistas” à política de juros considerada necessária pelos “monetaristas”: elevações abruptas dos juros continuaram sendo usadas para conter fugas de capital e depreciações cambiais excessivas, buscando limitar seu impacto sobre o regime de metas de inflação e o custo da dívida pública e privada indexada ao dólar. E nem o recurso a juros elevados nem as reformas liberalizantes detiveram uma tendência de piora dos termos do financiamento externo que afetaria, nos últimos anos do governo, tanto desembolsos de crédito quanto influxos de IDE (BCB, 2003, cap. 5). A depreciação cambial também trouxe expectativas de reversão rápida do saldo comercial, cujo saldo estimado na revisão do acordo com o FMI (5 de março de 1999) foi de US$ 11 bilhões, caindo para US$ 8 bilhões, segundo cálculos da Fazenda divulgados duas semanas depois. O processo não foi nem tão rápido nem tão fácil quanto esperava o governo, de maneira que o primeiro superávit foi experimentado apenas em 2001, chegando a US$2,6 bilhões; em 2002, porém, o saldo atingiu inesperados US$ 13,1 bilhões, continuando a crescer em 2003. A lentidão do ajuste foi usada como argumento de que o regime cambial de depreciações lentas não deveria ter sido abandonado (Franco, 1999), embora a necessidade de um ajuste imposto pela crise dificilmente pudesse ser questionada, assim como o impacto da depreciação cambial no ajuste realizado. Comparado a 1998 (déficit de US$ 6,6 bilhões), a reversão em 2002 alcançara quase US$ 20 bilhões, com ganhos ligeiramente maiores com redução de importações (US$ 10,5 bilhões) do que aumento de exportações (US$ 9,2 bilhões). O aumento das exportações concentrou-se no agronegócio e, na indústria, em ramos intensivos em mão-de-obra e recursos naturais (têxtil e vestuário, madeira, móveis, calçados, couAS APORIAS DO LIBERALISMO PERIFÉRICO

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148  P E D R O P A U L O Z A H L U T H B A S T O S ro/peles, etc.), exceto onde filiais exportam produtos intensivos em tecnologia com pouca agregação local de valor (material elétrico/ comunicações, farmacêutica, material de transporte), freqüentemente em ramos com fortes déficits (particularmente química, material elétrico/comunicações, farmacêutica, à exceção de material de transporte). A redução de importações, porém, não pode ser explicada apenas como efeito da depreciação, contando também a retração da demanda interna, particularmente no último biênio; desse modo, a economia de divisas escassas pode ser revertida se a economia voltar a crescer, particularmente em ramos nos quais a criação de capacidade depende de longos prazos de maturação e/ou do controle de patentes e domínio da tecnologia por oligopólios globais (Iedi, 2002, vários).14 A lentidão do ajuste não foi tomada pelo governo como evidência de que o velho regime cambial não deveria ter sido abandonado, mas, de início timidamente, como alerta de que o ajuste devia ser acompanhado por políticas de fomento ao investimento. O esforço concentrou-se no ramo eletroeletrônico e de telecomunicações, de início por meio do BNDES, cujos Programa de Apoio à Implantação da Telefonia Celular e Programa de Apoio a Investimentos de Telecomunicações (telefonia fixa) condicionaram financiamento a exigências de nacionalização de equipamentos e insumos, tentando limitar (com pouco sucesso) o outsourcing praticado pelos novos grupos controladores do setor (cf. Prates, Cintra & Freitas, 2000; Sarti & Laplane, 2002). Em paralelo, linhas destinadas ao financiamento das exportações foram criadas ou reforçadas, como o Programa de Crédito ao Comércio Exterior (BNDES-Exim), o Fundo de Garantia para a Promoção da Competitividade, o Fundo de Garantia de Exportações (seguro de crédito), ou o Fundo de Aval para Exportação de Micro e Pequenas Empresas (Sebrae), dentre outros, acompanhados da instalação de oito Fóruns de Competitividade e, mais tarde, do Comitê de Gestão da Câmara de Comércio Exterior no MDIC (Prates, Cintra & Freitas, 2000; BCB, 2002; MDIC, 2002). No documento do MDIC apresentando os “avanços do comércio exterior” nos oito anos do Real, os programas de apoio à exportação são apresentados com a informação (duvidosa, mas significativa) de que “a política comercial brasileira, nos últimos oito anos, passou por duas fases distintas. A primeira foi é de abertura comercial, de abertura do mercado interno às importações. A segunda é marcada pela prioridade dada às exportações” (MDIC, 2002, p. 1).

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 149 Ainda que a persistência da vulnerabilidade externa levasse o governo a reforçar políticas de fomento do investimento, nada ilustra melhor a mudança lenta e hesitante de enfoque a respeito da substituição de importações do que o destino da Lei de Informática no segundo mandato de Cardoso. Em 1999, expirariam as isenções fiscais previstas na Lei de 1992 (IPI E IRPJ), sob exigência de que as empresas destinassem 5% do faturamento para P&D, havendo forte pressão do MICT E MDIC para estender os prazos até 2013. A renovação dos subsídios experimentou resistência do ministro Malan e envolveu conflitos que acabariam levando à queda do ministro do Desenvolvimento, Clóvis Carvalho, depois de discurso em que questionou a falta de coragem da Fazenda em estimular o desenvolvimento do País. O presidente arbitrou a disputa, mandando ao Congresso projeto-lei que eliminava a isenção integral e diminuía anualmente seu valor até o máximo de 58% do imposto devido em 2013 (reduzido pelo Congresso até 2009). O processo decisório indica que o presidente não era avesso à demanda da chamada “ala desenvolvimentista”, mas que a Fazenda retinha poder incomparável e parecia continuar acreditando na “tese de que políticas econômicas voltadas especificamente ao setor externo são desnecessárias, uma vez que as políticas monetárias ou fiscais podem dar conta perfeitamente do equilíbrio externo desejado” (Serra, 1998). A seguir, o estado do Amazonas perpetrou ação judicial que, provida de liminar pelo STF no final de 2000, obrigou o governo a renovar a tramitação da lei negociando mais concessões à Zona Franca de Manaus. A lei foi finalmente regulamentada em março de 2001, sancionada pelo presidente em dezembro ao definirem-se os porcentuais de IPI dos produtos sujeitos à isenção (então sujeitos à alíquota de 2% desde que a liminar judicial fora concedida, um ano antes). É provável que a ocasião tenha sido usada pela Secretaria da Receita para atrasar o processo decisório de definição das novas alíquotas, visando maximizar a arrecadação antes da isenção parcial. De todo modo, a ocasião também foi oportuna para que a lei fosse ajustada à percepção de que era necessário induzir substituição de importações para deter o crescimento do déficit do complexo eletrônico (a lei aplica-se a produtos de informática, telecomunicação, eletrônica de consumo e componentes, ou seja, micros, celulares, televisores, rádios, dvds, etc.), uma vez que as ilusões quanto à rapidez do ajuste que seria propiciado AS APORIAS DO LIBERALISMO PERIFÉRICO

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150  P E D R O P A U L O Z A H L U T H B A S T O S pela depreciação cambial tinham-se perdido. A lei passou a exigir que as empresas não apenas destinassem recursos para P&D como também internalizem o Processo Produtivo Básico, ou seja, respeitassem porcentuais de nacionalização para cada produto final. Em declaração surpreendente, feita quinze dias antes da sanção presidencial da lei, o ministro Malan defendeu a “substituição eficiente de importações” como forma de reduzir o déficit em conta corrente, sendo necessário ampliar tanto a produção “exportável” como a “substituível de importações [. . .] [pois] sempre pensei nas duas coisas juntas” (apud Soares, 2001). Implicitamente, o ministro parecia admitir que anos de construção da credibilidade perante o “mercado” não tinham sido suficientes para assegurar o equilíbrio externo desejado. No ínterim entre a regulamentação e a sanção da lei, Sérgio Amaral tomava posse no MDIC (23 de agosto de 2001), em cerimônia na qual Cardoso proclamou o novo lema de seu governo (“Exportar ou Morrer”), enquanto o novo ministro prometia apoiar também a substituição de importações em setores deficitários como petróleo, químico e farmacêutico, eletroeletrônicos e bens de capital. Em entrevista concedida a seguir, a resposta à pergunta sobre qual seria sua relação com Malan e Everardo Maciel, pois seus antecessores haviam caído depois de desentendimento com eles, foi a seguinte: Depois do real, a preocupação não era exportar, mas importar para pressionar os preços e aumentar a competitividade. Agora a realidade mundial é diferente. Nesse momento, o peso da exportação no processo de decisão de governo é muito maior. Eu vejo o ministro da Fazenda tão interessado quanto eu em aumentar as exportações [. . .] Eu combinei com o Malan que nós dois vamos juntos à Fiesp. É importante que ele ouça o que eu ouço na Fiesp e que a Fiesp ouça o que eu ouço dele [. . .] O câmbio tornou mais caras as importações e mais atraente a produção de insumos internamente. Então, há um esforço a ser feito para que certas empresas possam substituir importações, aproveitando a indução que o mercado já está fazendo, dizendo que é melhor comprar aqui do que importar. Acho que alguns setores têm um campo muito grande. Por exemplo, o setor eletroeletrônico, que nos últimos cinco anos teve um déficit comercial de US$ 35 bilhões (Amaral, 2001).

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 151 Não se exagere, porém, a racionalidade da política de fomento. As iniciativas continuaram dispersas, sem que se pudesse desvelar um plano que as integrasse, sobretudo na promoção do investimento em nova capacidade. As críticas à falta de planejamento chegaram ao auge durante a crise da geração de energia, mas, ao contrário do governo Dutra e fiel às restrições ideológicas do primeiro mandato, o governo nem sequer se esforçou para conferir aparência de organicidade às iniciativas dispersas. No Ministério do Planejamento, o PPA anunciado em 1999 (Avança Brasil) não pode ser confundido com um plano de investimentos voltado à superação da vulnerabilidade externa do País. No MDIC, apesar da preocupação com o déficit no complexo eletrônico expressa na aprovação da Lei de Informática e na constituição de um Fórum de Competitividade para o setor, não foi instalado qualquer Fórum ou qualquer política de fomento (à exceção do ramo de transformados plásticos) mais geral para o setor químico, em que o déficit comercial era e é maior do que no setor eletroeletrônico e de telecomunicações. Por outro lado, os esforços de promoção à exportação limitaram-se ao financiamento do comércio exterior (pré e pós-embarque) e à promoção comercial, sem nenhuma política seletiva voltada à ampliação de capacidade em ramos sujeitos a gargalos de oferta.15 Seja como for, o governo Cardoso, forçado a uma reversão, como o de Dutra, também não conseguia agradar nem a gregos nem a troianos. Velhos aliados liberais exasperavam-se porque a estratégia inicial de incentivo às importações começava a ser substituída pelo elogio do planejamento e da substituição de importações, e a valorização do déficit pelo superávit de transações correntes. Gustavo Franco escreveu artigo feroz ao primeiro sinal de preocupação governamental com o déficit do complexo eletrônico (Franco, 2000), continuando a criticar o presidente pelo “erro” de ter acreditado na tese de que faziam “populismo cambial” (Franco, 2001). Os candidatos de oposição à eleição presidencial de 2002, acompanhados pelo próprio candidato da situação, continuavam criticando o presidente pelo erro simétrico: a lentidão com que o governo passava a fomentar exportações e apoiar a substituição de importações. Acompanhando também as políticas do próprio governo, a substituição de importações incorporava-se como tema central das plataformas de campanha dos candidatos à eleição presidencial, à exceção AS APORIAS DO LIBERALISMO PERIFÉRICO

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152  P E D R O P A U L O Z A H L U T H B A S T O S do PFL (Zanini, 2002). Velhos aliados do governo exasperavam-se com a evolução dos tempos, temendo o sebastianismo juscelinista (Abreu, 2002; Franco, 2002). Considerações finais As seções anteriores mostraram o papel que constrangimentos não ideológicos ou corporativos, mas econômicos, jogaram para restringir um curso de desenvolvimento econômico menos “autárquico” no Brasil; nestas circunstâncias, muito ao contrário de relatos liberais, foram crises cambiais e não embates ideológicos e políticos que levaram governos influenciados por propostas de abertura comercial externa (que explicitamente valorizavam a entrada barata de produtos importados) a terminar com elogios à substituição de importações industriais protegidas (espontaneamente ou não) da competição estrangeira, e a valorizar exportações capazes de gerar aquilo que a abertura financeira não foi capaz de garantir: um fluxo estável de reservas cambiais e, assim, a capacidade de realizar importações essenciais. Em ambos os governos, a tentativa de sustentar um regime liberal de importações contando com um ciclo harmonioso e estável de influxos de capital acentuou a fragilidade financeira externa e produziu seu contrário (independentemente da vontade liberal dos governantes): a necessidade de reduzir importações para arcar serviços financeiros. Compelidos por uma oferta de financiamento externo que ficou aquém do necessário, os governos Dutra e Cardoso precisaram contar com a reversão do déficit comercial para pagar passivos externos, embora continuassem contando com um ambiente favorável à saída de capitais para induzir entradas. Nas duas circunstâncias, embora os governos alegassem já estar realizando os “ajustes” que a oposição dizia ser necessário fazer, um consenso político favorável ao fomento estatal ao desenvolvimento industrial era construído depois que uma alteração abrupta e indesejada da taxa de câmbio ou da proteção comercial efetiva pressionou o sistema de preços relativos, exigindo dos governos que colaborassem para retirar “gargalos” que limitavam o “livre curso” da expansão induzida pela crise cambial. Mas restrições políticas, ideológicas e materiais à intervenção estatal limitaram o sucesso da política de

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 153 fomento industrial, e, embora a dinâmica de produção e investimento privado reagisse à modificação de preços relativos, a melhoria resultante do saldo comercial foi insuficiente para que os governos pudessem insistir menos em obter os fluxos financeiros que acreditavam corresponder à sua adesão “crível” a um ambiente regulatório atraente ao capital estrangeiro. Restrições políticas, ideológicas e materiais interna também limitaram a profundidade e escopo da intervenção estatal no Brasil em outras circunstâncias históricas, como, por exemplo, no segundo governo Vargas e durante o II PND do governo Geisel, quando não se valorizou um regime liberal de comércio exterior (cf. Lessa, 1978; Bastos, 2001). Diante disso, o artigo conclui refutando que a distinção entre a experiência brasileira e a experiência bem-sucedida de crescimento exportador de manufaturas de alguns países asiáticos possa ser encontrada, ao contrário das narrativas comparativas liberais, na menor ou maior adesão a um regime liberal de importações. Pois, nas duas circunstâncias recentes em que a liberação das importações foi defendida como prioridade de governo no Brasil, foram constrangimentos econômicos que a inviabilizaram. Se o desenvolvimento brasileiro pode servir de espelho ao asiático, é por apontar precisamente que não bastam políticas liberais de importações para levar um país a galgar posições na divisão internacional do trabalho e contornar a fragilidade financeira externa. Inversamente, como apontado por relatos que não se limitam a apontar a existência de um regime liberal de comércio exterior (cf. Amsden, 1989; Wade, 1990; Weiss, 1998), se a presença do Estado no desenvolvimento econômico de Coréia do Sul e Formosa pode servir de exemplo ao Brasil, é por demonstrar as vantagens de menores restrições políticas, ideológicas e materiais à participação do Estado não apenas em empreendimentos estatais em atividades essenciais, mas também na orientação estratégica de empreendimentos privados e em sua especialização setorial. AS APORIAS DO LIBERALISMO PERIFÉRICO

Notas 1

Texto publicado originalmente na revista Economia e Sociedade, Campinas, vol. 12, n.o 2(21), pp. 245-74, jul.-dez. 2003. 2 Argumentos apresentados de maneira mais ou menos integrada por autores como Balassa (1982; 1983); Bhagwati (1985); Ranis & Orrock (1985) e Balassa & Williamson (1987). Exemplos brasileiros do argu-

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mento são fornecidos por Roberto Campos (1994) e Gustavo Franco (1999). 3 Para ilustrar com a experiência de países comumente tomados como exemplos de virtude liberal a ser imitada pelos governos latinoamericanos, em Formosa (Taiwan) “as seis maiores firmas estatais industriais tinham um faturamento igual ao dos cinqüenta maiores grupos industriais privados em 1980. Das dez maiores firmas industriais, sete eram empresas estatais; das maiores cinqüenta, dezenove eram estatais. A estrutura de propriedade na Coréia do Sul é similar: doze das dezesseis maiores firmas industriais eram estatais em 1972, assim como vinte das cinqüenta maiores” (Wade, 1990, p. 178). 4 Esta seção sintetiza resultados apresentados em outros trabalhos do autor (Bastos, 2001; 2003), evitando-se recuperar aqui todo o suporte documental e serial apresentado neles. 5 Sobre ela, ver especialmente Corsi (1991); Diniz (1978, cap. 6); Sola (1982, cap. 2) e Bielschowsky (1985, parte II, caps. 1-2). 6 Para o texto da lei, cf. Franco (1946, pp. 288-295) ou Carone (1976, pp. 196-203); ver também Corsi (1997, pp. 276-277). 7 “Cessadas as operações de guerra, deveríamos restringir as despesas militares, protrair o início das obras novas e reduzir o andamento das já iniciadas, cuja conclusão não tenha efeitos imediatos sobre o barateamento do custo de vida, até que possamos restabelecer o equilíbrio das finanças públicas e estancar qualquer nova emissão de papel-moeda”: discurso de campanha de Dutra citado pelo Relatório do Banco do Brasil de 1945 (p. 123). Nas palavras de Bielschowsky (1985, pp. 3656): “Consensualmente, a grande causa da inflação, segundo as análises econômicas de todo o período, estariam sendo os déficits públicos, que sempre é, naturalmente, o argumento típico do empresariado, aquele que mais lhe convém — pelo menos no que diz respeito a seus interesses de curto prazo. Ao final da guerra, a recomendação mais enfática encontrada na literatura econômica era a de que se deveriam contrair as despesas públicas”. 8 Esta passagem do discurso de final de ano não era mero acidente lingüístico, sendo repetida textualmente na próxima mensagem presidencial enviada ao congresso para abertura das sessões, lida em 15 de março de 1948 (Dutra, 1948, pp. 178-9). 9 Na formulação insuspeita de Pedro Malan (1984, p. 65): “[. . .] As autoridades monetárias e cambiais do governo Dutra aparentemente depositaram vasta confiança em uma solução duradoura para o potencial desequilíbrio do balanço de pagamentos nacional através da conta de capital, vale dizer, através de uma política liberal de câmbio que, em estimulando as saídas de capital, pudesse estimular também ingressos brutos em proporção ainda mais significativa no futuro”. 10 Prefaciando o livro de Franco (1995), Cardoso avisava que “para os críticos apressados do Real, a leitura do capítulo 5 é recomendável. Na análise das condições da “dolarização”, explicam-se os pressupostos para o êxito dos programas de estabilização e conversibilidade fixa. Vê-

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se, com clareza, que expedientes como juros altos e recessão não surtem efeitos positivos de médio prazo”. No referido capítulo, os “pressupostos para o êxito” ficam claros, associando-se aos ganhos de produtividade trazidos pela pressão competitiva da abertura com apreciação cambial (Franco, 1995, pp. 139-41). 11 As exportações, de fato, não acompanharam o surto de importações, concentrando-se em produtos intensivos em recursos naturais e mão-de-obra barata e perdendo participação, com algumas exceções, em produtos intensivos em tecnologia e escala, cujos mercados tendem a crescer mais do que o comércio mundial e nos quais valor agregado e produtividade são maiores. Como resultado, todos os ramos industriais sofreram deterioração do saldo comercial (exceto madeira, fumo, couro/peles e alimentos), verificando-se deterioração maior em ramos intensivos em tecnologia e escala (forte déficit em eletroeletrônicos e telecomunicações, química e bens de capital) e gerando saldo comercial menor nos setores intensivos em recursos naturais (commodities como siderúrgicos, papel e celulose, metais não ferrosos), mas preservando o saldo agrícola. Como esperado pelos proponentes da abertura comercial, ela trouxe maior especialização na alocação de recursos; mas, ao contrário do que afirmavam, ela aparentou-se mais ao que analistas chamaram de “especialização regressiva” em termos setoriais, macroeconômicos e da inserção comercial do País (Laplane & Sarti, 1997; Sampaio & Naretto, 2000; Carneiro, 2002). 12 Para Gustavo Franco, a despeito da velocidade e montante da perda de reservas cambiais que a política do BC na prática não fora capaz de estancar, a defesa da apreciação cambial não foi vencida pelo ataque especulativo: ela foi “desmontada sem sangue, no plano da persuasão [. . .] abandonada porque muitas vozes influentes acreditavam que havia uma maneira de fazer as coisas mais fáceis”, convencendo o presidente a reorientar as políticas de câmbio e juros (Franco, 1999, p. 293). Mas a hipótese de que o BC poderia vencer o ataque especulativo antes que as reservas fossem esgotadas é uma conjetura contrafactual que se mostrava mais distante à medida que a redução das reservas aumentava o próprio ritmo do ataque. O principal alvo político (e não técnico) de Franco era certamente José Serra, crítico interno da política cambial que publicara artigo recente denunciando a “armadilha da ilusão da oferta de divisas” que justifica “a tese de que políticas econômicas voltadas especificamente ao setor externo são desnecessárias, uma vez que as políticas monetárias ou fiscais podem dar conta perfeitamente do equilíbrio externo desejado” (Serra, 1998, p. 9). 13 Nas palavras do presidente, ainda em fevereiro de 1999, a depreciação “[. . .] não demorou, como se fala. O que ocorreu é que havia abundância de capitais no mundo e a desvalorização podia ser feita lentamente, como vínhamos fazendo. A fonte, entretanto, secou com a crise de setembro (de 1998) na Rússia. Depois disso, tivemos que fazer o acordo com o FMI, buscar fundos, tomar as cautelas possíveis para fazer a desvalorização” (Cardoso, 1999). Em final de mandato, o presi-

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dente afirmaria que a depreciação não foi acompanhada de nenhuma mudança no equilíbrio político do governo, uma vez que a maioria dos que sempre a defenderam já estavam fora do governo, e que perder a credibilidade do ministro Malan nos “mercados” estava absolutamente fora de questão: “Como todo mundo sabe, tenho um enorme respeito pelo Gustavo, gosto do Gustavo. Pedi inúmeras vezes ao Gustavo que me apresentasse propostas de uma aceleração maior no ajuste do câmbio. Mas ele tinha uma visão diferente. Achava que era questão de persistir e que os fluxos de capital voltariam. Aí eu decidi mudar. Sozinho, praticamente, porque os que podiam me ajudar na mudança estavam longe [. . .] O ministro Malan pediu demissão. Por escrito. Eu não concordei [. . .] É uma coisa que custa a gente admitir, uma inversão de uma das frases do Auguste Comte [os homens são cada vez mais dirigidos pelo passado]. Agora, é o contrário, somos dirigidos pelo futuro [. . .] Pelas expectativas. Tem que haver credibilidade. E o Malan tem muita credibilidade dentro e fora do Brasil. As pessoas me diziam, fora do Brasil, apesar de tudo o que aconteceu: «Esse homem é sério». Vocês imaginam o que vale isso no mundo de hoje? Malan tinha credibilidade e a manteve” (Cardoso, 2002). 14 Substituições efetivas verificaram-se em alguns ramos da mecânica, material de transporte e, sobretudo, em bens de consumo e insumos semimanufaturados aproveitando capacidade ociosa, como têxtil e vestuário, madeira, móveis, calçados, couro/peles, alimentos, brinquedos, minerais não metálicos, papel e papelão/gráficos, etc. Até 2001, ramos de material elétrico/comunicações, química, farmacêutica, plásticos apresentaram até mesmo aumento de importações, a despeito da depreciação cambial, indicando que a substituição de importações nestes ramos é mais difícil em razão da ampla necessidade de investimentos para criar capacidade e do controle de patentes e domínio da tecnologia por oligopólios globais. Em 2002, a queda nas importações em ramos deficitários tampouco pode ser de todo explicada por substituições: material eletroeletrônico e de comunicações explicam algo em torno de 50% da queda total das importações, caindo desde o racionamento de energia (como bens de informática e eletrônica de consumo) e da inflexão do ciclo de investimentos nas redes de telecomunicações privatizadas; importações químicas, porém, caíram de valor, mas não de volume; farmacêuticos e perfumes continuaram aumentando de volume e valor (Iedi, 2002, vários números). 15 Estudo recente indica que estrangulamentos de oferta envolvem em particular ramos exportadores da indústria, como siderurgia e papelcelulose, que podem experimentar esgotamento de excedentes exportáveis caso as encomendas internas aumentem no futuro próximo sem novas expansões de capacidade (cf. Iedi, 2003).

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CAPÍTULO 4 PODER POTENCIAL, VULNERABILIDADE EXTERNA E HIATO DE PODER NO BRASIL REINALDO G ONÇALVES

O Brasil não é um país, é um exagero. — A N T Ô N I O T O R R E S. O Nobre Seqüestrador, 2003, p. 12).

A

P E R C E P Ç Ã O de que o Brasil é um gigante, um verdadeiro Golias, é bastante difundida, tanto no País como no exterior. Essa grandeza também é a causa de liberdades poéticas e desvarios políticos. Na sua belíssima Canção do Exílio de 1846, Gonçalves Dias toca o coração de todos os brasileiros com o verso exuberante: “Nosso céu tem mais estrelas, nossas várzeas têm mais flores, nossos bosques têm mais vida, nossa vida mais amores”. Outro gênio da literatura, Lima Barreto, criou um dos mais expressivos personagens do romance brasileiro, Policarpo Quaresma, o grande patriota. Para o major Quaresma “a nossa terra tem os terrenos mais férteis do mundo [. . .]” (Barreto, 1915, p. 11). Parte substantiva da percepção a respeito do Brasil-Golias (Brasil-baleia ou Brasil-transatlântico) advém da extraordinária base de poder do País. Esse é um fato inegável: o Brasil tem um peso específico no cenário internacional em decorrência de uma evidente base de poder. Essa base dá ao Brasil elevado poder potencial. Entretanto, tanto a realidade nacional como a realidade dos processos, relações e estruturas do sistema internacional mostram a clara “desimportância” do País. Por um lado, o Brasil sofre recorrente157

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158  R E I N A L D O G O N Ç A L V E S mente os efeitos de pressões, fatores desestabilizadores e choques externos. Por outro, a evidência é de que mudanças significativas no Brasil têm impacto nulo ou praticamente nulo no resto do mundo. Nos últimos anos, o Brasil tem sido afetado significativamente por crises econômicas em países como México, Tailândia, Rússia e Argentina. A recíproca, porém, não é verdadeira. Exemplo recente foi a crise cambial de 1999, quando “o contágio provocado pela desvalorização no Brasil foi surpreendentemente leve” (Eichengreen, 2003, p. 165).

Hipóteses O problema central para o Brasil é o seguinte: o País tem uma extraordinária base de poder, ou seja, elevado poder potencial, ao mesmo tempo que apresenta grande vulnerabilidade externa, isto é, reduzido poder efetivo. A especificidade do Brasil está tanto no elevado poder potencial quanto na alta vulnerabilidade externa. E mais, pode-se afirmar que a especificidade de maior destaque do Brasil está no enorme diferencial entre o poder potencial e o poder efetivo do País na arena internacional. Em outras palavras, o Brasil defronta-se com enorme “hiato de poder”, mais precisamente, um déficit de poder efetivo na arena internacional. A questão da especificidade do Brasil é fundamental para a definição da política externa brasileira. Há alguns poucos países que, como o Brasil, têm forte base de poder. Exemplos óbvios de países com grande poder potencial são: Estados Unidos, China, Índia e Rússia. No que se refere à vulnerabilidade externa, há dezenas de países, que como o Brasil, têm reduzida capacidade de resistência a pressões, fatores desestabilizadores e choques externos. Aqui a lista é imensa, pois inclui praticamente toda a América Latina, o Caribe e a África Subsaariana, bem como vários países da Ásia e parte da Europa Central e Oriental. No entanto, há um fato a destacar: somente um grupo com um número pequeno de países pode ser incluído em ambos os casos (elevado poder potencial e elevada vulnerabilidade externa). Nesse grupo, o Brasil é um exemplo conspícuo. Nesse capítulo, analisamos empiricamente o poder internacional do Brasil. A análise está focada em três hipóteses: (1) o Brasil tem um grande poder potencial; (2) o Brasil tem uma enorme vulnerabilidade econômica externa, ou seja, um reduzido poder efetivo; e (3)

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 159 o Brasil defronta-se com um elevado “hiato de poder”, isto é, uma grande diferença entre o poder potencial e o poder efetivo. Essas três hipóteses têm implicações sérias e profundas para a definição de estratégias de inserção e políticas de atuação no cenário internacional, particularmente no sistema econômico internacional. Trata-se, então, de identificar e hierarquizar os elementos estruturais e conjunturais que permeiam as estratégias de inserção internacional e a política econômica externa. POTENCIAL , VULNERABILIDADE EXTERNA E HIATO DE PODER

Conceitos básicos Antes de passarmos à análise empírica cabe apresentar os conceitos básicos, a saber: poder potencial; vulnerabilidade externa; poder efetivo; e hiato de poder. O poder potencial de cada Estado está assentado em uma base. Partindo da conhecida concepção de Weber (1922, p. 152), poder de um ator político é a probabilidade de realizar a sua própria vontade independentemente da vontade alheia. Naturalmente, há inúmeros atores importantes que operam na arena internacional (Seitenfus, 2004, capítulo 2). Dentre esses atores podemos mencionar: indivíduos, classes e grupos sociais; grupos de interesses, opinião pública e mídia; organizações não-governamentais; empresas transnacionais; banca internacional; e organizações intergovernamentais. Entretanto, no cenário internacional o ator político com papel protagônico é o Estado. O poder potencial assenta-se em uma base de poder, que é o conjunto dos recursos materiais de poder sobre os quais o poder potencial de um Estado nacional pode ser convertido em poder efetivo (Deutsch, 1968, pp. 22-3). Inúmeros são os recursos usados para se mensurar a base de poder do Estado. As variáveis mais freqüentemente utilizadas são os recursos bélicos, população, território e riqueza. A vulnerabilidade externa é a probabilidade de resistência a pressões, fatores desestabilizadores e choques externos, bem como o custo dessa resistência (Gonçalves, 2003, p. 34). Quanto mais baixa essa probabilidade, maior é a vulnerabilidade externa. A questão da vulnerabilidade externa não se restringe à capacidade de resistência. Há, também, os problemas referentes às opções e aos custos de se contrapor à influência das variáveis externas. A vulnerabilidade tem, então,

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160  R E I N A L D O G O N Ç A L V E S duas dimensões igualmente importantes. A primeira envolve as opções de resposta com os instrumentos de política disponíveis. E a segunda incorpora os custos de enfrentamento ou de ajuste ante os eventos externos (Jones, 1995, p. 7). A vulnerabilidade externa abarca, então, os custos da resistência aos efeitos negativos dos fluxos financeiros, do investimento e do comércio no sistema internacional. Nossa análise restringe-se, então, à vulnerabilidade externa nas diferentes dimensões das relações econômicas internacionais. Essas dimensões são a comercial (comércio de bens e serviços), produtiva (atuação de empresas transnacionais e investimento externo direto), tecnológica (transferência de know-how e direito de propriedade intelectual), e monetária e financeira (investimentos financeiros, empréstimos e financiamentos). A resistência a fatores desestabilizadores externos é exercida, geralmente, com o uso de políticas macroeconômicas tradicionais — políticas monetária, cambial e fiscal. Os governos, também, podem usar controles diretos sobre os fluxos de capital e sobre as operações das subsidiárias de empresas transnacionais. Há, ainda, a opção do uso da política comercial para enfrentar os problemas criados pela dinâmica do sistema mundial de comércio. Assim, a vulnerabilidade externa é tão maior quanto menores forem as opções de política, e quanto elevados forem os custos do processo de ajuste. A vulnerabilidade externa varia inversamente com as opções de política e diretamente com os custos do ajuste. O processo de globalização tem, sem dúvida alguma, gerado um sistema mais complexo de interdependências entre economias nacionais. Entretanto, esse sistema de interdependências continua significativamente assimétrico, de tal forma, que se pode falar de “vulnerabilidade unilateral” por parte da grande maioria de países do mundo, que têm uma capacidade mínima de repercussão em escala mundial (Ramonet, 1998). Isto é, um país que tem vulnerabilidade unilateral é muito sensível ante eventos externos e sofre, de forma significativa, as conseqüências de mudanças no cenário internacional, ao passo que os eventos domésticos desse país têm impactos nulos ou quase nulos sobre o sistema econômico mundial. O poder efetivo de um país é a probabilidade real desse país de realizar sua própria vontade independentemente da vontade alheia. Assim, o poder efetivo é inversamente proporcional à vulnerabilidade

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 161 externa. Quanto mais elevada a probabilidade de realizar a sua própria vontade ou de resistir a pressões externas, menor é a vulnerabilidade de um país e, portanto, maior é o seu poder efetivo no sistema internacional. O exercício do poder efetivo na arena internacional depende, então, positivamente do poder potencial e negativamente da vulnerabilidade externa de cada Estado. O hiato de poder, por seu turno, é a diferença entre o poder potencial e o poder efetivo. Trata-se, então, da diferença entre o conjunto de recursos de poder e o conjunto de vulnerabilidades. POTENCIAL , VULNERABILIDADE EXTERNA E HIATO DE PODER

Metodologia A análise empírica do poder potencial, da vulnerabilidade externa, do poder efetivo e do hiato de poder baseia-se em uma metodologia focada no cálculo de índices específicos. Esses índices são variáveis reduzidas que medem, para cada país, a diferença entre o seu desempenho e o desempenho do país com o pior resultado como uma proporção entre a diferença entre o país com melhor resultado e o país com o pior resultado. A fórmula básica é seguinte: Índice =

X – XMín XMáx – XMín

x 100

Sendo X o valor da variável para cada país, XMáx o maior valor da variável e XMín o menor valor da variável. O índice varia de 0 a 100. O Índice de Poder Potencial (IPP) é a média simples de três outros índices que expressam o desempenho das seguintes variáveis: tamanho do território, população e valor da produção (produto nacional). Os índices para cada uma dessas variáveis são calculados com a fórmula acima. Assim, IPP =

IPP + ITP + ITR 3

Os índices ITT, ITP e ITR referem-se ao tamanho do território, da população e da economia, respectivamente. O território é medido em milhões de quilômetros quadrados, a população em milhões de habitantes e o tamanho da economia é medido pelo produto interno bruto (em milhões de dólares, conceito paridade de poder de compra).

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162  R E I N A L D O G O N Ç A L V E S Os índices que compõem o IPP são calculados com base na hipótese de “retornos decrescentes”. À medida que aumenta, por exemplo, a população, o poder potencial não tende a crescer proporcionalmente. Isso quer dizer que a base de poder de um país com uma população de cem milhões não é equivalente a dez vezes a base de poder de outro país com uma população de dez milhões. O mesmo ocorre com uma população de um bilhão, que não tende a gerar um poder potencial equivalente a dez vezes a base correspondente a uma população de cem milhões. Tanto um país com uma população de cem milhões ou de um bilhão de pessoas pode ter forças armadas de três milhões de combatentes. Para capturar esse fenômeno utilizou-se, na fórmula acima, o logaritmo natural dos números correspondentes a população, território e renda. O Índice de Vulnerabilidade Econômica Externa (IVE) é a média simples de três outros índices: vulnerabilidade comercial (IVCO), vulnerabilidade produtivo-tecnológica (IVPT) e vulnerabilidade monetário-financeira (IVMF). Cada um desses índices expressa uma dimensão específica das relações econômicas internacionais. E cada um desses índices, por seu turno, é a média simples de índices correspondentes a indicadores (coeficientes) específicos de vulnerabilidade externa. No caso de indicadores que tendem a reduzir a vulnerabilidade externa, o índice correspondente é igual a 100 menos o índice calculado com a fórmula acima. O Índice de Vulnerabilidade Econômica Externa (IVE) é calculado da seguinte forma: IVE =

IVCO + IVTP + IVMF 3

As dimensões produtivo-real e tecnológica foram tratadas em conjunto em decorrência da disponibilidade de dados. Os indicadores de vulnerabilidade econômica externa, nas dimensões comercial, monetário-financeira, produtiva-real e tecnológica, são os seguintes.  Dimensão comercial (cinco indicadores): Exportação de bens e serviços/PIB; crescimento real do comércio (exportação + importação) de bens e serviços – crescimento do PIB real; índice de concentração das exportações; reservas internacionais líquidas [exclusives recursos do FMI]/Importação de bens e serviços; e, taxa de crescimento de longo prazo do valor das exportações de bens.

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 163  Dimensão produtivo-real (seis indicadores): estoque de IED/ PIB; estoque de IED/exportação de bens e serviços; estoque de IED em serviços/estoque de IED total; gastos com pesquisa e desenvolvimento tecnológico/PIB; exportação de produtos intensivos em tecnologia/exportação de manufaturados; e, pagamento de tecnologia/gastos com P&D.  Dimensão monetário-financeira (cinco indicadores): dívida externa total/exportação de bens e serviços; dívida com FMI/dívida externa total; renda líquida/exportação de bens e serviços; serviço da dívida pública e garantida pelo setor público/exportação de bens e serviços; e, ajuda externa/importação de bens e serviços. O Quadro 1 (em anexo) apresenta as hipóteses de comportamento de cada um dos indicadores. Por exemplo, o índice de Herfindahl-Hirschmann mostra o grau de concentração das exportações, sendo calculado para o nível de três dígitos do SITC (239 grupos de produtos). Esse índice varia de 0 a 1, e quanto mais elevado seja, maior tenderá a ser a vulnerabilidade externa do país ante a oscilações de preço e quantidade no sistema mundial de comércio. Outro exemplo, as reservas internacionais líquidas (exclusives recursos do FMI)/Importação de bens e serviços não têm limite superior, e quanto maior essa relação menor é a vulnerabilidade externa do país em questão. A vantagem específica desse novo índice de vulnerabilidade externa (IVE) está na possibilidade de discriminar e quantificar as distintas dimensões das relações econômicas internacionais. E, portanto, esse índice quantifica o grau de vulnerabilidade externa de cada país em cada uma dimensões das relações econômicas internacionais. O Índice de poder efetivo (IPE) é igual a 100 menos o índice de vulnerabilidade externa. Ou seja, POTENCIAL , VULNERABILIDADE EXTERNA E HIATO DE PODER

IPE = 1 – IVE O IPE pode, então, ser entendido como a probabilidade de um país exercer efetivamente sua própria vontade no cenário internacional, considerando sua situação de vulnerabilidade econômica externa. O Índice de Hiato de Poder (IHP), por seu turno, é definido como:

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IHP =

REINALDO GONÇALVES

IPP – 1 x 100 IPE

Valores positivos do IHP indicam que o país tem um poder efetivo inferior ao seu poder potencial. E, quanto mais elevado for o poder potencial e menor o poder efetivo, mais elevado é o hiato de poder do país em questão. A base de dados inclui informações provenientes de duas fontes, o Banco Mundial e a Conferência das Nações Unidas para Comércio e Desenvolvimento (Unctad). A base de dados do Banco Mundial compõe-se de 152 países. Com essa base é calculado o Índice de Poder Potencial, mas em razão da falta de dados completos foram excluídos treze países. Para o cálculo do Índice de Vulnerabilidade Externa é necessário excluir um outro conjunto de 26 países. Nesse último caso são excluídos os países que não dispõem de pelo menos três indicadores em cada uma das dimensões de vulnerabilidade externa analisadas. A amostra final consta, então, de 113 países e cada um desses países tem pelo nove indicadores. No Quadro 2 (em anexo) estão explicitadas as fontes de dados de todos os indicadores. Ainda como questão metodológica, cabe destacar que o índice normalizado usado nesse estudo é muito sensível aos valores máximo e mínimo de cada indicador. Portanto, deve-se ter cautela com os outliers. Para se resolver esse problema foi necessário definir um critério para se encontrar os valores máximo e mínimo de cada indicador. Após inspeção visual dos dados, decidiu-se desprezar os três maiores e os três menores valores de cada variável para se encontrar os valores máximo e mínimo.

Análise empírica As estatísticas descritivas dos índices são apresentadas na Tabela 1 (em anexo). Esses dados referem-se à amostra de 113 países. A Tabela 2 (em anexo) mostra as variáveis usadas no cálculo do Índice de Poder Potencial (IPP) para os 113 países da nossa amostra principal e para mais outros 26 países que não estão na amostra principal usada para o cálculo de todos os indicadores. Os 139 países são classificados em ordem decrescente do valor do IPP. Os dados confirmam a percepção geral, ou seja, há um conjunto

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 165 de cinco países que têm uma extraordinária base de recursos territoriais, humanos e econômicos. Em ordem decrescente do IPP, esses países são: China, Estados Unidos, Índia, Federação Russa e Brasil. Na segunda bateria dos cinco países com maior IPP encontramos dois países asiáticos (Indonésia e Japão), dois da América do Norte (Canadá e México) e um da Europa Ocidental (Alemanha). A percepção acerca da especificidade do Golias-Brasil é, então, confirmada pelo IPP, que situa o Brasil como o país com o quinto maior poder potencial do mundo, com o IPP igual a 80,8. A Tabela 3 (em anexo) apresenta os índices de vulnerabilidade econômica externa nas dimensões comercial, produtivo-tecnológica e monetário-financeira, bem como a média desses índices, que é o nosso índice final de vulnerabilidade externa (IVE). Vale repetir, a amostra inclui 113 países. Segundo os dados, o Brasil tem IVE igual a 49,1, que é o décimo oitavo maior IVE da mundo. O IVE do Brasil é significativamente maior do que a média e a mediana mundial que são de 39,9 e 39,7, respectivamente. Dentre os países de maior vulnerabilidade externa, acham-se países em desenvolvimento da África (Zâmbia, Burundi e Ruanda) e da América Latina (Nicarágua, Equador e Uruguai). Dentre os países com elevado IVE, além do Brasil, o destaque fica com a Argentina, cujo IVE é o décimo sétimo maior. No conjunto dos países desenvolvidos, os maiores índices de vulnerabilidade econômica externa são da Irlanda e da Bélgica; países que ocupam a trigésima terceira e sexagésima segunda posições, respectivamente. Todos os países mencionados acima têm IVEs superiores à média mundial. Os cinco países com menor vulnerabilidade econômica externa são: Japão, Israel, Índia e EUA. Os índices de vulnerabilidade externa nas distintas dimensões das relações econômicas internacionais permitem a hierarquização das fontes de fragilidades dos países. No caso do Brasil, na dimensão comercial o IVCO é de 38,1, na dimensão produtivo-real o IVPT é de 51,4 e na dimensão monetário-financeira o IVMF é de 57,7. Só o IVCO do Brasil está abaixo da média e da mediana dos países da amostra. No que se refere ao IVCO, o Brasil tem o septuagésimo quarto maior índice. Ou seja, o Brasil apresenta uma vulnerabilidade externa relativamente baixa na dimensão comercial. O IVCO do Brasil é 38,1, ao passo que a média mundial desse índice é 43,4 e a mediana é 42,4. Esse resultado expressa, em certa medida, o fato de o Brasil ser POTENCIAL , VULNERABILIDADE EXTERNA E HIATO DE PODER

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166  R E I N A L D O G O N Ç A L V E S uma economia de porte continental, na qual o comércio exterior tende a ter uma importância relativamente pequena. Ademais, o Brasil é um global trader com uma diversificação tanto de mercados quanto de produtos. Essa última é expressa por um dos indicadores usados no cálculo do IVCO (o índice de Herfindahl-Hirschmann). Quando passamos para a vulnerabilidade externa na dimensão produtivo-real, a situação do Brasil piora, pois o país sobe para a quadragésima nona posição. O IVPT do Brasil (51,4) é maior que a média (48,8) e a mediana (49,7) desse indicador para o conjunto dos países da amostra. Isso reflete, em grande medida, o fato de que as empresas transnacionais têm forte presença na economia brasileira. Essa situação agravou-se nos últimos anos com a entrada dessas empresas nos setores non-tradeables mediante o processo de privatização. Esse indicador expressa, ainda, a fragilidade do sistema nacional de inovações. De fato, o Brasil tem tido historicamente uma das economias mais abertas (e vulneráveis) do mundo na dimensão produtivo-tecnológica. A situação de vulnerabilidade externa do Brasil é particularmente elevada na dimensão monetário-financeira. O IVMF do Brasil de 57,7 é o décimo oitavo maior do mundo, mais do que o dobro da média (27,4) e da mediana (22,9) para os países da amostra. A questão central aqui reside na dívida externa e nos processos de ajuste que recorrentemente se apóiam em recursos do FMI. Passemos agora à análise dos outros índices. Na Tabela 4 (em anexo) os 113 países da amostra são classificados na ordem decrescente dos índices (IPP, IVE, IPE e IHP). O Índice de Poder Efetivo (IPE) é o “outro lado da moeda” do Índice de Vulnerabilidade Externa e, portanto, pouco há para acrescentar ao que já foi destacado acima. No entanto, vale mencionar que o IPE do Brasil é extraordinariamente elevado, e o país ocupa a nonagésima sexta posição, conforme mostra a Tabela 4 (em anexo). ??? Cabe, ainda, mencionar que no conjunto dos dez maiores IPEs encontramos quatro dos cinco membros permanentes do Conselho de Segurança da ONU (China, Estados Unidos, França e Reino Unido e Rússia). Somente a Federação Russa, que tem o vigésimo terceiro maior IPE, não está no “top 10” do IPE. No conjunto dos países em desenvolvimento, o destaque fica por conta da Índia, que tem o terceiro mais elevado IPE. Quanto ao Índice de Hiato de Poder (IHP), os dados da Tabela 4

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 167 (em anexo) mostram que o Brasil é o país com o maior IHP. Os países com menor IHP tendem a ser os que têm pequena base de recursos humanos, territoriais e econômicos. Por outro lado, os países que têm os maiores IHPs tendem a ser os que têm grandes bases de poder (China, Federação Russa, EUA, Paquistão e Indonésia) ou, então, que têm elevada vulnerabilidade externa (Zâmbia, Sudão e Turquia) ou, então, que têm, ao mesmo tempo, elevada base de poder e grande vulnerabilidade externa (Brasil e Argentina). O fato a destacar é que o Brasil é o país com o IHP mais elevado da nossa amostra. Esse índice, vale repetir, é a diferença entre o poder potencial e o poder efetivo. POTENCIAL , VULNERABILIDADE EXTERNA E HIATO DE PODER

Resultados e implicações As evidências empíricas trazidas pelos novos indicadores analisados nesse texto apóiam as três hipóteses levantadas inicialmente. Em primeiro lugar, o IPP mostra, inequivocamente, que o Brasil tem um grande poder potencial, pois está entre os cinco países com maior IPP do mundo, juntamente com China, Estados Unidos, Índia e Federação Russa. Confirma-se, assim, a percepção geral a respeito do extraordinário poder potencial do Brasil. Em segundo lugar, o Brasil tem enorme vulnerabilidade econômica externa, ou seja, um reduzido poder efetivo. O IVE classifica o Brasil como o décimo sétimo país com maior vulnerabilidade econômica externa. Essa vulnerabilidade é menos acentuada na dimensão comercial, mas é elevada na dimensão produtivo-tecnológica e, principalmente, muito alta na dimensão monetário-financeira. Em terceiro lugar, o Brasil defronta-se com elevado “hiato de poder”, ou seja, uma grande diferença entre o poder potencial e o poder efetivo. Isso resulta tanto do elevado poder potencial quanto do reduzido poder efetivo (alta vulnerabilidade externa). Que implicações podemos tirar desses resultados empíricos? Na realidade, no lugar da atual retórica da política externa brasileira, deveria pôr-se o foco da estratégia e da política na redução efetiva da sua vulnerabilidade econômica externa. A análise empírica apresentada nesse texto mostra que a ênfase deveria ser a redução da vulnerabilidade externa nas dimensões monetário-financeira e produtivo-tecnológica. E, isso passa, fundamentalmente, por política domésticas.

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168  R E I N A L D O G O N Ç A L V E S Do ponto de vista operacional, no que se refere à redução da vulnerabilidade monetário-financeira, vale destacar as propostas de auditoria da dívida externa, como a primeira fase de um processo de mais longo prazo de renegociação da dívida externa (Carneiro, org., 2003). Aqui, pode-se mencionar, ainda, a introdução de controles sobre fluxos internacionais de capitais, ou seja, barreiras na entrada e na saída. Quanto à redução da vulnerabilidade produtivo-tecnológica, pode-se destacar a criação de uma agência reguladora do capital estrangeiro, que apontaria critérios de desempenho para as empresas transnacionais atuando no País (Gonçalves, 2000), bem como a rejeição da Parceria Público-Privada, que agrava tanto a vulnerabilidade nessa dimensão, quanto na dimensão monetário-financeira. E, na dimensão comercial, caberiam medidas orientadas para a reversão da perda de competitividade internacional do Brasil nos produtos manufaturados. Ademais, é necessário reverter o processo de reprimarização das exportações, que é caracterizado pela crescente participação dos produtos agrícolas nas exportações do País (Gonçalves, 2004). Trata-se da reversão do atual processo de inserção regressiva do país no sistema mundial de comércio.

Da estratégia do papagaio à estratégia do jacaré É difícil concluir este texto sem fazer um comentário sobre os rumos da atual política externa do Brasil. Retornando à nossa referência literária, Policarpo Quaresma, após muito sofrimento, o personagem de Lima Barreto “pensou que foram vãos aqueles seus desejos de reformas capitais nas instituições e costumes: o que era principal à grandeza da pátria estremecida, era uma forte base agrícola, um culto pelo seu solo ubérrimo, para alicerçar fortemente todos os outros destinos que ela tinha de preencher” (Lima Barreto, 1915, p. 12). Se no lugar de ter sido escrito há cerca de um século, a obra-prima de Lima Barreto tivesse sido publicada nestes primeiros anos do século XXI, é possível que o major Quaresma estivesse defendendo o agronegócio! A verve irônica e a crítica social de Lima Barreto poderiam tornar o major Quaresma um estratego da política e da diplomacia econômica do governo Lula. O major Quaresma seria, hoje, um personagem do Palácio do Planalto ou do Itamaraty. É bem verdade que Policarpo Quaresma teve um triste fim.

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 169 Se ressuscitado um século e meio depois, não haveria por que Gonçalves Dias não repetisse seus versos: “As aves que aqui gorjeiam, não gorjeiam como lá”. Lamentavelmente, esses versos nos remetem ao discurso do presidente Lula na abertura da Assembléia-Geral da Organização das Nações Unidas em 21 de setembro de 2004. Quando Lula pediu a implementação de controles sobre capitais internacionais, os chefes de Estado de outros países provavelmente se lembraram que o Brasil se tornou um verdadeiro paraíso fiscal para o capital internacional, um oásis para todas as máfias internacionais que operam a lavagem de dinheiro, sobretudo em decorrência da liberalização e da desregulamentação financeira e cambial (Attac, 2002). Quando Lula defendeu reformas no sistema monetário internacional por meio de mudanças no modo operacional do FMI, alguns se recordaram que foi o próprio Lula quem propôs o aumento do superávit fiscal brasileiro de 3,5% para 4,25% do PIB no acordo do País com o FMI no início do seu governo. E mais, foi o próprio Lula quem mandou aumentar o superávit fiscal (para 4,5% do PIB), logo após a sua volta da Assembléia-Geral da Organização das Nações Unidas em setembro de 2004. Os presentes na ONU também se lembraram que foi Lula quem negou apoio explícito ao governo da Argentina, quando esse país sofria fortes pressões internacionais de governos, dos credores e do FMI no início de 2004. Isso ocorreu porque Lula deixou o Brasil acocorado na arena internacional, submetido a um acordo com o FMI, que era tão desnecessário quanto custoso para o País. Quando Lula defendeu uma frente internacional de combate à fome e à exclusão social, muitos se lembraram que Lula estava executando uma das políticas macroeconômicas mais restritivas do mundo (juros que são recordes mundiais, tributação crescente e altamente regressiva, níveis salariais baixos, precarização do trabalho, redução dos direitos sociais, desemprego dramático e crescente concentração de riqueza e renda). Se lembraram, ainda, que as políticas compensatórias de Lula (com resultados pífios) não escondem a miséria, a pobreza, a violência e a desesperança crescente que afligem o povo brasileiro, bem como a descrença nos atuais grupos dirigentes. E, se não bastasse, Lula confundiu as funções do FMI com as do Banco Mundial. No discurso na Assembléia da ONU, ao falar dos fluxos de financiamento dos organismos multilaterais, Lula foi catePOTENCIAL , VULNERABILIDADE EXTERNA E HIATO DE PODER

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170  R E I N A L D O G O N Ç A L V E S górico: “Trata-se de ajustar-lhes o foco para o desenvolvimento, resgatando seu objetivo natural”. Ele afirmou, ainda, que “o FMI deve credenciar-se para fornecer o aval e a liquidez necessários a investimentos produtivos, especialmente em infra-estrutura, saneamento e habitação, que permitirão, inclusive, recuperar a capacidade de pagamento das nações mais pobres”. Nessas declarações Lula mostrou claramente seu desconhecimento das funções do FMI. E mais, mostrou-se desinformado, pois confundiu as funções do FMI com as do Banco Mundial. Como resultado, é bem provável que algum chefe de Estado presente na ONU em setembro de 2004 tenha reagido ao discurso do presidente do Brasil com o seguinte comentário: está aí o Golias com imunodeficiência e politraumatismo. Outros diriam: e o rato ruge! Alguns mais cultos e generosos declamariam os versos de Gonçalves Dias: “as aves que aqui gorjeiam [. . .]”. Os indicadores aqui apresentados podem ajudar-nos a melhor apreender a essência da atual política externa brasileira, marcada por uma diferença oceânica entre a retórica e a realidade, entre a base de poder e a vulnerabilidade externa do País. A realidade, vale repetir, é a seguinte: o Brasil tem enorme hiato de poder na arena internacional. Até agora, felizmente, não se identificaram custos evidentes das bravatas da política externa de Lula. Por outro lado, os benefícios têm-se restringido, em grande medida, ao plano da política interna (melhorando a imagem do presidente da República). Tais benefícios têm retornos decrescentes. Afinal, da mesma forma que o segundo, terceiro ou quarto discursos nas Nações Unidas terão efeitos cada vez menores no País (e efeito nulo no mundo). Do lado dos custos, além da perda crescente de credibilidade internacional de Lula, esperemos que a “estratégia do papagaio” ou da “liderança com hiato de poder” não traga outras conseqüências negativas como, por exemplo, a perda de projeção internacional do País. A inegável grandeza do País gerou belos poemas, romances magistrais, sonhos exuberantes, projetos de Brasil-potência, desvarios políticos e comportamentos irresponsáveis. O problema é que o distanciamento da realidade não se restringe somente à literatura, em versos e personagens geniais que nos divertem e emocionam. Lamentavelmente, na realidade da política e da economia, o Brasil tem tido grupos dirigentes que formulam estratégias e implementam políticas desco-

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 171 ladas da base de poder efetivo do País. A patriotada desvairada e irresponsável causa sérios problemas ao País. Por trás da retórica tola e vazia da auto-estima há a implementação de medidas e políticas que aumentam a vulnerabilidade externa do País. No caso de Lula, vale mencionar, ainda, o foco na exportação de produtos agrícolas, a Parceria PúblicoPrivada e o contínuo desmonte do sistema nacional de inovações. Já é hora de a política externa brasileira mudar o rumo. Para começar, deve-se abandonar discursos inócuos e vazios na ONU e outros fóruns internacionais (aliás, quem se lembra do último discurso do primeiro-ministro da China ou da Índia na ONU, países efetivamente poderosos?). A “estratégia do papagaio” é a da retórica sem poder real. Só essa estratégia permite a alguém conceber que um país acocorado no sistema monetário internacional possa ter voz ativa no Conselho de Segurança da ONU. E, foi exatamente nesse Conselho que os EUA (o hegemon) desrespeitou outros países com elevado poder efetivo no sistema internacional. Lula pode “faturar” politicamente no plano interno com essa história de uma vaga no Conselho de Segurança, mas são altamente duvidosos os ganhos reais para o País. Como resultado, no lugar da “estratégia do papagaio” o Brasil deveria passar para a “estratégia do jacaré”. Como alternativa, a “estratégia do jacaré” significa “manter a boca fechada, ficar somente com os olhos de fora e ganhar massa muscular”. Isso não significa isolamento e, sim, um perfil baixo compatível com o poder efetivo (igualmente baixo) do País. Em síntese, o Brasil precisa ter como diretriz fundamental do seu projeto de desenvolvimento e de inserção internacional, a redução da sua própria vulnerabilidade externa. Para isso, é necessário mudar diretrizes e políticas domésticas que afetam a inserção internacional do País nas dimensões comercial, produtivo-tecnológica e monetário-financeira. Talvez, no futuro, quando as atuais políticas de Lula forem revertidas e o Brasil tiver poder efetivo, é que o país será capaz de superar o atual hiato de poder. Aí sim, é que o Brasil se qualificará seriamente para um papel protagônico no cenário internacional. Ao fim e ao cabo, estamos tratando da tão velha quanto tão sábia realpolitik. POTENCIAL , VULNERABILIDADE EXTERNA E HIATO DE PODER

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SEGUNDA PARTE ESTADO, POLÍTICA ECONÔMICA E MUDANÇAS ESTRUTURAIS: PLANO REAL E INSTABILIDADES CRÔNICAS

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CAPÍTULO 5 A CONTROVERTIDA CRISE FISCAL BRASILEIRA REGINALDO SOUZA SANTOS E L I Z A B E T H M AT O S R I B E I R O M Ô N I C A M AT O S R I B E I R O T H I A G O C H A G A S S I LVA S A N T O S V I N Í C I U S M E N D E S D A C O S TA

O

O B J E T I V O D E S T E C A P Í T U L O é analisar como ficou a situação

financeira do Estado brasileiro com o esgotamento dos instrumentos que potencializaram a expansão econômica a partir das reformas institucional e financeiro-bancária, implementadas durante a vigência do Plano de Ação Econômica do Governo — Paeg. As análises correntes dão conta de que a crise da economia brasileira, a partir dos anos 80 do século passado, decorre única e exclusivamente da crise fiscal do Estado — daí emerge a necessidade de serem empreendidas reformas no seu interior direcionadas para o equilíbrio das contas públicas. Sem embargo, considera-se imprescindível avançar na análise dos aspectos determinantes do que comumente se denomina de crise fiscal. Em vez de vê-la relacionada apenas com a política macroeconômica, com excessivo nível de gasto público e com as deficiências inerentes ao sistema tributário, passase, também, a compreendê-la no contexto da concorrência entre nações e entre capitais líderes e rivais e que está levando a um acelerado processo de centralização e concentração de capitais. Desse modo, a discussão da crise do padrão de financiamento da economia brasileira, estruturado a partir das reformas institucionais dos anos 1960, desdobra-se em duas questões centrais: 1) De que maneira a opção adotada para a inserção da economia brasileira no 175

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176  R E G I N A L D O s O U Z A S A N T O S E T A L. processo de integração ao sistema financeiro internacional contribuiu para a deterioração dos arranjos de financiamento governamentais?; e 2) Em que medida os arranjos de financiamentos, erigidos a partir dos anos 1960, mostram-se frágeis para a manutenção dos gastos governamentais, estrangulando a capacidade de poupança deste Estado? Dessas preocupações iniciais, pode-se inferir que a “crise fiscal” do Estado brasileiro decorre de uma causa estrutural própria das características de um padrão de acumulação em escala mundial, com o predomínio claro da esfera financeira, cujas transformações, que afloraram nos últimos anos da era de ouro do capitalismo, apontam para um processo de financeirização da riqueza com impactos sobre a capacidade regulatória dos Estados nacionais. É obvio que a configuração de um padrão de acumulação, com um crescente predomínio da esfera financeira, acompanhado de uma perda de poder regulatório do Estado sobre a economia, não respondem às diversidades das crises de diferentes conjunturas. Contudo, seria erro elementar a não-consideração das questões inerentes à tão propalada integração ao sistema financeiro internacional no entendimento da crise fiscal vivida pelo Brasil. Neste sentido, faz-se necessário compreender de que forma a dinâmica da economia mundial e seus mecanismos de relação com a economia nacional afetaram a gestão fiscal, contribuindo para a deterioração das relações de débito e crédito entre o Estado e a sociedade. O diagnóstico da crise fiscal à luz da ortodoxia Apesar da complexidade e das dificuldades vividas pela economia contemporânea, tanto no plano teórico quanto prático, impressiona a simplicidade do diagnóstico e das soluções apontadas pela ortodoxia para a atual conjuntura do capitalismo. Em razão das complexas relações do Estado com o sistema econômico, até mesmo por ser na fase atual a única instituição capitalista a integrar todo o sistema e manter a união dos elos em todos os setores da matriz social de insumo-produto, seria erro falar de uma crise puramente fiscal. Para se entender de que crise se trata e da qual estamos falando e, com base nesse ponto, construir-se um novo conceito de finanças públicas, deve-se partir da negativa de duas hipóteses que validam a tese de crise fiscal.

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 177 A primeira refere-se à idéia de que o Estado atua sobre a demanda agregada, estimulando o consumo mediante a política fiscal. Uma ação desse tipo pode ser caracterizada como conjuntural quanto ao tempo e externa quanto à forma. A hipótese aqui defendida é diametralmente oposta e tenta mostrar que o Estado atua com muito mais dinamismo sobre os circuitos produtivos, da intermediação financeira e gestão monetária; por essa razão, está inserido na dinâmica capitalista na qualidade de determinante dela e determinado por ela. Esta não é, por conseguinte, uma característica observável apenas em nosso tempo, mas desde as origens de um e outro, melhor dizendo: desde as origens do próprio capitalismo. A segunda hipótese reporta-se à conclusão de que, além de ser fiscal, ela é uma crise exclusiva do Estado. Em razão de o Estado estar inserido na dinâmica capitalista, não se podem tomar os aspectos puramente fiscais para se demonstrar a dimensão da crise. Antes, seria necessário tomar todas as relações relevantes: fiscal, monetária, financeira e produtiva; ainda assim, para se chegar à mensuração da existência ou não de uma crise, seria necessário fazer-se um balanço das relações de débito e crédito de todas as relações relevantes e, nesse caso, o aspecto fiscal deixaria de ser um gênero e passaria à categoria de espécie, como apenas mais um elemento caracterizador de uma dada crise. Esclareça-se, de logo, que o aspecto fiscal tem grande relevância nessa mensuração da crise, mas não da mesma forma como quer fazer crer a ortodoxia, que toma o resultado ex-post do balanço para medir um déficit e qualificar uma suposta ineficiência do setor público como gestor de recursos. O aspecto fiscal ganha relevância se for tomado ex-ante a formação do orçamento, isto é, nos momentos em que estão caracterizados os débitos tributários dos agentes econômicos ao Tesouro. Qual é a estrutura do pensamento conservador materializado na política neoliberal que fala de uma crise fiscal e prega a noção de Estado mínimo? Segundo esse pensamento, a crise, que deriva e é sinônimo de déficit público, tem como causa primária e única o excessivo intervencionismo governamental, visto que, por conta de uma descontrolada política de gastos, parte do volume global de investimento realizado pelo Estado perde eficiência alocativa. Disso decorrem dois movimentos perversos: a) por conta da ineficiência alocativa, o sistema econômico como um todo tem reduzido a sua taxa de proA CONTROVERTIDA CRISE FISCAL BRASILEIRA

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178  R E G I N A L D O s O U Z A S A N T O S E T A L. dutividade, o que faz declinar a carga tributária futura; b) pela mesma razão, para conseguir o mesmo nível de produção, o Estado é obrigado a gastar mais do que o necessário. Dessa forma, ambos os movimentos — mais gasto, menos receita — produzem o mesmo resultado: a ampliação do déficit público. Assim, o déficit público, diagnosticado dessa forma simplória, passa a ser o vilão da crise. Por quê? Pelo simples fato, argumenta a ortodoxia, de que a dívida pública está sendo contratada a prazos cada vez mais curtos, particularmente nos países mais instáveis, e, com o seu estoque superando a renda nacional corrente anual, o governo é obrigado a negociá-la numa velocidade e a custos indesejáveis. Considerando que os agentes econômicos têm outras franquias de aplicações em ativos reais e financeiros, a alternativa possível de o governo administrar a sua dívida é emitindo moeda ou oferecendo maior rentabilidade para as aplicações em títulos públicos, mediante deságio e taxa competitiva de juros. Com isso, as taxas dos títulos da dívida pública provocam um crawding-out e se tornam o balizador das demais taxas, o que irá provocar um efeito boomerang altista sobre os juros e sobre os preços. A síntese desse diagnóstico pode ser assim resumida: maior grau de intervenção implica maior ineficiência alocativa, o que faz declinar o nível de produtividade do sistema econômico. Assim, mais gasto e menos receita ampliam o déficit público. Competindo por recursos, o déficit faz aumentar as taxas de juros e os níveis de preços. Com isso, gera-se incerteza futura e a boa racionalidade capitalista recomenda cautela na decisão de investir, o que provocará queda nos níveis de emprego e da atividade econômica: é a crise generalizada. Dado que o círculo é vicioso — com virtuosidade — e, na crise, as despesas governamentais são menos sensíveis à queda do que as receitas, sobretudo pelo caráter relativamente incomprimível de certos tipos de dispêndios (determinado por razões técnicas, políticas ou humanitárias), o déficit público se eleva ainda mais, voltandose ao ponto de partida para o início de um novo processo de desequilíbrio. Qual é, então, a solução recomendada pela ortodoxia para se conter o apetite intervencionista e gastador do Leviatã? O caminho apontado tem duas variantes, porém convergentes para o mesmo ponto. De um lado, sugere-se o corte linear das despesas, estimando-se que, a

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 179 um dado porcentual em n anos todos, os problemas estarão resolvidos. De outro lado, como reforço à medida anterior, recomenda-se a transferência para a iniciativa privada do ativo estatal imobilizado na produção de bens e serviço; esta medida, transferindo de mãos o poder de alocação/produção, não só aumenta a eficiência alocativa do sistema, como permite ao Estado o resgate mais rápido da sua dívida, donde se deduz que o Estado fique menos onerado para estabelecer uma política de equilíbrio fiscal. Com efeito, a discussão se processa por meio de uma visão ad hoc da intervenção do Estado, como se a interferência direta ou indireta deste no desenvolvimento econômico e social não fosse uma condição historicamente determinada pelo apoio ao processo de acumulação das economias capitalistas. Dessa forma, ficam seriamente comprometidas e ilegíveis as postulações teóricas que procuram explicar o desenvolvimento econômico abstraindo o lugar e o importante papel do Estado, como se o processo se autodeterminasse a partir das relações de mercado. Nesse ponto, surge um dilema para a teoria econômica ortodoxa. Como o Estado pôde financiar esse elevado grau de intervenção sem afetar o ritmo da acumulação do setor privado e um nível mais elevado de bem-estar dos cidadãos, já que a sua ação alocativa vem sendo considerada ineficiente? O caminho metodologicamente mais correto para se tentar responder a esta questão será buscar nos limites da própria economia ortodoxa — a teoria das finanças públicas — algumas indicações que possibilitem sair do dilema. Desse modo, verifica-se que a curiosidade teórica da ortodoxia constatou, por intermédio do alemão Adolph Wagner, que o desenvolvimento da moderna sociedade industrial implicaria crescentes pressões pelo progresso social. Fundado nessa constatação, Wagner formulou a sua lei de tendência crescente dos gastos públicos, que na sua elaboração mais apurada é apresentada como: à medida que a renda nacional cresce, os gastos públicos se expandem numa proporção ainda maior (Wagner, 1904). Que coisa fantástica! Os gastos governamentais crescem mais do que a renda nacional, a acumulação privada acelera-se e o nível de bem-estar da sociedade também aumenta. Como explicar esse paradoxo, se se considera a hipótese de que o intervencionismo excessivo é o fator de desestabilização estrutural e, por conseguinte, de ineficiência do sistema econômico? A CONTROVERTIDA CRISE FISCAL BRASILEIRA

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180  R E G I N A L D O s O U Z A S A N T O S E T A L. Diante disso, considera-se que a variação do dispêndio apresenta-se maior que a variação da renda porque, na fase inicial do desenvolvimento, o Estado é obrigado, de um lado, a compensar gastos sociais e, de outro, porque o dispêndio estatal apresenta uma característica particular, visto que, quando o gasto passa para um patamar mais elevado — decorrente de uma situação fortuita, a guerra, por exemplo —, apresenta uma certa rigidez à queda uma vez cessado o motivo que o fez elevar-se. Do lado do financiamento e na tentativa de sair da encruzilhada teórica, os adeptos da linha ortodoxa das finanças públicas transferiram o problema para o longo prazo, dando conta de que a situaçãolimite da tendência crescente dos gastos, numa proporcionalidade maior que a renda, seria a capacidade de pagamento de impostos pelos contribuintes. Além disso, supondo que os gastos do Estado são motivados por demandas sociais, formula-se a hipótese de que, no longo prazo, há uma tendência de deslocamento para baixo da função despesa, motivada pela queda na demanda em razão do elevado nível de renda e de bem-estar social. Esta hipótese não tem nenhuma correspondência com a realidade, porque, como já vimos, a motivação de gasto não está determinada apenas pela necessidade de se elevar o nível de consumo agregado. Além disso, mesmo que haja consistência teórica na sua formulação, a realidade demonstra que, a despeito do crescimento da renda per capita agregada, a distribuição de renda não está ocorrendo num nível que permita ao Estado liberar-se de gastos em áreas sociais; ao contrário, com a política atual, à medida que o Estado reduz as despesas nesses programas, mais aumentam a pobreza e a indigência social. Com efeito, o que parece verdadeiro é que as restrições ao crescimento dos gastos governamentais, mais que proporcional à expansão da renda, não ocorrem pelo lado da receita, mas pelos limites da capacidade de endividamento, que é resultante, principalmente, do fato de que o Estado não teria condições de financiar essa larga base produtiva mediante mecanismos tradicionais, do tipo apropriação do excedente social pela via fiscal. Nesse sentido, avançar nas discussões acerca do gasto público e das formas de financiamento pelo caminho aqui indicado pode significar, para o pensamento ortodoxo das finanças públicas, a destruição dos seus próprios alicerces teóricos.

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 181 Mais do que isso: como a teoria ortodoxa não possui um instrumental teórico capaz de explicar esse movimento histórico das relações do Estado com a economia e as repercussões desse fato nas finanças governamentais, termina querendo explicar o dito estágio “crítico” do déficit público mediante um instrumental fortemente ideologizado. Separadas de sua historicidade, as relações do Estado com a sociedade passam a ser consideradas ad hoc e responsáveis últimas pela desordem econômica. Dessa forma, esse tipo de argumentação fica aparentemente descomprometido com a sua falsidade teórica e ideológica. Diante disso, só se compreendem as alterações relevantes no conteúdo das finanças públicas do Estado capitalista caso seja possível entender as transformações ocorridas nas últimas décadas, particularmente quando se observa que os espaços da intermediação financeira e monetária se ampliam ainda mais em decorrência da instabilidade inerente ao sistema financeiro, que, numa situação de crise, impõe ao Estado validar grande parte das relações de débito e crédito, por meio do Banco Central e que, em última instância, recai sobre o Tesouro nacional. Mais ampliado ainda fica quando esse gerenciamento da intermediação ganha dimensão mundializada, por meio de instituições como o Fundo Monetário Internacional, o Banco Mundial, a Organização Mundial do Comércio, além de outras instituições multilaterais de alcance mais regional. Esse gerenciamento em escala internacional decorre de, pelo menos, três fatores: a) a queda do padrão-ouro e a precariedade do dólar como padrão de referência nas relações internacionais; b) a internacionalização com privatização (pelo sistema bancário mundial) das relações de débito e crédito; e c) a convivência da grande maioria das nações com desequilíbrios no balanço de pagamentos. Não obstante isso, se acredita que as bases das finanças só estão materialmente modificadas quando o Estado é obrigado a procurar alternativas de valorização não só de capitais privados, mas também para capitais sob seu controle. É, portanto, na constituição de capitais próprios, aliado ao poder de emitir a moeda única de curso forçado, que o Estado ganha, de um lado, a capacidade de continuamente se autonomizar ante as fontes tradicionais de financiamento e, de outro, maior importância na determinação da dinâmica capitalista e no processo de estabilização do sistema. Por isso tem toda a razão quem A CONTROVERTIDA CRISE FISCAL BRASILEIRA

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182  R E G I N A L D O s O U Z A S A N T O S E T A L. afirma que a ação do Estado não tem evitado a recessão, mas também sem ela se estaria numa depressão de proporções destruidoras.1 Nesse sentido, para se avaliar corretamente o objeto das finanças públicas é necessário analisá-lo numa dimensão conceitual tal que incorpore os aspectos relacionados com a tributação, a intermediação financeira, a gestão monetária e com os rendimentos decorrentes dos ativos estatais imobilizados em diferentes tipos de atividades. Noutras palavras: temos de analisá-lo numa dimensão ampla das relações de débito e crédito do Estado com os demais agentes econômicos e, a partir disso, avaliar a natureza e a dimensão da crise e, principalmente, saber se se trata de uma crise localizada no âmbito do Estado ou se estamos diante de uma crise que é do próprio sistema na atual conjuntura, na qual a concorrência e a valorização do capital ganham características particulares e preocupantes. Decerto, a partir do exposto, a nossa noção de finanças públicas e da dita crise fiscal do Estado irá modificar-se fundamentalmente em relação ao pensamento corrente. Não se trata, pois, de uma crise fiscal atribuída ao Estado; trata-se, certamente, de uma crise muito mais abrangente porquanto ela é a expressão de uma crise sistêmica, porém magnificada pelo discurso ideológico como sendo uma crise do Estado que se manifesta por seus elementos constitutivos — fiscal, financeiro, monetário e patrimonial —, sobre os quais o Estado tem forte poder de decisão, mas não significando que seja esta a instituição que deva absorver os resultados negativos e, muito menos ainda, que justifique a política neoliberal. Do ponto de vista fiscal, observa-se que o sistema tributário está, cada vez mais, perdendo potência para financiar determinados tipos de gastos, seja pelo lado dos espaços restringidos da tributação e da necessidade de gasto de proteção social e econômica (ao desemprego, à velhice, no combate à criminalidade, para sustentação dos lucros de setores protegidos, etc.), seja pelo da ampliação dos débitos tributários — reais ou fictícios, estes quando motivados por rede de sonegação. Do ponto de vista financeiro, as dificuldades advêm, de um lado, da incapacidade de o Estado sustentar um amplo leque de créditos de longo prazo com taxas de juros fortemente subsidiadas e, de outro, do pesado ônus que é obrigado a sustentar decorrente de ampla dívida pública fortemente financeirizada, cujo crescimento não decorre mais da necessidade de financiamento dos gastos de proteção social e da

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 183 ampliação da base de produção de bens e serviços sob a responsabilidade do Estado, mas, sobretudo, para sancionar os ganhos financeiros privados, numa escala mundial.2 Do lado monetário, expresso pelas ações do Banco Central e pelo poder de emitir moeda de curso forçado — sem lastro de nenhuma natureza —, o Estado está sendo devastado cada vez mais em razão de ser forçado a sustentar posições deficitárias de intermediários financeiros e, sobretudo, por ser obrigado a estatizar o ônus decorrente dos desequilíbrios externos, que se ampliam à medida que são dinamizados os fluxos de mercadorias e, sobretudo, de capitais. Esta situação ganha contornos mais dramáticos quando se acirra a competição internacional pela proteção dos capitais nacionais e pela preservação do emprego interno. Do ponto vista patrimonial, que se expressa no ativo imobilizado — capital estatal em função produtiva de bens e serviços — sofre as conseqüências da desaceleração da economia como um todo e, ainda mais, quando é obrigado a conceder subsídios por meio de sistema de preços aos capitais privados. Neste caso, enquanto o Estado cria mecanismos que estão garantindo as taxas de rentabilidade aos setores protegidos — por isso estes, na crise, estão em posição líquida positiva à espera de oportunidades de investimentos — o capital estatal já apresenta perdas líquidas, significando que está em andamento um processo de despatrimonialização, tanto mais facilitado e acelerado à medida que este processo está ocorrendo mediante a transferência de ativos produtivos para as mãos dos capitais privados, determinados pela concorrência intercapitalista e pela forma atual de valorização do capital. Diante do exposto, fica evidente que não existe nenhum sentido prático com a economia normativa das finanças públicas bradar por um orçamento fiscal equilibrado e muito menos ainda definir e conceituar a crise nos estreitos limites fiscais. Seguramente, assim é feito por uma questão ideológica, pois fica mais fácil restringi-la a uma crise específica do Estado, que está levando a uma perturbação e instabilidade da economia. Com efeito, a análise da crise atual só tem consistência se se compreender o Estado inserido na dinâmica capitalista e na amplitude das suas relações complexas, cuja expressão quantitativa só poderá ser determinada a partir da contabilização dos débitos e créditos enA CONTROVERTIDA CRISE FISCAL BRASILEIRA

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184  R E G I N A L D O s O U Z A S A N T O S E T A L. tre o Estado e os agentes econômicos. Ao se recusar a encaminhar a investigação por essa direção, certamente que ainda ouviremos, por muito tempo, o diagnóstico de uma crise fiscal e a defesa de um orçamento equilibrado, ainda que os resultados dessa política estejam apresentando-se com o sinal contrário: instabilidade, incerteza, crescimento lento ou nulo, desemprego, miséria, criminalidade, etc. Entretanto não devemos perder o ânimo para o esforço intelectual de encontrar uma via alternativa, se possível antes que a desesperança contamine por inteiro os jovens (para não falar dos adultos) que estão caminhando, ainda num silêncio perturbador, com mentes vazias e braços desocupados. A imprecisão do conceito de crise fiscal Um dos enigmas da dita crise fiscal do capitalismo é a imprecisão do seu conteúdo; o vasto material produzido a seu respeito pouco interesse desperta no sentido de conceituá-la com maior rigor analítico e técnico. De modo geral, a literatura toma a crise fiscal como um conceito derivado do conceito de crise financeira do sistema capitalista, compreendida pelas dificuldades de os agentes financiarem suas posições devedoras. Entretanto, antes de se chegar a esse ponto, há uma questão psicológica de importância fundamental: o pessimismo, derivado de razões diversas, que toma conta da maioria dos agentes, notadamente dos que estão em posição líquida superavitária. As conseqüências que daí derivam são a desvalorização de ativos financeiros e a iliquidez de diversas instituições, confirmando e agravando os motivos que geraram o pessimismo inicial. Ainda que esse conceito possa servir de referência inicial para se compreender uma situação de não-liquidez do setor público, é preciso dizer que o Estado possui algumas particularidades que impedem a utilização plena desse conceito para a compreensão da chamada crise fiscal. O Estado tem algumas prerrogativas não encontradas nos demais agentes econômicos, a exemplo de poder decidir unilateralmente as políticas fiscal e monetária, além de poder vender títulos da dívida pública, tendo, portanto, a possibilidade de definir, com maior grau de liberdade, o preço que deseja receber. Assim, só se poderá falar de crise fiscal do Estado em condições muito especiais, dificilmente encontradas nas economias que estejam em estágios médios para

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 185 cima de desenvolvimento das suas estruturas econômicas, particularmente naquelas em que o Estado se encontra na posição de principal capitalista a comandar capitais reprodutivos. Desse modo, por mais que a ortodoxia fale em crise fiscal e por mais que isso justifique uma política macroeconômica de ajuste, este não tem sido, até aqui, o motivo irradiador de pessimismo entre os agentes econômicos; ao contrário, os títulos da dívida pública têm funcionado como instituição seguradora das posições ativas dos agentes, ao passo que o Banco Central, de igual modo, tem atuado como instituição garantidora, de última instância, das relações de débito e crédito entre os agentes, mediante empréstimos. Logo, se existe uma crise financeira do Estado, ela não produz, ou pelo menos não está produzindo, efeitos devastadores, a exemplo do que deveria ocorrer com a concepção clássica de crise financeira. O passivo não está deteriorado a ponto de se configurar uma crise sistêmica. Se essa posição levantada é uma hipótese de trabalho relevante para revelar o mistério que cerca o debate a respeito da emblemática “crise fiscal” do capitalismo, a preocupação agora deve recair no entendimento das motivações que insistem em demonstrar a sua existência. Além disso, é imprescindível responder às seguintes questões: 1) Qual é o conceito que se tem de crise fiscal? e 2) Qual é a forma técnica mais apropriada para medi-la? Quanto à primeira questão, constata-se que a crise econômica mais geral vem acirrando a competição intercapitalista não em busca de novas fronteiras de expansão, mas no intuito de ganhar terreno ante os concorrentes. Dentro dos próprios espaços capitalistas já existentes, com a exaustão da competição nos limites privados, as atenções voltam-se para os setores sob o domínio do Estado, cuja conquista depende de uma batalha política e ideológica encarniçada, também valendo a criação de uma situação de crise onde, possivelmente, ela não exista, a fim de pavimentar o caminho de entrada do capital privado em “novos negócios”. Considerando que há uma falsidade em relação à primeira questão, logo fica impossível encontrar uma resposta técnica adequada para a segunda pergunta. Por essa razão, os gerentes do capitalismo e os intelectuais orgânicos tomam invariavelmente a crise como um dado, como se fosse um problema moral que independesse de maiores explicações e, sobretudo, de um conhecimento técnico mais qualificado a respeito de seu conteúdo. Por outro lado, algumas análises A CONTROVERTIDA CRISE FISCAL BRASILEIRA

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186  R E G I N A L D O s O U Z A S A N T O S E T A L. mais sérias e descomprometidas com o establishment econômico têm desenvolvido esforços para conceituar o que se entende por crise fiscal do Estado capitalista. Entre eles, destaca-se o esforço empreendido por James O’Connor (1977) ao tentar explicar a crise fiscal do Estado capitalista como uma conseqüência direta da propensão recorrente de as despesas superarem as receitas, visto que a crise, impondo necessidades crescentes aos diferentes segmentos, cria pressões cada vez maiores sobre o orçamento do setor público. Mesmo assim, a aceitação da definição de crise feita por O’Connor (1977) não deve ser pacífica, pois basta que, em alguns pontos desse período longo de déficit recorrente, ocorram superávits maiores que os saldos negativos acumulados para que seja eliminada a noção de crise. Ademais, basta também que os gastos adicionais geradores de déficits correntes sejam alocados em investimentos para que, no futuro, se tenha uma renda mais elevada e, com isso, maior nível de arrecadação de impostos. Neste caso, pode-se dizer que a dívida pública (déficit) no futuro, ainda que indiretamente, é autoliquidável. Sem embargo, ainda que esses aspectos teóricos gerais possam servir como referência ao processo de investigação, não é um modelo que responda, em sua totalidade, a qualquer caso e em qualquer circunstância histórica. Embora a ortodoxia tenha consolidado uma política macroeconômica única — particularmente direcionada para os países devedores periféricos e para os que compõem a periferia dos blocos regionais, a exemplo da União Européia —, na verdade, esta foi a razão principal de seu insucesso. Os países possuem especificidades que os diferenciam uns dos outros e por isso devem receber políticas de ajustes — se necessárias — diferenciadas. E o Brasil, certamente, foi uma das vítimas dessa política homogênea para o ajuste macroeconômico global. Independente da subserviência das autoridades econômicas brasileiras às orientações externas, o País teve, ainda, a infelicidade de experimentar os primeiros sinais da crise externa no mesmo instante em que o conservadorismo assumia o poder político nos países líderes, agravando por inteiro os desajustes das contas externas dos países devedores. Embora a consolidação da política global só ocorra de forma mais institucionalizada em 1989, a discussão, no âmbito da ortodoxia, já se fazia desde o início da década de 1970

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 187 e o diagnóstico era único e universal: o desajuste externo decorria do desequilíbrio interno das contas do setor público. Isso caracterizava uma crise fiscal e para ela dever-se-ia direcionar todos os esforços da política macroeconômica, reforçada por ampla reforma do Estado, cuja síntese mostrava a necessidade de reduzir os níveis de intervenção econômica e descentralizar o processo de gestão das relações sociais de produção — isto é, transferir para o âmbito do mercado as decisões de gastos, vale dizer, de todos os componentes da demanda agregada. Essa conclusão virou dogma e sobre ela não se admitia (e ainda não se admite) discussão alguma. Não obstante, cabe uma pergunta exemplar: ainda que essa hipótese fosse verdadeira para determinadas situações, ela tinha (ou tem) validade explicativa para o caso brasileiro? Em nosso entender, não. Além disso, que indicador utilizar para se medir e caracterizar o fato de que o País passava a viver (ou vive) uma crise fiscal: os superávits/déficits primários3 ou o índice derivado da relação Estoque da Dívida Pública/Produto Interno Bruto? Fazendo-se a opção pela utilização deste último indicador, qual o quantum determinador da crise: 30%, 40%, 60%, 100%? E mais: por que o Brasil, com índice de 13%, como foi o caso de sua posição em 1994, estava em crise fiscal, enquanto outros países com índice superior a 100% não estavam? Mesmo que algumas análises dessem conta de que a situação desses países era crítica, por que o tratamento diferenciado da política econômica para uma e outra situação? Pelo menos para o caso brasileiro, quando se toma como referência o indicador da dívida pública em relação ao produto interno bruto de outros países, desenvolvidos ou em desenvolvimento, os dados são contundentes.4 Neste caso em particular, a situação brasileira é mais confortável do que a de alguns países avançados; dos Estados asiáticos, apenas a Coréia, China e Malásia apresentam índices mais confortáveis. Por outro lado, as situações específicas da Áustria, Bélgica, Dinamarca, Itália, Suécia, Portugal e Japão, a julgar pelos postulados da teoria econômica utilizados pelos que formam opinião internamente e formulam a nossa política econômica, podem ser classificadas como catastróficas. Entretanto estas não são as análises que nos chegam, produzidas pelos economistas desses países — embora haja uma preocupação acentuada na Europa em relação às possibilidades futuras de sustentar o que eles chamam de Estado-providência.5 A CONTROVERTIDA CRISE FISCAL BRASILEIRA

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188  R E G I N A L D O s O U Z A S A N T O S E T A L. Decerto que esses dados podem deixar perplexos os que comandam e formulam a nossa política econômica. Mas a economia que dominam oferece o instrumento técnico para justificar a incoerente e inconseqüente política de ajuste fiscal que nos estão impondo; isto é, termos um perfil da dívida diferente, com a maior parte dela vencendo num prazo menor que um ano. As evidências revelam que esse argumento se torna frágil. Ainda que a boa técnica de gerenciamento de débito recomende alongar o máximo possível os prazos de vencimento, o fundamental aqui não é o prazo, mas sim a possibilidade efetiva de refinanciar os débitos vencidos ou a vencer. O nosso índice de endividamento era de 13%, em 1994 e passou para aproximadamente 50%, no final de 2001, e 54%, em outubro de 2002, não obstante a dívida se caracterizar como de curto prazo. Que milagre foi operado, então? Fica evidente, portanto, que o nosso desvario pela política de ajuste fiscal, ao passo que o mesmo não se verifica em países da Europa, só pode ser compreendido pela finalidade a que se presta a divida pública numa e noutra situação. Enquanto na Europa, na América do Norte, no Japão e na Coréia, por exemplo, a dívida pública tem sido direcionada para incentivar as atividades produtivas, manter garantidos os direitos sociais já conquistados e proteger os que estão sendo vítimas da crise econômica atual, nós desprotegemos esses setores e a política de endividamento tem uma finalidade não revelada de proteger as nossas contas externas. Esta conclusão é fundamental, pois diferencia a análise apresentada no presente estudo do que vem sendo dito, até aqui, pelos economistas oficiais e pelos que lhes prestam homenagem. A incapacidade de a literatura especializada e a da política econômica dos organismos multilaterais darem respostas adequadas do ponto de vista técnico e político aos questionamentos acima, reforça a desconfiança no fato de que a crença na crise fiscal do Estado decorre da sublimação da moral e da ideologia capitalistas, que têm origem no liberalismo clássico, apoiado pela “Lei dos Mercados” de JeanBaptiste Say, o qual sustentava que o alcance do bem-estar coletivo ficava mais próximo de ser conquistado com a avareza do capitalismo individual, isto é, pelo lucro, do que pela “misericórdia” da ação coletiva administrada pelo Estado. Nos dias de hoje, essa crença, despojada de qualquer preocupação com o bem-estar, serve apenas de instrumento para ampliar os limites da acumulação privada de capitais,

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 189 particularmente quando se trata de conquistar os espaços controlados pelo Estado. Por essa razão, defende-se a hipótese, que se sustenta pelas análises dos dados empíricos, de que a “crise fiscal” não é o elemento originário da crise econômica mais geral, mas os resultados desta é que estão levando o Estado à situação de desequilíbrio perigoso de suas contas. Isto significa que a crise, refletida pelo crescimento lento, pelo desemprego estrutural e pela redução nas taxas de lucros, está impondo perdas aos diferentes segmentos sociais, que, por sua vez, buscam soluções que só estão ao alcance do Estado. Porém, nos dias que correm, o Estado, cada vez mais, caracteriza-se como um instrumento de classe e, neste jogo, saem ganhando os capitais concentrados e centralizados que atuam em escala mundial. Numa conjuntura em que os resultados econômicos não são satisfatórios, a solução é pressionar o orçamento público para preservar as posições de ganhos. Assim, duas conclusões óbvias surgem. Primeira, não é o Estado que está vivendo uma crise de liquidez, disseminando pessimismo e ameaçando o surgimento de uma crise financeira sistêmica; ao contrário, a crise de realização dos capitais é que está pressionando o Estado e levando-o a um processo de deterioração de suas contas. Segunda, nestes termos, a “crise fiscal” termina sendo algo “construído” e depositado nos limites da esfera pública, pois, assim, o conteúdo dos pleitos dos capitais líderes ao Estado ficam “legitimados” perante a sociedade, particularmente os vinculados ao balanço de pagamentos, fonte originária da desordem econômica do Brasil nas últimas duas décadas. É com esse referencial que será analisada a emblemática crise fiscal brasileira. A CONTROVERTIDA CRISE FISCAL BRASILEIRA

A reestruturação produtiva do Estado brasileiro e a política de ajuste fiscal Achando que o desenvolvimento dependia do equacionamento da variável externa, as autoridades econômicas subordinaram todas as demais políticas à questão externa. Não obstante essa verdade, é seguro que, nas duas últimas décadas, assiste-se uma ênfase diferenciada nas políticas, particularmente a partir do momento em que um determinado grupo de economistas assume o comando da economia (PUC-Rio, a partir de 1985). Antes disso, ainda se registram alguns

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190  R E G I N A L D O s O U Z A S A N T O S E T A L. espasmos de heterodoxia e um discurso voltado para o desenvolvimento, ainda que fossem reconhecidas as restrições externas. Embora o diagnóstico dos governos Figueiredo e Sarney apontasse a variável externa como a principal restrição ao crescimento e já tivesse tomado o setor público como âncora de sustentação do desequilíbrio externo, nada era comparável ao que iria ser feito a partir dos anos 1990, nos governos de Fernando Collor, Itamar Franco e, sobretudo, Fernando Henrique Cardoso. Antes, ainda se tentava uma renegociação da dívida externa de modo que o crescimento fosse preservado; entretanto, depois de 1990, o Brasil aceita, como condição primeira para a renegociação da dívida, cortar os gastos públicos sem nenhum critério e sem nenhuma preocupação com os impactos sobre a sociedade. Verdadeiramente, o período mais crítico da crise externa (19791982), no qual a balança comercial e, mais ainda, a balança de serviços, particularmente a conta “Juros”, tiveram déficits expressivos, fez as autoridades econômicas perderem totalmente o controle do Balanço em Transações Correntes, que praticamente triplicou o seu déficit de 1978 para 1982, passando de US$ 5,9 bilhões para US$ 16,3 bilhões. Nesses termos, se se tomam os anos seguintes a 1983, em comparação com o período 1979-1982, constata-se que houve melhora nos principais indicadores das contas externas. Então, o que justificaria uma política de ajuste interno preocupada com a vulnerabilidade do Balanço de Pagamentos? O problema maior passou a residir na conta “Capital”, notadamente em razão da amortização da dívida e da baixa entrada de capital por meio dos investimentos externos diretos. Note-se que, até 1991, o capital de investimento, produtivo ou especulativo, não só é desprezível, como em alguns momentos chega mesmo a apresentar resultados negativos — significando que o Brasil estava, nesse instante, investindo mais no exterior do que os estrangeiros em nosso País. Nesse sentido, as amortizações passaram a ser o fator desequilibrador das contas externas, cuja solução era recorrer a novos empréstimos. Para uma situação emergencial, não seria inconseqüente uma política dessa natureza, até porque, quando a situação era vista numa perspectiva de médio e longo prazo, parecia, prima facie, até bastante saudável, considerando-se a boa performance da balança comercial e,

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 191 por conseqüência, do conjunto das transações correntes. Apesar disso, as autoridades econômicas encontravam sérias dificuldades em negociar um acordo para a dívida e isso implicava recorrer a empréstimos de curto prazo e, assim, não poder equacionar o problema. Por essas razões é que, a partir de 1985 até 1992, enquanto o estoque da dívida de médio e longo prazo cai, o estoque da de curto prazo aumenta. Por outro lado, as autoridades econômicas passaram a atrelar a política de crescimento econômico ao equacionamento das contas do balanço de pagamento. Porém as circunstâncias políticas em que o presidente José Sarney assumiu o governo não lhe permitiam decisões mais audaciosas para o enfrentamento da crise externa. No final de 1986, com o agravamento das condições cambiais, em razão de as reservas estarem próximas de níveis críticos, à equipe econômica não restou outra possibilidade senão iniciar os procedimentos técnicos para uma moratória, bem como uma articulação política de convencimento ao restante do governo. Embora tardiamente, mas não deixando de expressar um ato de coragem política em defesa dos interesses do País, em 20 de fevereiro de 1987, o governo brasileiro envia um telex aos bancos comerciais com sede na exterior, comunicando a decisão de suspender os pagamentos de juros. A idéia inicial da equipe econômica previa complementar essa decisão de ajuste externo com medidas de ajuste interno, à semelhança das adotadas por ocasião do Plano Cruzado, em 1986. Embora carecendo enormemente de recuperar a popularidade perdida, também para poder barganhar, em melhores condições, a ampliação do seu mandato de governo, o presidente Sarney não só desaprova as medidas de ajuste interno, como recua em relação à moratória. A falta de coragem política fez o País perder uma oportunidade histórica, cujo preço estamos pagando até hoje e cada vez mais caro. Com isso, volta-se a praticar um tipo de negociação convencional que só favorece aos interesses dos credores em detrimento do futuro do povo brasileiro. O início do processo constituinte transformou-se num importante instrumento amortecedor de tensões, notadamente do lado dos credores externos. Além disso, o conhecimento prévio de que, no final de 1989, haveria eleição direta para presidente da República era um fato político importantíssimo porque sinalizava renovação de A CONTROVERTIDA CRISE FISCAL BRASILEIRA

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192  R E G I N A L D O s O U Z A S A N T O S E T A L. esperanças. Para a situação no poder, podia significar a continuidade no comando da política econômica nacional, mas em bases de apoios mais consolidadas para equacionar, de uma vez por todas, as negociações relativas à dívida externa; para a oposição, este fato significava mais do que a oportunidade de ver o poder trocar de mãos, era a chance de mudar radicalmente as relações com os credores internacionais. Porém um outsider ser eleito presidente do Brasil significava, para a direita (de dentro e de fora do País), a certeza de que a política econômica do Brasil estava articulada de acordo com os parâmetros da política macroeconômica internacional, institucionalizada plenamente a partir do Consenso de Washington (1989). Aliás, a bem da verdade, a plataforma de campanha do presidente eleito estava calcada nas recomendações feitas pelo G-7. Mesmo com o impacto das medidas anunciadas no segundo dia após a posse, algum crédito era dado ao novo governo. Tanto é que, embora em 1990 o Balanço em Transações Correntes tenha fechado negativo na casa dos U$ 2 bilhões, a conta “Capital” teve uma performance melhor do que a do ano anterior: a necessidade de recursos para amortizações cai em quase U$ 6 bilhões, os investimentos externos diretos voltam a apresentar saldos favoráveis, o volume de empréstimos e financiamentos cresce mais de U$ 3 bilhões, melhorando, assim, os níveis das reservas internacionais. Por conta de a política ser extremamente favorável aos interesses do capital externo, esta performance manteve-se durante o período do governo Collor e dos demais governos que o sucederam. Essa melhora, no entanto, era apenas aparente, pois as questões de fundo que engessavam a economia brasileira permaneciam insolúveis, particularmente a definição de uma renegociação que alongasse os prazos de vencimento do estoque da dívida, reduzisse os custos de carregamento (juros e spreads) e, sobretudo, possibilitasse ao País acesso ao mercado de dinheiro sem o monitoramento das agências multilaterais, particularmente o FMI. Esse procedimento fazia-se tão mais urgente uma vez que toda a demora levava ao aumento do grau de vulnerabilidade da economia brasileira. Assim, com a edição das bases para o lançamento do Real, o governo brasileiro consegue renegociar parte da dívida externa, conseguindo crédito das agências multilaterais, com o monitoramento do FMI até 2001. Como medida interna complementar, o acordo exigia um corte nos gastos públicos da ordem de 3% do PIB durante o acordo.

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 193 Porém, a aparente tranqüilidade vivida pelo País em relação às suas contas externas decorria mais da política econômica interna do que propriamente do refinanciamento da dívida decorrente dos acordos com os governos dos países líderes e das agências multilaterais. Para se entender isso, é preciso notar, preliminarmente, que o Brasil foi um dos últimos países industrializados a assumir o projeto neoliberal como eixo central da política econômica; até esse momento, a nossa postura era considerada muito “conservadora” aos olhos dos nossos credores e interessados externos na abertura da economia, apesar de, internamente, o comportamento do comando da política econômica já vir sofrendo duras críticas em razão da subordinação às orientações do FMI. Assim, a década de 1990 é marcada por uma contradição quanto às transações financeiras externas. Ao tempo em que fica agravada a vulnerabilidade externa do País, também é o momento em que a entrada de recursos fica mais facilitada, se comparada com o período anterior. A vulnerabilidade aumenta em razão de não se conseguir fechar um acordo da dívida antes de 1995, pelo irrealismo cambial, a partir de 1994; pelo aumento das remessas de juros, lucros e royalties; e, sobretudo, pela inflexão da balança comercial, que passa a ser deficitária a partir de então. A entrada de recursos foi facilitada pelo grau de “confiança” dos agentes externos à nova política econômica dos governos brasileiros pós-1990, tanto pelos elevados juros internos (para atrair capitais), quanto pela desregulamentação dos fluxos de capitais, justificada como medida facilitadora para a entrada deles na condição de “investimento direto”, mas, na verdade, interessados apenas na compra de ativos desvalorizados, sobretudo dos ativos sob controle do Estado. Apesar de essa política ser iniciada em março de 1990, os seus efeitos mais perversos só virão a ser percebidos mais claramente depois da adoção do Plano Real. Se olharmos para as reservas internacionais, parece que a “bonança” passa a ter uma convivência definitiva a partir de 1992, quando os níveis mais do que dobraram em relação ao ano anterior, passando de US$ 9,4 bilhões para US$ 23,8 bilhões. Isso parecia “extraordinário” para um país que vivia, até então, em constante tensão em razão de as reservas estarem permanentemente em limites de risco.6 Porém, esse aumento, de fato, não refletia uma situação favorável, pois os saldos cambiais cresciam por conta de aumenA CONTROVERTIDA CRISE FISCAL BRASILEIRA

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194  R E G I N A L D O s O U Z A S A N T O S E T A L. tos extraordinários de empréstimos e financiamentos de curto prazo e também em decorrência dos investimentos diretos, sejam atraídos pela desnacionalização de setores produtivos, sejam atraídos pela especulação financeira (portafólio) decorrente das elevadas taxas de juros no mercado interno. Note-se que os empréstimos e financiamentos têm forte sincronia com a dívida externa de curto prazo (concedida em razão de facilidades à entrada de mercadorias estrangeiras em nosso mercado)7 e com as amortizações (pela impossibilidade de o Banco Central honrar os compromissos com a banca internacional); daí a “rolagem” da dívida externa passar a ser um expediente recorrente. Ainda com relação aos dados das contas externas do Brasil, mais especificamente com relação à Conta de Capital Elementos da Conta Capital, é importante ressaltar o comportamento do investimento líquido. Até 1991, a entrada desse tipo de recurso era insignificante, chegando mesmo o País, em determinados anos, a notabilizar-se como exportador líquido de recursos nessa rubrica. Porém, a partir de 1992, as fragilidades do desequilíbrio externo ficam evidentemente expostas e vão definitivamente transformar o Brasil num espaço privilegiado da especulação produtiva e financeira. Decerto que o acordo com o FMI, que deixava à disposição do País um crédito de US$ 41,5 até o final de 2001, eliminava o risco do calote e sinalizava aos capitais externos as boas oportunidades de negócios. Em que pesem os riscos derivados dessa política e as críticas sofridas, as autoridades econômicas não mudam de direção e insistem em manter o câmbio apreciado, as taxas internas de juros elevadas e aprofundam a política de ajuste fiscal — esta, juntamente com as privatizações, transformando-se no expediente possível para garantir os fluxos de recursos externos e manter a aparente estabilidade do balanço de pagamentos, pois a balança comercial continuava persistentemente deficitária. Por ser uma política de alto risco, ao primeiro sinal de instabilidade financeira internacional, as autoridades brasileiras sentiram a profundidade de nossa vulnerabilidade externa. Respaldado pelo acordo com o FMI, o País aprofunda uma política de ajuste sem precedente em nossa história recente: de um lado, elevou as taxas de juros às alturas dos cornos da lua — como o disse o professor Belluzzo (1999) —, de outro lado, foi obrigado a se desfazer do irrealismo cambial mediante uma maxidesvalorização do real da ordem de 45%.

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 195 A partir desse ponto, as autoridades brasileiras passaram a fazer uma política econômica de sobressaltos, dado o alto grau de instabilidade das contas externas. Ainda que, de 1999 até o presente, a política de ajuste fiscal, visando amenizar a vulnerabilidade do balanço de pagamentos, tenha sido férrea e levado a economia nacional ao colapso, a vulnerabilidade externa permanece mais agravada ainda. Apesar de a desvalorização do câmbio ajudar na obtenção de um melhor desempenho na balança comercial, agravam-se os déficits em transações correntes, em razão da irresponsável política externa posta em prática nos anos 1990, a partir da abertura comercial que ampliou as importações mais do que as exportações; da valorização cambial que barateou as importações e encareceu as exportações; da ampliação do déficit na conta turismo e serviços de transportes (frete); e, da desnacionalização da economia. Tal quadro apresenta os resultados mais perversos a partir de 1994, em virtude do aumento espetacular nas remessas de juros, lucros e royalties. Os dados referentes às privatizações mostram que a entrada de recursos delas provenientes foi moderada no período 1991-1996, aumentando expressivamente e chegando ao ponto máximo entre 1997 e 2000, e declinando abruptamente em 2001 e 2002.8 Esta queda significa que essa fonte de recursos externos se esgotava, pois já não há mais quase o que privatizar. Dado que, depois de todo esse “esforço”, os desequilíbrios internos e externos se aprofundaram, o governo, sem força política para vender as estatais remanescentes, passa a adotar o método da privatização na margem: ou contendo a expansão da estrutura produtiva estatal e com isso fazendo-a perder posição relativa no mercado, ou privatizando sem, contudo, perder o controle do capital social mediante o programa de oferta pública de ações preferenciais: Petrobras (2000) e Banco do Brasil (2001). Esse quadro mostra-se comprometedor no futuro se se observar que os investimentos estrangeiros diretos em setores privados também parecem indicar um certo esgotamento depois do boom ocorrido no período 1996-2001. Se não se pode fazer uma relação mais estreita quanto a cadeia produtiva, entre privatização e entrada de capital externo em setores dominados pelo capital privado nacional, é certo que existe, pelo menos, uma relação psicológica, pois o esgotamento das privatizações significa dificuldades de o governo manter o equilíbrio externo a partir do orçamento fiscal. De fato, isto é um mau sinal, A CONTROVERTIDA CRISE FISCAL BRASILEIRA

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196  R E G I N A L D O s O U Z A S A N T O S E T A L. pois o capital externo não irá entrar no País sem garantias de saída, carregando os rendimentos esperados no momento da sua entrada. Dada a avalanche de capitais forâneos que entravam no Brasil, passou-se a dizer que os nossos problemas (instabilidade e desajustes macroeconômicos) tinham origem interna, por conta de padrões administrativos e gerenciais do Estado brasileiro, não apropriados para levar o País a uma nova fase de modernidade e prosperidade econômica e social. Sendo assim, a tarefa a ser executada urgentemente era traçar um programa de governo que atendesse aos interesses do processo de reestruturação patrimonial e administrativa do Estado brasileiro, materializado no que se convencionou chamar de “Programa de Reforma do Estado”, ou o que nós achamos mais apropriado classificar de “Reestruturação Produtiva”. O discurso oficial ia mais além ao tentar fazer crer que um dos pontos-chave da reforma seria o ajuste fiscal. Embora querendo convencer que o ajuste fiscal era apenas um elemento da reforma, na verdade ele era o próprio ponto de chegada, ficando o programa de reforma a ele subordinado, pois o que interessava, no tocante às contas públicas, era gerar um superávit primário no orçamento e assim garantir aparente tranqüilidade nas contas externas. Como a política de ajuste tem sido insuficiente para equacionar a nossa vulnerabilidade estrutural do balanço de pagamentos, sem saída o governo tem aprofundado a política de ajuste levando à ampliação do desajuste. A compreensão é fácil: a política de juros elevados tem eliminado todos os esforços de menos gastos e mais receitas. Compreender esse processo é compreender que o Brasil vive um colapso econômico e uma tragédia social.

A crise fiscal brasileira em questão Quando se discutiu o conceito de crise fiscal, procurou-se demonstrar que a concepção que se tem de crise financeira não poderia ser aplicada ao Estado capitalista, pelo menos pelas evidências atuais, em particular no caso brasileiro. A crítica vai no sentido contrário à literatura que toma a crise fiscal como derivada do conceito tradicional de crise financeira do sistema capitalista que, invariavelmente, é compreendida pelas dificuldades de os agentes financiarem suas posições devedoras.

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 197 Por que, então, se fala tanto em crise fiscal e por que a política econômica volta-se exclusivamente para o seu equacionamento? Na verdade, é muito mais fácil, do ponto de vista político e ideológico, a aceitação do falso discurso de crise e de todo o sacrifício para resolvêla, do que a verdade que exige da população a renúncia de melhores condições de vida em favor da sustentação dos custos decorrentes da dívida interna e do desequilíbrio do balanço de pagamentos. Decerto que, se for dito isso (que de fato é a verdade), a população não aceitará metade do sacrifício a que tem sido submetida nos últimos tempos. Depois de anos de ufanismo e acreditando-se que o País era, de verdade, uma “ilha de prosperidade cercada por um mundo caracterizado por crises econômicas e políticas”, a necessidade que se impunha (de repente) de mudar o ritmo de crescimento do País custava muito caro a seus ideólogos. Além disso, não era desprezível o fato de estarmos no início do mandato de um novo presidente militar (com mandato de seis anos e certeza política de continuidade) e que tinha como slogan para legitimação a defesa intransigente da continuidade do crescimento acelerado de anos anteriores, além da promessa de “matar” a fome endêmica do povo brasileiro. Assim, qualquer política recessiva significava uma subversão inaceitável dessa estratégia. Apesar das elevadas taxas de inflação, o fato novo e surpreendente da crise, que se inicia no final da década de 1970 e início da de 1980, era que as suas causas fundamentais tinham uma origem externa, tendo como principais fatores a política de ajuste recessivo dos países líderes, o vencimento em grande quantidade de parcelas da dívida contraída em períodos anteriores e, sobretudo, a nova alta do preço do petróleo, no segundo semestre de 1979. Considerando o fato de o Estado ser o principal coordenador da política econômica e, sobretudo, o mais importante agente da sua execução, certamente que também passava a ser, até por razões técnicas, o responsável direto pelo ajuste das contas externas do País. É nesse momento que as contas públicas vão atrelar-se ao ajuste das contas externas e nunca mais se separarão, pelo menos enquanto houver possibilidades técnicas e, sobretudo, políticas de se extrair algo mais do orçamento público para garantir um relativo grau de confiança dos agentes externos ao aporte de capital na economia brasileira. Diante dessa situação crítica, o governo brasileiro faz a opção pelo ajuste recessivo, combinando as políticas monetárias (elevação A CONTROVERTIDA CRISE FISCAL BRASILEIRA

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198  R E G I N A L D O s O U Z A S A N T O S E T A L. dos juros) e fiscal (cortes em rubricas selecionadas de gastos, nos subsídios creditícios e nos incentivos fiscais). O primeiro movimento, que se observa nessa política de ajuste praticada pelo governo, é o que se classifica de movimento interno, compreendido como o deslocamento de gastos de uma rubrica para outra. Esse movimento se dá principalmente na redução dos gastos com investimento em favor do aumento dos gastos com juros. Analisando os dados, nota-se que a participação dos gastos de pessoal na despesa corrente se mantém praticamente inalterada ao longo do período estudado: 20% entre 1975 e 1979, 22% entre 1980 e 1989 e 23% entre 1990 e 1999. Porém, quando se trata da participação do investimento e dos juros, percebe-se, claramente, a ampliação destes em relação àqueles. Honrar os compromissos com os juros da dívida pública (externa e interna, esta até mesmo em títulos com correção cambial) era a forma encontrada pelas autoridades econômicas para garantir o fluxo de recursos externos e assim poder administrar, pelo menos no curto prazo, o desequilíbrio estrutural do balanço de pagamentos. Nesse sentido, o gasto em investimento passa a ser subordinado à lógica de gestão das contas externas, perdendo, portanto, as características de variável macro mais importante para garantir a dinâmica econômica, bem como fazendo a economia brasileira perder toda e qualquer perspectiva de médio e longo prazo. Os gastos com pessoal só não tiveram o mesmo movimento descendente porque possuem uma rigidez institucional que impede a redução drástica do seu real poder de compra, mesmo que o governo conceda reajustes nominais abaixo da taxa de inflação ou postergue, por anos a fio, reajustes lineares para toda a categoria de funcionalismo público. Outro movimento importante desse processo de ajuste das contas públicas brasileiras deu-se pelo lado da expansão das receitas tributárias, seja pela elevação do volume de impostos arrecadados, seja em razão da diminuição dos subsídios e incentivos fiscais. De fato, nesse aspecto havia uma impropriedade técnica, política e, também, de justiça social no sistema tributário nacional; quando se fez a reforma tributária de 1967, além do objetivo geral de modernizá-lo, pretendia-se, também, que o sistema fosse capaz de financiar o Estado de forma não inflacionária, que se transformasse num instrumento de apoio à expansão das atividades produtivas e, fundamentalmente, que

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 199 fosse o principal instrumento de distribuição de renda e de maior justiça social. Como o Estado, a essa época, estruturou um novo padrão de financiamento, criando outras novas e poderosas franquias de financiar-se, praticamente transformou o novo sistema tributário num mecanismo de apoio às atividades produtivas. Com isso, a via fiscal vai servir praticamente aos interesses mais imediatos da expansão do capital, com a política social sendo financiada, em quase toda a sua extensão, com recursos de terceiros — a exemplo do FGTS, previdência social, Pasep, PIS, empréstimos externos, etc., o que, logo em seguida, vai provocar a sua ruptura. Essa é a razão para uma economia industrializada e diversificada apresentar uma relação receita tributária/Produto Interno Bruto tão baixa.9 Como o orçamento público, a partir de 1980, passa a ser a principal peça do ajuste externo, as pressões sobre o orçamento de receita aumentam, também no sentido de uma reforma tributária que tivesse como um dos objetivos principais maior descentralização financeira e administrativa como forma de os estados e municípios estabelecerem uma relação menos subordinada ao governo federal. Porém as autoridades econômicas resistiram o quanto puderam, pois, além de se contraporem a uma reforma cuja partilha pusesse mais recursos nos tesouros estaduais e municipais, trabalhavam numa perspectiva orientada pelo FMI, que era a de integrar essas instâncias de governo no esforço de ajuste fiscal, visando o equilíbrio macroeconômico interno e, sobretudo, externo. Apesar de toda a resistência das autoridades federais, o momento político não permitia mais postergar as reformas requeridas e que vão ser conformadas no processo constituinte de 1988 e passam a ter vigência a partir de janeiro de 1989. Sobre o movimento pró-reforma, é pertinente dizer que ele trazia uma contradição, pois, ao tempo em que criticava a política de ajuste do governo federal, particularmente por ser monitorada pelo Fundo Monetário Internacional, a reivindicação por mais recursos e maior autonomia de gestão não tinha esse fato como pano de fundo. De todo modo, as modificações no formato tributário anterior permitiram ampliar os níveis de arrecadação. Se, no longo período de 1975 a 1989, a média de arrecadação do governo federal não ultrapassou os 10% do PIB, no período entre 1989 e 1999, essa média sobe para 22,5% a.a., o que deve ser considerado um aumento extraordinário! A CONTROVERTIDA CRISE FISCAL BRASILEIRA

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200  R E G I N A L D O s O U Z A S A N T O S E T A L. Decerto que esse aumento tem muito que ver com as modificações na própria estrutura tributária até então vigente, porém é importante ressaltar que as autoridades econômicas adotaram uma política muito bem sincronizada de menos gastos e mais receitas e, nesse sentido, é relevante observar a política de subsídios creditícios e incentivos fiscais, particularmente depois dos anos 1990. Nota-se que, até o início da década de 1980, os gastos com incentivos às atividades produtivas estavam próximos de 1% do PIB, passando a declinar a partir desse momento até chegar ao índice desprezível de 0,1%, o que, aliás, é o mesmo porcentual desde 1989. Como as finanças públicas só podem ser entendidas quando os planos orçamentários estão integrados, é fundamental complementar esta análise observando o comportamento de rubricas importantes da despesa em relação ao PIB. Percebe-se uma tendência em que o governo passa a absorver uma parcela cada vez maior da renda nacional, porém não em favor de uma expansão da capacidade produtiva da economia, mas em razão da necessidade de ancorar o balanço de pagamentos do País mediante os superávits fiscais das contas públicas brasileiras. Analisando os Investimentos e Juros como Porcentual do Produto Interno Bruto, são notórios o comportamento assimétrico entre os gastos em investimentos e os referentes ao pagamento de juros. O orçamento federal, que já chegou a alocar 2,2% do PIB em investimento (1975), a partir de 1995 registrou um índice abaixo de 1% e, em 1999, não passou de 0,7%, correspondendo a apenas US$ 3,8 bilhões.10 Verdadeiramente, essa soma de recursos não é suficiente sequer para manter a base produtiva do governo federal que já está instalada. Por essa razão, os serviços postos à disposição da população ou estão sendo reduzidos ou estão perdendo qualidade — as estradas ferroviárias e rodoviárias são exemplos característicos dessa política de desinvestimento ou, como denominamos mais apropriadamente, de despatrimonialização social pela qual o País vem passando. Se se analisam os dados numa perspectiva de governo, vê-se claramente que o período do governo Fernando Henrique Cardoso é o pior de todos e revela uma política clara de atrelamento das finanças públicas brasileiras à questão da dívida externa.

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Considerações finais Este capítulo teve como propósito tentar desvelar o mistério que envolve a discussão acerca da denominada crise fiscal do Estado capitalista, utilizando como objeto de estudo empírico os aspectos relevantes caracterizadores da chamada crise fiscal do Estado brasileiro. Para tanto, procurou-se situar a origem dos problemas econômicos do País e construir um conceito para a definição e compreensão de crise fiscal no contexto mais amplo do Estado capitalista contemporâneo. A principal hipótese sustentada no artigo é a de que a crise não tem origem no Estado e sim na economia de modo geral. A partir dessa compreensão, foi possível perceber que a construção da idéia de depositar no Estado a crise de natureza fiscal era a forma de legitimação política mais apropriada para possibilitar ao capital privado apossarse dos espaços capitalistas sob o domínio do Estado. Este espaço ficava mais valorizado e cobiçado pelo capital privado à medida que se percebia que a acumulação de capital e a expansão econômica não se estavam fazendo pela incorporação de novas fronteiras ao capitalismo, mas, antes, mediante a competição acirrada entre os capitais líderes e rivais, que começa pelo domínio dos espaços já controlados e, depois, chega aos espaços que estavam sob o comando do Estado. Nesse sentido, sustenta-se que o processo de reestruturação do Estado passa a ter uma compreensão mais lógica nos marcos da concorrência do que mesmo como expressão de uma racionalidade utilitarista levada às últimas conseqüências ou, o seu oposto, uma expressão de uma política estatal voltada exclusivamente para favorecer o processo de acumulação no âmbito privado, portanto, uma política voltada para favorecer os interesses do capital. A preocupação foi demonstrar empiricamente que a crise era mais um dado tomado como justificativa para legitimar a efetivação de um ajuste fiscal que desse sustentação ao desequilíbrio externo do que mesmo uma evidência empírica. Nesta análise, constata-se que todos que advogam a noção de crise e defendem a necessidade de uma política de ajuste do setor público nem sequer têm um conceito de crise fiscal. Acredita-se que a maioria nem sequer tenha de forma clara os verdadeiros propósitos dessa perseguição sem trégua por um equilíbrio orçamentário do Estado.

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202  R E G I N A L D O s O U Z A S A N T O S E T A L. Sendo assim, o pensamento e a política econômica no Brasil perdem vitalidade e sua continuidade expressa uma postura ditatorial dos governos brasileiro dos últimos 24 anos. Diante desse fato, podese perceber, sem grande esforço de análise, que, para além do atrelamento das finanças públicas ao equilíbrio das contas externas, a conclusão lamentável desta análise é que o orçamento público brasileiro, pela forma como o governo o administra, particularmente a partir de 1995, tem-se transformado, a um só tempo, num espaço privilegiado de valorização do capital, assim como transformando-o no mais perverso instrumento viabilizador do processo de concentração de renda do País. Apesar de todo o desacerto visível dessa política, o discurso arrogante das autoridades brasileiras aponta para uma continuidade, pois busca fazer acreditar que a política que está sendo feita é a única alternativa. Felizmente, existe um grupo de intelectuais que, por não acreditarem nessa visão maniqueísta, passou a buscar uma base teórica e empírica capaz de consolidar um pensamento crítico e inovador da economia política e da administração política contemporâneas e, assim, recuperar aportes teóricos validados nas fontes básicas de análise nos pensamentos de Marx, Kalecki, Keynes e Galbraith, visando, com tudo isso, fazer uma política econômica cumpridora de sua finalidade última, qual seja: libertar os povos e garantir o bem-estar da humanidade! Notas 1 A importância dos gastos estatais como barreiras à depressão foi mostrada minuciosamente por Minsky na Parte II: Economic Experience do seu livro Stabilizing un Unstable Economy (1986, pp. 13-95). 2 Esse caráter financeirizado do orçamento público ganha contornos mais nítidos com as recentes crises cambiais do México (1994) e particularmente dos tigres asiáticos (em 1997/1998), do Brasil (em 1999) e da Argentina (em 2001), quando os tesouros nacionais, pelos bancos centrais e o FMI, têm evitado insolvências generalizadas, garantindo a liquidez das economias nacionais e dos agentes econômicos. 3 De logo, devemos dizer que esse indicador é desprovido de qualquer conteúdo que possa servir de orientação da política macroeconômica, a exemplo dos índices de crescimento, de distribuição de renda, etc.; apenas interessa aos credores do Estado (os rentistas aplicadores em títulos da dívida pública) para uma avaliação, a qualquer momento, da real capacidade deste — o Estado — de distribuição de dividendos aos

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rentistas. É nesse sentido que dizemos que o Estado capitalista se transformou no espaço mais privilegiado da acumulação de riqueza financeira e da concentração de renda. 4 Para os dados sobre os países da Europa, Estados Unidos, México e Japão, consultar OECD, Statistical Yearbook (1980-1999), Paris, 2000. Os dados relativos a 2000 podem ser encontrados no Relatório Anual do Banco Central Europeu. Para os países da Ásia (exceto o Japão), os dados podem ser comprovados no Informe sobre el Desarrollo Mundial, 2002 (Panorama General). Banco Mundial: Washington, D.C., 2001. Para o Brasil, pode-se consultar os dados do Orçamento Geral da União (vários anos) e das Contas Nacionais/Ibre-FGV. 5 Quando se fala em “possibilidades futuras”, trata-se de projeções que estão sendo feitas para 2020, 2030, 2050 — portanto, um futuro bem distante do que nós trabalhamos. 6 De outro lado, a entrada de dólares, sem precedente na história econômica do País, produzia efeitos deletérios sobre as contas internas, pois o governo era obrigado a esterilizar essa “montanha” de dinheiro mediante o aumento da dívida pública mobiliária, e mais recentemente, em títulos com correção cambial. 7 Os novos economistas, quando falam de estratégia competitiva em busca de uma integração internacional, invariavelmente sinalizam para a abertura de novos espaços no mercado internacional e, na medida do possível, cedendo espaços no mercado interno, porém preservando os interesses estratégicos da economia nacional. Nós, diferentemente deles, fizemos a política contrária a essa: primeiro, abre-se a economia nacional à entrada de produtos externos e, só depois, buscamos algum tipo de compensação nos mercados estrangeiros. Ou seja: ao invés de buscarmos maior competitividade de nossa economia de dentro para fora (o que seria mais correto e ajuizado), fizemos o inverso, de fora para dentro (o que se revelou incorreto e bastante oneroso para os interesses do País). 8 Boletim do Banco Central do Brasil e Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social — BNDES. 9 Pode-se observar, no Orçamento Geral da União e na revista Conjuntura Econômica (vários anos) — Receita Corrente e Incentivos como Porcentual do PIB — que, no período de 1975 a 1989, esse índice fica em modestos 10%. 10 Orçamento Geral da União e Conjuntura Econômica (vários anos).

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CAPÍTULO 6 ESTADO CAPITALISTA, PLANO REAL E ACUMULAÇÃO FINANCEIRA1 FÁBIO GUEDES GOMES

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E S S A P A R T E D O L I V R O discutimos os elementos centrais da

política econômica do Plano Real. O objetivo geral é desmistificar o debate de que a crise do Estado brasileiro e sua incapacidade de avançar em suas políticas públicas derivam do esgotamento de sua capacidade de financiamento. Ou seja, que o Estado encontra-se numa grave crise fiscal e a reversão de tal situação só é possível por meio de um recessivo ajuste fiscal e equilíbrio das contas públicas. Pelo contrário, assumimos a posição de que o Estado brasileiro não enfrenta uma crise fiscal e que sua capacidade de financiamento não está esgotada. O problema central encontra-se na vulnerabilidade do balanço de pagamentos e no manejo da política de câmbio, juros e metas de inflação. Isto proporciona um endividamento público crescente e uma transferência de renda pública para o sistema financeiro. Destarte, a busca por superávits primários constata a capacidade de equilíbrio orçamentário do setor público, bem como sua incapacidade política de desvencilhar a dinâmica da dívida pública dos desequilíbrios do balanço de pagamentos e, sobretudo, dos interesses rentistas. Temos o propósito, portanto, de qualificar melhor as razões da redefinição dos objetivos das políticas públicas sob responsabilidade do Estado. Não tem sido difícil observar a realidade social brasileira e identificar a falência de alguns serviços públicos básicos. Por outro lado, encontramos o Estado se desdobrando para atender os interesses de certos grupos hegemônicos por meio de políticas públicas ex206

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 205 plícitas, como no caso do empenho do governo brasileiro em apoiar, irrestritamente, o agrobusiness e os demais setores exportadores. Acreditamos ser necessário buscar as verdadeiras raízes para esta problemática, ou seja, a redefinição do grosso das políticas públicas para o atendimento dos interesses do capital. Para tanto, temos procurado, com muito esforço, escapar um pouco do tratamento convencional dispensado ao tema. Entendemos ser necessário verticalizar os estudos sobre a concepção de Estado. Compreender seus silogismos, buscar apreender a natureza do funcionamento do Estado capitalista numa sociedade subdesenvolvida e articulada com os centros hegemônicos de poder no plano internacional. Com isso, não pretendemos aceitar aprioristicamente o Estado como um conceito dado, para então procurar formular concepções superficiais sobre seu funcionamento e suas relações com a sociedade. Somos persuadidos a afirmar que nas últimas duas décadas foi construindo-se um pacto de poder no Brasil que vem estabelecendo as novas funções do Estado. Não que este esteja em crise, mas que assume uma nova funcionalidade no capitalismo periférico, com estreitos laços com a hegemonia das elites financeiras que dominam os fluxos de riquezas mundiais. Nesse sentido, o Plano Real selou esse pacto de poder que vem confirmando-se num governo dito de esquerda, eleito majoritariamente por uma sociedade com sede de mudanças, insatisfeita com as propostas neoliberais. Urge a necessidade, portanto, de se retomar o debate sobre os efeitos devastadores da proposta de governo neoliberal para o País, bem como entender as razões que levarão à construção da ideologia da crise fiscal e à necessidade de reformas do Estado, tido, até então, como o grande vilão dos obstáculos ao desenvolvimento. Para tanto, o capítulo está subdividido em mais cinco seções incluindo as Considerações Finais. Na primeira, resgatamos o modelo do Plano Real, procurando pontuar suas principais características. Nas duas partes seguintes, analisamos os efeitos da abertura econômica sobre as contas internacionais do país e as contas públicas, evidenciando como a racionalidade econômica nos comprometeu consideravelmente em capacidade de financiamento tanto de contas internacionais, quanto das contas públicas. Em seguida discutimos um pouco a concepção de Estado e sua nova funcionalidade e, por ESTADO CAPITALISTA, PLANO REAL E ACUMULAÇÃO FINANCEIRA

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206  F Á B I O G U E D E S G O M E S fim, levantamos algumas considerações sobre a perda da autonomia do setor público brasileiro para ampliar o escopo das políticas públicas mais direcionadas para o interesse geral do País. O modelo e o pressuposto neoliberal: retomando a discussão Um dos objetivos da política macroeconômica do Plano Real foi a estabilização do processo inflacionário e o restabelecimento da unidade das três funções da moeda, unidade de valor, intermediária de compra e reserva de valor. Recuperar a confiança no padrão monetário doméstico em relação ao exterior era essencial. Para tanto, centralizou-se praticamente a política econômica em duas variáveis-chave: a taxa de juros e o câmbio. De imediato, no Plano Real a sobrevalorização cambial foi permitida por três motivos básicos: i) os elevados saldos comerciais alcançados antes de 1994; ii) a alta liquidez internacional devida à recessão das economias desenvolvidas e, conseqüentemente, uma condição de taxas de juros baixas; e iii) as possibilidades de exploração de novos mercados de países que estavam abrindo suas economias, obedecendo ao credo neoliberal em troca da negociação de dívidas externas. A condição brasileira era muito favorável a destacar, pelo elevado estoque de reservas cambiais, cerca de US$ 50 bilhões no momento da implantação do Plano Real, somente os saldos comerciais entre 1990 e 1994 alcançavam uma média de US$ 12 bilhões por ano. A migração de capitais dos países desenvolvidos em direção à periferia capitalista só ocorreu porque esses capitais se sentiram atraídos pela necessidade de financiamento dos respectivos governos nacionais, aliado às altas taxas de juros e aos programas de privatização de empresas públicas (Belluzzo & Almeida, 2002). Portanto, o cenário financeiro internacional estava bastante favorável no período de lançamento da nova política econômica. Principalmente por causa da desaceleração do ritmo de crescimento econômico dos países desenvolvidos, a economia internacional passou a apresentar novamente graus elevados de liquidez. O Brasil, nesse contexto, soube aproveitar largamente a possibilidade de atrair capitais estrangeiros, tanto para investimentos produtivos quanto financeiros. Essa estratégia seria útil para condicionar o grau de abertura eco-

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 207 nômica do país e financiar a política de estabilização econômica. Nos termos de Oliveira (2002, p. 15), ESTADO CAPITALISTA, PLANO REAL E ACUMULAÇÃO FINANCEIRA

[. . .] um ajuste que se vale da circunstância, a grande liquidez internacional, para mostrar que o país desta feita tinha comando e cérebros [. . .] Ao contrário do Plano Cruzado, vitimado pela escassez de recursos em divisas internacionais, o Plano Real parte de uma situação bem mais privilegiada. Não menos importante foi o alinhamento que o País fez ao chamado Consenso de Washington com suas políticas de cunho neoliberal de austeridade fiscal, privatização e liberalização econômica, como propostas de modernização da periferia (Stiglitz, 2002, 2003; Sallum Jr., 2000). Em troca desse alinhamento o Brasil recebeu a senha convite para ingressar novamente no circuito dos fluxos de capitais estrangeiros, coisa que não acontecia desde a maior parte da década de 1980. Cabe considerar que o País foi [. . .] o último dos países latino-americanos, já no começo da década de 90, a entrar nesse circuito de submissão às políticas de liberalização financeira e comercial e de desregulamentação cambial, com o objetivo de atrair recursos externos, a qualquer custo, inserindo-se de forma subordinada no novo quadro financeiro internacional (Tavares & Melin, 1997, p. 15). Conforme Belluzzo & Almeida (2002, p. 373), não obstante a preocupação com a estabilidade monetária, havia uma concepção muito audaciosa embutida nas estratégias do Plano Real. Evidenciava-se um programa de desenvolvimento de corte liberal que tinha como pretensão alinhar a estrutura produtiva e o nível de produtividade aos padrões de competitividade e modernidade dos países do centro do capitalismo mundial (cf. Sallum Jr., 2000). Nesse sentido, os pressupostos neoliberais partiam da premissa de que se os países que realizassem uma liberalização financeira de seus respectivos mercados, aumentando o grau de exposição às finanças internacionais (liberalização financeira), por meio da abertura da conta de capital, alcançariam melhores condições de financiamento para modernização da capacidade produtiva. Segundo esses pressu-

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208  F Á B I O G U E D E S G O M E S postos, como os países da periferia apresentam uma relativa escassez de capital, por isso apresentando condições de financiamento menos favoráveis, a liberalização permitiria ampliar o mercado de capitais e créditos, elevando a concorrência. Com isso, os agentes econômicos teriam possibilidades mais abrangentes de alocar capital e em situações menos dispendiosas devido à taxa de juros mais baixas (Sallum Jr., 2000, p. 144). Portanto a liberalização financeira seria a tábua de salvação para a realização de novos investimentos que proporcionassem condições mais favoráveis de competitividade aos setores produtivos voltados para o comércio exterior. Essa estratégia de crescimento induzida para o comércio internacional resultaria, em etapa posterior, numa posição mais favorável desses países para enfrentarem os desequilíbrios de seus respectivos balanços de pagamentos e uma inserção internacional em condições mais propícias na economia globalizada. Os ganhos de competitividade, entretanto, fariam crescer a capacidade exportadora. O aumento da capacidade de exportação resultaria em aumento do estoque de divisas estrangeiras conversíveis, mediante os superávits em conta corrente. Essas divisas estrangeiras, então, serviriam para melhorar as condições para a realização dos pagamentos dos encargos e amortização das dívidas contraídas no período anterior, no momento da liberalização financeira e entrada de capitais de empréstimos. Uma estratégia de desenvolvimento econômico bastante ousada e pretensiosa que esbarrou nas suas fragilidades de sustentabilidade. Esqueceram de combinar os termos da continuidade da reestruturação e modernização econômica, bem como da ampliação dos prazos de financiamento com a comunidade financeira internacional. Como argumentam Belluzzo & Almeida (2002, p. 395), ignoraram-se três aspectos centrais, a saber: i) a possibilidade de mudanças nas condições de financiamento internacional; ii) a elasticidade do comportamento das finanças internacionais diante das instabilidades econômicas dos países deficitários e devedores em moeda conversível, notadamente da periferia capitalista; e, iii) o risco de uma desvalorização cambial derivada da desproporcionalidade entre ativos domésticos líquidos e as reservas em divisas estrangeiras. Ou seja, houve uma aposta que o ajuste da economia brasileira poderia contar com a “cooperação” internacional dos grandes capi-

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 209 tais globais por tempo indeterminado, desde que nós aceitássemos suas regras e abríssemos à economia para que estes encontrassem novas oportunidades de valorização e acumulação (Oliveira, 2002, p. 16). Por outro lado, o governo não arriscou em realizar um prognóstico do ônus dessa estratégia para o equilíbrio das contas externas, a saúde financeira do setor público e, principalmente, para a sociedade brasileira. ESTADO CAPITALISTA, PLANO REAL E ACUMULAÇÃO FINANCEIRA

Abertura financeira e contas externas Com o crescente ingresso de capitais estrangeiros (oferta), o câmbio ficou sobrevalorizado, por causa das fortes pressões por aplicações em ativos em moeda nacional (demanda). A nova situação cambial permitiu o aumento das importações e o desestímulo às exportações. Isso, de imediato, causou um choque de oferta externo, o que permitiu aumentar a concorrência interna. A conseqüência maior foi uma exposição darwiniana (Sallum, Jr. 2000, p. 144) da economia brasileira aos produtos estrangeiros, forçando os preços para baixo dos produtos, sobretudo dos não-tradeables, e a falência de várias empresas nacionais, provocando uma desarticulação de importantes redes produtivas (e.g., indústria metal-mecânica), promovendo o “esgarçamento, debilitação e rupturas no sistema produtivo” (ibidem, p. 148). A evidência maior desse processo foi o lançamento da economia brasileira numa “trajetória de crescimento medíocre” (Belluzzo & Almeida, 2002, p. 377), com o conseqüente aumento do desemprego. Por outro lado, o diferencial da taxa de juros interna, vis à vis a externa, além de atrair capitais externos de curto prazo, possibilitando, com isso, uma situação mais favorável para o financiamento das contas externas, também permitiu um ajustamento recessivo da demanda interna. Com esses ingredientes, sobrevalorização cambial, abertura comercial (choque externo), taxas de juros elevadas (contenção da demanda), além do aumento progressivo da carga tributária, foi possível combater a inflação e restabelecer a confiança monetária. Todavia, a persistência nessa combinação seria insustentável e explosiva no médio prazo. A política cambial gerou graves problemas para as contas externas brasileiras e as finanças públicas. Entre 1990 e 1994, apesar do predomínio de uma inflação galopante, havia equilíbrio orçamentário nas contas públicas e nas tran-

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210  F Á B I O G U E D E S G O M E S sações correntes do balanço de pagamentos. O setor externo apresentava condições muito favoráveis no momento do plano, com superávit comercial na casa dos US$ 13 bilhões e déficit em transações correntes extremamente irrisórios, US$ 592 milhões, diante do saldo comercial. A situação financeira do setor público era tida como sadia (Belluzzo & Almeida, 2002; Carvalho, 2004). A partir de 1994 a situação inverte-se completamente e os saldos negativos na conta comercial foram crescendo sem parar. De uma média de US$ 12 bilhões em superávits, passamos para US$ 3,6 bilhões em déficits, ou seja, uma inversão de US$ 15,6 bilhões. O saldo negativo da conta de transações correntes explodiu, saindo de um déficit de US$ 1,7 bilhões em 1994 para US$ 18 bilhões em 1995 (Tabela 1). Tabela 6.1. As contas externas brasileiras, 1990-2001 ANO

SALDO EM BILHÕES DE US$

CRESCIMENTO DO PIB

(%) COMERCIAL

1990 1991 1992 1993 1994 Média 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 Média

TRANSAÇÕES CORRENTES

10,8 10,5 15,5 13,0 10,5 12,1 –3,3 –5,5 –8,3 –6,4 –1,2 –0,7 0,0 –3,6

–3,8 –1,4 6,2 –0,6 –1,7 –0,3 –17,9 –23,1 –33,4 –35,2 –24,4 –24,9 –27,0 –26,6

–4,3 1,0 –0,5 4,9 5,9 1,4 4,2 2,8 3,3 –0,1 0,8 4,4 1,5 2,4

Fonte: Neto, 2002a, p. 19.

Agravando ainda mais o desequilíbrio externo, os juros e remessa de lucros e dividendos assumiram uma posição crescente, em razão do aumento do endividamento externo e da participação de grupos estrangeiros na economia brasileira depois da abertura econômica. Ressalta-se que os déficits em transações correntes foram alcançados num contexto de baixo crescimento do PIB. No período 1995-2001, o governo FHC transferiu cerca de mais de US$ 200 bilhões para o exterior, resultado dos saldos negativos em conta corrente e as amortizações de dívidas em moeda estrangeira, descontando os saldos co-

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 211 merciais e a entrada de investimentos externos diretos. Com isso abre-se uma questão crucial para a economia brasileira nessa época: como financiar o déficit externo se a economia não cresce nem podemos contar com a voluntariedade dos capitais financeiros globais? Ou melhor, como caminhar com o projeto neoliberal de desenvolvimento econômico? Como foi observado, até 1994 o saldo da balança comercial era suficiente para financiar o déficit em transações correntes. Depois de 1995 o equilíbrio não podia mais ser alcançado com a colaboração da balança comercial. A estratégia voltou-se para o aprofundamento do endividamento. O financiamento da economia brasileira viria por meio do endividamento externo público e privado (com empréstimos de rápido desembolso). O passivo externo líquido (a soma de todos os títulos de propriedade do Brasil que se encontra nas mãos de não residentes) aumentou rapidamente pós-1994, numa curva ascendente que chegou ao cume dos US$ 226 bilhões (Gráfico 6.1 e Tabela 6.2). ESTADO CAPITALISTA, PLANO REAL E ACUMULAÇÃO FINANCEIRA

Gráfico 6.1. Evolução da divida externa total (US$ bi), 1980/2000

Fonte: Gonçalves & Pomar, 2002a, pp. 366-7.

Conforme Belluzzo & Almeida (2002, pp. 366-7), É preciso ter em mente a natureza do “novo” financiamento externo que amparou o Plano Real. Os países da periferia, o Brasil entre eles, até então submetidos às condições de ajustamento impostas pela crise da dívida, foram literalmente capturados pelo processo de globalização, executando seus programas de

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212  F Á B I O G U E D E S G O M E S estabilização de acordo com as normas dos mercados financeiros liberalizados. A regra básica das estabilizações com abertura financeira é a da criação de uma oferta de ativos atraentes que possam ser encampadas pelo movimento geral da globalização. O diferencial da taxa de juros interna que se situou praticamente acima dos 20% em média ao ano durante todo o Plano Real, permitiu que as grandes empresas e bancos fossem forçados a captar empréstimos no exterior, aumentando a exposição financeira desses agentes econômicos com o endividamento em moedas estrangeiras (Tabela 6.2). Lançaram ativos financeiros atrativos como bônus e papéis comerciais bem como ações depreciadas, sobretudo das empresas mais prejudicadas com a abertura econômica e liberalização comercial. Esses grupos contraíram enormes dívidas a juros relativamente baixos. Uma parte desse capital de empréstimo destinou-se à promoção de investimentos em setores rentáveis (alimentos e bebidas, autopeças, eletrônica, telecomunicação e financeiro). Outra parte, mais significativa, destinou-se à realização de aplicações em ativos financeiros, especialmente títulos da dívida pública brasileira, que reúnem uma rentabilidade superior à média de outras aplicações do mercado financeiro e são de liquidez quase absoluta. O aprofundamento do financiamento das contas externas passou a deteriorar não só a posição das empresas privadas. As contas públicas foram extremamente prejudicadas. O ingresso de capital especulativo e de investimentos pressionava pela expansão dos meios de pagamentos, com a ameaça constante do aquecimento da demanda interna e, com isso, a probabilidade de retorno da inflação. Para evitar esse efeito e ao mesmo tempo contar com o financiamento externo, o governo utilizou o expediente de operações de esterilização das expansões monetárias, vendendo aos bancos títulos da dívida pública e eliminando, portanto, os efeitos da expansão monetária. Contudo, isso permitiu uma bruta elevação da dívida pública e, conseqüentemente, a necessidade futura do governo de buscar o equilíbrio fiscal para compensar o pagamento dos juros que incidiriam sobre a divida do setor público (interna e externa) em evolução. Com a sobrevalorização cambial, abertura comercial e deterioração das contas externas, o País ficou cada vez mais dependente do

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 213 movimento da conta de capital, dos capitais de empréstimo de curto prazo (hot money). A vulnerabilidade da economia brasileira aprofundou-se. O País tornou-se mais suscetível às mudanças no cenário econômico internacional, sobretudo às crises financeiras e o humor dos mercados de câmbio e finanças. ESTADO CAPITALISTA, PLANO REAL E ACUMULAÇÃO FINANCEIRA

Tabela 6.2. Evolução da dívida externa brasileira por categoria de devedor (US$ bi), 1993/2001 ANO

1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001

DÍVIDA EXTERNA TOTAL

PÚBLICA

PRIVADA

145.723 148.295 159.256 179.935 199.998 234.694 241.200 236.157 226.067

90.163 87.330 57.455 84.299 76.247 94.902 100.000 92.000 93.182

55.113 60.965 71.801 95.636 123.751 139.792 141.200 143.799 132.885

Fonte: Gonçalves & Pomar, 2002a, pp. 40; BCB.

As duas crises, Ásia (1997) e Rússia (1998), demonstraram o quanto a economia brasileira e seus fundamentos não estavam tão sólidos assim. Evidenciou-se o grau de vulnerabilidade da economia brasileira. Houve fuga de capitais nesse período, reduzindo o estoque de reservas cambiais, tornando o equilíbrio do balanço de pagamentos insustentável. As reservas internacionais de US$ 62 bilhões em agosto de 1997, caíram para US$ 51 bilhões em dezembro do mesmo ano. Com a crise da Rússia foi ainda mais dramática a involução das reservas cambiais, declinando de US$ 74 bilhões em abril para US$ 40 bilhões em novembro de 1998. Para conter a fuga de capitais nesses dois períodos, a taxa de juros Selic foi elevada abruptamente para 42% no final de 1997 e 41,5% no final de 1998. Isso permitiu reforçar a política de câmbio valorizado e conter o ímpeto inflacionário. Mas os números das contas externas do País no final de 1998 já anunciavam que seria impossível impedir a fuga de capitais e uma pressão sobre o câmbio. A taxa de juros Selic alcançou seu maior índice em novembro de 1998 sem maiores efeitos sobre a sustentação da política cambial (Gráfico 6.2).

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FÁBIO GUEDES GOMES

Gráfico 6.2. Taxa de juros: over-selic (%), dez.1995-mar.1999

Fonte: BCB. Elaboração do autor.

No início de 1999 chegava ao fim a política de câmbio valorizado, com a crise instalando-se definitivamente com mais um choque de juros altos, que atingiu o ápice em março desse ano; só não ocorreu antes porque a política econômica obedecia ao ciclo político da reeleição presidencial e os esforços nesse sentido foram levados até as últimas conseqüências, como a manutenção, a ferro e a fogo, da âncora cambial. De acordo com Chossudovsky (1999, pp. 299-300), as reservas brasileiras foram “saqueadas, privatizadas”. Num tom mais radical, este autor chega a afirmar que a desvalorização cambial ocorrida em 1999 provocou a evasão de divisas em ativos financeiros denominados em Real e teve destino certo, contribuindo para o aumento da vulnerabilidade externa do País. O resultado da pilhagem foi transferido para os cofres públicos de bancos ocidentais e para a conta em dólares das elites financeiras do país no exterior. Em vez de conter a fuga de capitais, a estrutura de altas taxas de juros só fez aumentar o ônus da dívida e provocar uma forte restrição do crédito aos produtores nacionais (Chossudovsky, 1999, pp. 299-300). O processo de privatizações nesse período foi acelerado. O objetivo, segundo o discurso oficial, seria utilizar os recursos auferidos para descontar sobre estoque da dívida do setor público. As receitas

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 215 das vendas entre 1997 e 1998 alcançaram cerca de 3% do PIB. As privatizações não teriam alcançado tal envergadura se por trás não houvesse a estratégia central de atrair capitais externos para auxiliar no ajustamento do balanço de pagamentos. Até o início da década de 1990 era insignificante a presença dos investimentos externos diretos na economia brasileira. De pouco mais de US$ 400 milhões em 1990, esses investimentos alcançaram as cifras estratosféricas de US$ 30 bilhões em 1999 (Gráfico 6.3). De acordo com Belluzzo & Almeida (2002, p. 391), “esses números contrastam com os resultados da dívida pública e do desequilíbrio fiscal, que prosseguiram como se uma privatização de tal envergadura não tivesse em curso”. ESTADO CAPITALISTA, PLANO REAL E ACUMULAÇÃO FINANCEIRA

Gráfico 6.3. Evolução do investimento externo direto no Brasil (US$ bi), 1990/2001

Fonte: BCB.

É importante destacar que parte desses capitais foi destinada à aquisição de ativos preexistentes, como empresas estatais e privadas, provocando o processo de desnacionalização profunda da estrutura produtiva brasileira (Gonçalves, 1999). Grande parte desses investimentos estrangeiros teve pouca repercussão sobre o aumento na formação bruta de capital. É mais correto afirmar, portanto, que foram responsáveis pelo financiamento das fusões e aquisições entre empresas, principalmente através da transferência do patrimônio estatal para o setor privado monopolista (Santos, 2002). Somos persuadidos a concordar com Andrews & Kouzmin (1998), que diante dessas evidências, o processo de privatizações nada teve que ver com a questão

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216  F Á B I O G U E D E S G O M E S da política fiscal. A justificativa do discurso oficial funcionou como um argumento ideológico para encobrir as verdadeiras razões, ou seja, o compromisso com as reformas liberalizantes e pró-mercado. No longo prazo, a conseqüência do processo abertura econômica e de privatizações poderá vir sob a forma de maiores pressões sobre o balanço de pagamentos, tornando ainda mais estrutural o problema dos saldos negativos na conta de serviços. A evolução da remessa de lucros e dividendos entre 1992 e 2003 é considerável. Elas passam de US$ 574 milhões para US$ 7 bilhões em 1998. Mesmo caindo nos anos posteriores para uma média de US$ 4,5 bilhões, em 2003 voltou a subir, alcançando US$ 5 bilhões. O fato é que muitas dessas empresas estrangeiras que remetem lucros e dividendos não produzem mercadorias exportáveis. A maioria está concentrada nos setores de serviços, de bens não-tradeables. Como não produzem bens exportáveis, então não têm como compensar a demanda por divisas estrangeiras para garantirem a remessa dos lucros para o exterior. Ademais, vários setores onde ocorreram as privatizações, fusões e aquisições, com o aumento da participação de grupos estrangeiros, apresentam a peculiaridade de serem intensivos no uso de tecnologias avançadas, geralmente importadas (e.g., telecomunicações, setor financeiro), com isso contribuindo para uma certa rigidez do volume de importações. O déficit externo e o desequilíbrio das contas públicas Com a conta de capital (empréstimos, financiamentos e investimentos externos diretos) financiando o desequilíbrio externo, era necessário, como apontamos anteriormente, que o governo absorvesse o excedente de dólares que entrava no País para evitar a expansão da liquidez interna e, com isso, não provocar inflação. Ou seja, quando se elevava a oferta de divisas estrangeiras, tinha de se emitir reais, mas o governo os adquiria novamente, lançando mão de operações de open market, oferecendo taxa de juros elevadas sobre seus títulos. A esterilização do aumento da liquidez fez explodir a dívida pública interna. Os títulos públicos serviam de “colchão” para absorver os fluxos de capitais estrangeiros, sobretudo os de curtíssimo prazo e, com isso, manter o balanço de pagamentos equilibrado e o câmbio relativamente valorizado.

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 217 Ora, até final de 1998 a política econômica tinha como lastro a âncora cambial, ou seja, o movimento do câmbio era permitido em espaços muito estreitos definidos pelo sistema de bandas cambiais Enquanto isso a abertura da conta de capital com a vinda de capitais estrangeiros, atraídos pelas altas taxas de juros e o processo de privatizações, proporcionou a sobrevalorização cambial e a estabilidade dos preços. Com a reviravolta em 1999, a abrupta desvalorização do câmbio provocou o abandono da âncora cambial, porque a fuga de capitais se tornou inevitável, mesmo a um custo financeiro elevadíssimo. Após 1999, então, a sustentabilidade do plano econômico passou a depender de duas novas âncoras, a monetária e a fiscal. No plano monetário, tratava-se de estabelecer metas inflacionárias e no plano fiscal buscar a todo custo alcançar superávits primários nas contas públicas (Filgueiras & Pinto, 2004). A irresponsabilidade cambial provocou os desajustes das contas públicas, originando mais uma meta a ser perseguida a todo custo, o do equilíbrio fiscal com superávits primários. Fala-se comumente que o desequilíbrio fiscal foi o principal problema para a sustentabilidade da estabilidade econômica durante o período após o arrefecimento inflacionário. Um estudo bastante interessante de Carvalho (2004) demonstra o contrário. A flexibilidade do quadro fiscal foi extremamente importante para o sucesso de estabilização. Para este autor, o crescimento da carga tributária e o aumento da dívida pública foram fundamentais para a sustentabilidade da âncora cambial e a manutenção dos juros elevados. É possível também afirmar que a liberalização financeira, com a abertura da conta de capital, restringiu sobremaneira a política fiscal (Pires, 2004). Se, por um lado, houve uma flexibilização fiscal para atender as estratégias de sustentabilidade do plano econômico em si, por outro lado, esta flexibilidade entendida com a expansão da dívida pública e aumento da carga tributária, enfraqueceu o Estado no tocante às suas responsabilidades de utilizar a política fiscal para melhorar o quadro macroeconômico, sobretudo pelo lado do estímulo à demanda agregada. Tanto para Carvalho (2004) como para Pires (2004), a política fiscal restritiva no Plano Real somente acomodou os desequilíbrios do balanço de pagamentos. A fragilidade financeira do setor público pode ser confirmada pelo crescimento extraordinário da dívida líquida. De um estoque de ESTADO CAPITALISTA, PLANO REAL E ACUMULAÇÃO FINANCEIRA

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218  F Á B I O G U E D E S G O M E S R$ 153 bilhões em junho de 1994 para o extraordinário patamar de R$ 885 bilhões em setembro de 2002, ou seja, cerca de 55,9% do PIB (Gráfico 6.5). Para reduzir a relação dívida/PIB, os recentes acordos acertados entre o Brasil e o FMI, condicionaram o setor público a metas de superávits primários que reduziram a capacidade do Estado brasileiro de praticar políticas públicas. Entre 1991 e 1993, a necessidade de financiamento do setor público exigia superávits na ordem de 2% a 2,5%. O equilíbrio fiscal e as condições mais favoráveis da relação dívida pública/PIB, estabeleceram a redução das despesas com juros, dando lugar a déficits operacionais próximos de zero (Carvalho, 2004). Com as contas públicas desajustadas pela estratégia do Plano Real e o crescimento da dívida pública, as metas de superávits primários assumidas nos acordos com o FMI foram elevando-se (Gráfico 6.6). De 1996-2000, a despesa com pagamento de juros do setor público (governo federal, estaduais e municipais) alcançou 8% do PIB e 20,5% do gasto público total. Em termos comparativos, países como Argentina, Chile, Colômbia, México, Peru e Venezuela, gastaram com juros, em média, cerca de 2,6% do PIB e 10,9% do gasto público para o mesmo período (Batista Jr., 2002). O déficit operacional do setor público brasileiro chegou ao pico 7,54% do PIB em 1999, ano da desvalorização cambial e perda da autonomia sobre a gestão da política econômica e enfraquecimento político do governo (Sallum Jr., 2000, p. 155). Constata-se, dessa forma, a eficiência na economia do setor público brasileiro quanto a compromissos com o capital financeiro. Gráfico 6.4. Evolução da dívida líquida do setor público (R$ bi e % do PIB), dez. 1994-set. 2002

Fonte: Neto, 2002, p. 38; BCB.

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 219 Pelo lado da arrecadação tributária, além do aumento dos impostos, houve elevação muito maior das contribuições (Cofins, PIS/Pasep), que passaram de 30% das receitas entre 1991-1993, em média, para 43% em 1999 (Carvalho, 2004). Apesar do crescimento da carga tributária e da eficiência em alcançar as metas de superávits primários, aliado aos cortes de despesas correntes e investimentos, a dívida pública, como vimos, não cessou de crescer. Carvalho (2004) resume em quatro fatores a explicação desse problema: i) juros altos; ii) a política de esterilização do efeito monetário da acumulação de reservas externas; iii) o socorro aos agentes econômicos em crise, especialmente o sistema financeiro; e iv) o reconhecimento de dívidas passadas. ESTADO CAPITALISTA, PLANO REAL E ACUMULAÇÃO FINANCEIRA

Gráfico 6.5. Superávits primários do setor público (% PIB), 1994-2003

Fonte: BCB.

Carvalho (2004) afirma existir uma certa dificuldade para se ponderar a influência desses fatores sobre o aumento da dívida pública. Entretanto, por hipótese, se levarmos em consideração a gestão da política econômica durante o período, podemos constatar que a dinâmica das taxas de juros e a estratégia conservadora de restringir a base monetária e os meios de pagamentos estão entre os fatores que mais influenciaram no aumento do estoque da dívida do setor público. É ainda mais evidente quando se trata de instrumentos que fazem parte da cartilha da ortodoxia monetarista que são integrantes da ideologia que permeiam as decisões das autoridades econômicas. Não se deve, entretanto, minimizar a importância do volume de recursos públicos que foram despendidos para atender a elite financeira nacional

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220  F Á B I O G U E D E S G O M E S (Proer), bem como a absorção das chamadas “moedas podres” no processo de privatizações. Crise do Estado ou Estado funcional ao capital, financeiro? Dadas as evidências anteriores, ficam patentes as dificuldades do Estado de ampliar as suas atribuições mais essenciais. Seus raios de manobra estão extremamente limitados pela contenção dos gastos públicos e a geração de superávits primários. A literatura brasileira trabalha com o conceito de crise fiscal para justificar as debilidades do setor público. Esse conceito foi largamente utilizado por Bresser Pereira (1996; 1996a; 1998) para argumentar que o principal empecilho para o desenvolvimento econômico seria a crise do Estado que se desdobra em três aspectos: i) crise fiscal; ii) do modo de intervenção; e iii) da forma burocrática de administração do Estado (Bresser Pereira,1996, p. 19). No caso da América Latina, o Estado desenvolvimentista teria chegado à saturação com forte incapacidade de gerar poupança, déficits públicos elevados, conseqüentemente, aumento do estoque da dívida pública, falta de crédito do setor público e ausência de credibilidade. Esses problemas, do lado fiscal, geravam problemas no âmbito monetário com a perda da confiança na moeda nacional. Bem, com esse diagnóstico se armou no País uma verdadeira força-tarefa como solução para o desembaraço: a reforma do Estado. O argumento de Bresser Pereira (1996, p. 15) de que no momento atual do capitalismo a crise é do Estado, diferentemente da crise dos anos 1930 que, segundo ele, seria uma crise do mercado, da insuficiência de demanda, justificaria a reforma do Estado e sua preparação para os novos desafios da contemporaneidade. Ora, essa visão não contempla a natureza da imbricação entre Estado-mercado em sua totalidade. Há uma certa exteriorização do Estado, como se ele fosse um ente autônomo, uma simples máquina que bastasse passar por uma reforma que voltaria a funcionar bem e, com ele, o mercado (cf. posição semelhante em Andrews & Kouzmin, 1998, p. 103). A concepção de Estado que aqui utilizamos não é propriamente a adotada por Poulantzas (2000), uma arena de interesses, apenas a expressão das contradições da sociedade. A perspectiva assumida vai mais na linha de Sweezy (1976) e Miliband (1979) que entendem o Estado como caixa de ressonância das relações de poder, construídas

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 221 nas relações sociais de produção. O Estado personifica a estrutura de poder estabelecida no confronto entre classes na base da sociedade. Embora muitos de seus espaços sejam mais democráticos do que outros, no todo ele mantém e perpetua a ideologia e as práticas capitalista. O último autor demonstra muito bem as íntimas relações existentes entre as elites do Estado e os homens de negócios, que reforçam continuamente a reprodução dos esquemas de acumulação capitalista. Apesar de ter sido desenvolvida décadas atrás, essa tese tem uma atualidade impressionante quando aplicada à interpretação do Estado capitalista contemporâneo. Numa época em que tanto se fala de democracia, igualdade, mobilidade social, nivelamento de classes e tudo o mais, um fato permanece fundamental nos países de capitalismo avançado: o de que a grande maioria dos homens e mulheres nesses países tem sido governada, representada, administrada, julgada e comandada na guerra por pessoas aliciadas em outras classes, econômica e socialmente superiores e bastante distantes daquelas a que a maioria pertence (Miliband, 1979, p. 147). Não se deixar escapar de maneira alguma que a concepção de Estado que se enfatiza é o de classes sociais. Os rumos para onde o Estado dirige suas atenções sempre vão seguir os conceitos ideológicos que expressam projetos e estratégias políticas bem-definidas. A definição parte dos grupos de interesse mais fortes e predefinidos na estrutura socioeconômica, nas relações sociais de produção estabelecidas pelo modo de produção vigente. No capitalismo, estabelece-se a força política no resultado do aprofundamento da divisão do trabalho e, conseqüentemente, na apropriação privada da riqueza. Apesar de muitas tentativas de democratização do espaço público estatal, percebe-se que o grosso das decisões governamentais tem consonância com os interesses privados, interesses dos negócios privados. Como o autor afirma, e que pode ser muito bem estendido aos dias atuais, ESTADO CAPITALISTA, PLANO REAL E ACUMULAÇÃO FINANCEIRA

[. . .] os homens de negócios têm sido convidados pelos governos, qualquer que seja sua coloração política, a assumir um papel importante na administração e no controle do setor público.2 Em contrapartida, os representantes das classes trabalhadoras têm sido postos de lado — não que, ressalte-se, a admissão de um grande número de líderes sindicais “seguros” fizesse muita

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222  F Á B I O G U E D E S G O M E S diferença na orientação de instituições que são, em realidade, parte integrante do sistema capitalista [. . .] A noção de que os homens de negócios não estão diretamente ligados ao governo e à administração pública (bem como às assembléias parlamentares)3 evidentemente é falsa (Ibidem, p. 143). É importante seguir as observações de Poulantzas (2000) quando se quer buscar entender as razões de ser do funcionamento do Estado. Tem razão este autor quando se preocupa em desvendar as formas e funções do Estado capitalista. Não se pode analisar a ossatura do Estado sem um exame da totalidade, uma concepção sistêmica, envolvendo e contextualizando a sociedade, o Estado e o modo de produção, e as transformações que derivam dessas relações. Se levarmos em conta todos esses assuntos envolvidos, não podemos conceber uma crise como ora do Estado ora do mercado, como advoga Bresser Pereira e uma vasta literatura que o segue de perto. Uma crise envolve os dois ambientes ao mesmo tempo porque é uma crise do modo de produção e das relações sociais engendradas pela divisão do trabalho. Instaurada uma crise de produção capitalista, o Estado passa a sofrer também suas pressões, e os interesses privados dos negócios se explicitam ainda mais com o estreitamento das relações com essa instituição, procurando, com isso, assegurar maior proteção aos seus interesses comuns. Andrews & Kouzmin (1998, p. 101) fazem o mesmo questionamento quando dizem que a reforma administrativa brasileira, proposta pelo Plano Diretor de 1995, ao colocar a crise do Estado no centro da causa da crise econômica, ideologicamente se posiciona politicamente, desconsiderando completamente a crise sistêmica que enfrenta o capitalismo contemporâneo e suas implicações sobre as instituições da superestrutura do sistema. Nesse momento de crise do modo de produção capitalista, crescem as razões que tentam justificar as chamadas reformas estatais. Sweezy (1976, p. 279) esclarece que acima de tudo o Estado existe para assegurar a propriedade capitalista. Com isso, qualquer reforma não pode de forma alguma modificar o funcionamento do sistema. A propriedade capitalista é um conceito muito vasto, não deve apenas restringir-se aos capitais imobilizados, mas também a manutenção de contratos e a segurança para os ciclos de investimentos produtivos e aplicações financeiras. Com isso somos persuadidos a afirmar que,

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 223 em última instância, as reformas estatais objetivam criar novos espaços de valorização capitalista e bem como modernos instrumentos de intervenção adequados ao tempo para que o Estado incentive novos ciclos de acumulação.4 Por outro lado, se houver espaço, as áreas sociais e de interesse geral são atendidas pelo poder público. Alguns trabalhos na área da administração pública (e.g., Diniz, 1998; Kaufman, 1998; Souza & Carvalho, 1999; Teixeira, 2001; Paula, 2001) realizam interessantes análises críticas de como tem sido conduzida a reforma do Estado no Brasil, por exemplo. Apontando suas debilidades e reforçando o tratamento de outros temas relacionados quase sempre a aspectos ligados a governança, accountability e democracia participativa. Mas, o mais importante a destacar é que esses estudos apresentam um caráter normativo, como se fosse possível fazer a reforma da reforma, não abandonando os pilares básicos da proposta neoliberal institucional, dando-lhe apenas uma nova roupagem mesclando liberalismo e desenvolvimentismo (Sallum Jr., 2002, p.152). Andrews & Kouzmin (1998, p. 100) discutem teoricamente como esses pressupostos, governança, accountability e ajuste fiscal, são elementos essenciais e fazem parte do discurso da escola da Escolha Pública. Então, se a proposta de reforma do Estado inclui esses pressupostos, tendo como pano de fundo a diminuição de seu tamanho aliado à desregulação da economia, insistir, portanto, na defesa desses conceitos não implica romper com as idéias neoliberais. Enfim, discute-se sobre reforma do Estado, mas pouco se aprofunda sobre o conceito de Estado. Nem sequer questionam a natureza da crise fiscal, se ela é circunstancial no Estado capitalista ou faz parte de sua própria natureza. O que é perfeitamente legítimo é compreender a crise do Estado capitalista a partir de uma teoria do Estado capitalista, construindo o objeto e conceitos específicos que estejam relacionados à crise do modo de produção. Nesse sentido, trabalhos como os de Prestes Motta (1988), King (1988), Przerworski & Wallerstein (1988) e, sobretudo, Navarro (1993) e Boyer & Drache et al., (1996) têm uma preocupação mais profunda com desvencilhar o conteúdo e natureza do Estado capitalista, e com isso compreender o contexto das reformas e as forças políticas que as engendram. Como desconsiderar que no atual de acumulação tem predominado os interesses do capital rentista, que se reproduzem sem a necesESTADO CAPITALISTA, PLANO REAL E ACUMULAÇÃO FINANCEIRA

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224  F Á B I O G U E D E S G O M E S sidade de grandes complexos técnico-burocráticos. Por exemplo, no Brasil se discute tudo a respeito do Estado, entretanto, a sua função principal como articulador entre a sociedade e sua riqueza produzida e a transferência de seus excedentes aos grupos econômicos financeiros e frações das elites nacional e internacional, não é discutida profundamente. Fica-se apenas no debate meramente técnico, fiscalista, político, institucional. Não se compreende que o Estado nos últimos decênios assumiu um novo papel (silogismo) como exigência da nova divisão social do trabalho e da relação de produção estabelecida. É no contexto de uma formação econômica e social dada, que se capta o conjunto dos aspectos do Estado como ser social e histórico e suas reações dinâmicas a partir das lutas de classe (sua essencial social) cujo objetivo é a divisão do trabalho (sua essência material) (Farias, 2000, p. 63). Segundo a concepção marxiana-gramsciana, o que existe é uma primazia do capital sobre o Estado. Trata-se de uma instituição social, que no capitalismo, apresenta as singularidades do modo de produção. Trata-se de uma totalidade concreta, complexa e contraditória (Farias, 2000, p. 27). É bastante plausível a tese de Farias (2000) quando afirma que o mais importante é distinguir a essência do Estado de suas formas específicas, assumidas em contextos históricos diferentes e em sociedades organizadas de forma conveniente ao modo de produção prevalecente. Assim, pode-se compreender realmente a natureza do Estado com base no seu silogismo, em três dimensões, a saber: i) a forma-Estado (generalidade), ao nível do modo de produção (feudal, capitalista); ii) a forma de Estado (particularidade), pertinente ao regime de acumulação (industrial, financeiro); e, iii) a forma do Estado (singularidade), referente a um processo dado de acumulação (no Brasil, nos EUA). Com isso podemos afirmar que o Estado no Brasil assumiu uma nova funcionalidade. Nesse sentido, o crescimento da dívida pública interna, como resultante do esforço da política econômica de ajustar as contas externas do País, está na raiz da fragilidade financeira das contas públicas. O aumento explosivo da dívida interna é a contrapartida da política estratégica de desenvolvimento econômico neoliberal com poupança externa. O esforço de ajuste fiscal que o setor público está realizando —

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 225 eficiente no alcance das metas de superávit primário fiscal (aumentando as receitas tributárias e diminuindo os gastos públicos correntes) — está sendo funcional para o cumprimento, à risca, de parte do pagamento dos serviços da dívida interna e à continuidade da estabilidade macroeconômica, necessária, por outro lado, para que os capitais externos possam financiar o desequilíbrio da conta de transações correntes do balanço de pagamentos. As taxas de juros elevadas comprometem o estoque da dívida pública porque aumenta os encargos financeiros, e a economia, sem sustentabilidade quanto a crescimento, não permite uma diminuição da base de arrecadação tributária. Com isso o aumento do déficit operacional anula o esforço de aumento do superávit primário e inviabiliza qualquer tentativa de reforma tributária mais ampla no contexto dessa política econômica. O Estado brasileiro, portanto, direciona todos os seus esforços para garantir a materialidade da reprodução do capital rentista. A centralização dos recursos públicos em conjunto com a descentralização das políticas públicas é um exemplo sintomático desse processo. O governo federal concentra um orçamento extraordinário, ao mesmo tempo que abdica de praticar políticas públicas universais (saúde, educação, segurança, etc.), deixando à própria sorte essas políticas a cargo dos estados, municípios e sociedade civil organizada. Enquanto isso ocorre, uma das maiores transferências de mais-valia social (riqueza social para pagamento de juros) para a elite que hoje dita as regras nos principais centros de decisão do País, a elite financeira. ESTADO CAPITALISTA, PLANO REAL E ACUMULAÇÃO FINANCEIRA

À guisa de conclusão Diante desses resultados, a era Malan entrará para a história econômica brasileira como um exemplo emblemático de administração temerária da dívida pública. A administração política de Pallocci certamente vem superarando a do seu antecessor. Apesar do amplo programa de privatização brasileiro — recursos que seriam para abater o estoque da dívida interna — a dívida do setor público não deixou de crescer em relação ao PIB. O peso dessa dívida sobre a vida dos brasileiros fica evidenciado quando se considera que o esforço que o Estado vem fazendo para alcançar o equilíbrio fiscal e promover superávits primários significa, na mesma proporção, a diminuição dos recursos

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226  F Á B I O G U E D E S G O M E S orçamentários tão necessários à promoção de políticas públicas. O pagamento de juros da dívida interna em 1999, por exemplo, alcançou R$ 80 bilhões. Este montante à época era equivalente a 73 orçamentos do Ministério do Desenvolvimento Econômico Agrário; 21 orçamentos do Ministério da Educação; ou, 5,4 orçamentos do Ministério da Saúde (Sampaio Jr., 2000). O gasto com juros, no mesmo ano, alcançou cerca de 20% do total das despesas públicas. Enquanto isso o volume de investimentos alcançava desprezíveis 3% das despesas públicas (Santos, 2002, p. 17). Nesta perspectiva, o País não tem possibilidades de viabilizar uma proposta de desenvolvimento econômico e social compatível com as demandas da sociedade porque o Estado perde capacidade, nesse modelo econômico, de exercer sua função de planejador, executor e promotor de políticas públicas. Os oito anos da política econômica do Real, bem como o primeiro ano do governo petista, ainda são responsáveis pelas conseqüências bastante profundas na estrutura socioeconômica do País. A idéia de que a descentralização das políticas públicas seja uma saída ainda merece tratamento mais aprofundado. Ao que parece, a sociedade organizada não suporta carregar sobre os ombros as responsabilidades de resolver todos os problemas sociais do País sob o discurso de esquerda que as elites conservadoras e reacionárias utilizam tão bem, como da solidariedade, cooperativismo, associativismo e voluntariedade. A política econômica dos últimos anos acentuou as desigualdades sociais e econômicas no Brasil (Henriques et al., 2000), além de deixá-lo numa situação de extrema vulnerabilidade perante as vicissitudes da economia internacional, ameaçando a soberania e autonomia da condução de nossos destinos. Perdeu-se o rumo da construção. Como diria o mestre Furtado (1999), “em nenhum momento de nossa história foi tão grande a distância entre o que somos e o que esperávamos ser”.5 Se por um lado, o Estado perdeu espaço na sociedade, com suas intervenções para compensar os fortes desequilíbrios em vários aspectos da sociedade, por outro não reduziu sua participação em outras esferas. Pelo contrário, na área financeira o peso do Estado é crescente. A “tecnocracia cosmopolita” (Fiori, 2001) consolidou-se no Brasil nas últimas décadas com o discurso da modernização promovendo a ideologia de reforma do Estado e a inserção do País no mundo das

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 227 novas tecnologias e das finanças internacionais. As políticas neoliberais foram além dos objetivos de dotar o mercado de maior racionalidade e tornar o Estado mais eficiente. A adoção do receituário neoliberal no Brasil foi uma opção que nossas elites fizeram (Fiori, 2001). Como afirma Chaui (2002), essa opção resume-se na ESTADO CAPITALISTA, PLANO REAL E ACUMULAÇÃO FINANCEIRA

[. . .] decisão de cortar o fundo público no pólo de financiamento dos bens e serviços públicos (isto é, dos direitos sociais) e maximizar o uso da riqueza pública nos investimentos exigidos pelo capital, fazendo o Estado assegurar-lhe recursos em detrimento dos direitos sociais. Mudar os objetivos e o núcleo das decisões na área econômica é uma das primeiras iniciativas que deve ser buscada para se retomar os rumos do desenvolvimento econômico e social do País. Como afirma Santos (2002, p. 18), não pode ter qualquer futuro um país que faz uma opção dessas de política econômica. Para tanto, urge a necessidade de voltar os objetivos das ações do setor público brasileiro para as verdadeiras questões sociais do País, não ficar rodando em círculo, preocupado excessivamente em não importunar o humor dos mercados financeiros. Retomar a soberania e estabelecer limites máximos de falta de autonomia dos principais centros de decisão do País, não significa romper com a lógica dos mercados. Pelo contrário, é o setor privado que tem a responsabilidade de suprir a sociedade dos bens e serviços necessários à sua satisfação. Nesse sentido, os mercados financeiros têm papel preponderante também ao disponibilizar recursos líquidos aos setores produtivos. É grande a tarefa do setor público no planejamento e coordenação dessas ações, bem como na formulação e execução de projetos. Para que isso se torne realidade é premente a necessidade de romper com os grilhões que fazem o orçamento público ficar aprisionado às necessidades de financiamento do desequilíbrio externo brasileiro e da acumulação capitalista parasitária, rentista. Não há solução técnica para a crise do Estado brasileiro. Como afirma categoricamente Chossudovsky (1999, p.3), é necessário a [. . .]reapropriação da política monetária pela sociedade tirando o Banco Central das garras dos credores privados [. . .] o

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228  F Á B I O G U E D E S G O M E S que está em jogo é a maciça concentração de riqueza financeira e o domínio dos recursos reais por uma minoria social”. É imprescindível refletir criticamente sobre a genealogia das autoridades econômicas que assumiram o comando das principais pastas governamentais no Brasil nos últimos vinte anos, comparando-as com os principais formuladores de políticas econômicas do período desenvolvimentista. Santos (2001, p. 4) não aprofunda muito esta questão mas faz uma afirmação interessante sobre o assunto quando diz: “o senso comum é suficiente para mostrar que o sentimento e o instinto de preservação do Brasil são diferentes em um grupo e outro”. Ou seja, os sentimentos de preservação do patrimônio nacional, incluindo, sobretudo, a intelligentsia, a infra-estrutura e os valores relacionados à construção de uma nação, foram abandonados à própria sorte nas últimas duas décadas. Isso reflete a capacidade de mudanças da agenda das políticas de desenvolvimento econômico e a posição política de quem as conduz. Os altos escalões dos governos Collor e FHC e Lula são permeados pelos interesses do establishment financeiro. Parece ser uma característica também encontrada na administração pública dos países desenvolvidos bem como na gestão dos organismos internacionais. Por exemplo, o secretário do Tesouro norte-americano no governo Clinton, Robert Rubin, antes tinha sido um alto executivo do banco de investimentos Goldman Sachs; o antigo presidente do Banco Mundial, Lewis Preston, foi diretor-presidente do J. P. Morgan. Os presidentes do Banco Central do Brasil, nos governos FHC e Lula, são originários de instituições do mercado financeiro, bem como suas respectivas diretorias. Enquanto os financistas são envolvidos na política, os políticos adquirem cada vez maior participação financeira na comunidade de negócios. Prejudicados pelo conflito de interesses, o sistema de governo no Ocidente está em crise, como resultado de sua relação ambivalente com preocupações econômicas e financeiras privadas (Chossudovsky, 1999, pp. 20-1). Até mesmo um liberal como Stiglitz (2003), comentando sobre a independência do Federal Reserve Board dos Estados Unidos, chega a afirmar que se trata de uma independência muito relativa, ambígua.

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 229 Não é uma instituição de forma alguma democrática. Ao comparar com o Banco Central da Suécia, onde os trabalhadores se fazem representar, diz este autor que o Federal Reserve Board é dominado por duas correntes de forças, por um lado os interesses das altas finanças de Wall Street, por outro lado o poder dos negócios (Stiglitz, 2003, p. 106). Isto, evidentemente, não quer dizer que essas forças são contraditórias, pelo contrário, há uma confluência de interesses. O que é importante nisso tudo é evidenciar que essa instituição tem uma série de atribuições muito importantes para o bom funcionamento da economia, influenciando substancialmente na estabilidade dos preços, bem como na promoção do crescimento econômico e do emprego. O que vemos, entretanto, é o predomínio em escala internacional dos interesses exagerados dos Bancos Centrais com a inflação. A ideologia tem uma força impressionante nesse sentido, porque toda a sociedade é manipulada a não aceitar de maneira alguma a inflação, porque se trata de um dragão pernicioso, que distorce o sistema de preços, prejudicando o cálculo econômico, assim atrapalhando os negócios. Com isso, criam-se os obstáculos ao crescimento, sobretudo prejudicando a geração de empregos. Por outro lado, arregimentam-se os interesses das classes trabalhadoras dizendo-lhes que são os agentes que mais perdem com a inflação porque os salários não conseguem acompanhar o ritmo inflacionário, provocando perdas reais de renda. Não que tudo isso esteja incorreto, mas que as metas de inflação perseguidas pela gestão neoliberal dos Bancos Centrais têm uma lógica de fundo mais importante. O combate à inflação por meio de políticas ortodoxas atende aos interesses maiores de defender a riqueza financeira. A posição do emprestador é assegurada pelos rendimentos reais que ele pode auferir num ambiente no qual o nível de preços não se eleve a tanto que possa comprometer seus ganhos com base em outra variável-chave, a taxa de juros. Quanto menor a diferença entre taxa de inflação e taxa de juros, menores serão os lucros rentistas. Vemos assim por que é tão difícil baixar a taxa de juros no Brasil. É mais correto afirmar que, nesse caso, há uma clara posição hegemônica dos interesses dos financistas que influenciam nas decisões, sobretudo, do Banco Central que, por sua vez, tem a prerrogativa de controlar a oferta monetária, tentar estabilizar os preços e definir a taxa de juros básica da economia (Selic). A atual política monetária de metas inflacionárias com a ESTADO CAPITALISTA, PLANO REAL E ACUMULAÇÃO FINANCEIRA

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230  F Á B I O G U E D E S G O M E S manutenção das taxas de juros elevadas, portanto, é uma deliberação da posição hegemônica dos mercados financeiros sobre a gestão da política monetária. A administração política6 (Santos, 2004) dos Bancos Centrais de uma parte considerável da periferia, se apresenta como se estivesse atendendo aos interesses de seus respectivos governos nacionais, na expectativa de uma proposta de desenvolvimento e progresso econômico. Mas, na verdade, estão fazendo parte de uma rede de interesses mais global, em que as forças do capital financeiro e de grandes conglomeradas multinacionais se refletem nos organismos de Bretton Woods, FMI e Banco Mundial. Pode-se reforçar esta argumentação deixando um próprio autor liberal falar por si mesmo. Infelizmente, não temos um governo mundial, responsável pelos povos de todos os países, responsável por supervisionar o processo de globalização de uma forma comparável à maneira como os governos nacionais orientaram o processo de nacionalização. Em vez disso, temos um sistema que poderia ser chamado de governança global sem governo global, no qual poucas instituições — o Banco mundial, o FMI, a OMC — e alguns participantes — os ministérios da fazenda e do comércio, intimamente ligados a determinados interesses financeiros e comerciais — dominam a cena, mas no qual muitos dos afetados pelas decisões tomadas são abandonados praticamente sem voz. É momento de mudar algumas das regras que governam a ordem econômica mundial, de dar menos ênfase a ideologias e de prestar mais atenção naquilo que realmente funciona, de pensar mais uma vez a respeito da maneira como as decisões são tomadas em nível internacional — e no interesse de quem (Stiglitz, 2003, p. 49. Grifo do autor). Outro elemento importante que considerar é a ausência da perspectiva do longo prazo como balizadora de um projeto nacional. Como prevalecem os interesses dos circuitos financeiros de acumulação capitalista, o curto prazo passou a delimitar todas as decisões no âmbito das políticas econômicas dos últimos anos. As políticas monetárias não têm mais conteúdo estratégico no auxílio de uma proposta de desenvolvimento. Restringem-se, excessivamente, ao controle dos preços, da taxa de juros e câmbio. Perde-se, entretanto, criatividade

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 231 no manejo da política econômica, porque a sua gestão obedece aos princípios mais elementares da ortodoxia neoclássica liberal. Mas, tudo isso não se faz por acaso ou por falta de alternativa. A escolha é política e ideológica, porque reflete uma configuração de forças que tem por trás o poder das elites financeiras internacionais, apoiadas, ainda, pelo sonho imaginário das classes dominantes tupiniquins de comparar-se aos países desenvolvidos e, aqui, aceitar de forma subserviente os modelos de desenvolvimento e estratégias econômicas do mundo anglo-saxão. Nesse sistema de governança global estabelecido pelo atual estágio do sistema de acumulação capitalista, o Banco Central é uma peça fundamental, portanto. O elo entre o público e o privado, da riqueza social à apropriação privada. Sua preocupação tem sido, insistentemente, apenas com os números do mercado financeiro. Todo o resto subordina-se a sua gestão. Deixou de ser uma instituição pública, voltada para os interesses maiores da sociedade. Pelo contrário, utiliza-se do discurso da responsabilidade e dos compromissos com a estabilidade econômica, como se estivesse atendendo aos interesses gerais, mas, na verdade, seus compromissos são particulares. Nessas condições, concordamos plenamente com N. Oliveira (2002, pp. 16-7): ESTADO CAPITALISTA, PLANO REAL E ACUMULAÇÃO FINANCEIRA

“O novo Brasil é um país privado, qualquer que seja a conotação conferida ao termo. É um Brasil dos capitais privados, como sempre fora. . . [sic] um país privado de qualquer iniciativa. O país estabilizado é um país que abdica de ser; que não quer mais ser. Se as massas nas ruas pediam para ser conquistadas, o novo governo se decide pela integração passiva nas redes do capital. Enreda-se feliz nas manobras financeiras internacionais e, conscientemente, procura reproduzir [sic] com eficiência”. Notas 1 Esse capítulo é parte do trabalho de doutoramento que o autor está desenvolvendo no âmbito do Núcleo de Pós-Graduação em Administração da Universidade Federal da Bahia. Uma versão preliminar do capítulo foi apresentada no I Encontro de Administração Pública e Governança, realizado no Rio de Janeiro, entre os dias 17 e 19 de novembro de 2004.

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Um exemplo notório nesse caso é a composição do governo brasileiro. Um governo do Partido dos Trabalhadores que nomeou para alguns postos-chave do Estado representantes legítimos dos interesses dos negócios e das altas finanças, neste caso os interesses cosmopolitas financeiros. São exemplos os srs. Henrique Meireles (Banco Central), deputado federal pelo PSDB (partido de oposição do atual governo) e Luiz Fernando Furlan (ministro do Desenvolvimento), responsável por uma das poucas multinacionais brasileiras, concentrando suas atividades na área agroindustrial. 3 Uma observação atenta sobre a configuração política notadamente do Congresso brasileiro, ver-se-á cristalizada no poder econômico que emerge da estrutura socioeconômica do País. Direta e indiretamente, essa instituição é um espelho em que se reflete o predomínio dos possuidores da riqueza. Wright (1979), num livro clássico, comparando as perspectivas de Weber e Lênin sobre burocracia e Estado, afirma que este último considerava o parlamento um instrumento perfeito de garantia da dominação capitalista por dois motivos: i) tratava-se de uma instituição que mistificava as massas e legitimava a ordem social, porque suas decisões mais importantes eram tomadas nos bastidores, enquanto o seu funcionamento normal dava a impressão de que os eleitos representavam os diversos interesses da sociedade junto ao Estado; ii) a burguesia controlava o parlamento porque as classes menos favorecidas não tinham condição de ascender politicamente na mesma razão quantitativa das classes opressoras, e, se isso ocorresse, os interesses passavam a atender a própria ideologia burguesa. Às classes oprimidas, a exposição da miséria e o abandono as distanciam dos interesses políticos. 4 Coggiola (2001) mostra como esse processo vem ocorrendo na área da educação. Citando dados da assessoria financeira americana Meryll Lynch, mostra que esse setor guarda para as próximas décadas um dos mais promissores nichos de acumulação de capitais. O número estimado de jovens que ingressarão no ensino superior até 2025 no mundo, se elevará de 84 milhões para 160 milhões por ano. Daí, que podemos deduzir o porquê do crescimento do número de instituições privadas de ensino superior no Brasil e o encolhimento do Estado como provedor na oferta pública gratuita de educação nessa esfera, tudo, lógico, já defendido no Plano Diretor da Reforma do Aparelho de Estado (1995). Ver argumentações nesse sentido em Bresser Pereira (1998, p. 62 ss). 5 Mas aqui também vale uma ressalva: quem esperava o quê e para quem? Historicamente as massas nesse país nunca foram chamadas para participar diretamente dos momentos de mudanças fundamentais. Se algum momento houve participação ativa popular, era porque interessava diretamente às elites para reforçar sua dominação e a continuidade do desenvolvimento das forças produtivas capitalistas. Isto não implicava maiores espaços conquistados por quem “carregava o piano”. Conforme N. Oliveira (2001, pp. 22-3), todos os processos de transição (mudanças) no Brasil só neutralizaram as forças que potencialmente

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tinham condição de ascender na estrutura de poder. “Todas [as transições] apresentando como característica comum a eliminação no transcurso de quaisquer sinais de alterações substantivas nas relações entre classes no país ou simplesmente o reforço das formas de subordinação anteriormente vigentes, encobertas em grande parte sob aparências de uma modernização, que nunca passou de verniz. No fundo, acobertava uma violenta e sistemática continuidade”, sem rupturas com os laços de poder que constituíam a hegemonia do capital, seja qual for seu estágio de desenvolvimento. 6 O conceito de administração política é definido por Santos (2004), resumidamente, como a gestão da relação entre o Estado e a sociedade tendo como escopo um projeto de desenvolvimento e garantia da materialidade da sociedade. Nesse momento do trabalho utilizamos esse termo para designar a gestão do Banco Central como instituição pública que tem importância fundamental para a sociedade.

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ENDIVIDAMENTO PÚBLICO E ARROCHO FISCAL DE FHC E DE LULA

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maneceram pendentes, como parte do endividamento cruzado dentro do setor público. 28 Não há explicações para a concentração dessas operações no segundo semestre de 1994: no caso das empresas estatais, negociações nesse sentido vinham sendo feitas nos anos anteriores com as empresas privatizadas; com estados e municípios, não houve negociações específicas com esse objetivo naquele momento (sobre esse ponto, ver Almeida, 1996). 29 Palavra utilizada para designar “passivos ocultos acumulados ao longo do tempo” (Programa. . ., 1998, p. 19), por analogia com os sustos que personagens de filmes de terror podem sofrer ao abrir armários ou portas sem saber o que irão encontrar. 30 Valores correntes referentes a: Banco do Brasil (capitalização e regularização de débitos do Tesouro), R$ 15,3 bilhões; securitização da dívida agrícola, R$ 3,8 bilhões e R$ 5,0 bilhões a emitir; dívidas da RFFSA, R$ 1,4 bilhão; FCVS, R$ 3,6 bilhões e R$ 3,4 bilhões a emitir; troca por títulos do Tesouro de moedas de privatização detidas por estatais privatizadas, R$ 8,7 bilhões; conta de álcool, petróleo e derivados do Tesouro na Petrobrás, R$ 8,7 bilhões, a emitir; Sunamam e Siderbrás, R$ 2,6 bilhões. 31 O Programa de Estímulo à Reestruturação e ao Fortalecimento do Sistema Financeiro Nacional (Proer), criado pela Resolução 2208 do BCB, em 3/11/1995, regulamentou a concessão de créditos do governo a bancos em dificuldades e ampliou os poderes do BCB para intervir nessas instituições. A posição oficial está em Mendonça de Barros & Almeida Jr., 1997; para a análise dos impactos quase-fiscais do Proer, ver Biasoto Jr. & Mussi, 1997. 32 Análises nesse sentido foram desenvolvidas por Biasoto & Mussi, 1997 e Yoshino, 1998. Para uma discussão mais ampla da relação do BCB com o Tesouro, ver Meyer, 1997.

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dos, em especial o FCVS. As posições mais otimistas apareceram em Giambiagi & Mussi (1995) e Giambiagi (1996), argumentando que uma trajetória de queda da relação DLSP/PIB poderia ser obtida, desde que equacionado o déficit da Previdência. Pastore (1995) destacou que a sustentabilidade do crescimento da dívida pública dependeria do regime monetário e cambial a ser seguido. 21 As reservas externas do BCB, no conceito de liquidez internacional, tiveram a seguinte trajetória, em US$ bilhões e final de período: 1991, 9,4; 1992, 23,8; 1993, 32,2; jun. 1994, 42,9; dez. 1994, 38,8; jun. 1995, 33,5; dez. 1995, 51,8; jun. 1996, 60,0; dez. 1996, 60,1; jun. 1997, 57,6; dez. 1997, 52,1; jun. 1998, 70,9; dez. 1998, 44,6; dez. 1999, 33,0; dez. 2000, 35,6. 22 Os dados abrangem até 21/10/1998 e não incluem as concessões na área da telefonia. 23 Sobre a tese de que os juros altos decorrem principalmente da política cambial e não do próprio déficit fiscal, ver a nota 15 e os “Comentários finais”. 24 A tabela “Dívida líquida do setor público” é publicada regularmente no Boletim mensal do BCB, como porcentual do PIB (reproduzida aqui como Tabela 4, em anexo) e em reais correntes. São feitas revisões freqüentes dos dados e mesmo da abertura das contas, sem notas explicativas e sem retificação dos números anteriores, o que inviabiliza a montagem de séries longas pelas edições do Boletim. Há uma tabela semelhante na “Nota para a Imprensa”, publicação mensal do BCB, com números e abertura de contas por vezes diferentes do Boletim. A série aqui apresentada (Tabela 4, em anexo) foi fornecida por técnicos do Departamento Econômico do BCB, em setembro de 1998 e março de 1999, e não está publicada nesta forma. A série contém dados mensais desde janeiro de 1991. Manteve-se aqui a série de final de ano desde 1991 por ter sido o último ano antes da volta dos fluxos de capitais externos voluntários para o Brasil e da acumulação de reservas pelo BCB. 25 Os juros altos impactaram mais fortemente a dívida mobiliária de estados e municípios devido ao custo de financiamento mais elevado no mercado e também por não ter havido a redução do estoque na monetização verificada nos primeiros meses do Plano Real, ao contrário do ocorrido com a dívida mobiliária federal. 26 A União “trocou” parte expressiva das dívidas mobiliárias estaduais por títulos federais, como parte dos acordos de renegociação dos débitos dos governos subnacionais. Sobre as primeiras etapas do processo, ver Almeida (1996); sobre seus impactos no endividamento geral do setor público, ver Werneck (1998). 27 Os Avisos-MF 30 foram criados na fase inicial da renegociação da dívida externa, nos anos 1980. Por meio deles, entidades do setor público em dificuldades para cobrir compromissos externos eram financiadas pela União, em moeda brasileira, até conseguirem cobrir seus débitos por meio de relendings junto aos credores. Quando essas operações foram suspensas, em meados da década, os saldos de Avisos MF-30 per-

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Para o governo, “a elevação da taxa de juros real, usual em processos de estabilização, e necessária em razão da frágil situação fiscal, foi agravada em virtude de três crises financeiras internacionais ocorridas em 1995, 1997 e 1998” (Programa. . ., 1998, p. 6). Analisando a trajetória do Plano Real depois de ter saído do governo, Bacha (1997) não toma posição nesse debate. A tese de que os juros altos decorrem da política cambial está em Tavares (1997), Delfim Netto (1997), Lima (1997) e Studart (1997). A tese oposta aparece em Pastore & Pinotti (1998a). Para uma discussão dos termos do problema no contexto da crise financeira do segundo semestre de 1998, ver Pastore & Pinotti (1998b). 16 Em 1995, foi estendido a todos os benefícios previdenciários o aumento do salário mínimo de 42,9%, muito acima da inflação de 15,8% no período correspondente (Giambiagi, 1997, p. 196). 17 Comentando os “elementos desequilibrantes” do regime fiscal brasileiro, Velloso (1995, p. 15) destacou a “baixa qualidade da estrutura tributária brasileira, seja do ponto de vista da eficiência alocativa de recursos (tributos «em cascata» etc.), seja pela alta regressividade do sistema, seja [. . .] pela sua elevada complexidade”. Segundo Varsano et al. (1998, pp. 1-2), “[. . .] faz-se necessário harmonizar a necessidade de arrecadar com a de minimizar o efeito perverso da tributação sobre a eficiência e a competitividade do setor produtivo. [. . .] uma parte significativa da tributação dos bens e serviços é feita por meio de impostos e contribuições cumulativos que são incompatíveis com o objetivo de inserção do país na economia global, posto que impõem distorções e perda de competitividade ao nosso setor produtivo. É preciso também garantir melhor distribuição da carga tributária entre contribuintes, o que inclui ampliação da tributação da renda e do patrimônio pessoais e vigoroso combate à sonegação. Isto só será possível caso se invista no aprimoramento das administrações fazendárias. O nível de tributação dos fluxos de renda no Brasil é ainda relativamente baixo e, em particular, a tributação de pessoas físicas é pouco explorada”. 18 A reforma tributária foi seguidas vezes adiada pelo governo desde 1994 e privilegiou-se a adoção de medidas pontuais e de curto prazo, quase sempre reforçando os aspectos distorcivos da estrutura vigente (ver neste capítulo o item “O debate sobre as finanças públicas na gênese do Plano Real”, e Dain, 1999). 19 A série reproduzida na Tabela 4 foi atualizada pelo BCB com dados mensais a partir de 1991 e não foi publicada. Ao que se sabe, não está disponível uma série incluindo os anos anteriores. Na década passada, segundo Giambiagi (1996, p. 75), a dívida líquida do setor público saltou de 23,7% do PIB em 1981 para níveis em torno de 50% do PIB em 1983-1985, declinando para a faixa de 40% do PIB em 1989 e 1990. 20 A dívida pública não mereceu maior destaque nos debates prévios ao Plano Real, mas passou a despertar interesse quando voltou a subir, a partir de 1995. Uma visão pessimista apareceu em Furuguem, Pessoa & Abe (1996), apontando o risco de uma trajetória explosiva de crescimento, também pelo peso dos passivos até então não reconheci-

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Na preparação do Plano Real, um dos formuladores expôs assim o problema: “Por que o Brasil teve inflação superior a 1.000% ao ano em 1992, se o déficit operacional não foi tão grande assim (de apenas 1,7% do PIB, no conceito operacional)? [. . .] Em comunicação pessoal, Michael Bruno [. . .] manifestou-me sua impressão de que, entre os países com inflação crônica, o Brasil seria o único cuja inflação não aparentava ser puramente fiscal. Mas serão esses indícios do caráter não fiscal da inflação brasileira realmente válidos? Acredito que não, e vou sustentar tese oposta com base em dois conceitos complementares que, embora emergentes na literatura, não parecem ter recebido um tratamento analítico adequado: o déficit orçamentário potencial com inflação zero e a erosão pela inflação das despesas orçamentárias do governo” (Bacha, 1994, p. 5). 10 Para uma exposição rápida da tese, ver Franco, 1993b; para uma crítica, Barbosa & Giambiagi, 1995, pp. 525-6. 11 Designam-se como medidas estruturais as que procuram alterar aspectos centrais do regime fiscal, na arrecadação ou no gasto, sem se limitar ao aprimoramento de regras vigentes ou a iniciativas localizadas em resposta a problemas localizados ou emergenciais. 12 A posição do governo sobre a dificuldade para o avanço das reformas na área fiscal, previdenciária e administrativa enfatiza a coalizão no Congresso de interesses contrariados: embora sem capacidade de mobilização para derrotar a posição do governo em cada uma destas áreas isoladamente, haveria uma “troca de favores” entre setores contrariados, suficiente para imobilizar ou retardar a ação do governo. Para os críticos, a lentidão explica-se pela presença de interesses contrariados na própria base política do governo e pela falta de compromisso com as reformas mais difíceis, destacando que o governo aprovou as reformas da ordem econômica em 1995-1996 sem maiores problemas. 13 A adoção do triênio 1991-1993 como base de comparação se justifica pela excepcionalidade do resultado de 1990, devido aos efeitos do Plano Collor, e a exclusão de 1994 se deve não apenas ao caráter “híbrido”, com um semestre de inflação muito alta e outro de inflação baixa e declinante, mas também à presença de fatores transitórios ou não explicáveis (Giambiagi, 1997). 14 Os juros overnight (Selic) recuaram de 64% a.a. em agosto de 1994 para 47% a.a. em fevereiro de 1995; com a crise mexicana, voltaram a 65% a.a. em março, caindo a 39% a.a. em dezembro do mesmo ano; um longo período de redução gradual terminou no segundo semestre de 1997, em níveis pouco acima de 21% a.a.; a crise asiática induziu nova alta, com 43% a.a. em novembro de 1997, seguindo-se outra redução progressiva, até 20% a.a. em agosto de 1998, quando o agravamento da crise financeira internacional trouxe nova alta, para a faixa de 40% a.a. Só na segunda metade de 2000 as taxas de juros básicas voltariam a recuar de forma mais expressiva. Com a inflação muito baixa, as taxas nominais dos últimos anos podem ser consideradas como as taxas relevantes no tocante a impacto macroeconômico e a sensibilização do déficit público.

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 247 mentos. Os resultados de 2004 podem ser apontados como uma tendência neste sentido. Contudo, há que destacar não apenas a surpreendente combinação de elementos favoráveis no cenário externo com a capacidade ociosa no setor produtivo doméstico, mas também o efeito da inflação maior que o esperado sobre os juros reais efetivamente praticados. A iniciativa do BC de elevar os juros a partir de setembro acentua a desconfiança de que a combinação favorável de 2004 pode ter sido um oásis momentâneo, a exemplo de outros momentos dos últimos anos, tendo em conta ainda as incertezas do cenário externo. ENDIVIDAMENTO PÚBLICO E ARROCHO FISCAL DE FHC E DE LULA

Nota 1

Este capítulo é uma versão atualizada de “Finanças públicas e estabilização no Plano Real: uma reinterpretação” (Carvalho, 2004b). 2 Adota-se aqui a tese de Tavares (1993, p. 77): a estabilização supõe que o financiamento do setor público disponha de autonomia suficiente para absorver flutuações do balanço de pagamentos. 3 Uma análise crítica do sucesso da política antiinflacionária está em Andrei (2000). 4 Para uma análise mais detida das finanças públicas nos primeiros anos do Plano Real, ver Carvalho, 2000. 5 Para a caracterização do governo Lula como neoliberal, ver Carvalho, 2004. 6 Em março de 1990, na posse do presidente Fernando Collor de Mello, um drástico programa de estabilização restringiu a liquidez da maior parte da dívida mobiliária federal por um prazo médio de dois anos, durante os quais os títulos retidos renderiam juros de 6% ao ano mais correção monetária, muito abaixo dos juros praticados antes e depois do bloqueio. Os valores foram bloqueados depois da incidência de um imposto punitivo e sem receber parte dos juros e correção monetária correspondentes aos primeiros dias de março. Houve ainda medidas fiscais que permitiram a geração de expressivo superávit primário naquele ano. Para uma discussão geral do programa, ver Carvalho, 1996a; para uma análise das medidas fiscais, ver Villela, 1991, pp. 25-32. 7 “[. . .] o ajustamento fiscal deve ser entendido como um processo longo, iniciado em 1990 e que, no começo de 1994, ainda não fora completado, mas para cuja conclusão falta um esforço relativamente modesto em relação à queda do déficit operacional ocorrida entre 1989 e 1993” (Barbosa & Giambiagi, 1995, p. 522). 8 O debate sobre os riscos de descontrole no crescimento da dívida pública também produziu avaliações otimistas (Giambiagi, 1996) e pessimistas (Furuguem, Pessoa & Abe, 1996), com base em argumentos discutidos adiante.

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246  C A R L O S E D U A R D O C A R VA L H O na líquida até 1997 e sua redução contribuiu para o salto da dívida a partir de 2001. Por comparação com outros dados do BCB, devem ter sido incluídas nesta conta três subcontas: títulos mobiliários estaduais recebidos pelo BCB em troca de papéis federais, como parte das negociações das dívidas estaduais; créditos concedidos pelo BCB a instituições financeiras no Proer31 (não incluídos na lista de “esqueletos” de Programa. . ., 1998, p. 19); e os tradicionais empréstimos de liquidez aos bancos. Pela mesma linha de suposições, cerca de 20% do total correspondem a esta última subconta e os demais 80% dividem-se em partes iguais pelas duas outras (sob os títulos, respectivamente, de “créditos a receber” e “títulos a receber”, no balanço do BCB). Assim, cerca de 60% dos créditos do BCB a instituições financeiras, lançados como ativos da União para cálculo da dívida líquida, tinham como lastro ativos dos bancos beneficiados, grande parte sem liquidez nem solvência, e que foram lançados como ativos do BC. O reconhecimento das perdas levou à drástica redução dos valores lançados nesta rubrica.32

Comentários finais O forte arrocho fiscal a que está submetida a economia brasileira desde o segundo mandato de FHC, mantido pelo governo Lula, é conseqüência direta da política de endividamento do setor público que viabilizou o Plano Real nos seus primeiros anos. A política de estabilização assentou-se em grande medida na flexibilidade do quadro fiscal herdado do período anterior, que permitiu o uso agressivo de políticas cambiais e monetárias baseadas na valorização do câmbio e juros reais elevados. Seus desdobramentos transformaram a flexibilidade fiscal em forte constrangimento fiscal, com a ameaça de aumento explosivo da dívida pública justificando superávits primários elevados, na impossibilidade de reduzir os juros reais ou cortar os gastos correntes de forma mais intensa do que tem sido feito nas contas de investimento e nos programas sociais. O sucesso desta política seria a redução acentuada da dívida pública para níveis em torno de 40% do PIB, em um quadro de estabilidade macroeconômica e resultados positivos no balanço de paga-

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 245 com diminuição de igual montante na dívida líquida de estados e municípios e de empresas estatais. Observe-se que a redução verificada nessa rubrica responde por cerca de dois terços da forte queda no endividamento líquido das empresas estatais de 1992 a 1997 (Tabela 4, em anexo). É difícil compatibilizar os resultados da privatização com os números da dívida líquida. De 1991 a 2000 as privatizações renderam US$ 54,4 bilhões no âmbito federal (Indicadores Diesp), dos quais US$ 23,5 bilhões apenas em 1998. Justamente neste ano a dívida líquida total registrou um salto de 8,1% do PIB. Os números referentes a privatização e ajuste patrimonial da Tabela 4 (notas 12-15), em anexo, não esclarecem como foi feita a contabilização desses recursos. Até 1995, a maior parte da receita se fez com títulos de dívida, as moedas de privatização. Não se sabe quanto dessas moedas correspondia a dívidas incluídas na dívida líquida ou a passivos não reconhecidos, os chamados “esqueletos”.29 Observe-se que a conta “moedas de privatização” cresceu 1,2% do PIB entre junho de 1997 e junho de 1998, apesar das privatizações ocorridas no período, o que sugere a continuidade do processo de reconhecimento de dívidas passadas. Uma primeira contabilização oficial do montante atingido pela explicitação de “esqueletos” (Programa. . ., 1998, p. 19) aponta R$ 35,4 bilhões até então e mais R$ 14,2 bilhões já reconhecidos, mas ainda sem a emissão correspondente de títulos públicos.30 Deve-se também considerar que a privatização reduz o saldo de dívidas das empresas estatais incluídas no cálculo da dívida líquida, obviamente, mas não se sabe qual o tratamento dado às dívidas das empresas privatizadas que foram previamente assumidas pelo Tesouro. Também não se sabe em que medida os ativos das empresas privatizadas eram previamente lançados como abatimento da dívida líquida dessas empresas. Nos dois casos, o tratamento adotado afeta diretamente o impacto da privatização sobre a dívida líquida. A terceira mudança a destacar na composição da dívida líquida total é o vigoroso aumento da conta de créditos do BCB à instituições financeiras, de 0,7% do PIB de junho de 1994 até 9,4% do PIB em junho de 1997, caindo em seguida a cerca de 1% do PIB a partir de 2001 (Tabela 4, em anexo). Esta conta representou o principal fator de atenuação do ritmo de crescimento da dívida interENDIVIDAMENTO PÚBLICO E ARROCHO FISCAL DE FHC E DE LULA

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244  C A R L O S E D U A R D O C A R VA L H O o impacto monetário da compra das reservas. Desde a volta dos fluxos voluntários de capitais externos para o Brasil, em 1992, com a curta exceção do terceiro trimestre de 1994, sempre que houve fluxos cambiais positivos prevaleceu a política de compra de divisas e acumulação de re-servas pelo BCB, de modo que evitasse a apreciação do câmbio. Com isso, a dívida externa líquida do setor público caiu de 24% do PIB no final de 1991 para cerca de 4% do PIB em 1996-1997 e apenas 2,2% do PIB em junho de 1998, voltando a 10% do PIB a partir da desvalorização do câmbio em janeiro de 1999 (Tabela 4, em anexo). A segunda mudança na composição da dívida líquida do setor público diz respeito à consolidação e à troca de dívidas entre níveis de governo. No caso de estados e municípios, a expansão da dívida mobiliária líquida indicada na Tabela 4,25 em anexo), não reflete inteiramente o crescimento do total de papéis em mercado, devido à absorção de parcelas relevantes pelo BCB, como parte do processo de renegociação das dívidas estaduais. A partir de novembro de 1997, entre metade e dois terços da dívida mobiliária líquida informada na Tabela 4, em anexo, foi colocada no BCB, em troca de títulos federais com que estados e municípios passaram a se financiar no mercado, a custos mais baixos.26 Supõe-se que os títulos entregues ao BCB tenham sido lançados como ativo na conta de créditos a instituições financeiras, ao passo que os títulos federais entregues em troca aos governos subnacionais aumentaram o estoque de títulos públicos federais. Supõe-se também que esses títulos, ou parte deles, juntamente com a maior parte da dívida bancária de estados e municípios, tenham sido consolidados na conta “renegociação com estados (Lei 9.496/97)”, a partir do final de 1997. Essa hipótese explicaria a queda dos créditos a instituições financeiras e tornaria ainda mais preocupante o salto da conta de títulos federais em dezembro de 1997 (Tabela 4, em anexo). A mudança mais forte na composição da dívida por níveis de governo foi a expressiva redução da dívida interna líquida das empresas estatais, desde os primeiros anos da década e mais fortemente a partir de 1994 (Tabela 4, em anexo). O principal elemento nesse sentido foi a transferência dos Avisos MF-3027 para a união. Embora estivesse em curso desde 1993, a queda mais relevante ocorreu após a entrada do Real:28 em dezembro de 1994 os créditos da União a esse título haviam caído para 2,2% do PIB, contra 5,1% do PIB em junho,

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 243 recursos externos necessários ao financiamento dos elevados déficits de transações correntes no balanço de pagamentos.23 É certo que os juros domésticos poderiam ter sido menores sem as turbulências nos mercados internacionais geradas pelas crises de 1995 (México) e 19971998 (Ásia e Rússia), mas o impacto sobre o Brasil seria menos intenso se a economia não estivesse operando com elevada dependência de financiamento externo. O aumento da dívida do setor público por reconhecimento de dívidas do passado pode ser considerado como independente do Plano Real, uma vez que esses passivos teriam de ser equacionados em algum momento. Os custos decorrentes de operações de socorro a bancos em dificuldades, contudo, podem ser desvinculadas do Plano Real apenas em parte. É verdade que na sua origem pesaram questões herdadas do passado (dívidas de governos estaduais com seus bancos, por exemplo) e também houve dificuldades que poderiam ter ocorrido em qualquer plano de estabilização, pela perda de lucros inflacionários. Acrescente-se, porém, que os problemas foram agravados pela brusca guinada recessiva da política econômica no primeiro semestre de 1995, a qual poderia ter sido bem mais amena se não fosse tão elevada a necessidade de financiamento externo. De todo modo, é difícil quantificar com precisão o peso de cada um dos quatro fatores no aumento da dívida pública dadas as dificuldades para quantificações precisas dos movimentos da dívida pública no Brasil. A fonte básica de dados consolidados é a tabela do BCB “Dívida líquida do setor público” (Tabela 4, em anexo),24 na qual a abertura e as notas explicativas não permitem o adequado conhecimento do que está lançado em algumas das contas de maior peso. Apesar dessas limitações, a análise dos números da tabela do BCB é indispensável e bastante ilustrativa. Houve três importantes mudanças na composição da dívida líquida do setor público entre 1991 e 1998: a “substituição” de dívida externa por dívida interna; a “troca” ou consolidação de dívida entre rubricas e níveis de governo; e o crescimento acelerado e posterior decréscimo da conta de créditos do BCB a instituições financeiras. A mais conhecida dentre elas foi o forte aumento da participação da dívida interna na dívida líquida total, decorrente da opção pela acumulação de reservas externas no BCB, financiadas por colocação de títulos públicos no mercado doméstico, de modo que esterilizasse ENDIVIDAMENTO PÚBLICO E ARROCHO FISCAL DE FHC E DE LULA

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242  C A R L O S E D U A R D O C A R VA L H O Os fatores responsáveis pelo forte aumento da dívida líquida do setor público nos últimos anos podem ser assim agrupados: a) os juros altos: a despesa com juros reais dos três níveis de governo atingiu 19,28% do PIB de 1995 a 1998 e 36,25% do PIB de 1995 a 2001 (em anexo, Tabela 1); como houve pequeno déficit primário de 1995-1998, o gasto com juros teve de ser coberto com aumento da própria dívida; de 1999 a 2004, o custo foi em parte coberto pelo superávit primário; b) a política de esterilização do efeito monetário da acumulação de reservas externas:21 embora o crescimento das reservas reduza a dívida líquida, a emissão correspondente de dívida interna eleva a despesa com juros (o custo de financiamento doméstico foi bem mais alto nesses anos do que os juros recebidos pelas reservas mantidas pelo BCB); c) as políticas de “socorro” a agentes econômicos em crise, em especial grandes bancos privados e públicos (no caso dos bancos federais, a maior parte das perdas teve origem em políticas do governo de apoio a segmentos do setor privado atingidos pelas políticas de estabilização); d) o processo de reconhecimento de dívidas passadas, o que explica o aumento do estoque de “moedas de privatização” (em anexo,Tabela 4, nota 15) apesar do uso na compra de empresas estatais; e) a crise cambial de 1998-1999, com a perda de reservas e absorção das perdas do setor privado endividado no exterior, com a venda de elevado volume de títulos públicos indexados à taxa de câmbio no segundo semestre de 1998. O principal fator de redução da dívida foi a privatização. A receita assim obtida, em dinheiro ou em títulos, ajudou a estabilizar a dívida líquida em 1996 e 1997, mas não foi suficiente para reduzi-la nem para impedir a nova tendência de alta em 1998-1999. Em critério de caixa, as receitas de privatização em 1995-1998 foram de R$ 53,8 bilhões, sendo R$ 23,25 bilhões da União e R$ 30,5 bilhões dos estados (Programa, 1998, p. 23).22 O salto da dívida está fortemente ligado ao Plano Real. Dentre os quatro fatores citados, os dois primeiros, os de maior peso, decorreram da própria natureza da estratégia de estabilização adotada. Aos juros altos foi atribuído papel decisivo para garantir a atração dos

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 241 Na estrutura tributária as mudanças foram tópicas, destinadas a gerar resultados imediatos. A tributação da movimentação financeira fora criada antes da preparação do Plano Real, como Imposto Provisório sobre Movimentações Financeiras — IPMF, como medida emergencial para atender às graves dificuldades orçamentárias na área de saúde e com vigência até 1994. Seu caráter cumulativo (incidência “em cascata”) contradizia a desejada modernização da estrutura tributária, em troca de facilidade de cobrança, baixo custo administrativo e elevado desempenho de arrecadação, argumentos levantados para defender sua recriação a partir de 1997, com o nome de Contribuição Provisória sobre Movimentações Financeiras. Quanto ao comportamento das receitas, a principal constatação é de que havia espaço para forte aumento da arrecadação sem alteração relevante na sua composição nem redução importante das conhecidas distorções que marcam a estrutura tributária brasileira17 e que se pretendia corrigir com a reforma tributária.18 Não é fácil estimar em que medida o aumento da receita tributária deve ser atribuído ao fim da inflação elevada ou às medidas tomadas com tal objetivo. O bom desempenho de 1994 foi ao certo favorecido pelo ritmo de expansão da economia, mas também pelos efeitos das medidas administrativas e de política tributária, responsáveis em boa medida pela preservação do patamar mais elevado em 1995 e 1996, quando a atividade econômica passou a crescer em ritmo mais lento (ver Viceconti & Carmo, 1997). ENDIVIDAMENTO PÚBLICO E ARROCHO FISCAL DE FHC E DE LULA

A dívida pública Nos primeiros meses do Plano Real, a dívida líquida do setor público (DLSP), medida como porcentual do PIB, manteve a tendência de queda progressiva verificada desde 1993 (Tabela 4, em anexo). A partir do segundo semestre de 1995, porém, a dívida voltou a crescer continuamente e o forte salto de 1998 alcançou o patamar de 50% do PIB, o pico atingido na década de 1980,19 o que reforçou as análises pessimistas sobre sua evolução.20 Embora não se tenha materializado a tendência de crescimento explosivo, é muito forte o aumento acima de 20% do PIB entre os níveis de 1994 e os verificados a partir de 1999 (Tabela 4, em anexo), também pela magnitude das privatizações no período, justificadas pela necessidade de redução do endividamento público.

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240  C A R L O S E D U A R D O C A R VA L H O debate dos anos anteriores, há fortes evidências da presença tanto de fatores herdados da Constituição de 1988 quanto de crescimento “automático” dos gastos devido ao fim da corrosão pela inflação elevada (Carvalho, 2000, pp. 208-18). Boa parte do salto das despesas previdenciárias e de pessoal em 1995 resultou do reajuste concedido pelo governo, para salário mínimo e pensões, em níveis superiores à inflação corrente.156 A decisão de conceder reajustes reais pode reforçar o argumento de que seria realmente mais difícil conter as reivindicações salariais sem ajuda da inflação, como se afirmava antes do Plano Real, mas pode-se objetar que não houve atitudes semelhantes nos anos seguintes. Por outro lado, a queda do gasto com bens, serviços, subsídios e investimentos, em 1994 e 1995, foi suficiente para permitir que as despesas não financeiras totais ficassem no nível de 1993, apesar do maior gasto com pessoal e previdência. Trata-se de forte indicação de que teria havido algum tipo de controle de “boca de caixa” nesses itens, possivelmente mais fáceis de comprimir, na ausência de inflação, que os salários e benefícios previdenciários. A administração do gasto pelo controle da liberação das despesas seria uma possibilidade mais ampla de repressão orçamentária, permitida pelo fato de o orçamento no Brasil ser apenas autorizativo, sem que a execução das despesas previstas seja obrigatória. Não se trata de negar a existência do fenômeno de repressão do nível real do gasto com base na corrosão do valor da despesa por meio da inflação elevada, até porque em alguns indicadores o gasto alcançou patamar real bem mais elevado a partir de 1995, mas sim de ressaltar que esse não foi o único determinante do aumento do dispêndio público após a queda da inflação, e talvez não tenha sido o de maior peso. Na área tributária, conseguiu-se a desoneração do ICMS na compra de bens de capital, alguns insumos básicos e exportações de produtos agrícolas e semi-elaborados e foram adotadas diversas medidas para aumentar o controle e combater a evasão, ao lado da correção de alíquotas e de bases de incidência de alguns impostos. Além das conhecidas dificuldades para se realizar uma ampla reforma tributária, a confiança no êxito de medidas tão modestas era reforçada pela expectativa de decisões judiciais favoráveis à manutenção das receitas do IPMF e da Cofins, o que acabou de fato ocorrendo, apesar da intensa contestação naquele momento.

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 239 políticas e do relativo desinteresse do governo em priorizá-las.12 O governo conseguiu aprovar diversas medidas, avaliadas, porém, como insuficientes para atingir os objetivos propostos (para um resumo do que foi conseguido, ver Programa. . .,1998; para uma posição crítica, ver Dain, 1999). No final de 1998, na esteira dos problemas provocados pela crise asiática e pela crise russa, o governo tomou iniciativas mais drásticas para forçar a tramitação dos projetos no Congresso. Ainda assim, o esforço de ajuste fiscal continuou baseado em medidas localizadas e de emergência, dentro do padrão de “pacotes de final de ano”. Em 1999, por fim, no rescaldo da desvalorização, o governo implementou com maior rigor as medidas de corte de gastos e aumento das receitas aprovadas no período anterior. ENDIVIDAMENTO PÚBLICO E ARROCHO FISCAL DE FHC E DE LULA

O quadro fiscal no Plano Real As contas públicas tiveram piora significativa com o Plano Real e a queda da inflação, a partir de julho de 1994 (Tabela 1, em anexo). Sem considerar os resultados excepcionais do ano, o que se justifica por seu caráter atípico (Giambiagi, 1997), o resultado primário positivo dos anos anteriores desapareceu a partir de 1995, primeiro ano completo com inflação baixa, e surgiu forte tendência de crescimento do déficit operacional, até o pico de 7,41% do PIB em 1998. A partir de 1999, foram obtidos superávits primários elevados (média anual de 3,89% do PIB, de 1999 a 2004), suficientes para acomodar o forte aumento das despesas com juros reais verificado a partir de 19881999 (Tabela 1, em anexo). A Tabela 1, anexa, expõe os números apurados pelo conceito de necessidade de financiamento do setor público, de 1991 a 2000, em quatro subperíodos. Os anos anteriores ao Plano Real, 1991-1993,14 mostram, na média, resultado operacional próximo de zero, com base em superávits primários estáveis. A partir da queda da inflação, apesar do forte aumento da carga tributária total (Tabela 2, em anexo), as despesas cresceram o bastante para eliminar o superávit primário, recuperado com sucessivos aumentos da carga tributária a partir de 1998, o que permitiu a acomodar fortes gastos com juros reais15 a partir de 1998 sem explosão da dívida (ver seção 4 e Tabela 4, em anexo).15 Não há análises conclusivas sobre os determinantes do aumento das despesas correntes logo após a queda da inflação. Nos termos do

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238  C A R L O S E D U A R D O C A R VA L H O plificados pelo arranjo fiscal da Constituição de 1988. No início dos anos 1990 cresceram as manifestações de que a nova Carta teria agravado os problemas fiscais, ao ampliar as responsabilidades da União na provisão de bens e serviços de natureza social, em especial encargos previdenciários, e ao transferir recursos para os governos subnacionais sem redistribuir competências. Decorreu daí a “preferência” por tributos federais não partilháveis e o uso crescente do controle da execução de caixa como forma de flexibilizar essa rigidez, o que era facilitado pela inflação (Velloso, 1992, pp. 88-91). O debate sobre o uso do controle de caixa como mecanismo de ajuste das contas públicas ganhou força com a repetição de indicadores fiscais favoráveis e a permanência da inflação elevada. Tendo como referência o trabalho de Guardia (1992) sobre o retardamento de gastos previstos nos orçamentos como forma de reduzir seu valor real, ganhou força a tese de que os sucessivos resultados fiscais positivos seriam enganosos, por resultarem da repressão orçamentária permitida pela inflação alta. Formulou-se em seguida a tese do déficit potencial com inflação zero,9 o déficit que estaria oculto pela corrosão inflacionária das despesas e que apareceria com toda a nitidez quando um programa de estabilização bem-sucedido retirasse do governo a capacidade de “administrar” o nível real de gasto dessa forma. A tese da repressão orçamentária teve papel decisivo na elaboração do Plano Real. Partindo de que o fim da alta inflação retiraria do governo esse mecanismo essencial para a redução administrada e não conflituosa do nível real de gasto, defendia-se que a estabilização traria um efeito Tanzi “às avessas”, com aumento mais acentuado da despesa que da receita, a qual estava protegida contra os efeitos da alta inflação pela indexação generalizada.10 A despeito de o equilíbrio fiscal ter sido definido desde o início como indispensável para o sucesso do programa de estabilização, as medidas adotadas não foram suficientes para viabilizá-lo. À exceção de algumas iniciativas “estruturais”11 mais ambiciosas, as providências que acompanharam o Plano Real desde sua preparação não se afastaram muito do padrão típico do período anterior: sucessivos “pacotes” de medidas localizadas, a cada final de ano ou em resposta a conjunturas adversas, sem constituir um todo articulado e homogêneo. As chamadas “reformas” foram seguidamente postergadas, em especial na área tributária e previdenciária, por causa de resistências

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O debate sobre as finanças públicas na gênese do Plano Real No início dos anos 1990, os indicadores fiscais mostraram melhoria em relação ao período anterior. De 1991 a 1993, no conceito de necessidades de financiamento do setor público (NFSP), o superávit primário voltou aos níveis de 2% a 2,5% do PIB, como nos melhores momentos de meados da década anterior, e a redução das despesas com juros deu lugar a déficits operacionais próximos de zero (Tabela 1, em anexo). Esgotados os efeitos do Plano Collor6 tidos como once and for all, a persistência dos resultados positivos estimulou amplo debate a respeito do seu significado e de suas implicações. Questionava-se em que medida os números expressariam de fato a configuração de um quadro fiscal mais favorável e também quais as suas relações com a persistência da inflação elevada e com as políticas de estabilização a serem empreendidas. Nas análises otimistas (Barbosa & Giambiagi, 1995; Giambiagi, 1997), a melhoria era consistente e tendia a se manter nos anos seguintes, o que reduzia bastante o esforço fiscal requerido para o êxito de um programa de estabilização.7 Além da queda das despesas financeiras, o resultado primário tenderia a se manter: ainda que modesto; o aumento das receitas seria permanente e se somaria a impactos favoráveis sobre o gasto gerados pelo início dos programas de privatização e de reforma do setor público, além do controle mais rigoroso da União sobre as finanças dos governos subnacionais. Todos esses fatores favoráveis estariam permitindo a preservação do resultado fiscal positivo, mesmo com a entrada em vigor de diversas medidas da Constituição de 1988 e com a recuperação dos salários do funcionalismo da União, ocorrida já em 1993. As avaliações pessimistas eram predominantes, contudo. As primeiras análises nesse sentido argumentavam que os resultados positivos de 1990-1991 decorreriam das medidas excepcionais do Plano Collor (Villela, 1991, pp. 28-32), em especial a redução compulsória do valor da dívida pública interna e do custo de seu financiamento (Velloso, 1992, p. 76), e tenderiam a se reverter rapidamente.8 Outra vertente que alimentava as avaliações pessimistas destacava os efeitos de fatores duradouros, presentes desde meados dos anos 1980 e am-

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236  C A R L O S E D U A R D O C A R VA L H O d) a partir de 1999, a política macroeconômica está constrangida pela necessidade de gerar superávits primários elevados para reduzir a dívida pública (Tabela 1, em anexo), mas os instrumentos adotados sustentam a dívida e dificultam o crescimento do PIB em ritmo e intensidade suficientes para garantir sua redução. A natureza unilateral da flexibilidade revelou-se a partir de 1999, portanto, com a virtual incapacidade de reduzir a dívida pública e aliviar a carga tributária dentro dos limites da política econômica vigente. A flexibilidade que permitiu o sucesso da estabilização transformou-se em forte enrijecimento, em arrocho fiscal permanente. Trata-se desde então de gerar superávits primários muito altos para impedir o crescimento da dívida, mas esta é reposta pelos juros reais altos. O setor público continua deficitário, em termos nominais e operacionais, ou seja, continua transferindo renda para o setor privado, na forma de transferência financeira líquida, concentrada nos bancos e nos rentistas. O financiamento da política dá-se pelo aumento da carga tributária e pela contenção dos gastos de investimentos e de várias rubricas sociais, dada ainda a dificuldade de reduzir o conjunto das despesas correntes. Nos seus primeiros dois anos, o governo Lula manteve a política macroeconômica do segundo mandato de FHC, além de ter mantido as orientações econômicas, políticas e ideológicas que se consolidaram a partir de 1993 e que configuram o modelo neoliberal brasileiro.5 Em 2003 o resultado foi negativo, com estagnação da economia e elevação da dívida. Em 2004 a dívida caiu bastante, para níveis abaixo de 55% do PIB. Houve a combinação virtuosa de cenário externo favorável, crescimento do PIB e inflação acima do esperado, o que reduziu os juros reais. A partir de setembro, contudo, o BC tratou de retomar a alta dos juros básicos, o que deve frear a redução da dívida mais uma vez e manter o quadro de arrocho fiscal. Depois desta introdução, a segunda seção resume o debate sobre o quadro fiscal brasileiro na preparação do Plano Real, a terceira discute os principais indicadores fiscais do período, a quarta analisa a evolução da dívida pública e seguem-se alguns comentários finais.

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 235 permitiu a utilização agressiva de instrumentos de política cambial e monetária e a absorção de seus custos pelo setor público.2 A capacidade de elevar a receita tributária sem conflito político deu ao governo margem de manobra para acomodar o aumento dos gastos correntes e os custos de políticas fundamentais para o êxito do programa, notadamente a valorização real do câmbio e os juros altos, acionados intensamente como instrumentos antiinflacionários e de equilíbrio das contas externas.3 A elevação contínua da receita permitiu ainds evitar o risco de uma trajetória explosiva para o endividamento público, em especial no biênio 1998-1999, quando o setor público assumiu os custos da defesa do regime cambial e de sua posterior ruptura, com a desvalorização de janeiro de 1999. Processo semelhante ocorrera nos anos anteriores, com absorção dos custos do socorro ao sistema bancário e da consolidação de passivos herdados do passado. Acrescente-se que o aumento substancial da arrecadação por meio de sucessivas medidas tópicas e emergenciais deu ao governo margem de manobra para evitar os graves conflitos de interesses que poderiam ameaçar a sustentação parlamentar da política econômica, caso tivesse insistido em cortes drásticos de despesas ou em uma ampla reforma da estrutura tributária. Os primeiros anos do Plano Real foram marcados pela combinação favorável de oferta abundante e barata de financiamento externo e de flexibilidade fiscal: capacidade de acomodar as tensões e problemas com o aumento da dívida pública aceita pelo mercado financeiro doméstico em grande parte devido aos juros reais muito altos (Tabela 2, em anexo), e a capacidade de financiar os custos deste endividamento crescente com a elevação contínua da receita tributária (Tabela 3, em anexo).4 Contudo, esta flexibilidade era apenas parcial, ou unilateral: a) a flexibilidade da estrutura tributária se apoiou na permanência de elementos nocivos à eficiência e à competitividade da economia; b) os gastos correntes cresceram continuamente, mas os investimentos públicos estão abaixo do necessário e as demandas por gastos sociais estão longe de serem atendidas; c) a capacidade de colocar dívida no mercado doméstico passou a dar sinais de esgotamento, depois que a dívida subiu para níveis acima de 55% do PIB, com a absorção pelo Tesouro dos custos da crise cambial de 1997-1998 (Tabela 4, em anexo); ENDIVIDAMENTO PÚBLICO E ARROCHO FISCAL DE FHC E DE LULA

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C A R L O S E D U A R D O C A R VA L H O

CAPÍTULO 7 ENDIVIDAMENTO PÚBLICO E ARROCH0 FISCAL NA MACROECONOMIA DE FHC E DE LULA1 C A R L O S E D UA R D O C A R VA L H O

Dívida pública e restrição fiscal: a herança de FHC e de Lula Embora na preparação do Plano Real o equilíbrio fiscal das finanças públicas tenha sido definido como elemento básico para o sucesso da estabilização, e embora Fernando Henrique Cardoso tenha deixado o governo com a marca da “responsabilidade fiscal”, os dois mandatos do PSDB legaram ao País o salto espetacular do endividamento público e o grande enrijecimento do quadro fiscal, apesar do forte aumento da carga tributária e da privatização de empresas estatais. Esse quadro representa uma forte restrição às políticas macroeconômicas e tem sido utilizado pelo governo Lula como argumento para manter as mesmas políticas do segundo mandato de FHC, todo ele voltado para acomodar os custos da política seguida nos quatro anos anteriores. Criou-se uma versão de que o Plano Real conseguiu derrotar o regime de inflação elevada apesar das dificuldades fiscais e de uma suposta “inflexibilidade” das finanças públicas. É uma tese mistificadora. Além do fato de não haver déficits primários até 2003 (Tabela 1, em anexo), a flexibilidade do quadro fiscal foi decisiva para o sucesso do programa de estabilização, com a possibilidade de elevar a receita continuamente e colocar dívida adicional no mercado doméstico (Tabelas 3 e 4, em anexo). Essa ampla margem de manobra 234

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LUIZ FILGUEIRAS

&

EDUARDO COSTA PINTO

CAPÍTULO 8 EPOLÍTICA ECONÔMICA DO GOVERNO LUL A E OS LIMITES DO CRESCIMENTO1 LUIZ FILGUEIRAS EDUARDO COSTA PINTO

O

presente capítulo trata da dinâmica macroeconômica da economia brasileira nos dois governos FHC (1994-2002) e nos dois primeiros anos do governo Lula (2003-2004), à luz das políticas econômicas que foram implementadas, tendo por objetivo responder as seguintes questões: 1. O que mudou no cenário internacional e na política e na economia do País, a partir do governo Lula, que permita acreditar que a estratégia até aqui seguida, de manutenção e aprofundamento das mesmas políticas econômicas anteriormente adotadas, possa obter a estabilidade macroeconômica necessária para a retomada do crescimento sustentado; êxito este que os dois governos FHC não lograram alcançar? 2. Houve alguma mudança estrutural na competitividade do País e na pauta de suas exportações, que venham a permitir superávits significativos duradouros na balança comercial? 3. A política de câmbio flutuante é condição suficiente para acomodar os impactos das crises cambiais, permitindo o manejo adequado e a autonomia relativa necessária à política monetária? 4. Há possibilidade de se reduzir a dívida pública, ou pelo menos reduzi-la como proporção do PIB, a partir da obtenção de elevados superávits fiscais primários? 5. Em resumo, com a adoção dessa estratégia, há possibilidade real de se reduzir, estruturalmente, a vulnerabilidade externa do País e a fragilidade financeira do setor público; substituindo-se o predomínio da lógica rentista pela lógica produtiva?2 252

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 253 A compreensão mais geral aqui adotada, acerca do processo em curso desde o início do Plano Real, pode ser resumida nos seguintes pontos: i) A relativa estabilidade monetária, até aqui conseguida com grandes dificuldades e permanentemente ameaçada por sucessivas crises cambiais, vem fazendo-se à custa de uma grande instabilidade macroeconômica, que se expressa na vulnerabilidade do balanço de pagamentos, na deterioração das finanças públicas, em taxas de crescimento diminutas — com flutuações reiteradas do nível de atividade econômica — e em elevadas e persistentes taxas de desemprego. ii) A partir de 1999, com a adoção do câmbio flexível, a âncora cambial foi substituída pelas âncoras monetária e fiscal, mediante, respectivamente, a implementação da política de metas de inflação e a obtenção de elevados superávits primários nas contas públicas. No entanto, as vicissitudes da economia brasileira continuaram, no essencial, as mesmas, podendo ser resumidas na sua grande vulnerabilidade externa e na elevada fragilidade financeira do setor público. Com isso, o País completou a sua segunda “década perdida”. iii) A herança deixada por dois governos de Fernando Henrique Cardoso (FHC) aprisionou o que viria a ser o novo governo ainda no período eleitoral, quando Lula, expressando a aliança política que o estava levando a vencer as eleições, divulgou a “Carta ao Povo Brasileiro”, comprometendo-se a dar seqüência às mesmas políticas econômicas adotadas até aí, bem como a respeitar todos os contratos firmados pelo governo que estava saindo.3 iv ) Apesar do discurso do governo Lula, não houve, e nem está havendo, qualquer transição do modelo econômico liberal, e suas respectivas políticas, para um novo modelo de “forma lenta, gradual e segura”, sem nenhum tipo de ruptura. A obtenção da confiança dos “mercados”, pela manutenção e aprofundamento das políticas ortodoxas e da realização das reformas previdenciária, tributária e trabalhista — as duas primeiras já implementadas —, não abriram, e nem abrirão, espaço para essa transição. Qualquer movimento nessa direção contará com uma reação contrária imediata do capital financeiro e das instituições econômicas “multilaterais”. Portanto a saída dessa prisão, que na verdade não foi perseguida pelo atual governo, implicará custos, inevitavelmente, e a constituição de uma outra base de sustentação política, distinta da do governo Lula.4 POLÍTICA ECONÔMICA D E LULA E LIMITES D O CRESCIMENT O

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254  L U I Z F I L G U E I R A S & E D U A R D O C O S T A P I N T O Além dessa introdução, o texto constitui-se de mais cinco seções. Na segunda, faz-se, de forma sintética, um balanço dos principais resultados macroeconômicos do governo FHC, após mais de uma década de implementação de políticas econômicas liberais. Nas seções seguintes, tendo em vista a herança deixada pelo governo anterior, consideram-se, respectivamente, as políticas econômicas assumidas pelo governo Lula — sua lógica e o discurso que as sustentam — e os seus resultados nos anos de 2003 e 2004, tendo por referência a análise da conjuntura econômica. Por fim, na conclusão, considera-se que a complicada disjuntiva político-econômica — continuidade ou ruptura com o modelo liberal —, que se impôs ao novo governo desde o seu início, já foi há muito resolvida, sem nenhuma possibilidade de retorno, com a opção pela manutenção do modelo. Adicionalmente, também põe em dúvida a sustentação do crescimento econômico verificado em 2004. A análise desenvolvida apóia-se em indicadores macroeconômicos, referentes à inflação, ao balanço de pagamentos, ao desemprego, ao PIB e às contas públicas. As fontes são, principalmente, o Banco Central, o IBGE, a FGV e o Dieese.

O Plano Real e os dois governos de FHC O Plano Real apoiou-se numa política de estabilização monetária calcada na sobrevalorização da nova moeda criada (o Real) e na abertura comercial e financeira da economia brasileira. O impacto sobre as taxas de inflação foi imediato (Tabela 8.1); estas taxas caíram sistematicamente durante os quatro anos do primeiro governo FHC, aproximando-se de valores próximos a 1% ao ano em 1998 — considerando-se qualquer um dos índices de preços existentes (IGP, IPCA, IPC-Fipe, ICV-Dieese, etc.). A estabilidade dos preços, no seu período inicial — notadamente de julho de 1994 a março de 1995 —, propiciou um círculo virtuoso de aumento do consumo e crescimento da produção e do emprego, impulsionado pelo fim do imposto inflacionário e a ampliação do crédito — possibilitando às famílias com rendimentos mais baixos efetuar compras a prazo. No entanto, esse processo logo se mostrou muito frágil, diante dos problemas surgidos nas contas externas do País e nas finanças públicas.

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POLÍTICA ECONÔMICA D E LULA E LIMITES D O CRESCIMENT O

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Tabela 8.1. Variação anual de preços, 1990-2204 (%) ANO

1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004

ÍNDICE

( E M 12

M E S E S *)

IGP - M

IGP - DI

IPA - DI

IPCA

IPC-FIPE

ICV

1.246,62 15,25 9,20 7,74 1,78 20,10 9,95 10,38 25,31 8,71 12,41

1.093,89 14,78 9,34 7,48 1,70 19,98 9,81 10,40 26,41 7,67 12,41

1.029,36 6,39 8,09 7,78 1,51 28,90 12,06 11,87 35,41 6,25 14,67

916,43 22,41 9,57 5,22 1,65 8,94 5,97 7,67 12,53 9,30 7,60

941,25 23,17 10,04 4,83 –1,79 8,64 4,38 7,13 9,90 8,18 6,56

1.130,48 27,44 9,94 6,11 0,47 9,57 7,21 9,42 12,93 9,55 7,70

Fonte: FGV, IBGE, Fipe e Dieese. * dezembro sobre dezembro.

Assim, a conta de transações correntes do balanço de pagamentos, refletindo o processo de reversão ocorrido nos saldos da balança comercial — que de superavitária se tornou, ano a ano, deficitária — e de elevação dos déficits da balança de serviços, também passou a apresentar, ano a ano, déficits elevados e crescentes, que implicaram em aumento dramático da vulnerabilidade externa do País. Comparando-se os períodos pré-Real (1990-1994) e pós-Real (1995-1998), consta-se que o saldo acumulado da balança comercial evoluiu de um superávit de US$ 60,3 bilhões para um déficit de US$ 22,4 bilhões. O saldo negativo acumulado pela balança de serviços passou de US$ 70,5 bilhões para US$ 92,7 bilhões. Como decorrência, o saldo negativo da conta de transações correntes passou de US$ 1,6 bilhão para US$ 105,8 bilhões (Tabela 8.2)! Tabela 8.2. Transações correntes. Montantes acumulados nos períodos pré e pós-Real (em US$ bilhões) DISCRIMINAÇÃO

Balança comercial Serviços e rendas Serviços Rendas Transferências unilaterais correntes Saldo

PRÉ - REAL

PÓS-REAL

90-94

95-98

99-02

03-04

60,3 –70,5 –21,5 –49,0 8,6 –1,6

–22,4 –92,7 –36,9 –55,8 9,3 –105,8

13,9 –101,6 –27,0 –74,7 7,2 –80,5

58,5 –48,8 –9,7 –39,1 6,1 15,8

Fonte: Banco Central do Brasil.

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LULA

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256  L U I Z F I L G U E I R A S & E D U A R D O C O S T A P I N T O Esse processo, de rápida deterioração das contas externas, determinou, concomitantemente, uma crescente piora das finanças do setor público, apesar da existência de equilíbrio ou pequenos déficits fiscais primários em cada ano. A permanente política de taxas de juros elevadas — para assegurar a entrada e permanência de capitais estrangeiros —, juntamente com a rolagem da dívida pública, conteve o ritmo de crescimento do PIB — de 4,22% em 1995 para 0,13% em 1998 (Gráfico 8.1) — e elevou a dívida líquida do setor público sistematicamente, tanto em termos absolutos quanto como proporção do PIB. A dívida líquida do setor público evoluiu de R$ 153,7 bilhões (30% do PIB), em dezembro de 1994, para R$ 385,9 bilhões (41,7% do PIB) em dezembro de 1998 (Gráfico 8.2). Gráfico 8.1. Produto interno bruto, 1994-2004 6 5

5,85 Taxa Real de variaçãol

4,33

2,752,66

3,27

3,70

2,99 1,87

2

5,2

4,36

4,22

4 3

PIB per capita taxa Real de variação

1,24

1,42

1,52

0,79

1

0,1

0,13

0

-0,55

-1

-1,21

0,50

0,21 -0,90

-2

1994 1995

1996 1997 1998 1999 2000

2001 2002 2003 2004

Fonte: IBGE.

33,3 34,4

1994 1995 1996

Gráfico 8.2. Evolução da dívida líquida do setor público, 1994-2004, dez.-dez. (% PIB)

Fonte: Bacen.

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30,0 30,6

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1997

 257 As taxas de desemprego, por sua vez, depois de uma pequena queda entre 1993 e 1995, voltaram a crescer, acompanhando o baixo dinamismo da economia (Gráfico 8.3). A taxa de desemprego, para a Região Metropolitana de São Paulo, saltou de 5,2% da PEA, em 1995, para 8,6% em 1998 (PME-IBGE) ou de 13,2% para 18,2% (PED-Seade/ Dieese). Nesse processo, cadeias produtivas importantes foram desestruturadas e/ou desnacionalizadas, dificultando ainda mais a possibilidade de, posteriormente, se retomar o exercício de políticas industriais. POLÍTICA ECONÔMICA D E LULA E LIMITES D O CRESCIMENT O

Gráfico 8.3. Taxa de desemprego na RMSP — PED/PME, 1990-2004

PED

PME

18,2

19,3

16,0

17,6 17,6

19,0

19,9

18,7

15,2 14,6 15,1 14,2 14,1 Fonte:13,2 PME/PED. Obs.: Os valores de 2003 e 2004 da PME não podem 12,6ser comparado com os anos 11,7 anteriores da PME, uma vez que ocorreu mudança na metodológica. 8,6 5,5

6,5

5,7

1991 1992 1993

6,3

6,6

8,3

7,5

8,4 6,4

5,4 Em 5,2 suma, com exceção da estabilidade monetária — que, posteriormente, em 1999 e em 2002 também evidenciou, mais explicitamente, suas dificuldades —, o desempenho da economia brasileira 1994primeiro 1995 1996governo 1997 1998FHC 1999mostrou-se 2000 2001 2002 2003ruim, 2004 tendo culminado, no muito dramaticamente, com uma grande crise cambial, que atingiu o auge no início do segundo governo. Assim, este se iniciou sob o signo de dois grandes problemas, ainda hoje os mais graves da economia brasileira: a vulnerabilidade externa do País e a fragilidade financeira do setor público — que dificultam o crescimento do produto, a redução das taxas de desemprego e a gestão das políticas macroeconômicas e, principalmente, sociais. A análise do segundo governo FHC evidencia que, a despeito da mudança do regime cambial, esses problemas continuaram a existir; apesar de a desvalorização do real, em janeiro de 1999, ter impedido – pelo lado da conta de transações correntes - o aprofundamento da

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258  L U I Z F I L G U E I R A S & E D U A R D O C O S T A P I N T O deterioração do balanço de pagamentos do país. Como se pode observar (Tabela 8.2), tendo por referência o primeiro governo FHC, o saldo acumulado na balança comercial, no período 1999/2002, voltou a ser superavitário em US$ 13,9 bilhões, implicando uma redução do déficit acumulado da conta de transações correntes (US$ 80,5 bilhões); mesmo tendo ocorrido um crescimento do déficit acumulado da balança de serviços (US$ 101,6 bilhões). Essa melhora no desempenho da balança comercial e, por extensão, da conta de transações correntes, ocorrida a partir de 1999 e, sobretudo, em 2002, se fez, principalmente, à custa do baixo crescimento econômico do País — com taxas ainda menores do que as do primeiro governo, quais sejam: 0,79% em 1999; 4,36% em 2000; 1,42% em 2001 e 1,52% em 2002 (Gráfico 8.1) — e em razão da ocorrência, no final do segundo governo FHC (2002), de certas condições muito particulares que favoreceram, sobremodo, as exportações brasileiras.Como se verá mais adiante, a análise dessa melhora recente no balanço de pagamentos, que persistiu em 2003 e 2004, exige cautela, pois uma mudança dessas condições implicará, provavelmente, novo aumento no grau de vulnerabilidade externa pelo lado do comércio. A fragilidade financeira do setor público, por sua vez, só piorou — a despeito da melhoria do balanço de pagamentos e dos reiterados superávits fiscais primários, crescentes e sempre acima de 3%, nos quatro anos do segundo governo FHC. A dívida líquida do setor público cresceu para R$ 881,1 bilhões (55,5% do PIB) em dezembro de 2002 (Gráfico 8.2). Esses superávits, embora elevados, não conseguiram reduzi-la, em razão do grande montante de juros pago e da manutenção de taxas de juros elevadas. Um eventual aumento do grau de vulnerabilidade externa, em razão de uma retomada do crescimento da economia, poderá, dinamicamente, piorar ainda mais a situação das finanças públicas — com novas desvalorizações do real e elevações da taxa de juros. Na verdade, o segundo governo FHC teve por maior característica o fato de ter sido um governo de crise, em duplo sentido. Primeiramente, porque teve de administrar sucessivas crises do balanço de pagamentos (1999, 2001 e 2002) — que o levou a bater às portas do FMI para tomar três empréstimos nos montantes de US$ 41,5 bilhões (1998), US$ 15,6 bilhões (2001) e US$ 30 bilhões (2002), respectiva-

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 259 mente. Em contrapartida, durante os seus quatro anos de duração, a economia brasileira foi monitorada externamente por essa instituição, a partir de parâmetros macroeconômicos explicitados nos acordos assinados. Adicionalmente, também enfrentou uma crise de energia (2001), que pôs em xeque o modelo de privatização do setor elétrico e a atuação das agências reguladoras, inviabilizando a privatização das empresas estatais geradoras de energia — que havia sido planejada e decidida ainda no primeiro governo FHC. Em segundo lugar, foi um governo de crise porque também teve de administrar a própria crise política interna, em virtude do razão esfacelamento de sua base político-parlamentar — que acabou culminando, no ano da eleição presidencial, com a saída do PFL do governo. Essa dimensão política da crise, em boa medida resultante da primeira, foi decisiva para o resultado do embate eleitoral para presidente da República em 2002, qual seja: a vitória da aliança política comandada pelo Partido dos Trabalhadores (PT), com a eleição de Luís Inácio Lula da Silva. Desse modo, logo após o início do segundo mandato de FHC, em janeiro de 1999, o governo teve de administrar uma crise no balanço de pagamentos do País, que o obrigou a redefinir o regime cambial até então adotado, transitando para uma situação de câmbio flexível e assumindo, a partir do segundo semestre, o regime de metas de inflação. Essa nova política, juntamente com a obtenção de elevados superávits primários, passou a se constituir no centro da política econômica, tendo como instrumento primordial a manipulação da taxa de juros e do montante dos depósitos compulsórios retidos pelo Banco Central — acionado de acordo com a trajetória futura estimada para a inflação, tal como medida especificamente pelo IPCA do IBGE.5 No ano seguinte (2000), apesar dos primeiros sinais de desaceleração da economia americana — que culminaram com o estouro da enorme “bolha financeira”, com impactos profundos nas bolsas de valores de todo o mundo —, houve queda da inflação e retomada das atividades econômicas no Brasil, com o PIB crescendo 4,36%, contra 0,79% do ano anterior (Gráfico 8.1). Essa recuperação, iniciada já no segundo semestre do ano anterior, foi propiciada pelo retorno dos investimentos diretos estrangeiros, em montante recorde — com a conseqüente valorização do real — e, na seqüência, pela queda da taxa de juros (Filgueiras, 2000). Depois de atingir POLÍTICA ECONÔMICA D E LULA E LIMITES D O CRESCIMENT O

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260  L U I Z F I L G U E I R A S & E D U A R D O C O S T A P I N T O um pico de 45% em março de 1999, essa taxa caiu seguidamente até abril de 2001. Em 2001, com o desenrolar da crise da economia argentina e, principalmente, da economia americana — cenário este agravado com os acontecimentos de 11 de setembro —, ocorreu uma nova desaceleração da economia brasileira, com o PIB crescendo apenas 1,42% (Gráfico 8.1). O real, a partir de janeiro, voltou a se desvalorizar fortemente ao longo desse ano — notadamente depois de abril —, registrando-se intenso movimento de saída de capitais e com a taxa de juros voltando a subir a partir do mês de maio (Filgueiras, 2001). Adicionalmente, ao longo do ano, o governo FHC defrontouse com a “surpresa” de uma crise energética, que o levou a implementar, a partir de junho, uma política de racionamento que afetou diretamente a capacidade de produção da indústria, restringido o seu crescimento. Nesse contexto desfavorável, no âmbito doméstico e internacional, o governo assinou em setembro, preventivamente — com o intuito de tentar abortar a nova crise cambial que se esboçava —, um novo acordo com o FMI, antes mesmo do término do acordo anterior, de dezembro de 1998. Por fim, em 2002, explicitou-se, a partir do mês de abril, o início de uma nova crise cambial, com fuga de capitais e grande desvalorização do real. O aprofundamento da fragilidade financeira do setor público — com o crescimento continuado da relação dívida pública/ PIB (Gráfico 8.2) —, o vencimento de grandes parcelas da dívida e a possibilidade da vitória de Lula abriram um amplo campo para a especulação contra o real; em boa medida ajudada pelo comportamento do próprio Banco Central que, ao anunciar que resgataria essas parcelas quando dos seus vencimentos, induziu reiterados movimentos especulativos que pressionaram a subida do dólar, um pouco antes da data dos resgates dos títulos, propiciando, assim, enormes ganhos aos credores. Essa circunstância levou a novo crescimento da taxa de juros a partir de setembro que, juntamente com a superação da meta de superávit fiscal — acordada com o FMI em 3,88% do PIB, mas que atingiu mais de 4% no final do ano —, impactou negativamente as atividades econômicas, com o PIB voltando a crescer apenas 1,51% (Gráfico 8.1). Esses movimentos, de curto prazo, de aceleração e desaceleração da economia brasileira, foram, na verdade, uma característica básica

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 261 dos oito anos de governo FHC. A mudança do regime cambial no início de 1999, a política de metas inflacionárias e um regime fiscal mais draconiano não conseguiram reverter, de forma estrutural, a vulnerabilidade externa da economia e a fragilidade financeira do setor público — não abrindo espaço, portanto, para a retomada sustentada do crescimento. Em particular, a experiência vem demonstrando que o câmbio flutuante, apesar de atenuar os efeitos internos das crises cambiais, não tem conseguido isolar a política monetária e dar-lhe maior autonomia; a cada ataque especulativo contra o real, as autoridades monetárias, tanto em função da fuga de capitais quanto de seus impactos sobre a inflação, terminam por elevar a taxa de juros, com todas as conseqüências conhecidas sobre o nível de atividade, o emprego, a renda e a dívida pública (Carvalho, 2003; Carneiro, 2003). POLÍTICA ECONÔMICA D E LULA E LIMITES D O CRESCIMENT O

A política econômica do governo Lula O resultado eleitoral de 2002 expressou, sem nenhuma dúvida, a rejeição da grande maioria da população às políticas econômico-sociais implementadas pelos dois governos FHC. Portanto, a vitória das forças políticas comandadas pelo Partido dos Trabalhadores (PT) também expressou, como contrapartida, uma grande vontade de mudança dos brasileiros, descontentes com os rumos do País e, particularmente, com as duras conseqüências sociais decorrentes dessas políticas. No entanto, após dois anos do governo Lula, verifica-se que as ações e políticas econômicas implementadas apenas deram continuidade à mesma política econômica concebida e executada pelo governo FHC. O balanço das medidas tomadas pelo novo governo, listadas a seguir, e que em alguns casos foram até radicalizadas — quando comparadas com as adotadas pelo governo anterior —, não deixam margem para nenhuma dúvida; senão vejamos: 1. De saída, aumento da meta de superávit fiscal primário para o ano de 2003 de 3,75% para 4,25% do PIB, decidido, segundo as autoridades econômicas, de forma unilateral e “sem qualquer interferência por parte do FMI”. Isto implicou, logo no início do novo governo, uma redução das despesas previstas no orçamento no montante de R$ 14,1 bilhões de reais (corte de 22,75% no total do orçamento),

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262  L U I Z F I L G U E I R A S & E D U A R D O C O S T A P I N T O sendo R$ 5 bilhões nos ministérios da área social (corte de 12,44% dos gastos planejados). Mais tarde, no final do ano, constatou-se que o superávit primário feito foi maior ainda (4,3% do PIB). Ainda na área fiscal, em nome da necessidade de se manter o montante da arrecadação tributária, a CPMF foi prorrogada e a tabela do Imposto de Renda de Pessoa Física não foi corrigida. Apesar disso tudo, como se verá na próxima seção, a dívida pública continuou crescendo. 2. Aumento da taxa de juros básica do Banco Central (Selic) em 0,5% em janeiro, mais 1% em fevereiro — quando também se elevou o porcentual dos depósitos compulsórios não remunerados no Banco Central, de 45% para 60% dos depósitos a vista existentes nos bancos — e manutenção de seu valor em 26,5% em março, porém indicando uma tendência de alta, que foi retirado na reunião do Copom em abril. Somente a partir de julho essa taxa iniciou uma trajetória de queda, posteriormente interrompida no início de 2004, com a justificativa de retorno de pressões inflacionárias. O impacto dessas políticas — fiscal e monetária — restritivas sobre a produção e o emprego, como seria de se esperar, foi arrasador. 3. Apropriação política da agenda de reformas defendida pelo governo anterior; reformas estas que não haviam sido realizadas ou que haviam sido realizadas apenas parcialmente, quais sejam: a Reforma Tributária, a Reforma da Previdência e a Reforma Sindical e Trabalhista.6 Do ponto de vista macroeconômico, o argumento levantado pelo governo Lula, em favor de suas implementações, sobretudo com relação às duas últimas, é semelhante ao utilizado pelo governo anterior, isto é, a efetivação dessas reformas seria uma condição essencial para baixar a taxa de juros, reduzir o desemprego e a informalidade, equilibrar as contas públicas, ampliar as políticas sociais e fazer justiça social (Filgueiras, 2003). Desse modo, as duas primeiras reforma foram realizadas em 2003 e a última, em andamento, foi desmembrada, com a previsão de aprovação da Reforma Sindical ainda em 2004 e a Reforma Trabalhista só 2005. 4. Aprovação da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 53/ 99, que alterou o artigo 192 da Constituição e suprimiu os seus incisos, que discorrem sobre o sistema financeiro nacional. Essa mudança facilitará a aprovação da proposta de autonomia do Banco Central, tão cara ao capital financeiro, pois permite que o assunto possa transitar isoladamente dos demais temas referentes ao sistema financei-

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 263 ro. No entanto, em virtude de 2004 ser um ano eleitoral, a implementação dessa proposta, da mesma forma que a Reforma Trabalhista, foi adiada para 2005. 5. A segunda revisão do terceiro acordo com o FMI — assinado pelo governo FHC em setembro de 2002 —, divulgada em fevereiro de 2003, além de incorporar o aumento da meta de superávit primário decidido anteriormente, prometeu, para os anos seguintes do governo Lula, gerar superávits primários suficientes para garantir o gradual declínio da relação dívida/PIB. Ademais, comprometeu-se também em envidar esforços para estabelecer a autonomia do Banco Central e inseriu metas qualitativas, sob a denominação de parâmetros estruturais, referentes à nova lei de falências, à privatização de bancos estaduais e à realização das reformas tributária e previdenciária, definindo prazos para suas respectivas tramitações no Congresso. Como se viu anteriormente, todas esses compromissos já foram cumpridos ou estão em processo de efetivação. 6. Por fim, no final de 2003, o governo Lula assinou o seu próprio acordo com o FMI, no qual foram estabelecidas diretrizes semelhantes aos acordos anteriores, assinados pelo governo FHC. O argumento foi o de que, embora o governo tivesse conseguido restituir a credibilidade do País perante os “mercados” e restaurar a confiança dos investidores, seria prudente obter uma espécie de “cheque especial” (US$ 15 bilhões), que poderá ser utilizado caso a conjuntura internacional venha a se deteriorar. Nele se estabelece, para 2004, metas de inflação e crescimento do PIB bastante baixas (5,5% e 3,5%, respectivamente) e a mesma meta de 4,25% do PIB de superávit primário do ano anterior (R$ 71,5 bilhões); além de se comprometer em aprovar uma lei que dê independência ao Banco Central e implementar uma Medida Provisória (já efetivada) que permita aos trabalhadores usarem parte de seus salários futuros como garantia de empréstimos. 7. A política econômica em 2004 manteve-se, no essencial, a mesma, com sucessivas reduções da taxa de juros até o mês de setembro — quando retomou, de novo, uma rota crescente, que ainda persistia nos primeiros meses de 2005. Em resumo: após dois anos de existência do governo Lula, as diversas ações implementadas, além das políticas fiscal e monetária, não podem mais ser vistas, mesmo pelos mais otimistas e esperançoPOLÍTICA ECONÔMICA D E LULA E LIMITES D O CRESCIMENT O

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264  L U I Z F I L G U E I R A S & E D U A R D O C O S T A P I N T O sos com futuras mudanças, como expressão apenas de um comportamento de curto prazo. Ao contrário, são ações que indicam que se assumiram, integralmente, as velhas concepções ortodoxas liberais, do governo FHC e do FMI — acreditando-se que o seu aprofundamento produzirá os efeitos anunciados de redução da vulnerabilidade externa e da fragilidade financeira do setor público. Entre elas, talvez a mais preocupante, além das Reformas Trabalhista e da Previdência, seja a que diz respeito à autonomia do Banco Central, porque sinaliza um compromisso estrutural que produzirá um efeito temporal mais permanente, na organização do Estado e nas condições do exercício da política econômica. O significado da autonomia do Banco Central, caso ela venha a ser implementada, foi competentemente sintetizada por Sampaio Jr. (2003) da seguinte forma: O caráter das decisões econômicas sob a competência do BC mostra bem a relevância do que está em jogo. Entre outras atribuições, cabem-lhe as funções de regular a liquidez do sistema financeiro, fiscalizar a saúde econômica dos bancos, definir a taxa de juros básica, estabelecer o regime cambial, controlar os fluxos de capitais, administrar as divisas internacionais, regular o mercado de câmbio, supervisionar o mercado de derivativos, socorrer bancos que atravessam crises temporárias de falta de dinheiro, liquidar instituições financeiras inadimplentes etc. Não existe gestão monetária neutra (Sampaio, 2003, pp. 3-4). No início, o governo Lula e os seus defensores justificaram a estratégia adotada em razão do quadro econômico desastroso herdado do governo anterior, agravado por uma conjuntura particularmente desfavorável, que impediria, pelo menos momentaneamente, qualquer mudança de rumo, ou até mesmo qualquer sinalização nessa direção. Com base nessa constatação (verdadeira), entendia-se que o poder dos “mercados” inviabilizaria qualquer tentativa de se redirecionar a política econômica no curto espaço de tempo. A desaprovação dos “mercados” expressar-se-ia numa grande fuga de capitais e na instalação de uma crise cambial, levando à retomada da inflação e, no limite, a um processo que poderia vir a questionar a própria governabi-

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 265 lidade. Em suma, a transição para um novo modelo deveria ser feita, cautelosamente, partindo da melhoria das contas externas do País e mediante a obtenção de elevados superávits fiscais primários, o que diminuiria o seu grau de vulnerabilidade e permitiria reduzir a taxa de juros, com reflexos positivos também sobre a fragilidade financeira do setor público — com a queda da relação dívida pública/PIB. Isso, juntamente com as reformas já mencionadas, recuperaria a capacidade de investimento do Estado e aumentaria a poupança interna do país, detonando um círculo virtuoso de crescimento sustentado. No entanto, com o passar do tempo, essa suposta estratégia política — que previa a manutenção da mesma política econômica do governo FHC, durante um certo período não claramente definido, no qual a obtenção da confiança dos “mercados” constituir-se-ia em peça central, com o objetivo de ganhar o tempo necessário para se criar as condições que permitiriam a transição para um outro modelo de desenvolvimento, com a implementação de novas políticas econômico-sociais — mostrou-se ser apenas um discurso político apaziguador conjuntural, que serviu de justificativa, durante os meses iniciais do governo, para a manutenção do mesmo modelo econômico. Desse modo, por imposição factual, aos poucos esse discurso foi sendo abandonado; embora, vez por outra, ainda se continue a lembrar a “herança maldita”. Já há muito tempo, ele vem sendo substituído pela afirmação recorrente de que não há nem haverá um “Plano B”, isto é, não haverá nenhuma mudança essencial no rumo da política econômica. Portanto, o uso de políticas ortodoxas, como seria de se esperar, nunca foi um expediente meramente provisório que, uma vez conseguindo-se a confiança dos “mercados” e a estabilidade da economia, seria abandonado. Em suma, tendo em vista tudo o que foi implementado até agora, bem como a aliança política cada vez mais conservadora que dá sustentação política ao governo Lula, a possibilidade de haver uma transição para uma nova política econômica é nula! Como se vê, independentemente dos motivos apresentados pelo governo Lula, para justificar a sua opção de política econômica, a estratégia escolhida é, sem dúvida, semelhante à implementada pelos dois governos FHC, durante oito anos seguidos. Os objetivos e os instrumentos utilizados são os mesmos, e seus efeitos são bastante semelhantes, apesar da afirmação de que ela estaria orientada para mudanPOLÍTICA ECONÔMICA D E LULA E LIMITES D O CRESCIMENT O

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266  L U I Z F I L G U E I R A S & E D U A R D O C O S T A P I N T O ça do modelo de desenvolvimento. A superação gradual da vulnerabilidade externa — e de todas as demais conseqüências daí advindas —, mediante o aprofundamento da mesma política econômica que criou este problema, também foi perseguida, disciplinadamente, pelos governos FHC. Nunca é demais lembrar que, ao menos em dois momentos entre 1995 e 2002, quando o cenário internacional conjunturalmente se mostrou menos desfavorável, e o fluxo de capitais estrangeiros para o País foi retomado mais regularmente, o governo e seus porta-vozes anunciaram, reiteradamente, a retomada do desenvolvimento autosustentado. E, em todas as vezes, o otimismo também foi alimentado pela melhoria de indicadores voláteis e de curtíssimo prazo — como taxa de câmbio, risco-país, índice Bovespa e valor dos títulos da dívida externa no exterior —, que refletem o estado de confiança (de curto prazo) do capital financeiro com relação ao desempenho da economia brasileira. Como se sabe, essas expectativas nunca se realizaram.7 Assim, os fatos e as circunstâncias acima narrados, transcorridos dois anos do governo Lula, bem como as considerações anteriormente feitas, apontam para uma conclusão irrecorrível, qual seja: O governo Lula, com pouquíssima resistência do principal partido de sua base de sustentação (o PT), e algumas vezes até com o seu apoio explícito, capitulou ante o ideário e as políticas liberais;8 independentemente da manutenção, e até repetição à exaustão, do discurso de mudança. Com isso, apenas reproduz a experiência dos partidos socialistas e social-democratas europeus que chegaram ao poder, nos anos 1980, com Mitterrand na França, Craxi na Itália, Papandreu na Grécia e Felipe González na Espanha. Por motivos óbvios, essa mudança de 180 graus jamais será assumida retoricamente — a não ser pontualmente — pelo governo Lula e seus integrantes. No entanto, como já se viu, documentos produzidos, pelo Ministério da Fazenda,9 bem como o discurso das autoridades econômicas, em particular do ministro da Fazenda e do presidente do Banco Central, defendem e justificam, explicitamente, toda a política econômica ortodoxa implementada até o presente momento, desqualificando qualquer possibilidade de sua mudança. Em contrapartida, o espaço de discussão na sociedade — no sentido de se construir um outro caminho para as políticas econômicas —, que nos primeiros meses foi tremendamente reduzido, voltou de

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 267 novo a se ampliar, tendo em vista os resultados econômico-sociais decorrentes da adoção da política econômica ortodoxa. Adicionalmente, essa metamorfose político-ideológica, pela rapidez como ocorreu, num primeiro momento, implicou confusão e desânimo no campo da esquerda. Mais recentemente, no entanto, já no início do terceiro ano do governo Lula, começa a propiciar uma demarcação cada vez maior da arena política; afinal de contas não dá mais para falar em transição, em uma situação passageira etc. POLÍTICA ECONÔMICA D E LULA E LIMITES D O CRESCIMENT O

Os principais resultados econômicos do primeiro ano do governo Lula Ao longo do primeiro ano do governo Lula, alguns indicadores da economia brasileira melhoraram, especialmente os relacionados ao funcionamento dos mercados financeiros. O dólar, depois de bater R$ 3,89 em outubro de 2002 e iniciar o ano de 2003 em R$ 3,53, recuou para R$ 2,89 no final de dezembro — redução, no ano, de mais de 22,% (Gráfico 8.4). O índice Bovespa subiu 97,3% no ano (2003), os títulos da dívida externa brasileira no exterior voltaram a se valorizar e o risco Brasil, que chegou a atingir mais de 2.000 pontos em outubro de 2002, terminou o ano de 2003 em torno de 460 pontos. Ademais, as taxas de inflação se reduziram, os saldos da Balança comercial aumentaram, com o bom desempenho das exportações, e os capitais especulativos, mais uma vez, retornaram — atraídos pela elevada taxa de juros e num momento em que o Tesouro dos Estados Unidos estava pagando 1,05% ao ano, para papéis de trinta anos. Gráfico 8.4. Evolução do câmbio 2002-2003 (comercial, venda, fim do período)

Fonte: Banco Central do Brasil.

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268  L U I Z F I L G U E I R A S & E D U A R D O C O S T A P I N T O A mudança de humor dos “mercados”, indicando, como em tantas outras vezes, o início de uma conjuntura, aparentemente, mais favorável para a economia brasileira e a condução da política econômica, teve várias razões — relacionadas com o cenário internacional imediato e o comportamento do governo Lula: 1. No âmbito do comércio internacional, as exportações, que haviam retomado uma trajetória de crescimento desde o ano 2000 — em virtude da forte desvalorização cambial sofrida pelo real em 1999 — deram um salto em 2003. Com isso, acelerou-se a reversão do saldo da balança comercial, que havia voltado a ser positivo desde 2001, e reduziram-se os déficits da balança de serviços. No entanto, diferentemente de 2001 e 2002 — quando os saldos positivos foram alcançados, sobretudo, em virtude de reduções nas importações —, em 2003 esse saldo decorreu de um vigoroso crescimento das exportações. Assim, em 2003, o Brasil exportou o montante histórico de US$ 73,1 bilhões, 21% a mais do que o obtido em 2002. As importações, por sua vez, contidas pela desaceleração da economia, alcançaram, no mesmo período, US$ 48,3 bilhões, com crescimento de apenas 2,3% em relação a 2002. O País nunca acumulou um saldo comercial tão grande: US$ 24,8 bilhões em 2003, recorde histórico (Gráfico 8.5). Gráfico 8.5. Balança comercial, 1994-2004 (em US$ bilhões) Sald o

Ex po rtação d e b en s

9 6 ,5

Im p or tação de b e ns

7 3,1 46 ,5

4 7,7

50 ,0

5 3,3

-3 ,5

-5 ,6

5 3 ,0

51 ,1

5 9 ,7

5 5,1

4 8,0

5 7 ,7

58 ,2

60 ,4

6 2 ,8 48 ,3

4 9,2

5 5,8

55 ,6 4 7 ,2

- 0,7

2 ,6

3 3 ,7

2 4,8

04 20

03 20

20 02

20 01

00 20

99 19

98

-6 ,6

19

97

-6,8

19

96 19

19 95

13 ,1 -1 ,2

Fonte: Banco Central do Brasil.

Além das desvalorizações cambiais, o salto das exportações se pode creditar também, fortemente, ao grande aumento dos preços internacionais das commodities. Os índices de preço dos produtos exportados pelo Brasil, classificados nas categorias de semimanufaturados e, so-

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 269 bretudo, básicos, tiveram evolução ascendente impressionante (Gráfico 8.6). POLÍTICA ECONÔMICA D E LULA E LIMITES D O CRESCIMENT O

Gráfico 8.6. Índice de preço dos produtos exportados brasileiros (por classe), jan. 2002-dez. 2003 (base 1996 = 100)

Fonte: Funcex.

Adicionalmente, do ponto de vista das importações, o preço do petróleo, apesar de muitas oscilações, não explodiu, em virtude da crença, nos mercados financeiros, de que a “guerra” seria muita rápida — o que, de fato, acabou ocorrendo. O resultado da balança comercial também foi ajudado pela recuperação econômica da Argentina e a ampliação do comércio com a China. Em 2003, as exportações para a primeira cresceram 100%, em comparação ao ano anterior, depois de quedas sucessivas de 19,4% e 54% em 2001 e 2002, respectivamente — em virtude da crise econômico-política da Argentina. Com isso, a participação desse país, no total das exportações brasileiras, pulou de 3,8% para 6,3%; ainda longe, entretanto, dos 11,3% do ano 2000. O resultado em relação à China foi mais impressionante ainda, tendo em vista que o aumento de 80% nas exportações para esse país deu prosseguimento a uma trajetória de forte crescimento, que já vinha ocorrendo desde o ano 2000. Como conseqüência, a sua participação relativa passou de 2% em 2000 para 4,1% em 2002 e 6,2% em 2003 (Tabela 8.3). Tabela 8.3. Participação relativa dos principais parceiros nas exportações brasileiras, 2002-2003 2002 VALOR

2003

VARIAÇÃO PARTICIPAÇÃO VALOR

VARIAÇÃO

RELATIVA

Estados Unidos União Européia Argentina China

15,5 7,60% 15,1 1,30% 2,3 –54,00% 2,5 31,60%

25,70% 25,00% 3,80% 4,10%

PARTICIPAÇÃO RELATIVA

16,9 18,1 4,6 4,5

9,00% 19,90% 100,00% 80,00%

23,10% 24,80% 6,30% 6,20%

Fonte: Funcex.

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270  L U I Z F I L G U E I R A S & E D U A R D O C O S T A P I N T O A conta de transações correntes acompanhou a evolução da balança comercial, apesar da manutenção de elevados déficits no balanço de serviços (Tabela 8.2); reduzindo, ano a ano, desde 1999, mas principalmente em 2002, os seus déficits (Gráfico 8.7). Gráfico 8.7. Transações correntes, 1994-2004 (em US$ milhões) 11.669 4.051 -1.811

1994

1995

1996

1997

1998

1999

2000

2001

2002

2003

2004

-7.757 -24.225 -18.384 -23.502

-25.335 -30.452

-23.213

-33.416

Fonte: Banco Central do Brasil.

No primeiro ano do governo Lula esses déficits foram se reduzindo, mês a mês, de forma significativa; o que proporcionou, pela primeira vez, desde 1989, o primeiro superávit em conta corrente, num montante de mais de US$ 4 bilhões. Contudo, como se verá mais adiante, esse melhor desempenho da conta de transações correntes não é garantia de redução da vulnerabilidade externa. Dada a natureza e os motivos que explicam os saldos da balança comercial, bem como, mais uma vez, a redução dos fluxos de capitais estrangeiros em 2003, a melhora conjuntural da conta corrente não é garantia de uma redução consistente da vulnerabilidade externa. 2. A revalorização do real — motivada pelo melhor desempenho da balança comercial e pela entrada de capitais especulativos e a correção das expectativas pré-eleitorais “pessimistas” dos investidores, com relação ao governo Lula — teve impacto decisivo sobre a trajetória da inflação, que, após ter-se acelerado a partir de abril de 2002 e atingir seu pico em novembro, começou a cair a partir do mês de dezembro. Esse movimento pode ser visto, sobretudo, através do IGPM, cujo comportamento é afetado de forma mais direta pelas variações cambiais (Gráfico 8.8). A partir de abril — quando começa o movimento de desvalorização do real —, a trajetória do IGP-M afastase da trajetória do IPCA (Gráfico 8.9). A associação entre as variações cambiais e variações da taxa de inflação é óbvia.

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Gráfico 8.8. Variação mensal de preços, IGP-M, 2002-2003

Fonte: Banco Central do Brasil.

Gráfico 8.9. Variação mensal de preços, IPCA, 2002-2003

Fonte: Banco Central do Brasil.

As taxas de inflação bem mais elevadas no início de 2003, quando comparadas ao mesmo período de 2002, resultaram, principalmente, da grande desvalorização do real ocorrida nos últimos meses de 2002. Também contribuiu para isso a elevação dos preços de alguns alimentos e bens intermediários, que além de pertencerem a setores que estavam no limite de suas respectivas capacidades produtivas instaladas, aumentaram a parte de suas respectivas produções exportadas. Adicionalmente, como já vem ocorrendo há algum tempo, as tarifas de luz e telefone indexadas ao IGP e ao IGP-M, e reajustadas por contratos, voltaram a pressionar a inflação. Além da revalorização do real, o aumento em 8,5 pontos porcentuais da taxa básica de juros, entre outubro de 2002 e março de 2003, também ajudou na redução dos índices inflacionários, ocorrida a partir de dezembro de 2002; em que pese a dificuldade da política monetária de impactar os preços dos bens e serviços cujos preços

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272  L U I Z F I L G U E I R A S & E D U A R D O C O S T A P I N T O estão atrelados ao mercado internacional (combustíveis) ou indexados formalmente por meio de contratos (luz e telefone). Essa taxa, juntamente com o elevado superávit fiscal primário, foi fator decisivo para deprimir o nível de atividade econômica, pois só voltou a cair, lentamente, a partir do mês de julho, encerrando o ano no montante de 16,5%. 3. A sinalização firme, do governo Lula, da manutenção da mesma política econômica adotada durante os oito anos dos governos FHC — tanto por medidas e atitudes tomadas, quanto no discurso e nos argumentos utilizados —, propiciou uma onda de menor desconfiança dos investidores. A conseqüência fez-se sentir, como já se viu, na queda do risco Brasil, na revalorização dos títulos da dívida externa e no retorno de capitais especulativos, atraídos pelas elevadas taxas de juros praticadas no Brasil, comparativamente a outros países. Assim, os investimentos estrangeiros em carteira, que se haviam se reduzido em US$ 4,8 bilhões em 2002, apresentaram saldo positivo de US$ 5,13 bilhões em 2003. No entanto, em sentido contrário, os investimentos estrangeiros diretos, mantendo a trajetória descendente iniciada em 2001, caíram de US$ 16,57 bilhões para US$ 10,14 bilhões — uma redução de quase 39% (Gráfico 8.10). 1. Já em outros aspectos da economia, como conseqüência da mesma política econômica adotada, observa-se uma espécie de contraface negativa dos indicadores acima mencionados: As atividades econômicas, voltadas para o mercado interno, tiveram desempenho ruim; o que levou o PIB e o PIB per capita a cair, em 2003, 0,2% e 1,5%, respectivamente (Gráfico 8.1). Portanto, a meta de 2,8% estabelecida no acordo com o FMI (segunda revisão) mostrou-se superestimada, tendo em vista as políticas extremamente ortodoxas postas em prática ao longo do ano de 2003. O bom desempenho da balança comercial não foi suficiente para compensar a segunda queda seguida do investimento (4,2% em 2002 e 6,6% em 2003), o baixíssimo consumo do governo (acréscimo de 0,6% em 2003) e uma queda de 3,3% no consumo das famílias (Gráfico 8.11).

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Gráfico 8.10. Brasil. Investimento estrangeiro direto e investimento estrangeiro em carteira, 1994-2003 (em US$ bilhões)

Fonte: Banco Central do Brasil.

Gráfico 8.11. Componentes da demanda. Variações (%) acumuladas nos anos de 2002 e 2003

Fonte: IBGE.

2. Acompanhando essa desaceleração da economia, a taxa média de desemprego, para a Região Metropolitana de São Paulo, atingiu 19,9% em 2003 — a maior desde o início da pesquisa em 1985 (Gráfico 8.3), chegando a alcançar, em alguns meses, 20,6% da PEA (Gráfico 8.12). Gráfico 8.12. Evolução da taxa de desemprego, RMSP-PED 2002-2003

Fonte: Seade-Dieese.

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274  L U I Z F I L G U E I R A S & E D U A R D O C O S T A P I N T O Além das taxas de desemprego, o rendimento médio dos assalariados também sofreu o impacto do baixo dinamismo da economia. Segundo o IBGE, os dados, para as seis regiões metropolitanas principais do País, indicam que esses rendimentos, que vinham caindo desde julho de 2002, continuaram a cair, sistematicamente, em 2003; portanto, mantendo uma tendência de queda que já vinha ocorrendo (Gráfico 8.13). Gráfico 8.13. Rendimento real das pessoas ocupadas, habitualmente recebido por mês (Brasil* metropolitano)

Fonte: IBGE.

O mesmo ocorreu com a massa de rendimentos que, mês a mês, comparativamente ao ano de 2002, foi sempre menor (Gráfico 8.14). Essa situação, de elevada taxa de desemprego e queda dos rendimentos médios e da massa de rendimentos, tem sido crucial para explicar o baixo consumo das famílias, dificultando enormemente, mesmo após a queda da taxa de juros, a retomada do crescimento em 2004. Gráfico 8.14. Evolução da massa de rendimentos habitualmente recebidos, mar. 2002-dez. 2003 (R$ bilhões)

Fonte: PME/IBGE.

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 275 3. Os gastos públicos, depois do corte 14,1 bilhões no início de 2003, foram administrados por conta-gotas durante todo o ano, de acordo com a meta de 4,25% de superávit fiscal primário acertada com o FMI. Isto implicou uma quase paralisia da chamada área social — motivada também por problemas de gerenciamento —, implicando atraso na implementação da maioria dos programas sociais, ainda que focalizados. Na verdade, o superávit alcançado no final do ano, de R$ 66,2 bilhões, representou 4,34% do PIB, recorde se comparado aos do governo FHC. No entanto, como neste mesmo período, o montante a ser pago pelos juros da dívida pública alcançou R$ 145 bilhões — mais do que o dobro do superávit obtido —, a dívida pública cresceu para R$ 913,1 bilhões, isto é, passou de 55,5% do PIB em 2002 para 58,2% do PIB em 2003; portanto, mantendo a tendência de crescimento que vem desde 1994 e apesar da obtenção de levados superávits a partir de 1999 (Tabela 8.4). O resultado só não foi pior porque o real voltou a se valorizar ao longo de 2003. POLÍTICA ECONÔMICA D E LULA E LIMITES D O CRESCIMENT O

Tabela 8.4. Superávit/déficit primário e dívida líquida do setor público, 1994-2004 SUPERÁVIT

(% D E Z. 1994 D E Z. 1995 D E Z. 1996 D E Z. 1997 D E Z. 1998 D E Z. 1999 D E Z. 2000 D E Z. 2001 D E Z. 2002 D E Z. 2003 D E Z. 2004

DO PIB)

5,04 0,36 –0,09 –0,91 0,01 3,28 3,50 3,70 4,01 4,25 4,61

DÍVIDA

(%

DO PIB)

30,0 30,6 33,3 34,4 41,7 48,7 48,8 52,6 55,5 57,2 51,9

SUPERÁVIT

DÍVIDA

( R$ B I)

( R$ B I)

18,2 1,7 –0,6 –8,3 0,1 31,1 38,2 43,7 52,4 66,2 81,1

153,2 208,5 269,2 308,4 385,9 516,6 563,2 660,9 881,1 913,1 957,0

Fonte: Banco Central do Brasil.

Em suma, como se pode constatar, a política econômica adotada pelo governo Lula no primeiro ano de sua gestão, não se desviou um milímetro sequer da orientação seguida pelo governo anterior. Muito pelo contrário; reafirmou no discurso e nas ações implementadas essa orientação, em especial aprofundando-a no que se refere à Reforma da Previdência e ao ajuste fiscal, que, segundo as autoridades eco-

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276  L U I Z F I L G U E I R A S & E D U A R D O C O S T A P I N T O nômicas, foi insuficientemente realizado pelos governos FHC, isto é, os superávits primários deveriam ter sido maiores!!! Os principais resultados econômicos do segundo ano do governo Lula Em 2004, segundo ano do governo Lula, não houve nenhuma alteração da política econômica, mantendo-se os seus pilares essenciais, herdados dos governos de FHC, quais sejam: metas de inflação cada vez mais apertadas, elevados superávits fiscais primários, câmbio flutuante e taxas de juros ainda muito altas, embora cadentes — até o mês de setembro, a partir do qual voltou a se elevar novamente. No entanto, a partir dos mesmos indicadores utilizados para se avaliar o desempenho no primeiro ano, pode-se observar, para 2004, melhora importante em todos eles; senão vejamos. A balança comercial elevou seu superávit em 57%, atingindo o recorde de US$ 37,7 bilhões (Gráfico 8.5); o que permitiu um superávit em toda a conta de transações correntes de US$ 11,7 bilhões (Gráfico 8.7), quase 190% de crescimento em relação a 2003 — apesar da manutenção de um elevado déficit na conta de rendas e serviços da ordem de US$ 25 bilhões. O PIB, “puxado” pelo excelente desempenho do setor externo e pelo crescimento do consumo das famílias (4,3%) e dos investimentos (10,9%), cresceu 5,2% e o PIB per capita 3,7% (Gráfico 8.1), provocando pequena queda nas taxas de desemprego — de 19,8% e 14,1% para 18,7% e 12,6% na região metropolitana de São Paulo, segundo, respectivamente, a PED (Gráfico 8.3) e a PME. A taxa de inflação de 7,6% (Tabela 8.1), medida pelo IPCA, ficou um pouco acima da meta de inflação, mas bem menor do que a de 2003 (9,3%) e, com a queda da taxa de juros, o crescimento da economia, maior arrecadação tributária do Governo e superávit fiscal primário de 4,6%, a relação dívida pública/PIB reduziu-se de 57,2% para 51,9% (Tabela 8.2). Essa melhora geral do quadro macroeconômico refletiu-se na redução dos indicadores de vulnerabilidade externa e de fragilidade financeira do setor público, amenizando, aparentemente, os dois principais problemas estruturais da economia brasileira. Desse modo, constata-se que a implementação da mesma política econômica pro-

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 277 vocou, com exceção da balança comercial, resultados bastante distintos em 2003 e 2004, deixando no ar as seguintes indagações: 1) O que mudou no cenário econômico entre esses dois anos, que propiciou resultados tão diferentes? 2) Essa melhora é conjuntural ou sinaliza para o início da solução estrutural dos dois problemas fundamentais da economia brasileira — a vulnerabilidade externa e a fragilidade financeira do setor público? Na verdade, o governo Lula tem-se beneficiado de um cenário internacional bastante favorável, que se configurou desde o último ano do governo FHC, isto é, 2002. Portanto, já há três anos, forças externas à economia brasileira — crescimento da economia americana, manutenção de elevado crescimento do PIB da China, recuperação da Argentina, início da saída da estagnação de uma década no Japão e manutenção de baixíssimas taxas de juros nos países desenvolvidos — têm impulsionado uma melhora no desempenho das economias em geral e das economias dos países periféricos em particular, praticamente sem exceção. No caso do Brasil especificamente, as desvalorizações cambiais de 1999 e 2002, juntamente com crescimento dos preços das commodities — inflados pelo crescimento mundial e, principalmente, pela demanda chinesa — e a diversificação do destino das exportações, propiciaram, em 2002, 2003 e 2004, recordes sucessivos do montante das exportações e dos saldos da conta de transações correntes. Apesar desse ambiente internacional altamente favorável nos últimos três anos, o desempenho geral da economia brasileira em 2002 e 2003, com exceção da balança comercial, foi muito ruim. Em 2002, em virtude do ataque especulativo promovido pelo capital financeiro contra a possibilidade da vitória de Lula e do Partido dos Trabalhadores, numa situação já de grande vulnerabilidade externa da economia. E, em 2003, já no governo Lula, em razão da radicalização da política econômica ortodoxa, que levou a péssimos resultados no consumo das famílias, nos investimentos das empresas e nos gastos do governo, impedindo que o desempenho do setor externo compensasse de forma importante a precária situação do mercado interno. Em suma, não há surpresas no desempenho da economia brasileira em 2004, tendo em vista o abrandamento da política monetária, numa conjuntura internacional excepcional e com o governo Lula sinalizando e garantindo, claramente, a manutenção da mesma políPOLÍTICA ECONÔMICA D E LULA E LIMITES D O CRESCIMENT O

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278  L U I Z F I L G U E I R A S & E D U A R D O C O S T A P I N T O tica econômica dos governos FHC. Isto também ocorreu no início do Plano Real em 1994-1995 e em 2000. Na verdade, os dois anos anteriores (2002 e 2003), também num ambiente internacional favorável, poderiam ter sido de crescimento mais elevado, se o manuseio da política econômica ortodoxa não tivesse impedido. No último ano (2004), todos os países da América Latina e do Caribe, com exceção do Haiti, cresceram; e crescerem a uma taxa, em geral, superior a 5%, como foram os casos da Venezuela, do México, da Argentina e do Chile, entre outros. Portanto, nessa conjuntura internacional extremamente favorável, os superávits comerciais vêm constituindo-se no elemento central que tem permitido a redução da vulnerabilidade externa nos dois primeiros anos do governo Lula. No entanto, esse quadro não desmente a base frágil em que se dá a nossa inserção internacional, tanto do ponto de vista comercial — calcada na venda de commodities e produtos de baixo valor agregado e reduzida elasticidade da demanda — quanto no que se refere a nossa dependência em relação ao capital estrangeiro, em virtude do pagamento de grande montante de juros e amortizações associados a uma elevada dívida externa. Da mesma forma, em virtude dessa situação excepcional, a fragilidade financeira do setor público foi conjunturalmente amenizada em 2004, com a redução da relação dívida/PIB. Com relação à melhora do balanço de pagamentos é essencial observar que, do ponto de vista estrutural, na década de 1990, verificou-se uma mudança desfavorável no padrão de comércio internacional — perda de competitividade das exportações manufatureiras e expansão dos produtos agrícolas para exportação10 — o que levou ao aumento da participação dos produtos com baixo valor agregado nas exportações. Os ganhos de competitividade do Brasil associados à expansão dos produtos agrícolas tendem também a significar uma incerteza crítica no processo de ajustamento das contas externas, uma vez que se amplia a deterioração dos termos das trocas comerciais. O baixo dinamismo das exportações manufatureiras, na década de 1990, demonstra o “desmantelamento do aparelho produtivo” atribuído “especialmente à apreciação cambial e às baixas taxas de investimento”. Isso, na realidade, sugere que a reestruturação produtiva com o crescimento medíocre da produção representou uma adaptação regressiva do aparelho produtivo (Gonçalves, 2000, p. 118).

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 279 Portanto, mantida a política econômica atualmente implementada, a vulnerabilidade externa e a fragilidade financeira dependem, essencialmente, de uma situação internacional muito favorável, tanto do ponto de vista comercial quanto dos fluxos de capitais. Uma piora no quadro internacional levará, muito provavelmente, ao recrudescimento tanto da vulnerabilidade externa quanto da fragilidade financeira do setor público. A trajetória, com base na experiência anterior, é amplamente conhecida: piora no cenário internacional, crise cambial por fuga de capitais, desvalorização do Real, pressões inflacionárias, elevação das taxas de juros, recessão ou estagnação do PIB, aumento do desemprego, aumento da dívida pública e da dívida externa. POLÍTICA ECONÔMICA D E LULA E LIMITES D O CRESCIMENT O

Conclusão Desde a adoção do Plano Real e da política macroeconômica que o seguiu, particularmente a partir da crise do México em dezembro de 1994, têm-se aprofundado dois problemas estruturais da economia brasileira, quais sejam: a vulnerabilidade externa do País e a fragilidade financeira das finanças públicas. As políticas econômicas liberais adotadas nos dois governos de FHC não foram capazes de alterar as tendências de baixo crescimento que prevaleceram durante os anos 1980 e início de 1990. A indústria, nesses dois períodos de governo, apresentou taxas pífias de crescimento, verificando-se ainda uma deterioração da qualidade deste incremento, uma vez que a expansão industrial esteve apoiada unicamente no segmento de bens de consumo duráveis. As restrições nos gastos públicos e as privatizações provocaram a retração dos investimentos necessários à ampliação e melhoria da infra-estrutura do País, potencializando o aparecimento de gargalos nas áreas estratégicas de energia e transporte. Ademais, o acúmulo de desequilíbrios externos, transformados em fragilidade financeira interna do setor público, e a inserção brasileira passiva no âmbito internacional semearam na economia o germe da crise financeira que vem acompanhado da ameaça recessiva (Belluzo & Almeida, 2002). Nem mesmo a mudança do regime cambial no início de 1999, a política de metas inflacionárias e um regime fiscal mais draconiano, a partir do segundo governo de FHC, conseguiram reverter, de forma estrutural, a vulnerabilidade externa da

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280  L U I Z F I L G U E I R A S & E D U A R D O C O S T A P I N T O economia e a fragilidade financeira do setor público — não abrindo espaço, portanto, para a retomada sustentada do crescimento. Em cada conjuntura específica, esses problemas podem ser mais ou menos agravados ou mais ou menos reduzidos, mas tendencialmente seguem existindo e condicionando o comportamento do conjunto da economia. A crise cambial de 2002, no final do segundo governo FHC, evidenciou isso mais uma vez; a possibilidade de vitória de Lula apenas agudizou o processo, que poderá voltar a se repetir de novo caso as condições estruturais da economia permaneçam as mesmas. Vale recordar que a partir de 1999, sempre com base nessa lógica — conforme acordo estabelecido com o FMI —, a política econômica passou a ter como objetivo fundamental a obtenção de superávits fiscais primários em montantes acima de 3% do PIB. Em 2002, último ano do governo FHC, esse superávit foi de R$ 52 bilhões (4,06% do PIB), ultrapassando até mesmo a meta fixada pelo FMI (3,88% do PIB). Apesar disso, esse superávit não conseguiu pagar nem metade dos juros da dívida, cujo montante ficou em R$ 113,9 bilhões, o que implicou, mais uma vez, o crescimento do seu principal, bem como da relação dívida pública/PIB. Esta última, que passou de 49,2% do PIB, em 1999, para 56,5% em 2002, tem limitado dramaticamente a capacidade do Estado de executar políticas sociais e impedido a adoção de políticas macroeconômicas que estimulem o crescimento (Tabela 8.4). No governo Lula, como visto anteriormente, a lógica da política econômica se manteve; materializando-se uma situação no mínimo inusitada, para um governo eleito pela esquerda. Os mercados financeiros e as instituições “multilaterais”, como FMI e Banco Mundial, que outrora repudiavam o Partido dos Trabalhadores (PT) e suas diretrizes, agora rasgam elogios entusiásticos ao novo governo, maiores até dos que os feitos ao governo FHC. Esta mudança de avaliação devese, claramente, à adesão profunda do governo Lula aos princípios da ideologia liberal, verificada pela busca incondicional da credibilidade nos “mercados”. Isto vem reduzindo a avaliação dos impactos da política econômica a um único critério, qual seja: a sua credibilidade ou aceitação pelos agentes econômicos. Nessa perspectiva, a única política aceitável é a que sinaliza para o caminho da racionalidade microeconômica e que não sofra o veto dos mercados financeiros.

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 281 Na verdade, essa dinâmica perversa — de vulnerabilidade externa da economia e instabilidade cambial, que levam ao aumento da taxa de juros e, como conseqüência, ao crescimento da dívida pública, à estagnação econômica e à elevação da taxa de desemprego — dificilmente será alterada, estruturalmente, com a obtenção de superávits fiscais, nem muito menos com as reformas liberais. O mais provável é que esse processo de transferência de renda — dos trabalhadores e do setor produtivo para o capital financeiro —, que fragiliza as finanças públicas e impede o crescimento econômico do País, continuará o seu curso, até uma nova crise e um novo acordo com o FMI. Períodos de alívio momentâneo — que dão a impressão de se estar caminhando para uma saída —, alternados por períodos mais dramáticos — como as crises cambiais de 1999 e 2002 —, fazem parte da lógica que preside esse processo; que é a lógica volátil, e de curto prazo, dos capitais financeiros. Em suma, no modelo econômico liberal, posto em prática desde o governo Collor, não há saída possível. É uma permanente fuga para frente, com a obrigação permanente de aprofundar mais ainda as mesmas políticas. A idéia de que se possa transitar para um novo modelo gradualmente é ingênua e inverossímil; a manutenção da política econômica herdada do governo FHC não cria instrumentos, condições ou espaços para se fazer qualquer tipo de transição. Ao contrário, sua dinâmica interna recria e reproduz as condições que aprofundam a fragilidade financeira do Estado; portanto, quanto mais se insiste nela, mais complicado e mais difícil fica o seu abandono. POLÍTICA ECONÔMICA D E LULA E LIMITES D O CRESCIMENT O

Notas 1 Esse texto é uma versão modificada e atualizada — com a incorporação do desempenho macroeconômico da economia brasileira no segundo ano do governo Lula — de texto apresentado, em 2004, no IX Encontro Nacional de Economia Política. 2 A crer nos documentos do Ministério da Fazenda e nos discursos das autoridades econômicas, o governo Lula acredita, piamente, na possibilidade de resolver os problemas da economia brasileira, em particular a vulnerabilidade externa e a fragilidade financeira do setor público, mediante o aprofundamento do ajuste fiscal, acompanhado pela agenda de reformas liberais — previdenciária, tributária, sindical e trabalhista — já perseguidas pelos governos de FHC e por um novo marco regulatório microeconômico, a exemplo da nova Lei de Falências. E mais, a

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LUIZ FILGUEIRAS

&

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melhora conjuntural dos indicadores macroeconômicos no segundo ano do governo Lula seria a evidência, segundo a visão oficial, de que a política adotada estaria no caminho correto. Na realidade, contudo, a observação e análise da evolução das principais variáveis macroeconômicas indicam que a dinâmica da economia nos primeiros dois anos do novo governo não mudou no essencial. Muito pelo contrário, os movimentos constatados foram bastante semelhantes aos observados durante a vigência dos governos de FHC. 3 No início mesmo de seu primeiro ano, quando da divulgação de dois documentos — “Política Econômica e Reformas Estruturais” e “Gasto Social do Governo Central: 2001 e 2002”, ambos do Ministério da Fazenda —, bem como da proposta da nova “Lei de Diretrizes Orçamentárias” para 2004, do Ministério do Planejamento, o governo Lula já não deixava dúvidas quanto à manutenção e aprofundamento das mesmas políticas econômicas do governo FHC. 4 Em contrapartida, o elevadíssimo custo social e político da alternativa, até aqui praticada, é amplamente conhecido, com o seguinte agravante: a esperança de que a radicalização do ajuste fiscal, ano a ano, leve o País a obter uma maior credibilidade internacional, que viabilize a solução de sua vulnerabilidade externa não encontra apoio na história recente do capitalismo “turbinado”, volátil e acelerado, sob a hegemonia do capital financeiro. 5 Das metas de inflação estabelecidas para os quatro anos do segundo governo FHC — 8% em 1999, 6% em 2000, 4% em 2001 e 3,5% em 2002 —, com exceção da do ano 2000, as demais não foram cumpridas, tendo as taxas de inflação apuradas pelo IPCA ficado sempre acima delas, e nos dois últimos anos essas taxas ultrapassaram a margem de variação de dois pontos porcentuais. 6 O tratamento específico para cada uma dessas reformas em si mesma, dado pelo governo Lula, infelizmente não pode ser discutido aqui, sob pena de se desviar demasiadamente do objeto principal, quais sejam, a conjuntura macroeconômica e as políticas econômicas adotadas. De qualquer forma, é importante dizer que tanto os argumentos quanto o teor das propostas apresentadas pelo governo, no que se refere às Reformas Tributária e da Previdência, são muito semelhantes ao tratamento que taiss temas tiveram no governo FHC (Filgueiras, 2003b). 7 Convém lembrar também que: “O último desses episódios é tão recente que parece incrível que possa ter sido esquecido. Há pouco mais de um ano, o quadro era o seguinte: o Brasil havia se «descolado» da Argentina, os capitais externos voltavam e o Banco Central estava permitindo apreciação perigosa do câmbio. O ministro Malan chegou a antecipar o pagamento de uma volumosa quantia ao FMI, sob o argumento de que a situação brasileira era tranqüila. . . Em questão de poucos meses, o sentimento do mercado mudou de maneira dramática. Instalou-se o pânico e o Brasil passou a ser considerado um país em estado pré-falimentar!” (Batista Jr., 2003). 8 Até mesmo com seus integrantes mais à esquerda reconhecendo

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que assumiram posições equivocadas no passado, como justificativa para a adoção de políticas que antes repudiavam. 9 O documento intitulado “Política Econômica e Reformas Estruturais”, apresentado ao FMI no início de abril, reafirmava o compromisso de se continuar obtendo superávits fiscais primários de 4,25% do PIB ao ano, até o final do governo Lula; além de apresentar simulações para a evolução da dívida pública, com base na hipótese de obtenção desse porcentual de superávit, até o ano 2011! 10 A participação na receita de exportação, em porcentagem, de produtos manufaturados caiu de 55,1%, entre 1999-1994, para 53,1%, entre 1995-1998. Já a participação dos produtos agrícolas se elevou de 29,8%, entre 1999-1994, para 33,8%, entre 1995-1998 (Gonçalves, 2000, p. 95).

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Capítulo 3

Quadro 1. Indicadores de vulnerabilidade externa e hipóteses de comportamento A seguir listam-se as hipóteses de maior ou menor vulnerabilidade externa associada ao comportamento dos indicadores. 1. Dimensão comercial Exportação de bens e serviços/PIB: Esse coeficiente expressa o grau total de abertura comercial. Ele expressa o impacto do comércio exterior como fonte de expansão da demanda agregada. Quanto mais elevado, maior é o impacto da transmissão internacional dos ciclos econômicos sobre um determinado país e, portanto, maior a vulnerabilidade externa. Crescimento real do comércio (exportação + importação) de bens e serviços — Crescimento do PIB real: Mostra o grau de integração na economia mundial numa perspectiva dinâmica. Quanto mais integrado ao sistema econômico internacional, maior a dependência vis-à-vis esse sistema e, portanto, maior a vulnerabilidade externa. Índice de concentração das exportações: O índice de HerfindahlHirschmann mostra o grau de concentração das exportações calculado para o nível de três dígitos do SITC (239 grupos de produtos). Varia de 0 a 1. Quanto mais elevado esse índice, maior tende a ser a vulnerabilidade externa do país ante oscilações de preço e quantidade no sistema mundial de comércio. Reservas internacionais líquidas [excluindo os recursos do FMI] /Importação de bens e serviços: É um indicador tradicional do grau de proteção da atividade econômica interna ante mudanças na conjuntura internacional. Taxa de crescimento de longo prazo do valor das exportações de bens (1990-2001): Expressa a competitividade internacional numa perspectiva dinâmica. A maior competitividade internacional reduz a vulnerabilidade externa no contexto de maior contestabilidade do mercado mundial. Quanto esse indicador, menor é a vulnerabilidade externa. SEGUE 285

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287

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frase?

288 

ANEXOS

2. Dimensão produtivo-tecnológica

???

Estoque de IED/PIB: É a importância do valor do estoque do investimento externo direto (IED) no País. Pode ser visto como uma proxy para o grau de desnacionalização econômica, ou seja, do controle do aparelho produtivo pelos não residentes. Tendo em vista as inúmeras fontes de poder interno e externo das empresas transnacionais, quanto mais elevado esse grau, menor é a capacidade do País de resistir a pressões externas e, portanto, maior é a vulnerabilidade externa. Estoque de IED/Exportação de bens e serviços: Considerando a existência de uma relação relativamente estável entre remessas de lucros e estoque de investimento, esse indicador mostra o comprometimento da receita de comércio exterior com o capital produtivo externo. O valor do estoque de IED no País envolve o comprometimento perpétuo de remessa de lucros. Quanto mais elevado esse indicador, maior é a vulnerabilidade externa. Estoque do IED em serviços como proporção do estoque total de IED: A maior importância relativa dos setores de non-tradeables põe o problema da necessidade de geração perpétua de divisas cor-respondente ao serviço (remessa de lucros) de empresas estrangeiras que têm receitas em moeda nacional. Essa parte do passivo externo (IED em serviços) impõe regidez nas contas externas do País. Gastos com P&D como proporção do PIB: Indicador do esforço de desenvolvimento do sistema nacional de inovações. Quanto mais forte esse sistema, maior a capacidade do País de desenvolver e adaptar tecnologias, bem como ajustar-se a rupturas do paradigma tecnológico. Pagamento de tecnologia/Gastos com P&D: O pagamento de tecnologia refere-se às compras de tecnologia no exterior. Esses pagamentos referem-se às despesas com royalties e taxas de licenciamento. Segundo os especialistas, a razão em questão pode ser vista como um indicador da capacidade de absorção da tecnologia proveniente do exterior (Hasenclever*). Quanto mais baixo esse indicador, maior é essa capacidade que, por seu turno, pode ser entendida como uma indicação da força do sistema nacional de inovações. Quanto maior essa força, mais elevada é a capacidade do País de resistência a mudanças no mundo da técnica e, portanto, menor é a vulnerabilidade tecnológica externa. Exportação de produtos intensivos em tecnologia/Exportação de manufaturados: Mostra a influência da tecnologia no padrão de comércio. Quanto mais elevado, maior é o conteúdo tecnológico e, portanto, maior é o valor agregado e o dinamismo das exportações. Indicadores crescentes implicam menor vulnerabilidade externa. SEGUE

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288

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ANEXOS

 289

3. Dimensão monetário-financeira Dívida externa total/Exportação de bens e serviços: Indicador tradicional do desequilíbrio de estoque causado pelo endividamento externo. Quanto mais elevado, maior a vulnerabilidade externa. Dívida com FMI/Dívida externa total: O FMI é um instrumento de política econômica externa dos EUA, mais especificamente, do Tesouro desse país. A maior dependência dos recursos do FMI reduz a capacidade do país de resistir às pressões do sistema financeiro internacional e do governo estadunidense. Renda líquida/Exportação de bens e serviços: Expressa a absorção da receita de exportação pelo serviço do passivo externo (juros + lucros). Quanto mais elevado, maior a vulnerabilidade externo, pois há menos divisas externas disponíveis para importação e pagamento de dívida externo. Serviço da dívida pública e garantida pelo setor público/Exportação de bens e serviços: Mostra o comprometimento das receitas de comércio exterior com a dívida externa via pagamento de juros. É um indicador tradicional de vulnerabilidade financeira externa. Ajuda externa / Importação de bens e serviços: Indicador tradicional da dependência com relação à ajuda externa. Quanto mais elevado esse indicador, maior é a capacidade de pressão dos países doadores e, portanto, maior é a vulnerabilidade do país receptor da ajuda bilateral. Quadro 2. Indicadores de vulnerabilidade externa: definições e fontes, 2002 DIMENSÃO COMERCIAL

Exportação de bens e serviços/PIB Crescimento real do comércio (exportação + importação) de bens e serviços — crescimento do PIB real Índice de concentração das exportações

FÓRMULA

FONTE

XBeS/Y

BM-WDI, 2004, pp. 238-40; pp. 186-8.

D%(XBeS + MBeS) – D%PIB

BM-WDI, 2004, pp. 306-08.

HH (Herfindahl- Unctad, 2003, pp. 389Hirschmann) 91.

Reservas internacionais líquidas (exclusive recursos do FMI)/Importação de bens e serviços

RIL/MBeS

BM-WDI, 2004, pp. 238-40; pp. 242-4; pp. 238-40.

Taxa de crescimento de longo prazo do valor das exportações de bens (1990-2001)

D%(XB)/XB

BM-WDI, 2004, pp. 194-6.

ESTIED/Y

Unctad-WIR, 2004, pp. 376-28; Unctad-WIR, 2003, pp. 278-88; BWWDI, 2004, pp. 186-8.

DIMENSÃO PRODUTIVO-REAL

Estoque de IED/PIB

SEGUE

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???

290 

ANEXOS

DIMENSÃO PRODUTIVO-REAL

FÓRMULA

FONTE

ESTIED/XBES

Unctad-WIR, 2004, pp. 376-28; Unctad-WIR, 2003, pp. 278-88; BWWDI, 2004, pp. 238-40.

INGIED/RIL

Unctad-WIR, 2004, pp. 307-8.

Gastos com pesquisa e desenvolvimento tecnológico/ PIB

GP&D/PIB

BW-WDI, 2004, pp. 298-300.

Exportação de produtos intensivos em tecnologia/Exportação de manufaturados

XIntec/XManuf

BW-WDI, 2004, pp. 298-300.

PGTED/GP&D

BW-WDI, 2004, pp. 298-300; pp. 186-8.

DET/XBeS

BW-WDI, 2004, pp. 242-4; pp. 238-40.

DIVFMI/DET

BW-WDI, 2004, pp. 244-6.

RL/XBeS

BW-WDI, 2004, pp. 240-2.

SERVDP/XBeS

BW-WDI, 2004, pp. 240-2.

AE/MBeS

BW-WDI, 2004, pp. 334-6.

Estoque de IED/Exportação de bens e serviços

Estoque de IED em serviços/Estoque de IED total

Pagamento de tecnologia/Gastos com P&D DIMENSÃO MONETÁRIO-FINANCEIRA

Dívida externa total/Exportação de bens e serviços Dívida com FMI/Dívida externa total Renda líquida/Exportação de bens e serviços Serviço da dívida pública e garantida pelo setor público/Exportação de bens e serviços Ajuda externa/Importação de bens e serviços

Fonte e notas: BM-WDI, Banco Mundial, World Development Indicators. UNCTAD-SY, United Nations Conference on Trade and Development, Statistical Yearbook. UNTAD-WIR, United Nations Conference on Trade and Development, World Investment Report.

Tabela 1. Índices: estatísticas descritivas ÍNDICE

MÉDIA

MEDIANA D E S V I O -

MÁXIMO

MÍNIMO

95,9 69,7 84,4 91,1 81,3 81,9 58,7

11,6 18,1 15,8 14,2 0,0 30,3 –81,2

PADRÃO

Índice de poder potencial (IPP) Índice de vulnerabilidade externa (IVE) Dimensão comercial (ICO) Dimensão produtivo-tecnológica (IVPT) Dimensão monetário-financeira (IVMF) Índice de poder efetivo (IPE) Índice de hiato de poder (IHP)

46,5 39,9 43,4 48,8 27,4 60,1 –22,2

43,9 39,7 42,4 49,7 22,9 60,3 –25,0

16,7 9,9 11,9 14,0 17,1 9,9 25,2

Fonte e notas: Elaboração própria. Ver texto e Quadro 2.

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???

ANEXOS

 291

Tabela 2. População, área, produto nacional bruto e índice de poder potencial: países classificados pelo índice de poder potencial PAÍS

POPULAÇÃO

(MILHÕES)

ÁREA

(MIL

K M 2)

PRODUTO

(PPP, US$ BI)

B R U TO

1. 2. 3. 4. 5. 6. 7. 8. 9. 10. 11. 12. 13. 14. 15. 16. 17. 18. 19. 20. 21. 22. 23. 24. 25. 26. 27. 28. 29. 30. 31. 32. 33. 34. 35. 36. 37. 38. 39. 40. 41. 42. 43. 44. 45. 46.

China Estados Unidos Índia Federação Russa Brasil Indonésia Japão Canadá México Alemanha Austrália França Irã Paquistão Argentina Itália Turquia Reino Unido África do Sul Egito Espanha Nigéria Tailândia Colômbia Argélia Filipinas Arábia Saudita Ucrânia Bangladesh Vietnã Polônia Coréia do Sul Etiópia Sudão Rep. Dem. do Congo Peru Venezuela Cazaquistão Malásia Marrocos Chile Romênia Tanzânia Suécia Quênia Usbequistão

1.280 288 1.049 144 174 212 127 31 101 82 20 59 66 145 36 58 70 59 45 66 41 133 62 44 31 80 22 49 136 80 39 48 67 33 52 27 25 15 24 30 16 22 35 9 31 25

9.598 9.629 3.287 17.075 8.547 1.905 378 9.971 1.958 357 7.741 552 1.648 796 2.780 301 775 243 1.221 1.001 506 924 513 1.139 2.382 300 2.150 604 144 332 313 99 1.104 2.506 2.345 1.285 912 2.725 330 447 757 238 945 450 580 447

ÍNDICE DE

NACIONAL

PODER POTENCIAL

5.792 10.414 2.778 1.165 1.300 650 3.481 907 887 2.226 539 1.609 438 284 387 1.510 438 1.574 445 253 868 106 425 269 173 356 277 234 241 185 404 808 52 57 32 130 131 84 207 111 147 145 20 230 32 41

(IP) 95,9 91,1 88,7 81,9 80,8 74,1 72,3 72,0 71,9 68,4 67,2 67,2 66,8 66,4 65,3 64,8 64,5 64,3 64,0 63,1 63,0 62,9 62,4 61,9 61,2 61,1 60,9 59,7 59,7 59,1 58,3 57,9 57,8 57,6 57,4 57,4 55,9 55,6 53,9 53,7 53,6 51,1 50,8 50,7 50,3 49,3 SEGUE

09 Fábio anexos.p65

291

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292 

ANEXOS

PAÍS

POPULAÇÃO

(MILHÕES )

ÁREA

(MIL

K M 2)

PRODUTO NACIONAL

(PPP, US$ BI)

BRUTO

47. 48. 49. 50. 51. 52. 53. 54. 55. 56. 57. 58. 59. 60. 61. 62. 63. 64. 65. 66. 67. 68. 69. 70. 71. 72. 73. 74. 75. 76. 77. 78. 79. 80. 81. 82. 83. 84. 85. 86. 87. 88. 89. 90. 91. 92. 93. 94. 95. 96.

Angola Holanda Grécia Moçambique Uganda Camarões Gana Síria Noruega Bolívia Finlândia Portugal Iêmen Equador Áustria Nepal Costa do Marfim Zimbábue Hungria Mali República Checa Madagáscar Níger Belarus Sri Lanka Tunísia Bélgica Chade Guatemala Nova Zelândia Suíça Camboja Zâmbia Paraguai Bulgária Burkina Fasso Turcomenistão Dinamarca Senegal Guiné Irlanda República Dominicana Papua Nova Guiné Omã Israel Azerbaijão Eslováquia Emirados Árabes Unidos Namíbia Honduras

13 16 11 18 25 16 20 17 5 9 5 10 19 13 8 24 17 13 10 11 10 16 11 10 19 10 10 8 12 4 7 12 10 6 8 12 5 5 10 8 4 9 5 3 7 8 5 3 2 7

1.247 42 132 802 241 475 239 185 324 1.099 338 92 528 284 84 147 322 391 93 1.240 79 587 1.267 208 66 164 31 1.284 109 271 41 181 753 407 111 274 488 43 197 246 70 49 463 310 21 87 49 84 824 112

24 458 200 18 33 30 42 59 166 21 136 181 15 43 233 33 24 28 133 10 152 12 9 55 67 63 291 8 48 81 232 25 8 25 56 13 23 164 15 16 116 54 12 33 125 25 68 77 14 17

ÍNDICE DE PODER POTENCIAL

(IP) 47,8 47,8 47,0 46,8 46,4 46,3 46,2 45,7 45,7 45,2 45,1 44,9 44,9 44,8 44,5 44,5 44,4 44,4 43,9 43,8 43,8 43,7 43,5 43,3 43,2 43,1 42,9 41,7 41,6 41,5 41,4 41,0 40,9 40,5 40,3 40,0 40,0 38,7 38,6 38,5 38,1 37,9 37,4 37,3 36,9 36,6 36,0 35,9 35,7 35,4 SEGUE

09 Fábio anexos.p65

292

25/9/2009, 17:00

ANEXOS PAÍS

POPULAÇÃO

(MILHÕES)

ÁREA

(MIL

K M 2)

PRODUTO

(PPP, US$ BI)

???

Laos Mauritânia Uruguai Botsuana Croácia Jordânia Malauí República Centro-Africana Nicarágua Mongólia Quirguízia Costa Rica Benin Lituânia Tadjiquistão El Salvador Geórgia República do Congo Panamá Haiti Ruanda Letônia Togo Eritréia Albânia Kuwait Eslovênia Gabão Serra Leoa Moldávia Burundi Líbano Armênia Macedônia Cingapura Estônia Jamaica Lesoto Suazilândia Trinidad e Tobago Guiné-Bissau Maurício Gâmbia

6 3 3 2 4 5 11 4 5 2 5 4 7 3 6 6 5 4 3 8 8 2 5 4 3 2 2 1 5 4 7 4 3 2 4 1 3 2 1 1 1 1 1

237 1.026 176 582 57 89 118 623 130 1.567 200 51 113 65 143 21 70 342 76 28 26 65 57 118 29 18 20 268 72 34 28 10 30 26 1 45 11 30 17 5 36 2 11

ÍNDICE DE

NACIONAL BRUTO

97. 98. 99. 100. 101. 102. 103. 104. 105. 106. 107. 108. 109. 110. 111. 112. 113. 114. 115. 116. 117. 118. 119. 120. 121. 122. 123. 124. 125. 126. 127. 128. 129. 130. 131. 132. 133. 134. 135. 136. 137. 138. 139.

 293 PODER POTENCIAL

9 5 26 13 45 22 6 4 13 4 8 34 7 35 6 31 12 3 18 13 10 21 7 4 16 41 36 7 3 7 4 20 10 13 99 16 10 5 5 12 1 13 2

(IP) 35,0 34,6 34,5 34,2 34,0 34,0 33,9 33,5 33,4 33,4 33,1 32,6 32,2 32,2 31,8 31,1 31,0 30,4 30,3 30,3 29,1 28,5 28,3 27,8 26,6 26,5 26,4 26,1 26,1 25,5 25,5 25,1 25,0 23,6 23,0 23,0 21,6 20,7 15,5 14,5 12,3 11,6 10,7

Fonte e notas: Elaboração do autor com base em Banco Mundial, 2004, tabela 1.1, pp. 14-6. Dados para 2002. Em virtude da falta de dados concretos foram excluídos treze países: Afeganistão, Bósnia-Herzegovina, Hong Kong (China), Cuba, Iraque, República Democrática da Coréia, Libéria, Líbia, Mianmar, Porto Rico, Sérvia e Montenegro, Somália e West Bank e Gaza. A metodologia usada no cálculo do IPP é apresentada no texto.

09 Fábio anexos.p65

293

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09 Fábio anexos.p65

84,4 72,6 71,1 69,6 66,5 66,4 65,3 62,7 62,6 61,5 60,3 60,1 58,9 58,6 58,5 57,4 53,4 53,2 53,2 52,2 51,7 51,4 49,9 49,8 49,8 49,5

49,5 49,4 49,1 48,8

Azerbaijão Moldávia Camboja Arábia Saudita Mongólia Zâmbia Gabão Bulgária Burundi Papua Nova Guiné Ucrânia Geórgia Suazilândia Síria Guiné Estônia Rep. Dominicana Malauí Irã Gana Lituânia Irlanda Eslováquia Ruanda Macedônia Maurício

Hungria Bélgica Omã Armênia

27. 28. 29. 30.

(IVCO)

294

25/9/2009, 17:00

27. 28. 29. 30.

1. 2. 3. 4. 5. 6. 7. 8. 9. 10. 11. 12. 13. 14. 15. 16. 17. 18. 19. 20. 21. 22. 23. 24. 25. 26.

COMERCIAL

1. 2. 3. 4. 5. 6. 7. 8. 9. 10. 11. 12. 13. 14. 15. 16. 17. 18. 19. 20. 21. 22. 23. 24. 25. 26.

PAÍSES

91,1 77,4 74,4 73,0 70,8 70,5 69,7 69,5 69,4 69,3 68,5 67,7 67,1 65,4 65,3 65,2 65,0 63,4 62,6 61,8 60,8 60,7 58,7 58,1 57,9 57,9

57,7 57,3 56,8 56,6

Marrocos Senegal Madagáscar Quirguízia

(IVPT)

PROD.-TÉCN.

Nicarágua Trinidad e Tobago Chile Azerbaijão Zâmbia Uganda Ruanda Bolívia El Salvador Armênia Rep. Dominicana Panamá Moçambique Equador Peru Jamaica Irlanda Togo Egito Macedônia Estônia Nigéria Bélgica Paraguai Benin Nova Zelândia

PAÍSES

27. 28. 29. 30.

1. 2. 3. 4. 5. 6. 7. 8. 9. 10. 11. 12. 13. 14. 15. 16. 17. 18. 19. 20. 21. 22. 23. 24. 25. 26.

Senegal Guiné Papua Nova Guiné Jamaica

Burundi Zâmbia Ruanda Burkina Fasso Sudão Uruguai Brasil Uganda Nicarágua Argentina Etiópia Moçambique Madagáscar Malauí Turquia Tanzânia Laos Paquistão Peru Colômbia Bolívia Quirguízia Equador Azerbaijão Geórgia Líbano

PAÍSES

41,3 40,7 37,5 37,0

81,3 71,8 70,5 67,5 58,9 58,5 57,7 56,8 56,7 53,5 53,3 51,1 51,0 50,4 49,8 48,8 48,5 46,7 46,5 45,9 45,2 44,6 42,2 42,1 41,9 41,8

(IVMF)

MONET-FINAN.

27. 28. 29. 30.

1. 2. 3. 4. 5. 6. 7. 8. 9. 10. 11. 12. 13. 14. 15. 16. 17. 18. 19. 20. 21. 22. 23. 24. 25. 26.

69,7 66,5 66,2 63,3 61,8 53,8 52,4 52,1 51,7 51,4 51,1 51,0 50,5 50,1 50,0 49,8 49,1 49,1 48,9 48,3 48,1 48,0 47,6 47,5 46,9 46,4

46,3 46,3 45,5 45,5

Geórgia Macedônia Peru Guiné

IVE

Zâmbia Azerbaijão Burundi Ruanda Nicarágua Uganda Moçambique Equador Armênia Sudão Uruguai Bolívia Malauí Jamaica Burkina Fasso Moldávia Brasil Argentina Quirguízia Bulgária Madagáscar Rep. Dominicana Papua Nova Guiné Senegal Mongólia Trinidad e Tobago

PAÍSES

Tabela 3. Vulnerabilidade externa: dimensões comercial, produtivo-tecnológica e monetário-financeira. Países em ordem decrescente dos índices

294  ANEXOS

27. 28. 29. 30. 31. 32. 33. 34. 35. 36. 37. 38. 39. 40. 41. 42. 43. 44. 45. 46. 47. 48. 49. 50. 51. 52. 53. 54. 55. 56. 57. 58.

22. 23. 24. 25. 26.

Hungria Bélgica Omã Armênia Equador Costa do Marfim Uruguai África do Sul Jamaica República Checa Paraguai Croácia Nigéria Noruega Venezuela Suíça Argentina Letônia Holanda Quirguízia Malásia Quênia Sudão Turquia Panamá Senegal Trinidad e Tobago Romênia Tunísia Áustria Finlândia Suécia

Irlanda Eslováquia Ruanda Macedônia Maurício

49,5 49,4 49,1 48,8 48,7 48,7 48,4 48,2 48,0 47,9 47,8 47,7 47,4 47,3 46,0 46,0 45,9 45,9 45,4 45,3 45,3 44,7 44,2 44,0 44,0 43,7 43,3 42,8 42,7 42,5 42,4 42,3

51,4 49,9 49,8 49,8 49,5

27. 28. 29. 30. 31. 32. 33. 34. 35. 36. 37. 38. 39. 40. 41. 42. 43. 44. 45. 46. 47. 48. 49. 50. 51. 52. 53. 54. 55. 56. 57. 58.

22. 23. 24. 25. 26.

Marrocos Senegal Madagáscar Quirguízia Letônia Colômbia Espanha Sri Lanka Burundi Cazaquistão Guatemala Tunísia Tailândia Albânia Dinamarca Suíça Suazilândia Honduras Portugal Bulgária Polônia Maurício Brasil Síria Sudão Paquistão Costa do Marfim Moldávia África do Sul Lituânia Holanda Burkina Fasso

Nigéria Bélgica Paraguai Benin Nova Zelândia

57,7 57,3 56,8 56,6 56,5 56,4 56,3 55,7 54,9 54,8 54,6 54,5 53,3 53,3 53,0 52,8 52,6 52,6 52,6 52,3 52,1 51,9 51,4 51,2 51,1 51,1 50,7 50,5 50,5 49,7 49,7 49,6

60,7 58,7 58,1 57,9 57,9

27. 28. 29. 30. 31. 32. 33. 34. 35. 36. 37. 38. 39. 40. 41. 42. 43. 44. 45. 46. 47. 48. 49. 50. 51. 52. 53. 54. 55. 56. 57. 58.

22. 23. 24. 25. 26.

Senegal Guiné Papua Nova Guiné Jamaica Armênia Costa do Marfim Benin Gana Indonésia Gabão Marrocos Nepal Ucrânia Bulgária Honduras Venezuela Togo Mongólia Macedônia Jordânia Tunísia Moldávia Quênia Bangladesh Sri Lanka Nigéria Camboja Federação Russa Croácia Panamá Chile El Salvador

Quirguízia Equador Azerbaijão Geórgia Líbano

41,3 40,7 37,5 37,0 36,9 36,6 36,5 34,9 33,6 31,7 30,9 30,7 30,7 29,9 29,3 28,6 27,4 27,4 27,2 27,1 26,7 26,5 25,9 25,5 24,9 24,8 24,3 23,7 23,2 23,0 22,9 22,9

44,6 42,2 42,1 41,9 41,8

27. 28. 29. 30. 31. 32. 33. 34. 35. 36. 37. 38. 39. 40. 41. 42. 43. 44. 45. 46. 47. 48. 49. 50. 51. 52. 53. 54. 55. 56. 57. 58.

22. 23. 24. 25. 26.

Geórgia Macedônia Peru Guiné Camboja Costa do Marfim Irlanda Benin Gana Turquia Panamá Nigéria El Salvador Estônia Colômbia Síria Togo Chile Tanzânia Paquistão Ucrânia Gabão Tunísia Venezuela Sri Lanka Laos Paraguai Lituânia Honduras Marrocos Suazilândia Croácia

Rep. Dominicana Papua Nova Guiné Senegal Mongólia Trinidad e Tobago

09 Fábio anexos.p65

295

25/9/2009, 17:00

SEGUE

46,3 46,3 45,5 45,5 45,5 45,3 45,3 45,2 45,1 45,0 44,9 44,3 44,3 44,3 44,1 44,1 44,0 43,4 43,2 42,8 42,6 41,4 41,3 40,7 40,5 40,4 40,1 40,0 39,9 39,7 39,7 39,2

48,0 47,6 47,5 46,9 46,4

ANEXOS

 295

09 Fábio anexos.p65

59. 60. 61. 62. 63. 64. 65. 66. 67. 68. 69. 70. 71. 72. 73. 74. 75. 76. 77. 78. 79. 80. 81. 82. 83.

84. 85. 86. 87.

41,6 41,5 41,2 41,2 40,7 40,6 40,1 39,9 39,9 39,7 39,6 39,0 38,7 38,4 38,3 38,1 38,0 37,8 37,7 37,6 37,5 37,4 37,2 36,7 36,6

36,6 36,6 36,5 36,3

84. Etiópia 85. Bangladesh 86. Portugal 87. França

(IVCO)

COMERCIAL

59. Botsuana 60. Dinamarca 61. Benin 62. Togo 63. Sri Lanka 64. El Salvador 65. Alemanha 66. Polônia 67. Coréia do Sul 68. Eslovênia 69. Filipinas 70. Moçambique 71. Nova Zelândia 72. Bolívia 73. Tailândia 74. Brasil 75. Grécia 76. México 77. Honduras 78. Nicarágua 79. Federação Russa 80. Costa Rica 81. Canadá 82. Espanha 83. Madagáscar

PAÍSES

296

25/9/2009, 17:00

França Áustria Itália Eslovênia

Tanzânia Gana Eslováquia Argentina Romênia Malauí República Checa Venezuela Malásia Hungria Croácia Mongólia Uruguai México Costa Rica Austrália Papua Nova Guiné Reino Unido Líbano Turquia Camboja Botsuana Laos China Arábia Saudita

PAÍSES

39,8 38,5 38,4 38,0

49,6 48,2 48,0 47,9 47,9 47,8 47,6 47,5 47,5 47,3 46,8 46,7 46,4 46,4 46,1 45,1 43,9 41,8 41,8 41,2 41,1 41,0 41,0 40,5 40,0

(IVPT)

PROD.-TÉCN.

84. 85. 86. 87.

59. 60. 61. 62. 63. 64. 65. 66. 67. 68. 69. 70. 71. 72. 73. 74. 75. 76. 77. 78. 79. 80. 81. 82. 83.

Austrália Hungria Letônia Estônia

Romênia Síria Rep. Dominicana Egito Guatemala Cazaquistão Eslovênia México Irlanda Omã Coréia do Sul Lituânia Costa Rica Trinidad e Tobago Índia Albânia Polônia Tailândia África do Sul Belarus Filipinas Nova Zelândia República Checa Botsuana Malásia

PAÍSES

15,3 15,2 14,9 14,7

22,9 22,6 22,2 22,1 21,9 21,6 20,9 20,0 19,4 19,3 18,8 18,6 18,6 18,3 18,3 18,0 17,2 16,8 16,8 16,6 16,6 16,5 15,9 15,5 15,3

(IVMF)

MONET-FINAN.

84. 85. 86. 87.

59. 60. 61. 62. 63. 64. 65. 66. 67. 68. 69. 70. 71. 72. 73. 74. 75. 76. 77. 78. 79. 80. 81. 82. 83.

Portugal Líbano Quênia Eslovênia

Letônia Arábia Saudita África do Sul Bélgica Maurício Romênia Nova Zelândia Eslováquia Egito Hungria República Checa Polônia Cazaquistão Etiópia Guatemala Tailândia Malásia Albânia México Dinamaarca Indonésia Espanha Holanda Costa Rica Suíça

PAÍSES

33,8 33,3 32,9 32,9

39,1 39,1 38,5 38,3 38,2 37,9 37,7 37,5 37,4 37,3 37,1 36,4 36,3 36,2 36,2 36,2 36,0 35,0 34,7 34,6 34,5 34,5 34,4 34,0 33,9

IVE

Tabela 3. Vulnerabilidade externa: dimensões comercial, produtivo-tecnológica e monetário-financeira. Países em ordem decrescente dos índices (cont.)

296  ANEXOS

84. Etiópia 85. Bangladesh 86. Portugal 87. França 88. Reino Unido 89. Belarus 90. Itália 91. Uganda 92. Albânia 93. Indonésia 94. Austrália 95. Burkina Fasso 96. Chile 97. Cazaquistão 98. Israel 99. Guatemala 100. Laos 101. Tanzânia 102. Japão 103. Paquistão 104. Marrocos 105. Jordânia 106. Colômbia 107. Egito 108. Estados Unidos 109. Peru 110. China 111. Nepal 112. Líbano 113. Índia

80. Costa Rica 81. Canadá 82. Espanha 83. Madagáscar

36,6 36,6 36,5 36,3 35,0 34,6 34,4 34,1 33,8 33,8 33,3 32,9 32,9 32,5 32,3 32,2 31,6 31,3 31,3 30,6 30,5 30,2 30,0 27,6 27,2 24,6 19,2 16,6 16,2 15,8

37,4 37,2 36,7 36,6

84. 85. 86. 87. 88. 89. 90. 91. 92. 93. 94. 95. 96. 97. 98. 99. 100. 101. 102. 103. 104. 105. 106. 107. 108. 109. 110. 111. 112. 113.

80. 81. 82. 83.

França Áustria Itália Eslovênia Grécia Nepal Guiné Jordânia Ucrânia Geórgia Indonésia Canadá Alemanha Banglsdesh Federação Russa Belarus Suécia Estados Unidos Índia Noruega Omã Quênia Gabão Irã Finlândia Japão Israel Etiópia Filipinas Coréia do Sul

Botsuana Laos China Arábia Saudita

39,8 38,5 38,4 38,0 37,8 37,8 37,4 37,2 36,8 36,8 36,2 34,7 34,3 34,1 33,7 32,6 31,9 31,0 30,7 30,3 29,2 28,1 27,2 25,9 25,9 22,9 19,1 18,9 16,4 14,2

41,0 41,0 40,5 40,0

84. 85. 86. 87. 88. 89. 90. 91. 92. 93. 94. 95. 96. 97. 98. 99. 100. 101. 102. 103. 104. 105. 106. 107. 108. 109. 110. 111. 112. 113.

80. 81. 82. 83.

Austrália Hungria Letônia Estônia Eslováquia Paeaguai China Maurício Israel Portugal Irã Grécia Canadá Espanha Itália Dinamarca Áustria Suécia Holanda Finlândia Alemanha Estados Unidos Suazilândia Arábia Saudita Noruega Bélgica França Reino Unido Suíça Japão

Nova Zelândia República Checa Botsuana Malásia

15,3 15,2 14,9 14,7 14,5 14,2 13,4 13,2 13,2 12,3 11,3 11,2 10,8 10,5 10,2 9,5 8,7 8,6 8,2 8,2 8,1 7,9 7,6 7,6 7,3 6,9 5,9 3,4 2,8 0

16,5 15,9 15,5 15,3

84. 85. 86. 87. 88. 89. 90. 91. 92. 93. 94. 95. 96. 97. 98. 99. 100. 101. 102. 103. 104. 105. 106. 107. 108. 109. 110. 111. 112. 113.

80. 81. 82. 83.

Portugal Líbano Quênia Eslovênia Botsuana Omã Bangladesh Federação Russa Jordânia Austrália Irã Áustria Grécia Nepal Noruega Belarus Itália Canadá Suécia Alemanha França Reino Unido Finlândia China Coréia do Sul Filipinas Estados Unidos Índia Israel Japão

Espanha Holanda Costa Rica Suíça

33,8 33,3 32,9 32,9 32,7 32,5 32,1 31,6 31,5 31,2 30,1 29,9 29,0 28,4 28,3 27,9 27,7 27,6 27,6 27,5 27,3 26,7 25,5 24,4 24,3 24,2 22,0 21,6 21,5 18,1

34,5 34,4 34,0 33,9

ANEXOS

09 Fábio anexos.p65

297

 297

25/9/2009, 17:00

09 Fábio anexos.p65

China Estados Unidos Índia Federação Russa Brasil Indonésia Japão Canadá México Alemanha Austrália França Irã Paquistão Argentina Itália Turquia Reino Unido África do Sul Egito Espanha Nigéria Tailândia Colômbia Filipinas Arábia Saudita

Ucrânia Bangladesh Polônia Coréia do Sul

1. 2. 3. 4. 5. 6. 7. 8. 9. 10. 11. 12. 13. 14. 15. 16. 17. 18. 19. 20. 21. 22. 23. 24. 25. 26.

27. 28. 29. 30.

PAÍS

298

25/9/2009, 17:00

59,7 59,7 58,3 57,9

95,9 91,1 88,7 81,9 80,8 74,1 72,3 72,0 71,9 68,4 67,2 67,2 66,8 66,4 65,3 64,8 64,5 64,3 64,0 63,1 63,0 62,9 62,4 61,9 61,1 60,9 1. 2. 3. 4. 5. 6. 7. 8. 9. 10. 11. 12. 13. 14. 15. 16. 17. 18. 19. 20. 21. 22. 23. 24. 25. 26.

27. 28. 29. 30.

Geórgia Macedônia Peru Camboja

Zâmbia Azerbaidjão Burundi Ruanda Nicarágua Uganda Moçambique Equador Armênia Sudão Uruguai Bolívia Malauí Jmaica Burkina Fasso Moldávia Brasil Argentina Quirguízia Bulgária Madagáscar Rep. Dominicana Papua Nova Guiné Senegal Mongólia Trinidad e Tobago

46,3 46,3 45,5 45,5

69,7 66,5 66,2 63,3 61,8 53,8 52,4 52,1 51,7 51,4 51,1 51,0 50,5 50,1 50,0 49,8 49,1 49,1 48,9 48,3 48,1 48,0 47,6 47,5 46,9 46,4

( IVE )

( IPP )

VULNERABILIDADE EXTERNA

PAÍS

POTENCIAL

PODER

27. 28. 29. 30.

1. 2. 3. 4. 5. 6. 7. 8. 9. 10. 11. 12. 13. 14. 15. 16. 17. 18. 19. 20. 21. 22. 23. 24. 25. 26.

Quênia Eslovênia Líbano Portugal

Japão Israel Índia Estados Unidos Filipinas Coréia do Sul China Finlândia Reino Unido França Alemanha Canadá Suécia Itália Belarus Noruega Nepal Grécia Áustria Irã Austrália Jordânia Federação Russa Bangladesh Omã Botsuana

PAÍS

1. 2. 3. 4. 5. 6. 7. 8. 9. 10. 11. 12. 13. 14. 15. 16. 17. 18. 19. 20. 21. 22. 23. 24. 25. 26.

67,1 67,1 66,7 66,2

27. 28. 29. 30.

Irã Chile Alemanha Venezuela

Brasil Zâmbia Argentina China Federação Russa Sudão Turquia Estados Unidos Paquistão Indonésia Índia Nigéria Colômbia México Azerbaidjão Peru África do Sul Ucrânia Egito Uganda Arábia Saudita Canadá Moçambique Tailândia Austrália Espanha

–4,4 –5,3 –5,7 –5,8

58,7 34,8 28,3 26,8 19,8 18,5 17,3 16,8 16,1 13,2 13,2 12,9 10,7 10,2 9,2 5,3 4,1 4,1 0,9 0,4 0 –0,5 –1,7 –2,3 –2,3 –3,8

( IHP )

81,9 78,5 78,4 78,0 75,8 75,7 75,6 74,5 73,3 72,7 72,5 72,4 72,4 72,3 72,1 71,7 71,6 71,0 70,1 69,9 68,8 68,5 68,4 67,9 67,5 67,3

PODER

HIATO DE

( IPE )

PAÍS

EFETIVO

PODER

Tabela 4. Poder potencial, vulnerabilidade externa, poder efetivo e hiato de poder: ordenação segundo o valor dos índices

298  ANEXOS

27. 28. 29. 30. 31. 32. 33. 34. 35. 36. 37. 38. 39. 40. 41. 42. 43. 44. 45. 46. 47. 48. 49. 50. 51. 52. 53. 54. 55. 56. 57. 58.

22. 23. 24. 25. 26.

Ucrânia Bangladesh Polônia Coréia do Sul Etiópia Sudão Peru Venezuela Cazaquistão Malásia Marrocos Chile Romênia Tanzânia Suécia Quênia Holanda Grécia Moçambique Uganda Gana Síria Noruega Bolívia Finlândia Portugal Equador Áustria Nepal Costa do Marfim Hungria República Checa

Nigéria Tailândia Colômbia Filipinas Arábia Saudita

59,7 59,7 58,3 57,9 57,8 57,6 57,4 55,9 55,6 53,9 53,7 53,6 51,1 50,8 50,7 50,3 47,8 47,0 46,8 46,4 46,2 45,7 45,7 45,2 45,1 44,9 44,8 44,5 44,5 44,4 43,9 43,8

62,9 62,4 61,9 61,1 60,9

27. 28. 29. 30. 31. 32. 33. 34. 35. 36. 37. 38. 39. 40. 41. 42. 43. 44. 45. 46. 47. 48. 49. 50. 51. 52. 53. 54. 55. 56. 57. 58.

22. 23. 24. 25. 26.

Geórgia Macedônia Peru Camboja Guiné Costa do Marfim Irlanda Benin Gana Turquia Panamá Nigéria El Salvador Estônia Colômbia Síria Togo Chile Tanzânia Paquistão Ucrânia Gabão Tunísia Venezuela Sri Lanka Laos Paraguai Lituânka Honduras Marrocos Suazilândia Croácia

Rep. Dominicana Papua Nova Guiné Senegal Mongólia Trinidad e Tobago

46,3 46,3 45,5 45,5 45,5 45,3 45,3 45,2 45,1 45,0 44,9 44,3 44,3 44,3 44,1 44,1 44,0 43,4 43,2 42,8 42,6 41,4 41,3 40,7 40,5 40,4 40,1 40,0 39,9 39,7 39,7 39,2

48,0 47,6 47,5 46,9 46,4

27. 28. 29. 30. 31. 32. 33. 34. 35. 36. 37. 38. 39. 40. 41. 42. 43. 44. 45. 46. 47. 48. 49. 50. 51. 52. 53. 54. 55. 56. 57. 58.

22. 23. 24. 25. 26.

Quênia Eslovênia Líbano Portugal Suíça Costa Rica Holanda Indonésia Espanha Dinamarca México Albânia Malásia Tailândia Etiópia Guatemala Cazaquistão Polônia República Checa Hungria Egito Eslováquia Nova Zelândia Romênia Maurício Bélgica África do Sul Arábia Saudita Letônia Croácia Marrocos Suazilândia

Jordânia Federação Russa Bangladesh Omã Botsuana

67,1 67,1 66,7 66,2 66,1 66,0 65,6 65,5 65,5 65,4 65,3 65,0 64,0 63,8 63,8 63,8 63,7 63,6 62,9 62,7 62,6 62,5 62,3 62,1 61,8 61,7 61,5 60,9 60,9 60,8 60,3 60,3

68,5 68,4 67,9 67,5 67,3

27. 28. 29. 30. 31. 32. 33. 34. 35. 36. 37. 38. 39. 40. 41. 42. 43. 44. 45. 46. 47. 48. 49. 50. 51. 52. 53. 54. 55. 56. 57. 58.

22. 23. 24. 25. 26.

Irã Chile Alemanha Venezuela Equador França Bolívia Polônia Etiópia Itália Tanzânia Marrocos Japão Bangladesh Reino Unido Nicarágua Cazaquistão Madagáscar Malásia Gana Romênia Síria Costa do Marfim Filipinas Burkina Fasso Ruanda Bulgária Coréia do Sul Burundi Camboja Quênia Senegal

Canadá Moçambique Tailândia Austrália Espanha

09 Fábio anexos.p65

299

25/9/2009, 17:00

SEGUE

–4,4 –5,3 –5,7 –5,8 –6,5 –7,5 –7,7 –8,3 –9,3 –10,4 –10,5 –10,9 –11,8 –12,1 –12,2 –12,5 –12,7 –15,7 –15,7 –15,8 –17,7 –18,2 –18,8 –19,4 –20,0 –20,7 –22,1 –23,5 –24,5 –24,8 –25,0 –26,5

–0,5 –1,7 –2,3 –2,3 –3,8

ANEXOS

 299

09 Fábio anexos.p65

Madagáscar Belarus Sri Lanka Tunísia Bélgica Guatemala Nova Zelândia Suíça Camboja Zâmbia Paraguai Bulgária Burkina Fasso Dinamarca Senegal Guiné Irlanda Rep. Dominicana Papua Nova Guiné Omã Israel Azerbaidjão Eslováquia Honduras Laos

Uruguai Botsuana Croácia Jordânia

59. 60. 61. 62. 63. 64. 65. 66. 67. 68. 69. 70. 71. 72. 73. 74. 75. 76. 77. 78. 79. 80. 81. 82. 83.

84. 85. 86. 87.

PAÍS

300

25/9/2009, 17:00

34,5 34,2 34,0 34,0

43,7 43,3 43,2 43,1 42,9 41,6 41,5 41,4 41,0 40,9 40,5 40,3 40,0 38,7 38,6 38,5 38,1 37,9 37,4 37,3 36,9 36,6 36,0 35,4 35,0 59. 60. 61. 62. 63. 64. 65. 66. 67. 68. 69. 70. 71. 72. 73. 74. 75. 76. 77. 78. 79. 80. 81. 82. 83.

84. 85. 86. 87.

Portugal Líbano Quênia Eslovênia

Arábia Saudita Letônia África do Sul Bélgica Maurício Romênia Nova Zelândia Eslováquia Egito Hungria República Checa Polônia Cazaquistão Tailândia Etiópia Guatemala Malásia Albânia México Dinamarca Indonésia Espanha Holanda Costa Rica Suíça

33,8 33,3 32,9 32,9

39,1 39,1 38,5 38,3 38,2 37,9 37,7 37,5 37,4 37,3 37,1 36,4 36,3 36,2 36,2 36,2 36,0 35,0 34,7 34,6 34,5 34,5 34,4 34,0 33,9

( IVE )

( IPP )

VULNERABILIDADE EXTERNA

PAÍS

POTENCIAL

PODER

84. 85. 86. 87.

59. 60. 61. 62. 63. 64. 65. 66. 67. 68. 69. 70. 71. 72. 73. 74. 75. 76. 77. 78. 79. 80. 81. 82. 83.

Camboja Guiné Geórgia Macedônia

Honduras Lituânia Paraguai Laos Sri Lanka Venezuela Tunísia Gabão Ucrãnia Paquistão Tanzânia Chile Togo Colômbia Síria Nigéria El Salvador Estônia Panamá Turquia Gana Benin Costa do Marfim Irlanda Peru

PAÍS

54,5 54,5 53,7 53,7

60,1 60,0 59,9 59,6 59,5 59,3 58,7 58,6 57,4 57,2 56,8 56,6 56,0 55,9 55,9 55,7 55,7 55,7 55,1 55,0 54,9 54,8 54,7 54,7 54,5

( IPE )

EFETIVO

PODER

84. Belarus 85. Dinamarca 86. Honduras 87. Benin

–39,8 –40,8 –41,1 –41,2

–26,5 –27,1 –27,1 –27,4 –28,6 –29,3 –29,4 –29,9 –30,0 –30,4 –30,4 –30,4 –31,6 –32,2 –32,4 –33,4 –33,8 –34,8 –35,3 –36,3 –36,5 –37,1 –37,4 –37,8 –39,5

( IHP )

PODER

HIATO DE

59. Tunísia 60. Rep. Dominicana 61. Holanda 62. Sri Lanka 63. Papua Nova Guiné 64. Guiné 65. Uruguai 66. Hungria 67. Suécia 68. República Checa 69. Irlanda 70. Bélgica 71. Malauí 72. Portugal 73. Paraguai 74. Nova Zelândia 75. Grécia 76. Guatemala 77. Quirguízia 78. Noruega 79. Áustria 80. Mongólia 81. Suíça 82. Nepal 83. Finlândia

PAÍS

Tabela 4. Poder potencial, vulnerabilidade externa, poder efetivo e hiato de poder: ordenação segundo o valor dos índices

300  ANEXOS

84. 85. 86. 87. 88. 89. 90. 91. 92. 93. 94. 95. 96. 97. 98. 99. 100. 101. 102. 103. 104. 105. 106. 107. 108. 109. 110. 111. 112. 113.

80. 81. 82. 83.

Uruguai Botsuana Croácia Jordânia Malauí Nicarágua Mongólia Quirguízia Costa Rica Benin Lituânia El Salvador Geórgia Panamá Ruanda Letônia Togo Albânia Eslovênia Gabão Burundi Moldávia Líbano Armênia Macedônia Estônia Jamaica Suazilândia Trinidad e Tobago Maurício

Azerbaidjão Eslováquia Honduras Laos

34,5 34,2 34,0 34,0 33,9 33,4 33,4 33,1 32,6 32,2 32,3 31,1 31,0 30,3 29,1 28,5 28,3 26,6 26,4 26,1 25,5 25,5 25,1 25,0 23,6 23,0 21,6 15,5 14,5 11,6

36,6 36,0 35,4 35,0

84. 85. 86. 87. 88. 89. 90. 91. 92. 93. 94. 95. 96. 97. 98. 99. 100. 101. 102. 103. 104. 105. 106. 107. 108. 109. 110. 111. 112. 113.

80. 81. 82. 83.

Portugal Líbano Quênia Eslovênia Botsuana Omã Bangladesh Federação Russa Jordânia Austrália Irã Áustria Grécia Nepal Noruega Belarus Itália Canadá Suécia Alemanha França Reino Unido Finlândia China Coréia do Sul Filipinas Estados Unidos Índia Israel Japão

Espanha Holanda Costa Rica Suíça

33,8 33,3 32,9 32,9 32,7 32,5 23,1 31,6 31,5 31,2 30,1 29,9 29,9 28,4 28,3 27,9 27,7 27,6 27,6 27,5 27,3 26,7 25,5 24,4 24,3 24,2 22,0 21,6 21,5 18,1

34,5 34,4 34,0 33,9

84. 85. 86. 87. 88. 89. 90. 91. 92. 93. 94. 95. 96. 97. 98. 99. 100. 101. 102. 103. 104. 105. 106. 107. 108. 109. 110. 111. 112. 113.

80. 81. 82. 83.

Camboja Guiné Geórgia Macedônia Trinidad e Tobago Mongólia Senegal Papua Nova Guiné Rep. Dominicana Madagáscar Bulgária Quirguízia Brasil Argentina Moldávia Burkina Fasso Jamaica Malauí Bolívia Uruguai Sudão Armênia Equdor Moçambique Uganda Nicarágua Ruanda Burundi Azerbaidjão Zâmbia

Benin Costa do Marfim Irlanda Peru

54,5 54,5 53,7 53,7 53,6 53,1 52,5 52,4 52,0 51,9 51,7 51,1 50,9 50,9 50,2 50,0 49,9 49,5 49,0 48,9 48,6 48,3 47,9 47,6 46,2 38,2 36,7 33,8 33,5 30,3

54,8 54,7 54,7 54,5

84. Belarus 85. Dinamarca 86. Honduras 87. Benin 88. Laos 89. Geórgia 90. Eslováquia 91. Croácia 92. El Salvador 93. Omã 94. Panamá 95. Lituânia 96. Armênia 97. Moldávia 98. Botsuana 99. Togo 100. Jordânia 101. Costa Rica 102. Israel 103. Letônia 104. Gabão 105. Macedônia 106. Jamaica 107. Estônia 108. Albânia 109. Eslovênia 110. Líbano 111. Trinidad e Tobago 112. Suazilândia 113. Maurício

80. Mongólia 81. Suíça 82. Nepal 83. Finlândia

–39,8 –40,8 –41,1 –41,2 –41,3 –42,3 –42,4 –44,0 –44,1 –44,7 –45,0 –46,3 –48,2 —49,2 –49,2 –49,4 –50,4 –50,6 –53,0 –53,2 –55,4 –56,1 –56,7 –58,7 –59,1 –60,7 –62,4 –73,0 –74,3 –81,2

–37,1 –37,4 –37,8 –39,5

ANEXOS

09 Fábio anexos.p65

301

 301

25/9/2009, 17:00

09 Fábio anexos.p65

302

25/9/2009, 17:00

Capítulo 7

09 Fábio anexos.p65

303

25/9/2009, 17:00

09 Fábio anexos.p65

304

26,28 7,01 9,73 9,54 –2,86 –0,84 –1,33 –0,69 1,50 0,54 0,20 0,76 –1,36 –0,29 –1,14 0,07

Juros Nominais Governo central e Bacen Estados e municípios Empresas estatais4

Resultado primário Governo central e Bacen Estados e municípios Empresas estatais4

Juros reais Governo central e Bacen Estados e municípios Empresas estatais4

Resultado Operacional Governo central e Bacen Estados e municípios Empresas estatais4

1993

1994

7,55 2,89 3,40 1,26

7,19 2,31 3,57 1,31

1995

5,79 2,94 2,17 0,68

5,88 2,56 2,72 0,60

1996

5,16 2,36 2,29 0,51

6,07 2,62 3,01 0,44

1997

7,94 5,95 1,83 0,16

7,93 5,40 2,02 0,51

1998

2,38 1,43 0,32 0,63 3,77 1,48 1,42 0,87

2,14 –0,22 –1,72 0,77 0,02 –2,00 0,77 –0,23 0,59 0,60 –0,02 –0,32

4,39 2,05 1,12 1,23 4,89 1,67 2,36 0,86

5,24 2,25 2,19 0,81 3,37 1,24 1,82 0,31

3,28 1,62 1,27 0,39 4,26 1,75 2,24 0,27

3,35 1,49 1,51 0,34 7,41 5,13 1,78 0,50

7,42 5,68 1,59 0,15

0,91 –0,01 –2,25 –2,60 –5,04 –0,36 0,09 0,26 –0,55 –1,27 –1,41 –3,04 –0,58 –0,38 –0,34 –0,54 –0,82 0,17 0,55 0,72 0,19 –0,63 –0,65 –1,18 0,05 –0,08 –0,07 0,35

45,47 60,56 44,92 16,06 21,74 18,54 16,24 24,95 17,93 13,16 13,87 8,46

42,86 57,96 39,88 14,43 20,33 15,50 15,90 24,41 17,10 12,53 13,22 7,28

1992 2000 2001

4,64 3,16 1,24 0,24

–3,50 –1,89 –0,56 –1,05

7,93 4,98 2,63 0,32

3,90 1,13 3,68 1,27 0,47 0,67 –0,25 –0,81

7,18 6,08 0,70 0,40

–3,28 –2,40 –0,23 –0,65

13,76 9,78 3,38 0,60

1,44 1,51 0,45 –0,51

5,15 3,40 1,33 0,41

–3,70 –1,89 –0,89 –0,93

8,93 5,65 2,90 0,38

10,49 4,43 5,22 7,39 3,09 3,76 3,15 2,07 2,01 –0,05 –0,73 –0,54

1999

2003 2004

–4,60 –2,74 –0,99 –0,87

–2,39 –1,20 –0,14 –1,06

5,16 2,21 3,49 1,55 1,47 0,85 0,20 –0,19

–4,27 –2,51 –0,89 –0,87

7,91 7,02 5,05 4,30 2,63 2,90 0,22 –0,18

0,40 0,89 0,67 0,98 –0,32 0,57 0,05 –0,66

4,40 3,15 0,51 0,75

–4,01 –2,48 –0,82 –0,70

14,25 9,07 4,42 0,75

10,24 3,64 2,41 6,59 2,55 1,56 3,60 1,74 1,91 0,05 –0,64 –1,05

2002

6,61 3,54 2,42 0,65

44,10 14,94 16,97 12,19

4,82 2,76 1,64 0,42 4,98 2,45 2,05 0,49

2,76 1,34 0,55 0,87 0,19 0,17 –0,20 0,22

–2,57 0,16 –1,17 –0,31 –0,74 0,41 –0,66 0,06

6,77 3,22 2,83 0,72

41,41 13,65 16,23 11,53

3,69 2,52 1,16 0,01

–4,44 –2,63 –0,94 –0,87

7,47 4,68 2,77 0,02

1,72 –0,75 1,78 –0,11 0,32 0,22 –0,38 –0,86

5,34 3,95 0,95 0,45

–3,62 –2,17 –0,63 –0,83

11,22 7,37 3,33 0,51

7,60 3,03 5,21 2,06 2,71 1,83 –0,32 –0,85

1991- 1995- 1999- 200319933 19983 20023 20043

Fonte: Banco Central do Brasil. Disponível em: . 1 NFSP com desvalorização cambial (valorizado). Dados de fim de período (dezembro) exceto 2004, que se referem am mês de novembro do mesmo ano. Não inclui receitas de privatizaçõe; + = déficit, – = superavit; ára o resultado operacional, desconta-se a inflação, para o primário, decontase os juros reais. 2 Fluxos e Pib valorizados para o últiimo mês do período com base no IGP-DI. 3 Média aritmética dos anos indicados. 4 Não inclui as empresas estatais federais.

23,42 6,18 8,39 8,85

Resultado nominal Governo central e Bacen Estados e municípios Empresas estatais4

1991

Tabela 1. Necessidade de financiamento do setor público,1 fluxos em doze meses, % do PIB2. Fim do período (1991-2004)

304  ANEXOS

25/9/2009, 17:00

 305

ANEXOS

Tabela 2. Taxa de juros1 e inflação no Brasil, % ao ano (1990-2004) PERÍODO

1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004

JUROS

INFLAÇÃO

INFLAÇÃO

JUROS REAIS

JUROS REAIS

BÁSICOS

( IGP - M )2

( IPCA )3

( IGP - M )

(IPCA)

1.153,2 536,9 1.549,2 3.060,0 807,7 53,1 27,4 24,8 28,8 25,6 17,4 17,3 19,2 23,3 16,2

1.699,9 458,4 1.174,7 2.567,3 603,8 15,2 9,2 7,7 1,8 20,1 10,0 10,4 25,3 8,7 12,4

1.621,0 472,7 1.119,1 2.477,1 631,5 22,4 9,6 5,2 1,7 8,9 6,0 7,7 12,5 9,3 7,6

–30,4 14,1 29,4 18,5 29,0 32,8 16,7 15,8 26,5 4,6 6,8 6,3 –4,9 13,5 3,4

–27,2 11,2 35,3 22,6 24,1 25,1 16,3 18,6 26,7 15,3 10,8 9,0 5,9 12,8 8,0

Fonte: Banco Central do Brasil. Disponível em: . 1 Taxa Selic acumulada no ano. 2 Índice calculado pela FGV, com famílias com rendimentos de 1 a 33 salários mínimos mensais. Inclui preços no atacado (60%), no varejo (30%) e na construção civil (10%). Índice amplamente utilizado no mercado financeiro. 3 Índice calculado pelo IBGE, com famílias de 1 a 40 salários mínimos. Utilizado como índice para reajuste de contratos de locação e como referência para o regime de metas para a inflação no país.

Tabela 3. Taxa de juros1 e receita disponível por nível de governo,2 % do PIB (1990-2004) PERÍODO

ARRECADAÇÃO PRÓPRIA

RECEITA DISPONÍVEL

CARGA TRIBUTÁRIA TOTAL

UNIÃO

ESTADOS

MUNICÍ -

UNIÃO

ESTADOS

PIOS

1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003

20,5 16,7 17,5 18,5 20,5 20,0 19,3 19,6 20,4 22,1 22,5 23,4 24,8 24,2

9,0 7,3 7,4 6,5 8,0 8,3 8,2 7,9 7,8 8,1 8,6 9,0 9,2 9,1

0,9 1,2 1,0 0,8 1,0 1,4 1,4 1,5 1,5 1,5 1,5 1,5 1,5 1,5

MUNICÍ PIOS

17,4 14,0 14,8 15,6 17,6 16,8 16,3 16,6 17,6 18,1 18,4 19,2 20,3 20,1

8,5 7,1 7,1 6,5 7,7 8,2 8,0 7,7 7,4 7,9 8,3 8,7 9,1 8,8

4,5 4,1 4,0 3,6 4,1 4,8 4,7 4,7 4,7 5,7 5,8 6,0 6,2 6,0

Fonte: Secretaria da Receita Federal. Disponível em: . 1 Carga tributária por nível de governo. 2 Receita disponível para cada nível de governo após as transferências correntes entre os três.

09 Fábio anexos.p65

305

25/9/2009, 17:00

30,5 25,2 25,8 25,7 39,5 29,8 29,0 29,0 29,7 31,7 32,5 33,9 35,5 34,9

09 Fábio anexos.p65

306

24,0

Dívida externa líquida

0,1

– – – – 53,4

1,8

14,5

– – – –

18,8

8,5

524,2

– – – –

8,5

5,0

9,4 –

6,4 11,5 –2,4 3,4 2,7 –3,9 –0,9 –

20,8

29,2 12,6 9,7 6,9

1994

683,3

30,5 – – –

5,6

4,9

10,3 –

9,8 15,6 –2,6 3,2 2,7 –5,1 –1,0 –

24,9

30,5 13,2 10,6 6,7

1995

809,3

31,4 –0,1 31,3 2,0

3,9

3,9

11,2 –

14,3 21,4 –2,6 2,4 3,5 –8,4 –0,3 –

29,4

33,3 15,9 11,5 5,9

1996

894,6

35,2 –1,6 33,6 0,9

4,3

0,9

12,5 5,5

16,8 28,2 –2,6 3,6 3,8 –7,7 –1,1 –5,5

30,2

34,5 18,8 13,0 2,8

1997

45,8 –3,8 42,0 7,7

10,5

1,3

15,5 12,3

22,4 39,8 –3,2 4,7 1,5 –3,9 –1,5 –12,7

39,2

49,7 30,4 16,4 2,8

1999

46,2 –5,3 40,9 8,6

9,8

0,9

15,3 12,0

23,5 – –4,5 4,2 1,3 –3,3 –2,7 –13,6

39,7

49,5 31,0 16,3 2,2

2000

36,1– 4,0 32,1 5,8

14,3

1,2

17,1 12,0

22,9 33,6 –4,8 4,6 3,5 –1,3 –3,4 –13,7

41,2

55,5 35,3 18,5 1,7

2001

40,9 –4,0 36,9 5,8

11,7

0,7

18,6 13,3

26,2 42,5 –5,5 4,6 3,6 –1,1 –4,7 –15,2

45,5

57,2 36,2 19,8 1,1

2002

41,6 –4,1 37,5 5,9

11,9

0,7

19,0 13,5

26,6 43,3 –5,6 4,7 3,6 –1,1 –4,7 –15,4

46,3

58,1 36,9 20,2 1,1

1841,2

37,2 –3,5 33,7 5,1

8,4

0,3

17,8 13,0

24,6 40,7 –5,5 4,1 3,5 –1,0 –3,7 –15,0

42,8

51,1 32,1 18,8 0,2

2003 2004(nov.)

912,2 1039,8 1139,3 1587,6 1596,8 1570,4

42,9 –2,9 40,0 2,7

6,6

1,3

13,7 9,5

21,1 35,4 –3,1 4,3 2,1 –5,3 –1,5 –9,5

36,0

42,6 25,4 14,4 2,9

1998

Fonte: Banco Central do Brasil, Depec, série recebida por meio eletrônico. Há divergências com a tabela no Boletim do BCB. Elaboração do autor. 1 PIB dos últimos doze meses em R$ bilhões, a preços de dezembro do ano indicado. Deflator: IGP-DI centrado. 2 Créditos do BCB a instituições financeiras: 2 inclui trocas de títulos estaduais por federais e, provavelmente, empréstimos de liquidez e financiamentos do Proer. 3 Inclui entidades autônomas e, a partir de junho de 1997, fundos constitucionais. 4 Federais, estaduais e municipais. 5 Dívida fiscal líquida sem privatização: dívida líquida total menos ajustes patrimoniais (13 e 15). 6 Recebimentos de valores referentes às privatizações, até dezembro de 1995, incluídos em (15). 7 Dívida fiscal líquida com privatizações: (12) + (15). 8 Segundo o Boletim do BCB, o ajuste patrimonial (base dez. 95) computa: emissão de títulos relativa ao aporte de capital do Banco do Brasil; a redução das aplicações do fundo da reserva monetária devido a decisão judicial envolvendo a liquidação dos bancos Comind e Auxiliar; securitização de dívidas; renegociação de dívidas de Itaipu e Eletronorte junto ao SFN; fundos constitucionais; diferença na dívida externa resultante da conversão Itaipu e Eletronorte junto ao SFN; fundos constitucionais; diferença na dívida externa resultante da conversão dos saldos pela taxa de câmbio de final de período e dos fluxos pela taxa de câmbio média do mês.

PIB

– – – –

10,0

Empresas estatais4

Dívida fical líquida sem privatização5 Ajuste patrimonial privatização6 Dívida fiscal líquida com privatização7 Ajuste patrimonial — Outros8

8,3 –

8,2 –

6,1 –

Governos estaduais e municipais Renegociação com a União (Lei 9.496/97) 9,5

1,9 9,3 –1,7 1,0 1,4– 0,2 –0,6 –

0,8 9,0 –1,6 1,4 1,4 –1,0 –0,5 –

–2,2 3,0 –1,3 1,6 1,1 –0,4 –0,4 –

Governo Federal e Banco Central Títulos públicos federais Fundo de Amparo ao Trabalhador — FAT Base monetária Outros depósitos no BCB Créditos do BCB a instituições financeiras2 Carteira de fundos3 Renegociação com estados (Lei 9.496/97)

18,7

18,5

13,9

Dívida interna líquida

33,2 9,7 9,4 14,1

37,3 12,2 9,3 15,8

37,9 12,7 7,2 18,1

Dívida líquida total Governo Federal e Banco Central Governos estaduais e municipais Empresas estatais

1993

1991

DISCRIMINAÇÃO

1992

Tabela 1. Dívida líquida do setor público (1991-2004), em % do PIB1

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