Desvendando a relevância das sanções econômicas como instrumento de política externa: o acordo nuclear iraniano

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Desvendando a relevância das sanções econômicas como instrumento de política externa: o acordo nuclear iraniano Ana Laura Magalhães Barata1 Maria Bragaglia2

Resumo Em julho deste ano, o Irã cedeu às pressões internacionais e aprovou um acordo nuclear que prevê limitações ao seu enriquecimento de urânio e produção de plutônio, dentre outras medidas. Visto de forma suspeita pelas principais potências globais (P5 + 1, sendo este o Conselho de Segurança da ONU – Estados Unidos, França, Rússia, China e Reino Unido – e Alemanha), o programa nuclear iraniano foi alvo de longas e árduas negociações, em que os representantes da comunidade internacional fizeram da retirada das sanções econômicas impostas ao país seu principal instrumento de barganha para a efetivação do acordo. Em sua versão final, ficou decidido que a eliminação gradual das sanções que assolam a economia iraniana sobretudo em seus setores energético, bancário e financeiro, prevista para o início de 2016, está completamente condicionada ao cumprimento do acordo por parte do Irã, ainda a ser verificado pela AIEA. Sendo assim, a partir de uma análise mais aprofundada da natureza das sanções econômicas no caso iraniano – propósitos, momentos de intensificação e impactos gerados tanto para o Irã quanto para seu principal antagonista, os EUA –, este artigo tem por objetivo elucidar como a manipulação estratégica de sanções econômicas pode contribuir para a criação de acordos internacionais em diversas áreas de interesse, inclusive nuclear. Ao fazer do acordo nuclear iraniano o estudo de caso base desta pesquisa e ao realizar uma revisão bibliográfica pertinente ao tema, espera-se demonstrar não só a centralidade crescente que as medidas de estrangulamento econômico têm tomado na negociação de acordos internacionais, julgando a real eficiência das sanções econômicas, como também os principais riscos e vantagens associados a essas medidas, entre demais aspectos que devem ser considerados antes de sua utilização. Busca-se, portanto, corroborar a hipótese de que as sanções econômicas funcionam como uma ferramenta 1

Bacharel em Relações Internacionais pela Universidade Federal de Uberlândia e mestranda em Relações Internacionais pela mesma universidade. Email: [email protected] 2 Bacharel em Relações Internacionais pela Universidade Federal de Uberlândia e mestranda em Relações Internacionais pela PUC Minas, sendo bolsista do CNPq. Email: [email protected]

diplomática de coerção dos atores internacionais bem-sucedida, aplicável em temas que variam desde assuntos de caráter fundamentalmente econômico até em questões de segurança internacional, principalmente quando se trata de uma era em que a economia e a política caminham juntas e a guerra parece se apresentar como último recurso.

Palavras-chave: Economia Política Internacional, Sanções Econômicas, Acordo Nuclear Iraniano, Negociações Estados Unidos-Irã

1. Introdução

Os bombardeios de Hiroshima e Nagasaki ao fim da Segunda Guerra Mundial constituíram demonstrações nítidas e irrefutáveis de que a possibilidade de aniquilação mundial por meio do uso de armas nucleares é real. Discussões de geopolítica e segurança internacional foram redefinidas e adquiriram novarelevância no campodas relações internacionais na medida em que se tentava estruturar e teorizar acerca dos novos desafios que a era nuclear impunha. Frente a necessidade inerente de estabelecer verdadeiros instrumentos de governança, vários foram os Estados que se mobilizaram no esforço de criar um regime que regulamentasse o uso da energia nuclear e, assim, garantisse que seu uso fosse apenas com fins pacíficos. É em nome dessa demanda que mecanismos de vigilância, controle e coerção foram criados sob os auspícios da Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA) em 1957, do Tratado de Não Proliferação de Armas Nucleares (TNP) em 1968 e com vigência a partir de 1970, e do Conselho de Segurança da ONU, cujos cinco membros permanentes com poder de veto são exatamente os cinco países reconhecidamente nucleares segundo o TNP (China, Rússia, EUA, Reino Unido e França). Com o passar dos anos, algumas brechas ficaram evidentes no sistema, que passou a ser alvo de críticas, como bem aponta Gilinsky (2004). Foram levantadas questões que perspassavam desde a necessidade de se diferenciar medidas de não proliferação nuclear de medidas de desarmamento nuclear até aquelas que denunciavam o TNP como um instrumento de congelamento da estrutura de poder internacional. Novas exigências conjunturais exigiram novas adaptações, a exemplo da criação do Protocolo Adicional como reforço ao sistema de salvaguardas da AIEA em 1997 e da revisão do TNP em 2010. Entre acertos e falhas, o regime

nuclear internacional que é vigente é de caráter vinculatório apenas após adesão voluntária por partes dos Estados e, tentando abarcar as principais preocupações dos mesmos quanto as atividades nucleares desenvolvidas pelo mundo, condena em suas prescrições qualquer atitude que lhe seja desviante. É exatamente esse o caso do Irã. No início do século XXI, a descoberta de que o país desempenhava atividades nucleares não declaradas à AIEA e não permitidas segundo o TNP, ambos por ele reconhecidos, gerou intensa preocupação na comunidade internacional. Tentando encontrar um consenso sobre como lidar com o país que tinha um histórico de mais de três décadas de animosidade e oposição à ordem internacional tal como ela é estruturada, acumulava infrações e parecia averso a qualquer tipo de negociação, as principais potências internacionais encontraram nas medidas de estrangulamento econômico o meio de coagir o Irã a se engajar em um acordo que reenquadrasse seu programa nuclear às normas internacionais. Assim, depois de mais de dez anos de avanços e retrocessos em termos de negociação, em julho de 2015, foi anunciado o improvável Plano Integral de Ação Conjunta (JCPOA, na sigla em inglês) entre o Irã e o P5+1, considerado uma vitória para toda a comunidade internacional. Com o objetivo de elucidar como a manipulação estratégica de sanções econômicas pode contribuir para a criação de acordos internacionais em diversas áreas de interesse, inclusive nuclear, este trabalho busca demonstrar não só a centralidade crescente que as medidas de estrangulamento econômico têm tomado na negociação de acordos internacionais, julgando a real eficiência das sanções econômicas, como também os principais riscos e vantagens associados a essas medidas, entre demais aspectos que devem ser considerados antes de sua utilização. Para tanto, o artigo será dividido em outras quatro seções, para além desta breve introdução. A primeira seção fará uma retomada do histórico do desenvolvimento nuclear iraniano, enfatizando o papel que os EUA desempenharam no mesmo. Também serão abordadas quais as motivações que provavelmente se encontravam por trás da necessidade do Irã em buscar armamentos nucleares ou, pelo menos, a capacidade de produzi-los autonomamente. A segunda seção tratará do processo de negociação do acordo, tendo por base uma avaliação da imposição de sanções econômicas ao Irã e seus principais impactos: positivos e negativos. Já a terceira falará das determinações do acordo em si, suas condicionalidades e possíveis impactos de longo prazo. Por fim, a quarta e última seção se dedicará às considerações finais, cuja finalidade será

analisar se as sanções econômicas tiveram ou não papel preponderante na concretização desse acordo em comparação às considerações de natureza mais estratégica – segurança e geopolítica.

2. O histórico do desenvolvimento nuclear iraniano e das relações EUA-Irã: dois aspectos inseparáveis

A participação ativa da inteligência norte-americana no golpe de Estado que depôs Mossadegh e colocou o Xá Reza Pahlavi no poder em 1953 inaugurou um período de aproximação e estabilidade nas relações entre EUA e Irã. Nessa atmosfera de cooperação, o Xá garantiu que o Irã fosse um dos primeiros países a assinar o TNP ainda em 1968, ratificando-o em 1970 para que pudesse dar início ao desenvolvimento seu programa nuclear. De caráter alegadamente pacífico, a transparência das atividades nucleares iranianas ficou a cargo da AIEA, cujo acordo de salvaguardas em associação ao TNP foi assinado pelo país em 1973, entrando em vigência já em 1974. (GILINSKY, 2004; JAFARZADEH, 2007) Respaldado pelo programa norte-americano “Atoms for Peace”, Jafarzadeh (2007) relata que os EUA concederam dois reatores nucleares ao Irã ainda nos anos 1960 e impulsionou seu plano de energia nuclear. Com a ambição de construir 22 instalações nucleares por todo o país, o Xá fundou a Organização de Energia Atômica Iraniana em 1974, assinou acordos de troca e cooperação em tecnologia e segurança nucleares com os EUA em 1977 e estabeleceu outras negociações nucleares com a Alemanha, França e diversas companhias estrangeiras. Sobhani (2004) conta que a cooperação entre EUA e Irã não foi restrita ao desenvolvimento do programa nuclear, já que ambos os países se aliaram em prol da contenção das ambições regionais do Iraque ao longo da década de 1970. Tal aliança parecia cada vez mais promissora, se manifestando também em outros âmbitos, a exemplo da “Política dos Dois Pilares”3. Entretanto, a relação sofreu um retrocesso aparentemente permanente com a revolução islâmica de 1979, responsável por instituir Khomeini no poder como líder supremo e pela inauguração da República Islâmica do Irã. A revolução islâmica de 1979 é considerada por diversos autores como o marco da ruptura das relações e distanciamento dos dois países. Não bastasse a retórica inflamada de 3

“Política dos Dois Pilares”: Gause (2009) discorre sobre a política dos EUA no Golfo Pérsico, destacando as relações econômicas, políticas e militares que os EUA estabeleceram de forma privilegiada com Irã e Arábia Saudita, seus maiores aliados na região desde a Segunda Guerra Mundial até 1979, ano da Revolução Iraniana.

Khomeini, que ia contra tudo que remetia aos valores defendidos pelos EUA, uma crise de reféns diplomatas norte-americanos e o início da segunda crise do petróleo no mesmo ano não facilitou o início dessa nova fase do relacionamento. É nesse período que os EUA começam a encarar o Irã como uma ameaça aos interesses americanos na região, acusando o regime anti-democrático do país de desrespeito aos direitos humanos e de patrocinador do terrorismo, lhe direcionando sanções econômicas unilaterais. O fim dessa crise diplomática veio com o Acordo de Algiers em 1981, que exigia a suspensão das sanções comerciais e a não interferência na soberania iraniana pelos EUA que, por sua vez, aproveitou as determinações do acordo para permanecer alheio à invasão iraquiana do país iniciada no ano anterior. (SOBHANI, 2004; KHAN, 2010) Quanto ao programa nuclear, o Irã revolucionário tinha suas ressalvas. Inicialmente, Jafarzadeh (2007) relata que a liderança religiosa nacional não via com bons olhos as armas nucleares, muito menos o fato de que os avanços até então obtidos com seu programa nuclear eram oriundos da cooperação com potências ocidentais. Entretanto, segundo Khan (2010), a crescente animosidade com os EUA e o esforço de guerra contra Iraque, que não hesitava em utilizar armas químicas e em atacar as instalações nucleares iranianas, mudaram a mentalidade da liderança e com ela o rumo do programa, agora ativamente impulsionado na medida em que os gastos com a guerra o permitiam. Esse ímpeto iraniano levou o país a avançar no conflito contra o Iraque, fato que preocupou os EUA quanto à estabilidade das monarquias petrolíferas regionais de que dependia, quanto à expansão do ideário da revolução islâmica e quanto à influência soviética na região, já presente no Afeganistão, conforme afirma Kemp (2004). Mais do que isso, Jafarzadeh (2007) e Khan (2010) se complementam ao relatar que as aproximações com a China em 1984, com a Coreia do Norte na mesma época e com a Argentina, Paquistão e URSS em 1987 em torno das ambições nucleares iranianas – construção de reatores, assistência na mineração e exploração de urânio, e compra de urânio enriquecido – invariavelmente alarmaram a principal potência ocidental. Assim, foi com o intuito de fragilizar o país que os EUA favoreceram o Iraque no conflito, lhe provendo ajuda econômica e militar e orquestrando um embargo mundial ao Irã, denominado STAUNCH. A manobra americana funcionou e o Irã acabou aceitando o cessar-fogo em 1988 em meio a uma crise econômica de grandes proporções. Ao fim do conflito, o país enfrentava claro isolamento internacional, passando a cogitar a reaproximação comercial com os

EUA para estimular sua economia. Essa oportunidade para a retomada de relações cooperativas entre os dois países parecia ter se consolidado ainda mais com a morte de Khomeini em 1989 e com a não oposição do Irã à coalização norte-americana de combate ao Iraque na Guerra do Golfo, porém a exclusão do Irã da Conferência de Paz de Madrid de 1991 reavivou o antagonismo entre os Estados. (KEMP, 2004; KHAN, 2010) Acredita-se, segundo Gilinsky (2004), que tenha sido nesse contexto que Khamenei e Rafsanjani, respectivamente novo líder supremo e novo presidente iranianos, tenham dado início à fase mais ambiciosa de seu programa nuclear legítimo, desenvolvendo paralelamente a ele projetos nucleares de natureza secreta que ambicionassem a capacidade de construção de armas nucleares. Contudo, Jafarzadeh (2007) atesta que o que se pode afirmar de fato é que, com a perda dos contratos com a Alemanha e Argentina, o Irã tornou mais próximas suas parcerias oficiais com China e Rússia na construção de centros de pesquisa e plantas nucleares para a geração de energia, a exemplo dos reatores gêmeos de Bushehr. Já com a Coreia do Norte, Khan (2010) relata que a aproximação se deu com um acordo firmado por volta de 1993, em que se previa uma cooperação para a construção de mísseis de médio alcance, capazes de atingir inimigos regionais como Israel – algo efetivado em 1998. Na administração Clinton, o padrão de relacionamento entre os países não se diferenciou muito. Ainda que se tenha verificado o que Kemp (2004) chamou de “contenção dual” 4, a decisão dos EUA de impor sanções unilaterais ao Irã em 1995 definiu um período mais confrontacional nas relações entre as duas nações: mesmo como Irã sinalizando a intenção de reaproximação exclusivamente econômica, o cenário político interno norte-americano permanecia fragmentado entre aqueles que eram favoráveis à conceder um voto de confiança ao Irã, aqueles que queriam manter o isolamento econômico como meio de pressionar o governo iraniano a promover reformas políticas e aqueles que só concebiam qualquer tipo de tolerância e aproximação com o país mediante uma mudança de regime.

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“Contenção dual” se refere à política estabelecida entre Irã e EUA em que se verifica, por um lado, a predisposição do presidente Rafsanjani em abrir o país ao capital estrangeiro para reerguer sua economia depois da guerra, atraindo investimentos especialmente no setor energético, liberalizando alguns setores e melhorando as relações econômicas com aliados norte-americanos como a Arábia Saudita e países da União Europeia e, por outro, os EUA que perseguia uma política ambígua em relação ao Irã, exigindo mudanças políticas significativas do país ao mesmo tempo em que buscava não limitar o comécio entre as nações, principalmente entre suas companhias petrolíferas. (KEMP, 2004)

É apenas com a eleição presidencial de Khatami em 1997 que as esperanças de conciliação foram renovadas, já que o líder tomou medidas claras de oposição ao terrorismo. Todavia, em seu segundo governo, a conexão existente entre revolucionários iranianos e alguns grupos terroristas anti-israelenses e o desenrolar do incidente do bombardeio das torres Khobar foram suficientes para eclipsar a breve cooperação entre os dois países na invasão norteamericana do Afeganistão após o 11 de setembro de 2001. Por mais que o presidente iraniano também manifestasse a intenção de uma aproximação econômica, o andamento acelerado do programa nuclear permaneceu inalterado sob a liderança de Khamenei. (KEMP, 2004; KHAN, 2010) Segundo Khan (2010), qualquer possibilidade de relacionamento cooperativo desaparece durante o governo de George W. Bush, em que a política externa norte-americana se torna mais agressiva em relação ao Irã. A descoberta, ao fim de 2002, de que a infraestrutura nuclear iraniana era bem mais avançada e sofisticada do que a AIEA e demais países tinham conhecimento pode ser considerada o segundo marco histórico de acirramento das relações entre os EUA e Irã, agora internacionalmente encarado como um Estado-pária a partir da inclusão do Irã no grupo do “Eixo do Mal”5. As revelações da oposição política iraniana sobre as atividades nucleares clandestinas desenvolvidas por 18 meses nas instalações de Natanz e Arak alarmaram a toda a comunidade internacional, pois objetivavam a realização do ciclo completo de combustível nuclear, o que permitiria ao país deter o material físsil necessário para a construção de armas nucleares de forma independente, remonta Jafarzadeh (2007). As suspeitas anteriores quanto à existência de um programa nuclear iraniano não declarado à AIEA e, portanto, não pacífico, foram agravadas por novas denúncias e transgressões do TNP e do acordo de salvaguardas por parte do Irã. O acúmulo dessas suspeitas levou a uma escalada de desconfianças e acusações entre o Irã e as principais potências ocidentais, com destaque aos EUA, nos anos seguintes. Jafarzadeh (2007) afirma que a eleição de Ahmadinejad em 2005 só acabou agravando a situação, já que o presidente iraniano se demonstrava inabalável na defesa do direito iraniano de manter um programa nuclear de ciclo completo com fins 5

Por Estado-pária compreende-se, de acordo com Khan (2010), aquele país que persegue a obtenção de armas de destruição em massa, se encontra envolvido no terrorismo internacional, constitui uma ameaça à segurança militar regional e/ou global, e desafia as normas internacionais. O Irã revolucionário, de natureza autoritária e orientação anti-ocidental, se encaixa nesses quatro aspectos e, como tal, foi incluído no discurso de George W. Bush em 2002 enquanto um país do “Eixo do Mal”, juntamente com o Iraque e a Coreia do Norte, por ser uma ameaça não só aos EUA, mas à paz mundial.

pacíficos, retratando-o como um fator de orgulho e independência nacionais. Com o passar do tempo e aumento das acusações contra o programa nuclear iraniano, o presidente já não focava seus discursos na defesa do caráter pacífico das atividades nucleares nacionais, mas sim os inflamava rumo ao aumento do sentimento anti-americano e à existência de um interesse conspiratório internacional em impedir o desenvolvimento sustentado do país. Jafarzadeh (2007) relata que cada novo anúncio de inspeção e pedido pela retomada de negociações por parte da AIEA e da comunidade internacional dali em diante foi recebido pelo Irã com diferentes graus de hostilidade, a depender da proposta de limitação ou quase eliminação do programa nuclear. Com poucas manifestações de boa vontade, a política iraniana quanto à retomada das negociações e permissão para fiscalizações mais abrangentes pode ser caracteriza como reativa: quanto mais pressionado, mais ameaças o país proferia, como em 2005 quando ameaçou abandonar o TNP e todas suas obrigações para com a AIEA e parar a venda do seu petróleo caso fosse reportado ao Conselho de Segurança. A recusa em se engajar nas negociações com o grupo UE3 (França, Reino Unido e Alemanha), suspender o enriquecimento de urânio e ratificar o Protocolo Adicional da AIEA que já tinha assinado em 2003 contribuíram para que a situação se tornasse insustentável, de forma que a AIEA acabou reportando o país ao Conselho de Segurança da ONU pela primeira vez em fevereiro de 2006. Ao todo, desde março de 2006, o Conselho de Segurança lançou oito resoluções destinadas ao caso iraniano e quatro rodadas de sanções econômicas cada vez mais restritivas, todas disponibilizadas pela AIEA (2015). As recomendações contidas nas primeiras sete resoluções foram constantemente ignoradas, já que o Irã continuou com o desenvolvimento do programa sem receio de anunciar publicamente seus avanços em pesquisa, enriquecimento, instalações e investimento. Na penúltima resolução, de junho de 2010, o Conselho ainda pedia ao Irã o cumprimento do determinado em soluções anteriores, para além de novos comprometimentos. Foi apenas na última resolução, de julho de 2015, que o Conselho foi capaz de anunciar as determinações do acordo nuclear alcançado entre o Irã e o grupo denominado P5+1 (cinco membros permanentes do Conselho de Segurança e a Alemanha), o chamado Plano Integral de Ação Conjunta. Nesses cinco anos de intervalo entre a penúltima e última resoluções, as sanções econômicas de maior peso e as lideranças políticas mais moderadas dos EUA e Irã, respectivamente Obama (reeleito em 2012) e Rohani (eleito em 2013), parecem ter constituído juntos fatores fundamentais ao avanço e sucesso das negociações.

2.1 Analisando a ambição nuclear iraniana

Até o presente momento não há um consenso internacional quanto ao fato de o Irã já possuir ou não armas nucleares e, se não, também não há consenso quanto a quão perto disso o país se encontra. Porém, parece ser fato consensual para as principais potências do sistema internacional que o programa nuclear iraniano não é para fins estritamente pacíficos. Do ponto de vista desses países, representantes da comunidade internacional como é tradicionalmente reconhecida, as violações ao TNP e ao acordo de salvaguardas da AIEA são claras6 e não há programa de geração de energia que justifique transgressões dessa natureza, mesmo quando se considera o a composição da matriz energética iraniana7. Assim, pode-se inferir que o programa nuclear iraniano foi impulsionado por questões de segurança nacional, ainda que tais preocupações possam ter sido comparativamente de menor importância no período prérevolucionário. Khan (2010) afirma ser possível compreender uma necessidade, uma propensão, por parte do país em produzir armas nucleares quando se considera os três opositores dos três longos conflitos em que o país está historicamente inserido: Iraque, Israel e EUA. Para o autor, na fase pós-revolucionária, em escala decrescente de importância, a primeira preocupação iraniana é os EUA8. Além dos motivos óbvios de acirramento das relações nos anos 2000 e de demais pressões

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O artigo IV do TNP permite que os países desenvolvam um programa nuclear que seja completamente destinado à produção civil de energia, ou seja, de fins totalmente pacíficos. Isso incluiu até mesmo o enriquecimento de urânio para utilização não-militar, desde que ele seja realizado de forma transparente e regulamentado segundo os padrões da AIEA, definidos em seu acordo de salvaguardas, por sua vez também atrelado ao TNP. Como o Irã não cumpriu com essas determinações, suas violações do artigo II e III são inegáveis. (KHAN, 2010; EVANS E KAWAGUCHI, 2009) 7 De acordo com o perfil da República Islâmica do Irã no site AIEA, atualizado pela última vez em 2009, 98,12% da oferta de energia primária do país é advém dos recursos de petróleo e gás natural, e os derivados do petróleo correspondem a mais de 47,7% do consumo final de energia. Já no setor elétrico, mais de 83% da capacidade nominal instalada é baseada em turbinas de petróleo e gás natural. Quanto à composição da receita obtida com as exportações, mais de 80% corresponde ao petróleo, assim como é mais de 10% a participação do setor petrolífero no PIB nacional. As reservas provadas e exploráveis de petróleo são de, aproximadamente, 138,22 bilhões de barris. As reservas de urânio não foram completamente estudadas, mas o país não pode ser considerado rico no recurso. De qualquer forma, estima-se que essa pequena quantidade seja suficiente para seu consumo próprio em geração de energia (AIEA, 2009). Tendo em vista a extrema dependência do país em relação ao petróleo, é sensato que o país busque fontes de energia alternativas em prol da sua segurança energética. 8 Atualmente, a importância secundária de Israel e terciária do Iraque subsumem, minimamente, a preocupação primária com os EUA. Israel é considerado um Estado nuclear opaco e, ainda que o conflito árabe-israelense tenha entrado nas considerações persas por volta dos anos 1980, é a ambiguidade de tratamento que os EUA dispensa à

de política doméstica e econômica, a liderança iraniana parece ter entendido que a possibilidade tangível de se ter armas nucleares constituía o único meio de se obter mais prestígio e respeito a nível regional e global e de se conseguir uma melhor posição de barganha em relação aos EUA, diminuindo assim o gap de assimetria de poder entre o país e a potência, reconhecidamente nuclear. Como o que o Irã ambiciona em relação aos EUA é o reconhecimento, da república islâmica e da sua proeminência a nível regional; o levantamento de sanções, para que o país volte a ter ganhos econômicos e de segurança; e o respeito à soberania, garantias de não invasão, como aconteceu no caso iraquiano, e de tentativas militares de mudança de regime e de combate ao terrorismo, a realização em maior ou menor grau dessas concessões sob a liderança de Obama constituíam, para Khan (2010), a solução exata para que a confiança fosse reconstruída entre os dois países e o caminho para o acordo, aberto – e, assim, ele parece ter acertado em seu diagnóstico. Entretanto, também foi comum encontrar na literatura do início do século autores que defendiam a intervenção militar e/ou a mudança forçosa de regime como o melhor jeito de se conseguir limitar e, em última instância, eliminar o programa nuclear iraniano. Sobhani (2004), Sokolski (2004) e os analistas do Centro Educacional em Política de Não proliferação são exemplos deles. Não discordando de Khan quanto às motivações e ambições iranianas, esses autores não viam o acordo como uma possibilidade no ambiente de desconfiança e hostilidade no início da década 2000 e defendiam uma postura rígida norte-americana, que deveria refletir ao mundo as consequências sofridas por qualquer Estado que tentasse burlar o regime nuclear. Além disso, uma mudança de regime não só poria fim ao programa nuclear iraniano, como também interromperia o financiamento do país à redes terroristas, combateria o fundamentalismo islâmico na região, aumentaria a estabilidade regional – sem disputas de hegemonia com aliados regionais americanos – e garantiria o fluxo constante de petróleo para o mercado internacional, atendendo a mais propósitos da política externa norte-americana. Dessa forma, esses autores teorizaram, assim como Jafarzadeh (2007), sobre as fraquezas do regime iraniano (falta de popularidade, estrategicamente isolado, corrupto e pleno de problemas econômicos), seus pilares de sustentação (repressão doméstica absoluta, exportação do terrorismo e do extremismo islâmico e obtenção de

Israel em relação aos demais países do Oriente Médio que mais desagrada o Irã. Essa mesma ambiguidade se aplica ao Iraque, que não sofreu retaliações pelo uso de armas químicas na guerra contra o Irã, mas foi invadido pelos EUA em 2003 sob essa mesma justificativa e de suspeita de armas nucleares, fazendo com que o Irã temesse ser o próximo alvo do desrespeito dos EUA pelas normais internacionais. (KHAN, 2010)

concessões dos países ocidentais), e meios de estimular essa mudança de regime (definição de novos arranjos de segurança regionais e empoderamento das forças de oposição locais). As sanções econômicas têm espaço nas duas perspectivas. Naquela que já defendia o acordo, elas são encaradas como fator de pressão, caso consigam transparecer os reais custos que seu alvo tem de incorrer em nome de continuar perseguindo a estratégia de ação “errônea”. Na perspectiva que favorece instrumentos de conflito, seu papel não é complemente negligenciado, mas é visto com mais pessimismo. Como compreende Sokolski (2004), caso não sejam usadas conjuntamente a outros mecanismos de prospecção de força, como formação de alianças e acordos militares, e não sejam muito restritivas, medidas de natureza diplomática como as sanções têm papel limitado.

3. O papel das sanções econômicas Sanção econômica, na sua básica designação, significa “restrição ao comércio”. Na sua tipologia, sanções econômicas podem assumir a forma de sanções comerciais, quando restringem importações e exportações, ou sanções financeiras, quando congelam ativos ou impedem o acesso do país sancionado ao capital internacional. (ZANELA, 2011) Sobre os questionamentos de sua utilidade, eficiência e moralidade, as sanções econômicas são instrumentos diplomáticos que incidem sobre aspectos financeiros e de segurança em ordem de conseguirem determinadas mudanças de comportamento de alguns Estados. Em casos onde a utilização da força não é a estratégia primordial de coerção, as sanções se tornaram elementos de política internacional na contenção de terrorismo e, principalmente, na manutenção de normas globais através de regulamentações financeiras para combater eventualidades como corrupção, lavagem de dinheiro, e suborno. De acordo com um estudo encabeçado pela Universidade de Columbia em Nova Iorque em um grupo de estudos focado no entendimento de sanções econômicas no Centro de Política Energética Global9, uma das mais singulares conquistas da utilização deste mecanismo de constrangimento de comportamento foi sua capacidade de isolar indivíduos particulares do sistema financeiro internacional. A estratégia recente da utilização de sanções está focada no 9

Program on Economic Statecraft, Sanctions and Energy Markets. Columbia SIPA: School of International Public Affairs; Center on Global Energy Policy dirigido por Richard Nephew, especialista em sanções para no comitê dos Estados Unidos em relação ao Irã entre maio de 2011 e janeiro de 2013.

setor energético, como é o caso do Irã, porque desta forma, a intenção é impedir o desenvolvimento da atividade econômica sem conectá-la com outros segmentos industriais. Os EUA utilizam das sanções em sua forma mais moderna para pressionar um alvo específico em um setor específico. Antigamente, os países sofriam sanções em sua economia como um todo, e agora, sofrem através de segmentos individualizados para punições particulares, o que traz um resultado mais rápido. (NEPHEW, 2015a) Entretanto, os tomadores de decisão política devem ter certeza sobre a imposição destas sanções, principalmente se o alvo que escolheram tem a vulnerabilidade que eles esperam. Sobre este retorno, é esperado que seja positivo quando os Estados atingidos passam a agir de maneira diferente de quando ainda não eram pressionados pelas sanções. O processo histórico da utilização das sanções econômicas varia de caso para caso e, principalmente, de acordo com a conjuntura da época em que foram implantadas. Estes elementos influenciam, inclusive, na efetividade das sanções, principalmente se foram bem sucedidas ou não. A história das sanções econômicas começou em pelo menos 432 A.C., e aproximadamente 187 delas tomaram forma depois da Primeira Guerra Mundial, sendo 66 destas iniciadas após o fim da Guerra Fria. (HUFBAUER et al. 2008) Seu funcionamento se dá através da pressão de um país ou comunidade internacional que através da imposição de sanções econômicas fazem com que a população do Estado sancionado force seus governos a adotarem as mudanças desejadas pelo agente sancionador. Todavia, quando a imposição destas sanções acontece em um país não democrático, os custos para as atividades de contestação que deveriam partir de sua população doméstica aumentam e transformam este processo em um aparato menos produtivo. Dessa forma, a população sofre duplamente, porque não só não consegue se voltar contra o próprio governo, como também sofre pressões sobre as condições de vida que lhes são impostas, principalmente pelo declínio de serviços públicos advindos de seu Estado sancionado. (OECHSLIN,2010) Dentre as diversas razões que influenciam um país a impor sanções em outro, está relacionado o fato de que o país sancionador é geralmente maior e mais influente que o país sancionado. Existem exemplos ao longo da história de Estados com uma política externa ativa que tentam incidir sobre seus vizinhos suas vontades, como é caso de Cuba e EUA. O segundo impôs sobre o primeiro sanções que coibiram a importação de bens vinculados a qualquer empresa americana, principalmente no setor energético, e restringiu a própria importação de açúcar cubano para reprimir as exportações do outro. Além disso, os EUA não enviavam

alimentos ao país caribenho, a não ser em casos de ajuda humanitária, e puniam empresas nacionais que se relacionam com o país. Com o fim da Guerra Fria e o colapso do bloco soviético, Cuba perdeu parceiros comerciais importantes e a dificuldade de se relacionar com os EUA contribuiu para o baixo desenvolvimento do país, principalmente no setor tecnológico. Este comportamento que está vinculado com um antagonismo de ideologias nascido com o final da Segunda Guerra Mundial, tem sido contraposto a negociações diplomáticas recentes que corroboram para a retomada das relações entre os dois países, embora algumas sanções ainda estejam em vigor. Percebe-se neste caso que países influentes como os EUA, por exemplo, utilizam das sanções econômicas para demonstrar seu controle em larga escala: Certamente, a comunidade internacional geralmente espera ações como esta – imposição de sanções – advinda dos Estados Unidos para demonstrar ultraje moral e reafirmar a aliança de que a América vai se posicionar a favor dos compromissos internacionais. (HUFBAUER et al., 2008, p.5, tradução nossa)10

Compromissos internacionais se referem à manutenção da paz e segurança, que segundo o capítulo VII da Carta das Nações Unidas legitima a aplicação das sanções. De acordo com o Artigo 41°: O Conselho de Segurança decidirá sobre as medidas que, sem envolver o emprego de forças armadas, deverão ser tomadas para tornar efetivas as suas decisões e poderá instar os membros das Nações Unidas a aplicarem tais medidas. Estas poderão incluir a interrupção completa ou parcial das relações econômicas, dos meios de comunicação ferroviários, marítimos, aéreos, postais, telegráficos, radioelétricos, ou de outra qualquer espécie, e o rompimento das relações diplomáticas. (CARTA DAS NAÇÕES UNIDAS, CAPÍTULO VII, ARTIGO 41°)

O Conselho de Segurança da ONU (CSONU) autorizou a imposição de sanções econômicas multilaterais no Iraque, por exemplo, através da Resolução 661 no ano de 1990, banindo as importações e exportações de bens, e excluindo apenas produtos voltados para a medicina e alguns alimentos. Isto deveria ser pago através da exportação de petróleo iraquiano para a ONU, algo conhecido como “Programa Petróleo-por-Comida11”, implantado através da Resolução 706 (1991) e 712 (1991), com vigor em 1996. Além disso, aprovou um bloqueio marítimo e aéreo do país e um embargo sobre armas de destruição em massa, tudo com o intuito de diminuir o potencial militar do país e promover uma mudança de regime através da 10

Original em inglês: “Indeed, the international community often expects such action from the United States, to demonstrate moral outrage and to reassure the alliance that America will stand by its international commitments.” (HUFBAUER et al. 2008, p.5) 11 “Oil-for-food-programme”. BOSSUYT, Marc. Comission on Human Rights, Sub-Comission on the Promotion and Protection of Human Rights. Fifty-Second Session. Item 12 of the provisional agenda. Capítulo IV, Estudos de Caso de Sanções, Iraque. Página 15, parágrafo 62

democratização. O problema foi que estas sanções debilitaram tanto o Estado que acabou por diminuir as condições de infra estrutura e saúde domésticas, além de atenuar a pobreza e aprofundar os conflitos entre facções internas, principalmente porque foram sancionadas logo após a Guerra do Golfo, acabando com a possibilidade de reconstrução do Estado iraquiano. Dessa forma, a população não teve forças para pressionar o governo, fazendo com que o primeiro propósito fosse, portanto, atingido, mas o segundo não. (OECHSLIN, 2011) Embora pareça contraditório, para serem impostas, nem sempre as sanções econômicas devem ser vinculadas com o CSONU, basta existir o interesse de uma das partes em sancionar o outro, como já exposto no caso de Cuba e EUA. É interessante analisar, ademais, o caso de Burundi, onde sanções econômicas foram impostas pelos governos da Tanzânia, Quênia, Uganda, Etiópia, Zaire, Ruanda e Namíbia, o que demonstra, portanto, uma característica de imposição regional. Um comitê de Coordenação das Sanções Regionais foi criado para implementar e monitorar estas sanções, que começaram a funcionar sem o averbamento do CSONU, cujo objetivo era encorajar a criação de uma nova Assembléia Nacional e finalizar os embates entre as duas principais etnias do país, os tutsi e os hutus. Posteriormente, o Conselho expressou através da Resolução 1072 (1996) o apoio a este acontecimento, principalmente vinculado com a Relatoria Especial da Comissão de Direitos Humanos. Organizações regionais são autorizadas a impor sanções pelo artigo 52 da Carta das Nações Unidas em prol da busca da paz em disputas locais, mesmo sem a permissão do CSONU e desde que os objetivos vinculados à esta ação estejam de acordo com os Princípios das Nações Unidas. (BOSSUYT, 2000) Percebe-se por meio destes casos brevemente expostos que o objetivo ideal da implementação das sanções não foi atingido. Cuba não substituiu sua ideologia socialista pela capitalista, o Iraque não se transformou em um país democrático, e Burundi não teve sua Assembléia Nacional reunificada, já que sofre com conflitos internos entre as etnias hutu e tutsi até os dias de hoje. Entretanto, é notável a mobilização que as sanções econômicas causam no sistema, principalmente em questões que incidem sobre a segurança. No caso do Irã, a história não é diferente. A utilização das sanções econômicas impostas unilateralmente pelos EUA depois da Revolução Iraniana desde 1979 não trouxe as modificações esperadas, pois foi apenas em julho deste anoque o Irã aceitou um acordo nuclear que prevê limitações ao seu enriquecimento de urânio e produção de plutônio, dentre outras medidas, em troca da retirada destas sanções. Em troca da limitação do programa nuclear, as sanções

econômicas seriam retiradas gradualmente e, assim, o país poderia se desenvolver economicamente, principalmente no setor voltado para a produção de petróleo e outras áreas industriais que reiteram as indústrias iranianas no cenário competitivo internacional, para além da possibilidade de importação de alimentos e remédios, favorecendo a população local, e ainda a reinserção do Banco Central Iraniano no sistema financeiro internacional, no que tange transferências internacionais de recursos e políticas de valorização da moeda nacional. O Irã não sofreu apenas com sanções impostas unilateralmente pelos Estados Unidos, mas também pelo CSONU e pela União Europeia, com diferenças entre si. As sanções multilaterais impostas pelo CSONU são direcionadas para atingir objetivos claros e bem definidos, afetando apenas setores específicos graças à sua preocupação em não gerar mal à sociedade iraniana: são as chamadas targeted sanctions. Já as sanções norte-americanas produzem efeitos gerais, por isso são denominadas comprehensive sanctions. Atuam similarmente as sanções impostas pela União Europeia, principalmente por atingir setores específicos da economia iraniana ao excluí-la do cenário internacional. (CARNEIRO, 2013.)

3.1 As sanções econômicas impostas pelos EUA ao Irã e seus principais desdobramentos

Ao fazer uma análise cronológica das sanções econômicas impostas ao Irã desde 1979, percebe-se que a primeira delas, imposta no dia 4 de novembro do ano em questão, foi consequência dos 60 diplomatas norte americanos feitos de refém por estudantes seguidores do Ayatollah Khomeini. Na época, o presidente dos EUA, Jimmy Carter impôs embargos sobre o petróleo que era importado do Irã e aos produtos que eram exportados ao país, com exceção de alimentos e medicamentos, além de proibir ajuda militar ao processo da Revolução Iraniana e congelar depósitos provenientes dos EUA. Em 1984, o Irã foi acusado de estar envolvido no bombardeio ao quartel de Fuzileiros Navais dos EUA instalado no Líbano e, por isso, o Estado foi adicionado à lista de países que apóiam o terrorismo internacional, o que levou o Departamento de Comércio dos EUA a impor regras anti-terroristas, proibindo ajuda externa, subsídios, ajuda financeira através de crédito e restringindo a transferências de armas e munições. Já em 1986 é implementado o Acordo “Contra-Irã”, que inicia controles sobre as exportações do país. No ano seguinte, acusações de lavagem de dinheiro, tráfico e produção de drogas levam o presidente norte-americano Ronald Reagan a invocar o Ato de 1961, proibindo a

assistência financeira ao Irã por meio de bancos de importação e exportação e bancos e corporações de investimentos, também instruindo representantes norte-americanos a negar empréstimos ao Irã. Ainda no mesmo ano, o Irã, já sob acusação de fomentar o terrorismo internacional e por não agir de acordo ao Tratado de Paz com o Iraque, agindo contra embarcações norte-americanas, foi proibido de conseguir aparatos de respiração submarina para importação ou exportação, além de outros produtos de alta tecnologia, sendo mais uma vez sancionados pelos EUA. O presidente Reagan evoca então a seção 505 do Ato de Segurança Internacional e Cooperação de Desenvolvimento de 1985, banindo a importação de bens e serviços do Irã, principalmente aqueles provenientes do petróleo, mas com algumas exceções. Entre os anos de 1989 e 1991, o Irã adquire material para a produção de armas químicas e biológicas e, como consequência, o Departamento de Comércio dos Estados Unidos impõe o controle das políticas de exportação, proibindo a chegada de qualquer elemento que fomente esta produção e que fosse advinda de território norte-americano. Em 1992, o então presidente George Bush assina o Ato de Autorização de Defesa Nacional no Congresso Nacional dos Estados Unidos, proibindo a exportação de substâncias com dupla-utilizaçao para o Irã, que tentava ter acesso à tecnologias sofisticadas por meio de aplicações militares. No ano de 1995 o Irã é acusado de terrorismo e aquisição de armas de destruição em massa ao se opor à paz no Oriente Médio, de forma que Clinton impõe comprehensive sactions em todas as transações bilaterais de investimentos com os EUA. No ano seguinte, e ainda sob acusação de promover o terrorismo, os EUA alegaram que iriam penalizar qualquer companhia internacional que investisse mais de U$20 milhões no setor petrolífero iraniano. Por fim, em 2001 e 2002 o Irã é acusado mais uma vez de guarida ao terrorismo, fazendo com que o presidente George W. Bush o considere um dos países do “Eixo do Mal”. (TORBAT, 2005) Durante esta trajetória, o saldo do relacionamento econômico entre os dois países pode ser averiguado no gráfico abaixo (IBID, 2005 p.414):

O ano de 1978 é propositalmente colocado no gráfico por Torbat para mostrar a relação comercial entre os dois países antes da Revolução Iraniana. A variação de importações e exportações entre os Estados é pautada no decorrer das sanções impostas ao longo dos anos. É inegável as consequências das sanções na economia iraniana, que por fazerem diferença, implicam na sua retirada em ordem de conseguir, porventura, o objetivo dos EUA de diminuir o potencial nuclear do inimigo. A imposição das sanções é, portanto, um ato de punição, já que inflige resultados negativos para o Estado sancionado, enquanto que a sua retirada é um ato de recompensa. A decisão iraniana de limitar o desenvolvimento do seu arsenal nuclear é visto pela comunidade internacional como um sinal de bom do comportamento, o que também comprova o quanto as sanções incomodam, e podem sim ser consideradas instrumentos de barganha política. Bossuyt (2000) afirma que as sanções econômicas podem ser avaliadas através de um teste de seis passos que torna possível responder a seis perguntas de maneira objetiva. Primeiro, deve-se saber se as sanções são aplicadas por razões válidas, e em seguida, se estas sanções têm como alvo os elementos corretos. Depois, se estas mesmas sanções interferem na proveniência de artigos essenciais à sobrevivência do país sancionado e se são razoavelmente limitadas pelo tempo em que serão impostas. Não obstante, deve-se saber se elas são efetivas e por fim, se estão livres de propostas contra a violação dos princípios da humanidade e da consciência pública. Especificamente no caso do Irã, nem todas as perguntas podem ser respondidas de maneira a corroborar com a proposição de Bossuyt, mas é seguro que as sanções são mecanismos utilizados

por potências para atingirem seus objetivos, ao mesmo tempo em que influenciam as tomadas de decisões internacionais, tornando-se um utensílio de coerção que substitui a guerra tradicional.

4. Contra todas as expectativas: o acordo nuclear

O acordo nuclear alcançado não elimina a já conquistada habilidade iraniana de enriquecer urânio, muito menos o programa nuclear em si, apenas tem o objetivo de restringir e monitorar esse programa para que ele permaneça pacífico, prevenindo que o Irã seja capaz de produzir armas nucleares no curto prazo ou possa tentá-lo de forma despercebida. Isso significa que seu cumprimento está atrelado a grandes limitações das atividades realizadas nas instalações nucleares iranianas12 em funcionamento e em visitas de monitoramento mais intensas e intrusivas. Assim que essas medidas forem minimamente efetivadas e devidamente verificadas pela AIEA, cabe aos países do P5+1 cumprirem com a sua parte e levantarem, gradualmente, as sanções econômicas, multilaterais e unilaterais, que impuseram. Sendo assim, EUA, União Europeia e Conselho de Segurança suspenderão gradativamente essas sanções de forma ordenada, setor a setor conforme foi definido, até que elas estejam completamente finalizadas dentro de oito anos contados a partir do Dia de Adoção do acordo ou até que a AIEA constate que o programa nuclear iraniano esteja totalmente enquadrado nas normas – o que vier primeiro. (AIEA, 2015; NEPHEW, 2015) As exigências do acordo por si só fazem com que sejam necessários meses para a sua implementação, sem levar em conta qualquer percalço natural da parte iraniana ou resistência do Congresso norte-americano. Em sua análise do acordo nuclear, Nephew (2015b) afirma que suas determinações estão longe de ser ideais, para os dois lados. O analista aponta que a melhoria da estabilidade regional e a redução do risco de uma corrida armamentista que começasse no Irã são de fato grandes conquistas – e as únicas factíveis nesse contexto –, mas como o programa nuclear iraniano não foi terminado, não há garantias reais que essa situação de tensão não se repita no futuro.

12

Ênfases devem ser dadas aos limites ao enriquecimento de urânio e às modificações na produção de plutônio realizada no reator de Arak. A busca pela ratificação do Protocolo Adicional acontecerá apenas ao fim desses oito anos, no chamado Dia de Transição. (AIEA, 2015) Para maiores especificações, favor consultar o acordo na íntegra em: https://www.iaea.org/sites/default/files/unsc_resolution2231-2015.pdf

Além disso, Nephew (2015b) destaca que o status quo da governança nuclear internacional não foi alterado e o efeito benéfico do levantamento das sanções vai demorar para se fazer sentir: o petróleo iraniano não vai fluir imediatamente para o mercado e, mesmo que o faça, com o preço do barril em baixa, o aumento do nível da produção iraniana e lançamento do estoque do país no mercado internacional podem ter impacto negativo; o mercado ainda está em clima de desconfiança, pois a aprovação do acordo não garante a manutenção do seu cumprimento no longo prazo, o que desestimula o fechamento de contratos no curto prazo e investimentos com longos prazos de maturação; os novos negócios estão sujeitos aos prazos estabelecidos em acordo, devendo estar dispostos a obedecê-los e a arriscar seus lucros em caso de inobservância iraniana e retorno de qualquer sanção econômica com intenção punitiva. Nesse ponto fica claro que a manipulação das sanções econômicas não só foi o principal meio pelo qual os países representantes dos interesses da comunidade internacional conduziram o Irã ao acordo, como continua sendo o maior instrumento que eles têm à disposição para fazer valer as determinações do acordo e punir o Irã em caso de deslize, por mais que o acordo tenha um mecanismo de solução de disputa previsto. Por fim, no que diz respeito ao uso sanções econômicas, Nephew (2015c) também faz alguns alertas. O acordo prevê o fim das sanções relacionadas ao programa nuclear, mas não legisla acerca das demais sanções que esses países e organizações possam impor ao Irã devido a violações de direitos humanos e apoio ao terrorismo. Caso o Irã interprete que manutenção dessas sanções “secundárias” gere inconsistência com o acordo por afetar a economia nacional da mesma forma, o país pode se achar no direito de descumpri-lo. Isso não significa que esses Estados não devem estar alerta ou deixar de utilizar as sanções como meio de garantir a paz internacional e o equilíbrio de poder regional, mas sim que devem ser cautelosos quanto ao setor alvo e proporção para não se tornarem medidas provocativas. Além disso, o presidente Rohani parece ser mais suscetível à insatisfação da oposição doméstica do que o seu antecessor, de forma que se a manutenção de algumas sanções não permitir o florescimento esperado da economia, o atual governo pode entrar em crise e como consequência, ou ignorar o acordo, ou ser substituído por outro governante que também o faça.

5. Considerações Finais

A partir da análise deste estudo de caso, ficou claro que as sanções são instrumentos coercitivos de política externa eficientes, sejam elas impostas unilateral ou multilateralmente. Espera-se que sua eficácia seja de fato reduzida quando são encaradas como medidas exclusivas, sobretudo na perseguição de objetivos ambiciosos como a alteração de regimes políticos. Entretanto, as sanções econômicas constituem um dos poucos meios que os países e organizações internacionais dispõem de exercer pressão a terceiros sem recorrer a qualquer tipo de violência material e, portanto, sem violar as normas do direito internacional. Sendo assim, para que sua utilização seja eficaz e leve aos resultados esperados de manutenção da ordem internacional, ela deve ser necessariamente usada de forma estratégica, ainda mais quando se destina a coerção de comportamento em questões de segurança internacional. Isso implica tanto na sua compreensão enquanto componente de um conjunto maior de medidas punitivas, quanto no entendimento mais completo possível do caso em que elas serão aplicadas, das forças em jogo para o alvo em questão: acontecimentos históricos marcantes e condicionantes, motivações, situação de equilíbrio de poder em que está inserido, alianças conhecidas e possíveis e, invariavelmente, principais pontos de estrangulamento de sua economia, política e sociedade, com destaque para a relação “política externa – lideranças políticas – sociedade”. O caso iraniano pode ser citado como um caso de sucesso da aplicação de sanções econômicas e de como esse sucesso foi condicionado pelo entendimento desses fatores. As sanções só fizeram efeito e o acordo foi negociado de fato depois que as inseguranças regionais e globais iranianas, historicamente construídas, foram compreendidas e devidamente lidadas pelas principais potências mundiais. Se se partir do ponto de vista do imperativo realista de que segurança vem em primeiro lugar, as sanções podem parecer ineficientes, mas caso sejam direcionadas para os setores críticos de renda nacional, seguindo a lógica de “bombardeios estratégicos”, elas tem seu potencial de resultados multiplicados. No caso do Irã, cujo regime não responde diretamente à insatisfação popular em relação à perda de qualidade de vida e restrições econômicas socializadas, as sanções só passaram a exercer verdadeira pressão quando atingiram a base de sustentação da segurança nacional, sempre ameaçada do ponto de vista das suas lideranças: restrição econômica e política à comercialização do petróleo – principal fonte de renda para a garantia de segurança – e negociação de armamentos. Esse é só um exemplo da importância de se entender o modus operandi da economia, política e sociedade nacionais, e da

necessidade de se promover uma estratégia de ação conjunta coesa, bem orquestrada entre os que impõem as sanções econômicas, para que uma medida não se contraponha a outra, e os efeitos de coerção das sanções não fiquem prejudicados no longo prazo – no caso iraniano, por exemplo, a proximidade diplomática com China e Rússia, duas das potências envolvidas, acabou por retardar ou diminuir por um tempo o efeito das sanções econômicas impostas pelo Conselho de Segurança. Por fim, assume-se que pouco se dedicou aos debates éticos e legais que circunscrevem o uso rigoroso de sanções econômicas, assim como à versão iraniana dos mesmos fatos. Tal escolha foi deliberada, pois sendo as sanções econômicas um instrumento claramente à disposição de potências, é o seu julgamento acerca das infrações aos regimes que importa a nível internacional, feliz ou infelizmente. Essa conclusão ainda esconde outros questionamentos que não devem ser negligenciados, a exemplo de como a estrutura de poder internacional e os regimes e normas internacionais são criados e mantidos por essas mesmas potências com o intuito de assegurar uma conformidade de comportamento dos Estados em uma ordem internacional que atende exclusivamente aos seus interesses e reflete seus valores, camuflando-os como universais. Mas essas críticas ficam para próximas pesquisas.

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