Destituição da Persona: desdobramentos do subjetivo

June 3, 2017 | Autor: Catarina Lopes | Categoria: Art, Art Theory, Contemporary Art, Visual Arts, Artes
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CATARINA ANSELMO LOPES

Tema: Destituição da Persona, desdobramentos do subjetivo

Trabalho Destituição da Persona, desdobramentos do subjetivo apresentado à disciplina de Laboratório de Pesquisas Bidimensionais, do Curso de Especialização em Artes Visuais, Intermeios e Educação, da Universidade Estadual de Campinas, ministrada pela Profa. Dra. Marta Luiza Strambi.

CAMPINAS 2016

Destituição da Persona, desdobramentos do subjetivo

A Arte traz em si muitos dos aspetos de quem a elabora. Seu conteúdo advém de apreensões da realidade, elaboradas e resignificadas, criando algo novo e único. A criação é sempre intencional e a forma como se dá relaciona-se e propõe um diálogo com o contexto proposto. Expressiva, é poética subjetiva, manifestação da consciência – e incônscia – humana. Pensamento que se materializa e canaliza através da expressão plástica, as obras presentes na história da arte tem em seu cerne menor ou maior expressão da psique de seus autores. Segundo Pareyson, a forma se relaciona e propõe um diálogo com o conteúdo. A materialidade de uma obra estaria assim estrita e intimamente ligada à sua concepção e elaboração, não podendo uma existir sem a outra. A carne da produção estará sempre ligada à sua aura, à sua carga de subjetividade. A obra de arte só existe enquanto feita, formada e pensada. Ela é ideia concretizada, realização de um projeto, onde execução e invenção tem uma relação de simbiose. Pareyson escreve que o conteúdo nasce como tal no próprio ato em que nasce a forma, e a forma não é mais que a expressão acabada do conteúdo 1, trazendo assim questões internas e externas ao artista. Destituição da Persona, desdobramentos do subjetivo é uma série de três obras figurativas relacionadas, que se propõem a explorar elementos pertencentes à minha subjetividade. A destituição da persona – persona faz menção ao conceito elaborado na teoria da Psicologia Analítica, de Carl Gustav Jung – refere-se à quebra de aspectos que exponho socialmente em favor de simbolismos que representariam questões de ordem subjetiva. Proponho assim uma reflexão metalinguística. Assim como a Arte é formada e se alimenta da subjetividade do artista, tomo também esta ação, refletindo sobre meu próprio eu. A seguir são discutidos aspectos de cada uma das pinturas. Baseando-se na produção contemporânea da década de 1980, as obras são resultado de exercícios de procedimentos de arte-intensão, propostos pela Prof. Dra. Marta Luiza Strambi.

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PAREYSON. Os problemas da estética. p. 56

Catarina Lopes, Corpo, 2016, acrílica sobre tela, 50x60cm. Foto: Guilherme Rocha.

Catarina Lopes, Corpo, em detalhe, 2016, acrílica sobre tela, 50x60cm. Foto: Guilherme Rocha.

Corpo é a primeira tela da tríade. Constitui-se de uma pintura em tinta acrílica, de cores intensas. Seu aspecto é denso e as pinceladas podem ser observadas ao fundo, no lado direito, enquanto no esquerdo, um fundo difuso e manchado de tons avermelhados se faz presente. São imediatamente reconhecidas duas figuras: um órgão humano feminino – um útero –, rodeado de gotas de vermelhidade intensa, que se assemelham também a pequenos espinhos, ao terem sua área mais afunilada apontada para o motivo central, e uma espécie de planta, pertencente à família Cactaceae, que floresce sutilmente. Atrás dela, o fundo distingue-se de seu predecessor, mostrando tons escuros e mesclados, variando do preto, magenta e azul da prússia, em empasto, salpicados de pequenos pontos claros. Tem-se um pequeno universo. A obra possui corporeidade. As imagens estão bem delineadas e sobressaem-se do fundo. Ao serem justapostas, estabelecem um diálogo de contrastes com toque surrealista. Sem conexão aparente, quando relacionadas, inferem uma sensação de estranhamento e repulsa. Ainda assim, é possível sentir como se houvesse a necessidade de tocá-las com as mãos, em fator de seu volume. Seguindo a diagonal de leitura, temos na composição o útero ornamentado com o resplendor de gotas de sangue, quente, a cisão dos fundos, e o cacto, de cores frias. Corpo elenca na tríade o meu espectro corpóreo, representado pela fisicalidade. Apresentando como em outras obras, a representividade do feminino, exponho uma de suas características únicas e exclusivas, a menstruação. A partir dela, renovação na vida de uma mulher, contraponho seus dois lados: a dor do sangrar cíclico à certeza de fertilidade, juventude e florescimento. Apesar da obscuridade presente no interior do útero não fecundado que menstrua, a dor sempre leva ao renascimento de meu universo interior.

Catarina Lopes, Mente, 2016, acrílica sobre tela, 50x50cm. Foto: Guilherme Rocha.

Catarina Lopes, Mente, em detalhe, 2016, acrílica sobre tela, 50x50cm. Foto: Guilherme Rocha.

Mente apresenta a figura de um corpo feminino em tons frios, nu, cuja cabeça foi substituída por um objeto: uma lâmpada que tem seus filamentos formados por uma série de flores. Estas flores não parecem reais, mas suscitam um espírito tropical e inebriante, de cores quentes e convidativas. Ao fundo, sobre um azul sutil e aguado, vem-se pequenos martelos, orbitando a cabeça-lâmpada, à espreita de qualquer sutil movimento. A composição se dá sobre uma tela quadrada, a figura principal se destaca ao centro. Seus contornos são bem definidos e as cores apresentam-se intensas e saturadas. O detalhamento tridimensional dá volume aos seios redondos, lânguidos e bem estruturados, transmitindo jovialidade. No entanto, sua tonalidade azulada sugere algo apagado, lúgubre. Nesta sobreposição de elementos, é perceptível um movimento ascendente, a elevação das ideias em detrimento do corpo, do carnal. As ideias florescem contidas na cabeça, iluminando a mente, mas a qualquer instante, tensionadas, podem espalhar-se pelo mundo, sobre pressões externas – os martelos que se acumulam ao redor – que lhe abrirão a cabeça quer se queira, ou não. Há na obra um espírito que remete aos conceitos do movimento surrealista. A tensão, quietude e apreensão encontradas na representação dos martelos também me remetem às composições metafísicas de De Chirico, tal qual descreve Argan (1992), “a arte é pura metafísica, não possui vínculos com qualquer realidade natural ou histórica, nem mesmo para transcendê-la”. O autor escreve ainda que De Chirico coloca formas sem substância vital num espaço vazio e inabitável, num tempo que não é eterno, mas estagnado e imóvel.

Catarina Lopes, Anima, 2016, acrílica sobre tela, 50x50cm. Foto: Guilherme Rocha.

Catarina Lopes, Anima, em detalhe, 2016, acrílica sobre tela, 50x50cm. Foto: Guilherme Rocha.

Última pintura da tríade, Anima se apresenta para fechar o ciclo iniciado em Corpo. Representa a alma, fecha o enlace de elementos que me compõe o subjetivo, muito mais profundo que as cascas da persona. Nessa tela, distinguem-se alguns elementos de forma clara, que sobrepostos, estabelecem um diálogo contrastante entre si, conversando aos sussurros em um movimento cíclico, onde se encontram e se confundem, embaraçando-se. Surgindo em minha mente, mariposa e águas-vivas tomam o mesmo espaço, unem céu e água, elementos tão difusos, mas semelhantes. Suas cores esmaecidas e translucidas mostram a efemeridade da constituição da alma. Os fractais brancos encontrados livremente no espaço da composição multiplicam as facetas que o subjetivo possui. Não é possível discernir se representam tênues elevações ou insidiosas crateras. São apenas sugestões, ou ambos. A mariposa negra, representação de algo taciturno, sombrio e de morte é sobrepujada pela presença das águas vivas rosáceas, leves e livres. Sua relação com o fundo, que sob a ótica destes animais marinhos se converte em ambiente aquático, remete às simbologias e virtudes ligadas à água: renovação, vida, ascensão. Encontramos assim um aspecto conflituoso, onde vida e morte, pulsões que Freud chama de Eros e Thanatos e Jung caracteriza como aspectos femininos e masculinos, de ordem psíquica e objetiva, coexistem e equilibram-se.

As três obras de Destituição da Persona, desdobramentos do subjetivo apresentam características do movimento Surrealista. As imagens suscitadas por elas surgiram espontaneamente durante o ato de criação. Estabeleci significados e relações entre elas posteriormente. Argan (1992) escreve que na primeira fase da poética surrealista, a arte possui justamente um caráter de teste psicológico, mas, para que este seja autêntico, é preciso que não haja intervenção da consciência e que o processo de transição seja absolutamente “automático”. O autor escreve também que após a publicação do “Manifesto” do Surrealismo em 1928, o movimento passou a disseminar que o inconsciente não era apenas uma dimensão psíquica explorada pela arte, mas a dimensão da existência estética e própria dimensão da arte. A arte seria assim comunicação vital do indivíduo por meio de símbolos.

Faço uso consciente do inconsciente para destituir-me de minha persona, imagem ofertada nas mais diversas situações sociais. Busco significados profundos de meu subjetivo, que podem revelar reentrâncias de meu ego – o verdadeiro eu.

REFERÊNCIAS

ARGAN, Giulio Carlo. Arte moderna. São Paulo: Companhia das Letras, 2008. p. 360-367, 372. PAREYSON, L. Os problemas da estética. 3ª ed. Martins Fontes: São Paulo, 2001. p. 56.

BIBLIOGRAFIA

DONDIS, Donis A.. Sintaxe da linguagem visual. São Paulo: Martins Fontes, 1991. LUCIE-SMITH, Edward. Os movimentos artísticos a partir de 1945. São Paulo: Martins Fontes, 2006.

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