Despesa Pública

July 25, 2017 | Autor: C. De Azevedo Campos | Categoria: Direito Financeiro
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II. Despesa Pública


1. Introdução
2. Conceito e requisitos
3. Classificações da despesa pública
4. Realização da despesa pública e "escolhas trágicas"
5. Ilicitude do dispêndio e sanções










































1. Introdução

A atividade financeira do Estado, como visto, é o conceito nuclear do
Direito Financeiro. Ela compreende a atividade estatal de obtenção, gestão
e dispêndio de recursos públicos na direção da satisfação das necessidades
públicas. Tanto o Direito Financeiro Positivo como a Ciência do Direito
Financeiro cuidam separadamente dessas três "fases" da atividade financeira
do Estado – a obtenção, a gestão e o dispêndio dos recursos. O dispêndio
dos recursos públicos é disciplinado e estudado sob o rótulo de Despesa
Pública. Esse é o tema do qual se ocupa o presente capítulo.




2. Conceito e requisitos da Despesa Pública

A despesa pública corresponde a um dispêndio de recursos públicos
relativo à determinada finalidade de interesse público (uma necessidade
pública). O uso do dinheiro público para a realização de obras e serviços
públicos, em favor da população, caracteriza a chamada despesa pública.
Pode-se, assim, conceituar despesas públicas como o gasto da riqueza
pública, devidamente autorizado pelo poder competente (o Poder
Legislativo), com o fim de satisfazer as necessidades públicas.

Aliomar Baleeiro[1] definiu despesas públicas, enxergando-as em seus
sentidos amplo e restrito: em latu sensu, é "o conjunto dos dispêndios do
Estado, ou de outra pessoa jurídica de direito público, para o
funcionamento dos serviços públicos"; em strictu sensu, é a "aplicação de
certa quantia, em dinheiro, por parte da autoridade ou agente público
competente, dentro de uma autorização legislativa, para execução de fim a
cargo do governo." A primeira definição pode ser considerada como a despesa
pública em seu significado abstrato, como a previsão, em orçamento público,
do emprego das receitas públicas em diversas atividades do Poder
Administrativo no cumprimento de suas atribuições. No segundo sentido, bem
mais concreto, trata-se da despesa pública decorrente de um pagamento
específico para o custeio de determinada atividade administrativa
obrigatória, sendo o dispêndio de dinheiro elemento essencial da despesa
pública.

A aplicação de dinheiro na satisfação das necessidades públicas
representa a despesa pública, que vem a corresponder a uma das facetas da
atividade financeira do Estado. Como consequência de a eleição das
necessidades públicas ser uma decisão política, as despesas públicas
decorrem, necessariamente, de uma decisão política. O exame das despesas
públicas, aprovadas pelo Congresso na Lei Orçamentária (Cf. Capítulo IV),
identifica o plano de governo que será concretizado: se houver maior
previsão de despesas públicas para a área de saúde, o plano de governo será
voltado precipuamente para a saúde da população; por outro lado,
diferentemente, se houver maior previsão para gastos na área de educação,
teremos que o Estado priorizou a educação como meta de governo.

Os governantes não podem gastar à vontade, ou seja, não são livres
para realizarem as despesas públicas que desejarem. Existem limitações para
estes gastos. A autorização para efetivação das despesas públicas deve
observar alguns requisitos:

1) autorização legislativa – todas as despesas devem estar
aprovadas pelo Congresso Nacional na Lei Orçamentária (arts.
165, 167, 169, todos da CF/88). A execução das despesas
públicas, pelo Poder Executivo, deve se submeter ao Poder
Legislativo, tal como as despesas do Poder Judiciário;

2) observância do processo de licitação – deve haver licitação para
a escolha daqueles que executarão os serviços públicos, venderão
mercadorias, para alienações dos bens públicos, todos destinados
para a satisfação das necessidades públicas (art. 37, XXI, da
CF/88);

3) empenho das despesas públicas – o empenho significa o ato
administrativo que reserva recursos suficientes, tirados do
orçamento público, para pagamento do débito respectivo. Tem
natureza jurídica de ato administrativo e visa garantias de
recebimentos aos credores do Estado.

Não obstante, um corte explicativo deve ser feito acerca do requisito
da autorização legislativa para o caso de despesas públicas voltadas para a
satisfação de direitos fundamentais, inclusive do mínimo existencial. Os
direitos fundamentais e os sociais, esses em sua expressão de mínimo
existencial, devem ser garantidos pelo Estado mesmo se não contemplados por
políticas públicas ou por qualquer outra previsão legal, podendo a execução
dos serviços públicos correspondentes ser imposta judicialmente. [2] Na
omissão do legislador em estabelecer o dispêndio de recursos públicos para
satisfação desses direitos fundamentais, caberá ao Judiciário determinar a
institucionalização das medidas necessárias para a fruição desses direitos.
A fundamentalidade desses direitos justificaria a judicialização da despesa
pública. Essa questão será retomada no tópico 4.




3. Classificações da despesa pública

As despesas públicas podem ser classificadas de acordo com diferentes
critérios. O primeiro a ser observado é o critério de sua periodicidade, de
onde se extrai que as despesas públicas podem ser ordinárias ou
extraordinárias:

a) despesas ordinárias – representam a rotina dos serviços públicos e
são renovadas anualmente no orçamento (saúde, educação, segurança,
folha de salário dos servidores públicos, etc.);

b) despesas extraordinárias – são as despesas momentâneas,
esporádicas, que não se renovam todo ano (calamidade pública,
evento internacional de grande porte).

Há autores que classificam as despesas, segundo suas utilidades, em
produtivas, reprodutivas e improdutivas. As primeiras se limitam a criar
utilidades por meio da atuação estatal (atividade policial, atividade
jurisidicional, etc.); as segundas são as que representam aumento de
capacidade produtora do país (construção de escolas, estradas,
hidroelétricas, etc.); já as improdutivas correspondem às despesas
inúteis.[3]

Outro critério adotado é o da competência para sua realização. Deste
critério classificam-se as despesas em federais, estaduais e municipais. As
despesas federais atendem aos serviços públicos privativos da União
Federal, previstos no art. 21 da CF/88. As despesas estaduais e municipais
atendem aos serviços próprios dos Estados e dos municípios,
respectivamente. Contudo, essa classificação não pode ignorar haver
competências comuns (art. 23 da CF/88), bem como competências concorrentes
(art. 24 da CF/88), o que deixa certas despesas públicas fora do critério
de exclusividade de competência. Despesas com saúde pública e proteção ao
meio ambiente são exemplos

Por fim, cumpre destacar a classificação legal das despesas públicas,
prevista na Lei nº 4.320/64, que, em seu art. 12, divide as despesas
públicas em despesas de capital e despesas correntes. Esta conceituação é
feita por lei e se esgota na lei, não tendo grande aceitação no mundo
doutrinário.




4. Realização da despesa pública e "escolhas trágicas"

O professor Ricardo Lobo Torres aponta três fases distintas da
realização da despesa: o empenho; a liquidação e o pagamento. No entanto,
quando se tratar de obras, serviços e compras de bens, essas fases deverão
ser precedidas pelo processo de licitação, disciplinado pela Lei 8.666, de
1993, e que se impõe em nome da moralidade pública, mas também da isonomia.

Empenho da despesa é o ato pelo qual a Administração Pública reserva,
de seu orçamento total, o valor necessário para o pagamento de respectiva
despesa. Liquidação da despesa, estágio seguinte, consiste na operação pela
qual a Administração se certifica do direito adquirido pelo credor ao
recebimento por seus serviços prestados, obras realizadas ou mercadorias
fornecidas. Essa certificação envolve também o cálculo final do pagamento a
ser feito. O pagamento da despesa é seu estágio final, quando a
Administração satisfaz o crédito e realiza efetivamente a despesa pública.
O art. 42 da LC 101/200 (Lei de Responsabilidade Fiscal) veda que os
titulares da Administração Pública contraiam obrigações de despesa que não
possam ser cumpridas integralmente dentro dos últimos dois quadrimestres do
mandato ou que tenham parcelas a serem pagas no exercício seguinte sem que
haja suficiente disponibilidade de caixa.

É de se destacar ainda que, em relação às despesas oriundas de
sentenças judiciais, as Fazendas Públicas Federal, Estaduais e Municipais
haverão de realizá-las exclusivamente por meio do instituto do precatório
judicial, na ordem cronológica de sua apresentação e à conta dos créditos
respectivos, conforme estabelecido no art. 100 da Constituição de 1988 e de
acordo com as exceções dispostas nos parágrafos desse mesmo dispositivo
constitucional.

Tema fundamental que envolve a despesa pública é o dos limites de
gastos públicos em um cenário de necessidade de escolhas sobre "em que
gastar" diante da pluralidade de necessidades públicas e da possibilidade
de escassez de recursos. Esse tema, tratado, normalmente, sob o rótulo da
"reserva do possível" (que será aprofundado no Capítulo IV), alcança,
principalmente, os processos de realização dos direitos sociais. A
necessidade de tornar efetivos os direitos sociais e econômicos não envolve
apenas questões dogmáticas relativas ao conteúdo e eficácia desses
direitos, mas questões de fundo mais prático como a escassez de recursos
financeiros em um cenário de escolhas alocativas.

De fato, a alocação de recursos públicos para a satisfação de direitos
envolve decisões sobre metas, prioridades e meios ótimos de desenvolvimento
das funções estatais em favor desses direitos, o que não é tarefa fácil em
um ambiente de necessidade de escolhas frente a recursos financeiros sempre
limitados. Como lembra Daniel Sarmento, "cada decisão explicitamente
alocativa de recursos envolve também, necessariamente, uma dimensão
implicitamente desalocativa. Em palavras mais toscas, sendo curto o
cobertor, cobrir o nariz implica deixar os pés de fora".[4] Sendo ainda
mais direto: decidir satisfazer um direito pode importar sacrificar outros,
haja vista a limitação dos recursos públicos.[5]

Desse tema deriva outro, de maior destaque ainda – o da judicialização
da política no âmbito da execução orçamentária. Uma vez que a realização
das despesas públicas não alcançou determinado setor da sociedade porque a
escolha feita prestigiou outras espécies de necessidades ou de direitos, o
grupo prejudicado buscará o Judiciário para satisfazer sua demanda não
atendida pela Administração Pública, vindo então a judicializar matéria que
deveria, originariamente, ser do âmbito decisório exclusivo dos poderes de
representação popular. Esse é, sem dúvida alguma, uma das questões mais
controvertidas e discutidas do direito constitucional contemporâneo.


5. Ilicitude do dispêndio e sanções

O dever da boa administração é uma ideia central da moralidade
administrativa,[6] que possui status constitucional no art. 37 e encontra
proteção na Lei nº 8.429, de 02/06/1992, que trata dos casos de improbidade
administrativa e das penas a serem aplicadas em suas hipóteses. Essa
importante lei é determinante para o exercício do controle sobre os gastos
públicos, a execução das despesas públicas, tipificando como atos de
improbidade dos agentes públicos aqueles que importem em enriquecimento
ilícito (art. 9º); que causem prejuízos ao Erário (art. 10); e que atentem
contra os princípios da Administração Púbica. Seus dispositivos se aplicam
não apenas aos órgãos e entidades da Administração Pública, mas também às
entidades que recebam verbas públicas correspondentes a mais de 50 por
cento de sua renda.

Nos casos de atos que importem em enriquecimento ilícito, isto é, o
aumento do patrimônio pessoal por meio de práticas ilícitas contra os
cofres públicos, o legislador estipulou a pena de perda dos bens obtidos
ilicitamente; o ressarcimento dos danos materiais; a perda da função
pública; a suspensão dos direitos políticos por 8 a 10 anos; multa até três
vezes do acréscimo patrimonial ilícito; além da proibição de contratar com
a Administração Pública por dez anos. Nos casos de danos ao Erário Público,
que importa na indevida diminuição do patrimônio do Estado em face de ato
ilícito do agente público, as penas também incluem a perda dos bens obtidos
ilicitamente; o ressarcimento dos danos materiais; a perda da função
pública; a suspensão dos direitos políticos, dessa feita por 5 a 8 anos;
multa em dobro do dano patrimonial provocado; e a proibição de contratar,
por cinco anos, com o poder público. Já os atos contra os princípios da
Administração Pública, como fraudes e congêneres, as penas são o
ressarcimento dos danos; a perda da função pública; a suspensão dos
direitos políticos por entre 3 a 5 anos; multa de até cem vezes a
remuneração recebida; além da proibição de contratar com o poder público
por três anos.

A lei tem sido importante para reforçar o controle da execução do
orçamento e melhorar a execução das despesas públicas, contudo, falta ainda
uma definição clara do Judiciário, máxime do Supremo Tribunal Federal,
sobre a plena aplicação da lei aos agentes políticos como prefeitos e
governadores. Ao que tudo indica, em breve a Corte produzirá uma solução
para o tema.[7]




























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[1] BALEEIRO, Aliomar. Uma Introdução ao Estudo das Finanças. Op. cit., p.
73.
[2] Na já clássica e sempre lúcida lição de Ricardo Lobo Torres, O Direito
ao Mínimo Existencial, Rio de Janeiro: Renovar, 2009, p. , o direito ao
mínimo existencial consiste no "direito às condições mínimas de existência
humana digna que não pode ser objeto de intervenção do Estado na via dos
tributos (=imunidade) e que ainda exige prestações estatais positivas". No
âmbito dos direitos sociais, essa garantia toca às pessoas que se
encontram abaixo da linha da pobreza e representa as condições mínimas à
existência digna do ser humano como condições iniciais da liberdade, de
modo que ninguém pode ser privado destas condições materiais aquém de um
mínimo, sob pena de desaparecer a própria liberdade.
[3] HARADA, Kiyoshi. Direito Financeiro e Tributário. 8ª ed., São Paulo:
Atlas, p. 41/42.
[4] SARMENTO, Daniel. A proteção judicial dos direitos sociais: alguns
parâmetros ético-jurídicos. In: SOUZA NETO, Cláudio Pereira e SARMENTO,
Daniel (orgs.). Direitos Sociais: fundamentos, judicialização e direitos
sociais em espécie. Rio de Janeiro: Forense, 2008, p. 556.
[5] Sobre a falácia desses argumentos, cf. OLIVEIRA, Fernando Fróes.
Finanças Públicas, Economia e Legitimação: Alguns Argumentos em Defesa do
Orçamento Autorizativo. Revista da Procuradoria Geral do Estado do Rio de
Janeiro nº 64, 2011.
[6] MOREIRA NETO. Diogo de Figueiredo. Mutações do Direito Administrativo.
3ª ed. Rio de Janeiro: Renovar, p. 71 e ss.
[7] Cf. STF – Pleno, ARE 683.235/PA (RG), Rel. Min. Teori Zavascki.
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