Dez anos de trabalhos arqueológicos em Alcoutim

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Descrição do Produto

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Dez anos de trabalhos arqueológicos em Alcoutim Do NeoLítiCo Ao RomANo João Luís Cardoso Professor Catedrático da Universidade Aberta. Coordenador do Centro de Estudos Arqueológicos do Concelho de Oeiras (Câmara Municipal de Oeiras)

Alexandra Gradim Arqueóloga da Câmara Municipal de Alcoutim

2011

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Ficha técnica

índice

exposição

CAtáLoGo

Coordenação CientífiCa

autores

Prefácio – Dr. Franciso Amaral _____________ pág. 7

ConCepção e projeCto museográfiCo

fotografia

Introdução _______________________ págs. 8 - 13

João Luís Cardoso

Alexandra Gradim

Joaõ Luís Cardoso e Alexandra Gradim João Luís Cardoso, Alexandra Gradim Nerve atelier de design (peças do catálogo)

equipamentos expositivos

Nerve atelier de design restauro

Manuela Palma montagem

Nerve atelier de design, Alexandra Gradim, Manuela Palma

desenhos

1 - Conjunto Megalítico do Lavajo _____ págs. 14 - 53

Bernardo Lam Ferreira e Filipe Martins Desenhos de campo: Alexandra Gradim, Fernando Dias, Bernardo Lam Ferreira, João Luís Cardoso e João Carlos Caninas

2 - Cista Megalítica do Malhão _______ págs. 54 - 69

ilustração da Capa

4 - Anta do Malhão _______________ págs. 100 - 125

Vaso da sepultura 7 da necrópole do Bronze Pleno das Soalheironas design Catálogo e paginação

Nerve atelier de design isBn:

978-989-96911-7-9 impressão

Textype, Lisboa tiragem

5oo exemplares depósito legal:

Copyright dos Autores e da Câmara Municipal de Alcoutim (para a 1.ª edição). Toda e qualquer reprodução do texto e imagem é interdita, sem prévia autorização escrita dos Autores e da Câmara Municipal de Alcoutim, nos termos da Lei vigente, nomeadamente o Código do Direito de Autor e Direitos conexos.

3 - Tholos do Malhanito ____________ págs. 70 - 99

5 - Necrópole das Soalheironas _____ págs. 126 - 153 6 - Necrópole do Cabeço da Vaca ____ págs. 154 - 196 7 - Barragem Romana do Álamo _____ págs. 198 - 203

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prefácio Nestes tempos difíceis que vivemos, torna-se fulcral explorar de uma maneira inteligente todas as nossas potencialidades e riquezas. Num concelho algarvio sem litoral, situado numa região considerada rica pela União Europeia, e como tal sem ajudas comunitárias significativas, torna-se particularmente oportuno a exploração das suas riquezas endógenas. E aqui surge a Arqueologia. Somos dos concelhos do País com maior número de sítios arqueológicos. É importante escavar os mais significativos, estudá-los, protegê-los, valorizá-los e torná-los visitáveis. Além do seu valor histórico, cultural e científico, urge também explorar turisticamente estes espaços. É o que temos vindo a fazer, não ao ritmo que pretendemos, dados os obstáculos burocráticos e financeiros. Mas com vontade, e alguma “teimosia”, conseguiremos atingir os objectivos. Um agradecimento particular à Dr.ª Alexandra Gradim, ao Prof. João Luís Cardoso, à Eng.ª Manuela Palma e ao Dr. Fernando Dias, pela dedicação e pelo trabalho desenvolvido nestes “10 Anos de Arqueologia de Alcoutim”. o presidente Dr. Francisco Augusto Caimoto Amaral

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introdução Entre 1998 e 2007, desenvolveu-se em Alcoutim um importante conjunto de iniciativas de índole arqueológica que, realizadas em estreita colaboração entre os dois signatários, conduziu a notável acervo de informações sobre o passado mais longínquo desta vasta e bela região da zona oriental da serra algarvia.

apresentados em relatório enviado ao Instituto Português de Arqueologia em 1999, os quais constituíram preciosa base empírica indispensável aos trabalhos de escavação subsequentes, que se impunha realizar, como efectivamente se veio a verificar nos anos subsequentes, nas estações identificadas que os justificassem.

O início desta colaboração começou em Setembro de 1998, com a realização de escavações no notável menir do Lavajo situado perto do monte de Afonso Vicente, o qual recebeu a designação do topónimo mais próximo. A intervenção, sob orientação científica do primeiro signatário, contou com o apoio da Câmara Municipal de Alcoutim, nela participando activamente a segunda signatária desta obra, que, pouco tempo antes, havia sido nomeada arqueóloga da Câmara Municipal de Alcoutim.

Foi assim que, em 2000, se efectuou a exploração da cista megalítica do Malhão, em cerro sobranceiro a Martim Longo, em resultado da sua afectação anterior pela construção de uma antena de comunicações móveis, cujos resultados foram prontamente publicados na Revista Portuguesa de Arqueologia. Logo em 2001, na sequência dos trabalhos realizados em 1998 no grande menir do Lavajo, realizou-se outra intervenção, do outro lado do vale do Lavajo (Lavajo 2), que permitiu confirmar um novo conjunto de quatro estelas menires, também de grauvaque, todas elas afeiçoadas por picotagem, bem como o alvéolo respectivo de fundação. Os monólitos haviam sido partidos recentemente, e, tal como a anterior, a intervenção arqueológica revestia-se de carácter de emergência, dada a intensa lavra dos terrenos resultantes da utilização de maquinaria pesada.

Tão valiosa e empenhada foi a sua participação nesta escavação, que desde logo ficou assente que seria, por direito e mérito próprios, associada, como co-autora, ao trabalho onde se viessem a publicar os resultados obtidos da intervenção. Este princípio, que se revelou essencial para o êxito atingido pelos trabalhos arqueológicos subsequentes, foi seguido nos sucessivos estudos publicados, ficando entregue a responsabilidade da direcção dos trabalhos de campo nas estações que se viessem a investigar, bem como a preparação dos respectivos resultados para publicação, ao primeiro dos signatários, cabendo ao segundo, para além da participação permanente nos trabalhos de campo, assegurar os aspectos de natureza administrativa e logística, decorrentes do envolvimento da autarquia, que se revelaram essenciais à realização dos trabalhos. Em Alcoutim, no que respeita à sua ocupação humana ante-histórica, muito estava ainda por fazer, dado que as esparsas informações relativas ao território concelhio, para além das recolhidas desde o tempo de S.P.M. Estácio da Veiga, se centravam na época calcolítica, mercê das importantes escavações efectuadas entre 1979 e 1985 no povoado do Cerro dos Castelos de Santa Justa, somadas às realizadas, na mesma época, e pela mesma equipa, dirigida pelo Prof. Doutor Victor S. Gonçalves, na tholos da Eira dos Palheiros e na anta do Curral da Castelhana, cuja construção remonta ainda ao Neolítico.

Em 2002, a atenção recaiu sobre um monumento que havia sido identificado na sequência do alargamento de um estradão florestal, relacionado com projecto de reflorestação: uma vez mais, impunha-se a respectiva escavação de emergência, com carácter preventivo, dada a exposição acrescida do monumento recém-descoberto. Tratava-se da sepultura do Cerro do Malhanito, na Freguesia de Monte da Estrada, estrutura calcolítica do tipo tholos, com átrio, corredor e câmara de planta circular, definida por grandes ortóstatos colocados verticalmente numa área escavada previamente no substrato geológico. Tal como anteriormente, a publicação dos resultados não se fez esperar, primeiramente de forma preliminar, no 2.º Encontro de Arqueologia do Algarve, depois analisando em particular as características da reutilização da câmara do monumento, no Bronze Final/ inícios da Idade do Ferro contributo publicado pelo primeiro signatário no volume de homenagem ao Doutor Jorge de Alarcão antecedendo artigo de síntese dos resultados obtidos, publicado na revista Promontoria.

Importava, pois, retomar as prospecções de terreno, as quais se impunham devido às extensas áreas concelhias interessadas por projectos de reflorestação, as quais, por tal motivo, foram objecto de prospecções arqueológicas preventivas prioritárias. Os resultados desses trabalhos, de que se encarregou a segunda signatária, encontram-se

Em 2003 e em 2004, exploraram-se os dois núcleos que constituem a necrópole da Idade do Ferro do Cabeço da Vaca, da Freguesia de Giões. Implantam-se no topo de uma cumeada alongada, tendo sido identificados em 1999 durante as acções de prospecção no âmbito dos projectos de reflorestação da área envolvente tendo-se como

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11 medida preventiva criado duas áreas de salvaguarda. A necrópole é constituída por um núcleo principal, integrando seis sepulturas, correspondentes a cistas ou a simples covachos com coberturas de lajes, com escasso espólio, destacando-se a recolha de duas pontas de lança, de ferro, num covacho aberto no substrato geológico. Este núcleo foi explorado em 2003, realizando-se em 2009 exploração pontual de uma área que tinha ficado por escavar. Em 2004, foi explorada uma grande cista, de aspecto megalítico, situada a cerca de 250 m para Este do primeiro núcleo sepulcral e, tal como aquele, afectada pela reflorestação de pinheiros mansos, que cortaram parte de periferia da estrutura funerária, como as escavações vieram depois evidenciar. Pelas suas características, poderia ter sido construída em várias épocas, desde o Neolítico Final à Idade do Ferro. Mas, aquando dos trabalhos arqueológicos, recolheu-se, assente no fundo da mesma, em posição horizontal, um raro punhal de ferro, com guarda de prata, reportável aos séculos VI/ V a.C., sendo coevo do núcleo explorado da necrópole no ano transacto. Supõe-se que, quer pela sua posição de destaque no terreno, dominando visualmente o outro núcleo da necrópole, quer pela sua arquitectura imponente composta por caixa tumular quadrangular de maior dimensão circundada por um empedrado que lhe confere evidente monumentalidade, possa ter pertencido a um elemento de elite guerreira da referida comunidade. Os resultados obtidos foram apresentados no 3.º e 5.º Encontros de Arqueologia do Algarve, encontrando-se publicados nas respectivas actas. Ainda em 2004, explorou-se a anta do Malhão, no topo de cerro com aproximadamente 200 m de altitude, da freguesia de Alcoutim. Embora identificada em 1997, na sequência de informação de um funcionário da autarquia, que em dia de caça tinha reparado na disposição particular daquelas pedras, a escavação só ocorreu sete anos mais tarde, como medida preventiva face à abertura de caminho junto do monumento e de áreas de corta-fogo em redor do mesmo. A escavação revelou situação quase inédita em Portugal, correspondendo à construção inacabada de um monumento megalítico, suspensa por motivos cuja causa se ignora. No caso, essa construção iniciou-se pela câmara, cujo chão se encontra forrado de uma grande laje que o preenche por completo. Em seu torno, ergueram-se diversos esteios, que definiram aquela parte do monumento. Quanto ao corredor, apenas foi definida a respectiva entrada. O monumento só veio conhecer utilização funerária cerca de mil anos depois, tendo então sido efectuada uma única tumulação no espaço da câmara previamente definida. O espólio indica uma sepultura integrável no “horizonte de Ferradeira”, uma das escassas ocorrências cujo contexto e associação estratigráfica do respectivo espólio se encontram bem definidos. Em 2005, coube a vez à necrópole da Idade do Bronze de Soalheironas, pertencente à freguesia de Alcoutim, a qual possui uma implantação no terreno claramente determinada

pela sua topografia: com efeito, foi evidente a selecção de uma crista rochosa, estreita e alongada, com a altitude culminante de 133 m, constituída por alternâncias rítmicas de xistos e grauvaques, ao longo da qual se implantou a necrópole, ocupando uma extensão superior a 100 m. O local dista cerca de 0,5 km para Oeste, em linha recta, do Guadiana, situando-se no limite da linha de relevos que bordeja o topo da encosta direita em que o rio se encontra entalhado, profundamente recortada por vales de numerosos tributários laterais. A intervenção foi determinada pela realização de trabalhos de florestação levados a cabo na área da necrópole, e na sequência da abertura de um estradão, que atingiu algumas das cistas da necrópole: impunha-se, assim, uma escavação preventiva, face ao risco iminente em que se encontrava o conjunto, conducente à delimitação do espaço arqueológico que importaria futuramente preservar, o que foi realizado. Na verdade, as mais de trinta sepulturas, na larga maioria correspondentes a cistas, forneceram importante espólio, constituído por recipientes cerâmicos e artefactos metálicos, que se integram claramente no Bronze Pleno do Sudoeste, constituindo uma das mais extensas estações até agora exploradas no seu género. Enfim, em 2006 e em 2007, tiveram lugar duas campanhas de escavações na barragem romana do Álamo, perto da margem direita do Guadiana. Esta notável estrutura hidráulica romana, constituída por um grosso paredão de alvenaria argamassada (opus incertum), reforçado do lado de jusante por robustos contrafortes da mesma natureza, foi registada pela primeira vez por S. P. M. Estácio da Veiga. A intervenção arqueológica permitiu, por um lado, reconhecer o encontro esquerdo da barragem, bem como demonstrar a notável altura do paredão, muito superior ao que se julgava, devido ao intenso assoreamento verificado, de ambos os lados daquele. A escavação dos sedimentos permitiu a recolha de diversos fragmentos anfóricos, arremessados para a albufeira então existente, comprovando-se deste modo que a conclusão do respectivo assoreamento se verificou ainda na época romana. As intervenções arqueológicas efectuadas pelos signatários entre 1998 e 2007, as quais foram anualmente apoiadas pela Câmara Municipal de Alcoutim resultaram sobretudo da necessidade de, preventivamente, proceder à investigação, seguida da protecção das mais importantes ocorrências arqueológicas previamente identificadas.Tal objectivo foi atingido sem excepção, e obtiveram outros resultados, não menos importantes, a começar pelo conhecimento científico das diversas épocas ante-históricas representadas no território concelhio, o qual foi proporcionado pela investigação arqueológica realizada. Assim, o conjunto megalítico do Lavajo 1, ilustra práticas cultuais realizadas entre finais do IV milénio e inícios do milénio seguinte: pela raridade das evidências

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13 arqueológicas postas a descoberto e face ao seu evidente interesse patrimonial e monumental, foi o mesmo objecto de valorização, encontrando-se devidamente protegido e visitável. As necrópoles representadas pela tholos do Malhanito, Soalheironas e Cabeço da Vaca 1 e 2, respectivamente do Calcolítico, da Idade do Bronze e da Idade do Ferro, documentam assinalável diacronia, entre a primeira metade do III milénio a.C. e meados do I milénio a.C. Após a escavação, os locais foram devidamente protegidos, tal como o sítio arqueológico de Lavajo 2, a cista do Malhão e a anta do Malhão, enquanto não for possível proceder à sua valorização patrimonial e consequente fruição cultural. Enfim, o notável monumento que é a barragem romana do Álamo, mercê das intervenções realizadas, ganhou uma monumentalidade até então insuspeita, justificando que futuramente seja objecto de trabalhos susceptíveis de o colocar totalmente à vista, por forma a evidenciar-se as suas características ímpares, no conjunto das barragens romanas peninsulares. Tratou-se, pois, de uma década plenamente preenchida no concelho de Alcoutim, a qual correspondeu a um notável acréscimo do conhecimento das comunidades que ocuparam o respectivo território entre os finais do IV milénio a.C. e os primeiros séculos da era cristã, impossível sem apoio desde sempre concedido pela autarquia, a quem cumpre agradecer, na pessoa do seu ilustre Presidente, o Dr. Francisco Amaral.

Esta apresentação ficaria incompleta se nela se não inscrevessem os nomes de todos os colaboradores que participaram nas sucessivas escavações, pois foram eles que, afinal, tornaram possível a apresentação dos resultados que constituem o corpo desta obra e da correspondente exposição. Aqui ficam registados os seus nomes (por ordem alfabética): Adelcides Correia; Ana Cristina Viegas Pereira; Dr.ª Ana Raquel Augusto Policarpo; André Manuel Guerreiro; André Ramos da Silva; Doutor António do Nascimento Joaquim; Bernardo L. Ferreira; Brian Thompson; Bruno Barão; Cristóvão Manuel Pedro Custódio; Dr.ª Daniela Santos; Dr. David Pérez Gil; Dr. Diogo Filipe Rodrigues Paiva; Mestre Esmeralda Gomes; Dr. Fernando Estêvão Dias; Dr. Filipe Santos Martins; Dr. Filipe Cardoso Castanheira Nunes; Dr. Frederico Tátá Regala; Eng.º Gil Alves Lopes; Indira Pina; Ivanilda Tavares ; Eng.º João Carlos Pires Caninas; João Pereira Brandão; Luís Carlos Rodrigues Santos; Engª. Manuela Palma; Dr. Marco António Inácio Santos; Mário Gradim Areal; Dr.ª Marta Fonseca Araújo; Mary Cambbell; Dr.ª Patrícia Baptista; Ricardo Miguel Martins Vaz; Dr.ª Sofia Isabel Domingos Carrusca; Dr.ª Sofia Isabel Monteiro de Albuquerque; Dr.ª Susana Cristina Calado Martins e Dr.ª Vânia Machinho Mendonça.

CoNCeLho De ALCoutim

A consequente protecção efectiva das ocorrências assim caracterizadas – pois tratavase, na larga maioria dos casos de intervenções de carácter preventivo ou mesmo de emergência – criou condições propícias à valorização dos sítios e à sua consequente fruição por parte de toda a população. Tal é o objectivo já conseguido para em um deles, e a ser concretizado logo que possível nos restantes, pois todos eles detêm potencialidades para o efeito. Assim se contribuirá para o consequente aproveitamento turístico-cultural do território concelhio onde estas ocorrências se inserem, constituindo a presente exposição importante contributo para aquele objectivo, de evidente interesse para toda a região. É ainda de salientar a competência e a dedicação postos na ilustração dos sucessivos artigos publicados pelo Sr. Bernardo L. Ferreira o qual, fora das horas e dos dias de serviço, executou a quase totalidade dos desenhos de espólios arqueológicos agora apresentados – com excepção dos materiais da necrópole das Soalheironas, da autoria do Dr. Filipe Santos Martins. A colaboração daquele ilustrador incluiu a tintagem das plantas, cortes e alçados realizados no terreno por um de nós (A. G.) com a colaboração, nalguns casos, do Dr. Fernando Dias, sem prejuízo de a execução de algumas peças desenhadas ter requerido a sua presença em Alcoutim, em diversas ocasiões, para realizar in loco o registo gráfico de estruturas arqueológicas ora publicadas.

Ribeira do Vascão

Giões

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martinlongo

N

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ALCoutim pereira

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Rio Guadiana Ribeira da Foupana

3

Vaqueiros 7

Ribeira de odeleite LeGeNDA

1 Conjunto Megalítico do Lavajo 2 Cista Megalítica do Malhão 3 Tholos do Malhanito 4 Anta do Malhão 5 Necrópole das Soalheironas 6 Necrópole do Cabeço da Vaca 7 Barragem do Álamo

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Dez anos de trabalhos arqueológicos em Alcoutim Do Neolítico ao Romano

1 - Conjunto Megalítico do Lavajo

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Conjunto Megalítico do Lavajo

1. P  laca votiva com moldura

2. Enxó

Grauvaque

Rocha anfibolítica

Neolítico Final/ Calcolítico Finais do 4.º milénio/ inícios do 3.º milénio a.C.

Neolítico Final/ Calcolítico Finais do 4.º milénio/ inícios do 3.º milénio a.C.

17,9 x 13,5 x 1 cm

11,2 x 6,6 x 2,1 cm

Lavajo 2

Lavajo 1

N.º Inventário: NMA.70

N.º Inventário: NMA.60

Esta peça, de características invulgares, apresenta além de um furo de suspensão um sulco marginal que é apenas conhecido em escassos exemplares, de entre as centenas de placas encontradas em monumentos megalíticos, no Alentejo e Algarve.

3. Fragmento de machado polido de secção elipsoidal Fibrolite Neolítico Final/ Calcolítico Finais do 4.º milénio/ inícios do 3.º milénio a.C. Comp. máx. 6,5 cm Lavajo 2 N.º Inventário: NMA.127

4. Grande sacho com superfície grosseiramente afeiçoada por picotagem e de secção sub-circular. Grauvaque Neolítico Final/ Calcolítico Finais do 4.º milénio/ inícios do 3.º milénio a.C. 14,4 x 6,7 x 5,2 cm Lavajo 2 N.º Inventário: NMA.126

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Conjunto Megalítico do Lavajo

5. F  ormão finamente polido

6. Micrólito sub-triangular

Grauvaque esverdeado

Sílex castanho-avermelhado

Neolítico Final/ Calcolítico Finais do 4.º milénio/ nícios do 3.º milénio a.C.

Neolítico Final/ Calcolítico Finais do 4.º milénio/ inícios do 3.º milénio a.C.

19,6 x 3,5 x 1,9 cm

2,7 x 0,9 x 0,3 cm

Lavajo 2

Lavajo 2

N.º Inventário: NMA.125

N.º Inventário: NMA.132

7. Ponta de seta Sílex cinzento claro com manchas brancas

8. L  asca com bordo retocado para servir como raspador Sílex castanho-avermelhado

Neolítico Final/ Calcolítico Finais do 4.º milénio/ inícios do 3.º milénio a.C.

Neolítico Final/ Calcolítico Finais do 4.º milénio/ inícios do 3.º milénio a.C.

3 x 2,2 x 0,4 cm

2,7 x 2,7 x 0,8 cm

Lavajo 2

Lavajo 2

N.º Inventário: NMA.131

N.º Inventário: NMA.130

9. F  ragmento de lasca com indícios de utilização na extremidade convexa Quartzo leitoso Neolítico Final/ Calcolítico Finais do 4.º milénio/ inícios do 3.º milénio a.C. 1,9 x 0,9 x 0,8 cm Lavajo 2 N.º Inventário: NMA.128

10. Lasca de talhe Sílex esbranquiçado Neolítico Final/ Calcolítico Finais do 4.º milénio/ inícios do 3.º milénio a.C. 2,8 x 2,4 x 0,7 cm Lavajo 2 N.º Inventário: NMA.129

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Conjunto megalítico do Lavajo

1 - Conjunto megalítico do Lavajo 1 Resumo

AbsTrAcT

Neste capítulo apresenta-se o resultado das escavações realizadas respectivamente em 1998 e em 2001 nos núcleos de menires de Lavajo 1 e de Lavajo 2, distanciados cerca de 250 m na direcção NNE e separados pelo pequeno vale do Lavajo, bem como dos trabalhos de protecção, recuperação e valorização efectuados sobretudo no núcleo mais importante (Lavajo 1). Os locais, pelo menos actualmente, são intervisíveis, graças à implantação destacada no terreno: o núcleo de Lavajo 1 situa-se no topo de colina enquanto Lavajo 2 ocupa a linha de festo de uma encosta, conferindo ao local visibilidade tanto do lado sul como do lado norte. O conjunto de Lavajo 1 é constituído actualmente por três monólitos, todos de grauvaque: um, quase inteiro, de tendência fálica, é actualmente o maior menir de grauvaque conhecido em território português, atingindo o comprimento máximo de 3,14 m; outro, quase completo, fragmentado em três grandes blocos, possui formato estelar; o restante apresenta-se muito incompleto, dele se conservando apenas uma lasca da sua face frontal. É crível, no entanto, que pudessem existir mais monólitos, tendo em conta os abundantes fragmentos de grauvaque ali observados, quase todos com fracturas frescas. Todos os menires de Lavajo 1 se apresentam decorados, com destaque para o maior deles, o qual exibe complexa decoração estreitamente relacionada com a morfologia do suporte lítico, de carácter fálico. Apenas para este foi possível determinar o local de implantação, correspondente a um alvéolo de planta circular e fundo aplanado, parcialmente danificado pelos trabalhos realizados em 1994, que conduziram ao seu reerguimento, infelizmente feito de forma descuidada, tendo até sido colocado no terreno em posição invertida. Seja como for, na zona culminante daquele pequeno cabeço, implantaram-se três menires decorados, os quais não podem ser vistos isoladamente, já que se articulariam directamente com o conjunto de Lavajo 2, que se avista ao longe, do outro lado do pequeno vale do Lavajo e na linha de festo da encosta, da qual ocupa a parte média. Neste segundo local,

In this chapter, we present the results of excavations conducted in 1998 and 2001, and the subsequent works of protection and rehabilitation of two loci of menhirs, Lavajo 1 and Lavajo 2, located at 250 m of distance from each other, in a NNE direction and separated by the small valley of Lavajo (Alcoutim). Lavajo 1 is located on the top of a hill while Lavajo 2 is located on a slope, and both presented a good visibility southwards as well as northwards.

1 Sobre as intervenções arqueológicas desenvolvidas neste importante conjunto megalítico publicaram-se dois artigos (CARDOSO, J. L.; CANINAS, J. C.; GRADlM, A; JOAQUIM, A. N. (2002) - Menires do Alto Algarve oriental: Lavajo I e Lavajo II (Alcoutim). Revista Portuguesa de Arqueologia. Lisboa. 5:2, p. 99-133. e CARDOSO, João Luís, CANINAS, João Carlos, GRADIM, Alexandra, e JOAQUIM, António do Nascimento (2003) - Resultados preliminares das escavações arqueológicas realizadas nos núcleos de Menires Lavajo I e Lavajo II (Alcoutim), “Actas do 1.º Encontro de Arqueologia do Algarve”, Revista XELB, n.º 4, Silves, pp. 54-68), e uma brochura (CARDOSO, João Luís, CANINAS, João Carlos, GRADIM, Alexandra, e JOAQUIM, António do Nascimento (2003) - Os Menires do Lavajo. Afonso Vicente, Alcoutim, Câmara Municipal de Alcoutim/ Comissão de Coordenação Regional do Algarve, Alcoutim.). Este texto corresponde, no essencial, ao estudo publicado pelos autores, na referida brochura, actualmente esgotada. Realizaram-se actualizações decorrentes dos trabalhos de recuperação e valorização realizados ulteriormente.

Lavajo 1 has three monoliths made of greywacke: one, almost complete, of a phallic appearance, and currently the largest greywacke menhir known in Portugal, reaching a maximum length of 3,14 m; another, almost complete, broken in three large blocks, with a stela-like appearance; the third, very incomplete, with only a piece of its front side left. It is possible, however, that there were once more monoliths, considering that abundant fragments of greywacke were found at the site, all with fresh fractures. All the menhirs of Lavajo 1 were decorated. The largest one has a prominent decoration, strictly related to the morphology of the lithic support, and it was possible to determine its original location, on a small pit of circular plan and flat bottom. The pit was partially damaged by works carried out in 1994 to re-erect the menhir, but conducted without care and placing the structure in reverse position. The three decorated menhirs were placed in the highest zone of the small hill of Lavajo 1 that should not be seen in isolation as they articulated directly with the group at Lavajo 2, located on the other side of the Lavajo valley. In this second location, four undecorated stele-menhirs, all of greywacke, were discovered, of which only one, represented by a small fragment, was found in situ. It was, nevertheless, possible to reconstruct the relative positions of the remaining ones, through the excavation of their respective sockets, associated with an elongated groove, oriented east-west,

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Conjunto megalítico do Lavajo

identificaram-se quatro estelas-menir não decoradas, todas de grauvaque, das quais apenas uma, representada por fragmento de pequenas dimensões, se encontrava in situ. Foi, no entanto, possível reconstituir a posição relativa das restantes, através da escavação integral do respectivo alvéolo, correspondente a rasgo alongado, orientado Este-Oeste, aberto no substrato geológico, constituído por xistos do Carbónico Superior finamente folheados. Deste modo, é de concluir que as estelas menir se dispunham em linha, constituindo um painel lítico contínuo. No interior do alvéolo, recolheram-se diversos artefactos ali ritualmente depositados aquando da fundação do monumento, cuja tipologia indica o Neolítico Final, cronologia aliás compatível com a do conjunto megalítico de Lavajo 1, tendo presente a iconografia patente nos menires. Muito embora não se conheça ainda suficientemente o padrão de povoamento da região no Neolítico Final, estes dois núcleos megalíticos podem ser interpretados como marcadores de territórios e/ou de espaços sagrados, sendo de destacar a existência, durante todo o ano, de água nas proximidades imediatas, recurso escasso e precioso, que propiciaria a horticultura. Por outro lado, a natureza das matérias-primas utilizadas na confecção dos artefactos encontrados (sílex, anfibolito), para além de outros materiais de circulação transregional muito mais alargada (fibrolite), evidencia a forte interacção destas populações tanto com o interior do Baixo Alentejo (Zona de Ossa/ Morena), como com o litoral algarvio ou andaluz, compatível com estádio de desenvolvimento económico do final do Neolítico do sul peninsular, atingido na segunda metade do IV milénio a. C. Numa vasta região, correspondente a todo o sotavento algarvio, onde o megalitismo não funerário era até agora totalmente desconhecido, os testemunhos ora estudados constituem, doravante, uma das expressões mais interessantes e significativas, cuja relevância se impõe numa área muito mais vasta, correspondente a todo o Sudoeste peninsular.

and cut into the bedrock made up of finely foliate carboniferous schists. In this way, we concluded that the stele-menhirs were arranged in a line and constituted a continuous lithic panel. Within the pit-holes were recovered diverse artefacts ritually placed there during the construction of the monument, whose typology points to the Late Neolithic and whose chronology is compatible with that of the megalithic group at Lavajo 1, based on the iconography of the menhirs. Although the settlement pattern of the Late Neolithic in the region is not well-known, these two megalithic nuclei could be interpreted as territorial markers and/ or sacred spaces; of note is the existence of year-round water sources in their immediate proximity, water being a scarce and precious resource which would have aided in horticulture. On the other hand, the nature of the raw materials found (flint, amphibolite), in addition to other material obtained through extensive transregional trade (fibrolite), is evidence for regular interaction between populations in both the interior of the Baixo Alentejo (Ossa/ Morena Zone), as well as along the Algarve or Andalusian coast, consistent with the level of economic development of the Late Neolithic of the southern Iberian Peninsula, in the second half of the IV millenum BC. In a vast region, corresponding to the entire Eastern Algarve, where non-funerary megaliths were until now totally unknown, the sites of Lavajo 1 and II are interesting and one of the most significant expressions of the south western Iberian megalithism.

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Conjunto megalítico do Lavajo

ANteCeDeNtes A visita de António do Nascimento Joaquim, no Verão de 1992, acompanhado de outros residentes ou veraneantes no monte de Afonso Vicente (Alcoutim), a local próximo, que conhecia de infância e onde se lembrava de ter visto uma grande pedra tombada, levou-o a admitir a hipótese de se tratar de um menir. Assim, tomou a iniciativa de contactar o primeiro signatário, na altura seu colega no Departamento de Ciências da Terra da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Nova de Lisboa. Em visita ao local, feita na companhia do descobridor e do Arq. M. Varela Gomes, convidado por J. L. C., na qualidade de arqueólogo que se vinha dedicando ao estudo dos menires do barlavento algarvio, constatou-se o efectivo interesse arqueológico do monólito: tratava-se de facto de um grande menir de grauvaque, rocha disponível no local. O monumento encontrava-se tombado sobre um dos lados maiores, o qual não se apresentava decorado. Junto, observaram-se lajes dispostas de cutelo, as quais se admitiu fazerem parte da respectiva estrutura de fixação. A situação de se tratar do primeiro menir identificado em toda a vasta região do sotavento algarvio, a que acrescia o facto de ser o maior do território português talhado em grauvaque, justificou a sua publicação preliminar, nela se acrescentando que era propósito dos autores prosseguirem as investigações através de escavações no local (Gomes, Cardoso e Joaquim, 1992).

convidado a dirigir a execução desta intervenção arqueológica, por ofício do Presidente da Câmara Municipal de Alcoutim, de Julho de 1998. Face a esta situação, foi requerida e obtida nova autorização, já por parte do IPA, em Agosto de 1998, de modo a permitir, a curto prazo, a concretização das escavações, as quais se vieram efectivamente a realizar sob sua direcção em Setembro de 1998, seis anos volvidos após a primeira visita ao local. Participaram na campanha de escavações realizada no conjunto megalítico de Lavajo 1 – que envolveu, também, o levantamento gráfico da face decorada do menir, descoberta aquando do seu reerguimento, em 1994 e a investigação do que se admitia então ser um sepulcro megalítico cistóide, situado muito próximo, mas que se verificou, no decurso de curta intervenção, não ser mais do que um abrigo de pastor – os seguintes elementos, além do primeiro signatário: Doutor António do Nascimento Joaquim, natural da vizinha aldeia (“monte”, na terminologia local) de Afonso Vicente, e autor da descoberta; Eng.º João Carlos Pires Caninas; e, na qualidade de técnicos da Câmara Municipal de Alcoutim, a Dra. Alexandra Gradim, Técnica Superior da área da Arqueologia, a Eng.ª Manuela da Palma Teixeira, Técnica Superior da área de restauro de materiais arqueológicos e Fernando José Estevão Dias, Técnico de Museografia arqueológica, além de jovens voluntários de Alcoutim.

Entretanto, ocorreram importantes movimentações de terras no local, nos inícios de 1994, com nítido prejuízo do monólito, então deslocado da posição anterior. Face a tal situação, a Doutora Helena Catarino, tomou a iniciativa de promover prontamente, com o apoio de colegas seus, a recolocação do menir na vertical, a qual, porém, não eliminava a prioridade científica dos autores supra citados; em Abril de 1994, estes confirmaram o seu interesse em prosseguirem os trabalhos, através da apresentação do respectivo pedido de autorização, ao IPPAR, o qual foi deferido apenas em Maio de 1995. Na sequência desta autorização, foi programada uma intervenção para a escavação da zona adjacente à da implantação do menir e solicitado o apoio logístico e financeiro à Câmara Municipal de Alcoutim a qual, em Maio de 1997, respondeu favoravelmente. Entretanto, tendo o Arq. M. Varela Gomes comunicado à autarquia a sua indisponibilidade em colaborar nos referidos trabalhos, nos termos em que estes foram definidos na proposta apresentada, foi o primeiro signatário

Entretanto, dos contactos do primeiro signatário com a Doutora H. Catarino, resultou a comunicação, por parte desta, da existência, na encosta do pequeno outeiro fronteiro ao do menir, do outro lado do vale do Lavajo, de uma estela que interessaria também investigar. Confirmada a sua existência, considerou-se que estes dois núcleos deveriam ser objecto de estudo conjunto. Deste modo, o primeiro signatário obteve autorização para esta nova exploração arqueológica, em Novembro de 2000, a qual foi confirmada em Maio de 2001, atendendo à impossibilidade daquela se ter efectuado na data prevista, dado o mau tempo que se fez sentir por todo o País no Inverno de 2000. A realização, em Junho de 2001, das escavações no segundo núcleo megalítico, denominado Lavajo 2, contou igualmente com a colaboração da Dr.ª. Alexandra Gradim e de Fernando Estêvão Dias, e, novamente, de jovens voluntários de Alcoutim. O levantamento gráfico da superfície insculturada do menir já conhecido, bem como dos restantes, que integram o conjunto de Lavajo 1 foi realizada

pelo primeiro signatário e por J. C. Caninas; os desenhos de campo da área escavada em Lavajo 1 e Lavajo 2 e dos monólitos de Lavajo 2 são da autoria de F. Dias e de A. Gradim; as respectivas tintagens, bem como os desenhos de todas as peças arqueológicas exumadas, devem-se a Bernardo L. Ferreira. Por fim, importa referir os trabalhos de conservação e valorização realizados, sobretudo em Lavajo 1, em Julho de 2003. Dado que este é o núcleo megalítico de maior valor patrimonial, efectuou-se, após autorização concedida ao primeiro signatário, a reimplantação do grande menir na sua posição primitiva, tendo-se aproveitado o alvéolo original, posto totalmente a descoberto no decurso da intervenção de 1998; a esta iniciativa, seguiu-se o restauro e

colocação in situ do segundo menir daquele núcleo arqueológico, acção inserida em programa mais vasto, apoiado pela C. C. R. – Algarve, dirigido por outro dos signatários (A. G.) que envolveu a construção de um parque de estacionamento para viaturas, arranjos pedonais e painéis sinaléticos e explicativos, para além da edição de um desdobrável de grande tiragem e de uma colecção de postais. Agradece-se à C. C. R. – Algarve, por ter patrocinado financeiramente o projecto de valorização patrimonial e de aproveitamento turístico-cultural do núcleo de menires do Lavajo 1. De registar ainda a colaboração dos Bombeiros Voluntários de Alcoutim, que cederam pessoal e equipamento no âmbito da realização de uma sessão de fotografia nocturna no conjunto de Lavajo 1.

2 - tRAbALhos ReALizADos e ResuLtADos obtiDos em LAVAJo 1 Quando se efectuou em 1994 o reerguimento do grande menir de Lavajo 1 (doravante referenciado como menir n.º 1), ainda que incorrectamente – pois foi colocado em posição invertida no terreno – verificou-se que a face até então oculta se apresentava decorada (Fig. 1); deste modo, era prioritária a execução do respectivo registo gráfico; por outro lado, importava proceder a escavação na área de implantação do menir – que nada garantia à partida fosse a primitiva, como depois se verificou – tendo em vista a identificação de estruturas anexas, ou da própria estrutura de fundação deste, que provavelmente correspondia a algumas pedras colocadas de cutelo, observadas aquando da primeira visita em 1992 e entretanto desaparecidas, devido aos profundos remeximentos no terreno realizados pouco tempo antes (finais de 1993 ou inícios de 1994) pelo seu proprietário. Mais tarde, importaria proceder à recolocação correcta do menir no terreno, o que implicava a detecção do local de implantação primitiva e a inversão da sua posição vertical, tarefa já efectuada e de que se dará adiante conta.

No respeitante ao levantamento gráfico da face insculturada, foi utilizado plástico cristal, sobre o qual se decalcaram os motivos nela existentes (Fig. 2); o original assim obtido, à escala natural, foi ulteriormente reduzido e tintado, depois de confirmado em pormenor, mediante os registos obtidos em sessão fotográfica nocturna (Fig. 3). Quanto à escavação do terreno adjacente, a decapagem da camada de solo superficial, feita em dois rectângulos paralelos, abertos de ambos os lados do menir permitiu verificar que o substrato geológico constituído por xistos do Carbónico Superior, finamente folheados (fácies flysch), no rectângulo do lado Sul, era ali sub-aflorante, não se verificando a existência de qualquer depósito ou estrutura (Fig. 4), a não ser uma quase insensível depressão, que constituiria o fundo do alvéolo de fixação de um dos dois outros monólitos que coroavam o topo do cabeço, adiante referidos em pormenor. No fundo dessa pequena depressão, encontrou-se minúsculo bordo de recipiente liso, não espessado, pertencente a taça ou a pequeno esférico (Fig. 13, n.º 2).

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Conjunto megalítico do Lavajo Uma vez removidos da área escavada os dois fragmentos aludidos, verificou-se que o segundo assentava em parte sobre o primitivo alvéolo de fixação, distanciado cerca de um metro do local onde se implantou o menir em 1994. O alvéolo corresponde a depressão arredondada, com cerca de 0,70 m de diâmetro máximo e fundo aplanado, aberto no substrato xistoso (Fig. 9). Nas Figs. 5 e 9, são bem visíveis diversos fragmentos de grauvaque, de menires partidos, colocados de cutelo junto à base do grande menir, preenchendo o rasgo executado mecanicamente em 1994 para a sua fixação, igualmente registados na planta da área escavada (Fig. 10). Dos dois fragmentos de menir recolhidos na escavação, um deles (menir n.º 2) (Figs. 6 e 7), de formato tabular, pode observar-se no núcleo arqueológico do castelo de Acoutim. O outro fragmento, igualmente partido de fresco, pertencia a um terceiro menir (menir n.º 3), reconstituído na sua quase totalidade, a partir de mais dois grandes fragmentos abandonados nas proximidades (Fig. 8); conservava-se no interior da vedação mandada colocar pela Câmara Municipal de Alcoutim em torno do menir erguido e foi objecto de trabalho de restauro e de novo ali reerguido. Trata-se de um menir longo e aplanado, que justifica a designação de estela-menir, com uma das faces afeiçoada por picotado e coberta de inúmeras “covinhas”, produzidas por picotado a que se seguiu, nalguns casos, a sua regularização por abrasão rotativa.

Fig. 1 – O grande menir do Lavajo 1 (menir n.º 1) antes da realização das escavações de 1998. Em segundo plano, observa-se um dos três fragmentos do menir n.º 3.

Fig. 2 – Levantamento gráfico da face insculturada do grande menir do Lavajo 1 (menir n.º 1), no decurso da intervenção arqueológica de 1998.

A escavação foi aprofundada do lado Norte, pois importava averiguar se ainda se conservavam restos da possível estrutura de fixação original observada em 1992. Com risco de provocar o tombamento do grande monólito e, com ele, um grave acidente, o aprofundamento da escavação ultrapassou, em resultados, muito do que à partida se imaginava.

originais se desconhecem (foi designado por menir n.º 2); com efeito, a grande quantidade de blocos de grauvaque utilizados como calços do grande menir no local, aquando da intervenção não autorizada de 1994, todos com fracturas frescas, conduz à hipótese de resultarem do estilhaçamento anterior de uma única peça, que teria dimensões semelhantes à do exemplar intacto (menir n.º 1). Ao lado deste fragmento, e disposto transversalmente à fossa executada por retroescavadora em 1994 para nela se reimplantar o menir n.º 1, encontrou-se, pouco depois, outro fragmento de menir decorado (Fig. 5 e 8), o qual pertence a um terceiro monólito (menir n.º 3), também até então desconhecido, e que foi integralmente por nós reconstituído.

Assim, logo a pequena profundidade, deparou-se com um grande fragmento de grauvaque decorado com um círculo feito a picotado (Figs. 5, 6 e 7), o qual evidenciava, pela fractura fresca, que ocupa toda a face oculta, ter sido recentemente destacado de um menir semelhante ao já conhecido; o seu aspecto tabular é compatível com a parte frontal de um monólito, talvez uma estela-menir, cujas dimensões

No contexto descrito, avulta, naturalmente, a iconografia patente no grande menir (menir n.º 1) (Fig. 11). O programa decorativo é constituído por sulcos verticais, “covinhas” e diversas formas geométricas (circunferências, “ferraduras”) e antropomórficas, organizadas de diversos modos. A impressão geral que se tem quando se observa o conjunto é que se pretendeu articular a morfologia do monólito com a disposição decorativa. Com efeito, é no sentido do alongamento da peça e sobre uma espécie de toro, volumoso e proeminente, que a percorre longitudinalmente, que se observa um sulco, largo e pouco profundo, obtido por picotado seguido de abrasão, o qual se encontra pontuado, no seu interior, por sucessivas “covinhas”, também obtidas pela mesma técnica (picotado seguido de abrasão). Este sulco mediano, verdadeira “linha da vida”, ideia sublinhada pelo aspecto fálico do menir, constitui o eixo de toda a organização decorativa, e o seu desenvolvimento encontra-se acompanhado lateralmente de dois outros sulcos, mas de comprimento menor, igualmente pontuados de “covinhas”.

Fig. 3 – Vistas nocturnas, com luz rasante, da parte inferior do grande menir do Lavajo 1 (menir n.º 1), em baixo, obtida em 1998 e da sua extremidade superior, obtida em 2003.

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Fig. 4 – Vista parcial do sector sul da escavação de Lavajo 1, evidenciando-se a presença do substrato geológico subaflorante, correspondente a xistos e grauvaques do Carbonífero marinho (fácies “flysh”), constituindo superfície extensa e regular.

Fig. 5 – Pormenor do sector norte da escavação de Lavajo 1. Do lado esquerdo, o grande menir (menir n.º 1) fixado verticalmente em 1994, com a ajuda de calços de grauvaque, correspondentes a pedaços de outros menires. Este dispositivo foi reforçado com um grande fragmento de menir insculturado com “covinhas”, visíveis na imagem (menir n.º 3). Em segundo plano, fragmento tabular, correspondente a porção frontal de outro menir (menir n.º 2), tal como jazia, no meio das terras remexidas.

Na extremidade do menir outrora enterrada, existem alguns motivos os quais, por tal facto, não seriam visíveis (Figs. 3, em baixo e Fig. 11): é o caso de diversas “covinhas”, de grandes dimensões, dispostas sem ordem aparente, de “ferraduras” e de circunferências com representação punctiforme no centro. Ainda no limiar da zona presumivelmente enterrada, observa-se, de um dos lados, um alinhamento vertical de quatro pequeninas “covinhas”, motivo que se repete na parte mesial do monólito, e de ambos os lados do sulco central com respectivamente, seis e cinco “covinhas”. Pouco acima do que se admite fosse a linha de implantação no terreno, o monólito ostenta dois símbolos antropomórficos, ambos de características sexuais presumivelmente femininas. De um dos lados, observa-se um triângulo isósceles, cuja base, em posição horizontal, se apresenta interrompida por curto traço vertical. O vértice oposto do triângulo, por seu turno, parece corresponder ao centro de uma circunferência radiada, a qual só muito dificilmente se observa: no caso, tal foi apenas possível evidenciá-la com luz rasante (Fig. 12). Do lado oposto, observa-se um outro motivo a que se atribui igualmente carácter sexual: trata-se de uma elipse interiormente septada ao longo do eixo maior, associada a cruciforme, que se situa numa das suas extremidades (originalmente a inferior) (Fig. 11). De referir, ainda,

a existência de conjuntos radiantes de pequenos segmentos, perpendiculares ao sulco central principal e de ambos os lados deste, observáveis na parte média do monólito. A extremidade superior deste menir só foi possível observar em pormenor em Julho de 2003, quando se procedeu à sua reposição no terreno. Verificou-se, então, que ostentava, sobre um fractura oblíqua, com aspecto mais irregular e rugoso que a superfície lateral do monólito, um conjunto de “covinhas” feitas por picotagem, através de ponta dura, dispostas em torno de uma que constitui o centro de tal circunferência (Figs. 3, em cima e Fig. 11). Tais motivos, com excepção do sulco longitudinal e de algumas “covinhas” de maiores dimensões, produzidas por picotado seguido de abrasão, foram obtidos exclusivamente por picotado, sendo evidentes as marcas punctiformes dos respectivos impactos, talvez com recurso a “picos” de quartzo filoneano, matéria-prima que se encontra localmente disponível. Como materiais arqueológicos, para além do pequeno fragmento cerâmico supra referido, recolheu-se apenas, nas terras de revolvimento e deste modo desprovida de contexto, uma bela enxó de anfibolito com o gume intacto, por certo relacionada com as práticas rituais realizadas no local (Fig. 13 n.º 1).

Fig. 6 – O menir n.º 2 de Lavajo 1. Evidencia-se uma circunferência, produzida a picotado, extensivo a toda a área conservada, assim afeiçoada.

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Fig. 7 – Levantamento gráfico do menir n.º 2 de Lavajo 1, correspondente a fragmento tabular, exposto no núcleo museológico do castelo de Alcoutim.

Fig. 8 – Levantamento gráfico do menir n.º 3 de Lavajo 1, fragmentado em três grandes pedaços, o qual foi objecto de restauro e ulterior fixação no terreno.

Os dois monólitos fragmentados insculturados descobertos em 1998 (menires n.º 2 e 3) são os de mais simples abordagem, em virtude da singeleza dos motivos decorativos que ostentam, o que não quer dizer que a discussão sobre os mesmos não encerre profundas insuficiências, de momento inultrapassáveis. Com efeito, o grande fragmento (menir n.º 2), ostentando afeiçoamento e uma grande circunferência a picotado (Figs. 6 e 7), inscreve-se dentro da arte esquemática do ocidente peninsular, cuja cronologia, à falta de melhores provas, se tem situado entre o Neolítico Final e a Idade do Bronze, ou, em termos de cronologia absoluta, entre os finais do IV milénio a.C. e os meados do II milénio a.C. Cronologias mais específicas foram tentadas em alguns locais, como o Complexo de Arte Rupestre do vale do Tejo, onde se observou, com base na análise estilística das respectivas manifestações artísticas, segundo os dois autores que sobre ele mais se têm debruçado (A. M. Baptista e M. V. Gomes), uma sequência evolutiva. No entanto, a evolução defendida por cada um deles é diferente. Assim, para A. M. Baptista, a tipologia das figuras geométricas, como a espiral, presentes em diversas culturas cronologicamente e geograficamente muito afastadas, são símbolos “cuja larga expansão mediterrânica e atlântica não é passível da redução difusionista por muito tempo defendida por velhos representados pela sua Fase III. É justamente nesta fase, claramente geométrica e esquemática, no entender daquele arqueólogo, que pontificam os “círculos” simples (ou antes, “circunferências”, querendo ser rigoroso na terminologia) – presentes já na Fase II – e seus derivados, “círculos” concêntricos com o centro assinalado por punctiforme, além de outras figuras geométricas, admitindo-se mesmo, “que tenha, a partir de certo momento, substituído a espiral no tipo de associação especialmente com zoomorfos” (Baptista, 1981, p. 41). Na estação do Cachão do Algarve, a associação da circunferência a uma figura humana, de que constitui o ventre – tendo sido interpretada por A. M. Baptista, por essa razão, como muito possivelmente feminina – coloca a questão do significado simbólico deste motivo geométrico, tema que, naturalmente, não será agora objecto de discussão, sem deixar, contudo, de se referir que é frequente a sua conotação com representações astrais. O referido autor apresenta, para a fase III da rocha F-155, onde estão presentes as circunferências, uma cronologia já do Bronze Pleno, o que naturalmente não implica que todas as figuras deste tipo, presentes nas restantes rochas das diversas estações do complexo, sejam

Fig. 9 – Pormenor do sector norte da escavação de Lavajo 1. Em primeiro plano, observa-se o alvéolo de fixação do grande menir (menir n.º 1), de planta elipsoidal e fundo aplanado, escavado nos xistos carboníferos sub-aflorantes. Em segundo plano, vê-se o rasgo, feito com pá mecânica, em 1994, destinado à fixação do menir, com a ajuda de fragmentos de outros menires (ver Fig. 5).

dessa época. Com efeito, em 1978, o mesmo autor, com Manuela Martins, discutindo o faseamento das insculturas da estação de São Simão, pertencente também ao complexo do Tejo, e onde se reconheceram 562 circunferências simples, correspondentes a 37,3% das representações identificadas, integraram-nas na Fase III, a qual, conjuntamente com a Fase II, foi correlacionada coma cultura megalítica alentejana, a qual, como é sabido, se inscreve essencialmente no Neolítico Médio e Final, e que os próprios autores situam, no trabalho referido, com terminus cerca de 2500 a.C. (Baptista, Martins e Serrão, 1978). Ora, esta conclusão encontra-se em pleno desacordo com a cronologia apontada por M. V. Gomes para o seu período dos “círculos e linhas” da arte do vale do Tejo, o qual se incluiria já na Idade do Ferro, descendo a sua cronologia até à época de Cristo (Gomes, 1990, p. 172). No entanto, a iconografia da chamada “arte megalítica” tanto a pintada como a insculturada no interior dos monumentos megalíticos do Centro e do Norte de Portugal – onde abundam circunferências e linhas onduladas, a par de outros motivos, incluindo representações antropomórficas, zoomórficas e estelares – parece dar razão à cronologia apontada por A. M. Baptista e M. Martins para a última fase de S. Simão, onde, como se viu, pontificam as circunferências simples. Tal iconografia é, com efeito, compatível com as representações esquemáticas patentes em diversos menires alentejanos, com destaque para a

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Fig. 10 – Planta da área escavada em Lavajo 1. O corte A-B evidencia o perfil do alvéolo de fixação primitivo do grande menir (menir n.º 1), enquanto o corte C-D intersecta pequena depressão, existente no sector sul da área escavada, correspondente eventualmente ao fundo do alvéolo de fixação de um dos outros dois menires identificados.

Fig. 11 – Levantamento gráfico do grande menir de Lavajo 1 (menir n.º 1).

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Fig. 12 – Pormenor da superfície insculturada do grande menir de Lavajo 1 (menir n.º 1), obtido com luz artificial rasante. No alto, ao centro, observa-se triângulo isósceles invertido, com a base intersectada por traço vertical, com aparente prolongamento radiado a partir do vértice (ver Fig. 11).

estela-menir do Monte da Ribeira, Reguengos de Monsaraz – que, segundo os autores que a publicaram, se situará no último quartel do IV milénio a.C., ou na transição para o milénio seguinte – época em que ocorrem, até com abundância, as circunferências com centro ocupado por punctiforme, para além de outros motivos geométricos (Gonçalves, Balbín Behrmann e Bueno Ramírez, 1997). Na verdade, é frequente a presença de circunferências gravadas em outros monólitos alentejanos do distrito de Évora, associadas a “covinhas” (Gomes, 1994); mais raramente, aquela figura aparece em alto-relevo, como no menir de Vidigueiras, associada a um “báculo”, também em alto-relevo (Gomes, 1997).

A estela-menir n.º 3 (Fig. 8), oferece uma temática também pouco característica. Com efeito, representações de “covinhas” dispostas aleatoriamente, como as observadas no monólito em apreço em uma das faces maiores, podem ter sido feitas ao longo de milénios, com intuitos hoje difíceis de vislumbrar. Crê-se, todavia, que a sua presença em certos monumentos megalíticos esteja directamente relacionada com a sua utilização primária. Assim, um dos dois menires implantados na periferia do dólmen da Granja de São Pedro, Idanha-a-Velha, possuía um dos lados profusamente insculturado com tais elementos, de várias dimensões (Almeida e Ferreira, 1970, Est. II, fig. 1), os quais, segundo os mesmos autores, são extensivos a alguns dos esteios do monumento.

A observação da fotografia publicada sugere que as “covinhas” se desenvolviam alinhadas segundo o próprio alongamento do monólito, tal como se verifica no menir n.º 1 do Lavajo 1. Ainda no sul da Beira Baixa, é de assinalar a existência de numerosas rochas com “covinhas” insculturadas, as quais, por um lado, foram correlaciona-das com monumentos dolménicos e, por outro, com ermidas, revelando, segundo diversos autores, uma imemorial tradição da utilização daqueles lugares como espaços sagrados e simbólicos (Henriques, Caninas e Chambino, 1995). Aliás, a existência de “covinhas” foi assinalada pelos mes-mos autores num bloco de granito, servindo de ombreira da porta a um palheiro perto da capela da Senhora da Graça, Vila Velha de Ródão, que admitem ter sido originalmente um menir. Já na rica região megalítica do Alto Alentejo, um dos dois menires da Charneca de Vale Sobral (Nisa), possuía uma das faces repleta de “covinhas”, as quais ultrapassariam o limite exposto da peça, quando colocada verticalmente. Os autores, concluem que “houve, portanto, a intenção de as deixar enterradas e encobertas, pelo menos em parte, quando a peça estivesse levantada, facto que sugere a hipótese das covinhas estarem conotadas com a terra ou com um nível cosmológico subterrâneo onde residiriam as forças telúricas” (Monteiro e Gomes, 1977, p. 200). Esta observação reveste-se de muito interesse, por vir conferir um significado a algumas das insculturas do menir do Monte da Ribeira e a algumas patentes no menir n.º 1 do Lavajo 1 que se encontrariam também ocultas, visto se situarem na parte primitivamente enterrada dos monólitos. Terá sido, igualmente, tal razão que explica os casos de os esteios ou a cobertura da câmara de diversos dólmens do Alto Alentejo se apresentarem decorados por numerosas “covinhas”, que nada indica terem sido produzidas após a erosão do montículo tumular. A título de exemplo, cita-se apenas as inúmeras referências que tanto Vergílio Correia, no tocante aos dólmenes da região de Pavia (Correia, 1921), como Georg Leisner (Leisner, 1949), fazem quanto à existência de tais insculturas. Mais recentemente, foi referida a existência de dois esteios-estela, marcando a entrada do corredor da Anta 2 do Olival da Pega (OP 2), com centenas de covinhas insculturadas (Gonçalves, 1999). Outro monumento funerário que revelou ligação a um monólito decorado, foi o dólmen de falsa cúpula de Vale de Rodrigo, Évora; onde uma estela-menir que se encontrava tombada, junto da entrada, ostentava, entre outros motivos, várias “covinhas” insculturadas (Gonçalves, 1975,

p. 8). Esta situação encontra estreito paralelo na grande estela-menir tombada junto ao limite da mamoa da Anta Grande do Zambujeiro, Évora, em cuja superfície exposta são também visíveis numerosas “covinhas” (Gomes, 1997). Também na notável região megalítica de Reguengos de Monsaraz se reconheceram “covinhas”, tanto em menires como em rochas insculturadas. Sem ter a preocupação de esgotar o tratamento deste assunto, importa, no entanto, assinalar alguns exemplos mais directamente conotáveis com a estela-menir n.º 3 de Lavajo 1 e, em especial, com o alinhamento de “covinhas” nela observado, ao longo de um sulco previamente delineado. O alinhamento de “covinhas” observado no menir n.º 3 do Lavajo 1, tem paralelo, embora não tão nítido, no grande menir fálico da Herdade do Xarez, Reguengos de Monsaraz, encontrado já tombado, onde J. P. Gonçalves identificou alinhamento de 13 “covinhas” (Gonçalves, 1972, Fig. 11, 1976, p. 44). A reapreciação deste notável menir, que ocupava a área central de ainda mais notável recinto, considerado como possuindo planta sub-quadrangular, constituído por cerca de 50 menires, foi recentemente efectuada, no âmbito dos trabalhos arqueológicos de minimização dos impactes do projecto de Alqueva. Deste modo, foi possível contabilizar em vinte e oito o número de covinhas ali patentes, das quais 7 definem o alinhamento já identificado por Pires Gonçalves, enquanto outras se organizam de forma menos evidente. Tais covinhas também ocorrem em cinco dos menires periféricos, com destaque para o menir 51, com dez, executadas no topo, que é aplanado, cuja distribuição sugeriu a utilização no “jogo da serpente” (Gomes, 2000, Quadro VI e Fig. 80, 81). Outro paralelo importante da mesma região é o menir 1 dos Perdigões, o qual exibe um dos lados totalmente preenchido por “covinhas”, organizadas nitidamente segundo uma linha longitudinal que percorre, a todo o comprimento, o monólito (Gomes, 2000, Fig. 78). No santuário exterior do Escoural, Montemor-o-Novo, cuja cronologia remonta aos finais do IV/inícios do III milénio a.C., uma das associações encontradas era constituída por alinhamentos de pequenas “covinhas” (Gomes, Gomes e Santos, 1983, Fig. 5, J), cuja disposição não se pode considerar como aleatória. Por último, e sem a preocupação de apresentar um levantamento exaustivo das ocorrências de “covinhas” alinhadas na arte megalítica, refira-se que o recinto do Monte Novo, nos Chãos de Sines, “inclui pequenos

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Conjunto megalítico do Lavajo menires estelares, um deles decorado com covinhas alinhadas” (Gomes, 1997, p. 33). Em território espanhol, devem mencionar-se alguns monólitos cujas características os aproximam das descritas. Tal como se verifica em Portugal, situar-se-ão, genericamente, no Neolítico Final/Calcolítico. É o caso do menir de Guadyerbas, Toledo, o qual possui, numa das faces, complexa teoria decorativa organizada longitudinalmente, cujo centro é ocupado, tal como no exemplar de Alcoutim, por um alinhamento de “covinhas” que, nalguns casos, se encontram ligadas por sulco, ondulado, que parte da base do monólito (Bueno Ramírez et al., 1999, Fig. 13). Trata-se do exemplar que maiores semelhanças exibe com o português, conquanto seja mais pequeno, pois tem apenas 1,26 m de comprimento, comparativamente aos 3,14 m deste último. Ainda na província de Toledo, os referidos autores escavaram o dólmen de Navalcán, no interior de cuja câmara depararam, ainda na posição primitiva, com estela-menir decorada; outros monólitos, igualmente decorados (um menir e diversos esteios) foram encontrados no decurso da escavação deste monumento funerário. É a referida estela, claramente antropomórfica (já que é munida na parte inferior de um cinturão, como o menir do Monte da Ribeira) e de aspecto fálico, que, no contexto deste estudo mais importa referir: com uma altura acima do solo primitivo de 1,55 m, possuía uma das faces decoradas com diversas linhas onduladas, onde avulta uma grande serpente em baixo-relevo que ocupa toda a parte central do referido lado. O lado oposto mostra um conjunto de “covinhas” orientadas também ao longo do comprimento do monólito; num dos lados menores, entre outros motivos, avulta um “báculo” em alto-relevo (Bueno Ramírez et al., 1999, Fig. 33-39). Enfim, são ainda os mesmos autores a assinalar no complexo dólmen de El Guadalperal (Cáceres), a associação de linhas onduladas e serpentiformes a “covinhas”, em uma grande estela-menir ali reconhecida, implantada à entrada da câmara. Aliás, a associação de linhas onduladas, para além de “covinhas”, também se verifica a circunferências, como a representada no menir n.º 1 de Lavajo 1; na Galiza, a Mámoa de Braña possuía diversos esteios insculturados com tais elementos, dos quais um evidencia também uma organização longitudinal, acompanhando o comprimento do monólito (Bueno Ramírez e Balbín Behrmann, 1999, Fig. 13, n.º 2).

Serpentiformes, linhas insculturadas em zigue-zague e outras representações esquemáticas, incluindo uma elipse associada a cruciforme, como a observada no grande menir n.º 3 de Lavajo 1 e considerada como símbolo sexual feminino, podem observar-se em esteio do dólmen de Corao-Abamia, Astúrias, reproduzido por H. Obermaier (1924, Fig. 11). O autor, no citado trabalho, dedicado ao estudo do dólmen de Soto, Huelva, reproduz, deste, várias insculturas observadas em diversos esteios da galeria. Entre estas, devem destacar-se, por possuírem paralelos directos nos menires de Lavajo 1, os seguintes motivos:

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• numerosas “covinhas”, como as do esteio 31, do lado esquerdo do monumento; • três circunferências dispostas em linha horizontal, no esteio 15, do lado esquerdo do monumento; • um curioso motivo, conotável com representação sexual feminina, constituída por dois triângulos isósceles, dispostos simetricamente, com as respectivas bases paralelas, unidas ao centro por segmento vertical (Obermaier, 1924, Lám. VII, A, B, C), directamente comparável ao motivo triangular do menir n.º 3 do Lavajo 1.

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Representações similares, de triângulos simples, intersectados por segmentos verticais, expressando claramente o triângulo púbico feminino são, aliás, conhecidas em contextos calcolíticos da Estremadura portuguesa; entre eles, avultam o ídolo cilíndrico de calcário, de Leceia (Cardoso, 1995) e várias placas de barro rectangulares, utilizadas como elementos de tear (Jalhay e Paço, 1945, Fig. 11, n.º 7; Paço e Arthur, 1952, Fig. 3, n.º 1), com diferenças menores: é que, enquanto no triângulo simples do menir em análise (Fig. 11) e nos duplos triângulos do dólmen onubense, o traço vertical correspondente à abertura vaginal intersecta a base dos triângulos, sem atingir o vértice oposto, nos exemplares calcolíticos estremenhos, o referido traço passa, ao contrário, pelo referido vértice, sem atingir a base. É evidente que a semelhança entre ambos os grupos é maior que as respectivas diferenças, conferindo às figuras presentes nos megálitos referidos (dólmen de Soto e menir n.º 1 de Lavajo 1), um significado sexual feminino difícil de negar. A província de Huelva, área geográfica importante no âmbito da presente discussão, visto tratar-se de região imediatamente adjacente à de Alcoutim, forneceu, igualmente, um

Fig. 14 – Localização dos núcleos de Lavajo 1 (1), Lavajo 2 (2) e da anta do Malhão (3). Extracto da Carta Militar de Portugal (formato digital) na escala de 1/25 000, folha n.º 575, Lisboa, Instituto Geográfico do Exército, Secção de Fornecimento de Informação Geográfica, 2004 (reduzida).

Fig. 13 – Materiais arqueológicos exumados em Lavajo 1: 1 – enxó de anfibolito, intacta, recolhida nas terras de revolvimento na adjacência da área escavada; 2 – fragmento de vaso esférico, recolhido no fundo da pequena depressão identificada no sector sul da área escavada (ver Fig. 10).

conjunto de insculturas rupestres a céu aberto: trata-se do sítio de Los Aulagares, Zalamea la Real, Huelva (Amo, 1971). Identificaram-se três conjuntos de afloramentos gravados, onde são exclusivos os motivos geométricos representados, quase exclusivamente por circunferências e suas variantes, constituídas por diferentes soluções decorativas do seu interior, normalmente radiado ou compartimentado. Neste contexto estritamente geométrico, têm pertinência os comentários anteriormente apresentados relativamente à fase tardia da arte do Tejo, igualmente representada por figuras

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Conjunto megalítico do Lavajo congéneres, conquanto as onubenses denotem uma maior especificidade local e características decorativas próprias (que as aproximam de algumas estações da arte rupestre galaico-portuguesa, já da Idade do Bronze, como é o caso do Outeiro dos Riscos, Vale de Cambra). Foram designadas por M. del Amo por “círculos com raios e pontos”, situando-as em momento que corresponderia às derradeiras construções dolménicas da região – como o supracitado dólmen de Soto – e as primeiras sepulturas cistóides do Bronze Antigo, dos inícios da primeira metade do II milénio a.C.: na própria região de Alcoutim, o primeiro signatário dirigiu a escavação de uma destas grandes cistas, com espólio calcolítico, em Cerro do Malhão, Martim Longo. No grande menir de Lavajo 1, apenas uma inscultura se aproxima das circunferências radiadas características do conjunto rupestre de Los Aulagares: trata-se da associação do já mencionado triângulo isósceles invertido a uma circunferência cujo centro coincide com o vértice do triângulo (Figs. 9 a 11). Parece claro que a arte esquemática rupestre da Idade do Bronze do ocidente peninsular, corresponde a um continuum, com origens imediatas na própria arte esquemática megalítica, origem que, entre outros, já E. Mac White tinha assinalado (Mac White, 1951, p. 37). De tal constatação decorre que a

Lavajo I

periodização apertada, feita como que em compartimentos não comunicantes, em que a evolução se processaria “por saltos”, segundo o modelo proposto por E. Anati, seguido de perto por diversos autores, não pode ser mais aceite: é nesse sentido que as pertinentes críticas de A. M. Baptista e do próprio M. del Amo apontam. Com efeito, a evolução artística patente na arte esquemática, além do marcado regionalismo que a caracteriza, foi, de facto, fenómeno complexo, que não se compadece com a mera classificação “por catálogo” dos motivos elementares, que não devem interpretar-se como entidades isoladas, separando-os artificialmente do todo de que fizeram (e fazem) parte integrante. Já M. Almagro, admitiu que a arte das estelas “extremeñas” da Idade do Bronze, se deveria procurar na arte esquemática megalítica (Almagro, 1966): e, com efeito, no estado actual dos nossos conhecimentos, tal convicção parece mais forte do que nunca, sendo ilustrada, por exemplo, pela clara continuidade entre as estelas-menires diademadas calcolíticas e as suas congéneres, dos inícios da Idade do Bronze, a ponto de ser problemática a separação entre umas e outras. No quadro da discussão que vem sendo apresentada, importa sublinhar, a propósito da evidente continuidade artística aludida, a estreita analogia, não

Lavajo II

Fig. 16 – Localização dos núcleos megalíticos de Lavajo 1 e Lavajo 2 na paisagem envolvente (vista de Leste-Oeste).

certamente ocasional, que se pode estabelecer entre algumas composições galaico-portuguesas e o motivo que, no grande menir do Lavajo 1 (menir n.º 1), condicionou todo o discurso decorativo nele patente: trata-se do sulco longitudinal rectilíneo, pontuado de “covinhas”, que também se observa no menir de Guadyerbas (Toledo), o qual tem o seu paralelo mais próximo, já da Idade do Bronze, na estação rupestre galaico-portuguesa da “Laxe do Xubiño”, em Combarro (Sobrino Buhigas, 1935, Fig. 148): ali, observam-se

Fig. 15 – Localização dos núcleos megalíticos de Lavajo 1 e Lavajo 2, em esboço geomorfológico simplificado da região envolvente (vista de Leste-Oeste).

linhas ramificadas, materializadas em sulcos a partir de um ponto comum, pontuadas interiormente por uma sucessão de múltiplas “covinhas”. A este exemplo, outros se poderiam juntar, ainda mais longínquos, como o menir irlandês de Seskilgreen, Tyrone (Coffey, 1977, Fig. 85), no qual o espaço decorado se encontra nitidamente separado oblíquamente, por uma sucessão de “covinhas” cuidadosamente alinhadas.

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Conjunto megalítico do Lavajo

3 - tRAbALhos ReALizADos e ResuLtADos obtiDos - LAVAJo 2 O núcleo megalítico de Lavajo 2, situa-se no cerro fronteiro ao de Lavajo 1, apenas a 250 m a NNE, dele se encontrando separado pelo pequeno vale do Lavajo (Fig. 14 a 16), sendo ambos intervisíveis na actualidade (o que não significa que tivesse sido sempre assim, dada a provável existência na época de cobertura arbórea mais importante). A região é caracterizada por múltiplos cerros ondulados e regulares, característicos do modelado dos terrenos xisto-grauváquicos carboníferos da serra algarvia, expressivamente designados por Orlando Ribeiro por “mar de xisto”. Obtida, nesse mesmo ano, a autorização para ali se proceder a trabalhos arqueológicos, foi então verificada a existência, por terra, de três grandes monólitos de grauvaque, removidos da sua posição primitiva e uma depressão alongada no terreno, coberta de vegetação, seguramente resultante do arranque mecânico dos referidos monólitos (Fig. 17). No

fundo da referida depressão, jazia, em posição quase vertical, uma bela placa de grauvaque moldurada, cuidadosamente polida (Figs. 18 e 19). Assim sendo, o sítio foi considerado provisoriamente como correspondendo a monumento megalítico funerário, muito destruído.

mostram, invariavelmente, uma das extremidades com fracturas mais ou menos recentes, correspondente à que se encontrava exposta aos agentes meteóricos e às diversas acções antrópicas, com destaque para a lavoura. Deste modo, as extremidades conservadas intactas correspondem sem dúvida às primitivamente enterradas. Em dois casos, aquelas exibem evidente afeiçoamento, apresentando-se convexas ou muito convexas (Fig. 20, n.º 1; Figs. 22 e 23).

O mau tempo que caracterizou quase todo o Outono de 2000 e o Inverno de 2001, não permitiu a realização da escavação, a qual apenas se veio a concretizar em Junho de 2001. Os trabalhos tiveram dois objectivos: o primeiro, consistiu no levantamento cuidadoso da superfície dos monólitos, com o intuito de neles se identificarem insculturas rupestres, à semelhança do realizado para o conjunto precedente. Após limpeza, foram todos desenhados (Figs. 20 e 21), evidenciando-se, apenas, importante trabalho de afeiçoamento e de regularização das superfícies, por picotagem, particularmente num deles (Figs. 21 e 22). Todos

Tornava-se, deste modo, claro, que tal rasgo, pelas suas dimensões e características, não correspondia à câmara de um monumento megalítico, mas sim ao alvéolo de fundação das três estelas-menir encontradas já fora das suas posições primitivas. A confirmar esta conclusão, é de destacar a existência de um fragmento de estela-menir ainda in loco, na extremidade oriental da escavação (Fig. 25). Tendo em conta a geometria do referido rasgo, conclui-se que as quatro estelas-menir teriam constituído originalmente um alinhamento contínuo, unidas topo a topo, com orientação geral Este-Oeste, formando deste modo uma espécie de painel lítico. No decurso da escavação ocorreram diversos artefactos ritualmente depostos na fundação das estelas-menir, os quais se enumeram de seguida:

Fig. 18 – Lavajo 2: pormenor da depressão provocada no terreno pelo arrancamento das estelas-menires, sendo visível ao centro a placa de grauvaque intacta, no momento da descoberta, em posição vertical.

Fig. 17 – Vista do conjunto megalítico de Lavajo 2 antes do início dos trabalhos arqueológicos, com três estelas-menires tombadas no terreno e a depressão provocada pelo arrancamento daquelas. Em último plano, na linha do horizonte, observa-se o grande menir do Lavajo 1.

ou cunhas ali colocadas para a sua melhor fixação ao terreno (Fig. 24).

Depois de limpo o terreno, iniciou-se à escavação em área, a qual pôs a descoberto, não o que se julgava ser a câmara de um dólmen, mas sim uma depressão alongada, repleta de blocos de grauvaque de forma aparentemente desordenada. A prossecução da escavação veio evidenciar o modo de construção deste dispositivo, iniciado pela abertura de rasgo no substrato geológico, constituído, tal como no locus anterior, por xistos finamente folheados do Carbónico. Com o comprimento aproximado de 4 m e a largura média de 0,60 m, não foi possível atingir a parte mais funda da depressão, visto encontrar-se preenchida por blocos de grauvaque de tamanho e formato diversos, os quais, nalguns casos, assumiam aspecto tabular, conservando ainda as posições originais entre si (Fig. 23). Em particular, merece destaque um sector na parte média da área escavada, onde os blocos de grauvaque, de formato tabular, se apresentam paralelos, separados por espaço intermédio onde se fixava a base de uma das estelas-menir, servindo assim de calços

1 – placa sub-quadrangular de grauvaque fino, cinzento-esverdeado, decorada apenas por um sulco, inciso, ao longo dos lados de uma das faces, passando pelo furo de suspensão, bicónico, existente no centro de uma das faces menores (Fig. 19). Apresenta-se cuidadosamente polida, mas sem indícios de qualquer representação na face esquadriada. É possível, no entanto, que aquela exibisse pintura a vermelho, atendendo a eventuais vestígios da sua existência. Esta peça, de extrema raridade, foi recolhida antes da realização da escavação, jazendo de cutelo, no interior do alvéolo de fixação. A reconstituição da posição da peça na área que veio ulteriormente a ser escavada, indica que ocuparia aproximadamente posição central (ver Fig. 23). 2 – grande sacho, de secção subcircular, de grauvaque de grão grosseiro, esverdeado, com a superfície sumariamente afeiçoada por picotagem. Possui marcas evidentes de percussão numa das extremidades, compatíveis com utilização como sacho, hipótese reforçada pela concavidade de uma das faces, de formato adequado à fixação do respectivo cabo. A extremidade oposta apresenta-se com fractura fresca. Foi recolhido à superfície, do lado oriental da escavação (Fig. 26, n.º 10). 3 – grande formão de gume dissimétrico, afeiçoado num seixo alongado de rio, de grauvaque esverdeado. Toda a superfície do objecto foi polida e o gume apresenta-se intacto (Fig. 26, n.º 6). Foi recolhido com o gume apontado para baixo, em posição oblíqua, no lado oriental da escavação, tal qual a placa de grauvaque anteriormente referida (Fig. 27).

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Conjunto megalítico do Lavajo de seta, ou em artefacto compósito. Provém do lado oriental da escavação.

4 – fragmento de machado de secção elipsoidal, de fibrolite, totalmente polido na parte conservada, correspondente a cerca de um quarto do volume original, incluindo parte do gume, que se apresenta intacto (Fig. 26, n.º 9). Foi recolhido na parte ocidental da escavação.

7 – lasca de quartzo branco semi-translúcido podendo corresponder à extremidade de uma raspadeira espessa. Tal hipótese é sugerida pela existência de escassos levantamentos abruptos, a partir do gume, muito convexo (Fig. 26, n.º 1). Provém das terras do exterior da área escavada.

5 – ponta de seta de base côncava, intacta, de sílex zonado, cinzento e esbranquiçado (Fig. 26, n.º 3). Provém do lado oriental da escavação.

8 – lasca de talhe de sílex esbranquiçado, desprovida de trabalho (Fig. 26, n.º 8). Provém das terras do exterior da área escavada.

6 – micrólito de sílex castanho de superfície brilhante, sugerindo tratamento térmico, de contorno sub-triangular, com um dos lados finamente trabalhado por retoques abruptos e o lado oposto por retoques marginais descontínuos, formando uma ponta perfurante. A base, convexa e oblíqua, mostra regularização a partir de ambas as faces (Fig. 26, n.º 2). Poderia ser utilizada individualmente, como ponta

9 – lasca de sílex castanho-amarelado, com retoque contínuo num dos bordos, dando origem a gume levemente denticulado. Raspador simples convexo denticulado (Fig. 26, n.º 7). Provém da zona exterior da escavação, tendo sido recolhida junto do seu extremo Oeste. 10 – recolheram-se apenas três fragmentos cerâmicos e, destes, dois são fragmentos de bordo. Trata-se de porção de taça de bordo “almendrado”, de pasta grosseira, com abundantes e. n. p. de quartzo, feldspatos e ferromagnesianos (Fig. 26, n.º 4) e porção de bordo correspondente a taça em calote (Fig. 26, n.º 5). Provêm do lado ocidental da escavação e apresentam as superfícies erodidas (particularmente o bordo “almendrado”), o que é compatível com a fraca profundidade que aquela atingiu desse lado.

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Fig. 19 – Lavajo 2: grande placa lisa de grauvaque, finamente polida, com uma das faces moldurada por sulco periférico, possuindo furo de suspensão bitroncocónico, recolhida no interior do alvéolo de fixação do conjunto megalítico de Lavajo 2, em posição vertical, antes do início das escavações.

Fig. 20 – Estelas-menires n.º 2 e 3 de Lavajo 2, de grauvaque, com as extremidades superiores truncadas e mutiladas pelos trabalhos agrícolas. As superfícies de ambas mostram-se parcialmente regularizadas por picotagem.

No conjunto, o espólio recolhido na escavação do alvéolo de sustentação das estelas-menir de Lavajo 2 pode subdividir-se em dois grandes grupos: o primeiro, corresponde às peças que não se podem relacionar com o ritual da fundação da estrutura: trata-se do sacho (Fig. 26, n.º 5) e do bordo de taça “almendrado” (Fig. 26, n.º 3), para além de diversas lascas mais ou menos trabalhadas em diversos artefactos (Fig. 26, n.º 1, 6 e 9). O sacho, feito de grauvaque, rocha disponível no local, evoca modelo arcaico; mas trata-se de objecto grosseiro, destinado ao trabalhos dos solos esqueléticos e pedregosos da região, pelo que a sua tipologia poderá, simplesmente, expressar uma adequada adaptação às funções pretendidas. As lascas não possuem, igualmente, recorte tipológico suficiente para se poder optar por qualquer época em particular. Já o mesmo não sucede com o fragmento cerâmico, que indica época calcolítica. Porém, o facto de se tratar de exemplar muito erodido, e a

posição sub-superficial a que foi recolhido, incompatível com a profundidade a que jaziam os artefactos ritualmente depositados no alvéolo de fundação das estelas menir faz aceitável admitir que se trata de uma peça mais moderna. De entre as peças recolhidas seguramente no alvéolo de fundação dos monólitos, avultam algumas que importa referir em particular. Assim, o micrólito finamente retocado, executado sobre lâmina (Fig. 26, n.º 7) é uma peça que poderá remontar ao Neolítico Final, tal como o fragmento de machado de fibrolite (Fig. 26, n.º 2) e o grande formão totalmente polido (Fig. 26, n.º 4); o mesmo é válido para a ponta de seta de base côncava finamente retocada, cuja tipologia se prolonga pela época calcolítica (Fig. 26, n.º 8). A bela placa de grauvaque (Fig. 19) possui estreitos paralelos com exemplar de arenito incompleto da Anta Grande da Comenda da Igreja, Montemor-o-Novo, atribuível igualmente ao Neolítico Final, conquanto seja maior a espessura e a profundidade do sulco marginal (Leisner e Leisner, 1959, Tf. 27, n.º 76). Outro paralelo que importa referir é constituído por duas placas, igualmente de arenito, recolhidas na necrópole do Neolítico Final da gruta do Escoural, Montemor-o-Novo (Santos, 1971, Est. 1). Numa, o contorno apresenta-se elipsoidal e o sulco que possui apenas acompanha parte do perímetro de peça, a qual é munida de um furo de suspensão. A outra placa difere da anterior pelo sulco periférico se encontrar substituído por cordão em alto-relevo. Enfim, na gruta natural do Correio Mor, Loures, recolheu-se fragmento de uma placa em tudo idêntica às anteriores, e, como estas, reportável também ao Neolítico Final, já publicada por um de nós (J. L. C.). O objectivo que parece transparecer nestas placas lisas foi a criação de um espaço interior, plano e regular, que poderia ter recebido pintura: neste sentido, deve ser referida a grande placa sub-rectangular, de bordos bombeados e totalmente regularizada, com vestígios de pintura a ocre vermelho do enterramento da Mamoa 3 de Pena Mosqueira, Sanhoane (Sanches, 1996, Fig. 18), pese embora as suas maiores dimensões e a ausência de furo para suspensão. Outra placa, recolhida por José Coelho na anta do Vale de Fachas (Viseu), possui dois furos de suspensão e pinturas a ocre vermelho, na sua parte inferior (Coelho, 1912, Fig. II), conquanto incompleta. Trata-se de monumento dolménico de longo corredor e câmara poligonal, inserível igualmente no Neolítico Final.

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Conjunto megalítico do Lavajo É ainda de referir como exemplar comparável, um fragmento de placa de xisto, de fina espessura, com um sulco gravado esquadriado, em ambas as faces. Provém de uma sepultura de Castro Marim, recentemente reestudada e considerada como de câmara circular desprovida de corredor, com paralelos neolíticos andaluzes. Com efeito, a datação de uma tíbia humana do único indivíduo nela tumulado, deu os seguintes intervalos, para dois sigma: 3370-3030; 2970-2930 cal BC (Gomes, Cardoso e Cunha, 1994, Fig. 3, C), cronologia compatível com o Neolítico Final regional. Das comparações efectuadas, verifica-se que todos os exemplares citados pertencem ao Neolítico Final; a estes, poder-se-ão, ainda, juntar exemplares de arenito, referidos por Victor S. Gonçalves das grutas de Alcobaça como possuindo igualmente um sulco periférico. Com efeito, o autor refere a falta de decoração que caracteriza tais peças, chamando, significativamente, a atenção, para os raros casos em que se observavam esquadrias ou traços de delimitação do perímetro, exactamente como na placa em discussão (Gonçalves, 1978). Nas colecções portuguesas conhecem-se de há muito placas lisas de arenito, sem sulco periférico, nalguns casos possuindo furos de suspensão: um dos casos mais notáveis é o da placa recolhida nas grutas do Poço Velho, Cascais (Paço, 1941, Est. VI), com um furo de suspensão bicónico numa das extremidades. Tais placas, frequentes em diversas necrópoles em gruta natural do Neolítico Final da Estremadura, como a Lapa do Bugio, Sesimbra (Cardoso, 1992), a Lapa da Galinha (J. R. Carreira, comunicação pessoal) e também em diversas antas alentejanas, designadamente de Montemor-o-Novo (escavações inéditas de Manuel Heleno), nalguns casos poderiam ter funções práticas, como polidores; com efeito, mostram por vezes as faces maiores e os lados bombeados, sugerindo tal utilização. Noutros casos, é evidente a sua finalidade ritual ou simbólica, com representações antropomórficas mais ou menos explícitas, presentes em diversas estações estremenhas e alentejanas (por o tema se afastar da essência da presente discussão, apenas se apresentam algumas referências sem carácter exaustivo):

Outra peça a salientar do espólio recolhido em Lavajo 2 é o fragmento de machado de fibrolite (Fig. 27, n.º 2). Trata-se de rocha monominerálica, constituída sobretudo por silimanite fibrosa, de alto grau de metamorfismo, cuja ocorrência, ao menos em massas susceptíveis de proporcionarem a confecção de machados como o encontrado, é desconhecida em território português. Um estudo, já antigo, de O. da Veiga Ferreira, revelou uma distribuição por todo

• gruta do Furadouro da Rocha Forte, Cadaval que forneceu uma placa onde tais elementos se encontram explicitados por um par de furações troco-cónicas sugerindo os olhos (Gonçalves, 1990/92, Fig. 93, n.º 20); • tumulus do monumento da Praia das Maçãs, cujo exemplar mostra um par de olhos ou mamilos em baixo relevo (Gonçalves, 1982/1983, Fig. 19, n.º 6), semelhante a outro, das grutas de Alcobaça (Gonçalves, 1978, Est. XXIII).

Fig. 21 – Estela-menir n.º 1 de Lavajo 2, de grauvaque, com a superfície totalmente regularizada por picotagem. Os sulcos indicados são modernos e resultaram do arranque mecânico recente do monólito.

Fig. 22 – Em cima: pormenor do afeiçoamento por picotagem da superfície de estela-menir n.º 1 de Lavajo 2; em baixo, vista geral de uma das faces do mesmo monólito, evidenciando-se o afeiçoamento da superfície e da extremidade inferior, intacta (ver Fig. 21).

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Conjunto megalítico do Lavajo o Alto e Baixo Alentejo, o Algarve (especialmente o sotavento), com uma concentração na Estremadura e outra na Beira Baixa; mais raramente, ocorrem exemplares na Beira Alta, Beira Litoral e Minho (Ferreira, 1953). Trata-se, pois, de um bom indicador da circulação transregional, desde pelo menos o Neolítico Final, de matéria-prima que, pelas suas características peculiares (textura, coloração) era propícia a artefactos polidos de finalidades essencialmente rituais, já que raramente ocorrem com vestígios de utilização, sendo, ao contrário, frequentes as peças-miniatura, mesmo em contextos habitacionais, cujo significado não utilitário é evidente. Também a enxó de anfibolito (Fig. 13, n.º 1) recolhida no núcleo megalítico de Lavajo 1 possui inquestionável origem exógena à região. Trata-se de rocha cuja origem mais provável, tendo em conta a distância, se pode situar

no Baixo Alentejo. Com efeito, na Zona de Ossa/ Morena, conhecem--se afloramentos susceptíveis de fornecerem tal tipo petrográfico, bem representado na faixa vulcano-sedimentar de idade carbónica de Castro Verde-Grândola. Por último, as peças de sílex encontradas, que poderiam integrar, tendo presentes as suas características, qualquer contexto do Neolítico Final da Estremadura ou do Sul de Portugal, possuem também origem exógena. Assim, o sílex ocorre no concelho de Vila do Bispo, sob a forma de nódulos nos calcários jurássicos. Trata-se de matéria-prima de coloração frequentemente acastanhada ou rosada, ocorrendo também o sílex esbranquiçado. As peças recolhidas em Lavajo 2 poderiam, pois, ter aquela proveniência, ou outra, mas sempre relacionada com a faixa de calcários jurássicos que percorre longitudinalmente todo o Algarve, correspondendo ao “barrocal. Com efeito, na região de Tavira,

Fig. 24 – Pormenor do sector central do alvéolo de fixação das estelas-menires de Lavajo 2, observando-se duas cunhas de grauvaque dispostas paralelamente, para melhor ajustamento da base do correspondente monólito. Do lado direito, evidencia-se o rasgo aberto no substrato geológico, constituído por xistos do Carbonífero marinho.

mais próxima de Alcoutim, foram reconhecidos diversos níveis de calcários jurássicos com nódulos de sílex, cujas características não, são, contudo, descritas (Manupella et al., 1987). É de admitir ainda, eventualmente, como origem para os artefactos de sílex, a actual Andaluzia: mas a falta de qualquer estudo petrográfico de pormenor impede o aprofundamento desta discussão. Em suma, a(s) comunidade(s) que erigiram os dois núcleos megalíticos do Lavajo, no Neolítico Final, ou nos primórdios do Calcolítico, mantinham uma vasta rede de intercâmbios, tanto com a faixa litoral, como com o interior alentejano, assegurando o abastecimento de matérias-primas diversas e complementares, certamente já manufacturadas, essenciais ao seu próprio quotidiano.

4 - tRAbALhos De pRoteCção e De VALoRizAção 4.1 - LAVAJo 1 Como atrás se referiu, é o conjunto de Lavajo 1 que encerra maior interesse patrimonial; deste modo, as acções de valorização deste espaço arqueológico – que se inserem numa envolvente agora não abordada, incluindo a execução de um parque de estacionamento automóvel, de um caminho pedonal, e a implantação no terreno de um painel de localização e explicativo – tiveram como principais objectivos os seguintes: reposição do grande menir (menir n.º 1) na sua posição correcta, aproveitando-se o alvéolo de fixação posto a descoberto nas escavações de Setembro de 1998 e ulterior modelação do terreno (Fig. 28); consolidação e restauro do menir n.º 3, fragmentado em três porções de grandes dimensões, e ulterior fixação no terreno. O primeiro destes objectivos foi concretizado sob direcção do primeiro dos signatários em Julho de 2003, o segundo sob direcção de outro dos signatários (A. G.) teve a sua concretização em Abril de 2004. Assim, o reposicionamento do menir implicou a modelação do terreno envolvente: dado que o alvéolo de fundação se encontrava profundamente escavado no substrato geológico, duas hipóteses se afiguraram possíveis: ou o terreno em torno do menir era originalmente plano, o que implicava que uma parte significativa deste se Fig. 23 – Planta do alvéolo de fixação das estelas-menires de Lavajo 2 e respectivos perfis transversal e longitudinal.

encontrasse enterrada, incluindo alguns motivos insculturados mais importantes; ou, em alternativa, existiria uma depressão a toda a volta e na adjacência do monólito, dando-lhe desta forma um destaque acrescido no terreno; foi esta última alternativa que se adoptou, na modelação do terreno executada, pelas razões expostas (Fig. 30).

Fig. 25 – Vista geral da escavação do alvéolo de fixação das estelas-menires de Lavajo 2. Em primeiro plano, o único fragmento de estela ainda in situ.

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Fig. 27 – Pormenor da escavação do alvéolo de fixação das estelas-menires de Lavajo 2, observando-se, ao centro, o grande formão, em posição vertical, na altura da descoberta, com o gume para baixo. Posição idêntica era da placa de grauvaque, igualmente com a extremidade distal para baixo (Fig. 18).

4.2 - LAVAJo 2 9 10

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Fig. 26 – Materiais arqueológicos recolhidos em Lavajo 2. Com asterisco indicam-se aqueles que provêm do alvéolo de fixação do conjunto megalítico, relacionando-se directamente com o ritual de fundação do monumento: n.º 1 – fragmento de lasca de quartzo leitoso, com indícios de utilização como raspadeira na extremidade convexa; n.º 2* –micrólito sub-triangular, de sílex castanho-avermelhado, finamente retocado; n.º 3* – ponta de seta de base côncava, de sílex zonado cinzento esbranquiçado, finamente retocada em ambas as faces; n.º 4 – fragmento de taça de bordo almendrado; n.º 5 – fragmento de bordo de pequena taça em calote; n.º 6* – grande formão, finamente polido, afeiçoado em seixo rolado alongado de grauvaque esverdeado de grão fino; n.º 7 – raspador simples denticulado sobre lasca de sílex; n.º 8 – lasca de talhe, de sílex esbranquiçado; n.º 9* – fragmento de machado de secção elipsoidal, de gume intacto, totalmente polido, de fibrolite; n.º10 - grande sacho de secção sub-circular, de grauvaque, afeiçoado por picotagem e com intensas marcas de utilização.

Após os trabalhos arqueológicos decorridos em 2001, procedeu-se à cobertura dos vestígios detectados, como forma de os proteger, visto ter sido este o compromisso assumido com o proprietário do terreno, por um lado e, por outro, não se justificar de momento a musealisação do local. As estruturas descobertas na escavação, encontravam-se incluídas numa depressão do terreno correspondente ao alvéolo de fixação de quatro estelas menires, das quais três já removidas da sua posição original. Tal depressão constituía, ainda, zona de conservação das águas pluviais, com empoçamentos prolongados, dada a natureza impermeável do substrato geológico, que não eram benéficos para a conservação das estruturas. A protecção da área escavada iniciou-se com a colocação de geotêxtil em toda a sua extensão, seguida do preenchimento com fina camada de gravilha, permitindo a drenagem lateral das águas da precipitação (Fig.29) e, por último, com enchimento com terras da própria escavação, conferindo um aspecto natural à superfície do terreno.

Fig. 28 – Em cima: o grande menir de Lavajo 1 (menir n.º 1) no decurso da sua recolocação no terreno (Julho de 2003); em baixo: pormenor do travamento da extremidade inferior do menir no alvéolo de fixação primitivo (Julho de 2003).

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Conjunto megalítico do Lavajo

5 - CoNCLusões Os dois núcleos megalíticos escavados, conquanto de características diferentes, relacionavam-se, por certo, entre si. Distanciados cerca de 250 m, ocupando o topo de outeiro (Lavajo 1) ou a parte média da crista de elevação fronteira (Lavajo 2), encontravam-se em posição visual de destaque, apresentando-se intervisíveis (ao menos na actualidade). O primeiro núcleo (Lavajo 1), é constituído actualmente por três menires ou estelas-menir (dois completos ou quase, um apenas representado por uma grande porção da sua parte frontal), todos eles decorados. Avulta a decoração do maior, com diversos paralelos em monumentos homólogos de Neolítico Final do sul do território português. Dado o estado de remobilização sofrido pelas três peças, foi apenas possível, no decurso da escavação, conhecer a posição primitiva de apenas uma delas, impedindo a reconstituição das relações relativas que entre si evidenciavam no terreno. Já o mesmo não sucede com o segundo núcleo explorado (Lavajo 2). Aqui, embora três dos quatro monólitos – todos com formato estelar e desprovidos de decoração, já estivessem deslocados das suas posições primitivas, à data da escavação, esta permitiu reconstituir, tendo em conta a morfologia do alvéolo de fixação respectivo, a sua posição original no terreno. Verificou-se, deste modo, que definiam um alinhamento contínuo, com os lados menores colocados topo a topo, formando uma espécie de “painel” orientado na direcção de Este-Oeste.

Fig. 29 – Pormenor da conservação executada em Lavajo 2.

As referências a alinhamentos simples de menires no território português são extremamente escassas e imprecisas. Embora se conheçam na bibliografia alusões a dois possíveis conjuntos, do barlavento algarvio, em Padrão, Vila do Bispo (Gomes, 1997, p. 147, 148), apenas se encontram documentadas, com alguma segurança, duas ocorrências, uma vez que o alinhamento de Tera, Montemor-o-Novo, em curso de exploração por Leonor Rocha, se inscreverá já na Idade do Ferro. Uma delas é o monumento de Cerro das Pedras, Loulé, escavado por Estácio da Veiga. O conjunto é constituído por, pelo menos, três monólitos, alguns de aspecto estelar (Veiga, 1886, Est. XI), junto dos quais aquele arqueólogo recolheu um fragmento de placa de xisto, uma conta discóide, também de xisto, e um trapézio, de sílex, espólio que, pela natureza, é comparável ao recolhido no conjunto de Lavajo 2 integrando-se, de igual modo, no Neolítico Final. De referir que um desses menires, foi identificado por M. V. Gomes com o exemplar hoje guardado no Museu de Loulé, de aspecto sub-piramidal, com uma das faces repleta de “covinhas”, como o menir n.º 3 de Lavajo 1

(Gomes, 1997, Fig. 17, B). No centro do País, foi referenciado um outro alinhamento de pequenos monólitos, integrando o grande menir de Caparrosa, Viseu (Gomes e Monteiro, 1974/1977). Os dois núcleos megalíticos em apreço, Lavajo 1 e 2, relacionar-se-iam certamente entre si. Porém, não é possível caracterizar a natureza das actividades rituais ali realizadas entre os finais do IV milénio a.C. e os inícios do milénio seguinte (não repugna aceitar para ambos uma cronologia dos inícios do Calcolítico), até por constituírem um conjunto (melhor, complexo megalítico) sem paralelo no território português. A possibilidade de se tratar de marcos simbólicos na paisagem, relacionados com a posse/ delimitação de terrenos agrícolas particularmente produtivos face à pobreza agrícola dos solos xistosos dominantes é de reter; tais terrenos, de facto, existem localmente, no barranco da Lapa, colmatado de solos onde a horticultura é possível graças à existência de um poço no qual a água nunca seca, situado a menos de 100 m do conjunto de Lavajo 2. “Os menires marcam efectivamente territórios e a sua visibilidade e impacto simbólico é uma componente indispensável do processo da sua construção” (Gonçalves, Balbín Behrmann e Bueno Ramírez, 1997, p. 250). Porém, a extensão desta evidência – aplicada pelos autores à região megalítica de Reguengos de Monsaraz – à região do Alto Algarve oriental, depara com as dificuldades de esta última ainda estar quase por explorar em tal domínio. Com efeito, na área em apreço, apenas se encontram registados ténues vestígios de povoamento coevo: é o caso da ocorrência de escassos dormentes e moventes de mós manuais, para além de um sepulcro megalítico cerca de 1,8 km para SSW do conjunto de Lavajo 1, localizado por A. Gradim (Fig. 14). Assim sendo, resta por esclarecer cabalmente os motivos que estiveram na origem da monumentalização da paisagem, feita ainda no decurso do Neolítico Final, testemunhada pela construção deste complexo megalítico. Não existem, no entanto, dúvidas quanto ao estádio de desenvolvimento económico destas populações do Neolítico Final ou dos inícios do Calcolítico. Muito embora os testemunhos de povoamento sedentário sejam, por ora, quase desconhecidos na área adjacente, a presença, por um lado, da enxó de rocha anfibolítica, oriunda do Baixo Alentejo (Zona de Ossa/ Morena) a par de outras peças, de origem ainda mais longínqua, como a fibrolite e, por outro, de artefactos de sílex, oriundos do barrocal algarvio ou da Andaluzia, mostra a interacção estabelecida com regiões díspares e afastadas, tendo em vista a obtenção de recursos essenciais à actividade quotidiana destas populações. Tal evidência é mais

uma prova, a par de outras (tipologia dos artefactos e características comparadas da morfologia e da decoração dos megálitos), para situar este complexo megalítico numa época já tardia do fenómeno megalítico do sul peninsular do qual constitui, doravante, uma das suas expressões mais interessantes e significativas.

Fig. 30 – O conjunto de Lavajo 1, após os trabalhos de valorização realizados em Julho de 2003.

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Conjunto megalítico do Lavajo

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Dez anos de trabalhos arqueológicos em Alcoutim Do Neolítico ao Romano

2 - A cista megalítica do Cerro do Malhão

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A cista megalítica do Cerro do Malhão

11. F  ragmento de amoladeira

12. Machado

Grauvaque

Anfibolito

Neolítico Final/ Calcolítico Finais do 4.º milénio/ inícios do 3.º milénio a.C.

Neolítico Final/ Calcolítico Finais do 4.º milénio/ inícios do 3.º milénio a.C.

12 x 7,1 x 3,4 cm

14,5 x 5,4 x 3,6 cm

Cista do Cerro do Malhão

Cista do Cerro do Malhão

N.º Inventário: NMA.270

N.º Inventário: NMA.269

13. P  equeno fragmento de placa de xisto com vestígios de decoração geométrica Xisto Neolítico Final/ Calcolítico Finais do 4.º milénio/ inícios do 3.º milénio a.C. 2,1x 1,7 x 0,5 cm Cista do Cerro do Malhão N.º Inventário: NMA.266

14. Lasca com “encoches”

15. Ponta de seta

Sílex

Sílex

Neolítico Final/ Calcolítico Finais do 4.º milénio/ inícios do 3.º milénio a.C.

Neolítico Final/ Calcolítico Finais do 4.º milénio/ inícios do 3.º milénio a.C.

1,2 x 0,80 x 0,2 cm

2,1 x 1,4 x 0,3 cm

Cista do Cerro do Malhão

Cista do Cerro do Malhão

N.º Inventário: NMA.268

N.º Inventário: NMA.265

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A cista megalítica do Cerro do malhão

2 - A cista megalítica do Cerro do malhão 2 Resumo

AbsTrAcT

Neste capítulo dão-se a conhecer os resultados da escavação de emergência realizada em Abril e Maio de 2000 na cista megalítica do Cerro do Malhão (Alcoutim), pouco tempo antes parcialmente destruída pela construção de uma antena de telecomunicações da TMN, empresa que suportou parcialmente os encargos da escavação. Esta, desenvolveu-se em extensão, numa área alargada em torno do monumento, o que permitiu pôr à vista um vasto lajeado, constituído por elementos de grauvaque e de xisto, de planta subcircular, tendo por centro a cista megalítica.

In this chapter, results are presented from an emergency archaeological excavation performed during April and May 2000 on the megalithic cist of Cerro do Malhão (Alcoutim). This site was partially destroyed during the installation of a telecommunication antenna.

Tendo em consideração que aquele lageado, regular e extenso, bem delimitado na sua periferia, estaria a descoberto - pois de outra forma não se entenderia a sua existência – conclui-se que a cista, cujos topos atingem cerca de 0,5 m acima daquele, se encontraria também a descoberto, constituindo uma espécie de sarcófago a céu aberto, no centro do referido lajeado. Trata-se da primeira vez que, numa cista megalítica, se reconheceram tais características arquitectónicas. O exemplo mais próximo no território português corresponde à cista megalítica de Castelejo (Vila Nova de Paiva), publicada por G. Leisner, a qual possui, na base de um dos esteios menores, uma abertura, sugerido que, tal como a de Cerro do Malhão, fosse desprovida de cobertura. Embora violada de há muito, a cista estudada, pela técnica construtiva, de carácter megalítico, pelo tamanho e pelo espólio, situar-se-á entre o Neolítico Final e o Calcolítico, sendo porém anterior às cistas do Calcolítico Final regional, pertencentes ao chamado "Horizonte de Ferradeira".

2 O presente texto corresponde, no essencial, ao estudo publicado em 2003, pelos autores (CARDOSO, João Luís e GRADIM, Alexandra, 2003, A cista megalítica do Cerro do Malhão (Alcoutim), in “Revista Portuguesa de Arqueologia”, n.º2, vol.6, pp. 167-179).

The full excavation of the monument showed a circular slab covering made of greywacke blocks, surrounding the cist, in its central part. This secondary structure was likely nor covered, therefore the upper part of the cista is about 0,5 m above this surface and highly evident. It's the first time that in a megalithic cist such architectonic features are recognized. The closest example in Portuguese territory belongs to the megalithic cist of Castelejo (Vila Nova de Paiva) published by G. Leisner, which presents in the base of one of the minor monoliths a hole suggesting that it could be originally uncovered, like the AIgarvian monument. The megalithic cist of Cerro do Malhão can be time framed between the Late Neolithic and the Chalcolithic, and is likely older than the cists from regional Late Chalcolithic such as Horizonte de Ferradeira, defined by H. Schubart.

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A cista megalítica do Cerro do malhão

1 - iNtRoDução No âmbito das acções de cartografia arqueológica e de acompanhamento dos planos de florestação do concelho de Alcoutim, realizadas pela Dr.ª Alexandra Gradim, Arqueóloga da Câmara Municipal de Alcoutim, foi localizado pela mesma, no Cerro do Malhão (freguesia de Martim Longo, concelho de Alcoutim), monumento funerário pré-histórico ainda inédito, correspondendo a uma cista megalítica. Do ponto de vista geomorfológico, trata-se de uma elevação suave, isolada na paisagem, a partir da qual se descortinam vastos horizontes em todas as direcções. As suas coordenadas geográficas são as seguintes:(ver Fig. 1): 37o 26' 01" Lat. Norte 7o 46' 25" Long. Oeste de Greenwich

Na altura da sua identificação, a exploração arqueológica do referido monumento não se afigurava prioritária. Porém, em inícios de 2000, a implantação de uma antena de telecomunicações móveis da TMN, de cujo projecto não existia conhecimento prévio no Gabinete de Arqueologia da Câmara Municipal de Alcoutim, provocou estragos na periferia da estrutura, razão pela qual se encarou a necessidade de ali se realizar uma escavação urgente, no sentido de garantir a salvaguarda da parte ainda intacta do monumento. Tal intervenção viabilizaria, por outro lado, a recuperação e valorização do monumento, acção em que a Câmara Municipal de Alcoutim se encontrava e encontra empenhada, até pela proximidade do local da importante povoação de Martim Longo, de onde é facilmente acessível. Deste modo, foi organizada uma campanha de escavações, enquadrada na Categoria D - “acções de emergência a realizar em sítios arqueológicos que, por efeitos da acção humana ou acção natural, se encontrem em perigo iminente de destruição parcial ou total”. Tal campanha, financiada pela TMN e com o apoio da Câmara Municipal de Alcoutim, foi dirigida pelo primeiro signatário, tendo-se desenvolvido em duas fases: a primeira, em Abril de 2000, teve de ser suspensa devida às fortes chuvadas então verificadas; a segunda, em inícios de Maio, totalizando oito dias úteis de trabalho. Contou-se com a participação, activa, permanente

Fig. 2 – Cista megalítica do Cerro do Malhão. Planta geral da área escavada.

Fig. 1 – Cista megalítica do Cerro do Malhão. Localização do monumento na Carta Militar de Portugal na escala de 1/25 000, folha n.º 572 – Santa Cruz, Lisboa: Serviços Cartográficos do Exército, edição de 1978 (em baixo) e na Carta Geographica do Reino, publicada pelo Instituto Geographico, na escala de 1/500 000 reproduzida em 1866 por Carlos Ribeiro (em cima).

e empenhada, de Fernando José Estêvão Dias, Assistente de Arqueólogo da Câmara Municipal de Alcoutim, para além da colaboração de diversos jovens estudantes que, na altura, colaboravam com o Gabinete de Arqueologia da CMA. Os desenhos de campo e de gabinete estiveram a cargo de Bernardo L. Ferreira.

2 - tRAbALhos ReALizADos Os trabalhos de campo iniciaram-se pelo reconhecimento do terreno na zona atingida pela construção da antena da TMN; com efeito, o murete de fundação da vedação de protecção, uma sapata contínua de cimento e tijolo, tinha cortado, a todo o comprimento, zona adjacente à cista, a qual se afigurava, vista em secção, constituída por uma superfície regular, constituída por lajes de grauvaque e de xisto, assentes no substrato geológico, por vezes regularizado com terra, localmente representado por afloramentos de xisto finamente folheados, pertencentes ao Carbonífero marinho (Paleozóico Superior). Uma vez delimitada, em toda

a extensão, a área atingida pela destruição, foi implantada no terreno uma quadrícula definida por eixos ortogonais, orientados Norte-Sul e Este-Oeste, subordinados à própria orientação do referido murete. O espaço assim definido, com o contorno de um rectângulo com o comprimento de 10,5 m e a largura de 6,0 m foi quase totalmente escavado, exceptuando duas pequenas zonas situadas nos cantos meridionais da área correspondente (Fig. 2). Tratou-se, pois de uma escavação em extensão, com o objectivo de delimitar o referido lageado, construído no exterior da caixa tumular propriamente dita, para além da escavação desta.

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A cista megalítica do Cerro do malhão

Fig. 3 – Cista megalítica do Cerro do Malhão. Planta da estrutura e respectivo alçado.

2.1 - A CAixA tumuLAR

2.2 - o LAJeADo exteRioR

A cista megalítica, correspondente à caixa tumular propriamente dita, é constituída por grandes blocos de grauvaque, muito irregulares, sem vestígios de afeiçoamento, e de tamanhos diferentes. Antes da realização dos trabalhos, quase todos eles – com excepção dos mais pequenos – já afloravam francamente no terreno. O espaço assim delimitado, apresentava-se fechado e de contorno sub-rectangular, orientado Este-Oeste. Os topos do recinto seriam arredondados, faltando os respectivos elementos; conservaram-se apenas pequenos fragmentos, a oriente, enquanto que, do lado oposto, para além de dois pequenos calços, observados de ambos os lados, salientava-se um degrau, correspondente à implantação dos esteios em falta e que fechavam desse lado o monumento. Do lado norte, a parede lateral da cista é constituída essencialmente por um grande bloco alongado e sub-rectangular, enquanto que a parede lateral meridional se encontra definida por dois blocos alinhados, ainda que de diferentes dimensões (Fig. 3).

Desenvolve-se a toda a volta da caixa tumular, sendo constituído maioritariamente por lajes de grauvaque, muito irregulares e, em menor quantidade, de xisto (Figs. 5, 6). A superfície assim organizada possuía originalmente contorno subcircular, ocupando a caixa tumular a zona central e um diâmetro aproximado de 9,0 m; como se disse, assentava directamente no substrato geológico, por vezes regularizado através de uma camada terrosa estéril. O lajeado assim organizado, foi destruído a todo o comprimento do lado Norte, em resultado da implantação do murete atrás referido, correspondente tal destruição a cerca de 40% da sua área total inicial. Seja como for, a parte conservada permite ainda, nalguns sectores, verificar o cuidado com que tal superfície foi construída, sendo a respectiva periferia, de contorno curvilíneo, delimitada por alguns elementos dispostos de cutelo (visíveis em primeiro plano na Fig. 5).

Trata-se, pois, de uma cista megalítica de grandes dimensões, com o comprimento de 2,0 m e a largura máxima exterior de 1,5 m, atingindo os blocos maiores a altura de 0,8 a 0,9 m. Não se encontraram quaisquer fragmentos da tampa, que seria, naturalmente, constituída pelo menos por uma grande laje de grauvaque (Fig. 4).

A existência desta superfície lajeada, a qual primitivamente se encontraria a descoberto – de outra forma não se entende a razão da sua existência – circundante da caixa tumular, a qual se encontra cerca de 0,5 m mais alta do que aquela, mostra que originalmente, a cista seria desprovida de cobertura (tumulus), encontrando-se mesmo saliente no terreno, à maneira de um sarcófago, desprovida de tumulus. Nestas condições, a superfície lajeada, teria as funções de delimitar e proteger a estrutura sepulcral propriamente dita (Fig. 6).

Fig. 4 – Cista megalítica do Cerro do Malhão. Vista parcial da cista e do lajeado exterior.

3 - espóLio

Fig. 5 – Cista megalítica do Cerro do Malhão. Vista da cista e do lajeado exterior, observando-se em primeiro plano o limite do mesmo, assente no substrato geológico.

O monumento, pela sua exposição evidente, pela sua fácil acessibilidade e, até, por se encontrar nas proximidades de um núcleo urbano antigo – a povoação de Martim Longo – fora há muito violado e saqueado. Com efeito, o espólio recolhido foi escasso e, nalguns casos, muito fragmentado, o que não é sinónimo de menos interesse ou significado. Prova dessas antigas violações é o facto da maioria dos materiais provir do exterior da cista, em resultado das terras dela extraídas. A excepção é um machado de anfiboloxisto, encontrado ainda in situ, em posição ritual, junto à base do monólito oriental do lado setentrional da cista, paralelo ao corpo nela originalmente depositado (Fig. 7), provavelmente, como em outros casos, em decúbito dorsal.

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A cista megalítica do Cerro do malhão

Fig. 6 – Cista megalítica do Cerro do Malhão. Vista da estrutura tumular e do lajeado envolvente.

3.1 - peDRA LAsCADA

3.2 - peDRA poLiDA

1 - Ponta de seta curta, de bordos convexos e base profundamente cavada, de sílex cinzento, de má qualidade. Apresenta-se com fractura de impacto na extremidade, indicando uma provável utilização anterior (Fig. 8, n.º 4). Crivo, lado ocidental do lajeado exterior à cista.

3 - Grande machado de anfiboloxisto, de secção subrectangular com os lados menores bombeados e mal polidos. Lados maiores igualmente mal polidos, à excepção da zona do bisel, cuidadosamente polida. Gume de contorno fortemente assimétrico, intacto e cuidadosamente acabado por polimento. Talão em forma de cunha, com vestígios de percussão (Fig. 8, n.º 1). Como se disse, foi a única peça encontrada no interior da cista, ainda na posição primitiva.

2 - Lasca fragmentada de sílex castanho-acinzentado, com duas "encoches" opostas junto à extremidade proximal, talvez destinadas a encabamento (Fig. 8, n.º 5). Crivo, lajeado exterior à cista.

Fig. 7 – Cista megalítica do Cerro do Malhão. Vista parcial da estrutura tumular, observando-se, no interior da mesma, à esquerda, machado de pedra polida in situ.

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A cista megalítica do Cerro do malhão

3.3 - peDRA AFeiçoADA 4 - Pequeno fragmento de amoladeira ou polidor de grauvaque micáceo, recolhido no exterior da cista, entre os elementos do lajeado circundante, do qual faria parte integrante (Fig. 8, n.º 2).

3.4 - obJeCtos máGiCo-simbóLiCos 5 - Fragmento de pequeníssimas dimensões de placa de xisto, com vestígios de decoração geométrica, por gravação (Fig. 8, n.º 3). Crivo, lajeado exterior à cista. O diminuto tamanho deste fragmento evidencia uma atitude intencional, de reduzir ao máximo o espólio arqueológico, na esperança de este poder corresponder a tesouros encantados, convicção que se encontrava muito generalizada em épocas ainda não muito distantes.

Com efeito, o sepulcro, pela sua fácil identificação e visibilidade, despertaria a atenção das populações da região, encontrando-se de há muito violado.

tidas de lajes calcárias, o qual nada tem a ver com as cistas megalíticas, mais antigas (Franco e Viana, 1949; Ferreira, 1955).

A presença do sílex é exógena; esta rocha provirá, muito provavelmente, do litoral de Tavira, por ser a zona mais próxima onde tal matéria-prima é conhecida (Manupella et al., 1987). Quanto ao anfiboloxisto de que é feito o machado, a zona mais próxima de onde poderia provir situa-se na faixa piritosa, Zona de Ossa/ Morena, a cerca de 50 km de distância em linha recta. Deste modo, configura-se a existência de uma rede transregional de circulação de matérias-primas (ou, mais provavelmente, neste caso, de produtos já manufacturados), realidade que tinha sido já identificada no Neolítico Final regional (Cardoso et al., 2002).

Existem ainda outras cistas algarvias cuja cronologia, tendo presente o respectivo espólio, pode ser coeva da do Cerro do Malhão: é o caso de duas cistas sob tumulus, com cerca de 3 m de comprimento de Vale de Carro, Faro, consideradas de características megalíticas, as quais encerravam cerâmicas e cerca de uma dezena de instrumentos: machados e enxós de pedra polida e instrumentos líticos, porém sem qualquer ponta de seta (Ferreira e Castro, 1948).

Aliás, a existência de cistas megalíticas estende-se a todas as regiões do País, não sendo, seguramente, integráveis numa única etapa cultural.

4 - DisCussão e CoNsiDeRAções FiNAis A discussão da integração cronológico-cultural da cista do Cerro do Malhão deverá atender, simultaneamente, às suas características arquitectónicas e ao respectivo espólio. Do ponto de vista arquitectónico, esta sepultura possui aspectos até agora desconhecidos em monumentos congéneres. Com efeito, a presença de um lajeado exterior, envolvendo a cista, a qual se apresenta sobrelevada cerca de 0,5 m acima daquela superfície, afigura-se inédita. Deste modo, a caixa tumular, constituída pela cista, apresentar-se-ia originalmente a descoberto no terreno, sendo desprovida de tumulus. O lajeado teria, assim, uma dupla função: a de sublinhar o espaço funerário, servindo, ao mesmo tempo, como elemento protector do núcleo sepulcral. Cistas megalíticas como esta, sempre individuais ou, no limite, destinadas à tumulação de um escasso número de indivíduos, são frequentes no sul de Portugal e, de uma forma mais geral, no megalitismo do ocidente peninsular, embora a sua integração cronológico-cultural nem sempre seja fácil, até pela raridade dos espólios recolhidos. Interessa, consequentemente, valorizar as características das peças exumadas. Tendo presente as respectivas tipologias, parecem estar representados dois momentos na utilização do monumento: um, mais antigo, do Neolítico Final, correspondente ao fragmento da placa de xisto; outro, já

Algumas cistas megalíticas de Monchique, detêm maiores analogias com a sepultura agora estudada; mas neste caso tais sepulturas encontravam-se cobertas por tumuli (Formosinho, Ferreira e Viana, 1953/1954).

do Calcolítico, representado pela ponta de seta. Mas a verdade é que ambos os artefactos não são de coexistência incompatível, visto conhecerem-se diversas sepulturas, plenamente calcolíticas, com abundantes placas de xisto decoradas e, ao contrário, ser frequente a ocorrência de pontas de seta de base côncava em numerosos contextos do Neolítico Final, tanto de carácter habitacional como funerário. No entanto, o presente exemplar exibe aspecto nitidamente calcolítico, por possuir a base profundamente cavada, sendo comparável a pontas de seta recolhidas nas tholoi alcalarenses (Veiga, 1886, Est. l). Deste modo, é lícito admitir para a construção e ocupação da cista do Cerro do Malhão, uma cronologia do Neolítico Final, ou já do Calcolítico, em todo o caso anterior à das cistas do final do Calcolítico algarvia, como as que correspondem ao chamado "horizonte de Ferradeira", definido a partir da sepultura individual, do tipo cista, do sítio epónimo, do concelho de Faro (Schubart, 1971). Com efeito, aquela sepultura continha materiais que em nada tinham de comum com qualquer das peças exumadas no presente sepulcro; a sepultura de Ferradeira também não possui ao contrário desta, características megalíticas, dada a pequena dimensão dos elementos que a definem, bem como o seu modo de implantação no terreno, correspondente à abertura de covacho, até um metro abaixo do nível do solo, cujas paredes foram reves-

Ainda no Algarve, e muito mais próximo do monumento em apreço, merece destaque, até pela semelhante implantação no terreno - um alto isolado - a cista megalítica de planta naviforme do Cerro do Castelo (freguesia de Azinhal, concelho de Castro Marim), com o comprimento máximo interno de 2,20 m. Segundo o seu explorador, apareceram escassos materiais que não deixam dúvidas quanto à sua integração no Neolítico ou no Calcolítico (Veiga, 1886, p. 292, 293). Esta é, pois, a ocorrência com maiores semelhanças com o monumento em apreço, sendo também a geograficamente mais próxima. Importa sublinhar que esta é a primeira cista megalítica a ser escavada no Alto Algarve oriental onde, em contrapartida, se conhecem e exploraram diversas antas de grandes dimensões, providas de câmara e de corredor, também recorrendo ao grauvaque para a feitura dos esteios, pertencentes ao Neolítico Final: é o caso das antas do Curral das Castelhanas e das Pedras Altas (Gonçalves, 1989). Deve valorizar-se a particularidade de a cista do Cerro do Malhão não se encontrar primitivamente coberta por tumulus e, ao contrário, emergir do terreno envolvente, sem outro paralelo no território português. Quanto à eventualidade de algumas cistas megalíticas do território português não se encontrarem enterradas, nem sequer cobertas por tumuli,

importa salientar a existência da cista de “Castillejo” (sic), ou melhor, do “Castelejo”, do concelho de Vila Nova de Paiva (Leisner e Leisner, 1956, Tf. 28, 63; Leisner, 1998, p. 38, Tf. 135 a, Karte I-16,17)1. Trata-se de uma cista (“antela”, na designação utilizada aquando da sua primeira publicação, cf Leisner, s/d, p. 150), de planta quadrada, de assinaláveis dimensões, desprovida de espólio, a qual possui a particularidade de conservar, no centro da base do esteio voltado a Sudoeste, uma abertura de contorno semi-elíptico, comunicando com o interior. Aquando da sua exploração, a passagem encontrava-se obstruída, do lado externo, por dois blocos (Leisner, s/d, Tf. 63, 1). A presença desta abertura, sem dúvida de carácter ritual, pressupõe que, pelo menos, a face correspondente da cista se encontrava originalmente a descoberto; a ser assim, tratar-se-ia do paralelo mais próximo para a situação detectada no Cerro do Malhão. A propósito da existência de aberturas afeiçoadas em antas portuguesas, e descontando a anta da Candieira (serra de Ossa)2, cuja abertura, de pequena dimensões situada na parte superior de um dos esteios poderá ser mais recente (Cartailhac, 1886, p. 171), é de referir a existência de porta talhada no esteio de um monumento de espólio “neolítico”, explorado por Manuel Heleno na região do Ciborro, concelho de Montemor-o-Novo: trata-se do dólmen do Freixo, da Herdade do Paço, de câmara poligonal alongada mas de pequenas dimensões (2,75 m por 1,50 m), cuja porta, aberta num dos esteios com cerca de 2 m, tanto de largura como de altura, é arredondada e irregular com 1,0 m de altura por 0,50 m de largura (Leisner, s/d, p. 150). Pelos exemplos apresentados, conclui-se que, embora a cista do Cerro do Malhão seja desprovida de qualquer abertura, os raros monumentos megalíticos que a ostentam e, particularmente a cista do Castelejo - podem ser invocados a favor da ausência de cobertura tumular no monumento em apreço. A terminar, é de referir que, no concelho de Alcoutim, existem outras cistas megalíticas, também localizadas pela Dr.ª Alexandra Gradim. Crê-se que a sua exploração, que se pretende levar a cabo num futuro próximo, muito contribuirá para um melhor conhecimento deste tipo de monumentos funerários, ainda muito mal conhecidos, cujo interesse é reforçado pela presença de particularismos arquitectónicos, como os identificados no caso presente.

1 Ou cista de Lenteiros (Cruz, 1998). 2 A anta da Candieira foi reproduzida numa colecção de litografias executadas antes de 1867 por ordem de F. Pereira da Costa, as quais se mantiveram até ao presente inéditas. Foi, pois, este ilustre investigador o autor da primeira referência ao monumento e não Gabriel Pereira, como supôs J. Leite de Vasconcellos, que fez o levantamento dos autores e publicações que, entretanto, o mencionaram ou dele se ocuparam (Vasconcellos, 1897, p. 320).

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A cista megalítica do Cerro do malhão

ReFeRêNCiAs bibLioGRáFiCAs CARDOSO, J. L.; CANINAS, J. C.; GRADlM, A; JOAQUIM, A. N. (2002) – Menires do Alto Algarve oriental: Lavajo I e Lavajo II (Alcoutim). Revista Portuguesa de Arqueologia. Lisboa. 5:2, p. 99-133. CARTAILHAC, E. (1886) – Les Âges préhistoriques de l'Espagne et du Portugal. Paris: C. Reinwald. FERREIRA, O. da V.; CASTRO, L. de A. e (1948) - A estação pré-histórica de Vale de Carro (Albufeira). Estudos, Notas e Trabalhos do Serviço de Fomento Mineiro. Lisboa. 4:1, p. 53-60. FERREIRA, O. da V. (1954) – A arquitectura tumular do Bronze Inicial no Algarve. Revista do Sindicato Nacional dos Engenheiros Auxiliares, Agentes Técnicos de Engenharia e Condutores. Lisboa. 93, p. 178-188. FORMOSINHO, J.; FERREIRA, O. da V.; VIANA, A. (1953/1954) – Estudos arqueológicos nas Caldas de Monchique. Trabalhos de Antropologia e Etnologia. Porto. 14: 1-4, p. 66-225. FRANCO, M. L.; VIANA, A. (1948) - Cemitério da Idade do Bronze nos arredores de Faro. Trabalhos de Antropologia e Etnologia. Porto. 11:3-4, p.299-305. GONÇALVES, V. S. (1989) – Megalitismo e metalurgia no Alto Algarve oriental. Uma aproximação integrada. Lisboa: Centro de Arqueologia e História, Instituto Nacional de Investigação Científica, INIC. 1, 566 p. (Estudos e Memórias, 2).

Fig. 8 – Cista megalítica do Cerro do Malhão. Materiais arqueológicos recolhidos.

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Dez anos de trabalhos arqueológicos em Alcoutim Do Neolítico ao Romano

3 - Tholos do Malhanito

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Tholos do Malhanito

20. Conta de colar

21. Fragmento de enxó/sacho

Cerâmica

Xisto

Idade do Ferro – séc. VI a. C. (?)

Calcolítico 3.º milénio a.C.

Ø 2,4 cm x 1,8 cm

3 cm x 2,8 cm x 1 cm

Tholos do Malhanito N.º Inventário: NMA.284 16. F  íbula anular Hispânica (?)

17. Anel/Argola

Bronze

Bronze

Idade do Ferro – séc. VI a.C. (?)

Bronze Final – séc. VIII a. C.

Ø 5 cm

Ø 2,6 cm

Tholos do Malhanito

Tholos do Malhanito

N.º Inventário: NMA.283

N.º Inventário: NMA.292

19. Conta 18. Fragmento de alfinete Bronze Bronze Final – séc. VIII a. C. Ø 0,4 cm x 2,3 cm; cabeça Ø 0,8 cm Tholos do Malhanito N.º Inventário: NMA.293

Grauvaque Bronze Final/ Idade do Ferro – sécs. VIII/VI a.C. Ø 3 cm Tholos do Malhanito N.º Inventário: NMA.286

22. Pequeno escopro

Tholos do Malhanito N.º Inventário: NMA.291

23. Ídolo antropomórfico

Anfibolito

Grauvaque

Calcolítico 3.º milénio a.C.

Calcolítico 3.º milénio a.C.

5 cm x 2,2 cm x 1,8 cm

6,7 cm x 3,8 cm x 1 cm

Tholos do Malhanito

Tholos do Malhanito

N.º Inventário: NMA.290

N.º Inventário: NMA.289

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Tholos do Malhanito

24. Taça de carena alta Cerâmica Bronze Final/ Idade do Ferro – sécs. VIII/VI a. C. Ø 12,9 cm Tholos do Malhanito N.º Inventário: NMA.287

27. Pote de carena média com mamilos Cerâmica Bronze Final/ Idade do Ferro – sécs. VIII/ VI a. C. Ø 12,3 cm e Ø 15 cm (zona da carena) Tholos do Malhanito N.º Inventário: NMA.295

25. Taça de carena baixa com mamilos Cerâmica Bronze Final/ Idade do Ferro – sécs. VIII/ VI a. C. Ø 15,7 cm Tholos do Malhanito N.º Inventário: NMA.288

28. Fundo em “omphalus” Cerâmica Bronze Final/ Idade do Ferro – sécs. VII/ VI a. C. Tholos do Malhanito N.º Inventário: NMA.285 26. Taça de carena baixa com mamilos Cerâmica Bronze Final/ Idade do Ferro – sécs. VIII/ VI a. C. Ø 14,5 cm Tholos do Malhanito N.º Inventário: NMA.294

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Tholos do malhanito

3 - Tholos do malhanito

3

Resumo Este capítulo dá a conhecer, os resultados da exploração arqueológica da tholos do Cerro do Malhanito (Alcoutim), realizada em Agosto e Setembro de 2002, sob a orientação do primeiro signatário (J.L.C.). Caracteriza-se a arquitectura do monumento, mencionando-se o espólio exumado, tanto o arqueológico como o antropológico. Por último, estabelecem-se comparações com outros monumentos congéneres do sul do País,referindo-se, em particular, aqueles que evidenciam reutilizações da Idade do Bronze ou da Idade do Ferro, como a que foi verificada no monumento em apreço.

1 - iNtRoDução. CoNDições DA DesCobeRtA, CARACteRístiCAs GeomoRFoLóGiCAs A tholos do Cerro do Malhanito, perto do lugar do Monte da Estrada, da Freguesia de Martim Longo, concelho de Alcoutim, foi identificada por um de nós (A. G.), no decurso do acompanhamento de acções de repovoamento florestal, constando do respectivo Relatório apresentado ao Instituto Português de Arqueologia com o número de inventário A-225 (Gradim, 1999). Possui as seguintes coordenadas: 37º 22' 49" lat. N; 7º 31' 24" long. W. Do ponto de vista geomorfológico, o monumento implanta-se no topo de elevação da encosta esquerda da ribeira da Foupana, isolada por dois profundos meandros nela existentes, escavados em rochas do Carbonífero marinho, constituídas por alternâncias de xistos e grauvaques ("fácies flysh") (Fig. 1).

Tal cabeço constitui pequena rechã de um relevo mais importante, ao qual se encontra ligado através de pequeno istmo e de que constitui o seu prolongamento oriental. A sua localização parece, pois, ter sido determinada pelo marcado isolamento que o referido relevo possuía, dominando, ao mesmo tempo, vasto trecho da ribeira, bem como vastos horizontes, excepto do lado meridional (Fig. 2). A recente violação parcial que o monumento evidenciava, aquando da sua identificação, a que se somava o potencial aumento das probabilidades da sua destruição, decorrente do alargamento de um caminho rural, que lhe passa a poucos metros, determinaram a realização de escavações, de carácter preventivo.

AbsTrAcT This study shows the results of the excavations on the tholos of Cerro do Malhanito (Alcoutim) performed in August and September 2002, under the supervision of the first author (J.L.C.). We characterize the architecture of the monument and the archaeological and anthropological findings. Comparisons are made with similar monuments from southern Portugal, namely those that show reutilization in the Bronze or lron Age, as was the studied monument.

3 Sobre os resultados das escavações deste importante monumento calcolítico, publicaram-se três trabalhos: o primeiro, destinou-se a dar a conhecer os principais resultados obtidos, incidindo especialmente sobre a arquitectura do sepulcro e considerações genéricas sobre a natureza de pelo menos uma inumação nele realizada, no Bronze Final / I Idade do Ferro, apresentado em 2003 ao 2º Encontro de Arqueologia do Algarve. (CARDOSO, João Luís e GRADIM, Alexandra, 2005, A Tholos do Cerro do Malhanito (Alcoutim). Resultados preliminares das escavações efectuadas”, Revista XELB, n.º 5, pp.28-40). Este último aspecto, incluindo a publicação do espólio cerâmico que àquela ou àquelas pôde ser reportado, foi desenvolvido em estudo próprio, publicado por um de nós (J. L. C.) no volume de homenagem ao Professor Jorge de Alarcão (Cardoso, J. L. (2005) – Uma tumulação do final do Bronze Final / inícios da Idade do Ferro no sul de Portugal: a tholos do Cerro do Malhanito (Alcoutim). O Passado em cena: narrativas e fragmentos. Miscelânea oferecida a Jorge de Alarcão (M. C. Lopes & R. Vilaça, coord.). Coimbra: Instituto de Arqueologia, p. 193-223.). O terceiro e último artigo teve como objectivo, publicar o espólio calcolítico exumado, que se encontrava inédito, bem como concluir a publicação dos materiais relacionados com a ocupação mais moderna do monumento. Este texto corresponde, no essencial, a este estudo publicado em 2007 pelos autores (CARDOSO, João Luís e GRADIM, Alexandra, 2007, A tholos do Cerro do Malhanito (Alcoutim). Resultados das escavações arqueológicas efectuadas, in “Promontoria”, Revista do Departamento de História, Arqueologia e Património da Universidade do Algarve, Ano 5, n.º 5, Faro, pp.199-226), por se tratar daquele que conjuga um maior número de dados a par de uma actualizada discussão e conclusões de tudo quanto até agora dele se publicou. Foram no entanto incluídos todos os dados pertinentes dos artigos anteriores.

Fig. 1 – Localização da Tholos do Malhanito. Extracto da Carta Militar de Portugal (formato digital) na escala de 1/25 000, folha n.º 581, Lisboa, Instituto Geográfico do Exército, Secção de Fornecimento de Informação Geográfica, 2004 (reduzida).

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Tholos do malhanito

Fig. 2 – Levantamento topográfico da área envolvente , à escala original de 1/200 (GAT).

2 - tRAbALhos ReALizADos, ResuLtADos obtiDos Os trabalhos de campo decorreram de 19 de Agosto a 31 de Agosto de 2002, sob orientação do primeiro signatário.

envolvente sido topografada, pelo GAT de Tavira, à escala de 1/200.

Exceptuando a presença, do início ao fim dos trabalhos de campo, da Arqueóloga da Autarquia e co-autora da presente publicação e a colaboração do referido técnico de Arqueologia, cujos meios de transporte foram proporcionados pela autarquia, os trabalhos de campo decorrerem sem outros quaisquer apoios, tanto oficiais como particulares.

Os desenhos de estruturas, realizados no decurso e após as escavações, são da autoria de Alexandra Gradim e de Fernando Dias, tendo sido passados a limpo, em versão definitiva, por Bernardo Ferreira, que também se encarregou dos desenhos dos materiais arqueológicos que ilustram o presente trabalho.

No final da escavação, o monumento posto a descoberto – que, em profundidade, se afigurou em muito bom estado de conservação – foi devidamente preservado, tendo a área

O monumento, antes de se iniciar a escavação, apenas evidenciado pelos topos de alguns dos esteios da câmara, encontrava-se coberto de vegetação arbustiva e de inúmeros

Fig. 3 – Planta do monumento e da área escavada envolvente, com a localização dos principais materiais arqueológicos exumados.

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Tholos do malhanito blocos soltos, resultantes da “despedrega” dos campos agrícolas envolventes, de que resultou o microtopónimo “Malhanito”, equivalente de pequeno montículo de pedras. No final das escavações, verificou-se a existência de uma câmara de planta sub-circular, com 2,5 m de diâmetro médio, ligada a um corredor, mais baixo, orientado, como é usual neste tipo de monumentos, para Sudeste (Fig. 3), do qual se encontrava separado por uma laje de selagem, colocada transversalmente, reforçada do lado externo por duas outras, postas de cutelo (Fig. 4; Fig. 5; Fig. 7). Desta forma, pode concluir-se que a violação tardia do monumento, associada à sua reutilização, não foi efectuada ao longo do corredor – aliás mantido intacto, desde a última tumulação calcolítica – mas directamente, através da escavação da própria câmara. O estreito e curto corredor, que não ultrapassava 0,80 m de largura, por 1,40 m de comprimento, apresentava-se apenas bem definido no sector mais próximo da câmara, através de pequenos esteios colocados verticalmente, de ambos os lados; em direcção à entrada, o tamanho dos esteios diminuía, e a sua posição no terreno afigurava-se mais irregular, dando a impressão que delimitavam pequeno átrio, a céu aberto (Fig. 3; Fig. 4). A câmara encontra-se quase totalmente escavada no substrato geológico, pois apenas o topo dos esteios respectivos ultrapassam a superfície rochosa, que aflora a escassa profundidade (Fig. 4; Fig. 9). Com efeito, o substrato geológico, localmente constituído por xistos finamente folheados, do lado meridional, e grauvaques, do lado setentrional (Fig. 3), foi previamente escavado, segundo contorno correspondente à planta do monumento a construir, tarefa particularmente evidente na área meridional da câmara, a que se apresenta melhor conservada; do lado oriental, o topo dos esteios encontrava-se quase sempre partido, dando a falsa impressão que seriam de menores dimensões que os do lado oposto da câmara. Na verdade, originalmente, todos os esteios teriam alturas idênticas, cerca de 1,30 m (Fig. 6; Fig. 7). O tombamento, para o interior da câmara, do esteio n.º 2, veio permitir duas verificações: a primeira, é que o tal fenómeno, devido a pressões externas, se verificou ainda com a câmara livre de depósitos, o que só seria possível numa altura em que a falsa cúpula ainda se mantivesse de pé; a segunda observação, corresponde ao modo como os grandes ortóstatos de grauvaque se colocaram, mediante a abertura de um roço no substrato geológico, o qual, internamente, seria regularizado por enchimento de terra e blocos,

Fig. 5 – Aspecto geral da câmara do monumento, observando-se o substrato geológico regularizado, no seu interior, a laje de fecho da passagem do corredor e, no local onde se encontra o quadro, a lacuna correspondente ao tombamento, para o interior, do esteio n.º 2. Note-se a fixação dos esteios de grauvaque ao substrato geológico, através do roço nele executado. Fig. 4 – Vista geral do monumento, no final das escavações. Observe-se a diferença de litologia do substrato geológico, xistoso e finamente folheado, do lado esquerdo da figura; correspondente a assentadas de grauvaque, do lado direito da mesma. Em primeiro plano, observa-se o átrio, seguido do curto corredor e, em último plano, da câmara sub-circular e ligeiramente assimétrica, do monumento.

permitindo o encosto do monólito à referida superfície, contribuindo para a sua estabilidade. Esta técnica construtiva pode observar-se na Fig. 5, no espaço em falta entre os esteios n.º 1 e n.º 3, bem como no alçado das Fig. 6 e Fig. 7. Nestas duas últimas figuras, evidencia-se, também, o declive do substrato geológico, para Sudeste, o que terá favorecido a orientação da abertura do monumento para esse lado, por corresponder àquele onde seria necessário uma menor escavação do substrato.

No decurso da escavação da câmara do monumento, que ocupava a parte mais alta da elevação, observou-se a existência, disseminados ao longo de todo o enchimento, em profundidade, de inúmeros blocos de grauvaque, por vezes fortemente engrenados entre si, dando a impressão que teriam sido intencionalmente ali redepositados; com efeito, caso fossem o resultado do abatimento da falsa cúpula que cobriria a câmara, seria natural encontrá-los imbricados uns nos outros. E, com efeito, tais observações estavam correctas, porque, na camada basal desta parte do monumento, foi encontrada uma tumulação muito mais recente, como adiante se verá; desta forma, o rápido entulhamento da câmara deve reportar-se aos reutilizadores desta parte do monumento, após a inumação ali efectuada.

A continuação da escavação da câmara foi levada até se atingir o substrato geológico, inteiramente regularizado e aplanado (Fig. 3, Fig. 4). Desta forma, foi possível definir, em todo o seu comprimento, os dezassete esteios de grauvaque, de contorno subrectangular, estreitos e alongados, que a definiam. Estes esteios destinavam-se, simplesmente, a regularizar a parede da câmara do monumento, e não a conferir-lhe estabilidade, já que esta era assegurada pelo próprio substrato geológico onde aquela se encontrava escavada. O revestimento das câmaras de monumentos em falsa cúpula com ortóstatos alongados, é uma técnica reconhecida em muitos dos monumentos congéneres do Baixo Alentejo, nisso se diferenciando, por um lado, dos célebres monumentos alcalarenses, em que a parede das câmaras

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Tholos do malhanito era constituída por pequenas lajes colocadas horizontalmente, prolongando-se até à cúpula e, por outro, dos monumentos da Estremadura do mesmo tipo, mas onde as câmaras eram definidas por grandes elementos pétreos, dispostos horizontalmente. O corredor, como é frequente neste tipo de monumentos, encontrava-se definido por ortóstatos de menor altura; porém, ao contrário da câmara, que apesar das anteriores violações e reutilizações, se apresentava muito bem conservada, afigurava-se ainda intacto, não tendo fornecido quaisquer elementos associados à reutilização tardia do monumento. O chão desta parte do monumento apresentava-se parcialmente forrado por lajes irregulares, que terminavam no sector mais externo, correspondente ao provável átrio, a céu aberto. No decurso da escavação, observaram-se alguns elementos de grauvaque, estreitos e alongados, inclinados transversalmente, que poderiam corresponder à antiga cobertura do corredor, por sua vez tapada, conjuntamente com a câmara, pelo tumulus, que não se conservou, o qual seria, certamente, de pequena altura.

Fig. 9 – Vista de Oeste. Note-se a existência, no interior da câmara, em curso de escavação, de abundantes blocos de grauvaque dispersos desordenadamente.

Fig. 6 – Alçados (ver Fig. 3).

Fig. 7 – Alçado do corredor e da câmara do monumento (ver Fig. 3).

Fig. 8 – Vista de Sudoeste, evidenciando-se a altura do montículo natural, onde se escavou parcialmente o monumento.

Fig. 10 – Vista do conjunto de ossos longos humanos, alguns deles ainda em conexão anatómica, assentes sobre o chão primitivo da câmara, cujos esteios laterais se observam em segundo plano, fixados ao substrato geológico por meio de roços nele abertos (ver Fig. 3, para localização do conjunto osteológico no interior da câmara).

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Tholos do malhanito

3 - espóLio ARqueoLóGiCo O espólio arqueológico exumado na tholos do Cerro do Malhanito evidencia uma única ocupação coeva da construção do monumento, muito pobre e esporádica, e uma outra ocupação, muito mais tardia e intrusiva, limitada à reutilização da câmara.

4 - ANáLise tipoLóGiCA Do espóLio. seu eNquADRAmeNto CRoNoLóGiCo-CuLtuRAL. 4.1 - A conta Como se disse, trata-se de exemplar que, tanto do ponto de vista tipológico, como de textura e coloração da pasta, desaconselha a sua inclusão no Calcolítico. Não parece, por outro lado, tratar-se de cossoiro, dado o pequeno diâmetro do furo, incompatível com aquela utilização. Terá sido, aliás, este o critério que determinou a classificação diferenciada de dois exemplares do sítio metalúrgico tartéssico de San Bartolomé de Almonte (Huelva): um, com larga perfuração, foi classificado no grupo daquelas peças (Ruiz Mata & Fernández Jurado, 1986, Lam. XIV, n.º 235); outro, com estreita perfuração cilíndrica, tal como a do presente exemplar, embora de maiores dimensões, foi incluído dentro dos objectos indeterminados. Solução parecida foi a adoptada por Caetano Beirão, ao ter separado pelo tamanho – e consequentemente pela dimensão da perfuração mediana – dois exemplares cerâmicos recolhidos à superfície no núcleo habitacional de Fernão Vaz, o maior classificado como cossoiro, o menor como conta de colar (Beirão, 1973, Fig. 9). Tomada isoladamente, não deixaria dúvidas a integração tipológica desta conta na Idade do Ferro, a que acresce a pasta muito fina e de cozedura vermelho-tijolo, contrastando com as cozeduras predominantemente redutoras das cerâmicas da Idade do Bronze.

4.2 - os recipientes

possuindo ou não mamilos perfurados verticalmente (Fig. 8, n.º 2, 3; Fig. 9, n.º 1); taças baixas, munidas igualmente de mamilos perfurados, tanto horizontalmente (Fig. 8, n.º 4) como verticalmente (Fig. 9, n.º 2). A uma grande taça baixa (carenada ou não) pertence o fragmento da Fig. 9, n.º 3, com a particularidade da base ser ocupada por pequeno "omphalus", também presente em outros recipientes (Fig. 8, n.º 2; Fig. 10, n.º 2). Ainda dentro das formas abertas se inscrevem os vasos de carena baixa e paredes verticais, com fundo suavemente convexo, que evocam os "copos" do calcolítico da Estremadura (Fig. 10, n.º 1 e 6). De referir que esta forma foi identificada no povoado dos inícios do Bronze Final da Tapada da Ajuda, Lisboa, correspondendo aos designados "potes de paredes subverticais (Cardoso & Silva, 2004, Fig. 33, n.º 3 a 5). Também no Bronze Pleno do Sudoeste se conhecem alguns paralelos (Schubart, 1965, Fig. 17, i, j). Enfim, o fragmento de taça de carena média externa, de dimensões superiores às anteriores, tem, igualmente, ampla representação em contextos do Bronze Final (Fig. 10, n.º 3). No grupo das formas fechadas, reconheceram-se potes de carena média e parede reentrante, com ou sem mamilos sobre a carena, perfurados verticalmente (Fig. 8, n.º 1; Fig. 10, n.º 5). Na sua quase totalidade, os recipientes reproduzidos correspondem a formas comuns no Bronze Final, de excelente acabamento, colorações castanho-chocolate com zonas mais anegradas devido a variações da cozedura, superfícies lisas, fortemente brunidas e com brilho e de toque macio, com pastas finas, duras e depuradas e núcleos mais escurecidos. Nenhum se apresenta decorado, embora num caso (Fig. 10, n.º 2) se observem ténues nervuras radiais, a partir da parte central do fundo do recipiente, com "omphalus". Neste aspecto, não pode deixar de evocar as decorações plásticas (nervuras ou gomos), observadas em recipientes fechados (designados por alguns autores como "garrafas"), do Bronze do Sudoeste, como o exemplar representado por H. Schubart (1975, Fig. 33, n.º 391).

O número de recipientes cerâmicos é elevado, ascendendo a cerca de dez as peças reconstituíveis (Fig. 8 a 10), a que se somarão algumas outras, posteriormente apresentadas.

A cronologia deste conjunto marcadamente homogéneo, correspondendo a fabricos de luxo, aliás em consonância com o seu carácter funerário, será objecto de discussão a seguir apresentada.

No grupo das formas abertas, identificaram-se taças de carena alta ou baixa, de perfil interno e externo suave,

As taças de perfil suave com "omphalus", representadas no conjunto em apreço, tal como as taças em calote, ocorrem,

em fase avançada do período tartéssico do vale do Guadalquivir, tendencialmente lisas, e já não decoradas com ornatos brunidos, como anteriormente, ainda que se assinale uma degradação da qualidade das produções, contrariada pelos exemplares em estudo (Ruiz Mata, 2001, p. 109). Tendo presente, no entanto, que formas decoradas coexistiram, naturalmente, com as suas equivalentes lisas, é de mencionar a sequência estratigráfica estudada em Huelva por M. Fernández-Miranda, na calle de Onesimo Redondo, onde se observou a distribuição de tais produções cerâmicas entre finais do século IX e os inícios do século VI a. C. (Lopez Roa, 1978, p. 151). Nas escavações realizadas ulteriormente no Cabezo de S. Pedra, também dentro da cidade de Huelva, foi possível registar diversos cortes estratigraficos, os quais consubstanciam diversas fases culturais; assim, na Fase III, apenas representada no corte A.2.2, da encosta ocidental, verifica-se que "La decoración brunida, tan característica de la Fase I, es muy escasa. Las cerámicas a torno fenicio-púnicas aparecen en un mayor porcentage que en la fase precedente. Esta fase corresponde a la época de los enterramientos de La Joya de la misma localidad" (Ruiz Mata, Blázquez Martínez & Martín de la Cruz, 1981, p. 195). A cronologia desta fase cultural foi fixada entre 650 e 550 a.C., correspondendo à fase Huelva II, definida na encosta oriental do cabeço, a qual é equivalente da Fase III da encosta ocidental (Belén, Amo & Fernández-Miranda, 1982, p. 22). Neste lado do Cabezo de S. Pedro, no decurso do estudo dos fragmentos de cerâmicas finas manuais dali provenientes (designadas por cerâmicas alisadas, com ou sem decoração de ornatos brunidos) e oriundas sobretudo do Corte M, verificou-se que o maior número de ocorrências se concentrava no nível X, correspondente à fase cultural Huelva III, cuja cronologia abarca seguramente o século VI a.C. (Belén; Fernández-Miranda & Garrido, 1977, p. 356, 370). Assim, a zona residencial do Cabezo de S Pedro (Huelva II ou Fase III, respectivamente definidas na encosta oriental e ocidental), teria equivalência na necrópole de La Joya, cujos materiais sugerem utilização entre meados do século VII e a primeira metade do século VI a.C., com maior intensidade entre 625 e 600 a.C. (Belén; Amo & Fernández-Miranda, 1982, p. 27). Com efeito, da referida necrópole provêm diversos recipientes comparáveis aos exemplares em estudo: é o caso da taça de carena alta e lisa da sepultura 2 (incineração) (Garrido Roiz, 1970, Fig. 7, n.º 1); das duas taças em

calote, com "omphalus" e bordo extrovertido (não observado na taça em calote do nosso conjunto, mas presente nas taças carenadas do mesmo), ambas decoradas por ornatos brunidos na face interna (Garrido Roiz, 1970, Fig. 40), oriundas da sepultura dupla de inumação e incineração n.º 9), a que se junta um belo conjunto de taças manuais com superfície brunida, lisas, em calote e fundo convexo ou parabolóide (Fig. 42, 43 e 44). A ocorrência destes recipientes finos foi atribuída pelo autor a tradições anteriores, que persistiram a par das novas produções cerâmicas de origem fenícia, encontradas na necrópole. J. P. Garrido Roiz, apresentou ulteriormente, com E. M. Orta García, a publicação dos resultados das 3.ª, 4.ª e 5.ª campanhas de escavação efectuadas na referida necrópole. Assim, na sepultura 12 (incineração), recolheram quatro recipientes produzidos com molde (apesar do estado muito fragmentário e a má conservação das superfícies, como é salientado pelos autores), alguns com vestígios de decoração, de fina manufactura: são quatro taças, das quais duas com carena, comparáveis aos exemplares em estudo (Garrido Roiz & Horta García, 1978, Fig. 14, n.º 2 e 3), a que se juntam outras taças feitas à mão em calote, de fundo por vezes aplanado, em geral mais grosseiras, oriundas de outras sepulturas (sepulturas 16, 17). De referir, ainda, as cerâmicas recolhidas no sítio metalúrgico tartéssico de San Bartolomé de Almonte, perto de Huelva, cuja ocupação, distribuída por vários fundos de cabanas, com um único nível de ocupação, corresponde globalmente a um período curto, dos séculos VIII e VII a.C., distribuído por três fases, caracterizadas pela evolução tipológica das formas cerâmicas. Procurando estabelecer comparações de maior pormenor entre as cerâmicas manuais ali recolhidas – aliás suportadas pela sua quantidade e minúcia dos elementos estratigráficos disponíveis, já que cada fundo doméstico correspondia claramente a um conjunto "fechado" – verifica-se que as taças carenadas mais antigas possuem um bordo engrossado e uma carena em aresta, bem marcada na face externa (forma A. I. a), características que não se encontram no conjunto em apreço. Com efeito, as três taças carenadas agora publicadas (Fig. 8, n.º 2 e 3; Fig. 9, n.º 1) possuem carenas de perfil suave, de paredes abertas para o exterior e lábios convexos, formando pequena aba extrovertida, que raramente se observam nos conjuntos domésticos de San Bartolomé. Nos mais modernos de tais conjuntos, encontram-se presentes taças em que a carena se apresenta pouco marcada (forma A. 1-11), com

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Tholos do malhanito parte superior de perfil côncavo (forma A. 11. a), correspondentes a paredes mais finas e a bordos menos engrossados (Ruiz Mata & Fernandez Jurado, 1986, p. 186), características que persistem na Fase III. Tendo presente esta evolução, das carenas angulosas para as suaves e para os perfis côncavos e rectos, é com o grupo mais moderno que as taças do Cerro do Malhanito mais se assemelham, visto não ter sido identificada qualquer taça de carena angulosa. No entanto, das largas dezenas de exemplares reproduzidos no estudo dedicado ao sítio de San Bartolomé, apenas uma taça se aproxima particularmente das características presentes no conjunto português: trata-se do exemplar n.º 519, oriundo do fundo XIV – A, da Fase intermédia (1-11) da ocupação do sítio. Em suma: na área de Huelva, as cerâmicas finas manuais, representadas sobretudo por taças, carenadas ou não e com ou sem ornatos brunidos, sobreviveram, na Andaluzia ocidental, até ao século VI a.C. sendo no século VIII/II a. C. que se encontram os melhores paralelos (além das referências anteriores, ver Belén, Escacena & Bozzino, 1991, p. 237), tendo mesmo atingido, ainda que de forma residual, o século V a. C. (Garrido Roiz & Orta García, 1978, p. 195, nota 133). Esta realidade não é de desprezar, dada a proximidade do local em apreço da referida região, com a qual teriam, por certo, de existir contactos, veiculados ao longo do baixo Guadiana e do litoral adjacente. Importa, igualmente, ter presente a sequência estratigráfica encontrada em Mesa de Setefilla, Sevilha e respectivo registo arqueológico; com efeito, tanto na Fase II a (de meados do II milénio a.C. aos séculos IX-VIII, como na Fase II b, do século VIII a.C. se encontraram paralelos para as formas carenadas (taças e vaso baixo) do Cerro do Malhanito (Aubet-Semmler et al., 1983, Fig. 22, n.º 41, 42, 44 pertencentes à Fase II a; Fig. 29, n.º 123, da Fase II b). Em Portugal, as produções datadas mais tardias de taças lisas finas, manuais e desprovidas de decoração, tendo presente a área mais próxima da que se encontra em estudo, provêm da necrópole sidérica da Herdade do Pego, Ourique. Assim, na sepultura II (provavelmente de inumação, a ser de facto uma sepultura, d. Beirão, 1986, p. 61), recolheram-se diversos recipientes, repartidos tipologicamente por diversas formas (Dias, Beirão & Coelho, 1970, p. 185), das quais uma se aproxima dos dois exemplares carenados em estudo: trata-se de duas taças baixas, com carena pouco acentuada e "omphalus", observado no exemplar completo

(op. cit., p. 204). A cronologia desta necrópole, onde foi encontrada uma lápide epigrafada, pertencente à sepultura 111 (de incineração), foi situada na segunda metade a finais do século VII a.C. (Correia, 1996, p. 55). Face a tais considerandos, o limite cronológico mais recente do conjunto exumado no Cerro do Malhanito poderia atingir os finais do século VII/inícios do século VI a.C. Em tal caso, estaríamos perante populações que não deteriam contactos directos com os colonizadores fenícios, de há muito sediados no litoral atlântico adjacente, o que é estranho, tendo presente a interacção que resultaria da presença da mineração, especialmente do cobre, que constituiria a principal razão da presença destas populações. Crê-se, em consequência, mais aceitável admitir uma época anterior, não só pelo motivo apresentado, mas também porque tais produções tardias são residuais na área tartéssica, nelas se verificando nítida degradação da qualidade do fabrico, contrastando com a realidade evidenciada pelas peças em estudo: com efeito, os recipientes de superfícies lisas brunidas e brilhantes constituem não só a totalidade do conjunto cerâmica recolhido, como a excelente qualidade da sua produção o situa numa época de apogeu, a qual se terá verificado, na área tartéssica, entre os séculos VIII e inícios do século VI a.C. É, pois, esta a cronologia que se pode atribuir a este belo conjunto cerâmico. Tal cronologia corresponde, na Andaluzia ocidental, ao Orientalizante antíguo/ Transição para o Orientalizante pleno; este último abarcaria todo o século VII e inícios do seguinte (Pellicer, 1979/1980, p. 328, 329). É de referir, a terminar a discussão da cronologia, que, na submeseta sul, é também nos séculos VIII e VII a.C. que se increvem as produções de recipientes análogos (García Huerta & Rodriguez, 2000, p. 62), fazendo a transição para o mundo ibérico.

4.3 - As peças metálicas O anel ou argola de bronze tem inúmeros paralelos em estações do Bronze Final do território português, os quais poderiam ser utilizados como elementos de artefactos compósitos, ou isoladamente (como verdadeiros anéis). O fragmento de alfinete com cabeça em calote esférica, ao contrário, é assinalavelmente raro para a referida época: os dois paralelos publicados mais próximos do território português correspondem a exemplares auríferos, com cabeça em botão, aplanada ou levemente convexa; um deles,

foi recolhido no povoado calcolítico da Penha Verde, Sintra (Zbyszewski & Ferreira, 1958, Est. IV, n.º 13); o outro, corresponde ao achado descontextualizado de Areia, Mealhada (Armbruster & Parreira, coord., 1993, p. 152). No primeiro caso, afastada a hipótese de ser peça calcolítica, a alternativa mais provável é que se integre no Bronze Final, também representado na estação, e não no Bronze Antigo, cronologia que foi atribuída ao exemplar homólogo de Areia, Mealhada pelos autores citados. No entanto, o exemplar que mais se aproxima do recolhido provém do povoado do Bronze Final da Tapada da Ajuda, Lisboa (inédito, escavações dirigidas pelo signatário – J.L.C.), também de bronze e, tal como o agora estudado, possui cabeça em forma de calote esférica pronunciada. Em abono de uma cronologia adrede o Bronze Final para aquelas raras produções auríferas, pode invocar-se a sua semelhança com exemplares de alfinetes do Bronze Final, de bronze, como o da Tapada da Ajuda, para além da evidente analogia entre a morfologia das suas cabeças, e a dos remates de diversas braceletes do Bronze Final recolhidas em território português. Enfim, o fragmento de aro de cobre ou bronze merece análise mais extensa. Não cremos que existam razões indiscutíveis para o fazer corresponder a fragmento de fíbula anular hispânica, dado o seu estado fragmentário e deformado. Com efeito, desde o Calcolítico que ocorrem aros de cobre de morfologia idêntica; é de registar, também, o achado de argola idêntica, com o diâmetro de 4,5 cm, portanto próxima do exemplar em causa, na sepultura IV E da necrópole de Atalaia, Ourique, pertencente ao Bronze do Sudoeste (Schubart, 1965 b, Fig. 7). Mesmo em estações de épocas próximas, como o sítio metalúrgico de San Bartolomé de Almonte, Huelva (Ruiz Mata & Fernández Jurado, 1986), onde se recolheram fragmentos de morfologia e tamanho idênticos, estes foram simplesmente classificados como fragmentos de aro ou de "Iezna" (Lám. XIV, n.º 238; Lám. XXXVI, n.º 507). No entanto, a assinalável diacronia representada pelas produções cerâmicas merecia que se discutisse com algum detalhe a eventualidade de poder corresponder a uma fíbula anular hispânica, cujos protótipos mais antigos, com raízes andaluzas, remontam, precisamente, ao século VI a.C., ou mesmo à segunda metade do século VII a.C. (Ponte, 2004), de acordo com a estratigrafia do Castillo de Dª. Blanca, Cádiz (Ruíz Delgado, 1989, p. 205). Já muito antes,

M. Pellicer, na sua inovadora e ainda hoje útil síntese sobre a periodização do mundo tartéssico e turdetano, declarava, ao referir-se às transformações verificadas na área tartéssica no século VI a.C.: "La metalistería y orfebrería de matriz orientalizante prosigue su esplendor, introduciéndose elementos nuevos, como las grandes fíbulas anulares hispánicas tan características dei mundo ibérico-turdetano" (Pellicer, 1979/1980, p. 331). Não deixa, todavia, de se estranhar, admitindo tal cronologia para a reutilização funerária desta tholos, o contraste evidenciado entre o conservadorismo dos recipientes cerâmicos, todos de fabrico manual, face à ocorrência de um dos primeiros exemplares deste novo adereço metálico. Relembre-se que, em Portugal, Caetano Beirão, já na década de 1980, tinha situado no século VI a.C. a grande fíbula anular da necrópole de Chada, Ourique, segundo comparações tipológicas e as características do material acompanhante (Beirão, 1986, p. 86). Não parecem, deste modo, lícitas as reservas a esta cronologia apresentada mais recentemente, e, por extensão, à cronologia dos séculos VII e VI a.C. das necrópoles baixo-alentejanas escavadas por aquele arqueólogo (Jiménez Ávila, 2004). Caetano Beirão diz, a propósito desta bela peça, o seguinte (Beirão, 1986, p. 86): "Quant à la détermination de la date (da necrópole), nous devons fixer une époque reculée, compte tenu de la date de la fibule dont la forme et les dimensions, selon nous, se rapprochent le plus de celle-ci, à savoir, celle qui a été recueillie dans les fouilles de Cerro Macareno (Séville), d'une stratigraphie sûre qui permet de I'attribuer à la fin du VI siécle av. J.C. Ceci nous conduit donc à attribuer notre fibule à la même époque – VI siécle av. J.C., ce qui, nous semblet-il, est en accord avec les dates possibles du reste du matériel de la nécropole". Esta opinião é precisada por V. H. Correia (mas não "corrigida", ao contrário do que o próprio declara), ao situá-la nos inícios do século VI a. C. (Correia, 1993, p. 359) O aro de bronze recolhido no Cerro do Malhanito, no caso de corresponder a uma fíbula anular hispânica, pode, face ao que ficou dito, ascender sem dificuldade aos primórdios do século VI a.C., se não mesmo aos finais do século anterior, o que é compatível com as suas significativas dimensões, sendo coevo das belas peças cerâmicas ali também recolhidas, as quais se inscreveriam nas derradeiras produções indígenas do mundo de influência tartéssica, ao qual, por critérios geográficos, não deixariam de pertencer.

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Tholos do malhanito Com efeito, enquanto que, no corredor, os únicos materiais recolhidos remontam ao Calcolítico, já os níveis mais profundos da câmara forneceram um conjunto importante de fragmentos de recipientes muito finos, intensamente fracturados, reportáveis ao Bronze Final/ inícios da Idade do Ferro (Cardoso, 2004). Tal realidade indica que, em tal época, o local foi reutilizado como local de enterramento, tendo-se, então, escavado o interior daquela parte do monumento, até ao fundo, sobre o qual se depositou pelo menos um corpo, cujos restos ósseos, muito incompletos, foram recolhidos, alguns deles ainda em posição anatómica (Fig. 10; Fig. 11; Fig. 12). Embora a sua datação pelo radiocarbono não tenha sido possível, por falta de colagéneo, a tipologia dos materiais arqueológicos – designadamente os cerâmicos – indica a integração cronológico-cultural referida. Fragmentos destes recipientes, embora concentrando-se nos níveis inferiores do enchimento da câmara (Fig. 3), espalhavam-se verticalmente, abarcando boa parte do enchimento, denunciando a intensidade dos remeximentos que, ulteriormente, mas em época recuada, ali foram praticados. Tais remeximentos estiveram, também, na origem da assinalável dispersão dos ossos humanos, muito incompletos e inclassificáveis, que, igualmente, se concentravam nos níveis inferiores do enchimento da câmara (Fig. 3).

Os mais representativos materiais arqueológicos conotáveis com a reutilização tardia da tholos do Malhanito foram já aqui referidos e publicados (Cardoso, 2004); trata-se dos recipientes cerâmicos das Fig. 13, Fig. 14 e Fig. 15, cuja análise tipológica permitiu atribuir a reocupação funerária da câmara do monumento ao Bronze Final/ inícios da Idade do Ferro, com estreitas analogias ao mundo tartéssico inicial; por tal facto, dispensam novas descrições e comparações. Os fragmentos de recipientes cerâmicos reportáveis ao aludido episódio de reutilização agora publicados pela primeira vez (Fig. 16), integram-se, sem dificuldade, no conjunto já conhecido; predominam, igualmente, as produções muito finas, as pastas duras e depuradas, sendo evidente o cuidado dispensado ao acabamento das superfícies dos recipientes, de coloração castanha anegrada, muito lisas, de

toque quase metálico e brilho acetinado. Exceptua-se um recipiente mais grosseiro (Fig. 16, n.º 5), pertencente a um vaso de colo fechado, que, contudo, se insere sem dificuldade no conjunto das produções da referida época. Os restantes artefactos pertencentes à reutilização do monumento, foram já publicados, apresentando-se, agora, a sua localização e respectiva profundidade, no interior da câmara do monumento (Fig. 3). Assim, associados ao conjunto de ossos longos em melhor estado de conservação exumado no nível basal da câmara do monumento, recolheram-se três artefactos: trata-se de uma conta de cerâmica de cor de tijolo, de pasta muito fina e homogénea (Fig. 17, n.º 4), a qual se encontrava por baixo do conjunto osteológico (Fig. 11); de uma conta em seixo de grauvaque cinzento, com polimento em ambos os topos e perfuração assimétrica natural (Fig. 17, n.º 5), visível, junto a vários ossos longos, na Fig. 11; e de um arame curvilíneo de bronze, associado a um segmento de menor dimensão, atribuível eventualmente a uma fíbula anular hispânica (Fig. 17, n.º 6). Os outros dois artefactos recolheram-se perto um do outro, mas já longe do conjunto anterior: trata-se de uma argola (ou anel) de bronze (Fig. 17, n.º 7) e de um alfinete, com cabeça em calote de esfera, incompleto (Fig. 17, n.º 8). A dispersão, registada na Fig. 3, dos artefactos aludidos, pelos níveis mais profundos da câmara do monumento, nada nos diz sobre a sua primitiva posição, tendo presente os intensos remeximentos que conduziram à redução dos recipientes cerâmicos a fragmentos minúsculos. Importa registar que a conta com perfuração natural de grauvaque (Fig. 17, n.º 5), tem o seu único paralelo conhecido em exemplar recolhido no monumento megalítico n.º 3 do Lousal, Grândola (Ferreira & Cavaco, 1955/1957, p. 198), exposta no Museu do ex-Instituto Geológico e Mineiro. A presença desta conta, no referido monumento megalítico, faz crer numa reutilização deste, aliás sugerida por outros artefactos claramente do Bronze Final, ou já da Idade do Ferro, no conjunto daqueles monumentos (Cardoso, 2004).

Fig. 11 – Pormenor do conjunto osteológico humano, associado a uma conta escura, de grauvaque, representada na Fig. 17, n.º5.

Fig. 12 – Desenho do conjunto osteológico humano representado na fig.11.

A assinalável quantidade e diversidade dos recipientes reportáveis a esta reutilização, faz crer que correspondam a mais de uma deposição funerária, no nível basal da câmara, assim se explicando a sua escavação integral, com o respectivo enchimento retirado e espalhado no exterior, até se ter atingido o substrato geológico, sobre o qual assentava o chão primitivo do monumento, constituído por camada argilosa compactada, amassada com pequenos fragmentos de xisto e de grauvaque.

Fig. 13 – Recipientes do Bronze Final/inícios da Idade do Ferro.

Os artefactos calcolíticos primitivamente existentes no interior do monumento, conheceram dois processos distintos: os que se encontravam na câmara, foram completamente removidos para o exterior, aquando da reutilização daquele sector do monumento; destes, apenas uma parte foi de novo introduzida no seu interior; apenas os materiais que se encontravam no corredor não conheceram assinaláveis perturbações, tendo em conta que aquele sector da tholos não

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Tholos do malhanito deste sector do monumento, sugerida pela recolha de fragmento de cerâmica lisa calcolítica, incaracterística (Fig. 3).

sofreu remeximentos ulteriores. Seja como for, a escassez dos materiais atribuíveis ao Calcolítico, sublinha o diminuto número de tumulações efectuadas no monumento, mesmo tendo em conta as fortes perturbações de origem antrópica referidas.

Apesar de se tratar de um monumento, onde a ocorrência de artefactos ideotécnicos seria esperável, apenas se recolheu um objecto pertencente a esta categoria, o que reforça a sua escassa utilização funerária. Trata-se de um pequeno seixo achatado de grauvaque, de contorno piriforme, com o comprimento máximo de 6,8 centímetros possuindo, de ambos os lados, dois entalhes opostos, feitos com uma ponta dura (Fig. 17, n.º 3); jazia a 0,44 m de profundidade, numa posição não muito distinta da original, encostado, à entrada do corredor, e do seu lado direito (Fig. 3). Este objecto assumiu, deste modo, com notável economia de gestos, forma marcadamente antropomórfica, já que as duas concavidades assim obtidas serviram para separar a base, larga e arredondada, da parte superior, de contorno sub-triangular. É evidente a analogia formal do ídolo assim

Com efeito, da área da câmara provém apenas um pequeno escopro de anfibolito, totalmente polido, com excepção do talão, provavelmente destinado a encabamento (Fig. 17, n.º 1), e sem sinais de utilização. Esta peça provém dos entulhos que colmataram a câmara do monumento, tendo sido recolhida em um nível superior aos que correspondem às deposições do Bronze Final/inícios da Idade do Ferro (Fig. 3). As restantes três peças calcolíticas provêm da área do átrio e do corredor. À entrada do átrio, jazia, a pequena profundidade, fragmento de enxó (ou de pequeno sacho), totalmente polida, de rocha fina (grupo dos xistos verdes), de que se conservou apenas a parte correspondente ao gume. Este, que apresenta intensos sinais de utilização, por percussão directa, na face ventral, indica que a peça foi depositada já utilizada, e, eventualmente, partida intencionalmente, acto que resultou na pequena porção recolhida (Fig. 17, n.º 2). Com efeito, embora a maioria dos exemplares de pedra polida recolhidos em sepulcros neolíticos e calcolíticos do sul do actual território português se encontrem inteiros e, muitas vezes, intactos, prontos a usar, alguns outros ostentam fracturas que só poderiam ter resultado de choques violentos, levantando a questão da intenção de se depositarem nos sepulcros já sob a forma de fragmentos inutilizáveis, claramente contraditória com o princípio anterior. No caso presente, ter-se-ia uma destas situações: ao artefacto intacto depositado na câmara, contra-por-se-ia este exemplar, com evidentes marcas de uso e, eventualmente, partido intencionalmente (uma pequena esquírola destacou-se da sua face dorsal, no decurso da sua descoberta e extracção do terreno, não se confundindo com a fractura pré-existente, que o secciona transversalmente). Enfim, a posição desta peça, à entrada do átrio do monumento reforça a existência de oferendas depositadas a céu aberto, no exterior dos monumentos, cuja existência só começou a ser conhecida, em muitas regiões do actual território português, a partir do momento em que se passaram a explorar a totalidade dos montículos funerários, e não apenas a sua estrutura interna: é o caso de alguns dos megálitos do sul da Beira Interior, recentemente investigados (Cardoso, Caninas & Henriques, 2003). Contudo, não se pode rejeitar definitivamente a hipótese de violação antiga

Fig. 14 – Recipientes do Bronze Final/inícios da Idade do Ferro.

Fig. 15 – Recipientes do Bronze Final/inícios da Idade do Ferro.

obtido a exemplares homólogos do Sudeste, ditos de “tipo EI Garcel” (Almagro-Gorbea, 1973), que já anteriormente foram paralelizáveis com uma grande conta de variscite recolhida na tholos da Tituaria, Mafra (Cardoso, Leitão & Ferreira, 1987), a qual se pode integrar no mesmo grupo tipológico. Tais ídolos são, por outro lado, formalmente semelhantes a exemplares de mármore recolhidos em Tróia por H. Schliemann desde a primeira ocupação pré-histórica ali reconhecida (Schliemann, 1880, p. 232). Naturalmente com estes últimos, poderá simplesmente tratar-se de convergência estritamente formal, verificada entre objectos sem quaisquer relações culturais entre si, facilmente explicável pela simplicidade da representação estilizada da figura humana que se pretendia com eles representar. A presente peça valeria, estritamente, pelo que representava, e não pelo seu valor intrínseco, decorrente da raridade ou beleza da matéria-prima em que é afeiçoada: um simples seixo de rio.

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Tholos do malhanito Importa valorizar a sua posição ritual, depositada de lado, à direita da entrada do corredor, com a cabeça voltada para a entrada do monumento: poderá simbolizar um espírito protector ou corporizar mesmo a alma de um dos escassos indivíduos ali sepultados, tendo, a tal propósito, paralelo nos conjuntos de pequenos bétilos agrupados no lado externo de algumas tholoi de Los Millares (Almagro & Arribas, 1963), os quais poderiam representar, de igual modo, o espírito ou as divindades protectoras de cada um dos ali tumulados. Trata-se, deste modo, de uma interessante manifestação do sagrado e, que se saiba, única, no seu género, no território actualmente português. Findas as escavações, o monumento, apesar do seu excelente estado de conservação em profundidade, contrariando as assinaláveis destruições recentes, que superficialmente evidenciava, possuía fragilidades estruturais, que punham em risco a sua conservação. Deste modo, para precaver danos evitáveis, devido à acção dos agentes meteóricos, procedeu-se à protecção da estrutura posta a descoberta, seguindo metodologia já anteriormente descrita (Cardoso & Gradim, 2005), tendo em vista a sua valorização turístico-cultural, no quadro da constituição de diversos circuitos de visita, da iniciativa da Câmara Municipal de Alcoutim.

Fig. 17 – Materiais calcolíticos e do Bronze Final/inícios da Idade do Ferro (para a localização de algumas das principais peças ver Fig.3.

Fig. 16 – Recipientes do Bronze Final/inícios da Idade do Ferro.

1- pequeno escopro de anfibolito; 2- pequena enxó (ou sacho) de rocha de grão fino (xisto verde), com intensas marcas de utilização, por impacto, na face ventral e fracturada intencionalmente (?); 3- pequeno ídolo antropomórfico executado em seixo rolado de ribeira; 4- conta de barro de grão muito fino, recolhida sob o conjunto osteológico humano; 5- conta de grauvaque, com perfuração natural associada ao conjunto osteológico humano; 6- fusilhão curvo, de bronze, atribuível a fíbula anular, com o respectivo; 7- argola ou anel, de bronze; 8- alfinete incompleto, de bronze, com cabeça hemisférica.

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5 - DisCussão e CoNCLusões Neste último capítulo, revêem-se e actualizam-se as conclusões apresentadas em trabalho anteriormente publicado (Cardoso & Gradim, 2005). A tholos do Cerro do Malhanito corresponde ao segundo monumento no seu género identificado e explorado, depois de, nos finais da década de 1980, se ter publicado a tholos da Eira dos Palheiros (Gonçalves, 1989, Fig. 6.5), distanciada cerca de 16 km para ESE e não a que, no trabalho dos autores de 2005 se indicou. Tal como este monumento foi relacionado com o povoado fortificado do Cerro do Castelo de Santa Justa (Gonçalves, 1989, p. 346), também o presente sepulcro poderá relacionar-se com o povoado do Cerro do Castelo das Mestras, dado a conhecer por V. S. Gonçalves, situado num cabeço cerca de 2,5 km para ENE. As semelhanças com a tholos da Eira dos Palheiros estendem-se, ainda, às características da implantação topográfica: também este sepulcro se localiza "na extremidade de um cerro, dominando um meandro da ribeira da Foupana" (Gonçalves, 1989, p. 342). Porém, ao contrário do ali observado, bem como na generalidade das tholoi do Baixo Alentejo, o corredor do monumento do Cerro do Malhanito é curto, terminando em um possível átrio, mal conservado e, por isso mesmo, apenas plausível. O pequeno comprimento do corredor tem, porém, paralelo mais próximo no monumento de Marcela, no litoral algarvio (freguesia de Cacela, concelho de Tavira). Com efeito, a planta que dele publicou o seu explorador (Veiga, 1886, Est. XII, n.º 2), sugere um monumento complexo, constituído por uma tholos de corredor curto, idêntica à agora estudada, a cuja entrada se encostou a cabeceira de um monumento megalítico de planta subtrapezoidal, do tipo "galeria coberta", que tem no megálito vizinho de Nora, o seu melhor paralelo. Esta hipótese, recentemente admitida (Gonçalves, 2003), que faria com que a tholos fosse mais antiga que o megálito a ela geminado, carece de confirmação, dificultada pelo facto de ambos os monumentos terem, entretanto, desaparecido. As escavações, actualmente em curso, em notável monumento megalítico, perto de Santa Rita, descoberto por David Calado, e por este gentilmente mostrado em Agosto de 2007, poderão contribuir para a clarificação da relação cronológico-cultural entre as duas estruturas funerárias identificadas no vizinho sítio da Nora. Seja como for, o complexo monumento da Nora representa paralelo que deverá ser registado. Outro

paralelo, mais sugestivo, corresponde à tholos de Cerro do Gatão, Ourique (Viana, Ferreira & Andrade, 1961 a). Trata-se, igualmente, de monumento com corredor curto, definido apenas por um ortóstato colocado de cada lado, antecedido por um átrio exterior, ao ar livre, como poderia observar-se no presente sepulcro. Outra é a realidade expressa pelo monumento de câmara circular escavado perto de Castro Marim, no século XIX por António Mendes, colector da então Secção dos Trabalhos Geológicos de Portugal. Tal monumento era fechado, desprovido de corredor, como em estudo anteriormente publicado se teve oportunidade de demonstrar, em presença do original de António Mendes (Gomes; Cardoso & Cunha, 1994). Trata-se, isso sim, de um sepulcro semelhante a alguns dos identificados por G. e V. Leisner no Sudeste, e atribuídos, no âmbito da Cultura de Almería, a uma época anterior às tholoi daquela região (Leisner, 1945); e, com efeito, a datação de radiocarbono realizada sobre um das duas tíbias do provavelmente único indivíduo nele tumulado, indica a atribuição cronológica do sepulcro ao Neolítico Final. A estrutura de selagem identificada no corredor, próximo da passagem para a câmara, tem, igualmente, paralelo em algumas tholoi do sul de Portugal, como a do Monte das Pereiras (Serralheiro & Andrade, 1961), que, a meio do corredor, e em estreita articulação com dois "batentes" laterais, possuía uma "porta" feita num ortóstato, que se encontrou tombada no interior do mesmo. Ainda no concernente à arquitectura do monumento, assinala-se que a solução construtiva mais comum entre os cerca de vinte e seis monumentos inventariados seus congéneres explorados tanto no Baixo Alentejo e no Algarve, como no Alto Alentejo (Cardoso, 2002a), corresponde ao uso sistemático de elementos ortostáticos para delimitar as câmaras e os corredores, tal como o observado no caso em apreço; ao contrário, em alguns monumentos algarvios da necrópole de Alcalar, as estruturas foram definidas por elementos dispostos horizontalmente, técnica que parece ser exclusiva dos escassos monumentos calcolíticos estremenhos de falsa cúpula, embora os elementos líticos sejam de significativas dimensões, devido, em parte, à natureza da matéria prima disponível (blocos de calcário).

No respeitante ao espólio arqueológico, regista-se a sua evidente exiguidade, aliás já conhecida em outros monumentos do sul de Portugal, a começar pela vizinha tholos da Eira dos Palheiros, a cerca de 16 Km de distância; monumentos há que, apesar do seu excelente estado de conservação, como a já mencionada tholos do Cerro do Gatão, Ourique (Viana, Ferreira & Andrade, 1961 a), quase se encontravam desprovidas de espólio (este apenas deu um fragmento cerâmico e uma pequena lâmina de sílex, muito fruste), contrastando nitidamente com a abundância de materiais arqueológicos recuperados noutros monumentos análogos da mesma região, como a tholos de Monte Velho, Ourique (Viana, Andrade & Ferreira, 1961); a razão de tal realidade prende-se, antes de mais, com a escassa utilização funerária dada à maioria das tholoi meridionais (com algumas excepções, particularmente evidentes em Alcalar, apesar de aqui a utilização do espaço funerário se encontrar muito aquém do potencialmente disponível, como é indicado pela monumentalidade dos sepulcros): tal como no monumento em apreço, também na tholos da Eira dos Palheiros, apenas um máximo de duas deposições terão sido efectuadas (Gonçalves, 1989, p. 346). Enfim, na tholos do Monte do Outeiro, Aljustrel (Viana, Ferreira & Andrade, 1961 b), apenas se identificou uma tumulação calcolítica. Tal escassez, pode estar relacionada com o estatuto dos indivíduos tumulados: por outras palavras, nem todos os elementos pertencentes a uma dada comunidade teriam direito a serem sepultados nestes monumentos, os quais seriam reservados para o segmento dominante: esta situação explicaria, segundo R. Parreira (comunicação verbal, 2007), a escassez de restos humanos nos sepulcros alcalarenses, contrastando, por um lado, com a importância do povoado correspondente e, por outro, com o carácter verdadeiramente colectivo identificado no hipogeu de Monte Canelas, situado nas proximidades e pertencente à época imediatamente anterior (Neolítico Final). Seja como for, não obstante a pobreza do espólio, deve ser devidamente valorizada a presença do ídolo antropomórfico depositado ritualmente à entrada do corredor, o qual, sendo único no seu género em Portugal, possui paralelos estreitos com exemplares do Sudeste peninsular; aliás, a presença, no decurso do Calcolítico, na região algarvia, de peças verdadeiramente importadas daquela região – ou, em

alternativa, dos artífices que as confeccionaram – foi recentemente comprovada pelo estudo do notável conjunto de ídolos de Pêra, Silves (Cardoso, 2002b). Não deixa de ser singular a falta absoluta, no Cerro do Malhanito, de artefactos de pedra lascada (lâminas e, sobretudo, pontas de seta), bem como de materiais cerâmicos calcolíticos, que constituem geralmente parte significativa dos espólios funerários destes monumentos, embora a relação entre os dois grupos de matérias-primas não seja sempre proporcional; com efeito, alguns monumentos baixo-alentejanos possuem reportório cerâmico significativo, sem que tal seja acompanhado pela indústria lítica, como é o caso da tholos do Monte das Pereiras (Serralheiro & Andrade, 1961). Talvez, em parte, no caso em apreço, esta falta seja mais aparente que real, tendo presente o completo esvaziamento da câmara do monumento aquando da sua reutilização, com a fractura das peças cerâmicas, mais frágeis, e o fácil extravio dos artefactos líticos, por serem de menores dimensões. Tal reutilização deu-se no Bronze Final / inícios da Idade do Ferro, nas condições já descritas. Também para este fenómeno, são vários os paralelos encontrados, tanto no Bronze Final, como na Idade do Ferro do sul de Portugal, inventariados em estudo anterior (Cardoso, 2004): os exemplos mais expressivos são os das tholoi do Barranco da Nora Velha, Ourique (Viana, 1962) e do Monte do Outeiro, Aljustrel (Schubart, 1965); mas outros se poderiam citar, como o achado de uma fivela do tipo Acébuchal, segundo a classificação de E. Quadrado, no exterior da tholos do Cerro do Gatão (Almeida & Ferreira, 1967), ou as duas reutilizações no Bronze Final e na II Idade do Ferro da cista megalítica do Cerro das Antas, Almodôvar (Viana, Ferreira & Andrade, 1957). Tais situações têm, no vizinho território andaluz, estreitas analogias. Com efeito, também nesta vasta região do sueste peninsular se identificaram abundantes reutilizações de sepulturas colectivas calcolíticas (Lorrio & Montero Ruiz, 2004). Contudo, os exemplos anteriores correspondem mais a adições de materiais aos primitivamente existentes, não requerendo limpezas e muito menos esvaziamentos de espaços sepulcrais anteriormente ocupados. É neste aspecto

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que ganha particular relevância o paralelo oferecido pela tholos da Roça do Casal do Meio, Sesimbra, onde, na câmara, foram identificados pelos escavadores, indícios de limpezas imediatamente antecedentes das duas inumações ali efectuadas no Bronze Final (Spindler et al., 1973/ 1974, p. 117). Com efeito, após a discussão das diversas hipóteses que têm sido apresentadas para explicar a ocorrência deste monumento de arquitectura única, no contexto peninsular, para a época a que tem sido atribuído, e verificadas que as próprias características desta são substancialmente mais simples que as indicadas pelos seus escavadores, ganha corpo a possibilidade mais lógica, a de se tratar de uma tholos calcolítica reutilizada (Cardoso, 2004), tal como o caso em apreço, dele constituindo o paralelo mais próximo. Os remeximentos no interior da câmara continuaram em épocas ulteriores, como se verificou noutros sepulcros megalíticos da região, realidade comprovada pela intensa fracturação dos recipientes do Bronze Final / inícios da Idade do Ferro. Com efeito, na vizinha povoação do Monte da Estrada, os escassos habitantes permanentes associavam a existência da tholos a uma antiga sepultura, sendo plausível que tal ideia tenha motivado alguma "exploração" em tempos pouco distantes, antecedendo os danos verificados na parte superior de alguns dos ortóstatos da câmara do monumento, que estiveram, aliás, na origem desta intervenção arqueológica.

É de assinalar que, provavelmente, terá sido apenas tumulado, no Bronze Final / inícios da Idade do Ferro, um indivíduo no monumento, cujo corpo foi depositado directamente sobre o chão primitivo da câmara; os restos atropológicos recolhidos, conquanto em muito mau estado de conservação, circunscrevem-se a algumas diáfises de ossos longos, mais resistentes, alguns ainda em conexão anatómica; apesar do seu mau estado, são, até ao presente, o único conjunto antropológico recolhido em sepulturas do tipo tholoi, tanto na serra algarvia, como em toda a vasta região confinante baixo-alentejana. A terminar, crê-se que o cuidado dispensado à conservação da estrutura posta a descoberto, através das acções efectuadas (Fig.18), deve ser salientado, não apenas por se tratar de condição indispensável à manutenção da sua integridade, como ainda por viabilizar o seu aproveitamento turístico-cultural, no âmbito da constituição de diversos circuitos de visita, de iniciativa da Câmara Municipal de Alcoutim. Enfim, importa referir que o difícil restauro dos materiais cerâmicos, indispensável para a reconstituição das formas originais, foi competentemente realizado no Laboratório de Arqueologia da Câmara Municipal de Alcoutim pela Eng.ª Manuela da Palma Teixeira, a quem se agradece. A totalidade do espólio arqueológico recolhido encontra-se no Depósito de Arqueologia da Autarquia.

Fig. 18 – Aspecto final da consolidação executada com colocação de blocos de grauvaque sobre geotêxtil estendido em todo o seu interior e embalado em matriz terrosa, posteriormente coberta por camada de gravilha miúda.

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Dez anos de trabalhos arqueológicos em Alcoutim Do Neolítico ao Romano

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29. Punhal Cobre Calcolítico Final (último quartel III milénio a. C.)

31. Taça em calote

26,5 x 3,5 x 0,5 cm

Cerâmica

Anta do Malhão

Calcolítico Final (último quartel III milénio a. C.)

N.º Inventário: NMA.182

Ø 12 cm e 5,1 cm alt. Anta do Malhão N.º Inventário: NMA.174

30. Ponta Palmela Cobre Calcolítico Final (último quartel III milénio a. C.) 6,7 x 1,5 x 0,4 cm Anta do Malhão N.º Inventário: NMA.183

32. Vaso de carena alta Cerâmica Calcolítico Final (último quartel III milénio a. C.) Ø 17 cm e 12,8 cm alt. Anta do Malhão N.º Inventário: NMA.175

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4 - A Anta do malhão4 Resumo A anta do Malhão é um pequeno monumento megalítico integralmente constituído por esteios de grauvaque cuja construção se reporta aos finais do IV milénio a.C., situado no topo de um cerro xistoso, culminante dos relevos da região, próximo da povoação de Afonso Vicente. Possui câmara poligonal e corredor, do qual apenas a entrada foi definida, por dois esteios fixados verticalmente. O restante espaço do corredor não foi afeiçoado, mantendo-se o afloramento xistoso primitivo no lugar onde deveriam ter sido fixados os restantes esteios laterais. Deste modo, verifica-se que a construção do sepulcro não foi concluída, apesar de o espaço correspondente ao interior da câmara se encontrar inteiramente ocupado por uma laje de grandes dimensões, o que obrigou a um elevado investimento. A colocação desta grande laje antecedeu a delimitação da câmara pelos respectivos esteios, os quais se encontram fixados por cunhas, encaixadas entre aquela e o lado interno destes. A primeira e única tumulação, efectuada na câmara e em parte do corredor, corresponde a época integrada em fase tardia do Horizonte de Ferradeira, dos finais do III milénio a.C. Sobre uma camada estéril, com cerca de 10 cm de potência, entretanto acumulada no interior da câmara, identificou-se um vaso liso, de carena alta, acompanhado de uma pequena taça em calote, também lisa, sob a qual jazia uma ponta Palmela de tipologia evoluída. No corredor, junto à câmara, recolheu-se um longo e estreito punhal, correspondendo a modelo de transição entre as produções calcolíticas e as argáricas. Trata-se, pois, de um conjunto funerário, selado e homogéneo, um dos poucos que, nestas circunstâncias têm sido claramente identificados no âmbito do Horizonte de Ferradeira, definido por H. Schubat em 1971, abrangendo o Baixo-Alentejo e o Algarve, com prolongamentos pela Andaluzia Ocidental. A única tumulação efectuada no monumento, correspondente a uma reutilização deste, foi acompanhada da erecção, no exterior do recinto, e do lado direito da entrada do mesmo, de uma estela, ostentando duas pequenas “fossettes” numa das faces, cuja fundação se fez ao nível definido por um empedrado com planta em ferradura, constituído por lajes alongadas de grauvaque, que circundam exteriormente a câmara do monumento. A disposição cuidada dos elementos deste empedrado indica que o monumento não possuía tumulus, à semelhança do verificado em outros monumentos funerários 4 O presente texto corresponde, no essencial, ao estudo publicado em 2010, pelos autores (CARDOSO, João Luís e GRADIM, Alexandra, 2010, A Anta do Malhão (Alcoutim) e o “Horizonte de Ferradeira”, “Actas do 7º Encontro de Arqueologia do Algarve”, Revista XELB, n.º 10, Silves, pp.55-72).

da região, de tipo cistóide, pertencentes a diversas épocas, do Neolítico Final/ Calcolítico à Idade do Ferro, explorados anteriormente pelos autores desta comunicação no concelho de Alcoutim.

AbsTrAcT The dolmen of Malhão is a small megalithic monument totally constituted by orthostats of graywacke whose construction dates from the late IV Millenium BC, located on the top of a schist-graywacke hill, dominating the regional reliefs close to the village of Afonso Vicente. It has a polygonal chamber and corridor, of which only the entrance was defined, by two orthostats fixed vertically. The remaining space of the corridor was not shaped maintaining the schistgreywacke rocky levelling in the place where the other lateral orthostats should have been. In this way, we can see that the construction of the sepulchre was not concluded though the corresponding space of the interior of the chamber is entirely occupied by a slate greywacke stone of large dimensions, which has obliged to a huge investment. The placing of this element has preceded the delimitation of the chamber by the respective orthostats, that if fixed by wedges, between it and the inner side of each orthostat. The first and unique tumulation performed in the chamber and part of the corridor, corresponds to an epoch integrated in the late phase of the Horizon of Ferradeira, in the final of the III millennium BC. Over a sterile layer with about 10/15 cm of thickness, meanwhile accumulated in the inner part of the chamber, we have identified a smooth carinated vase, accompanied by a small spherical callote cup, under which laid a Palmela point of evolved typology. In the corridor, next to the chamber, we have collected a long and narrow dagger corresponding to a model of transition between the chalcolithic and argaric metallurgic productions. It is a group of funerary pieces sealed and homogeneous, one of the few that in these circunstances have been clearly identified as belonging to the Horizon of Ferradeira defined by H Schubart in 1971, including the Baixo Alentejo and Algarve regions, with extensions to the Western Andaluzia. The sole deposition identified in the monument corresponds to a reutilization of it, and it was accompanied by the erection in the outside part of the precinct, and to the right side of it, of a stele showing one or two small fossettes in one of its faces. Its foundation was done at the level defined by a stone surface with a plant in horseshoe, constituted by elongated elements of graywacke, which surround in the exterior the chamber of the monument. The attentive disposition of that elements indicates that the monument did not possess tumulus, similarly to what was verified in other funerary monuments in the region, of the cist type, belonging to several epochs, from the Late Neolithic/Calcolithic to the Iron age, exploited previously by the authors in the municipality of Alcoutim.

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1 - iNtRoDução A Anta do Malhão (substantivo que significa amontoado de pedras intencionalmente constituído, em geral relacionado com a limpeza dos terrenos para a agricultura cerealífera), foi identificada em 1997 por um de nós (A. G.), na sequência de informação recebida de um funcionário da Câmara Municipal de Alcoutim que, no decurso das suas actividades cinegéticas, reparou no estranho conjunto formado por várias pedras fincadas ao alto, no topo do cabeço do mesmo nome. O monumento manteve-se inédito, apesar de, já naquele ano, o então Instituto Português de Arqueologia ter tomado conhecimento da sua existência, através da visita que técnicos da delegação de Silves do IPA ali efectuaram e, depois, por via do relatório não publicado apresentado pela referida Arqueóloga (Gradim, 1999).

2 - LoCALizAção e GeomoRFoLoGiA A intervenção arqueológica, efectuada em Setembro de 2004 e inscrita na categoria C (acções preventivas a realizar no âmbito de trabalhos de minimização de impactos devidos a empreendimentos públicos ou privados, em meio rural, urbano ou subaquático), foi motivada pela existência de um caminho florestal, aberto com maquinaria pesada, que atingiu a estrutura periférica do monumento, até então preservado, o qual, apesar de se encontrar num ponto destacado da paisagem e facilmente acessível, se manteve quase intacto por se encontrar dissimulado pela densa cobertura arbustiva de estevas (Cistus ladaniferus L.). A abertura do referido acesso veio alterar tal situação, aumentando a visibilidade do monumento, a qual, somada à evidente fragilidade deste, prenunciava a sua potencial destruição, a prazo, até por se integrar em zona de caça muito frequentada.

Fig. 1 – A localização da Anta do Malhão. Extracto da Carta Militar de Portugal (formato digital) na escala de 1/25 000, folha n.º 575, Lisboa, Instituto Geográfico do Exército, Secção de Fornecimento de Informação Geográfica, 2004 (reduzida). Cada lado da quadrícula corresponde a 1 Km.

As coordenadas do monumento são as seguintes: 37 º 29’ 01” Latitude Norte; 7º 32’ 30” Longitude Oeste de Greewich (Fig. 1). Trata-se de cabeço de contorno suave, atingindo cerca de 200 m de altitude, constituído por xistos do Carbonífero superior (Culm), integrando o conjunto dos pequenos relevos característicos daquela litologia, que Orlando Ribeiro designou sugestivamente por “mar de xisto”, por se assemelharem, pelo seu aspecto uniforme e monótono e, ao mesmo

Fig. 2 – O cerro do Malhão, ponto culminante da paisagem envolvente, no topo do qual se localiza o megálito.

tempo, variado e movimentado, à superfície de um vasto lençol de água. A referida elevação, no topo da qual se implanta o monumento (Fig. 2), corresponde a um dos relevos culminantes da região, dali se desfrutando uma magnífica paisagem panorâmica de 360º em redor. O local distancia cerca de 1 Km para Sul da povoação de Afonso Vicente (Monte, na terminologia da região), que é sede de freguesia, a onde se acede pela estrada municipal 507, que passa no sopé da elevação.

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3 - tRAbALhos eFeCtuADos

Assim, depois de desmatado o terreno, estabeleceu-se quadrícula, com vista à escavação do monumento e da sua área circundante (Fig. 4), por decapagens sucessivas, até se pôr a descoberto, na íntegra, toda a estrutura tumular e respectiva envolvência, que jazia a muito pequena profundidade (Fig. 5), registando-se a posição em planta dos materiais exumados, os quais deram entrada no Gabinete de Arqueologia da Câmara Municipal de Alcoutim.

Os trabalhos realizaram-se entre os dias 6 e 10 de Setembro de 2004, tendo sido dirigidos pelo primeiro signatário, depois de obtida, a 2 de Julho desse ano, a respectiva autorização, por parte do IPA, e contaram com o apoio permanente do segundo signatário, que, na qualidade de Arqueóloga da Câmara Municipal de Alcoutim, providenciou a disponibilização dos meios logísticos e materiais indispensáveis à realização dos trabalhos de campo. Os registos de campo foram executados por Alexandra Gradim, com o apoio de Fernando Dias, sendo a respectiva tintagem da autoria de Bernardo L. Ferreira, que também se encarregou dos desenhos dos materiais arqueológicos, exceptuando o vaso da Fig. 9, desenhado por F. Martins. Antes da intervenção, o monumento encontrava-se envolto em estevas (Fig. 3) e, à sua volta, acumulavam-se blocos de grauvaque, cuja presença estará na origem do topónimo.

Fig. 4 – Anta do Malhão. Vista do monumento em curso de escavação.

Fig. 3 – Anta do Malhão. Vista do monumento envolto em estevas, e parcialmente coberto por amontoado de blocos de grauvaque (“malhão”) antes da escavação.

Fig. 5 – Anta do Malhão. Vista parcial da área escavada, no final dos trabalhos, obtida do lado posterior do monumento, de pequenas dimensões. Note-se a existência de um empedrado, constituído por blocos alongados de grauvaque dispostos externamente, em torno da câmara, indício de que esta não seria coberta por tumulus.

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4 - ResuLtADos obtiDos 4.1 - Arquitectura Trata-se de monumento integralmente constituído por ortóstatos de grauvaque de dimensões modestas, rocha disponível localmente, integrando-se no conjunto dos pequenos dólmenes com câmara poligonal e corredor, comuns em outras regiões do país, como o sul da Beira Interior, recorrendo, também, ao mesmo tipo de matéria-prima (Cardoso, 2008). Tal não significa, contudo, que não existam grandes monumentos dolménicos – ainda que escassos – na região, com esteios de grauvaque, de grandes dimensões: é o caso das antas das Pedras Altas (Tavira) e da anta do Curral da Castelhana (Alcoutim) (Gonçalves, 1989). Assim, o comprimento total da estrutura funerária propriamente dita, correspondente apenas à sua câmara e corredor, é de 3,6 m e a largura máxima da mesma, observada na câmara é de apenas 1,5 m, medidos do lado externo (Fig. 9). Da câmara, subsistem aparentemente todos os cinco esteios que originalmente a integravam, cuja altura máxima não ultrapassa 1,0 m (Fig. 10), dos quais três ainda se encontram in situ, um tombado para o lado externo e o último como tal considerado, embora de menores dimensões, atravessado do lado esquerdo da câmara (Fig. 6). Esta encontra-se com a abertura voltada aproximadamente para ESE, orientação que, na generalidade, não sendo a mais comum aos monumentos da região de Reguengos de Monsaraz, é, ainda assim, neles frequente (Gonçalves, 1992, Fig. 2). A câmara comunica com corredor inacabado, cuja entrada se encontra definida, de ambos os lados, por dois esteios de grauvaque, de menor tamanho e, sobretudo, de muito menor altura do que os da câmara. O processo de fixação dos esteios ao substrato geológico, tanto os da câmara, como do corredor, foi garantido pela abertura de roços, reforçando-se a estabilidade através de grosseiras lascas de grauvaque funcionando como cunhas. Aspecto a realçar é a grande laje de grauvaque que ocupa integralmente o chão da câmara do monumento. Trata-se de um elemento de contorno natural aproximadamente hexagonal, tendo tal geometria condicionado a planta da câmara, uma vez que os esteios que a constituem se encostaram às faces laterais desta grande laje, sendo perfeitamentevisíveis as cunhas de pedra que se fixaram entre esta e aqueles, por forma a assegurar a sua estabilidade (Fig.7 e 8).

Face à orientação que foi dada ao corredor, verifica-se que este monumento não possui esteio de cabeceira, já que a zona da câmara directamente oposta à sua entrada corresponde à reunião de dois esteios (Fig. 9). Esta situação pode ficar a dever-se à prévia orientação do corredor, determinada pelos dois esteios que marcam a sua entrada, podendo tal facto, eventualmente, estar na origem do abandono do monumento, quando dele já estava construída a câmara. Outra particularidade notável deste monumento observase na área do corredor. Com efeito, as duas lajes cravadas no substrato geológico, que delimitam de ambos os lados a sua entrada, não foram prolongadas por outras, encontrando-se o espaço intermédio, até à entrada da câmara, por regularizar e desprovido de esteios (que nunca ali foram colocados), ocupado pelo substrato geológico em bruto (Fig. 6 e 7). Esta realidade encontrasse particularmente evidenciada pela existência de uma bancada de grauvaque proeminente, no interior do espaço correspondente ao corredor e a uma cota mais elevada que a da câmara (Fig. 7), que seria forçoso rebaixar para regularizar o interior do monumento. Em conclusão, verifica-se que o corredor deste monumento, cuja construção se iniciou pela entrada, definindo desde logo a sua orientação, ficou inacabado, contrastando com o cuidado dispensado à câmara, pela colocação da grande laje que preenche integralmente o seu interior, aspecto que se afigura inédito no quadro do megalitismo do território português. O exterior do monumento encontra-se envolvido por um empedrado constituído por lajes de grauvaque, em geral alongadas, dispostas em torno da câmara do monumento, definindo espaço em forma de ferradura (Figs. 5, 6 e 9). Este cuidado revestimento do terreno supõe que o monumento era, aquando da sua utilização funerária, desprovido de tumulus. Com efeito, esta estrutura periférica encontra-se directamente relacionada com a existência de uma estela, a seguir descrita, cuja implantação no terreno se efectuava ao mesmo nível, ficando no entanto por esclarecer se o empedrado é reportável à fase de construção do dólmen, ou já à sua reutilização, conotável com a erecção da estela, alternativa que se afigura mais provável.

Fig. 6 – Anta do Malhão. Vista total da área escavada, no final dos trabalhos, obtida do lado frontal do monumento. Evidencia-se, em primeiro plano, o substrato geológico, quase aflorante e os dois primeiros esteios do corredor, cravados naquele, em orientação discordante à da estratificação, o que, tornando muito mais difícil a sua implantação, é prova de que a orientação adoptada fora previamente definida.

Fig.7 – Anta do Malhão. Aspecto geral da câmara do monumento, integralmente ocupada por uma grande laje de grauvaque, à volta da qual se ajustaram os diversos esteios, através de cunhas, bem visíveis na imagem. Em primeiro plano, aflora uma proeminente bancada de grauvaque, a qual teria de ser rebaixada para a ligação do corredor à câmara do monumento, não concluída.

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A Anta do malhão A estela possui formato tabular e contorno sub-rectangular (Fig. 11), é de grauvaque, com o comprimento máximo de 1,23 m e a largura máxima, atingida a meia-altura, de 0,57 m, e jazia tombada no exterior da câmara e do seu lado direito, local onde, originalmente, se devia erguer (Fig. 9). Encontra-se decorada na face frontal por uma “covinha” de pequenas dimensões, no centro da metade superior daquela, com o diâmetro de 0,03 m, produzida por picotagem e aparentemente com acabamento obtido por abrasão, como sugere a superfície regular do seu interior. A esta “covinha”, junta-se provavelmente uma outra, de menores dimensões, menos evidente, situada a meio da mesma face do monumento. A erecção da estela, de carácter funerário, relaciona-se sem dúvida com a utilização funerária do monumento, no final do Calcolítico. É a esta mesma época que

remontará a totalidade do espólio arqueológico, correspondente a uma tumulação ali realizada. Deste modo, a estela estaria associada à sua primeira e única utilização. Tal conclusão é de grande relevância, por remeter para a época daquela tumulação a génese das estelas ditas de “tipo alentejano”, que, logo depois, se irão multiplicar nas necrópoles de cistas do Bronze do Sudoeste. Esta estela assume ainda um interesse adicional, correspondente à representação de uma ou duas covinhas, elemento que, sem poder ser atribuído a nenhuma época em particular, se afigura possuir aqui carácter funerário, à semelhança do conjunto de covinhas observadas no esteio do lado direito da entrada do corredor da tholos de Tituaria (Mafra) (Cardoso et al., 1996, Figs. 12, 13).

Fig. 9 – Anta do Malhão. Planta da área escavada, com a localização dos cortes e dos espólios exumados.

Fig. 8 – Anta do Malhão. Vista da grande laje de grauvaque que ocupa integralmente a câmara do monumento.

Fig. 10 – Anta do Malhão. Cortes longitudinais (AA`) e transversais (BB´ e CC´).

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4.2 - espólio arqueológico Condições de jazida O espólio arqueológico encontrava-se depositado a escassa profundidade, a partir da superfície do terreno depois de limpo, que não ultrapassava os 20 a 25 cm. Dispunha-se sobre uma camada terrosa amarelada, com cerca de 10 a 15 cm de potência, que se acumulou na câmara do monumento, sobre a laje que constitui o seu embasamento primitivo, e no corredor. A formação desta camada pode ser, deste modo, conotável com o intervalo de tempo que mediou entre a construção do dólmen, no Neolítico Final convencional, nos últimos séculos do IV milénio a.C., e a sua reutilização, cerca de mil anos depois, na transição do Calcolítico para a Idade do Bronze. É provável que a deposição funerária então ali efectuada, corresponda a rearranjos localizados do pequeno megálito pré-existente, como sugere a existência de uma laje disposta horizontalmente, próximo do local onde se recolheu um punhal, que pode corresponder à cobertura da sepultura (Fig. 16). No conjunto, o espólio exumado configura uma situação considerada à partida pouco provável: com efeito, não obstante o monumento se situar em local de grande visibilidade e ser facilmente acessível, o seu interior revelou uma inumação intacta, conservando-se os materiais a ela associados ainda nas posições em que primitivamente foram colocados, não obstante a pouca profundidade a que jaziam. Este aspecto faz com que os materiais exumados assumam relevante importância na discussão do significado cronológico e cultural do Horizonte de Ferradeira, nos quais se inserem, como se verá.

Vaso de bojo reentrante, de carena alta (Fig. 12). Recipiente liso, completo e encontrado in situ, no espaço constituído pela reunião dos dois esteios do lado direito da câmara (Fig. 9), ligeiramente inclinado sobre um dos lados, com a altura máxima de 12,8 cm e o diâmetro máximo, verificado no bojo, junto à carena, de 18,5 cm. Trata-se de forma que evoca recipientes do Bronze do Sudoeste, dos quais se admite ter sido o precursor.

taça em calote (Fig. 13). Recipiente liso, completo e também

Fig. 11 – Anta do Malhão. Vista da estela identificada do lado direito do monumento (ver Fig. 9) e respectivo desenho, evidenciando-se uma ou duas covinhas, na sua face anterior.

recolhido in situ, do lado esquerdo da câmara e perto da entrada desta (Fig. 9). Pela sua posição, conteria seguramente alguma substância, utilizada como oferenda. Possui a altura máxima de 5,4 cm e o diâmetro máximo de 12,0 cm. Trata-se de forma de ampla distribuição cronológica e

Fig. 12 – Anta do Malhão. Desenho do vaso de carena alta recolhido e sua localização na câmara do monumento (ver Fig. 9).

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A Anta do malhão geográfica, estando representada em contextos homólogos (caso das próprias sepulturas de Ferradeira) e, logo depois, nas necrópoles de cistas do Bronze do Sudoeste.

ponta palmela (Fig. 14). Sob a taça em calote, foi recolhida uma ponta Palmela, de cobre arsenical, com a ponta orientada para Noroeste, ou seja, para o interior da câmara funerária. A posição deste projéctil, tal como foi encontrado, leva a concluir que não esteve fixado à haste aquando da sua deposição, de cunho evidentemente ritual. Do ponto de vista tipológico, trata-se de exemplar evoluído, no quadro das pontas Palmela, de contorno lanceolado e pedúnculo largo e pouco diferenciado da folha, distinguindo-se dos exemplares mais antigos, em que esta, larga e de contorno rombóide mais acentuado, se encontra claramente diferenciada do estreito pedúnculo (Garrido-Pena, 2000, p.179).

Naturalmente, esta conclusão baseia-se numa tendência estatística observada por aquele autor, já que é certo, como bem assinala, terem os diversos tipos coexistido num mesmo conjunto funerário fechado, como o de Fuente Olmedo. A referida evolução pode ser seguida até às pontas de javalina, cujo melhor conjunto peninsular corresponde ao depósito secundário encontrado no dólmen de La Pastora (Sevilha) (Almagro, 1961), e que possui no exemplar do Outeiro de São Bernardo (Moura) (Cardoso, Soares & Araújo, 2002) o seu equivalente português mais notável, por via do estreitamento da folha e do aumento do comprimento do pedúnculo. As dimensões do presente exemplar são as seguintes: comprimento máximo: 6,2 cm; largura máxima, observada na parte central da folha: 1,3 cm.

punhal (Figs. 9, 15 e 16). No lado esquerdo do exterior da câmara (Fig. 9), recolheu-se um belo punhal, disposto transversalmente ao eixo do corredor (incompleto) do monumento, com a ponta orientada para Sul (Fig. 15). Aparentemente, esta peça jazia em posição remexida; mas tal hipótese

Fig. 13 – Desenho da taça em calote (em cima) e sua localização na câmara do monumento (ver Fig. 9).

parece contrariada pela sua posição no terreno, rigorosamente horizontal, além de ser artefacto que, pelas suas dimensões, não passaria despercebido a qualquer pesquisador de tesouros, contrariando, por tal facto, aquela hipótese. A sua posição deverá antes relacionar-se com a deposição de um corpo que ocuparia parte da câmara e o espaço a ela imediatamente adjacente. As suas dimensões actuais (pois falta-lhe a ponta), são as seguintes: Comprimento máximo: 26,2 cm; largura máxima, correspondente à zona do encabamento: 3,3 cm. Trata-se de um punhal de duplo gume de secção lenticular, de cobre arsenical, de características muito invulgares, no quadro das produções dos finais do Calcolítico e dos inícios da Idade do Bronze do sul peninsular. Com efeito, apesar de possuir uma folha de tipologia muito evoluída, estreita e acentuadamente longa, a tal ponto que os bordos laterais apresentam contorno ligeiramente côncavo, sublinhando a elegância da peça, com paralelos próximos nas produções argáricas, o encabamento, ao contrário do

Fig. 14 – Desenho da ponta Palmela e sua localização sob a taça em calote da Fig. anterior (ver Fig. 9).

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A Anta do malhão verificado no conjunto dos exemplares compulsados daquela época (Brandherm, 2003), não é assegurado por rebitagem, distinguindo-se, por seu turno, dos exemplares calcolíticos, por apresentar um talão batido e de contorno convexo, desprovido, ao contrário daqueles, da característica lingueta ou do pedúnculo de encabamento, ou ainda de chanfros ou entalhes laterais destinados ao mesmo fim. Trata-se, pois, de uma produção híbrida, tipologicamente evoluída, claramente afim dos punhais argáricos, mas

conservando a tradição calcolítica de encabamento sem recurso a rebitagem, ao contrário do observado na generalidade daqueles. Tanto a ponta Palmela como o punhal já foram analisados, no âmbito do Projecto de Investigação sobre Arqueometalurgia do território português, aprovado pela Fundação para a Ciência e a Tecnologia (Projecto PTDC / HIS-ARQ / 110 442 / 2008).

5 - DisCussão e iNteGRAção CRoNoLóGiCo-CuLtuRAL 5.1 - Arquitectura Os aspectos peculiares de carácter construtivo observados neste monumento, quase não têm paralelos em outros monumentos congéneres portugueses. Assim, parece ser a segunda vez que se documenta a existência de monumento não concluído, fornecendo, pelos pormenores observados, interessantes elementos sobre a sequência construtiva adoptada. A primeira vez que se identificou no território português um monumento dolménico nestas mesmas circunstâncias, com base em escavações inéditas de Victor S. Gonçalves, corresponde à anta 1 da Cegonha (Alvito), a qual, dos sete esteios que originalmente deveriam constituir a câmara, só seis foram erigidos, não tendo a fundação do último sido sequer preparada, tal como todo o corredor. O referido monumento vem confirmar, por outro lado, a sequência construtiva evidenciada na anta do Malhão, a qual se iniciaria pela câmara, seguindo-se o corredor. Logo que construída a câmara, a posição e orientação do corredor foi determinada pela fixação dos dois primeiros esteios, fincados de cada lado da futura entrada do monumento. Mas a construção do corredor não chegou a concluir-se. As razões para essa situação poderão residir no facto de, prolongada a orientação do corredor para o interior da câmara, esta não intersectava nenhum esteio, correspondendo antes à junção de dois deles, conduzindo assim a um monumento desprovido de cabeceira. Deste modo, apesar do elevado esforço já investido, especialmente na obtenção e colocação da grande laje que ocupa integralmente o chão da câmara, o monumento, não reunindo condições para ser concluído, foi abandonado. A situação descrita leva a concluir que a orientação do corredor era a única correcta, a tal ponto que não podia sofrer alterações, apesar de ser muito mais fácil de alterar que a posição da câmara. Não podendo aquela ser alterada, por prescrições que desconhecemos – para o que bastaria colocar os dois esteios de entrada numa outra posição – e estando já integralmente construída a câmara, para que esta tivesse um esteio de cabeceira, como exigiriam os cânones da época, os construtores seriam obrigados a desmontá-la integralmente, o que preferiram não fazer, ao menos naquela

Fig. 15 – Vista obtida do lado esquerdo do corredor do monumento, assinalando-se com uma circunferência a localização do punhal, disposto horizontalmente e em posição transversal ao corredor. Em segundo plano, ao fundo, observa-se a povoação de Afonso Vicente, cerca de 1 km para Norte.

altura. Desconhecem-se as razões que levaram a que tal iniciativa não tenha sido tomada, talvez porque o sepulcro não tivesse necessidade de ser utilizado de imediato, à semelhança do verificado em dólmen explorado por Jorge de Oliveira no Nordeste alentejano, entretanto derruído por causas sismológicas, que concluiu também não ter sido objecto de utilização funerária, dada a absoluta ausência de espólio. Esta observação leva a admitir que a ausência de espólios em outros monumentos dolménicos espalhados pelo território nacional possa, entre outras, possuir esta explicação. Por outro lado, a prática de revestir integralmente o chão da câmara do monumento dolménico com uma grande laje, não encontra paralelo, que se saiba, em nenhum outro monumento similar do actual território português, muito embora, ainda de acordo com informações prestadas por aquele arqueólogo, se conheçam antas cuja câmara foi forrada por empedrado de lajes, como é o caso da anta da Joaninha (Cedillo) e, em território português da anta da Horta, em terrenos da Coudelaria Nacional (Alter do Chão). Situação idêntica registou-se na Anta 6 do Couto da Espanhola (Idanha-a-Nova), onde, no interior da espaçosa câmara poligonal deste monumento, foi colocada uma grande laje de xisto, muito regular, sobre a qual se terá depositado um corpo, acompanhado de oferendas (Cardoso, 2008). Já no respeitante às tholoi, existem mais informações a tal respeito: assim, a câmara do monumento de Monte Velho (Ourique), encontrava- se totalmente forrada de lajes (Viana, Andrade & Ferreira, 1961). No Algarve, o interior de diversas tholoi da nedrópole de Alcalar, exploradas por Estácio da Veiga, encontravam-se também total ou parcialmente forradas por lajes, destacando-se o notável monumento 7 da necrópole de Alcalar, cujo corredor e câmara foram totalmente revestidos por lajeado, observando-se, nesta última, uma enorme laje que preenche a maior parte do respectivo piso (Morán e Parreira, 2004:95). No próprio concelho de Alcoutim, é de mencionar a tholos da Eira dos Palheiros, cuja câmara também se encontrava integralmente forrada de lajes (Gonçalves, 1989).

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5.2 - espólio arqueológico A fase representada pela construção do monumento, atribuível a finais do IV milénio a.C., não tem equivalente no registo arqueológico móvel, dado que aquele, tendo ficado inacabado, não foi utilizado. Assim, o espólio exumado pertence integralmente a uma única reutilização, verificada cerca de mil anos depois, quando, no interior da câmara, já se tinha acumulado uma fina camada amarelada, fortemente argilosa, com cerca de 10 a 15 cm de espessura. Foi sobre esta camada que se efectuou a deposição de um corpo, do qual nada se conseguiu recolher. O conjunto arqueológico exumado revela a sepultura de um personagem pertencente à superstrutura social que exercia o poder. Com efeito, além da ponta Palmela, artefacto comum em conjuntos similares, assume particular importância o belo punhal, cuja existência, por si só, denuncia o nível social do inumado no seio da comunidade a que pertencia. Infelizmente, como é normal nestes casos, desconhecem-se os locais habitados na região por estas comunidades dos finais do Calcolítico/inícios da Idade do Bronze, sendo natural que, antecedendo a situação verificada logo a seguir, no decurso do Bronze do Sudoeste, correspondessem a pequenos aglomerados onde se praticava, além de uma economia agropastoril de subsistência, a exploração das mineralizações cupríferas disseminadas pela região. As características tipológicas do punhal, sem dúvida a peça mais relevante do espólio exumado, são condizentes com a tipologia do vaso liso recuperado e com as características evoluídas da ponta Palmela, remetendo a tumulação para o período de transição entre o Calcolítico e a Idade do Bronze. Tal período encontra-se representado, na área do Sudoeste peninsular, pelo “Horizonte de Ferradeira”, designação proposta por H. Schubart (Schubart, 1971), a partir do espólio exumado numa sepultura cistóide individual, que fazia parte de um conjunto de três, identificadas no sítio epónimo, do concelho de Faro (Franco & Viana, 1948). As cistas afins à de Ferradeira, cujas características e espólios foram comparados por H. Schubart a outras, do Algarve e do Baixo Alentejo (Vila Nova de Milfontes, Odemira, Aljezur e Aljustrel), por vezes com base apenas em semelhanças tipológicas, consubstanciariam uma realidade material, a que Schubart atribuiu significado cronológico-cultural próprio. Fig. 16 – Desenho do punhal e sua localização na zona do corredor do monumento

Definido com base em um conjunto artefactual cuja coerência interna não se encontrava à época cabalmente demonstrada,

de carácter exclusivamente funerário, o referido termo passou a designar as associações artefactuais de afinidades campaniformes, mas das quais os vasos campaniformes decorados já não faziam parte integrante, mas apenas os seus equivalentes lisos, abarcando todo o sul do território português e parte da Andaluzia ocidental. A sepultura epónima correspondia a uma cista que continha uma taça de carena baixa lisa (afim das da Idade do Bronze), um braçal de arqueiro e uma ponta Palmela de cobre, de tipologia evoluída, tal como a do exemplar exumado na anta do Malhão, a que se juntava, oriundo de outra sepultura do mesmo local, uma pequena taça em calote, igualmente com paralelo na taça recuperada no monumento em estudo. A este conjunto associar-se-iam outras produções campaniformes características, como os punhais de lingueta, que na verdade ocorrem em outros conjuntos supostamente isolados. Estas cistas têm provavelmente antecedentes locais. Porém, a única até ao presente objecto de escavação, foi a cista do Cerro do Malhão, Alcoutim, a qual se encontrava, tal como o monumento em apreço, circundada por empedrado de lajes de grauvaque, o que indica a ausência de tumulus; embora violada, forneceu um machado intacto de anfibolito e uma ponta de seta curta, de base cavada, de tipologia claramente calcolítica, além de um pequeníssimo fragmento de placa de xisto gravada (Cardoso e Gradim, 2003). Porém, aparte a informação fornecida pelas sepulturas de Ferradeira, que de facto correspondem a contextos homogéneos e fechados, o suporte material daquela realidade arqueológica afigurava-se pouco consistente, já que se baseava, essencialmente, em escavações antigas de que resultaram peças cujas associações contextuais nem sempre se afiguram claras. É o caso do conjunto atribuído a uma sepultura secundária efectuada na tholos do Monte do Outeiro (Aljustrel), a qual continha dois vasos campaniformes lisos, dois vasos de carena alta de perfil suave, com afinidades ao exemplar exumado na sepultura em apreço, uma ponta Palmela igualmente de tipo evoluído e um conjunto de taças em calote ou de esféricos baixos (Schubart, 1965), também lisos, alguns deles idênticos à taça do monumento em estudo. Face ao exposto, assume particular interesse a presente ocorrência, já que, na região algarvia, é a primeira, depois da sepultura de Ferradeira a poder ser invocada em apoio daquela proposta. O paralelo mais directo e sugestivo corresponde à inumação secundária, também de carácter

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A Anta do malhão individual, recentemente identificada no monumento calcolítico de Monte da Velha (Serpa) (Soares, 2008; Soares et al., 2009), à qual se associaram três recipientes lisos, colocados uns dentro dos outros: uma taça em calote, um esférico baixo e um vaso campaniforme. Pela primeira vez, foi possível obter datação absoluta para uma inumação pertencente a este horizonte cultural: Beta-194027 – 3900 ± 40 BP, a qual, depois de calibrada, fazendo uso do programa CALIB Rev 5.0.1 e da curva INTCAL04, para dois sigma, deu o seguinte intervalo: 2479-2280 cal BC (0,97096 em 1,00000). Pode, pois, concluir-se, que a tumulação secundária individual do monumento de Monte da Velha, se situará no terceiro quartel do III milénio a.C., época que corresponderá, no sul de Portugal, no entender de A. M. Monge Soares, à transição do Calcolítico para a Idade do Bronze. Crê-se, no entanto, que tal transição se prolongou pelo último quartel do III milénio a.C., aceitando-se, tanto por questões de carácter económico-social – com antecedentes no decurso do Calcolítico, como é o caso da emergência e generalização da prática do sepultamento individual, que substituiu o colectivo – como de carácter temporal, que a tal período se inclua no Bronze Inicial, na sequência das propostas apresentadas por diversos autores (Mataloto, 2006), o qual seria sinónimo, no sul do país, do chamado Horizonte de Ferradeira. Com efeito, a emergência do Bronze do Sudoeste, equivalente do Bronze Pleno, neste espaço geográfico, só se terá verificado, de acordo com as datações conhecidas, tanto de sítios habitacionais como funerários da Estremadura portuguesa e da região do Sudoeste, incluindo a Extremadura espanhola (caso do Castelo de Alanje, Badajoz), no primeiro quartel do II milénio a.C. (ver síntese em Mataloto, 2006), pelo que o último quartel do III milénio a.C. deve integrar-se ainda naquele período de transição. Por outro lado, a tumulação em apreço, pela tipologia do espólio, sugere época mais recente que as associações fechadas até agora publicadas e atribuídas ao Horizonte de Ferradeira. Com efeito, ao contrário do verificado com a generalidade daquelas, não ocorre nenhum vaso campaniforme liso, afigurando-se o recipiente de carena alta como

um elemento de transição entre as produções campaniformes (vasos campaniformes, e, sobretudo, caçoilas de diversos tipos) e os recipientes carenados do Bronze do Sudoeste. Nesse mesmo sentido concorre a tipologia do punhal, que, como se referiu, corresponde a forma de transição entre as panóplias calcolíticas e as da Idade do Bronze, sendo claramente mais próximo destas últimas produções. Deste modo, crê-se que a cronologia a atribuir à tumulação da anta do Malhão se deve incluir nos finais do III milénio a.C., imediatamente antes da emergência do Bronze do Sudoeste na região, no primeiro quartel do milénio seguinte. Note-se que este processo de transição não foi uniforme nem conheceu as mesmas balizas cronológicas em outras áreas do sul peninsular. No Baixo Guadalquivir, a necrópole de Guadajira (Badajoz), atribuída a esse curto período de transição para a Idade do Bronze, corresponderá às últimas expressões das sepulturas colectivas. Na sepultura 3, a par de um fragmento de vaso campaniforme inciso, foram recolhidos fragmento de punhal de lingueta, cinco pontas Palmela e assinalável conjunto de cerâmicas lisas, entre as quais formas típicas do Bronze do Sudoeste (Hurtado Pérez & Garcia Sanjuán, 1994, Figs. 7 a 13). Admitindo, como os autores referidos, que as produções de tipologia mais moderna, claramente integráveis no Bronze do Sudoeste, sejam de facto coevas das produções campaniformes decoradas – veja-se, por oposição, a situação descrita por Schubart, em 1971, na sepultura megalítica calcolítica do Colado de Monte Nuevo, Olivenza, onde se identificou reutilização funerária no Bronze do Sudoeste, cf. Schubart, 1973, o que justifica cuidados redobrados na interpretação da realidade material – tal obrigaria a considerar uma sobrevivência das produções campaniformes no decurso da primeira metade do II milénio a.C., o que, em Portugal, não se terá certamente verificado. Note-se que H. Schubart integrou fragmento de taça Palmela com decoração a pontilhado recolhida em Aljustrel – então o único exemplar publicado no Baixo Alentejo – entre os “itens” do seu Horizonte de Ferradeira, o que se afigura contraditório à sua própria definição (Schubart, 1971, Fig. 3 a). Em suma: o Horizonte de Ferradeira, corresponderá, globalmente, no sul do País, à segunda metade do III milénio a.C. Num primeiro momento, reportável ao terceiro quartel do III milénio a.C., assistiu-se à realização de tumulações individuais, aproveitando, para o efeito, monumentos anteriores, como é o caso de Monte do Outeiro e de Monte da Velha, com a presença de vasos campaniformes lisos. Tal prática vem na sequência da tradição campaniforme

plenamente afirmada no período imediatamente anterior, de que são exemplo as tumulações secundárias com materiais campaniformes decorados incisos, associados ou não a vasos campaniformes lisos, observadas em diversos monumentos dolménicos alto-alentejanos (Mataloto, 2006). Num segundo momento do Horizonte de Ferradeira, já do último quartel do III milénio a.C., corporizado de momento apenas pelo caso em apreço e talvez pela necrópole de Ferradeira, parece verificar-se a ausência de vasos campaniformes, substituídos por produções cerâmicas afins das do Bronze do Sudoeste, mantendo-se as pontas Palmela, e desaparecendo os punhais de lingueta, por sua vez substituídos por exemplares afins de alguns modelos argáricos, como é o caso em apreço. Traço comum aos dois momentos,

foi a manutenção da prática de tumulações individuais, aproveitando estruturas pré-existentes, como é o caso da anta do Malhão, ou construídas de novo, como a cista de Ferradeira, com antecedentes locais, evocando continuidade no campo das práticas funerárias: é o caso da cista megalítica do Cerro do Malhão (Alcoutim), atribuída ao Neolítico Final ou ao Calcolítico a qual, tal como a anta do Malhão, era provida de um lageado periférico à estrutura tumular (Cardoso e Gradim, 2003), à semelhança do verificado em cistas muito mais modernas, já da Idade do Ferro, como as dos núcleos I e II da necrópole do Cabeço da Vaca (Alcoutim) (Cardoso e Gradim, 2006, 2007), o que parece configurar particularidade regional de carácter transcultural.

6 - Conclusões A escavação da anta do Malhão, realizada com carácter preventivo, tendo presentes os factores que poderiam conduzir, a breve trecho, à sua destruição, permitiu identificar diversas realidades que importa sublinhar, dada a sua relevância, tanto para o conhecimento do megalitismo do sul peninsular, como para o reforço da plena legitimidade do “Horizonte de Ferradeira”, de que passa a constituir uma das ocorrências mais expressivas. Assim: 1 – Documentou-se a existência de um pequeno monumento megalítico, integralmente construído com monólitos de grauvaque, situável nos finais do IV milénio a.C., provido câmara poligonal e corredor, de pequeno tamanho, cuja construção não foi concluída, não tendo, por conseguinte, utilização primária como sepulcro, realidade que tem apenas um elemento de comparação compulsado em território português, ainda inédito: trata-se da anta 1 da Cegonha (Alvito). Tal situação permitiu, assim, comprovar, pela primeira vez, a sequência construtiva adoptada: • em primeiro lugar, posicionou-se no terreno, depois de convenientemente regularizado o substrato xisto-grauváquico na área da câmara do monumento, a grande laje que ocupa a totalidade do interior daquela; • seguidamente, ajustaram-se aos lados daquela grande laje, de contorno sub-hexagonal, por meio de cunhas

constituídas por lascas de grauvaque, os cinco esteios, também de grauvaque, que a delimitaram lateralmente; • à construção da câmara, sucedeu-se a do corredor, encetando-se esta pela entrada, previamente definida pelos dois esteios que o delimitariam de ambos os lados, mas que não foi continuada: faltou regularizar, por rebaixamento, o substrato geológico no espaço entre a entrada e a câmara, o qual também não foi delimitado por outros esteios, para além dos dois já referidos. Tanto quanto é do conhecimento dos signatários, trata-se da primeira vez que tal situação se publica no território português; é interessante notar que os estratos, quase verticais, que afloram no local, constituídos por xistos finamente folheados, com intercalações de bancadas de grauvaques, possuem uma orientação discordante da que se pretendeu dar ao corredor (Fig. 6) o que dificultou a sua construção; esta situação reforça a convicção que a orientação deste obedeceu a um critério rigoroso e objectivo, que desconhecemos; 2 – Apesar de inacabado, e das suas pequenas dimensões, o megálito mereceu cuidados construtivos especiais: assim, o interior da câmara encontra-se integralmente ocupado pela grande laje de grauvaque acima mencionada, conferindo ao piso uma robustez e regularidade assinaláveis.

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A Anta do malhão Note- se que é a primeira vez que se documenta em um monumento dolménico do território português tal solução arquitectónica, a qual, contudo, veio a ser ulteriormente adoptada em algumas tholoi, embora através de empedrados, e não por via de uma única laje, como é o caso. 3 – O exterior da câmara do monumento encontra-se envolvido por um empedrado com planta em ferradura, constituído por lajes de grauvaque alongadas. A regularidade da superfície assim construída, mostra que se destinava a ser vista e utilizada, o que obrigaria à ausência de cobertura tumular do monumento, à semelhança do verificado em diversas sepulturas cistóides da região, desde o Neolítico Final/ Calcolítico, até à I Idade do Ferro. Esta estrutura periférica pode ter sido construída na primeira fase do monumento, mas é mais provável que remonte à reutilização do mesmo. Com efeito, uma estela, encontrada tombada, do lado direito da câmara, sem dúvida relacionada com a única tumulação nele efectuada, implantava-se no terreno ao mesmo nível do lageado, pelo que é admissível que este constituísse elemento arquitectónico adicionado ulteriormente e integrado no espaço cénico que se pretendeu então construir. 4 – A estela erguia-se do lado direito da câmara do monumento e marcaria a única tumulação nele realizada. Pode, assim, considerar-se como antecedente imediata – e até agora única – das numerosas estelas do Bronze do Sudoeste, ditas de “tipo alentejano”, implantadas nas respectivas necrópoles de cistas. Apresenta-se, ao contrário destas,

quase sem decoração, visto possuir apenas uma (ou duas) pequenas covinhas, que poderiam simbolizar a personagem tumulada. 5 – Pela natureza dos artefactos, trata-se de tumulação de personagem masculina, que pertencia à elite guerreira de uma das pequenas comunidades que, nos finais do III milénio a.C. viviam na região, conhecidas até agora, exclusivamente, pelos respectivos testemunhos funerários e, ainda assim, de forma muito truncada e incompleta. 6 – A tipologia do vaso cerâmico, e, sobretudo, a do longo e estreito punhal, a par da ponta Palmela, indicam época avançada do Horizonte de Ferradeira, do qual constituem até o presente, o único testemunho fiável na região algarvia, desde a publicação da própria necrópole de cistas epónima, do concelho de Faro, em 1948. Trata- se, com efeito, de um conjunto arqueológico fechado e completo, e que, por tal facto, assume grande relevância para a discussão do conceito proposto por Schubart, cuja legitimidade vem confirmar, permitindo mesmo a consideração de um faseamento interno em duas fases: uma fase mais antiga, com vasos campaniformes lisos e punhais de lingueta de tradição campaniforme, datada do terceiro quartel do III milénio a.C., pela sepultura secundária do Monte da Velha (Serpa); e uma fase mais recente, representada por ora, apenas pela presente ocorrência e, eventualmente, pela própria necrópole do sítio epónimo de Ferradeira, do último quartel do III milénio a.C.

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Ao Prof. Doutor Jorge de Oliveira, pelas informações sobre diversos monumentos dolménicos do Alto Alentejo e do território fronteiriço de Cedillo (Espanha), por si explorados.

HURTADO PÉREZ, V. & Garcia Sanjuán, L. (1994) – La necrópolis de Guadajira (Badajoz) y la transición a la Edad del Bronce en la cuenca media del Guadiana. SPAL. Sevilla. 3, pp. 95-144. MATALOTO, R. (2006) – Entre Ferradeira e Montelavar: um conjunto artefactual da Fundação Paes Teles (Ervedal, Avis). Revista Portuguesa de Arqueologia. Lisboa. 9 (2), pp. 83-108. MORÁN, E. & Parreira, R. (2004) – O edifício tumular: um estudo arqueológico. In Alcalar 7 Estudo e reabilitação de um monumento megalítico (E. Morán & R. Pareira, coord.). Lisboa: IPPAR, pp. 65- 121.

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Ao Prof. Doutor Victor S. Gonçalves, pelas informações inéditas sobre a anta 1 de Cegonha (Alvito), de cuja escavação foi responsável.

GRADIM, A. (1999) – Relatório das prospecções arqueológicas no âmbito dos projectos florestais (inventário arqueológico) apresentado ao Instituto Português de Arqueologia. Alcoutim: Câmara Municipal de Alcoutim (relatório não publicado).

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Dez anos de trabalhos arqueológicos em Alcoutim Do Neolítico ao Romano

5 - Necrópole das Soalheironas

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Necrópole das Soalheironas

34. Vaso de carene média Cerâmica Bronze do Sudoeste (2000-1300/1200 a.C.) Ø 11,5 cm e 6 cm alt. Sepultura 7 Necrópole das Soalheironas N.º Inventário: NMA.262

35. Vaso globular baixo Cerâmica Bronze do Sudoeste (2000-1300/1200 a.C.) Ø 14 cm e 7 cm alt. Sepultura 28 Necrópole das Soalheironas N.º Inventário: NMA.259

36. Vaso de carena média Cerâmica 33. Vaso globular de colo alto Cerâmica Bronze do Sudoeste (2000-1300/1200 a.C.) Ø 16,5 cm e 20,5 cm alt. Sepultura 7 Necrópole das Soalheironas N.º Inventário: NMA.264

Bronze do Sudoeste (2000-1300/1200 a.C.) Ø 13 cm e 6,5 cm alt. Sepultura 6 Necrópole das Soalheironas N.º Inventário: NMA.263

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Necrópole das Soalheironas

37. Taça de carena baixa

39. Taça de carena baixa

Cerâmica

Cerâmica

Bronze do Sudoeste (2000-1300/1200 a.C.)

Bronze do Sudoeste (2000-1300/1200 a.C.)

Ø 10 cm e 4,5 cm alt.

Ø 16cm e 6 cm alt.

Sepultura 6 Necrópole das Soalheironas

Sepultura 10 Necrópole das Soalheironas

N.º Inventário: NMA.258

N.º Inventário: NMA.261

38. Taça de carena baixa

40 - Vaso de carena média

Cerâmica

Cerâmica

Bronze do Sudoeste (2000-1300/1200 a.C.)

Bronze do Sudoeste (2000-1300/1200 a.C.)

Ø 12 cm e 4,5 cm alt.

Ø 15 cm

Sepultura 24 Necrópole das Soalheironas

Sepultura 1 Necrópole Soalheironas

N.º Inventário: NMA.257

N.º Inventário: NMA.256

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Necrópole das Soalheironas

43. Punhal Cobre Bronze do Sudoeste (2000-1300/1200 a.C.) 11,6 x 3,8 x 0,4 cm Sepultura 4 Necrópole das Soalheironas N.º Inventário: NMA.296 41. Vaso de carena média Cerâmica Bronze do Sudoeste (2000-1300/1200 a.C.) Sepultura 4 Necrópole Soalheironas Med. Ø 16 cm e 6,5 cm N.º Inventário: NMA.255

42. Taça de carena baixa Cerâmica Bronze do Sudoeste (2000-1300/1200 a.C.) Sepultura 4 Necrópole das Soalheironas Ø 10,8 cm e 3,9 cm alt. N.º Inventário: NMA.260

44. Ponta de seta Cobre Bronze do Sudoeste (2000-1300/1200 a.C.) 4,2 x1,2 x 0,2 cm Sepultura 1 Necrópole das Soalheironas N.º Inventário: NMA.297

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Necrópole das soalheironas

5 - Necrópole das soalheironas5 Resumo

1 - LoCALizAção e CARACteRístiCAs GeoGRáFiCAs Do sítio

A escavação realizada em 2005 na necrópole das Soalheironas, permitiu identificar cerca de trinta sepulturas, maioritariamente do tipo cista, distribuídas por uma estreita e longa crista de xistos e grauvaques do carbonífero. Tanto a tipologia dos sepulcros, como o espólio que alguns deles conservava, conduziu à sua inclusão no Bronze do Sudoeste, passando a constituir uma das mais importantes ocorrências desta cultura arqueológica.

A identificação da necrópole da Idade do Bronze de Soalheironas, pertencente à freguesia e concelho de Alcoutim, deve-se a Helena Catarino, que, no entanto, se limita a apresentar a sua localização cartográfica, e a indicar-lhe o nome, “Cerro das Soalheironas”, sem qualquer outro elemento (Catarino, 1997/1998, 3: 1222-1223).

AbsTrAcT The excavation performed in 2005 in the necropolis of Soalheironas enabled us to identify about thirty graves, mainly cist-type, distributed along a narrow and long rocky ridge. Their typology, as well as the characteristics of the remains collected in some of them, lead to its inclusion in the “Bronze of the Southwest”, constituing one of the most important occurrences of this archeological culture.

5 O presente texto corresponde, no essencial, ao estudo publicado em 2008, pelos autores (CARDOSO, João Luís e GRADIM, Alexandra, 2008, A necrópole de cistas da Idade do Bronze das Soalheironas (Alcoutim). Primeira notícia dos trabalhos realizados e dos resultados obtidos, in “Promontoria”, Revista do Departamento de História, Arqueologia e Património da Universidade do Algarve, Ano 6, n.º 6, Faro, pp. 223-248).

As coordenadas do sítio são as seguintes: 7º 29’ 59” Long. W; 37º 30’ 27” Lat. N. (Fig. 1). A necrópole possui uma implantação no terreno claramente determinada pela sua topografia: com efeito, foi evidente a selecção de uma crista rochosa, estreita e alongada, com a altitude culminante de 133 m, constituída por alternâncias rítmicas de xistos e grauvaques do Carbonífero superior

(fácies “flysh”) ao longo da qual se implantou a necrópole, ocupando uma extensão superior a 100 m (Figs. 2, 3). O local dista cerca de 0,5 km para Oeste, em linha recta, do Guadiana, situando-se no limite da linha de relevos que bordeja o topo da encosta direita em que o rio se encontra entalhado, sendo profundamente recortada por vales de numerosos tributários laterais. Neste trabalho, pretende-se dar a conhecer os principais resultados obtidos, bem como a totalidade das peças do espólio, sem contudo se desenvolverem comparações tanto com necrópoles homólogas, como com os respectivos espólios, que se reservarão para um estudo de maior fôlego, a ser realizado ulteriormente pelos autores.

Fig. 1 – Localização da Necrópole das Soalheironas. Extracto da Carta Militar de Portugal (formato digital) na escala de 1/25 000, folha n.º 567, Lisboa, Instituto Geográfico do Exército, Secção de Fornecimento de Informação Geográfica, 2004 (reduzida).

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Necrópole das soalheironas

2 - obJeCtiVos No decurso de trabalhos de florestação levados a cabo na área da necrópole, já depois da sua identificação, foi aberto um estradão, que passa a escassos metros de algumas das cistas da necrópole, executado sem o conhecimento de um de nós (A.G.), na qualidade de Arqueóloga da Câmara Municipal de Alcoutim. Esta acção atingiu directamente a necrópole: a passagem de máquinas com lagartas sobre os topos de algumas sepulturas, teve como consequência o seu esmagamento, aspecto particularmente evidente depois da limpeza do terreno e da escavação das mesmas (Fig. 4).

3 - tRAbALhos ReALizADos Impunha-se, assim, uma escavação preventiva, face ao risco iminente em que se encontrava a necrópole, conducente à delimitação do espaço arqueológico que importaria preservar, tendo em vista a sua ulterior integração em roteiros de visita de carácter temático, à semelhança do já verificado para outros sítios arqueológicos do concelho de Alcoutim anteriormente intervencionados pelos autores.

Os trabalhos foram autorizados pelo Instituto Português de Arqueologia, depois de obtida a concordância da Doutora Helena Catarino, na qualidade de autora da identificação do sítio, quanto à intenção de se proceder à investigação da necrópole. As escavações, iniciadas a 22 de Agosto, viriam a terminar a 16 de Setembro de 2005, num total de vinte dias úteis de trabalho. No final da campanha, a necrópole foi dada como explorada na sua totalidade. Os trabalhos, nas duas primeiras semanas, corresponderam essencialmente à desmatação da densa cobertura de giestas, abrangendo a extensa área ocupada pela necrópole, tendo-se iniciado a escavação das duas primeiras sepulturas. Colaboraram nesta primeira fase dos trabalhos dois jovens integrados em programa OTL, organizado pela Câmara Municipal de Alcoutim, bem como outros colaboradores benévolos: Mário Areal, Gil Lopes e Patrícia Baptista. A segunda fase dos trabalhos, correspondeu às duas últimas semanas da presença da equipa, agora constituída por estudantes pré-universitários, ou já universitários. Nesta segunda fase dos trabalhos prolongou-se a área desmatada para poente, para abarcar a totalidade do espaço abrangido pela necrópole, ao mesmo tempo que prosseguiu a escavação sistemática das sepulturas entretanto postas a

descoberto, com o registo tridimensional e fotográfico sistemático dos artefactos que nelas se conservavam. Desta forma, foi possível reunir um abundante corpus documental, que fará parte integrante de futuro trabalho monográfico sobre a estação. Após a conclusão da escavação, os trabalhos de campo prosseguiram, com o levantamento topográfico da necrópole e respectiva ligação à rede geodésica nacional (trabalho a cargo do GAT de Tavira), a par do desenho de pormenor de cada uma das sepulturas e respectivos cortes, trabalho de que se encarregou o técnico da Câmara Municipal de Alcoutim Dr. Fernando Estêvão Dias e a segunda signatária desta obra. Estes desenhos foram ulteriormente tratados graficamente por Bernardo Ferreira, após revisão do primeiro signatário, tendo-se optado pela introdução de alguns destes elementos, para não sobrecarregar demasiadamente esta primeira contribuição com elementos gráficos. Os trabalhos de gabinete consistiram ainda no desenho integral de todos os artefactos recolhidos, os quais serão adiante apresentados, tarefa de que se encarregou, sob orientação do primeiro autor., os seus colaboradores Dr. Filipe Martins (cerâmicas) e Bernardo Ferreira (objectos metálicos).

Fig. 3 – Enquadramento paisagístico da necrópole, ao centro, evidenciando-se o rio Guadiana, que corre 0,5 Km a Oeste

4 - ResuLtADos obtiDos

Fig. 2 – Planta da necrópole com indicação das sepulturas que a integram. Levantamento topográfico (GAT - modificado).

Fig. 4 – A sepultura 12, depois de escavada, quase totalmente arrasada pela anterior passagem de máquinas de lagartas, que provocaram o esmagamento dos esteios de xisto que a definiam, até à base.

Descrever-se-ão de seguida, de forma sucinta, os aspectos mais relevantes que foram observados no decurso da escavação.

lado, ainda que se não tenham recolhido quaisquer restos humanos, a posição dos corpos, no interior das cistas, pôde ser, nalguns casos, reconstituída, graças à distribuição dos espólios recuperados.

4.1 - Rituais funerários

A pequenez de algumas sepulturas sugere a tumulação de crianças, tal como já se tinha observado numa das sepulturas (sepultura 4) da necrópole de cistas da Idade do Ferro do Cabeço da Vaca 1 (Cardoso & Gradim, 2006). É o caso da sepultura 5 (Fig. 5), a qual, com um dos esteios de topo deslocado para o interior do espaço funerário, mostra que o mesmo, inicialmente, se encontrava desprovido de terras. Noutros casos, são os esteios laterais que cederam para o interior. Deste modo, pode concluir-se que os corpos, tal

A acidez dos solos impediu a conservação de qualquer resto humano. Ficam, pois, por esclarecer os aspectos relacionados com a posição ocupada pelos corpos, a distribuição etária ou a repartição por sexos. Contudo, nos casos em que tais restos se conservaram, é usual a deposição em decúbito lateral, com braços e pernas flectidos, pois a tanto obrigava a exiguidade dos espaços disponíveis. Por outro

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Necrópole das soalheironas como o observado em outras necrópoles, como é o caso das necrópoles da Provença e da Quitéria (Silva & Soares, 1981: 145), seriam depositados no interior das câmaras que, ulteriormente, viriam a ser preenchidas de terras, por percolação através das juntas dos esteios, processo acelerado logo que as lajes de cobertura se fracturassem ou fossem removidas da sua posição primitiva.

Fig. 5 – Vista parcial e respectiva planta (total) do sector 2 – núcleo 1 da necrópole. Na foto, em primeiro plano, a sepultura 5, de pequenas dimensões, atribuível a criança, conservando de um dos lados parte da laje de cobertura, cuja cabeceira se encontra marcada por uma possível estela de grauvaque. Em segundo plano, entre esta sepultura e a sepultura 4, observa-se empedrado de planta sub-rectangular (ver planta), assente no substrato geológico, constituído sobretudo por blocos de grauvaque.

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4.2 - oRieNtAção DAs sepuLtuRAs e oRGANizAção DA NeCRópoLe A configuração linear da necrópole, determinada pela morfologia do local para a sua implantação – até agora sem paralelo nas necrópoles coevas do sul de Portugal – explica, também a orientação geral (com pequenas variações) das sepulturas, de ESE para WNW. Desta forma, pode concluir-se que, durante a utilização da necrópole, não se terão observado alterações ao nível do ritual funerário. Por outro lado, aquando da realização da escavação, que também progrediu de nascente para poente, foi-se tornando cada vez mais evidente a organização interna da mesma em diversos núcleos sepulcrais, constituídos por agrupamentos de sepulturas mais próximas (Figs. 5, 6). No

conjunto, podem considerar-se seis sectores, constituídos, respectivamente pelas seguintes sepulturas (Fig. 2): sector 1 - sepulturas 1 a 5 e 32 (sectores 1 e 2); sector 2 - sepulturas 6 a 9 (sector 3); sector 3 - sepulturas 10 a 12 (sector 4); sector 4 - sepulturas 13 a 20 (sector 5 a 7); sector 5 - sepulturas 21 a 28 (sector 8); sector 6 - sepulturas 29 a 31 (sector 9).

Estes sectores poderiam possuir carácter familiar, conforme foi sugerido em outros casos, identificados em necrópoles da mesma época, como a de Atalaia, Ourique (Schubart, 1965), em que a uma sepultura central, a do "fundador", se associaram, radialmente, muitas outras, constituindo uma estrutura em "favo". Esta hipótese deve, por outro lado, compaginar-se com outra realidade observada, a evidente concentração de sepulturas com espólio na parte mais oriental da necrópole. Com efeito, a contabilização da distribuição dos materiais arqueológicos exumados, é a seguinte: sector 1 - 6 sepulturas, com 2 peças metálicas e 4 recipientes; sector 2 - 4 sepulturas, 5 recipientes; sector 3 - 3 sepulturas, 1 recipiente; sector 4 - 8 sepulturas, 1 recipiente; sector 5 - 8 sepulturas, 2 recipientes; sector 6 - 3 sepulturas, desprovidas de espólio.

Fig. 6 – Vista parcial e respectiva planta (total) do sector 5 – núcleo 4 da necrópole, correspondente a um sector do cerro onde se construíram sepulturas lado a lado, mas sempre com a mesma orientação geral, de ESSE-WSW.

Assim, poder-se-ia admitir a constituição da necrópole, através da adição simultânea de sepulturas aos diversos núcleos que a integram, correspondendo os núcleos mais ricos aos elementos de um determinado segmento social, com maior destaque na comundade. Com efeito, o primeiro núcleo ocupa a posição de maior visibilidade na necrópole, enquanto o núcleo oposto, correspondente ao outro extremo do cerro, ocupa claramente posição de menor importância. Outra hipótese para a explicação destes núcleos poderá corresponder à progressão diacrónica da ocupação do cerro de nascente para poente, a partir da zona de maior visibilidade, que foi, deste modo, a primeira a ser ocupada; neste caso, a diferença de espólios observada poder-se-ia explicar pela existência de uma comunidade progressivamente mais empobrecida. Deixar-se-á para trabalho de maior fôlego a análise mais aprofundada desta interessante questão.

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4.3 - AspeCtos estRutuRAis e CoNstRutiVos mAis ReLeVANtes Um dos aspectos mais evidentes no conjunto das 32 sepulturas que integram a necrópole, é a sua abertura de acordo com a direcção das bancadas de xistos e de grauvaques, situação claramente evidenciada na Fig. 7. Enquanto os xistos se apresentam finamente folheados, os grauvaques, mais grosseiros, mostram bancadas mais espessas e salientes no terreno, por serem rochas mais resistentes à erosão. Assim, a primeira fase da construção de qualquer sepultura, correspondeu ao escavamento de um covacho, preferencialmente aproveitando uma camada xistosa do terreno. Tal covacho apresenta usualmente os topos verticais, devido à existência de uma família de diáclases verticais, perpendiculares à direcção de estratificação; contrariamente, os lados maiores do referido covacho são tendencialmente assimétricos, condicionados pela direcção de inclinação das camadas, que não se apresentam verticais, mas inclinadas para NE. Assim, o aprofundamento do covacho, iria encontrar, a maior ou menor profundidade, a superfície de uma bancada de grauvaque, subjacente à camada xistosa onde se efectuou cada covacho. Tal situação explica a geometria e simplicidade de algumas sepulturas, cujo fundo, inclinado, se confunde muitas vezes com a parede lateral do lado sul, constituíndo um todo rampeado: assim sendo, bastaria que, na parede lateral do lado norte, normalmente vertical, fosse colocado um esteio de cutelo, para que ficasse delimitado o espaço sepulcral. Fosse como fosse, a irregularidade das bancadas de grauvaque, correspondentes ao interior da maioria das sepulturas, mesmo daquelas que mostram maior qualidade construtiva, tornava necessária a regularização do fundo por uma camada argilosa amassada e pisada, a qual foi identificada, especialmente nos casos da existência de oferendas, directamente depositadas sobre a mesma. Do ponto de vista arquitectónico, a forma de sepultura mais usual é a que corresponde a um recinto de contorno rectangular, mais ou menos alongado, por vezes quase quadrangular, definido por quatro ou mais esteios colocados verticalmente, os quais, maioritariamente, são de xisto, em detrimento do grauvaque, mais grosseiro e que não fornecia lajes tão regulares. Os esteios encontram-se fincados verticalmente, sendo quase sempre reforçados por calços, ou lajes, tanto do lado externo, como, mais raramente, do lado interno, sendo fixados através de roças ao substrato

geológico. Tal dispositivo é também usual noutras necrópoles desta época. A colocação dos esteios respeitou, frequentemente, uma regra já assinalada na necrópole de Alfarrobeira, Silves (Gomes, 1994), e que é frequente em muitas outras necrópoles coevas, segundo a qual os esteios maiores seriam travados pelos que ocupam os topos, de menores dimensões, evitando-se assim o deslocamento dos primeiros para o interior do espaço sepulcral, devido à pressão externa, exercida pelos terrenos. Os processos construtivos observados em cada uma das sepulturas serão objecto de análise mais desenvolvida, a efectuar oportunamente. A cobertura das cistas era assegurada por uma ou mais lajes, colocadas horizontalmente, servindo de tampas. Destas, porém, apenas em alguns casos se recolheram fragmentos, dispostos horizontalmente, a pequena profundidade, ou mesmo próximo da superfície do terreno, em posição adjacente à cista, como é o caso da sepultura 5 (Fig. 5). Nenhuma das sepulturas conservava a cobertura na sua primitiva posição. Para tal, terá concorrido a lavra do topo do cerro, que, apesar de actualmente desprovido de solo arável, terá sido cultivado em passado próximo, como mostram as marcas do ferro do arado em alguns dos esteios aflorantes. Dada a concentração de espólios funerários nas sepulturas situadas do lado nascente da necrópole, importava averiguar a eventual relação entre tal realidade e a qualidade construtiva dos correspondentes sepulcros. Neste aspecto, embora as sepulturas com espólio mais importante, respectivamente as sepulturas 4 (Figs. 8, 9), 6 (Figs. 11, 12) e 7 (Figs. 13, 14) exibam assinalável qualidade construtiva, existem sepulturas igualmente bem conservadas e de boa qualidade desprovidas de espólio, como é o caso das sepulturas 14, 15, 16, 18, 22 e 26. Em suma: não parece evidenciar-se qualquer relação entre a qualidade construtiva e a maior ou menor riqueza do espólio respectivo, embora se possa admitir que o mau estado de conservação de algumas sepulturas, possa ter provocado a dispersão dos espólios.

Fig. 7 – Vista parcial do sector 7 – núcleo 4 da necrópole, evidenciando-se a forte imposição da estrutura geológica (camadas subverticais alternantes de xistos e grauvaques) na orientação das sepulturas.

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Fig. 8 – Vista dos materiais exumados no interior da sepultura 4.

As sepulturas mantiveram, do princípio ao fim da utilização do espaço funerário em que se integram, as mesmas características genéricas, independentemente da sua localização, desde os simples covachos, até aos recintos melhor construídos, que se podem encontrar em qualquer dos seis núcleos considerados. Com efeito, mesmo as sepulturas de melhor qualidade são de tipologia muito simples, integrando-se nas características dominantes das observadas nas necrópoles algarvias do Bronze do Sudoeste do vale do Guadiana, desde o tempo de Estácio da Veiga. Com efeito, nestas necrópoles não se encontram assinalados recintos periféricos, envolventes das cistas, existentes tanto nas necrópoles do Baixo Alentejo como em algumas do barlavento algarvio, como é o caso da necrópole de Alfarrobeira, Silves (Gomes, 1994). Contudo, nalguns casos, por se tratar de escavações antigas, é possível admitir a hipótese de tais estruturas externas não terem sido devidamente identificadas, até porque estas se reconheceram em necrópoles de cistas da Idade do Ferro do concelho de Alcoutim, como é o caso da necrópole do Cabeço da Vaca 1 (Cardoso & Gradim,

2006), atestando que tal tradição perdurou (em continuidade?) na Idade do Ferro. A sepultura 5, situada no sector 1 da necrópole (Fig. 2), poderá possuir uma pequena estela de grauvaque, fixada junto de um dos topos (Fig. 5). A posição desta hipotética estela sugere que a cabeceira da sepultura se encontraria desse lado, ou seja, ocupando o topo WNW da cista, situação que, provavelmente, se repetiria nas restantes cistas da necrópole. Em posição adjacente a essa possível esteja, desenvolvia-se um empedrado, de contorno sub-rectangular, constituído por blocos de grauvaque, preenchendo o espaço até à sepultura 4 (Fig. 5), o qual, depois de removido, se verificou assentar directamente no substrato geológico. Desconhece-se qual a função deste empedrado, mas importa salientar que, na necrópole da Quitéria, se encontraram também empedrados no exterior das sepulturas e na sua adjacência (Silva & Soares, 1981: 147). Fig. 9 – Desenho dos materiais cerâmicos e metálicos da sepultura 4.

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4.4 - espóLio Neste contributo, será apenas inventariado o espólio arqueológico exumado, deixando-se para trabalho de maior fôlego uma análise mais detalhada do mesmo, incluindo o respectivo estudo comparativo. De momento, apenas se apresenta a inventariação dos materiais recolhidos, por sepulturas: sepultura 1 - associada a uma taça de carena média, incompleta (Fig. 10, n.º 2), recolheu-se uma ponta de arremesso, de cobre, muito corroída, mas com a base conservada, evidenciando fixação por rebitagem (Fig. 10, n.º 1). sepultura 4 - ocupando a metade poente da sepultura (Fig. 8), identificaram-se, ao centro, um recipiente baixo de paredes reentrantes (Fig. 9, n.º 3); uma pequena taça de carena baixa, do “tipo Atalaia” (Fig. 9, n.º 1) e, entra as duas, um punhal de talão convexo, desprovido de rebites (Fig. 9, n.º 2). A posição destas três peças no interior da sepultura sugere que o indivíduo, em posição de decúbito lateral com pernas e braços flectidos, poderia ter o recipiente de maiores dimensões junto às mãos, enquanto o de menores dimensões e o punhal se situariam junto à cabeça, que ocuparia o topo de NW da sepultura, voltada para sul.

sepultura 5 - forneceu uma taça de carena média, incompleta (Fig. 10, n.º 3). sepultura 6 - forneceu dois recipientes, encontrados em lados opostos da sepultura (Fig. 11): um recipiente baixo, de paredes reentrantes e fundo convexo, idêntico a um dos recolhidos na sepultura 4 (Fig. 9, n.º 3), no topo nascente; e uma taça carenada, de menores dimensões (Fig. 12, n.º 2), também ela comparável à recolhida naquela sepultura (Fig. 9, n.º 1), no topo poente. Verifica-se, pois, que, salvo a ausência do punhal, os espólios destas duas sepulturas se afiguram idênticos. A posição que teriam relativamente à inumação, sugere que o recipiente de maiores dimensões poderia situar-se junto do crânio, enquanto a pequena taça carenada teria sido depositada junto dos pés do cadáver. sepultura 7 - no seu interior recolheram-se dois recipientes (Fig. 13), correspondentes a um vaso globular de colo alto, em forma de saco (Fig. 14, n.º 2), tombado ulteriormente sobre um dos lados, ao lado do qual jazia um recipiente de carena baixa (Fig. 14, n.º 1), do mesmo tipo dos recolhidos nas sepulturas 4 (Fig. 9, n.º 3) e 6 (Fig. 12, n.º 1). Originalmente, o grande vaso deveria ocupar o canto SW da

Fig. 11 – Vista dos materiais exumados no interior da sepultura 6.

Fig. 10 – Materiais cerâmicos e metálicos de cobre. 1 e 2 – sepultura 1; 3 – sepultura 5.

Fig. 12 – Materiais da sepultura 6. O vaso de maiores dimensões corresponde ao observado na fig. 11, do lado esquerdo da foto.

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Necrópole das soalheironas sepultura, enquanto o recipiente menor conservou a sua posição primitiva. Desta forma, é provável que o cadáver, em decúbito lateral, com braços e pernas flectidos, estivesse voltado com a cabeça para poente, ocupando o topo NW da sepultura (tal como se verificava nas sepulturas 4 e 6), defronte da qual se colocou o vaso maior, enquanto o mais pequeno foi depositado junto das mãos. É interessante referir a ocorrência de diversos casos em que se observou a associação artefactual, numa mesma sepultura, de um vaso globular de colo alto a um recipiente do tipo taça ou vaso baixo: é o caso da sepultura 7 da necrópole de AIfarrobeira (Gomes, 1994, Fig. 68) e de diversas necrópoles da Andaluzia, por este autor mencionadas.

justificou a hipótese de ser considerado como alabarda (Gomes, 1994, Fig. 75, N). Deve ainda mencionar-se outro exemplar, mais próximo, mas aparentemente muito corroído, também representado por Estácio da Veiga, recolhido numa sepultura do Curral da Pedra, Odeleite, concelho de Castro Marim (Veiga, 1891, XII, n.º 7; Est. XV, n.º 6). A pequena ponta de arremesso, ou de projéctil, recolhida na sepultura 1 (Fig. 7, n.º 1), a qual conserva a base, com um pequeno rebite incompleto é, igualmente, muito rara nos inventários das necrópoles do Bronze do Sudoeste, avultando o exemplar recolhido na necrópole de Atalaia, Ourique (Schubart, 1975, Tf. 29, n.º 296).

sepultura 9, 10, 13, 24 e 32 - cada uma destas sepulturas forneceu uma taça ou vaso de carena baixa (Fig. 15, n.os 1 a 3; Fig. 16, n.os 1 e 3), apenas em dois casos encontrados completos (sepulturas 10 e 24). sepultura 28 - nesta sepultura recolheu-se um esférico baixo (Fig. 16, n.º 2), o único exemplar com esta tipologia identificado na necrópole, mas com paralelos em outras necrópoles coevas, tanto baixo-alentejanas (caso de Atalaia, Ourique), como algarvias. A análise do espólio cerâmico mostrou que são quatro as formas essenciais presentes, todas elas características e comuns no Bronze do Sudoeste, especialmente nas necrópoles consideradas mais antigas desta Cultura: • vasos globulares de colo alto, em forma de saco - um exemplar; • vasos globulares baixos (próximos das taças em calote) um exemplar; • vasos de carena média e parede reentrante direita - quatro exemplares; • vasos de carena baixa ou média e parede reentrante côncava - oito exemplares.

Fig. 13 – Vista dos materiais exumados no interior da sepultura 7.

No tocante ao espólio metálico, o pequeno punhal de talão convexo simples, recolhido na sepultura 4 (Fig. 9, n.º 2) desprovido de chanfros ou de rebitagem para encabamento, é, pelo contrário, forma extremamente rara nos contextos do Bronze do Sudoeste; apenas um exemplar, desenhado por Estácio da Veiga, oriundo da antiga colecção de Júdice dos Santos se lhe pode comparar (Veiga, 1891, Est. VII), mas é de maiores dimensões e possui um espessamento central que

Fig. 14 – Materiais da sepultura 7.

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Necrópole das soalheironas

5 - CoNCLusões O estudo preliminar da necrópole das Soalheironas, agora efectuado, conduziu às seguintes conclusões gerais:

mas desprovidas de espólio. Desta forma, duas alternativas se afiguram merecedoras de futura discussão:

1. A localização geográfica da necrópole, muito perto da

A primeira alternativa para explicar a realidade observada, corresponde à hipótese de os diversos núcleos observados na necrópole serem organizados em simultâneo, mas de forma hierarquizada, explicando-se a maior abundância de espólios observada nos dois núcleos mais orientais, que são também os que ocupam uma posição de maior visibilidade na necrópole, pela maior importância social dos ali tumulados, independentemente de a sociedade da época, na região, já se encontrar, ou não, organizada em linhagens. Note-se, a propósito, que as duas únicas peças metálicas exumadas provêm do núcleo mais oriental e que nove dos quatorze recipientes foram recolhidos nesses dois núcleos, os quais, no conjunto, integram apenas 11 das 32 sepulturas identificadas.

margem direita do Guadiana, e, portanto, do território espanhol, mostra, a par de outras necrópoles conhecidas na região, que a distribuição das mesmas se terá efectuado, sem soluções de continuidade, até às regiões setentrionais da província de Huelva, onde se reconheceram necrópoles com características arquitectónicas e espólios semelhantes. Os espaços ainda vazios do território espanhol, ao longo da margem esquerda do Guadiana, podem, assim, atribuir-se mais à ausência de prospecções, do que ao efectivo despovoamento da região, no decurso da Idade do Bronze. Por outro lado, a concentração de necrópoles ao longo do Guadiana, algumas das quais conhecidas desde o tempo de Estácio da Veiga, e por ele publicadas, gere a importância económica que o grande rio teria já então. Com efeito, sendo esta uma área pouco propícia à prática da agricultura, a exploração das minas de cobre disseminadas pela região, com a consequente circulação dos produtos respectivos, constituiria, por certo, o mais importante factor de fixação e povoamento desta região do baixo Guadiana.

2. A selecção de um cerro, estreito e alongado, de orienta-

Fig. 15 – Materiais cerâmicos. 1 - sepultura 9; 2 - sepultura 10; 3 - sepultura 13.

ção geral ESE-WNW, para a implantação da necrópole, foi determinante para a conferir a esta características peculiares, onde as sepulturas se sucedem, alinhadas, umas às outras. Trata-se de uma situação que ainda não tinha sido identificada em necrópoles do Bronze do Sudoeste, muito embora nalguns casos, como em Alcaria (Monchique), a orientação preferencial das cistas que constituem a necrópole seja evidente, não assumindo, contudo, a disposição unilinear que caracteriza o caso em apreço;

3. A organização interna da necrópole mostrou a existên-

Fig. 16 – Materiais cerâmicos. 1-sepultura 24; 2-sepultura 28; 3-sepultura 32.

cia de seis núcleos, concentrando-se os espólios nos dois núcleos mais orientais. Verifica-se que esta situação não pode ser correlacionada, nem com o eventual melhor estado de conservação das cistas desses dois grupos – que não se verifica – nem com uma melhor qualidade construtiva das mesmas; com efeito, nos núcleos central e ocidental, reconheceram-se sepulturas de qualidade construtiva idêntica à patenteada em exemplares dos dois núcleos mais orientais, e igualmente em bom estado de conservação,

A segunda alternativa corresponde à possibilidade de a necrópole ter sido construída progressivamente de oriente para ocidente: nestes termos, as sepulturas mais antigas, que ocupariam a parte mais destacada do cerro, pertencentes aos dois primeiros núcleos, seriam também as mais ricas; o declínio observado nas oferendas fúnebres ficaria, deste modo, explicado, quer por corresponder a prática caída em desuso, no decurso da utilização da necrópole – que poderia ter durado apenas duas ou três dezenas de anos – quer pelo crescente empobrecimento da comunidade respectiva, pese embora a humildade das oferendas.

4. Do ponto de vista tipológico, o conjunto cerâmico integra formas comuns ao Bronze do Sudoeste, genericamente reportáveis à sua fase mais antiga (produções do Grupo Atalaia), as quais são comuns nas necrópoles do vale do baixo Guadiana, contrastando com a ausência de produções cerâmicas consideradas mais tardias, que, embora conhecidas no Algarve, se encontram representadas no barlavento (Schubart, 1975, Karte 16, 18). Ao contrário, o espólio metálico, constituído por uma pequena ponta de arremesso (ou de projéctil) de cobre, e por um punhal de talão convexo, desprovido de chanfros de encabamento ou de rebites, também de cobre, constituem tipos raros no quadro das produções metálicas do Bronze do Sudoeste.

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Necrópole das soalheironas

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Fig. 17 – Sepultura 7: reconstituição da deposição funerária, em decúbito lateral com braços e pernas flectidos, acompanhada de duas oferendas.

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Dez anos de trabalhos arqueológicos em Alcoutim Do Neolítico ao Romano

6 - Necrópole do Cabeço da Vaca

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Necrópole do Cabeço da Vaca

45. e 46. Pontas de Lança

47. Punhal com guarda de prata

Ferro

Ferro e Prata

Idade do Ferro – séculos VI / V a.C.

Idade do Ferro – séc. VI/ V a.C.

51,5 cm Ø 3,2 cm e 50 cm Ø 4,1 cm

Comp. Máx. 28 cm / Lâmina 26,5 x 3,5 x 1,8 cm

Sepultura 6 Necrópole do Cabeço da Vaca – núcleo I

Necrópole do Cabeço da Vaca – núcleo II

N.º Inventário: NMA.180 / NMA.181

N.º Inventário: NMA.179

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Necrópole do Cabeço da Vaca

52. Pingente de cornalina em forma de bago de romã Cornalina Idade do Ferro – séculos VI / V a.C. 1,1 x 0,7 x 0,5 cm

49. Brunidor de cerâmica

Sepultura 1 Necrópole do Cabeço da Vaca – núcleo I

Seixo de xisto

N.º Inventário: NMA.281

Idade do Bronze (?) 6 cm x 2,4 cm x 0,7 cm (Superfície) Necrópole do Cabeço da Vaca – núcleo I N.º Inventário: NMA.272

48. Fragmento de movente, com indícios de utilização como percutor Seixo de grauvaque Idade do Bronze (?) 8 cm x 7,5 cm x 3,5 cm (Superfície) Necrópole do Cabeço da Vaca – núcleo I N.º Inventário: NMA.274

50. Fragmento de alisador Seixo de Xisto Idade do Bronze (?)

53. Fragmento de cerâmica

55. Fragmento de cerâmica

Idade do Bronze (?)

Idade do Bronze (?)

4,5 x 3 cm

3,7 x 3,2 cm

Exterior da Sepultura 4 Necrópole do Cabeço da Vaca – núcleo I

(Superfície) Necrópole do Cabeço da Vaca – núcleo I

N.º Inventário: NMA.277

N.º Inventário: NMA.275

3,8 cm x 2 cm x 0,7 cm Sepultura 1 Necrópole do Cabeço da Vaca – núcleo I N.º Inventário: NMA.271

51. Núcleo de lamelas (?)

54. Fragmento de cerâmica

56. Fragmento de cerâmica

Idade do Bronze (?)

Idade do Bronze (?)

4,7 x 2,5 cm

3 x 3 cm

(Superfície) Necrópole do Cabeço da Vaca – núcleo I

(Superfície) Necrópole do Cabeço da Vaca – núcleo I

N.º Inventário: NMA.276

N.º Inventário: NMA.278

Cristal de quartzo leitoso Idade do Bronze (?)

57. Fragmento de cerâmica

1,7 cm x 1,2 cm x 0,7 cm

Idade do Bronze (?)

(Superfície) Necrópole do Cabeço da Vaca – núcleo I

(Superfície) Necrópole do Cabeço da Vaca – núcleo I

N.º Inventário: NMA.273

N.º Inventário: NMA.298

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Necrópole do Cabeço da Vaca

6 - Necrópole do Cabeço da Vaca6 Resumo

AbsTrAcT

Neste capítulo serão analisados sucessivamente os seguintes aspectos do núcleo I, da necrópole da Idade do Ferro, escavados em 2003:

In this chapter, the following aspects will be analysed of do locus I, of the necropolis of the Iron Age, excavated on 2003:

1 - antecedentes dos trabalhos arqueológicos realizados, localização da necrópole e respectiva metodologia de intervenção; 2 - resultados obtidos: aspectos arquitectónicos e construtivos; o faseamento interno da construção da necrópole; 3 - inventário dos materiais arqueológicos recolhidos e respectivo estudo comparado; 4 - discussão: integração cronológico-cultural da necrópole; 5 - aspectos rituais; 6 - conclusões: a necrópole do Cabeço da Vaca 1 no quadro das arquitecturas funerárias da I Idade do Ferro do sul do actual território português.

1 - the former archaeological studies performed on the site, the location of the necropolis and the methodology used in the excavation; 2 - the results obtained, including the archaeological and architectonic aspects as well as the successive internal phases of the necropolis; 3 - the inventory of the archeological materials collected and their comparative study; 4 - the discussion, including the chronological and cultural fitting of the necropolis and the correlative ritual aspects: 5 - the conclusions, namely the necropolis of Cabeço da Vaca within the framework of the funerary architectures of the Early Iron Age of the south of the present Portuguese territory.

A escavação do núcleo II realizou-se no ano seguinte e é constituído por uma única sepultura, a qual dista das anteriores seis detectadas cerca de 250 m para Este. Os resultados obtidos da escavação, vieram confirmar que se tratava de uma cista da Idade do Ferro, de maiores dimensões que as suas homólogas do núcleo I, as quais corporizam a fase mais antiga da necrópole. Fora já alvo de violação, a qual, porém, não atingiu o nível basal, onde se recolheu um raro punhal de ferro, munido de guarda de prata no encabamento, cuja tipologia indica cronologia anterior ao séc. V a. C. claramente compatível com a fase mais antiga da necrópole. As características excepcionais desta peça, rememtem para um indivíduo destacado no seio da comunidade, merecendo, por isso, a sua sepultura adequada individualização, tanto no tamanho, como, sobretudo, no local seleccionado para a sua construção, isolando-a em uma pequena elevação, dominando visualmente o outro núcleo da necrópole, onde foram inumados os restantes elementos desta pequena comunidade da I Idade do Ferro da serra algarvia.

6 Sobre os resultados das escavações realizadas em 2003 e 2004 nos dois núcleos que compõem a necrópole publicaram-se dois artigos em 2006 e 2008 respectivamente (CARDOSO, João Luís e GRADIM, Alexandra, 2006, A Necrópole da I Idade do Ferro de Cabeço da Vaca 1 (Alcoutim). “Actas do 3.º Encontro de Arqueologia do Algarve”, Revista XELB, n.º 6, Silves, pp. 201-226) e CARDOSO, João Luís e GRADIM, Alexandra, 2008, O Núcleo II da Necrópole da Idade do Ferro do Cabeço da Vaca (Alcoutim), Actas do 5.º Encontro de Arqueologia do Algarve, Revista XELB, n.º 8, 1, Silves, pp. 103-116. Encontrava-se inédita a pontual intervenção realizada em 2009 e destinada a concluir a escavação da sepultura n.º 5, situação detectada aquando dos trabalhos de conservação da necrópole. O presente texto corresponde, à compilação dos dados existentes nos dois trabalhos publicados pelos autores, actualizando-se as conclusões nelas inseridas.

The excavation of de locus II, one single grave distant 250 m to the East, took place on the following year. The results obtained confirmed the existence of a cist from the Iron Age, with larger dimensions than the previously locus I, corresponding to the most ancient phase of the locus 1. The cist had already been violated but not on the basal level, where a rare iron dagger was found with a silver guard, between the blade and the hilt, whose typology indicates a chronology previous to the middle of the middle of the V century BC and clearly compatible with the occupation phase of the locus I of the same necropolis. The exceptional characteristics of this artifact indicate an individual high in social ranks deserving a special grave, either in size and in location, isolated in a small elevation. Visually dominating the other locus of the necropolis, where the common elements of this little community from Iron Age of inland Algarve were buried.

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Necrópole do Cabeço da Vaca privados, em meio rural, urbano ou subaquático': Obtidas as necessárias autorizações, os trabalhos foram programados para a primeira quinzena de Setembro de 2003, tendo sido de facto realizados entre os dias 1 e 13 daquele mês, e retomados no ano seguinte entre 30 de Agosto e 10 de Setembro de 2004. Os trabalhos foram dirigidos pelo signatário (J.L.C.), na qualidade de arqueólogo responsável primeiro e contaram com a colaboração permanente da segunda signatária. A Câmara Municipal de Alcoutim concedeu o indispensável apoio financeiro, sem o qual a realização dos trabalhos não seria possível. Os desenhos de campo são da autoria de Alexandra Gradim e de Fernando Dias, sendo a versão definitiva da autoria de Bernardo Ferreira, que também se encarregou dos desenhos das peças arqueológicas que ilustram este artigo. Todas as fotos apresentadas são da autoria de João Luís Cardoso. No decurso dos trabalhos de 2003, foi a escavação visitada pelo Dr. Pedra Barros, arqueólogo da extensão do IPA de Silves.

Em 2009 a sepultura 5 do núcleo I, foi alvo de uma nova intervenção decorrente da acção de manutenção e conservação do sítio arqueológico. Com efeito, no decorrer dos referidos trabalhos verificou-se que a sepultura 5 se estendia numa orientação NW-SE, tal como a maioria do conjunto arquitectónico funerário (com excepção da sepultura número 3), contrariando as evidências da investigação realizada em 2003 e 2004. A equipa dirigida pela segunda signatária foi constituída por três alunos do último ano do curso de Assistente de arqueólogo que se encontravam a realizar um estágio em ambiente de trabalho, solicitado à autarquia pela Escola Profissional de Mértola, ALSUD. Os desenhos de campo foram executados pela segunda signatária com a colaboração da estagiária Ivanilda Tavares, sendo a versão definitiva de Bernardo Ferreira, o qual já tinha, de igual modo, realizado os referentes às campanhas de 2003/ 2004.

Fig.1 – Vista da escavação do núcleo I da necrópole do Cabeço da Vaca.

1 - iNtRoDução No âmbito do acompanhamento das acções de florestação de pinheiros mansos, em curso no ano de 1999 no concelho de Alcoutim, foi identificada por um de nós (A.G.) o que se presumia constituir uma cista megalítica (Gradim, 1999), denunciada pela existência de diversos monólitos fincados no terreno, num local que, por acordo com o proprietário, se manteve incólume (Fig. 1), conservando-se ali a densa cobertura arbustiva que outrora cobria toda a crista da elevação. Contudo, a abertura recente de um caminho florestal, imediatamente adjacente ao monumento, tornava imperiosa a sua exploração, até para justificar, perante o proprietário, as medidas de protecção anteriormente indicadas e por este cumpridas. No caso do segundo núcleo, o monumento, desde logo identificado como uma grande cista, constituída por longos ortóstatos de grauvaque, foi igualmente alvo de um espaço de protecção por se integrar numa área de expansão do refe-

rido projecto de florestação. O local foi posteriormente atingido pela remobilização mecânica dos terrenos, que destruiu parte da periferia da estrutura secundária que envolvia a cista. Entretanto, o terreno foi adquirido por outro proprietário, impondo-se a cabal escavação do monumento, para, por esta via e uma vez demonstrada a importância desta ocorrência arqueológica, garantir para a sua conservação e integração em circuito de visita de carácter arqueológico, à semelhança do que já foi concretizado, em outros casos, por iniciativa da Câmara Municipal de Alcoutim, como os menires do Lavajo, também explorados e musealizados pelos signatários. Estava-se, deste modo, em condições de solicitar ao Instituto Português de Arqueologia autorização para a realização de trabalhos arqueológicos ao abrigo da Categoria C, "acções preventivas a realizar no âmbito de trabalhos de minimização de impactos devidos a empreendimentos públicos ou

Fig. 2 – Vista da escavação do núcleo II da necrópole do Cabeço da Vaca, correspondente a uma cista de grandes dimensões.

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Necrópole do Cabeço da Vaca

2 - LoCALizAção e metoDoLoGiA DAs iNteRVeNções O sítio arqueológico implanta-se na parte mais alta de um extenso relevo alongado a cerca de 240 m de altitude, constituído por formações do Carbonífero marinho de fácies flysch (alternâncias de xistos azulanegrados e de grauvaques acinzentados, que por alteração dão origem a colorações castanho-amareladas), com orientação Nor-Noroeste-Sul-Sueste, que se desenvolve a Este da povoação de Giões, a cuja freguesia pertence. As suas coordenadas são as seguintes (Fig. 3): 37º 28’ 04” Latitude N; 7º 41’ 04” longitude W. Do local divisa-se uma vasta paisagem para sul, o mesmo sucedendo do lado oposto, a partir do topo da crista, a escassos metros de distância do local escavado.

A metodologia da escavação previa, como é usual, pós a limpeza prévia do terreno, a implantação de sistema de referenciação na área interessada pela escavação, com o registo tridimensional de todos os objectos encontrados e, por último, o registo gráfico da área interessada pelos trabalhos, incluindo as estruturas que se viessem a identificar, bem como os respectivos cortes e alçados. Ver-se-á que este propósito teve de ser adaptado à realidade evidenciada pela escavação, a qual era significativamente diferente daquela que, inicialmente, se previa, obrigando a ajustamentos na metodologia adoptada. Por último, aplicaram-se as medidas de protecção e conservação aos dois núcleos da necrópole.

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3 - tRAbALhos ReALizADos 3.1 - Cabeço da Vaca i (2003/ 2004 e 2009) Antes da realização dos trabalhos, o terreno encontrava-se densamente coberto por giestas e estevas (fig. 4), permitindo apenas a observação, como se referiu, de três elementos colocados verticalmente, considerados por isso como ortóstatos de uma sepultura cistóide, semelhante à explorada anteriormente, também sob orientação do primeiro signatário (J.L.C.), em elevação da mesma região, o cerro do Malhão, da freguesia de Martim Longo (Cardoso & Gradim, 2003), atribuível ao Neolítico Final ou ao Calcolítico. Contudo, logo que a desmatação atingiu a superfície do terreno na área imediatamente adjacente aos supostos ortóstatos, se evidenciou uma caixa rectangular, cujo comprimento

máximo não excedia 1,3 m (Sepultura 1), Estava-se, pois, perante uma cista cujas características a aproximavam de exemplares da Idade do Bronze ou da Idade do Ferro, mais do que de cista megalítica, como inicialmente se supunha. O alargamento da área escavada em seu torno permitiu, logo a seguir, a identificação de outra sepultura do mesmo tipo e com a mesma orientação (Sepultura 2), implantadas na parte mais alta de um micro-relevo existente na crista da elevação (figs. 5 e 6), encontrando-se a Sepultura 1 cercada de um lajeado de contorno circular, delimitado do lado melhor conservado por alinhamento de elementos de xisto colocados de cutelo, evidenciados pela escavação (Fig, 7).

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Fig. 3 – Localização da necrópole do Cabeço da Vaca. Extracto da Carta Militar de Portugal (formato digital) na escala de 1/25 000, folha n.º 574, Lisboa, Instituto Geográfico do Exército, Secção de Fornecimento de Informação Geográfica, 2004 (reduzida).

Fig. 4 – Aspecto da fase inicial da escavação, com a desmatação do terreno. Observe-se astrês lajes de cobertura da Sepultura 1, os únicos elementos então visíveis, por entre a densa cobertura de estevas existente.

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Necrópole do Cabeço da Vaca visível nas figs. 6 e 11, a qual evidenciou, a pequena profundidade, o substrato xisto-grauváquico. Do lado sul, a Sepultura 5, adjacente ao limite da escavação (Figs. 11 e 12), determinou o alargamento para Sul da área investigada, escavando-se, a partir do referido limite, uma área com 4 m por 5 m, sem que se tenha identificado alguma outra ocorrência de interesse arqueológico; enfim, a observação., do lado oriental da escavação, próximo da referida sepultura, de duas lajes inclinadas, parcialmente postas a descoberto no corte, que poderiam corresponder elementos de tampa de outra sepultura (Fig. 11), determinou que, desse lado se procedesse de forma idêntica; deste modo, foi aberta nova área com 4 m por 4,5 m, confirmando-se, de facto, a existência de uma sexta sepultura, coberta pelas duas lajes referidas, ainda que ligeiramente deslocadas da sua posição

original. Esta sepultura, contudo, diferia totalmente das quatro primeiras, por constituir um simples covacho, aberto no substrato rochoso e aproveitando em parte o sistema de diaclases ortogonais nele existente, aproximando-se da Sepultura 5. No final, a área escavada, com as seis sepulturas identificadas, de marcada heterogeneidade tipológica, atingia a superfície de 78 metros quadrados, correspondente à planta apresentada na Fig. 15. No concernente à sua integração cultural, o aparecimento de duas lanças de ferro na última sepultura a ser identificada e escavada (a Sepultura 6), ainda que deva corresponder à mais recente de todas, permite integrar a necrópole na Idade do Ferro, a par de outras evidências que, a seu tempo, serão apresentadas.

Fig. 5 – Vista parcial das duas sepulturas mais antigas do núcleo I, evidenciando-se a Sepultura 1 (à direita) e a Sepultura 2, à esquerda da primeira, ambas com orientação NW-SE. Em segundo plano, à direita, observa-se pequena cista correspondente à Sepultura 4. Note-se, em torno da Sepultura 1, o lajeado de planta circular, particularmente bem conservado entre esta e a Sepultura 2.

Deste modo, encontrava-se demonstrada a existência; no local, não de uma cista pré-histórica isolada, mas de uma necrópole de cistas, da Idade do Bronze ou da Idade do Ferro, cuja verdadeira extensão importava averiguar, Assim, os trabalhos foram orientados para uma escavação em extensão, interessando uma área muito superior à inicialmente prevista, Foram, assim sucessivamente identificadas as sepulturas n.º 3, 4 e 5 (Fig. 8), cuja ordem, indicada na planta da área escavada (Fig. 16), respeitou a sequência do descobrimento. Deve dizer-se que nenhuma destas sepulturas evidenciou de início qualquer indício de já ter sido violada; ao contrário: o interior de todas elas encontrava-se colmatado por um sedimento uniforme, muito fino, duro e compacto, tal como o que preenchia a Sepultura 4 (Fig. 9).

Esta sepultura - cujo comprimento máximo é apenas de 0,80 m, indicando pertencer a criança – era a única consstituída por esteios de xisto, cuidadosamente encaixados no covacho previamente aberto no substrato geológico, evidenciando um deles trabalho de desbaste da laje original, com o intuito de a adelgaçar, através de um formão de bronze ou de ferro, cujas marcas se conservaram (Fig. 10). A área de distribuição no terreno destas cinco sepulturas inscrevia-se em rectângulo com de 5 m de largura por 7 m de comprimento, mas nada garantia que, fora desses limites, não houvessem ainda outras sepulturas por identificar. Deste modo, foi com tal objectivo, que do lado poente, se abriu uma sanja com 1 m de largura por 5 m de comprimento,

Fig. 6 – Vista de NW para SE do núcleo I, observando-se, em primeiro plano, as Sepulturas 1 e 2 e, em segundo plano, a paisagem envolvente. Do lado esquerdo é visível a sanja aberta que permitiu delimitar o desenvolvimento da necrópole desse lado.

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Necrópole do Cabeço da Vaca

Fig. 7 – Pormenor do lado sul do lajeado de contorno circular que delimita externamente a Sepultura 1, evidenciando-se em primeiro plano alguns elementos colocados de cutelo, que contornam a referida área, de carácter ritual.

Fig. 8 – Vista parcial da área escavada, obtida de SE, correspondente ao núcleo mais antigo da necrópole, constituído pelas Sepulturas 1, 2 e 3. É também visível o lajeado envolvente da Sepultura 1 e, em primeiro plano, do lado esquerdo, a pequena cista correspondente à Sepultura 4, totalmente escavada no substrato geológico. Note-se o fraco recobrimento pedológico de toda a área escavada. Em primeiro plano, a sepultura 4, mais recente que as anteriores

Fig. 9 – A Sepultura 4 aquando da sua identificação, correspondendo a pequena cista constituída por esteios de xisto, totalmente escavada no substrato geológico. Note-se a compacidade do respectivo enchimento. Em segundo plano, observa-se o limite do lajeado circular envolvente da Sepultura 1, situada a Norte (ver fig.7).

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Necrópole do Cabeço da Vaca

Fig. 10 – A Sepultura 4 em curso de escavação.

Fig. 11 – Vista parcial da área escavada, de SE para NW. Em primeiro plano, junto do limite daquela, observa-se a Sepultura 5 ainda por escavar.

Fig. 12 – A Sepultura 5, ainda por escavar, observando-se as respectivas tampas (ver Fig.11).

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Necrópole do Cabeço da Vaca

3.2 - Cabeço da Vaca ii (2004) A metodologia seguida na intervenção, após a limpeza prévia do terreno e depois de implantado o sistema de georreferenciação, foi o da decapagem da área interessada pelo monumento, por forma a colocá-lo integralmente à vista. A escassa profundidade a que se encontravam os elementos construtivos periféricos da cista, era, aliás, condizente com o facto de todos os esteios desta serem bem visíveis no

terreno, antes da escavação, exceptuando a desaparecida laje ou lajes de cobertura, indicando violação anterior do monumento. Observou-se, também, a parcial destruição da periferia da estrutura envolvente, realizada por meios mecânicos, em época ainda mais recente, no âmbito das acções de florestação realizadas antes dos trabalhos arqueológicos (Fig. 13, 14).

Fig. 14 – Vista, tomada de Sudoeste, da cista do núcleo II da necrópole do Cabeço da Vaca, depois de concluída a escavação. Observe se o grande bloco de grauvaque que prolonga, para sul, o lado oriental da cista.

4 - ResuLtADos obtiDos 4.1 - Aspectos arquitectónicos e construtivos das sepulturas: o faseamento interno da necrópole no núcleo i. As seis sepulturas que constituem a necrópole do Cabeço da Vaca 1 apresentam características diferentes, merecendo, por isso, ser descritas separadamente; os cortes mais significativos encontram-se assinalados na planta geral (Fig. 15) e apresentam-se na Fig. 16. Fig. 13 – Vista, tomada de Oeste, da cista do núcleo II da necrópole do Cabeço da Vaca, depois de concluída a escavação. Note-se, em primeiro plano, o rasgo produzido pela maquinaria, no âmbito da preparaçãodo terreno para florestação, destruindo a periferia da estrutura envolvente da cista.

Importa desde já referir que a orientação da estratificação dos xistos e grauvaques, que constitui o substrato geológico

local, aproximadamente NW-SE, condicionou a abertura da maioria das sepulturas: com efeito, sendo invariavelmente escavadas no substrato geológico, o respectivo alongamento respeitou em geral aquela direcção, com excepção de um caso, em que a área escavada, exibindo forte alteração do substrato geológico (Sepultura 3), não foi determinante na imposição daquela orientação.

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Necrópole do Cabeço da Vaca A sepultura 1 corresponde a uma caixa rectangular constituída por quatro esteios de grauvaque assentes no substrato geológico, orientada NW-SE. A respectiva cobertura era constituída por três lajes de xisto e grauvaque, originalmente colocadas transversalmente. Tais lajes, em época indeterminada, foram colocadas ao alto, aquando da violação da sepultura. O fundo, a cerca de 0,40 m de profundidade, contado a partir do topo dos esteios laterais (ver Fig. 16, Corte AB e Corte CD) encontra-se totalmente regularizado e aplanado. Importa referir que o espaço envolvente desta sepultura se encontra lajeado, formando superfície de contorno sub-circular, melhor conservada na zona entre esta sepultura e a Sepultura 2. Do lado oposto, é ainda visível a existência de alguns elementos colocados de cutelo, servindo como delimitadores periféricos daquele espaço, já antes mencionados (Fig. 7). A sepultura 2 possui planta, dimensões e orientação idênticas às da anterior. Integra, no entanto, dois esteios mais finos, de xisto, o da cabeceira, correspondente ao lado norte e o lateral à esquerda da cabeceira. Esta encontra-se, curiosamente, evidenciada por um apoio para a cabeça do inumado, constituído por uma laje de xisto, colocada transversalmente no fundo da sepultura, formando um ressalto com cerca de 7 cm de altura relativamente ao fundo daquela, correspondente, tal como a anterior, à regularização do substrato geológico (Fig. 16, Corte EF). Não se trata de um reforço interno, como foi considerada uma laje disposta de forma análoga no topo sul e sobre o fundo da Sepultura 9 da necrópole do Bronze do Sudoeste de Alfarrobeira, Silves (Gomes, 1994, Fig. 33). A sepultura 3 situa-se na adjacência imediata da anterior. Porém, ao contrário daquela, trata-se apenas de um covacho aberto no substrato geológico, com orientação orthogonal às anteriores, aproximadamente NE-SW, encontrando-se o seu limite marcado com pequenas e delgadas lajes de xisto apenas nos dois topos; a sua profundidade (Fig. 16, Corte G-H) e dimensões são, também, menores que as duas anteriores.

Fig. 15 – Planta geral do núcleo I da necrópole do Cabeço da Vaca 1, assinalando-se os cortes realizados em cada uma das estruturas tumulares.

A sepultura 4 é uma pequena sepultura infantil, sendo a única constituída por uma caixa onde todos os esteios são de xisto, cuidadosamente ajustada à escavação previamente executada no substrato geológico (Fig. 9). Com 1,0 m de comprimento máximo e a profundidade de 0,30 m, o fundo, tal como o das anteriores, corresponde à regularização do substrato geológico (Fig. 16, Corte I-J). Relembre-se que o esteio

Fig. 16 – Cortes realizados nas estruturas tumulares (ver Fig.15)

lateral do lado poente conserva múltiplas marcas oblíquas de desbaste por escopro de bronze ou de ferro, cujo gume teria cerca de 2 em de largura (Fig. 10). A sepultura 5 localiza-se já em zona periférica do núcleo constituído pelas quatro anteriores. A sua tipologia é muito diferente das anteriores. Trata-se de um covacho de contorno irregular aberto no substrato geológico, cuja profundidade não ultrapassa 0,50 m (Fig. 16, Cortes P-Q e R-S). Escavado nos grauvaques alterados de coloração amarelada, foi condicionado, pela estratificação das duas famílias de diáclases verticais, cuja orientação é NW-SE, situação análoga à observada nas Sepulturas 1, 2 e 4. A continuação da escavação conduziu à identificação de duas tampas que delimitavam as extremidades Noroeste e Sudeste através de

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Necrópole do Cabeço da Vaca dois blocos de xisto grauvacóide alongados. Estas lages de xisto, uma com cerca de 0,80 m de comprimento máximo e outra com 1,20 m, cobriam a sepultura e estavam dispostas de forma transversal existindo entre elas e na periferia, diversos blocos irregulares, entre afloramentos mais resistentes do substrato geológico (Fig. 12 e 17). Após remoção das lages verificou-se o apoio em rebordo do substrato geológico, cobrindo uma ténue depressão, nele existente. Existe, pois, a certeza de corresponder a uma sepultura intacta, de planta sub-pentagonal irregular cujo comprimento máximo é de 1,5 m e largura 0,70 m.

no tocante à qualidade construtiva, por comparação com as anteriores, situando-se, por seu turno, progressivamente mais afastadas e dispersas do núcleo original. Assim, a Sepultura 3, que ainda faz parte integrante do núcleo mais antigo, já só possui esteios nos topos menores, de xisto, tal como se verifica na Sepultura 4, sendo os dois lados maiores definidos pela escavação realizada no substrato geológico, de contorno rectangular. A simplicidade é ainda maior nas

A sequência descrita parece, deste modo, corresponder a um continuum na utilização da necrópole, que poderá ter-se prolongado, deste modo, por dezenas de anos, servindo a uma pequena comunidade rural da Idade do Ferro que habitaria nas imediações, conforme as indicações fornecidas pelo escasso espólio arqueológico recuperado.

A sepultura 6, a última a ser escavada, possui planta, dimensões e orientação em tudo semelhante à anterior. Esta sepultura encontrava-se também intacta, apresentando-se ainda parcialmente coberta por uma grande laje alongada, a qual, se não estivesse já ligeiramente deslocada da sua posição inicial, chegaria para a tapar completamente; uma segunda laje, mais pequena que a anterior e disposta transversalmente, cobria a extremidade Norte, sendo ambas de xisto grauvacóide. O covacho apresenta paredes e fundo de grande irregularidade, como se evidencia nos cortes longitudinal e transversal efectuados (Fig.16, Cortes L-M e N-O), apresentando a profundidade máxima de 0,60 m, o comprimento máximo de 1,5 m e a largura máxima de pouco mais de 0,50 m. No conjunto, verifica-se que a progressão da escavação, e a sequência da descoberta das sucessivas sepulturas, coincidiu quase em absoluto com o faseamento proposto para a construção da própria necrópole: assim, a Sepultura 1, que é também a mais evidente de todas e a única que se conhecia antes da escavação, terá sido a primeira a ser construída. Implantada na parte mais alta de um leve declive da crista da elevação, voltado para Sul, é a única sepultura que possui um lajeado circular envolvente, sacralizando assim o referido espaço. A segunda sepultura a ser construída, foi a Sepultura 2, implantada na adjacência da primeira, em contacto com a periferia do referido lajeado, mas não nele englobado; a proximidade cronológica é evidenciada até pelo facto de ser grande a semelhança arquitectónica entre elas. A terceira sepultura a implantar-se no terreno foi a Sepultura 4, de qualidade construtiva idêntica às anteriores, situada na periferia da considerada mais antiga, apenas a cerca de 1 m de distância; como se disse, trata-se de uma sepultura infantil, sendo evidente o cuidado com que foi construída. As restantes três sepulturas que integram a necrópole denotam uma marcada degradação

duas únicas sepulturas que se mantiveram intactas da necrópole, que são também as mais afastadas do núcleo original. Ambas conservam as respectivas tampas, de grauvaque ou de xisto grauvacóide, tendo certamente passado despercebidas aos saqueadores por se apresentarem a cotas inferiores face ao núcleo da necrópole, muito mais visível e proeminente. Assim, a Sepultura 5 é um simples covacho, de contorno sub-pentagonal, o mesmo se verificando na Sepultura 6, de planta sub-rectangular irregular.

Importa salientar que, fora as duas sepulturas intactas – Sepultura 5 e Sepultura 6 - das quatro sepulturas restantes, pelo menos três atestam indícios de violações antigas: tratase das Sepulturas 1, 2 e 4. Na primeira, tais indícios eram sugeridos pela própria posição das tampas que a cobriam, as quais foram levantadas mas não removidas do local, mantendo-se inclinadas sobre o espaço que inicialmente cobriam, indicando remoção cuidadosa, evitando qualquer destruição gratuita. O seu interior encontrava-se completamente preenchido por um sedimento fino, argiloso, de coloração amarelada e muito compacto, de mistura com blocos heterométricos de xisto grauvacóide de dimensões medianas. O mesmo tipo de enchimento foi observado nas Sepulturas 2 e 4. Deste modo, crê-se que o seu interior foi sendo progressivamente preenchido com sedimentos finos oriundos das áreas circundantes, para ali transportados pelas águas das chuvas, o que explica a sua elevada compacidade, a par de blocos de maiores dimensões resultantes da fragmentação das tampas ou dos esteios laterais. A falta de marcas de choques violentos nos esteios laterais das sepulturas, situação incompatível com o uso de picaretas e de pás, sugere que as caixas tumulares ainda se encontravam isentas de terras, aquando da violação, o que remete estas para uma época muito recuada, confirmada pela natureza dos respectivos enchimentos, de onde estão ausentes materiais modernos.

Fig. 17 – Planta da sepultura 5, onde se evidenciam as duas tampas.

Em abono da grande antiguidade destas violações, deve referir-se que não há memória de qualquer exploração arqueológica aqui realizada, desde os tempos pioneiros de Estácio da Veiga, cuja passagem pelo concelho de Alcoutim

em 1877 foi objecto de estudo recente (Cardoso & Gradim, 2004). A existência nestas sepulturas de violações antigas, remontando mesmo a épocas não muito distintas da sua construção e utilização foi, aliás, verificada em numerosas necrópoles da Idade do Ferro do Baixo Alentejo, como as de Fernão Vaz, Pêgo, Fonte Santa e Pardieiro (Correia, 1993, p. 354). Tais situações foram devidamente valorizadas por C. Beirão, admitindo que os sepulcros, à data de tais acções estivessem isentos de terras, ao contrário do actualmente ali observado (Beirão, 1986, p. 50). No entanto, note-se que a ausência de espólio não resultará, necessariamente, na maioria das situações, de antigas ou modernas violações: tal como em outras necrópoles, tanto da Idade do Bronze como da Idade do Ferro, também a Sepultura 5, que se encontrava intacta, não forneceu qualquer espólio, o que se explica pela efectiva pobreza das gentes que habitavam, na Idade do Ferro, estas paragens, só minorada pelo interesse mineiro de algumas ocorrências de cobre e de ferro então exploradas. Aliás, a existência de sepulturas intactas, mas desprovidas de espólio, foi uma realidade já identificada por Caetano Beirão, e depois sublinhada por outros (Jiménez Ávila, 2004) a qual agora se vê plenamente confirmada.

4.2 - Arquitectura funerária do núcleo ii 4.2.1 - A cista A escavação revelou tratar-se de uma cista de planta quadrangular, orientada Norte-Sul (orientação do norte magnético de 2004), em que cada um dos seus lados eram constituídos por esteios de grauvaque, exceptuando o lado poente, formado por dois esteios, um longo, estreito e regular, outro curto e espesso, visível na Fig. 20. O seu comprimento máximo atinge cerca de 1,50 m, enquanto a largura é cerca de três vezes menor. O fundo da cista corresponde ao substrato geológico, regularizado e, aparentemente, recoberto por fino leito de argila. Os cortes apresentados na Fig. 19 evidenciam que a profundidade máxima da cista, determinada pela diferença entre o esteio mais proeminente e o fundo, não ultrapassaria 0,80 m; na actualidade, o desnível máximo entre o terreno exterior adjacente e o fundo da cista, é muito menor, cerca de 0,40 m. Tal significa que houve erosão do lado externo da caixa

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Necrópole do Cabeço da Vaca tumular, a menos que os topos dos esteios da cista já se encontrassem, primitivamente, destacados no terreno, aspecto que será adiante discutido.

4.2.2 - A estrutura tumular envolvente A cista encontra-se implantada em pequena elevação bem marcada na microtopografia local, contribuindo, no contexto imediatamente envolvente, para a sua maior visibilidade. Apresenta-se circundada por empedrado cujo contorno original se encontra claramente cortado do lado noroeste, por um rasgo aproximadamente rectilíneo, produzido mecanicamente, no decurso das acções anteriores de florestação, bem evidenciado na Fig. 13 e na planta (Fig. 19). Na parte restante, o empedrado parece não ter sofrido assinaláveis prejuízos, estimando-se em cerca de 5 m o seu diâmetro original. A opção por esta designação será adiante discutida. Do lado oriental e na direcção Sul, a cista encontra-se prolongada por grande bloco de grauvaque (Fig. 13; Fig. 14), colocado no alinhamento do longo esteio que delimita a cista daquele lado. Desconhece-se qual seria a função de tão notável elemento construtivo, o qual, em qualquer caso, serviria de sólido reforço externo à cista propriamente dita; com efeito, é essa a função atribuída ao conjunto de blocos de grauvaque dispostos em torno da caixa tumular, nalguns casos com tendência radial (Fig. 18), realidade que se encontra bem evidenciada na planta (Fig. 19). Estes blocos correspondem à estrutura envolvente da cista, sendo o espaço entre eles, regularizado e colmatado por elementos angulosos de menores dimensões, também de grauvaque, formando como que um empedrado periférico. Merece destaque a existência de duas lajes no lado oriental da cista, de contorno sub-rectangular alongado, as quais não ostentam nenhum trabalho de afeiçoamento. Pelo seu diminuto peso, não poderiam contribuir para a estabilidade da estrutura tumular. Afastada a possibilidade de corresponderem a duas estelas, pela regularidade com que se encontram colocadas no terreno a níveis distintos, é crível que constituíssem dois degraus (Fig. 18), dispostos paralelamente e a cotas distintas. Assim sendo, estar-se-ia perante uma situação em. que a área empedrada envolvente não cobriria a cista, como se verificaria caso fosse um “cairn”, mas antes a circundava, a uma cota ligeiramente inferior. Naturalmente, a cobertura da cista seria assegurada por

uma ou mais lajes, das quais, porém, não se recolheu nenhum indício. Nestes termos, o monumento apresenta assinaláveis semelhanças com a cista megalítica do Cerro do Malhão (Alcoutim), de época calcolítica, na qual também se identificou um lajeado que envolvia a caixa tumular, bem destacada, no seu centro (Cardoso & Gradim, 2003). De igual modo, o lajeado identificado em torno da sepultura mais antiga da necrópole do Cabeço da Vaca I, encontrava-se delimitado, na sua periferia, por elementos colocados de cutelo, a uma cota inferior ao topo dos esteios da respectiva cista (Cardoso & Gradim, 2006, Fig. 6), indício de que se pretendia, igualmente, assegurar a individualidade do espaço funerário, mantendo a cista posição bem visível no terreno, a cota superior à da delimitação referida.

4.2.3 - estratigrafia Os esteios que constituem a cista assentam directamente no substrato geológico, sem que neste, ao contrário do observado noutros casos, tenha sido previamente aberto qualquer roço, para melhor garantir a respectiva fixação, tal como se pode observar na Fig. 20. Também o empedrado periférico foi assente directamente no substrato geológico, localmente constituído por xistos e grauvaques que, por alteração, deram origem a sedimento argiloso, de coloração castanho-amarelada. Esta realidade observa-se claramente no corte que seccionou parte do empedrado, já atrás aludido (Fig. 13). Assim, a única informação estratigráfica, embora de interesse limitado, corresponde ao enchimento do interior da cista; trata-se de depósito pouco consolidado, constituído por blocos heterométricos de grauvaque, ali acumulados em época recente, na sequência da violação do interior do monumento (Fig. 20). As características do enchimento sugerem que o monumento foi esvaziado e logo depois rapidamente entulhado. Contudo, o saque não chegou ao fundo da sepultura, porque, assente no chão primitivo desta, recolheu-se a única peça arqueológica relacionada com a inumação ali efectuada.

Fig. 18 – Vista, tomada de Noroeste, da cista do núcleo II da necrópole do Cabeço da Vaca, depois de concluída a escavação. Observa-se, em primeiro plano, vários blocos colocados radialmente, para reforçar externamente a estrutura, para além de outros, envolvendo a cista. Do lado esquerdo, jazem dois monólitos, também de grauvaque, sem afeiçoamento, atribuíveis a degraus, dada a sua morfologia e disposição no terreno.

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Necrópole do Cabeço da Vaca

Fig. 19 – Planta e cortes da císta do núcleo II da necrópole do Cabeço da Vaca.

Fig. 20 – Vista do enchimento, pouco consolidado, constituído por blocos heterométricos de grauvaque, do interior da cista do núcleo II do Cabeça da Vaca. Assente no chão primitivo da sepultura, e disposto longitudinalmente, observa-se punhal de ferro, que se situaria junto ao peito do inumado.

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Necrópole do Cabeço da Vaca

4.3 - o espólio recuperado no núcleo i sepultura 1 Provêm das terras crivadas oriundas do interior desta sepultura as seguintes peças: 1 - uma pequena conta de cornalina zonada, com coloração laranja-avermelhada e translúcida, com passagens esbranquiçadas, em forma de bago de romã, com pequeníssima furação realizada a partir de ambos os lados, na extremidade mais apontada, transformando assim o objecto em minúsculo pingente (Fig. 21, n.º 1; Fig. 22, n.º 1). A extremidade mais larga, correspondente à base da peça, exibe, logo acima do bordo, um sulco periférico que deverá corresponder a uma primeira tentativa de seccionamento do objecto. 2 - uma placa aproveitando seixo achatado de xisto, de grão muito fino, com marcas de fino desgaste em uma das faces, devido á sua utilização como afagador, ou brunidor de cerâmica (Fig. 22, n.º 3); sepultura 2 O interior desta sepultura forneceu dois fragmentos cerâmicos minúsculos de recipientes distintos. O primeiro corresponde fragmento de vaso, com paredes bem alisadas de coloração anegrada e acastanhada, respectivamente nas superfícies interna e externa, correspondendo provavelmente a uma taça. Outro fragmento de recipiente mais grosseiro, de coloração avermelhada, pertence a exemplar indeterminado de maiores dimensões. A pequenez destes fragmentos evidencia bem o estado de profunda fracturação recipientes sofreram, depois de terem sido removidos do interior do sepulcro. Com efeito, apenas dois, das dezenas de fragmentos assim produzidos foram de novo remobilizados, pelas águas das chuvas, para o interior da sepultura. sepultura 3 Uma pequena lasca de chert, proveniente do interior da sepultura, com bolbo e plano de percussão conservado, fracturada na parte distal, oposta ao talão, pode corresponder a vestígios de uma antiga ocupação pré-histórica estabelecida no topo da crista de relevos onde a necrópole ulteriormente se implantou. Trata-se, pois, de mais uma

evidência do acarreio de materiais, pelas águas de escorrência, da zona adjacente a cada cavidade tumular. Desta sepultura provém ainda um minúsculo fragmento cerâmico de recipiente de forma indeterminada, de coloração anegrada e textura média a grosseira.

de ambos os lados da forte nervura central, de secção aparentemente circular, após o excelente trabalho de restauro efectuado (Fig. 24). Devido a esse facto, não se tem a certeza de um desses objectos não poder corresponder ao conto da primitiva lança. De qualquer modo, o assinalável comprimento actual de ambos os exemplares, respectivamente de 51,5 cm (que originalmente atingia, pelo menos, 52,0 cm) e

49,5 cm (que ultrapassaria os 50,0 cm no estado de uso), bem como a secção, de contorno aparentemente circular, inscrevem estas pontas de lança no tipo mais frequente do sul do actual território português, pertencentes a contextos dos séculos VI/ V a.C., designadas por W. Schüle por “tipo Alcácer” (Schüle,1969).

sepultura 4 No exterior desta sepultura recolheram-se os seguintes objectos: 1 - três fragmentos cerâmicos, dois pertencentes eventualmente ao mesmo recipiente – um vaso grande de fundo plano – e outro a um pequeno recipiente indeterminado. A pasta deste último é anegrada e de textura média, enquanto a dos dois outros exemplares é castanho-avermelhada com núcleo negro e de textura média. Pelas dimensões desta sepultura, não parece aceitável que um recipiente de dimensões assinaláveis, como o correspondente aos dois exemplares recolhidos, estivesse depositado originalmente no seu interior; é mais provável que se trate de materiais arrastados para o local em que foram recolhidos. 2 - fragmento de pequena taça de carena baixa, bem marcada (Fig. 22 n.º 4), de pasta de textura média, com ambas as superfícies erodidas, de coloração castanho-escura, e interior de fractura da mesma cor. sepultura 5 Por baixo da tampa Noroeste desta sepultura recolheu-se minúsculo fragmento cerâmico possuindo, como alguns dos anteriores, o núcleo negro e as superfícies interna e externa castanho-avermelhadas. sepultura 6 Esta sepultura continha, do lado poente e provavelmente ao lado da perna direita do inumado, duas pontas de lança, sobrepostas, orientadas para o mesmo lado, com as pontas (boleadas, em ambos os casos) em contacto com o topo distal da sepultura (Fig. 23) As duas peças encontravam-se em péssimo estado de conservação, o que explica as assinaláveis faltas verificadas na asas da folha, que se desenvolveria

Fig. 21 – Espólios recuperados: 1- pingente de cornalina zonada, recolhido na crivagem das terras oriundas do interior da Sepultura 1 do núcleo I; 2- pequeno seixo de xisto, recolhido à superfície no núcleo I, com marcas de utilização e um dos lados menores desgastado e aplanado, em resultado da sua utilização como brunidor. Escalas em mm.

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Necrópole do Cabeço da Vaca 1.

2.

3.

Fig. 23 – Vista da Sepultura 6 depois de escavada, observando- se, no canto SW, as duas pontas de lança, de ferro, depositadas ritualmente, com as extremidades distais em contacto com o limite do covacho aberto no substrato geológico.

4.

exterior das sepulturas

5.

6.

Fig. 22 – Espólios recuperados: 1- pingente de cornalina, com furo de contorno sub-cilindrico numa das extremidades e indícios de corte na extremidade oposta (Sepultura 1); 2- pequeno seixo achatado de xisto utilizado como brunidor (recolha de superfície); 3- seixo fracturado de xisto, com uma das faces desgastada, utilizado como alisador (Sepultura 1); 4 a 6- fragmentos de pequenas taças de carena baixa,bem marcada, recolhidos na Sepultura 4 (n.º 4) e à superfície (n.º 5 e 6);

No espaço envolvente das sepulturas interessado pela escavação recolheu-se ainda, aquando da decapagem da superfície do terreno, o seguinte espólio:

3 - três fragmentos de recipientes de tamanho médio, de pastas de textura média, com núcleo anegrado e superfícies externa e interna acastanhadas;

1 - um seixo incompleto de grauvaque, com vestígios de polimento nas duas faces, talvez devido ao seu aproveitamento como movente de moinho manual e possuindo uma das extremidades com intensos sinais de percussão. Trata-se, pois, de um artefacto de características domésticas que reforça a hipótese de ter existido, no mesmo espaço da necrópole, uma anterior ocupação pré-histórica, talvez da Idade do Bronze, denunciada pela maioria das cerâmicas recolhidas;

4 - dois fragmentos de vasos de pequenas dimensões, um de pasta de textura fina, outro de textura média, ambos com paredes de fina espessura e com bom acabamento em ambas as superfícies, de coloração castanho-anegrada, e interior de fractura negra;

2 - um brunidor de cerâmica, aproveitando um seixo achado de xisto de grão muito fino, de contorno elipsoidal, desgastado em ambas as faces e ao longo de um bordo menor, aplanadado, utilizado como brunidor (Fig. 21, n.º 2; Fig. 22, n.º 2);

5 - dois bordos de recipientes de fina espessura, com pastas de textura média a fina, um de paredes quase direitas, erodido à superfície, de coloração acastanhada e interior de fractura negro; o outro, exteriormente espessado, de superfícies anegradas e brunidas, possui também o interior de fractura negro; 6 - dois fragmentos de taças de carena baixa e acentuada (Fig. 23, n.º 5 e 6), de pequenas dimensões, com pastas

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Necrópole do Cabeço da Vaca de textura média a fina, com superfícies castanho anegra das e interior de fractura negro; 7 - um fragmento de cristal de quartzo leitoso, de superfície de fractura irregular, translúcido, aparentemente utilizado como núcleo de lamelas.

4.3.1 - estudo comparado do espólio exumado 4.3.1.1 - o pingente em forma de bago de romã (Fig. 21, n.o 1, Fig. 22, n.o 1) Trata-se de exemplar sem equivalente nas necrópoles de cistas da Idade do Bronze do sul de Portugal. Com efeito, o paralelo mais próximo registou-se na necrópole do Monte de A-do-Mealha-Nova, Ourique, encontrado na crivagem das terras superficiais da sondagem realizada na área da necrópole, assim desrita (Dias, Beirão & Coelho, 1910, p. 178): “Uma pedra de colar, de cornalina, talhada em forma de bago de romã com o orifício de suspensão de perfuração bicónica e cujo único paralelo que conhecemos se encontra na vitrine 46 do Museu de Sines sem indicação de proveniência – o restante material desta vitrina é romano”: Com efeito, a descrição ajusta-se claramente à morfologia e matéria-prima do presente exemplar, o qual possui outro paralelo, ulteriormente publicado: trata-se também de pingente em cornalina, recolhido na Sepultura 1 da necrópole da Idade do Ferro de Pardieiro, Odemira, embora de maiores dimensões, pois atinge o comprimento de 37 mm (Beirão, 1990, p. 111, Fig. 8). No entanto, a furação, de pequeníssimo diâmetro, apesar da dureza do material, realizada a partir de ambos os lados, corresponde à situação observada no exemplar em estudo. Por último, deve ser mencionada que na necrópole de Fonte Santa (Ourique) se recolheram duas contas de cornalina, sendo uma delas oblonga, mas que nada faz supôr tratar-se de um pingente (Beirão, 1986, p. 71).

4.3.1.2 - As pontas de lança de ferro (Figs. 24, 25) É frequente o achado de pontas de lança de ferro em necrópoles da Idade do Ferro do Baixo Alentejo e Algarve. Como atrás se referiu, trata-se, na maioria dos casos, de

exemplares muito longos, de nervura central bem marcada e robusta, com diversos tipos de secção, como os exemplares em estudo, e ombros também bem assinalados na base, baptizados por W. Schüle como “AIcácer-Lanzen”. Contudo, exemplares bem conservados e completos são raros; entre eles, destacam-se as duas pontas de lança provenientes da sepultura 22 da necrópole de Alcácer do Sal (Paixão, 1983), cujos comprimentos actuais são, respectivamente, de 48,6 cm (originalmente pelo menos 49,5 cm) e 51,3 cm (originalmente pelo menos 53,0 cm). Estas elevadas dimensões têm paralelo na ponta exumada na cista dos Gregórios, Silves (Barros et al., 2005), com 47,7 cm (originalmente pelo menos 48,5 cm). Estas dimensões são, pois, idênticas às dos exemplares da necrópole do Cabeço da Vaca 1. O estudo comparativo que se desenvolveu, permitiu identificar as seguintes ocorrências de lanças de ferro em necrópoles do sul do actual território português: - necrópole de Pardieiro (Odemira): em um pequeno nicho intacto anexo à Sepultura 6 recolheram-se, sob um recipiente cerâmico, duas pontas e dois contos de lanças juntamente com alguns ossos; não foram dadas informações sobre o tamanho das lanças, bem como a natureza (humana ou animal, dos ossos. Também a Sepultura 8 forneceu um conto de lança, achado nas terras revolvidas pelos saqueadores. Enfim, a Sepultura 10 forneceu três pontas de lança e dois contos, também sem outras indicações adicionais, ainda que se declare serem semelhantes a outras encontradas em necrópoles da mesma região escavadas pelo autor (Beirão, 1990, p. 116). O autor atribui globalmente à necrópole, que configura marcada coerência interna, cronologia recuada. Da Sepultura 3 provém um cossoiro, que “revela com toda a probabilidade, uma sepultura feminina” (op. cit., p. 117). Seguindo o mesmo critério, as pontas e contos de lança revelariam sepulturas masculinas. Aliás, é interessante notar que os contextos de recolha deste tipo de objectos, bem como de facas de ferro, não continham contas de pasta vítrea ou de âmbar, o que coloca a possibilidade destas últimas pertencerem a sepulturas femininas. - necrópole de Chada (Ourique): esta necrópole repartia-se por dois sectores. Na Sepultura 1 do sector A recolheram-se dois fragmentos de lanças de ferro, muito alongadas, com nervura de secção sub-trapezoidal; da Sepultura 2 do mesmo sector provém uma lança dobrada em U invertido, bem como dois contos, conservando o alvado. Por seu turno, a Sepultura 1 do Sector B forneceu duas pontas de

lança, ambas recurvadas, e um conto (Beirão, 1986, Figs. 23, 24, 25, 27 e 28). Uma vez mais, apenas a Sepultura 2 do Sector B forneceu duas contas de pasta vítrea oculadas, não se misturando com as armas aludidas. Estas, apesar de mal conservadas, correspondem a exemplares muito longos e, quando as secções o permitem, de contorno sub-trapezoidal a sub-circular. - necrópole de Fonte Santa (Ourique): a análise do espólio recolhido nas dezassete sepulturas exploradas (Beirão, 1986, p. 71, 73, 74) confirma a dicotomia, mutuamente exclusiva, entre armas e contas de colar: com efeito, apenas a Sepultura 1 continha três contas de vidro e armas, mas as primeiras, segundo o escavador, provêm da violação da Sepultura 4 (Beirão, 1986, p. 71). Esta sepultura continha duas pontas e dois contos de lanças ou javalinas, encostados à parede do recinto; mas a diferenciação não é apresentada pelo autor, que também não indica as dimensões dos exemplares. Na Sepultura 6, recolheram-se dois outros exemplares, encostados à parede sul do recinto, possuindo ambas as pontas orientadas para Oeste e, em posição oposta, dois contos, com a extremidade distal apontada a Leste, e distanciados cinquenta centímetros das primeiras. Esta particularidade levou Caetano Beirão a considerar que, originalmente, as extremidades estivessem em conexão, constituindo de facto duas javalinas. Esta conclusão é, aliás, apoiada pela realidade observada pelo próprio: não possuindo a sepultura mais de 80 cm de largura máxima e encontrando-se as peças de cada conjunto afastadas 50 cm, sobram 30 cm para o comprimento conjunto de cada uma das pontas e respectivo conto, dimensões incompatíveis com o grande comprimento das pontas das verdadeiras lanças. Por último, na Sepultura 14 encontrou-se, sobre o fundo, uma ponta de lança com lâmina mais larga e curta que as restantes recolhidas na necrópole. Infelizmente, não se apresentam quaisquer desenhos dos exemplares mencionados. - necrópole de Alcácer do Sal (Alcácer do Sal): a notável panóplia guerreira recolhida na necróple de Alcácer do Sal desde o século XIX foi já objecto de inventário (Schüle, 1969), faltando, contudo, dar a conhecer de forma adequada outros espólios ulteriormente exumados por A. Cavaleiro Paixão. Na sua classificação tipológica, o autor alemão reproduz as lanças e contos conservados no Museu Nacional de Arqueologia (Tf. 102, 103 e 104). As primeiras, correspondem em geral a exemplares muito longos, munidos ou não de nervura central, a qual, quando existe, conferem aos exemplares secção variável: bicôncava, ou com crista

central aguda ou boleada; as que possuem nervura de secção sub-rectangular, sub-quadrangular, sub-triangular ou ainda sub-circular exibem, em geral, ombros mais salientes na base que as restantes; dois exemplares deste tipo, com nervura de secção sub-quadrangular a sub-trapezoidal, acompanhados dos respectivos contos, foram recolhidas no decurso das escavações dirigidas por A. Cavaleiro Paixão na sepultura 22/80 (Paixão, 1983, p. 282). Os exemplares surgiram aos pés da sepultura, e não exibem quaisquer deformações intencionais (op. cit. Fig. 5), atingindo os 50 cm de comprimento máximo. - tholos do Monte do Outeiro (Aljustrel): a reutilização na Idade do Ferro deste monumento funerário calcolítico encontra-se corporizada, pelo menos, por duas extremidades de lanças de ferro, coladas uma à outra pela forte oxidação existente à superfície. Apresentam o comprimento de 14,5 cm e 13,6 cm, possuindo uma nervura longitudinal de secção sub-circular (Schubart, 1965, Est. II, f). O facto de se encontrarem fracturadas pode dever-se a uma intenção de as inutilizar aquando da deposição funerária que acompanhavam. A reutilização de sepulcros calcolíticos, no sul do actual território português, tanto na Idade do Bronze como na Idade do Ferro foi objecto de recente inventariação (Cardoso, 2005), conhecendo-se no território andaluz, muitas outras situações semelhantes (Lorrio & Montero-Ruiz, 2004). - necrópole da Herdade do Pego (Ourique): o Monumento IV, o melhor e mais completo túmulo da necrópole, forneceu abundante espólio, verificando-se, ao contrário dos exemplos anteriores, a presença de uma lança de ferro e de uma conta de vidro. A lança, que jazia encostada à parte média da parede nascente do recinto tumular, possui o comprimento actual de 22,5 cm, tem nervura longitudinal de secção sub-rectangular a sub-trapezoidal e ombros bem marcados, sendo assim idêntica a alguns dos exemplares de Alcácer do Sal. Partida na metade inferior da folha, o seu comprimento original seria próximo dos 50 cm; por não se terem evidenciado quaisquer testemunhos da parte em falta, e por ser igual na zona fracturada a oxidação observada na parte restante da peça, concluiu-se que “a fractura da lança é propositada, e evidentemente contemporânea da tumulação” (Dias, Beirão & Coelho, 1970, p. 189). - necrópole do Monte de A-do-Mealha-Nova (Ourique): o Monumento i1i possui, tal como o anterior, planta rectangular; no seu interior recolheu-se um recipiente cerâmico e restos muito oxidados de uma lança, representada pela

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Necrópole do Cabeço da Vaca ponta e respectivo conto, cuja posição dentro da sepultura era também idêntica à observada naquele. O comprimento actual da folha é de 22 cm e a sua secção inscreve-o no tipo representado pelas lanças de Alcácer (Dias, Beirão & Coelho, 1970, p. 202). Tal como a ponta de lança anterior, é provável que a fractura da folha observada neste exemplar, se deva a preceitos rituais. - necrópole dos Gregórios (Silves): constituída por, pelo menos duas cistas escavadas nos xistos e grauvaques do Carbonífero, a intervenção realizada apenas incidiu sobre a que se encontrava em perigo de destruição, evidenciada à superfície do terreno pelos topos de três esteios de arenito de Silves; definiam uma caixa sub-rectangular, com uma dimensão interna de 1,10 por 0,60 m, a qual se encontraria orientada Este-Oeste (Barros et al., 2005, p. 46). Contudo, a foto publicada da mesma (Fig. 2), indica que a real orientação era a de NE-SW. No interior, foi identificado restos de um esqueleto depositado sobre o lado direito, em posição flectida, atribuível a mulher jovem, com base em algumas características anatómicas. Esta determinação está em aparente contradição com o achado de uma ponta de lança, acompanhada do respectivo conto, colocados lado a lado sob a cabeça do inumado, do lado SW, dispostos paralelamente ao esteio de cabeceira. O restante espólio integra 17 contas de pasta vítrea, ainda na posição original, constituindo um colar em torno do pescoço e um pote de cerâmica manual/ torno lento, encontrado no meio dos fragmentos da laje de cobertura. A tipologia da lança, que se encontra deformada em arco e afectada pela corrosão, integra-se no grupo das pontas de lança de Alcácer, extremamente longas, com nervura central e folha com ombros marcados na base (op. cit., Fig. 4). O comprimento actual é de 47,7 cm e o conto atinge 48,5 cm. A ocorrência de uma arma com estas características em uma sepultura feminina (a confirmar-se esta atribuição), aparentemente realçada pela presença do colar, merece ser aprofundada, no quadro dos preceitos funerários dos séculos VI/V a.C., de acordo com a cronologia atribuída aesta sepultura. - necrópole de Fonte Velha de Bensafrim (Lagos) e outras necrópoles de cistas do Algarve: a necrópole de Fonte Velha é a mais emblemática necrópole de cistas da Idade do Ferro do sul do actual território português, tornada célebre por Estácio da Veiga, que a publicou (Veiga, 1891). A respectiva planta (op. cit., Est. XXVII), complementada por outra existente no Museu Municipal Dr. Santos Rocha, na

4.3.1.3 - os recipientes cerâmicos

Figueira da Foz e realizada aquando das escavações ali efectuadas pelo referido arqueólogo (Correia, 1997 a, Fig. 4), indicam uma orientação geral das sepulturas NNW-ESW. Os espólios eram em geral pobres, avultando contas de colar de vidro e alguns adereços de bronze; nota-se a quase ausência de armas: Estácio da Veiga atribuiu a pontas de lança dois objectos de aspecto informe, por si reproduzidos (Veiga, 1891, Est. XXIX, n.º 17, 19), cada um deles recolhido em sua sepultura. A cronologia atribuída a esta necrópole não é anterior ao século VI a.C., correspondendo as lápides epigrafadas da Idade do Ferro ali encontradas a reaproveitamentos ocasionais.

Os três recipientes recolhidos e que se apresentam tipolagicamente definidos – dois obtidos na limpeza superficial do terreno (Fig. 23, n.º 5, 6) e outro no interior da Sepultura 4 (Fig. 23, n.º 4) – não se integram no quadro das produções cerâmicas usuais das necrópoles da Idade do Ferro do sul do actual território português. Pequenos recipientes como os exumados, possuindo carenas baixas e bem marcadas, e paredes de espessura média, diferem dos escassos exemplares carenados assinalados da Idade do Ferro que se conhecem, como os recolhidos na Sepultura II da Herdade do Pego (Dias, Beirão & Coelho, 1970, p. 204). Com efeito, os exemplares em causa são vasos de paredes finas, de carenas médias pouco marcadas ou de perfil suave, semelhantes aos exemplares do Bronze Final recolhidos na tholos do Malhanito, Alcoutim (Cardoso, 2005), associados à tumulação realizada nessa época na câmara do monumento. Recipientes idênticos foram encontrados recentemente em estratigrafia no Castro dos Ratinhos (Moura), nas camadas de uso, destruição e abandono da Fase 1, situada entre os séculos VII e VI a.C. (Silva & Berrocal-Rangel, 2005, Figs. 7 e 9).

São esporádicas e incompletas as referências a outras necrópoles algarvias desta época; é o caso da cista de Corte de Pére Jacques (Aljezur), onde se recolheu uma epígrafe, igualmente resultante de reaproveitamento, cujo espólio era constituído exclusivamente por contas de colar de vidro (Correia 1997 a, p. 268); da necrópole de cistas de Câmaras da Portela (Silves), escavada por Estácio da Veiga; e da cista de Alagoas (Loulé), com uma lápide epigrafada marcando a cabeceira. - necrópole de Corte Margarida (Aljustrel): a intervenção de emergência realizada junto a talude da E.N.2, entre Aljustrel e Ervidel, permitiu evidenciar uma necrópole constituída pelo menos por duas cistas, formadas por caixas definidas por esteios de xisto, implantadas em substrato xistoso da mesma natureza (Deus & Correia, 2005). No conjunto, recolheu-se um notável espólio, com a presença de materiais orientalizantes, como um escaravelho com inscrição do faraó Pedubaste (817-763 a.C.), de provável produção de Naucrátis, atribuída ao século VI a. C. (Arruda, 2001, p. 247). Exemplar idêntico, de faiança verde-clara, montado em anel com moldura giratória provém da necrópole do monte de A-Mealha Nova, Ourique (Dias, Beirão & Coelho, 1970, p. 181, 182).

As formas carenadas identificadas em Cabeço da Vaca I são, ao contrário, características do Bronze do Sudoeste. Esta situação merece discussão, adiante apresentada. Outros fragmentos integram-se no Bronze Final ou já na Idade do Ferro: é o caso de dois pequenos exemplares com paredes de fina espessura e bom acabamento superficial, um dos quais conservando cuidado brunimento, recolhidos à superfície, conservando ambos com parte do bordo (Fig. 23, n.º 7 e 8).

4.4 – espólio da cista do núcleo ii Apenas se identificou um punhal de ferro, disposto longitudinalmente no fundo primitivo da cista, a cerca de um terço do seu comprimento, no sentido Norte-Sul, com a extremidade distal apontando para sul (Fig. 20). Assim, é provável que a sua posição original no corpo do inumado se situasse pouco acima da cintura, na hipótese de o corpo se apresentar colocado em decúbito dorsal, com a cabeça do lado norte.

Apesar de não ter fornecido qualquer lança de ferro, nem por isso deixa de ser relevante a menção a Corte Margarida, na óptica do exercício comparativo que se tem vindo a desenvolver, dada a importância desta necrópole de cistas da I Idade do Ferro para a discussão que adiante se apresentará. Com efeito, trata-se da ocorrência mais setentrional deste tipo de sepulturas até ao presente conhecido no território português, sem contar com as sepulturas cistóides de inumação já da II Idade do Ferro, de Casalão, Sesimbra (Serrão, 1964). Fig. 24 – Pontas de lança, de ferro, recolhidas na Sepultura 6 (ver Fig. 23).

Trata-se de uma lâmina aparentemente rectilínea, terminando por uma guarda lisa, de prata, de contorno losânguico (Fig. 25). Falta-lhe a empunhadura, que aparentemente possuía a

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Necrópole do Cabeço da Vaca

5 - DisCussão

forma de um espigão, destinado à fixação do cabo, da qual se conserva o arranque. As dimensões actuais da peça são as seguintes:

5.1 - integração cronológico-cultural da necrópole

Comprimento total- 28,5 cm Comprimento aproximado da lâmina - 26,5 cm Largura máxima da lâmina - 3,0 cm Espessura máxima da lâmina - 1,0 cm Largura máxima da guarda, de prata - 3,0 cm Altura máxima da guarda, de prata - 1,3 cm. O mau estado de conservação do ferro impede que, não só, se conheçam as verdadeiras dimensões da peça, mas também a sua própria morfologia, conducente a uma classificação mais segura. Com efeito, a opinião do Prof. Fernando Quesada Sanz, da Universidade Autónoma de Madrid, consultado a tal respeito, em Setembro de 2007, foi a seguinte: Muchas gracias por su carta y su amabilidad. Lamentablemente, no puedo corresponder a su confianza con una respuesta precisa. Tipologicamente el punal no tiene paralelos cercanos, y sólo puedo hacer unas consideraciones que me temo son bastante imprecisas. EI pésimo estado de conservación de la hoja impide además saber si tuvo estrías o acanaladuras, o incluso cual era la sección original. Como también falta el pomo, los dos elementos críticos para clasificar están ausentes en este arma. En principio, las características dei arma permitirían descartar su correspondencia a cualquier momento posterior a mediados dei s. V a. C. Desde el 450 a.C. en Iberia los punales adoptan unas características tipológicas definidas, y este punal no corresponde a ninguna de las variantes conocidas en lo que a grandes rasgos podríamos considerar ‘Segunda Edad dei Hierro’. Precisamentedurante el ‘Hierro /’ en términos genéricos, entre digamos el 700 y el 500 a. c., el rasgo característico dei reducido numero de armas de hierro que conocemos es su variedad formal, simplicidad de las hojas, filos rectos... y empleo de plata en remaches de cuchillos afalcatados de los siglos VII-VI a.C. Así que una fecha en ese marco cronológico sería posible, pero no puedo proporcionarle un paralelo cercano ni ai tamano ni a la guarda forrada de plata, porque no conozco ninguno. Lamento no poder ser más útil, pero si Ilego a conocer alguna pieza similar; se lo haré saber de inmediato. Fig. 25 – Desenho do punhal de ferro, com a guarda de prata recolhido na cista do núcleo II.

O aparecimento de recipientes característicos do Bronze do Sudoeste na área ocupada pela necrópole de cistas do Cabeço da Vaca I, tendo um desses recipientes sido recolhido no interior de uma delas (Sepultura 4), leva a admitir a hipótese de as sepulturas mais antigas da necrópole poderem ser ainda do Bronze do Sudoeste e não da Idade do Ferro pois, do ponto de vista estritamente arquitectónico, uma e outras não exibem caracteres diferenciadores. A ser assim, as Sepulturas 1 a 4 poderiam pertencer a essa fase mais antiga da necrópole, a que somaria, mais tarde a Sepultura 6 e a Sepultura 5, embora esta não possua espólio. Tal sucessão está, aliás, de acordo com a sequência construtiva interna proposta, face à distribuição espacial dos monumentos e constituiria um reforço para o reconhecido potencial simbólico detido pelos espaços sepulcrais pré-existentes, para as populações da Idade do Ferro, como se conclui pelas frequentes reutilizações de tais espaços nesta época (Correia, 1997 b, p. 67; Cardoso, 2005).

domésticos como funerários. Acresce que não seria normal a deposição, na pequena sepultura infantil (Sepultura 4) de um grande recipiente, que, se nela coubesse, a ocuparia quase totalmente, sendo mais aceitável a hipótese de os fragmentos que ali jaziam tenham provindo do exterior, por acarreios das águas pluviais. Acresce que os dois polidores de cerâmica encontrados, um na limpeza da superfície do terreno (Fig. 22, n.º 2), outro no interior as Sepultura 1 (Fig. 22, n.º 3) são, também, peças características de contextos habitacionais, não se encontrando registadas ocorrências similares em contextos funerários. Por fim, a ocorrência de um pequeno cristal de quartzo com indícios de levantamentos de lamelas de um dos seus lados proveniente da limpeza do terreno, corrobora uma ocupação pré-histórica do local, juntando-se ao movente de mó manual, com indícios de utilização como percutor também recolhido à superfície e à lasca de chert com bolbo e talão de percussão proveniente do interior da Sepultura 3.

Contudo, existem argumentos que suportam alternativa a este modelo, talvez demasiado simplista. Com efeito, a recolha de um pingente de cornalina, oriunda do interior da Sepultura 1 (Fig. 22, n.º 1), com a forma típica de bago de romã, idêntica à recolhida na necrópole de Monte de A-do-Mealha-Nova – forma desconhecida na Idade do Bronze do sul do actual território português – deve ser valorizada. Assim, em alternativa ao modelo anterior, poder-se-á admitir a existência de um pequeno sítio habitado do Bronze do Sudoeste, no mesmo local da crista da elevação onde, mais tarde, se implantou a necrópole da Idade do Ferro. A ter sido assim, os fragmentos de materiais cerâmicos recolhidos não teriam resultado de destruições do espólio existente no interior das sepulturas, ocorridas aquando do esvaziamento destas, com ulterior espalhamento pela área envolvente, mas sim de testemunhos da primitiva ocupação doméstica do sítio. Parece mais legítima esta perspectiva, atendendo, por um lado, à tipologia da conta recolhida na sepultura considerada justamente a mais antiga da necrópole e, por outro, à sua mais evidente conexão com um espólio funerário, comparativamente à dos fragmentos cerâmicos exumados, que tanto são característicos de contextos

Em conclusão: existem argumentos favoráveis a admitir uma ocupação de carácter habitacional do sítio no decurso do Bronze do Sudoeste, explicada pela extraordinária visibilidade que dele se detém, tanto para Norte como para Sul, correspondendo-Ihe uma pequena comunidade cujos sepulcros, organizados em necrópoles de importância variável, são frequentes na região. Basta referir a necrópole de Soalheironas, explorada sob orientação dos signatários, em 2005. Aliás, esta realidade é idêntica à observada em geral nas restantes áreas do Bronze do Sudoeste, onde a evidência das necrópoles contrasta com a "penumbra'; característica dos correspondentes povoados, só por acaso localizados no terreno, como como a presente situação. Com efeito, na área do Bronze do Sudoeste, apenas se encontra explorado o povoado do Pessegueiro, na área de Sines, situado em zona anexa à necrópole do mesmo nome (Silva & Soares, 1981) contrastanto com a abundância das necrópoles. Face ao exposto, considera-se muito mais significante para a fixação da idade do núcleo mais antigo da necrópole, a presença do pingente de cornalina, oriundo da Sepultura 1,

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Necrópole do Cabeço da Vaca repita-se, a mais antiga da necrópole, que a ocorrência das referidas cerâmicas, no estado em que foram encontradas. Aliás, entre estas ocorrem dois fragmentos que, pela fina confecção e acabamento, são compatíveis com a Idade do Ferro, ambos recolhidos na área exterior das sepulturas seriam os únicos testemunhos dos espólios funerários, vindo a misturar-se depois de saqueadas as sepulturas onde jaziam, com os fragmentos mais antigos do Bronze do Sudoeste, pré-existentes no local. Do ponto de vista cronológico e de integração cultural, a construção desta necrópole deve ter mediado, como outras, com pontas de lança comparáveis, entre o século VI e o século V a.C., sem prejuízo de ter funcionado algumas dezenas de anos, como se deduz da diversidade das respectivas arquitecturas tumulares. No caso da Cista do núcleo II, embora limitado pelo mau estado de conservação do punhal, a opinião do reputado especialista em armamento antigo peninsular conduz a situar esta rara peça entre o armamento da I Idade do Ferro, conclusão que é compatível com a cronologia da sepultura, situável no século VI a.C.

5.2 - Aspectos rituais do núcleo i As duas pontas de lança encontradas no interior da Sepultura 6 em posição ritual (ou, em alternativa a ponta e o conto de lança), são os elementos mais relevantes do espólio encontrado. Pelas ocorrências acima referidas, verifica-se ser frequente a deposição sepulcral de pares de pontas de lança, por vezes acompanhados dos respectivos contos, embora também ocorram exemplares isolados. A deposição de pares deste tipo de peças pode ter significado ritual, já sublinhado por Caetano Beirão, ao encontrar as duas javalinas atravessadas num dos topos da Sepultura 6 da necrópole de Fonte Santa, mencionando que, em cemitério ateniense, tal era uma prática frequente (Beirão, 1986, p. 73, nota 1). Também a mutilação intencional de pontas de lança deve ser assim entendida. Tal mutilação poderia passar pela fractura das peças, com a deposição apenas de fragmentos, explicitamente indicada por alguns autores, a propósito do fragmento recuperado no Monumento IV da necrópole de Fonte Santa, Ourique (Dias, Beirão & Coelho, 1970, p. 189), correspondente a porção da metade superior da folha. É também dessa forma que se explica a presença dos dois

fragmentos correspondentes à metade superior da folha, conservando as pontas e colocados lado a lado, oriundos da tholos do Monte do Outeiro, Aljustrel (Schubart, 1965, Est. II, f). A mutilação poderia envolver apenas a deformação dos objectos, por dobramento, observada em diversos casos, como na ponta de lança de ferro da necrópole de Chada, Ourique (Beirão, 1986, Fig. 24) ou na cista dos Gregórios, Silves (Barros et al., 2005, Fig. 4). Contudo, noutros casos não se observaram deformações de monta: na sepultura 22 da necrópole do Olival do Senhor do Mártires, Alcácer do Sal, as duas lanças recolhidas apresentam-se intactas, apenas com falta das extremidades, explicáveis por simples corrosão (Paixão, 1983, Fig. 5), apesar da frequência das deformações observadas em inúmeras armas de ferro dali provenientes. Tal é também o caso dos dois exemplares em apreço: embora profundamente atacados pela corrosão, apresentam-se completos e não deformados.

5.3 - Rituais funerários da cista do núcleo ii As assinaláveis dimensões da cista, com um comprimento interno de cerca de 1,50 m, permitia a deposição de um corpo em decúbito lateral com braços e pernas flectidos. É provável que fosse essa a posição adoptada na única inumação que a cista terá recebido, hipótese reforçada não só pelos exemplos coevos conhecidos localmente, mas também pelas restantes cistas algarvias da I Idade do Ferro, como as da célebre necrópole de Bensafrim (Cardoso & Gradim, 2006). O maior tamanho da cista em apreço pode, pois, explicar-se, não por ter sido diferente o ritual funerário nela utilizado, mas pela maior importância da personagem no seio da comunidade que utilizaria o núcleo funerário adjacente.

6 - CoNCLusões: A NeCRópoLe De CAbeço DA VACA No quADRo DAs ARquiteCtuRAs FuNeRáRiAs DA iDADe DoFeRRo Do suL Do ACtuAL teRRitóRio poRtuGuês 6.1 - o núcleo i Tem sido afirmada repetidamente, por diversos autores, a existência de diferenças arquitectónicas nítidas entre as necrópoles algarvias da Idade do Ferro e as que, a partir da encosta nordeste da serra do Caldeirão, se desenvolvem para norte, já no Baixo Alentejo (Correia, 1997 a, p. 272). Assim, as primeiras, constituídas por cistas simples, aparentemente desprovidas de tumuli, paradigmaticamente representadas pela necrópole de Fonte Velha (Loulé), contrastam, na sua simplicidade, com as necrópoles da Idade do Ferro do sul do Baixo Alentejo, cujo faseamento interno foi proposto por Caetano Beirão e ulteriormente sistematizado por Vergílio Hipólito Correia (Correia, 1993, p. 360). Tais necrópoles seriam caracterizadas por monumentos que se foram adossando sucessivamente uns aos outros, sendo os mais antigos os de planta circular, a que se sucedem outros, de planta rectangular, sem prejuízo de existirem monumentos isolados, constituídos por tumuli rectangulares, e, enfim, monumentos em π, que são os mais modernos da série. Um destes últimos monumentos foi escavado por Caetano Beirão, junto á povoação de Mestras, também no concelho e Alcoutim (Beirão, 1986, Fig. 7), indício da coexistência, no espaço, mas não no tempo, de soluções arquitectónicas funerárias distintas, ao longo da Idade do Ferro nesta região do Alto Algarve oriental, sendo naturalmente mais antigas as necróloles de cistas, como a agora estudada. A aparente dicotomia registada na arquitectura funerária da Idade do Ferro teria antecedentes directos na Idade do Bronze. Com efeito, enquanto as necrópoles algarvias se apresentam sob a forma de cistas, desprovidas aparentemente de tumuli, como é o caso das de Alcaria (Monchique), Pereira (Monchique), Vinha do Casão (Loulé), Corte do Guadiana (Castro Marim) Cerro da Eira da Estrada (Castro Marim) (Gomes, 1994, Fig. 64), já as cistas que integram as necrópoles baixo alentejanas se apresentam frequentemente integradas em recintos, que se vão complexificando à medida que se sucederam os enterramentos, assumindo o conjunto o aspecto de favo. Exemplo paradigmático desta organização funerária é fornecido pela necrópole de Atalaia (Ourique); em alternativa, as sepulturas, de tipo cistóide,

integram-se em recintos de planta circular, como a necrópole de Panóias, Ourique, ou ainda em recintos de planta rectangular, adossados uns aos outros, como é o caso da necrópole de Provença, Sines. Contudo, a organização interna observada na necrópole da Alfarrobeira, Silves, na qual foi possível a elaboração de proposta para o desenvolvimento arquitectónico nela observado (Gomes, 1994, Fig. 50), idêntica à das necrópoles do litoral baixo alentejano da região de Sines (Silva & Soares, 1981), veio provar que, no Algarve, também existiam os dois tipos de situações: necrópoles de cistas simples, desprovidas aparentemente de tumuli; e necrópoles de cistas integradas em recintos, e providas de tumuli. O panorama na Idade do Ferro é, também, mais complexo daquele que se julgava como adquirido há bem pouco tempo (Correia, 1997 a, p. 272) e tão taxativamente expresso pela frase "a diferença entre estas duas arquitecturas funerárias é evidente e parece estar no seguimento do mesmo fenómeno observado durante a Idade do Bronze" (Arruda, 2000, p. 102). Com efeito, a descoberta da necrópole de Corte Margarida, da qual infelizmente só se escavaram duas cistas, em pleno Baixo Alentejo (Deus & Correia, 2005), veio mostrar que a referida dicotomia não é tão generalizada e evidente como se supunha. Aliás, a própria localização geográfica da necrópole de Cabeço da Vaca 1, dominando um vasto horizonte para norte, que penetra francamente na região baixo alentejana, faz pressupor outras ocorrências já neste último espaço geográfico, sem embargo de se implantar em zona de transição. As mais antigas necrópoles da região de Ourique, constituídas por monumentos de planta circular, foram reportadas ao século VIII a.C. pleno, "pela necessidade de considerar esta arquitectura como absolutamente posterior à sua origem óbvia, as necrópoles Tipo Atalaia, de que a epónima está datada pelo C14, numa fase avançada do seu desenvolvimento, de 1105-800 a.C. (...)" (Correia, 1997 b, p. 360, nota 3). Contudo, a validade deste raciocínio encontra-se prejudicada pela própria validade da data em que directamente se apoiou. Na verdade, como bem assinalou

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Necrópole do Cabeço da Vaca A. M. Arruda, sem colocar reservas explícitas à data mencionada, embora as similitudes arquitectónicas entre os dois grupos de monumentos funerários sejam evidentes, não permitem "afirmar, taxativamente, que estes últimos se seguem, de imediato, aos primeiros" (Arruda, 2001, p. 283). Registe-se, porém, que esta mesma autora, no ano imediatamente anterior, havia defendido hipótese contrária, ao declarar, a propósito das necrópoles algarvias e baixo alentejanas da Idade do Ferro que "A distinção entre as duas arquitecturas funerárias é evidente e parece estar no seguimento do mesmo fenómeno observado durante a Idade do Bronze" (Arruda, 2000, p. 102). Mas a data obtida em Atalaia, não pode, na verdade, até por ter sido obtida sobre madeira carbonizada, material que, como é sabido, enferma de severas limitações, ser conectada a qualquer fase de construção da necrópole referida. Com efeito, H. Schubart publicou três datas, todas elas obtidas sobre amostras de madeira incarbonizada, mas apenas uma (KN – I 201) se aproxima da cronologia outrora atribuída ao final do Bronze II do Sudoeste, a qual, calibrada para anos de calendário deu o resultado de 1105-800 cal BC (Soares & Cabral, 1984, p. 194). As restantes datas correspondem a cronologia calcolítica, remontando ao II milénio a.C. (KN – I 200), ou já aos tempos históricos (KN - I 204) (Schubart,1975, p. 170, 171). Conclui-se, deste modo, que houve uma selecção apriorística, optando-se por uma determinada data, supostamente adequada, de acordo com enquadramento cronológico que ao tempo se atribuía ao Bronze do Sudoeste, fazendo corresponder o seu final aos finais do II milénio/inícios do I milénio a.C., realidade que o tempo veio desmentir (Schubart, 1975, Abb. 25). Com efeito, o final das necrópoles de cistas do Bronze do Sudoeste não ultrapassa, na melhor das hipóteses a data de 1100 anos a.C., coincidindo com a emergência do Bronze Final II (Torres Ruiz, 2002, p. 352) sendo as contas de pasta vítrea encontradas na sepultura 22 do monumento V compatíveis com tal cronologia: H. Schubart (1975, p. 100) admitiu para tais exemplares cronologia abarcando toda a segunda metade do II milénio a.C., o que é compatível com o achado de contas idênticas no povoado do Bronze Final do Passo Alto, Serpa (comunicação pessoal do Eng. A. M. Monge Soares,que se agradece). Fica, deste modo, por preencher, uma lacuna de vários séculos, entre as últimas tumulações efectuadas na necrópole de Atalaia e as mais antigas tumulações sidéricas da mesma região, mesmo admitindo queestas se tenham de

facto iniciado no século VIII a.C., conforme a proposta de C. Beirão e de V. H. Correia, actualmente contestada por vários autores, apontando cronologia muito mais recente, em torno ao século V a.C. (Jiménez Ávila, 2004, p. 107, 108). Nestas condições, não será possível continuar a aceitar a filiação directa das necrópoles da Idade do Ferro do Baixo Alentejo, naquelas que, na mesma região, se encontram documentadas na Idade do Bronze. E, no que concerne mais directamente ao presente trabalho: será viável admitir a filiação directa das cistas algarvias e baixo-alentejanas das necrópoles da Idade do Ferro nas suas antecessoras do Bronze do Sudoeste? Também neste caso a resposta, no estado actual dos nossos conhecimentos, só pode ser negativa, dada a existência de lacuna, de vários séculos, que mediou entre as primeiras e as segundas, as mais antigas das quais não devem ser mais antigas que o início do século VI a.C., por muito aliciante que, à primeira vista possa parecer a hipótese contrária, admitida por A. M. Arruda (Arruda, 2000, p. 102). Na região de Alcoutim, a necrópole de cistas do Cabeço da Vaca 1 poderia pertencer ao século VI a.C., enquanto que, logo no século seguinte, a tradição se teria perdido, como parece evidenciar-se pelo túmulo de Mestras, já anteriormente referido, construção tipicamente em π, pertencente já à tradição de incineração em urna, atribuída por Caetano Beirão e Virgílio Hipólito Correia ao século V a.C. Neste contexto, ganham renovado interesse as duas inscrições da I Idade do Ferro recolhidas no concelho de Alcoutim, uma delas aparentemente, associada ao referido túmulo (Beirão, 1986, n.º 35 e n.º 20, p. 48). A interpretação, naturalmente complexa, da arquitectura funerária, suas modalidades e rituais associados na área em apreço encontra-se ainda dificultada pelas lacunas que, unanimemente, são reconhecidas e ainda persistem, tendo ainda presente a existência, não de continuidades – sempre difíceis de comprovar – mas, mais plausivelmente, de situações recorrentes: é o caso da Sepultura 1 da necrópole em estudo, que se encontrava envolvida por uma estrutura pétrea, mas que não correspondia a cobertura tumular, como a identificada nas cistas do Bronze do Sudoeste, como a do Talho do Chaparrinho, Serpa (Soares, 1994) e da necrópole de Atalaia, Ourique. Na verdade, esta superfície lajeada tinha a função essencial de envolver a cista, criando um espaço sacralizado em todo o seu redor, cuja função é muito parecida à identificada na cista

Fig. 26 – Vista geral do núcleo I da necrópole após as acções de preservação e consolidação.

megalítica do Cerro do Malhão, Alcoutim, do Neolítico Final ou já do Calcolítico (Cardoso & Gradim, 2003). Assim a aparente excepção que constituía tal descoberta no monumento em apreço, encontra-se, agora, completada pela descoberta de uma sua homóloga, num monumento de época e integração cultural completamente distintas. A terminar, é de referir que no que concerne à área escavada, nenhuma das estruturas corre risco de danos naturais, dado que se encontram invariavelmente encastradas ou mesmo escavadas no substrato geológico, pelo que se optou por manter o espaço por cobrir tendo-se realizado a sua preservação através da colocação de geotêxtil em toda a extensão interior das sepulturas, seguida do preenchimento de uma camada de gravilha suficiente para consolidar os esteios e permitir a drenagem lateral das águas da precipitação (Fig. 26).

6.2 – A cista do Núcleo ii A escavação, em 2004, da única sepultura que representa o núcleo II da necrópole da I Idade do Ferro do Cabeço da Vaca (Alcoutim), a qual, conjuntamente com o núcleo do Cabeço da Vaca I, integra necrópole da Idade do Ferro da serra algarvia, conduziu às seguintes conclusões gerais: 1 - Do ponto de vista arquitectónico, trata-se de uma cista de assinaláveis dimensões, implantada em micro-elevação, fazendo parte integrante da crista de relevos xistograuváquicos onde também se situa, cerca de 250 m a Oeste, o núcleo do Cabeço da Vaca I, explorado em 2003. De sublinhar a existência de uma estrutura envolvente da cista, a qual teria funções de reforço e protecção desta, criando, ao mesmo tempo, um espaço sacralizado ao seu redor. As características desta estrutura secundária são compatíveis com um empedrado, talvez

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Necrópole do Cabeço da Vaca munido de dois degraus de um dos lados, que circundaria a cista, sem a cobrir; não se trataria, pois, de um tumulus, mesmo que plano. Esta mesma solução arquitectónica foi reconhecida pelos autores na região, desde o Calcolítico, na cista do Cerro do Malhão, da vizinha freguesia de Martim Longo. 2 - A construção desta sepultura deve ter-se verificado no século VI a.C., sendo, assim, coeva do núcleo mais antigo da necrópole, com cujas sepulturas evidencia estreitas afinidades. Com efeito, este núcleo evidencia nítida evolução arquitectónica, remontando ao século VI a.C., terminando, talvez algumas dezenas de anos depois, já no século V a.C. Esta conclusão é reforçada pelas informações fornecidas pelo estudo do punhal, inserível nas escassas produções da I Idade do Ferro com que pode ser comparado, já que, da segunda metade século V a.C. em diante, se desconhecem exemplares com tais características, de acordo com a informação prestada pelo Prof. Fernando Quesada Sanz. A presença desta arma permite, por outro lado, atribuir a sepultura a um indivíduo adulto, do sexo masculino, certamente o único que ali teria sido tumulado.

3 - A maior monumentalidade desta sepultura, comparativamente às suas homólogas, que integram o outro núcleo da necrópole, distanciado cerca de 250 m para Oeste, bem como o facto de se apresentar isolada, em local de onde se domina visualmente as outras, sugere que pertenceria a indivíduo destacado no seio do grupo, cujos restantes elementos seriam tumulados no espaço adjacente. Esta conclusão é, também, reforçada pela natureza da arma, cuja excepcional idade é ainda sublinhada pela aplicação de prata, que mais evidência a distinção social conferida ao inumado. Esta não deve, no entanto, ser exagerada, por se estar, naturalmente, perante grupos de pequenas dimensões, dispersos pela serra algarvia, de limitado poder económico. Tal realidade está, aliás, em consonância com os parcos recursos naturais localmente disponíveis, só contrariados pela existência de pequenas explorações mineiras de cobre, disseminadas pela região, e pela proximidade do rio Guadiana, poderoso motor económico da região que atravessa, graças às possibilidades oferecidas de transporte e circulação de mercadorias e de pessoas, desde, pelo menos, o Calcolítico.

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Dez anos de trabalhos arqueológicos em Alcoutim Do Neolítico ao Romano

7 - Barragem do Álamo

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barragem do álamo

7 - barragem do álamo Em 2006 e 2007 realizaram-se trabalhos arqueológicos no âmbito do projecto de valorização deste importante empreendimento hidráulico da época romana sob direcção do primeiro signatário. Estes ocorreram 129 anos após os primeiros registos gráficos realizados em 1877 pelo arqueólogo algarvio Estácio da Veiga com a ajuda de A. de Serpa. Os trabalhos arqueológicos realizados junto ao paramento de montante da barragem permitiram evidenciar a assinalável altura da obra, actualmente em boa parte enterrada nos sedimentos acumulados no fundo da antiga albufeira. Aqueles, continham diversos espólios cerâmicos, cuja caracterização tipológica, actualmente em curso, irá contribuir para o conhecimento da cronologia da sua edificação bem como da duração do seu funcionamento. Neste aspecto, importa sublinhar que será o primeiro trabalho desta índole realizado em Portugal. A existência desta barragem encontrava-se associada a uma villa com a respectiva necrópole, existentes nas imediações,

Esta barragem permitia armazenar cerca de 2100 m3 de água proveniente do Barranco da Fornalha e a sua albufeira atingiria os 90 m de comprimento.

a jusante, também assinaladas por Estácio da Veiga, e destinar-se-ia essencialmente à irrigação e, eventualmente, ao abastecimento doméstico. A barragem consiste num muro de planta rectilínea com o comprimento de cerca de 40 m, e cuja altura seria superior a 8 m (tendo em consideração a profundidade atingida nas sondagens realizadas em 2006/ 2007). A espessura é de 2,80 m, sendo reforçada por 7 contrafortes visíveis com 1,5 m de comprimento, do lado de jusante. Do lado Norte, na continuidade de um curto troço, com um contraforte, que se separou e basculou por falta de apoio na fundação, identificou-se o respectivo encontro com a encosta, o qual também se desconhecia. O afastamento dos contrafortes é de cerca de 3 m. Toda a construção, incluindo os contrafortes, foi executada em alvenaria de blocos argamassados de grauvaque, dispostos em camadas horizontais (opus incertum).

Fig.1 – Aspecto da escavação da sondagem 1, em 2006, após limpeza do paredão da barragem.

Fig.2 – Pormenor construtivo da face interna da Barragem Romana e corte evidenciando os sedimentos acumulados.

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barragem do álamo

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Fig.3 – Aspecto Planta geral da Barragem com localização das áreas intervencionadas em 2006 e 2007.

Fig. 4 – (à esquerda): Reconstituição 3D da barragem, vista de jusante. (à direita): Reconstituição 3D da barragem, vista de montante, com indicação das sondagens arqueológicas.

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