Determinantes da Renda e Condições de Vida das Famílias Agrícolas no Brasil

June 12, 2017 | Autor: Rodolfo Hoffmann | Categoria: Regional development, Sample Survey, Regression Model
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DETERMINANTES DA RENDA E CONDIÇÕES DE VIDA DAS FAMÍLIAS AGRÍCOLAS NO BRASIL Angela Kageyama Rodolfo Hoffmann Artigo publicado em EconomiA (ANPEC), v. 1, n. 2, julho-dezembro de 2000, p. 147-183.

Resumo: Utilizando dados da amostra da PNAD de 1997, são mensurados e analisados os efeitos da pluriatividade, localização regional, escolaridade e idade sobre a renda, a pobreza e o acesso a bens nos domicílios agrícolas no Brasil. Todas as variáveis mostraram efeitos significativos, mas região e escolaridade acima do primeiro grau têm maior importância na determinação da renda e das condições de vida das famílias agrícolas. Quando os domicílios são separados segundo a presença ou não da pluriatividade, observam-se grandes diferenças de renda a favor dos pluriativos, mas quando essa variável é incluída nos modelos de regressão seu poder explicativo das diferenças de renda e pobreza é baixo. Seus efeitos marginais sobre as variáveis dependentes analisadas são largamente superados pelos efeitos da região e da escolaridade.

Abstract: Using data from a sample survey (PNAD- Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios) of 1997, the effects of pluriactivity, region, schooling and age on earnings, poverty and house facilities of agricultural households in Brazil are measured and analyzed. The analysis has shown that all the explanatory variables have significant effects, but region and schooling above 8 years proved to be the main determinants of the income level and the living conditions of the agricultural families. When the households are separated according to the presence of pluriactivity, large differences of income in favor of the pluriactive are observed. However, when pluriactivity is included in the regression models, its effect on income and poverty is largely surpassed by those of region and schooling.



Docentes do Instituto de Economia da Universidade Estadual de Campinas, S.Paulo, Brasil. Os autores agradecem as sugestões dadas por dois pareceristas da revista, que contribuíram para melhorar a versão final do trabalho e permitiram delinear novos temas para a continuidade da pesquisa.

2

Introdução O Brasil é um país com uma das mais desiguais distribuições de renda do mundo: segundo o relatório do PNUD (Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento) de 1999, o PIB per capita dos 20% mais ricos (US$18.563,00) em 1994 equivalia a 32 vezes o dos 20% mais pobres (US$578,00); 28,7% da população ganhava menos de US$1,00 por dia e o índice de Gini, de 0,59, era maior que a média latino-americana (0,58) e um dos mais elevados do mundo.1 Muitos fatores contribuíram e contribuem, ano após ano, para que o quadro de disparidades de renda entre indivíduos e famílias dentro do país permaneça sem alterações substanciais. Entre os fatores estruturais de longo prazo podem-se citar a distribuição da riqueza, em especial a propriedade da terra, as profundas diferenças de escolaridade entre pessoas e regiões, os setores de atividade da população economicamente ativa –as rendas agrícolas, por exemplo, são sistematicamente menores do que em outros setores – e os contrastes do desenvolvimento entre as regiões, especialmente norte e nordeste contra sul e sudeste. Entre os fatores conjunturais ou de curto prazo que influenciam o nível e a desigualdade das rendas no Brasil podem-se citar a inflação e a evolução do salário mínimo legal.2 No setor agrícola, a renda média das pessoas ocupadas era de apenas US$231, contra US$462 da média geral dos setores em 19953; a proporção de pobres era de 0,588, contra 0,314 no total dos setores econômicos4. Um estudo dos determinantes das rendas pessoais no setor agrícola indica que a posição na ocupação, a educação, a região e a jornada semanal de trabalho são os fatores que mais contribuem para explicar as diferenças de renda entre as pessoas ocupadas. (Hoffmann, s.d.) Um aspecto novo, que também poderá contribuir para a diferenciação das rendas agrícolas no Brasil, é a presença de rendas não-agrícolas na área rural. No âmbito das novas relações entre o rural e o urbano  no que vem sendo chamado de “novo rural brasileiro”  um dos aspectos mais importantes é a presença de atividades não-agrícolas entre os membros das famílias rurais ou dedicadas

1

UNDP (United Nations Development Programme), 1999.

2

Sobre a desigualdade de renda e pobreza no Brasil, consultar Hoffmann (1998a e s.d.).

3

Em setembro de 1995, um dólar equivalia a R$ 0,954, valor de venda, final do mês.

4

Adotando uma linha de pobreza de R$143,15, com valor real igual ao maior salário mínimo vigente em agosto de 1980, de acordo com o INPC. Note-se que aqui se trata do sub-conjunto das pessoas de 10 anos ou mais ocupadas, razão pela qual a linha de pobreza corresponde a 1 salário mínimo. No presente trabalho a linha adotada é de meio salário mínimo per capita porque o conjunto estudado abrange todas as pessoas do domicílio, independente de idade ou atividade.

3 à agricultura, fenômeno conhecido como pluriatividade e já bem descrito por diversos autores5. Usando dados da PNAD de 1995, Kageyama (1999b) mostrou que os domicílios pluriativos no Brasil representam 37% (mas em alguns estados chegam a 50% ou mais) dos domicílios agrícolas e abrigam 43% do total de residentes (cerca de 18 milhões de pessoas). Em todas as variáveis que representam melhores condições de vida e de trabalho (escolaridade, infra-estrutura domiciliar, renda, etc.) pode-se verificar que em média os domicílios pluriativos encontram-se em melhor situação. Destacam-se as diferenças de renda (28% maior nos pluriativos), de inserção no mercado de trabalho (nos monoativos há 55% a mais de pessoas ocupadas porém “fora do mercado de trabalho”) e de grau de instrução (nos monoativos há 71% a mais de pessoas sem instrução). Uma questão ainda não respondida pelas pesquisas sobre o tema no Brasil é em que medida as diferenças observadas entre os tipos de domicílios agrícolas se devem à presença da pluriatividade e em que medida se devem à sua localização em determinadas regiões do país. Em outros termos, como separar e mensurar o efeito regional e o efeito da inserção em diferentes mercados de trabalho ou acesso a diversas fontes de renda, típico da pluriatividade, nos determinantes das diferenças de renda entre os domicílios agrícolas? Pesquisa recentemente desenvolvida pela FGV e CNA em 11 estados do Brasil, junto a 1837 estabelecimentos agrícolas, revelou que 82% das famílias entrevistadas têm outras fontes de renda geradas fora de seus estabelecimentos e que aproximadamente 11% da renda familiar desses produtores provém de fontes não-agrícolas, destacando-se a previdência. As aposentadorias constituem a forma mais freqüente de renda não-agrícola, vindo a seguir o trabalho fora do estabelecimento. Essa pesquisa constatou diferenças regionais importantes no peso das rendas não-agrícolas e em outras características dos produtores, mas no geral conclui que “a existência de alternativas de trabalho fora do estabelecimento é crítica para complementar a renda das famílias rurais pobres e deve ser levada em conta no desenho de políticas de assentamentos e outras voltadas para aliviar o problema da pobreza rural”. (CNA et al., 1999:23).

O objetivo deste artigo é analisar os determinantes das condições de vida – representadas pela renda, pobreza e acesso a bens domésticos – dos domicílios agrícolas no Brasil. Além de fatores tradicionalmente incluídos nesse tipo de análise, como idade, educação e localização regional, incluiuse também a pluriatividade. Dada a região, a pluriatividade pode ser um dos fatores determinantes das 5

Ver, por exemplo, Del Grossi e Graziano da Silva (1998), Graziano da Silva (1999), Kageyama (1999a e 1999b), Schneider (1999).

4 diferenças de renda e de condições de vida em geral entre os domicílios agrícolas, mas considerando o país como um todo o componente regional pode ter um efeito significativo sobre essas condições. Deve haver, inclusive, um efeito combinado dos dois determinantes (interação entre pluriatividade e região), dada a importância do contexto local para as características da própria pluriatividade. Diversos trabalhos apontam a importância das rendas não-agrícolas para o desenvolvimento das áreas rurais6. A pesquisa do Arkleton Trust (1992) sobre a pluriatividade na agricultura européia constatou que o nível, a composição e a evolução das rendas das famílias agrícolas dependeram crucialmente, entre 1987 e 1991, do contexto regional (cinco zonas de estudo) e da situação da pluriatividade (sua maior ou menor intensidade e diversificação). Esse trabalho evidenciou que a mãode-obra agrícola está cada vez mais direcionada a atividades não-agrícolas e a atividades relacionadas com a agricultura fora de seu estabelecimento; a pluriatividade mostra-se um fenômeno estável e disseminado em todos os tipos de regiões, com 63% dos estabelecimentos apresentando algum membro da família engajado em atividades pluriativas. Paralelamente, em metade das explorações existe pelo menos uma pessoa de mais de 60 anos e, destas explorações, dois terços receberam rendas nãoagrícolas de auxílios sociais, especialmente aposentadorias. O Banco Mundial tem produzido inúmeros relatórios reconhecendo que a agricultura não é a atividade exclusiva e, em muitos países, nem sequer dominante, nas áreas rurais, enfatizando a importância das rendas não-agrícolas nessas áreas dos países em desenvolvimento ou subdesenvolvidos. Na visão do Banco esse seria na verdade um importante componente do desenvolvimento e da redução da pobreza rural, a ser devidamente contemplado nas ações por ele implementadas. A principal recomendação para as estratégias de ações para o meio rural está em ampliar o foco sobre o rural, abandonando o “estreito foco do setor agrícola”. (World Bank, 1997 e 2000). Entre as questões mais enfatizadas na literatura está a heterogeneidade do setor rural nãoagrícola e, portanto, de seu papel no crescimento e na distribuição da renda rural. Segundo Lanjouw (1999), esse componente da economia rural compreende um amplo espectro de atividades e formas institucionais e requer políticas muito específicas e de caráter local. Para tanto é necessário dispor de uma tipologia das atividades rurais não-agrícolas que contemple simultaneamente a desagregação setorial (atividades manufatureiras, serviços de diferentes qualificações, empregos assalariados, etc.) e

6

Ver a revisão da literatura apresentada em Kageyama (1998).

5 as faixas de famílias ou domicílios que estão voltados para essas diferentes atividades (por exemplo, os estratos da distribuição da renda, do mais pobre ao mais rico). Aplicando esse critério cruzado em surveys realizados na Índia, conclui que os diferentes tipos de atividades adquirem importância diferente para os pobres: trabalho assalariado agrícola e empregos casuais não-agrícolas são as fontes de renda mais importantes para as camadas mais pobres, enquanto trabalhos regulares no setor nãoagrícola estão associados aos estratos mais ricos; o trabalho autônomo não-agrícola é particularmente importante para a camada intermediária7. Esse mesmo autor aponta, ainda, a importância da educação na determinação do tipo de atividade não-agrícola em que os indivíduos se engajam, assim como nos rendimentos que obtêm por esse meio. De fato, os retornos obtidos com educação no setor rural nãoagrícola se mostram bem maiores do que nas atividades rurais agrícolas, apontando que a expansão de um setor rural não-agrícola de alta produtividade e com oferta de empregos regulares e qualificados, que possa reduzir a pobreza nos países em desenvolvimento, depende crucialmente de uma elevação geral dos níveis educacionais. Ao lado da educação, os serviços de infra-estrutura, como estradas e comunicações, são essenciais para reduzir os custos de transação das possíveis empresas não-agrícolas no meio rural e, assim, elevar indiretamente as rendas rurais não-agrícolas. As principais razões pelas quais as famílias agrícolas pobres diversificam suas fontes de renda são: a elevação e a estabilização dos rendimentos (ou diminuição de sua variação sazonal), a redução do risco e a melhoria das perspectivas de renda de longo prazo, ao adquirir qualificações ou outros ativos, por exemplo. (Gordon, 1999). Mas o acesso a essas fontes de renda não se dá de forma igual para todos: educação, acesso a crédito e contatos influentes possibilitam melhores ocupações e, portanto, maiores rendimentos. As camadas mais pobres  com menor acesso a educação e crédito  ficam com empregos assalariados sem qualificação e trabalhos autônomos de baixa remuneração. Até mesmo o estado de saúde e nutrição dessas camadas restringe suas opções de trabalhos não-agrícolas, bem como as deficientes condições de infra-estrutura que geralmente permeiam as localidades onde residem. Em particular, a educação contribui para o crescimento das atividades não-agrícolas no meio rural, ao elevar a produtividade da força de trabalho nos diversos serviços e nas atividades manufatureiras e ao estimular a capacidade empresarial nas indústrias rurais e em outras atividades.

7

Trabalhos conduzidos em diversos países da Ásia mostram que a participação das rendas não-agrícolas (RNA) na renda total das famílias que dependem da agricultura é bastante variável entre os diversos estratos de renda. Considerando os quintos da população, a proporção representada pelas RNA pode ser crescente ou decrescente, dependendo das particularidades do país e do tipo de atividade não-agrícola praticada. Ver Delgado e Siamwalla, 1997.

6 Segundo Reardon et al. (1998), num ambiente de risco, como é o caso da agricultura, as famílias rurais decidem alocar (ao menos) parte de sua força de trabalho em atividades não-agrícolas devido às seguintes razões: os retornos relativos são melhores no setor não-agrícola, a partir de certa escala mínima de operação; a sazonalidade das colheitas e os riscos climáticos inerentes à atividade agrícola tornam a renda vulnerável e impedem estratégias adequadas de estabilização; a diversificação de atividades pode constituir uma estratégia ex-ante para evitar os riscos de instabilidade da renda; a família pode necessitar de recursos monetários imediatos para comprar insumos, o que nem sempre é garantido pelas receitas descontínuas da agricultura. A relação entre a participação das rendas nãoagrícolas (RNA) e o nível total de renda dos domicílios  ou, de outra forma, em que medida as RNA possibilitam elevar a renda total  não é clara8. Reardon et al. mostram que existem evidências de relação linear negativa e forte entre a participação das RNA e a renda total (Quênia, Índia, Paquistão e México), assim como relação positiva e linear (Moçambique, Nigéria, Ruanda, Filipinas, Equador, Vietnam, El Salvador). Entre esses extremos também são observadas outras situações, como a falta de relação (Etiópia), uma relação em forma de U invertido (Badin, no Paquistão) e, a mais comum, em forma de U (Indonésia, Attock no Paquistão, Argentina e Equador). A chave da explicação para tamanha heterogeneidade estaria nas enormes diferenças na natureza das atividades não-agrícolas que são adotadas pelas famílias pobres e pelas ricas, pelos pequenos e pelos grandes estabelecimentos agrícolas, mesmo no interior de uma mesma região. Os pobres tendem a desempenhar trabalhos que não exigem qualificação especial, seja como assalariados agrícolas seja em serviços não-agrícolas de baixa remuneração, enquanto os mais ricos podem assumir tarefas que exijam um veículo, um pequeno comércio ou um trabalho assalariado qualificado. Em outro trabalho, Reardon complementa as razões para a participação em atividades nãoagrícolas acrescentando, além dos fatores de incentivo acima apontados, aqueles ligados à capacidade de os membros do domicílio poderem assumir tais atividades. Essa capacidade é determinada pela educação, renda e ativos disponíveis, acesso a crédito, etc.. Em relação especificamente à educação, seu efeito vai além da elevação dos níveis de RNA, mas pode afetar inclusive a distribuição da renda: a educação é um determinante significativo do sucesso das atividades não-agrícolas, do nível dos salários e da produtividade. Desde que o acesso à educação não seja restrito às famílias de maior renda, ela é um fator importante para criar uma distribuição de renda mais igualitária. Estudos de caso realizados 8

Menos clara ainda é a influência da pluriatividade ou das RNA na desigualdade da distribuição de renda. Para uma discussão a respeito desse tema ver Reardon (1999).

7 em vários países mostram a importância da educação tanto na diversificação das fontes de renda, no salto das atividades agrícolas para não-agrícolas, como nos tipos de atividades ou trabalhos conseguidos fora do estabelecimento agrícola. (Reardon, 1999). Ao analisar as relações entre pobreza e diversas características dos domicílios (urbanos e rurais) no Brasil, Ferreira et al. (2000) utilizam um modelo próbite em que a variável dependente é uma medida de pobreza calculada a partir da PPV (Pesquisa sobre Padrões de Vida) de 1996 e as variáveis explanatórias incluem variáveis demográficas (tamanho do domicílio, tamanho do domicílio ao quadrado, proporção de crianças com menos de 5 anos no domicílio, proporção de pessoas de 5 a 15 anos, proporção de pessoas de mais de 65 anos), características do chefe da família (idade, idade ao quadrado, anos de estudo, gênero e cor, posição no emprego), características do domicílio (tipo de piso, número de dormitórios, tipo de rua em que se localiza o domicílio e variáveis binárias para favela, água encanada, eletricidade e telefone), região (RM de Fortaleza, RM de Recife, RM de Salvador, outras urbanas do Nordeste, Nordeste rural, RM de Belo Horizonte, RM do Rio, outras urbanas do Sudeste, Sudeste rural e RM de São Paulo). Os resultados apontaram uma relação positiva e côncava entre o tamanho do domicílio (em número de pessoas) e a pobreza, positiva e linear para presença de crianças, mas não significativa para idosos (mais de 65 anos); educação aparece significativa e negativamente correlacionada com a probabilidade de ser pobre, mas idade, gênero, cor e status ocupacional do chefe da família mostraram correlações não significativas com a pobreza; quase todas as características do domicílio estão associadas com a pobreza, mas nesse caso o sentido da causação é inverso, isto é, da pobreza para as condições domiciliares. O efeito mais “dramático”  termo usado pelos autores  sobre a probabilidade de ser pobre foi a localização regional: saindo da região usada como base, a metropolitana de São Paulo, qualquer outra localização, sobretudo no Nordeste, aumenta sensivelmente a probabilidade de pobreza, controlados todos os demais fatores. As conclusões dos autores em termos de recomendações de políticas vão em três direções: a preservação de programas de educação primária e saúde básica, em particular nas áreas rurais e cidades periféricas do Nordeste; a extensão de redes públicas de proteção e educação aos trabalhadores dos setores informais; dada a alarmante dimensão espacial da pobreza, todos os gastos sociais devem ser direcionados geograficamente de forma bastante específica. Os trabalhos analisados permitem estabelecer alguns pontos de partida para uma análise empírica da renda e pobreza das famílias agrícolas ou rurais:

8 a)

no caso mais geral, a presença de rendas não-agrícolas, ou a pluriatividade, deve ser um fator de elevação da renda média dos domicílios agrícolas;

b)

o peso relativo das rendas não-agrícolas deve variar conforme o nível de renda total e a localização dos domicílios;

c)

a localização regional deve ter um forte efeito nas possibilidades de obter RNA e, também, nos níveis gerais de renda e pobreza;

d)

a origem das RNA (serviços, indústria, artesanato, turismo, trabalho assalariado ou autônomo, etc.) é um importante fator na determinação de seu nível;

e)

a educação aparece como um importante determinante das possibilidades de obter RNA e também do nível geral de renda dos domicílios rurais9.

Este trabalho constitui apenas um primeiro passo na direção do programa de pesquisa sugerido pelas indicações acima referidas, devendo ser complementado futuramente por estudos mais detalhados dos tipos de RNA e das outras variáveis explanatórias.

1. Metodologia 1.1. Unidades de observação e fonte dos dados A unidade de observação elementar é o domicílio agrícola, cujas características são descritas a partir dos dados da PNAD (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios, do IBGE) para o ano de 1997. A escolha da definição de domicílio agrícola afeta o tamanho da amostra e, conseqüentemente, da “população agrícola”. Vários critérios, isolados ou combinados, podem ser usados para separar os domicílios segundo categorias sócio-profissionais ou setoriais. Inicialmente, pode-se escolher entre uma pessoa de referência no domicílio (o chefe da família, geralmente) ou o grupo de pessoas a que o atributo setorial (ramo de atividade em que trabalha) será referido. Em seguida, é necessário escolher a variável para representar o setor de atividade (principal ou secundária) daquela pessoa ou grupo. Entre as variáveis que podem desempenhar tal papel estão a renda, o tempo de trabalho, objetivamente medidos, ou a própria declaração do entrevistado sobre o setor que julga mais importante.

9

Para uma análise do papel da educação no desenvolvimento socioeconômico em geral ver Paes de Barros et al., 2000.

9 Segundo Hill (1990), em estudo para identificar a população que seria objeto da PAC (Política Agrícola Comum, adotada na Europa), a definição da “comunidade agrícola” deve contemplar princípios gerais como a proporção da renda agrícola, o número de horas trabalhadas na agricultura e o tipo de dependência em relação a essa atividade (se produtor independente ou trabalhador empregado). Destaca cinco critérios que podem ser combinados para separar os domicílios agrícolas dos nãoagrícolas: a residência do produtor, a detenção do controle dos resultados da produção, a posse da terra, o trabalho agrícola entre os membros do domicílio e a proporção da renda agrícola na renda total. Mas, como enfatiza o autor, “na escolha do melhor critério para definir domicílio agrícola, entre as várias alternativas, o componente mais essencial é o objetivo da política para a qual a classificação será usada”(p.321).

Assim, por exemplo, para uma política “produtivista” pode ser recomendável uma definição baseada na contribuição dos membros do domicílio para a produção agrícola; mas se o objetivo da política for o bem-estar da população agrícola, um critério mais abrangente de domicílio agrícola deveria ser adotado. Nos estudos baseados em dados da PNAD tem sido variada a unidade de análise das atividades agrícolas e rurais no Brasil. Nas pesquisas sobre o “novo rural”, por exemplo, Graziano da Silva (1999) utilizou conceitos como o de PEA (população economicamente ativa) ampliada e PEA restrita e, ainda, PEA rural, para analisar as atividades não-agrícolas presentes na área rural. Em outro trabalho, Del Grossi e Graziano da Silva (1998) adotaram como unidade de observação a “família agrícola”, definida como aquela residente em domicílios permanentes urbanos ou rurais onde pelo menos um dos membros declarou ter exercido atividade agrícola no ano anterior ou na semana de referência da pesquisa, como ocupação principal ou secundária. Neste trabalho definimos domicílios agrícolas como os domicílios particulares permanentes em que houvesse pelo menos uma pessoa de 10 anos ou mais com ocupação principal na agropecuária no ano de referência da PNAD. Para os não-remunerados e os dedicados apenas ao autoconsumo ou autoconstrução foram considerados ocupados apenas aqueles com jornada semanal de trabalho de 15 ou mais horas10. Entre os moradores dos domicílios assim definidos foram eliminados os pensionistas e

10 As PNADs dos anos 90 computam como trabalho a atividade (remunerada ou não) exercida durante pelo menos 1 hora por semana. Antes de 1992, seguindo o padrão do Censo Demográfico, para que um membro não-remunerado de uma família fosse considerado economicamente ativo, deveria ter uma jornada semanal de pelo menos 15 horas. No presente trabalho foi introduzido o mesmo tipo de restrição, por ser a população não-remunerada na agricultura particularmente elevada, correndo-se o risco de exagerar a PEA do setor.

10 empregados domésticos e seus parentes, por não constituírem parte efetiva das famílias agrícolas, não participando das decisões produtivas e de consumo. Embora a PNAD seja a fonte não censitária mais importante para o estudo da pluriatividade, ela apresenta uma grande limitação no que se refere às variáveis de rendimentos, especialmente para o setor rural. Ferreira et al.(2000) analisam detalhadamente as deficiências da PNAD em relação à renda, sobretudo quando se pretende que esta reflita adequadamente o nível de vida das pessoas e domicílios. Segundo esses autores, os problemas principais residem na precariedade (ou ausência) das questões sobre rendimentos variáveis, autoconsumo, transferências e rendas de propriedade; na aplicação do mesmo tipo de questão para os rendimentos do trabalho para os empregados formais, informais, autônomos e proprietários que trabalham a própria terra; na ausência de valores para rendas ou benefícios em espécie dos produtores agrícolas e trabalhadores por conta própria

(há apenas

quantificação dos valores pagos em espécie como remuneração de empregados ou parceiros); na ausência de questões sobre gastos com insumos, o que afeta diretamente a renda líquida dos produtores rurais, por exemplo. Esses fatores afetam mais fortemente as pessoas ligadas à agricultura ou ao meio rural e, como resultado final, fazem com que a PNAD subestime as rendas e superestime a pobreza, especialmente na área rural. É claro que os resultados do presente trabalho sofrem das limitações inerentes aos dados e devem ser vistos como indicadores aproximados do fenômeno estudado.11 Para a definição das regiões, utilizou-se o trabalho de Kageyama e Silveira (1997), que propõem uma divisão do país em quatro regiões, segundo os diferentes graus e características do desenvolvimento da agricultura: Região I: formada pelos 9 estados do Nordeste (Maranhão, Piauí, Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba, Pernambuco, Alagoas, Sergipe e Bahia), mais os estados de Tocantins e Mato Grosso; Região II: formada pelos 3 estados do Sul (Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul); Região III: formada pelos estados de Minas Gerais, Espírito Santo, Rio de Janeiro e Goiás; Região IV: formada por São Paulo, Mato Grosso do Sul e Distrito Federal. A primeira região possui o nível mais baixo de modernização agrícola, incluindo áreas de agricultura extensiva e atrasada e outras com limitações naturais (secas, por exemplo) e tecnológicas; em contraste com esse grupo está a região IV, representando o nível máximo de modernização, 11

Para minorar o problema dos dados da PNAD, Ferreira et al. fazem um interessante percurso metodológico, que inclui a construção de deflatores específicos por região, a imputação de valores aos serviços da renda que os proprietários de diferentes tipos de domicílios obtêm e a comparação de diferentes estimativas de pobreza, utilizando a PNAD e a PPV, para testar a robustez dos resultados. Ver Ferreira et al., 2000.

11 notadamente do ponto de vista do “pacote tecnológico” em sentido estrito (inovações químicas e mecânicas). Também com alto grau de modernização encontra-se a região II, formada pelos três estados sulinos, mas o vetor principal do desenvolvimento agrícola neste grupo está nas formas organizacionais diferenciadas, especialmente a filiação a cooperativas; o nível tecnológico desses estados é relativamente elevado, a base da agricultura é familiar e organizada de forma moderna, com destaque para o aspecto institucional representado pelas cooperativas. A região III pode ser considerada “intermediária”, sendo mais representativa do estado de Minas Gerais, que possui formas de produção agrícola e pecuária bastante heterogêneas.

1.2. Indicadores Os indicadores referem-se aos atributos dos domicílios que foram pesquisados: a) renda domiciliar per capita (rendimentos de todas as fontes por pessoa no domicílio), em reais de 1997; b) pobreza (variável binária): foram considerados pobres os domicílios em que a renda média por pessoa residente estivesse abaixo de meio salário mínimo corrente (R$60,00). Em princípio o ideal seria utilizar linhas de pobreza regionalmente diferenciadas, levando em consideração as variações interregionais do custo de vida para pessoas relativamente pobres. No entanto, observa-se que os autores que têm feito essa tentativa têm obtido resultados muito distintos para as diferenças regionais de custo de vida (ver Rocha 1995 e 1997, Kilsztajn 1998 e Ferreira et al.2000). Tendo em vista que essas diferenças regionais não são grandes, é razoável adotar uma linha de pobreza uniforme; c) pluriatividade: foram definidos como pluriativos os domicílios agrícolas em que pelo menos uma das pessoas residentes tinha atividade principal, no ano de referência, em algum setor não-agrícola (indústria, comércio, serviços ou outro). Note-se que a pluriatividade foi tratada como um atributo do domicílio (ou da “família”), e não das pessoas individualmente, sob a forma de uma variável binária (o domicílio é ou não pluriativo). Esta opção introduziu limitações no trabalho: de um lado, impede um estudo do efeito da proporção das RNA sobre a renda e a pobreza; de outro, impede estudar a influência das diferentes fontes de RNA (trabalho desqualificado, pequenas empresas, trabalho regular e qualificado, etc.) na renda e pobreza dos domicílios agrícolas; nesse sentido, o indicador de pluriatividade é apenas uma primeira aproximação ao problema, devendo ser refinado em pesquisas futuras;

12 d) região: foram construídas 3 variáveis binárias para representar as 4 regiões, ficando a região I (Nordeste, TO e MT) como categoria de referência; e) infra-estrutura (índice de condições de vida): a partir da média aritmética de cinco variáveis binárias (presença ou não de água canalizada, rede de esgoto ou fossa, iluminação elétrica, geladeira e telefone) foi calculado um índice que varia entre zero e um. Quanto mais próximo de um, melhores as condições de infra-estrutura domiciliar; f) proporção de pessoas de 5 anos ou mais com um a 8 anos de estudo em relação ao total das pessoas residentes nos domicílios; as pessoas sem escolaridade não estão incluídas nessa proporção; g) proporção de pessoas com 9 anos ou mais de estudo no domicílio; h) proporção de pessoas com 14 anos ou mais de idade no domicílio. Este indicador procura captar a disponibilidade de força de trabalho adulta no domicílio, o que em princípio favoreceria a elevação da renda domiciliar, inclusive com rendas não-agrícolas; i) proporção de pessoas com mais de 60 anos de idade no domicílio. Este indicador procura captar a possível presença de rendas não-agrícolas provenientes de aposentadorias e pensões, que parece estar adquirindo importância crescente para os domicílios agrícolas. Mas a relação de causalidade com a renda, nas regressões, não é muito clara para esta variável: um efeito positivo na renda deve ser interpretado no sentido de que a presença de idosos favorece a ocorrência de aposentadorias e pensões e, portanto, contribui para elevar a renda do domicílio, ou, ao contrário, deve-se entender que a maior proporção de pessoas idosas é decorrência de uma maior renda e um melhor padrão de vida, devido ao aumento da esperança de vida? Esta é uma discussão em aberto, mas mesmo assim preferimos manter a proporção de idosos entre as variáveis explanatórias nos modelos.

1.3. Modelos Para avaliar a influência da pluriatividade, região, educação e idade sobre as rendas agrícolas foram ajustadas equações de regressão em que o logaritmo da renda familiar per capita dos domicílios agrícolas é a variável dependente. O modelo logarítmico tem mostrado sempre maior poder explicativo quando a variável dependente é o rendimento ou a renda, estando já seu uso consagrado na literatura. Observações empíricas de que o logaritmo da renda tem distribuição aproximadamente normal, aliadas ao fato de que os elementos aleatórios que afetam a renda tendem a ter efeitos proporcionais à renda (e não absolutos), têm reforçado na prática a utilização desse modelo.

13 Neste trabalho o modelo utilizado para a renda domiciliar per capita (Y) foi do tipo: ln Y j = α + ∑ β i X ij + u j i

onde α e β i são parâmetros e uj são os erros aleatórios obedecendo às pressuposições usuais. O ajustamento foi feito por mínimos quadrados ponderados, utilizando o peso (fator de expansão) de cada domicílio da amostra da PNAD como fator de ponderação. Deve-se lembrar que os coeficientes de regressão, nesse tipo de modelo, medem a mudança relativa (ou proporcional) na renda dada uma variação absoluta nas variáveis explicativas (Xi). Assim, por exemplo, para uma estimativa b de um coeficiente, 100[eb−1] dará a variação percentual esperada em Y dada uma variação de 1 unidade em X, descontados os efeitos das demais variáveis explanatórias incluídas no modelo. Se X é uma variável binária, obtém-se a diferença percentual entre o valor esperado de Y na categoria tomada como base e o valor da categoria para a qual a variável binária assume valor 1. As outras variáveis dependentes estudadas, pobreza e condições de infra-estrutura domiciliar, têm a particularidade de ser binárias (pobre e não-pobre) ou proporções (índice de infra-estrutura). Nesses casos foi utilizado o modelo lógite, também ponderando as observações pelo fator de expansão da amostra da PNAD12. Seja Z a variável dependente que assume só dois valores (0 e 1), por exemplo, e que haja um conjunto de k variáveis explanatórias que afetam a probabilidade de Z ser igual a 0 ou 1. Sendo xi o vetor-coluna com os valores dessas variáveis para a i-ésima observação, no modelo do lógite a relação entre o vetor xi e a probabilidade Pi de ocorrência do evento é Pi =

1 1 + exp(− x ′i β

)

onde β é o vetor-coluna de parâmetros.

Denomina-se lógite a variável

12

Para uma apresentação simplificada do modelo ver Gujarati (1995). Para uma exposição mais completa ver Greene (2000).

14

Li = ln

Pi = x ′i β 1 − Pi

Se b é o vetor das estimativas dos parâmetros, obtido pelo método da máxima verossimilhança, o lógite estimado para a i-ésima observação é

Lˆ i = x ′i b

e a correspondente probabilidade estimada é

Pˆi =

1 1 + exp( − Lˆ i )

Se a resposta observada é uma variável binária Zi que é igual a 1 quando o evento ocorre e é igual a zero quando o evento não ocorre, e considerando todos os pares de observações com valores distintos da resposta (ou variável dependente), cada um desses pares é denominado concordante se a probabilidade estimada for maior para a observação com Z i = 1 , isto é, se Zi e Pˆi variam no mesmo sentido no par. O par é denominado discordante se Pˆi é menor na observação com Z i = 1 . Se o valor de Pˆi for o mesmo nas duas observações o par é um empate. Sejam nc , nd e ne o número de pares concordantes, o número de pares discordantes e o número de empates, respectivamente. O número total de pares com valores distintos de Zi

é,

obviamente, nt = n c + n d + n e

Define-se a seguinte medida de correlação de ordem entre as respostas observadas e as probabilidades estimadas:

c=

nc + 0,5ne nt

15

Essa medida pode ser usada para avaliar a qualidade global do modelo de lógite ajustado.

2. Análise preliminar dos dados A tabela 1 mostra o número de domicílios agrícolas e seus residentes por região, segundo a presença da pluriatividade, após expansão da amostra da PNAD de 1997, utilizando o peso do domicílio fornecido pelo IBGE. Tabela 1. Domicílios agrícolas e pessoas residentes em 4 regiões do Brasil em 1997 conforme o tipo (monoativo e pluriativo) Região e tipo

Domicílios

(%)

Pessoas

(%)

região I

4.185.012

50,3

19.637.627

53,7

monoativo

2.960.018

35,6

12.744.250

34,9

pluriativo

1.224.994

14,7

6.893.377

18,9

região II

1.473.121

17,7

5.834.655

16,0

monoativo

1.013.079

12,2

3.751.226

10,3

pluriativo

460.042

5,5

2.083.429

5,7

região III

1.770.692

21,3

7.466.823

20,4

monoativo

1.122.970

13,5

4.269.831

11,7

pluriativo

647.722

7,8

3.196.992

8,7

região IV

886.120

10,7

3.623.119

9,9

monoativo

504.761

6,1

1.833.032

5,0

pluriativo

381.359

4,6

1.790.087

4,9

8.314.945

100,0

36.562.224

100,0

Total Geral total monoativos

5.600.828

67,4

22.598.339

61,8

total pluriativos

2.714.117

32,6

13.963.885

38,2

Dos 8,3 milhões de domicílios agrícolas (excluindo a região Norte), em que vivem 36,6 milhões de pessoas, observa-se que aproximadamente 36% encontram-se na região mais pobre e de agricultura mais atrasada e são exclusivamente agrícolas. Os pluriativos representam cerca de um terço dos domicílios agrícolas no total das regiões e abrigam 38% dos residentes.

16 A combinação da região com a presença ou não da pluriatividade confere aos domicílios agrícolas características médias bastante distintas. Assim ocorre, por exemplo, com as características associadas à renda e pobreza, como mostra a tabela 2. Nessa tabela foram incluídas as pessoas com rendimento igual a zero e excluídas as sem declaração de renda. Tabela 2. Características da renda e pobreza nos domicílios agrícolas por região do Brasil em 1997 (n =16291 domicílios na amostra) . Regiões e tipos Renda média (R$ de 1997 per capita) região I 61,8 monoativo 55,0 pluriativo 74,3

% Pessoas pobres

Índice de pobreza Índice de Foster, de Sen Greer e Thorbecke (P2) 72,2 0,482 0,242 76,5 0,534 0,282 64,1 0,380 0,169

Índice de nível de vida 0,25 0,20 0,36

região II monoativo pluriativo

145,7 128,9 176,0

34,9 41,4 23,1

0,187 0,231 0,106

0,076 0,098 0,038

0,60 0,56 0,68

região III monoativo pluriativo

128,8 117,4 144,0

45,0 54,6 32,1

0,258 0,334 0,152

0,111 0,154 0,055

0,47 0,41 0,58

região IV monoativo pluriativo

185,1 143,9 227,3

23,0 32,1 13,6

0,112 0,154 0,068

0,042 0,058 0,027

0,67 0,64 0,72

total monoativo pluriativo

101,1 86,3 125,1

55,8 62,9 44,2

0,354 0,418 0,248

0,169 0,209 0,105

0,40 0,35 0,52

As definições dos índices de pobreza utilizados podem ser encontradas em Hoffmann, 1998b.

FONTE: PNAD de 1997

O nível de renda e todos os indicadores de pobreza aparecem claramente influenciados pela região e pela pluriatividade e, provavelmente, por uma interação de ambos. Por exemplo, o fato de poder desempenhar atividades não-agrícolas no Sul ou em São Paulo deve favorecer incrementos da renda familiar de forma mais intensa do que a pluriatividade praticada no Nordeste ou em Tocantins. As regiões II (Sul) e IV (SP, MS e DF) apresentam maiores rendas e menores índices de pobreza tanto nos domicílios monoativos como nos pluriativos, ao contrário da região I (Nordeste, MT e TO), onde os indicadores são piores, nos dois tipos de domicílios. A renda média per capita nos domicílios pluriativos nessa região em 1997 foi de cerca de 62% de um salário mínimo, enquanto na

17 região IV ocorre o máximo para esse indicador (R$227, quase 2 salários mínimos da época). Na região I, 64% dos residentes em domicílios pluriativos são pobres, contra apenas 14% na região IV. O índice de condições de vida construído para este trabalho (média de 5 atributos binários: possuir ou não iluminação elétrica, saneamento básico, geladeira, telefone e água canalizada) também apresenta diferenças marcantes entre as regiões e, dentro delas, em menor escala, diferenças a favor dos domicílios pluriativos. Compare-se, por exemplo, o índice dos domicílios pluriativos da região IV (0,72, correspondente a uma média de 3,6 itens) com o dos monoativos da região I (0,20, correspondente a somente 1 item por domicílio). A pluriatividade está associada, em todas as regiões, a maiores rendas e menor pobreza dos domicílios agrícolas, podendo constituir uma alternativa para as famílias desfavorecidas para compensar, pelo menos até certo ponto, as piores condições regionais. A observação desses dados constituiu a principal motivação para o presente trabalho, que tem como objetivo específico avaliar a influência da região e da pluriatividade na determinação das diferenças de renda entre os domicílios agrícolas no Brasil. Sabe-se, contudo, que o número de variáveis que afetam as rendas pessoais é muito grande e suas interações podem ser bastante complexas, o que nos levou a incluir nos modelos outras variáveis: a escolaridade, que sabidamente é o principal determinante isolado do nível de renda13, e indicadores de idade, como se verá em seguida.

3. Resultados 3.1. Equações de rendimento A tabela 3 apresenta os resultados das estimações para as equações de rendimento, considerando como variáveis explanatórias inicialmente apenas região e pluriatividade e, em seguida, introduzindo escolaridade e idade. Uma vez que a variável dependente é o logaritmo dos rendimentos per capita, foram excluídos os domicílios com rendimento igual a zero.

13

O sentido da causalidade, nesse caso, é discutível, porque quanto maior a renda também aumentam as possibilidades de obter maior grau de escolaridade. Mas, como observa Hoffmann (s.d.), desde o trabalho de Langoni de 1973 todas as equações de rendimento ajustadas para o Brasil mostram a importância da educação, especialmente nos setores de atividades urbanas. É possível que o efeito da educação fique superestimado nas regressões por estar captando o efeito da propriedade do capital, variável omitida nos modelos. Para uma análise bastante detalhada da relação entre distribuição da renda e escolaridade, entre outras variáveis, na agricultura brasileira, ver Corrêa (1998).

18 Tabela 3. Equações estimadas para o rendimento domiciliar per capita dos domicílios agrícolas no Brasil, com dados da PNAD de 1997. (n = 15.949 domicílios na amostra) Variáveis e estatísticas Constante Região II Região III Região IV Pluriatividade Escolaridade até 8 anos Escolaridade 9 anos e mais Proporção de maiores de 14 anos Proporção de maiores de 60 anos Interação região x pluriatividade região II região III região IV Interação escolaridade x pluriatividade até 8 anos 9 anos e mais

modelo 1

modelo 2

modelo 3

modelo 4

modelo 5

3,771 0,766 0,589 0,960 0,221 # # # #

2,389 0,541 0,438 0,721 0,116 0,211 2,032 1,781 #

2,390 0,531 0,432 0,740 0,113 0,211 2,031 1,781 #

2,508 0,496 0,423 0,716 0,109 0,342 2,227 1,375 0,802

2,508 0,510 0,428 0,702 0,109 0,338 2,224 1,374 0,802

0,113* 0,073** 0,088**

# # #

0,030 ns 0,016 ns −0,042 ns

0,046 ns 0,014 ns −0,030 ns

# # #

# #

# #

# #

0,068 ns 0,004 ns

0,080** 0,015 ns

0,445 1277,3

0,475 1108,2

0,475 1440,3

R2 0,169 0,445 F 464,2 1824,5 * valor significativo a 5% de significância ** valor significativo a 10% de significância ns valor não significativo a 10% de significância os valores não assinalados são significativos a 1% de significância # variável não incluída no modelo

A pluriatividade e a localização regional são importantes na determinação das rendas agrícolas, mas quando consideradas isoladamente (modelo 1) “explicam” apenas cerca de 17% das variações do logaritmo das rendas entre os domicílios agrícolas. Mesmo assim, todos os coeficientes, inclusive das interações pluriatividade x região, são significativos, bem como o teste F da análise de variância da regressão. O coeficiente da pluriatividade mostra que esta eleva o rendimento esperado na região de referência (a mais pobre) em 25% aproximadamente14. A interação mostra que a pluriatividade tem o efeito de aumentar as rendas nas outras três regiões. Por exemplo, o fato de o domicílio estar na região Sul elevaria a renda esperada em 115% em relação à região mais pobre, mas se o domicílio é pluriativo essa elevação chega a 141% . Nos modelos 2 e 3 foram incluídas variáveis de escolaridade e idade (proporção de maiores de 14 anos no domicílio), que contribuíram para um grande aumento no poder explicativo dos modelos (os

14

Lembrar que o coeficiente estimado bi indica a diferença entre o valor esperado do logaritmo da renda nos domicílios que possuem o atributo (no caso, a pluriatividade) e na categoria de referência (sem pluriatividade). O mesmo vale para as regiões, sendo que o Nordeste+MT+TO é a região tomada como base.

19 coeficientes de determinação passam para 0,45 aproximadamente)15. Todas as variáveis têm coeficientes significativos a 1% de significância, com exceção das interações. É possível que as interações entre pluriatividade e região no modelo 1, cujos coeficientes são significativos ao nível de 5% e 10%, estejam captando efeitos das características familiares e de infra-estrutura educacional das regiões que, quando desagregadas em variáveis específicas, tornam não-significativas essas interações. Note-se ainda que a inclusão de escolaridade e idade diminui o efeito da pluriatividade, mostrando que essas variáveis estão associadas. Em função disso, inclusive, o R2 do modelo 3 é idêntico ao do modelo sem interações, ou seja, sua inclusão em nada contribuiu para melhorar o poder explicativo da equação ajustada. Nos modelos 4 e 5 introduzimos a proporção de pessoas de mais de 60 anos  lembrando a possível ambigüidade na relação dessa variável com a renda  e as interações entre pluriatividade e escolaridade. Nos dois modelos a proporção de pessoas idosas no domicílio está significativamente associada com maiores rendas, mas as novas interações tendem a ser não-significativas; note-se que mesmo excluindo a interação da pluriatividade com as regiões melhora muito pouco o efeito da interação entre pluriatividade e escolaridade (modelo 5) 16. Centrando a análise no modelo 2, pela sua maior simplicidade, podemos observar que a presença de atividades não-agrícolas (e, portanto, de fontes de renda não-agrícola) nos domicílios agrícolas é um fator de elevação dos rendimentos domiciliares per capita. Dados os efeitos das demais variáveis incluídas no modelo, a presença da pluriatividade eleva o rendimento médio esperado dos domicílios agrícolas em 12,3%, em comparação com os não-pluriativos. Da mesma forma, a localização nas três regiões de agricultura mais moderna tem efeitos positivos sobre os rendimentos esperados, sendo estes efeitos mais fortes que o da pluriatividade. Por exemplo, o fato de o domicílio localizar-se na região IV (SP, MS ou DF) eleva os rendimentos médios em cerca de 106% em comparação com a região mais atrasada, dados os efeitos das demais variáveis; para a região Sul esse efeito é de 72% e para a região III é de 55%.

15

Como observa Hoffmann (s.d.), o coeficiente de determinação de equações de rendimento tende a ser baixo porque os rendimentos das pessoas dependem de fatores aleatórios e de características pessoais (como ambição, tino comercial, capacidade empresarial, etc.) dificilmente mensuráveis. Além disso, está omitida nas equações uma variável fundamental na agricultura, que é a posse da terra. 16 Foram ajustados outros modelos incluindo entre as variáveis explanatórias idade média e idade média ao quadrado, proporção de idosos na família e diversas interações (pluriatividade com idade e escolaridade, região com idade e escolaridade), mas os resultados não se alteram substancialmente, com o R2 sempre próximo de 0,45 e a maioria das

20 A presença de maior número de pessoas em idade de trabalhar (14 anos ou mais), bem como a proporção de pessoas com maior escolaridade na família, especialmente se o número de anos de estudo estiver acima de 8 (portanto, acima do primeiro grau completo), têm efeitos positivos e significativos sobre as rendas agrícolas. Por exemplo, um aumento de 0,1 na proporção de pessoas da família com 9 ou mais anos de estudo elevaria a renda média esperada em cerca de 23%, dada a região, pluriatividade, idade e escolaridade até 8 anos. Na tabela 4 encontram-se as contribuições marginais de cada fator para a soma de quadrados de regressão, calculadas pelo procedimento clássico de considerar o efeito marginal de cada variável admitindo que ela fosse a última incluída na equação de regressão. Devido à colinearidade entre os fatores, a soma das contribuições marginais em cada modelo é menor do que 100% e a omissão de variáveis relevantes positivamente correlacionadas com variáveis incluídas no modelo faz com que as contribuições destas últimas fiquem superestimadas. É o caso típico do primeiro modelo, em que a exclusão da escolaridade faz com que as contribuições marginais de região e pluriatividade fiquem bastante elevadas (região, por exemplo, tem sua contribuição reduzida de 86% para 14% do primeiro para o segundo modelo). Considerando os modelos 2 ou 3, verifica-se que o fator com maior contribuição marginal para explicar as diferenças de rendimento entre os domicílios agrícolas é a proporção de pessoas em idade de trabalhar (34%); em seguida estão a proporção de pessoas cuja escolaridade supera primeiro grau completo de estudo (16,6%) e a região (14%); a pluriatividade aparece em último lugar, com apenas 0,6% de contribuição marginal. Nos modelos 4 e 5 a contribuição da pluriatividade é ainda menor, mesmo considerando a interação entre escolaridade e pluriatividade. Excetuando o primeiro modelo, a soma das contribuições de todos os fatores onde entra a pluriatividade gira em torno de 1% ou menos, atestando sua pequena importância relativa na diferenciação das rendas. Também nos dois últimos modelos, quando se introduz a variável “proporção de pessoas de mais de 60 anos”, o efeito idade parece distribuir-se entre as duas variáveis: cai a contribuição da variável “maiores de 14 anos” e passa a ter importância a relativa a “maiores de 60 anos”.

As interações entre pluriatividade e escolaridade praticamente em nada contribuem para

explicar as diferenças de renda, mesmo quando se exclui a interação entre região e pluriatividade.

interações não-significativas. Mas a proporção de pessoas de mais de 60 anos, bem como as variáveis do modelo 2, tenderam a ser altamente significativas em quase todos os modelos testados.

21 Tabela 4. Contribuição marginal de cada fator para a soma de quadrados da regressão das equações de rendimentos. Brasil, 1997. (em %) Fator

modelo 1

modelo 2

modelo 3

modelo 4

modelo 5

86,23 8,77 # # # # 0,26 # #

13,97 0,59 0,75 16,61 34,17 # # # #

13,97 0,59 0,75 16,60 34,13 # 0,02 # #

12,16 0,09 1,92 17,60 15,02 6,29 0,02 0,01 0,00

12,16 0,09 1,91 17,74 15,02 6,29 # 0,02 0,00

Região Pluriatividade Escolaridade até 8 anos Escolaridade 9 anos e mais Proporção de maiores de 14 anos Proporção de maiores de 60 anos Interação região x pluriatividade Interação esc. 8 anos x pluriat. Interação esc. 9 anos mais x pluriat. # variável não incluída no modelo

3.2. Equações de pobreza Na amostra estudada (exclui a região Norte) existem 7650 domicílios agrícolas com renda per capita igual ou inferior a meio salário mínimo, dos quais 342 declararam renda zero. Para manter o mesmo universo de observações das equações de rendimento, esses domicílios de renda zero foram excluídos da análise da proporção de pobres, embora certamente devam enquadrar-se nessa categoria. Na população, 1,9% de domicílios com declaração de rendimentos têm renda zero. Adotando uma linha de pobreza de meio salário mínimo per capita, verifica-se que 46,4% dos domicílios com rendimento positivo são pobres. Para estudar a influência da pluriatividade, região, idade e escolaridade sobre a probabilidade de o domicílio ser pobre, foram ajustadas equações do tipo lógite, conforme explicado anteriormente, cujos resultados encontram-se na tabela 5. Dadas as maiores dificuldades de interpretação dos coeficientes estimados diretamente nas regressões, optou-se por apresentar os resultados em termos dos efeitos marginais das variáveis explanatórias sobre a probabilidade (ou a proporção, se for o caso) associada à variável dependente. Esses efeitos marginais foram calculados para os pontos das funções estimadas correspondentes aos valores médios das variáveis explanatórias. Considerando que todos os coeficientes são estatisticamente significativos e que a medida de correlação c é bastante elevada, pode-se concluir pelo bom ajustamento do modelo para explicar os efeitos das variáveis escolhidas sobre a probabilidade de o domicílio agrícola estar ou não na condição de pobreza.

22 Tabela 5. Efeitos marginais das variáveis sobre a proporção média de domicílios pobres no modelo lógite ajustado para o atributo de pobreza dos domicílios agrícolas no Brasil em 1997. A variável dependente é 1 se o domicílio é pobre e 0 caso contrário. (n = 15949 domicílios) Variáveis e estatísticas Constante Região II Região III Região IV Pluriatividade Escolaridade até 8 anos Escolaridade 9 anos e mais Proporção de maiores de 14 anos Proporção de maiores de 60 anos Interação região x pluriatividade região II região III região IV Interação escolaridade x pluriatividade até 8 anos 9 anos e mais

modelo 1 1,061 −0,334 −0,244 −0,518 −0,108 −0,074 −1,042 −1,123 #

modelo 2 1,043 −0,299 −0,212 −0,486 −0,060 −0,080 −1,052 −1,116 #

modelo 3 0,975 −0,302 −0,222 −0,492 0,004 ns −0,138 −1,034 −0,889 −0,521

# # #

−0,120 −0,095 −0,095*

−0,086 −0,063* −0,064 ns

# #

# #

−0,154 −0,248*

medida c 0,826 0,827 0,840 # variável excluída no modelo ns valor não significativo a 10% de significância * valor significativo a 5%; todos os demais coeficientes são significativos a 1% de significância

Como a tabela 5 já apresenta os efeitos marginais sobre a média, os valores podem ser interpretados diretamente como a mudança na probabilidade de o domicílio ser pobre dada uma variação de uma unidade na variável explanatória, fixadas as demais variáveis. Como algumas variáveis são binárias, o efeito marginal é relativo à categoria de referência. Assim, por exemplo, o fato de um domicílio pertencer à região Sul reduz a probabilidade de ser pobre (em comparação com a região mais pobre) em 0,334 (no modelo 1). Na região de agricultura mais moderna (IV) a redução é de 0,518. Da mesma forma, o fato de o domicílio ser pluriativo reduz a probabilidade de pobreza em 0,108, ainda no primeiro modelo, que exclui interações. Um domicílio pluriativo localizado na região Sul teria as chances de ser pobre reduzidas em 0,442 em comparação com a categoria de referência (monoativo na região I). Cabe ressaltar o valor elevado dos coeficientes da proporção de pessoas com escolaridade acima do primeiro grau e da proporção de pessoas de mais de 14 anos, indicando que um acréscimo de 10% em uma dessas proporções causaria uma redução de mais de 10% na probabilidade

23 de o domicílio ser pobre17. Essas condições poderiam em princípio ajudar a elevar os rendimentos por permitirem melhores empregos. Quando são incluídas as interações entre pluriatividade e região (modelo 2), os efeitos marginais de regiões, pluriatividade e idade se reduzem, mas cresce a influência da escolaridade sobre a redução da pobreza. Neste modelo, um domicílio agrícola pluriativo na região IV (São Paulo, MS e DF) tem probabilidade esperada de ser pobre reduzida em 0,641 em comparação com um domicílio monoativo da região mais pobre. Essa redução seria 0,479 para um domicílio pluriativo na região Sul. A pluriatividade, isoladamente, é uma das variáveis que menos contribuem para reduzir as chances de pobreza dos domicílios agrícolas. Seu efeito no modelo sem interação só supera o da escolaridade básica (até 8 anos de estudo); no segundo modelo apresenta o menor efeito marginal entre todas as variáveis, compensado apenas por acréscimos dados pela interação com as regiões. No último modelo, em que são introduzidas a proporção de pessoas de mais de 60 anos e as interações entre escolaridade e pluriatividade, o coeficiente da pluriatividade, isoladamente, passa a ser não-significativo; em compensação, o efeito da presença de idosos (possível fonte de rendas não-agrícolas) na redução da pobreza é significativo e alto: dadas as demais variáveis, um aumento de 0,1 na proporção de idosos está associado a um redução de 0,05 na probabilidade de um domicílio ser pobre. No modelo 2, um aumento de 0,1 na proporção de pessoas com até 8 anos de estudo reduziria as chances de pobreza em 0,008; um aumento de 0,1 na proporção de pessoas com mais de 8 anos de estudo diminuiria a probabilidade de ser pobre em 0,105; e um aumento de 0,1 na proporção de pessoas em idade de trabalhar reduziria em 0,112 a probabilidade de pobreza. A título de comparação, um domicílio pluriativo na região IV, com todos os moradores acima de 5 anos possuindo até 8 anos de estudo, reduziria a probabilidade de ser pobre em 0,721 em comparação com um domicílio na pior situação (monoativo na região I e com todos os membros sem instrução), dados os demais fatores. Embora os coeficientes da regressão, e conseqüentemente os efeitos marginais, possam estar superestimados devido à exclusão de variáveis importantes como a posse da terra e a carteira de trabalho para os empregados, servem para indicar a direção e a ordem de importância dos efeitos das variáveis incluídas no modelo. 17

Quando a variável explanatória é binária, o efeito marginal corresponde, necessariamente, a um aumento de 1 unidade (ou seja, mudança de 0 para 1, ou da categoria de referência para a categoria em questão). Mas quando a variável explanatória é uma proporção, que já tem um valor positivo, não se pode supor que o efeito marginal esteja refletindo o aumento de uma unidade nessa variável, porque ela ultrapassaria seu limite, que é 1. Para contornar o problema pode-se considerar o efeito marginal em relação a um aumento de uma fração de unidade na proporção representada pela variável explanatória, por exemplo, 0,1.

24 Pode-se verificar que todos os efeitos marginais são negativos e significativos, indicando que a pluriatividade, as regiões (em comparação com a mais atrasada) e as demais variáveis contribuem para reduzir a probabilidade de o domicílio agrícola ser pobre. Essa redução depende, de um lado, de processos econômicos que afetam o desenvolvimento da infra-estrutura regional e a modernização agrícola e, de outro, de características próprias das famílias, como estrutura etária, escolaridade e pluriatividade. 3.3. Equações de condições de vida Para avaliar as condições de vida nos domicílios agrícolas foi considerada a posse de 5 itens: água canalizada, instalação sanitária, iluminação elétrica, geladeira e telefone. Cada item foi transformado numa variável binária (1 = possui e 0 = não possui) e a seguir foi calculada uma média aritmética simples do número de itens presentes. Obtém-se assim um índice que varia entre 0 e 1 mas que, para cada domicílio, só pode assumir 6 valores (0; 0,2; 0,4; 0,6; 0,8; 1). Quanto maior esse índice, maior o número de itens presentes no domicílio e melhores as condições de vida. Note-se que geladeira e telefone ocorrerão, certamente, em domicílios que já possuem iluminação elétrica e que, provavelmente, água canalizada tende a preceder a presença de instalação sanitária. Tabela 6. Distribuição dos domicílios agrícolas segundo o número de equipamentos domésticos e níveis de rendimento per capita, Brasil, 1997. (número de domicílios na amostra expandida e %)* Número de itens

número nenhum 1 item 2 itens 3 itens 4 itens 5 itens

Nível de rendimento >0,5 S.M.

≤0,5 S.M.(pobre)

zero

66580 35221 24897 21464 8513 4129

% 41,4 21,9 15,5 13,4 5,3 2,6

número

%

número

total %

número

%

1288243 987082 695667 580474 214532 13191

34,1 26,1 18,4 15,4 5,7 0,4

595754 481324 586627 1327965 1039117 331203

13,7 11,0 13,5 30,4 23,8 7,6

1950577 1503627 1307191 1929903 1262162 348523

23,5 18,1 15,7 23,2 15,2 4,2

total 160804 100,0 3779189 * excluídos 12962 domicílios sem informação de renda

100,0

4361990

100,0

8301983

100,0

FONTE: PNAD de 1997 Na amostra expandida, há 53% de domicílios agrícolas com água canalizada, 21% com instalação sanitária, 74% com iluminação elétrica, 49% com geladeira e 7% com telefone. A média de itens por domicílio agrícola no Brasil é baixa (2 itens) e a categoria mais freqüente é possuir “nenhum item” (23,5%). A combinação mais provável para os domicílios com 3 itens deve ser água canalizada, iluminação elétrica e geladeira e, como se observa na tabela 6, a presença de 3 itens é a mais freqüente,

25 depois da categoria “nenhum”. Cerca de 41% dos domicílios com renda zero não possuem nenhum dos itens (66,6 mil domicílios), refletindo sua condição de absoluta precariedade, que provavelmente os exclui de qualquer tipo de benefício de política creditícia, educacional ou de regularização do mercado de trabalho. Mesmo os domicílios que possuem algum rendimento mas estão abaixo da linha de pobreza vivem em condições precárias: 34% não possuem nenhuma das facilidades analisadas e 60% possuem no máximo um item (provavelmente iluminação elétrica). As freqüências relativas de domicílios com 3 itens ou mais aumentam substancialmente para os que se encontram acima da linha de pobreza. Na tabela 7 encontram-se os efeitos marginais das variáveis explanatórias selecionadas sobre o índice de condições de vida. Os modelos apresentaram bom ajustamento (pela medida de correlação e pelo elevado grau de significância de quase todos os coeficientes) e permitem concluir que em regiões de agricultura mais tecnificada e para famílias com maior acesso à educação e ao mercado de trabalho as condições de vida representadas pelos equipamentos domésticos selecionados são melhores. Domicílios agrícolas da região IV tendem a ter um aumento de 0,362 no índice de condições de vida em comparação com a região de referência (Nordeste, MT e TO), o que equivale a quase 2 itens a mais no conjunto dos equipamentos domésticos (modelo 1). A pluriatividade também tem efeito positivo, porém bem mais fraco: a presença da pluriatividade eleva o índice esperado de condições de vida em 0,105, equivalente a menos de um item adicional em média por domicílio. Das variáveis explanatórias medidas em proporção (escolaridade e idade), a que tem efeito mais visível é a proporção de pessoas com mais de 8 anos de estudo: um aumento de 0,1 nessa proporção poderia elevar em 0,07 o índice de condições de vida. Para elevar em uma unidade o número esperado de itens possuídos seria necessário aumentar em 0,278 a proporção de familiares com mais de 8 anos de estudo. Nos modelos com interação entre região e pluriatividade, os efeitos de idade e escolaridade quase não se alteram. Mas, embora significativas, as interações têm efeito muito pequeno e, além do mais, com sinal inverso ao que seria esperado. Assim, por exemplo, considerando o modelo 2, para um domicílio na região IV se esperaria em média um efeito marginal de 0,297 (1,5 item a mais em média), enquanto para um não pluriativo na mesma região o efeito é de 0,401 (2 itens a mais). Na região II (Sul), a interação reduziria o efeito marginal de 0,308 para 0,240 (1,5 para 1,2 item em média). No modelo 3, observa-se que a maioria dos efeitos marginais fica praticamente inalterada, incluindo as interações regiões x pluriatividade, quando se introduzem três variáveis a mais: a proporção de pessoas de mais de 60 anos e as interações entre escolaridade e pluriatividade. Estas

26 últimas têm coeficientes não significativos, mas a proporção de idosos mostra um efeito positivo e significativo sobre o índice de condições de vida, ressalvada novamente a questão da direção da causalidade, como explicado antes. Note-se que a inclusão dessa variável altera o sinal da outra variável de idade (maiores de 14 anos), que passa a ter uma relação negativa com o nível de vida dos domicílios. Esses efeitos da relação entre composição etária dos domicílios e suas condições de renda e pobreza merecem um estudo mais aprofundado, utilizando por exemplo variáveis contínuas para medir idade e alterando a especificação do modelo.

Tabela 7. Efeitos marginais das variáveis sobre o nível de vida dos domicílios agrícolas no modelo lógite, Brasil, 1997. A variável dependente é o índice de itens presentes no domicílio. (n = 15949 domicílios) Variáveis e estatísticas Constante Região II Região III Região IV Pluriatividade Escolaridade até 8 anos Escolaridade 9 anos e mais Proporção de maiores de 14 anos Proporção de maiores de 60 anos Interação região x pluriatividade região II região III região IV Interação escolaridade x pluriatividade até 8 anos 9 anos e mais

modelo 1 –0,448

modelo 2 –0,460

modelo 3 –0,443

0,286 0,187 0,362 0,105 0,228 0,720 0,032 #

0,308 0,198 0,401 0,137 0,224 0,719 0,034 #

0,303 0,197 0,398 0,139 0,248 0,729 –0,030 0,126

# # #

–0,068 –0,029 –0,104

–0,066 –0,029 –0,102

# #

# #

0,004 ns 0,038 ns

medida c 0,732 0,732 # variável excluída no modelo ns não significativo a 10%; todos os demais coeficientes são significativos a 1% de significância

0,734

Conclusão Diversos trabalhos têm analisado os determinantes da distribuição de renda entre pessoas e famílias na agricultura brasileira, dando especial atenção à desigualdade e pobreza. A principal contribuição do presente estudo é, de um lado, privilegiar o nível de renda e as condições de vida nos domicílios agrícolas e, de outro, incluir entre as variáveis explanatórias das diferenças de renda entre os domicílios a pluriatividade, isto é, o fato de alguns membros das famílias agrícolas possuírem atividades em setores não-agrícolas. Esse fato, extremamente importante nas economias européia e

27 americana, tem sido também bastante enfatizado na agricultura brasileira, sendo considerado o fenômeno novo mais importante do meio rural que se configurou a partir dos anos 80. Os domicílios agrícolas no Brasil são em média bastante pobres. Excluindo os dados da região Norte e os domicílios sem declaração de rendimentos, a renda domiciliar per capita média em 1997 era de R$101,10 (o salário mínimo na época era de R$120,00) e havia 55,8% de residentes domicílios com renda per capita igual ou inferior a meio salário mínimo. Aproximadamente 2% dos domicílios com declaração de rendimentos não tinham nenhum rendimento e 23,5% não tinham acesso a nenhum dos 5 bens analisados (água canalizada, iluminação elétrica, instalação sanitária, geladeira e telefone); 57% dos domicílios tinham menos de 3 desses itens. Quando se comparam as rendas médias dos domicílios agrícolas pluriativos com as rendas daqueles em que a agricultura é a atividade exclusiva, há notáveis diferenças a favor dos primeiros em todas as regiões do país. Esses dois fatores – pluriatividade e localização regional – constituíram o ponto de partida para explicar a renda, a pobreza e o acesso a bens domésticos entre os domicílios agrícolas. As regiões foram definidas em função de características da modernização da agricultura e seus resultados (produtividade) e os domicílios foram separados em pluriativos e não-pluriativos. Essas duas características, sozinhas, mostraram um baixo poder explicativo para a variação das rendas e das outras variáveis dependentes e, entre elas, a localização regional apresentou uma contribuição marginal muitas vezes maior que a pluriatividade. Para incrementar o poder explicativo do modelo – e dados os resultados de trabalhos presentes em toda a literatura sobre distribuição de renda, que indicam a complexidade de sua determinação – foram incluídas outras variáveis nos modelos de regressão, escolhidas em função de sua possível relação com o tema da pluriatividade. Foram elas a escolaridade, medida por duas variáveis referentes a número de anos de estudo, que se supõe estar relacionada com a maior qualificação para exercer atividades em setores não-agrícolas, e a idade, representada pela proporção de pessoas da família em idade de trabalhar (14 anos ou mais), indicando o potencial de força de trabalho nos domicílios, e a proporção de pessoas de mais de 60 anos, que pode constituir uma fonte de renda não-agrícola nos domicílios por meio de aposentadorias e pensões. Todos esses fatores são estatisticamente significativos para explicar os diferenciais de renda e condições de vida dos domicílios agrícolas, mas a localização regional e a escolaridade acima do primeiro grau podem ser considerados os mais importantes. A pluriatividade, embora significativa, tem, isoladamente, um efeito modesto sobre as variáveis estudadas. Note-se que isso não implica que as

28 rendas de fontes não-agrícolas não sejam fundamentais para manter as condições de vida das famílias agrícolas, porque a variável utilizada para medir a pluriatividade refere-se apenas a trabalhos executados fora da agricultura. No entanto, sabe-se que rendas de aposentadorias, aluguéis e outras fontes não-agrícolas que não se referem a trabalho têm-se mostrado muito importantes para o setor, mas não são captadas pelo indicador selecionado. Quando são fixados os valores da escolaridade e idade, a combinação de regiões de agricultura mais moderna com a presença da pluriatividade eleva substancialmente o nível esperado de rendimentos e as condições de vida dos domicílios agrícolas. O rendimento médio esperado nos domicílios pluriativos localizados na região formada por São Paulo, Mato Grosso do Sul e Distrito Federal pode chegar a ser 130% maior que nos domicílios monoativos da região mais atrasada, formada pelo Nordeste e pelos estados de Tocantins e Mato Grosso, tomada como referência. Dada a região, no entanto, o efeito da pluriatividade sobre a elevação da renda gira em torno de 12%. Considerando o índice de condições de vida, pertencer à região mais moderna e ser pluriativo confere ao domicílio agrícola a chance de aumentar em 0,4 esse índice, em comparação com a pior situação, o que corresponde a elevar em 2 o número médio de facilidades domésticas disponíveis. Novamente, o efeito isolado da pluriatividade é baixo, fixadas todas as demais variáveis: um aumento de cerca de 0,1 no índice, apenas 0,5 de aumento no número médio de bens possuídos. A combinação de região de agricultura moderna e pluriatividade também reduz significativamente a probabilidade de o domicílio vir a ser pobre. Por exemplo, um domicílio pluriativo da região Sul teria uma redução de 0,48 na probabilidade de ser pobre, em comparação com um domicílio exclusivamente agrícola da região de referência; para São Paulo, Mato Grosso do Sul e Distrito Federal essa redução seria 0,64. Mas o simples fato de ser pluriativo rebaixa as chances de pobreza em menos de 0,1, aproximadamente, mostrando a menor capacidade de as atividades não-agrícolas constituírem, isoladamente, uma solução para a redução da pobreza rural no Brasil. A melhoria das condições de vida das famílias agrícolas, incluindo a renda e o bem-estar representado pela infra-estrutura e bens domésticos, depende, em primeiro lugar, do desenvolvimento regional e, particularmente, da redução das disparidades do desenvolvimento da agricultura entre as regiões; em segundo lugar, depende de uma elevação substancial do nível de escolaridade das famílias para as quais a agricultura ajuda a compor a renda domiciliar. É possível que, então, a pluriatividade possa vir a constituir um fator decisivo para a elevação da renda e a redução da pobreza no meio rural.

29 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS THE ARKLETON TRUST (RESEARCH) LTD. Adaptation des ménages agricoles en Europe Occidentale 1987-1991. Commission Européene, dec. 1992. (Rapport final du Programme de Recherche sur les Structures et la Pluriactivité des Ménages Agricoles). CONFEDERAÇÃO NACIONAL DA AGRICULTURA – CNA et al. brasileiro. Brasília: CNA, 1999. (Coletânea Estudos Gleba, 9).

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