DIAGNÓSTICO ARQUEOLÓGICO, HISTÓRICO E AMBIENTAL NA ÁREA DO SÍTIO PR TI 9: FAZENDA CAPÃO ALTO, MUNICÍPIO DE CASTRO, ESTADO DO PARANÁ - RELATÓRIO FINAL

June 7, 2017 | Autor: Igor Chmyz | Categoria: Arqueología histórica
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NÚCLEO DE MÍDIA E CONHECIMENTO

DIAGNÓSTICO ARQUEOLÓGICO, HISTÓRICO E AMBIENTAL NA ÁREA DO SÍTIO PR TI 9: FAZENDA CAPÃO ALTO, MUNICÍPIO DE CASTRO, ESTADO DO PARANÁ

RELATÓRIO FINAL

Pesquisa permitida pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional. Processo n° 01508.000883/2014-13. Portaria n° 59/2014, Seção 1, Anexo 1, Permissão n° 12.

CURITIBA - FEVEREIRO DE 2016

ÍNDICE INTRODUÇÃO.........................................................................................................1 CONSIDERAÇÕES SOBRE O AMBIENTE NA ÁREA DA PESQUISA.................4 CONSIDERAÇÕES SOBRE A OCUPAÇÃO HUMANA.........................................6 O período arqueológico e proto-histórico.....................................................6 Arqueologia regional......................................................................................9 O período histórico........................................................................................11 A Fazenda Capão Alto e o Município de Castro.........................................19 CONSIDERAÇÕES SOBRE O DESENVOLVIMENTO DA PESQUISA..............35 A abordagem arqueológica antecedente na área da Fazenda..................35 As atividades de campo................................................................................37 Procedimentos junto às senzalas................................................................40 Procedimentos junto aos cortes-estratigráficos...........................................45 Procedimentos junto aos cortes-experimentais...........................................48 Procedimentos junto à fonte........................................................................63 Procedimentos junto ao porão da Sede da Fazenda..................................64 Procedimentos junto à mata e suas trilhas.................................................66 As atividades de laboratório........................................................................68

CONSIDERAÇÕES PARCIAIS SOBRE OS RESULTADOS DA PESQUISA....85 CONSIDERAÇÕES SOBRE EDUCAÇÃO PATRIMONIAL................................103 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS E CARTORIAIS.........................................112 RECOMENDAÇÕES...........................................................................................120

ANEXOS ANEXO 1. Registro do patrimônio arqueológico evidenciado na área do sítio PR TI 9: Fazenda Capão Alto..........................................................1 ANEXO 2. MELO, Mário S. de; CHINELATTO, Adilson L.; VALUS, Ana C. S. Análise microscópica e espectométrica em cerâmica com engobo vermelho procedente da Fazenda Capão Alto, Castro, Paraná....................................................................................................143

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INTRODUÇÃO Representando um patrimônio arqueológico e histórico de relevância para o Estado do Paraná, a Fazenda Capão Alto, situada no Município de Castro, está relacionada ao período de ocupação dos Campos Gerais, o qual foi marcado principalmente pelo tropeirismo, incrementado após 1730, com a abertura do caminho do Viamão. Guarda, também, em sua história, momentos marcantes vinculados ao movimento escravagista, principalmente a partir de 1751, quando foi ocupada por padres carmelitas. Em 1770, com o retorno dos padres a São Paulo, a fazenda passou a ser administrada, até 1864, pelos escravos da ordem religiosa. Sentindo-se livres com a partida dos religiosos, os escravos constituíram uma comunidade independente. Sua história sobressai novamente quando é comprada, em 1866, pelo barão de Monte Carmelo, o qual construiu o casarão existente até hoje, que reflete o estilo dos casarões coloniais típicos das fazendas de café de São Paulo e Rio de Janeiro. A edificação foi tombada pela Coordenadoria do Patrimônio Cultural do Estado do Paraná em 1983. A Fazenda, atualmente de propriedade de Koob Peter, funciona como Centro Cultural da região e recebe grande número de visitantes. Objetivando a avaliação do patrimônio arqueológico, histórico e ambiental existente na área, pesquisas foram realizadas voltadas para a conservação desse patrimônio e, a ampliação do seu alcance como Centro Cultural. As atividades, solicitadas pela empresa Núcleo de Mídia e Conhecimento, foram então executadas sob a coordenação de Igor Chmyz. Calculadas para serem realizadas em um período de 8 meses, dos quais 2 seriam dedicados aos trabalhos de campo e 6 aos de laboratório, as atividades, no entanto, se estenderam por um espaço de tempo maior, principalmente as de laboratório, em decorrência da grande quantidade de informações obtidas em campo e do ineditismo da pesquisa ao abordar a presença do africano nos Campos Gerais. Com início em outubro de 2014, a primeira atividade relacionada ao Projeto foi o encaminhamento do pedido de concessão de pesquisa arqueológica junto ao Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional. A permissão foi concedida por meio da Portaria nº 59, Processo nº 01508000883/2014-13, de 31 de outubro de 2014, publicada no Diário Oficial da União nº 212, seção 1, anexo 1. O endosso institucional para o projeto foi fornecido pelo Centro de Estudos e Pesquisas Arqueológicas da Universidade Federal do Paraná (CEPA/UFPR), dirigido pelo arqueólogo Laércio Loiola Brochier. As etapas de campo foram realizadas nos períodos compreendidos entre os dias 06 e 28 de novembro, 01 e 19 de dezembro de 2014, 05 e 16 de janeiro e, entre os dias 02 e 06 de março de 2015. Os trabalhos foram executados em tempo integral, de segunda a sexta-feira. Nos finais de semana a equipe retornava a Curitiba. No período compreendido entre o Natal e Ano Novo o grupo permaneceu em Curitiba, desenvolvendo atividades de laboratório. A equipe, formada pelos pesquisadores Igor Chmyz, Roseli Santos Ceccon e Angela Aparecida de Oliveira Gomes contou também com a participação de

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Kendra Figueira Andrade entre os dias 05 e 20 de dezembro de 2014, e de Eliane Maria Sganzerla entre os dias 9 e 12 de dezembro de 2014 e de 05 a 09 de janeiro de 2015. Fizeram parte ainda, como estagiárias, Ana Carolina Sprenger Valus (15 a 19 de dezembro de 2014 e 05 a 16 de janeiro de 2015) e Mariana Pusch (15 a 19 de dezembro de 2014 e 14 a 16 de janeiro de 2015). Graduandas do curso de História da Universidade Estadual de Ponta Grossa, as alunas obtiveram ajuda financeira através da concessão de bolsas pela empresa Núcleo de Mídia e Conhecimento. A equipe contou, também, com o apoio dos Srs. José Claudio Pereira da Silva, Luis Carlos Ribeiro da Silva, Bruno Castanho da Cruz e Robson Machado Ribeiro da Silva para a abertura dos cortes-experimentais e limpeza do terreno e, de Ruth Castanho da Cruz Miranda e João Klempovus Neto, funcionários da Fazenda Capão Alto. A infraestrutura de apoio para o transporte da equipe para a Cidade de Castro foi realizada por Fábio André Chedid Silvestre e André Felipe Pereira Martins. Para acesso à área da pesquisa, veículo foi locado na cidade. Os levantamentos de campo foram adaptados de acordo com as características ambientais do local e consistiu, primeiramente, na execução de uma vistoria geral da área, das estruturas arquitetônicas e de suas cercanias. A partir de então, foram orientados e executados de forma sistemática. Quando elaborado o projeto foi prevista a realização de levantamentos por GPRS em trecho selecionado. Os mesmos, no entanto, que seriam acompanhados por Kendra Figueira Andrade, não foram implantados por motivos técnicos. Grande parte do material obtido foi enviado para a residência do coordenador, onde passou pelos processos de higienização e marcação, sendo depois transferido para o Centro de Estudos e Pesquisas Arqueológicas da Universidade Federal do Paraná, onde as coleções foram preparadas e analisadas. Somente as coleções menores foram transportadas diretamente para o CEPA/UFPR. Desses trabalhos, excetuando-se Kendra Figueira Andrade, participaram os pesquisadores, Angela Gomes, até o final de junho e, Igor Chmyz, Eliane Sganzerla e Roseli Ceccon, até a conclusão do relatório. Ana Sprenger acompanhou as atividades entre os dias 24 e 27 de janeiro e, Mariana Pusch, entre os dias 19 e 23 de janeiro, 11 e 13 de fevereiro e no dia 01 de abril de 2015. A planta-geral elaborada em campo foi digitalizada nas dependências do Núcleo de Mídia e Conhecimento e, sua finalização parcialmente executada pelo arqueólogo Fábio Parenti, do CEPA/UFPR. Levantamento bibliográfico foi realizado visando estabelecer o nível do conhecimento arqueológico sobre a região dos Campos Gerais do Paraná e a Fazenda Capão Alto, para caracterização da pré-história e história dessa região. Para o estudo foram consultadas sínteses gerais sobre a arqueologia e história do Brasil e do Paraná, as quais forneceram referências bibliográficas sobre a área em estudo e a macro região de entorno. Complementou esse estudo, o levantamento, com base no Cadastro Nacional de Sítios Arqueológicos (CNSA),

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do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), dos sítios arqueológicos e históricos registrados no Município de Castro e nos municípios circunvizinhos. Atividades voltadas para a Educação Patrimonial também foram desenvolvidas pelo grupo. Em todo o período de campo, foram numerosas as visitas organizadas por escolas, excursões, e visitantes isolados ou em pequenos grupos. Professores da rede municipal de Castro também foram recebidos e, em todas as ocasiões, explanações sobre o trabalho e palestras foram realizadas. Antecedendo as etapas de campo foi elaborada cartilha sobre a importância da preservação do patrimônio cultural, histórico e arqueológico, a qual foi distribuída aos professores e visitantes. Os estudos realizados a partir dos levantamentos de campo e laboratório permitiram a formação de um conjunto significativo de elementos que resultaram na caracterização dos bens arqueológicos associados à Fazenda Capão Alto, seus limites e concentrações. Possibilitaram, também, o estabelecimento de orientações sobre futuras pesquisas visando a sua exposição e restauração, bem como a sua utilização para fins educativos e de visitação. O cumprimento dos objetivos traçados para esta etapa de pesquisas não seria possível sem a colaboração das pessoas mencionadas. Agradecimentos também são externados pela equipe a Koob Peter, proprietário da Fazenda, a Leandro Carlos Lourenço, do Grupo Koelpe, a Alessandra Spitz Guedes Alcoforado Lourenço, do Iphan/PR, a Almir Pontes Filho, da Secretaria de Cultura do Paraná, a Amélia Podolan Flügel e Milena Santos Mayer, respectivamente coordenadora e historiadora do Museu do Tropeiro de Castro, a Joel “Wahl” Lourenço, pesquisador do Instituto Memória Indígena de Castro e ao engenheiro químico e ceramista Gilberto Pavan Narciso.

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CONSIDERAÇÕES SOBRE O AMBIENTE NA ÁREA DE PESQUISA A Fazenda Capão Alto está inserida no Município de Castro, na margem esquerda do rio Iapó, situando-se nas coordenadas UTM’s (22J) 06084927263483. (Fig. 1). No espaço compreendido pela pesquisa as altitudes variam de 980 a 1.000m em relação ao nível médio do mar.

Figura 1. Localização da Fazenda Capão Alto no Município de Castro. Fonte: base IGPlan, 2010. (Figura elaborada por Jonas Elias Volcov).

O município localiza-se no Noroeste do Primeiro Planalto do Paraná, ao lado da Escarpa Devoniana, em zona com planícies, cujas altitudes oscilam entre 950 e 1.050m. Nela, destaca-se o rio Iapó, tributário direito da Bacia Hidrográfica do rio Tibagi (Fig. 2). Antes de atingir o Segundo Planalto, transpondo a escarpa, o rio Iapó é meandroso, em meio a extensas várzeas.

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Figura 2. Localização da Fazenda Capão Alto na bacia hidrográfica do rio Iapó. Extraído e adaptado de IGPlan, 2010. (Figura elaborada por Jonas Elias Volcov).

O clima, Ctb conforme a classificação de Koeppen é mesotérmico sempre úmido, com temperatura média no mês mais quente abaixo de 22°C e com média no mês mais frio abaixo de 18°C. A média máxima absoluta atinge 33,4°C e, a mínima absoluta chega a 7,4°C. Anualmente as chuvas alcançam 1.649mm, sendo mais frequentes nos meses quentes (MAACK, 1968:187). Com embasamento constituído por migmatitos bandados, micaxistos e quartzitos do período Proterozoico Superior (MINEROPAR, 1986), a região apresenta-se recoberta por latossolo vermelho eutrófico e por sedimentos aluvionais do Quaternário Recente, inclusive com áreas pantanosas com solo preto. O ambiente é dominado pelos campos limpos, encerrando grande diversidade de gêneros de gramíneas associadas com ervas, semi-arbustos e arbustos. Nas depressões úmidas e em torno de nascentes ocorrem capões; nas margens dos cursos fluviais desenvolvem-se faixas de matas como de galeria. Ambos apresentam uma associação florística semelhante à mata de araucária (MAACK, 1968:226).

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CONSIDERAÇÕES SOBRE A OCUPAÇÃO HUMANA O período arqueológico e proto-histórico A ocupação humana pretérita no entorno da área da Fazenda Capão Alto, foco do presente estudo, é referenciada não somente através de informações resultantes de pesquisas bibliográficas, como também, pelo registro de sítios arqueológicos, indicadores da passagem de grupos indígenas anteriores à entrada dos europeus. A região foi ocupada, primeiramente, por grupos indígenas pré-ceramistas ou pré-coloniais aos quais foram vinculadas as tradições arqueológicas 1 Bituruna, Umbu e Humaitá. Buscando sua subsistência através da caça e da coleta de alimentos compostos por raízes e frutos, habitaram o território paranaense há cerca de 11200 anos antes do presente, quando as rigorosas condições climáticas do último período glacial deram lugar a um gradativo aquecimento. Grupos nômades e com economia voltada a atividades de subsistência baseadas na oferta dos recursos naturais da região, a exaustão desses recursos obrigava-os a se movimentarem a procura de novos espaços. Os vestígios de sua passagem estão representados por resíduos de sua indústria lítica constituída por objetos e ferramentas destinados à confecção de arcos e flechas, à caça e o descarne, à coleta de raízes, corte de madeiras, entre outras atividades e, de estruturas relacionadas ao uso do espaço habitacional como áreas de combustão ou de concentração de material arqueológico, indicativas da presença de antigas habitações. Pinturas e gravuras rupestres também foram localizadas nas proximidades da área em pauta. Para fins de estudos, em razão de sua complexidade, falta de elementos materiais tecnológicos que possam vinculá-los a complexos culturais e dificuldade de se obter datações, a sua filiação a tradições parte dos motivos estilísticos encontrados. As pinturas, de cores e motivos variados, chamadas de pictografias ou pictoglifos, resultam da mistura de corantes de origem vegetal ou mineral com água e um fixador, geralmente gordura animal. Aplicadas por aspersão, com auxílio de espátulas, pincel ou dedos, ocorrem em superfícies rochosas, geralmente planas. As gravações, por sua vez, conhecidas também como petróglifos, têm como características o polimento ou picoteamento da rocha através da punção ou fricção de material duro, comumente com adição de água e areia como abrasivos. Às vezes podem mostrar sulcos pintados e, seus motivos mais comuns são geométricos. 1

Uma tradição arqueológica é definida a partir da caracterização de um grupo de elementos ou técnicas comuns, recorrentes em diversos sítios arqueológicos, com persistência temporal (TERMINOLOGIA, 1976:145).

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As pinturas e gravuras rupestres registradas no Estado do Paraná se enquadram em duas tradições: Planalto e Geométrica. A tradição Planalto apresenta grafismos pintados geralmente em vermelho e, mais raramente, em preto, amarelo ou branco. As figuras quase sempre representam animais, com raras figuras humanas e motivos astronômicos. Seus sítios encontram-se “[...] espalhados no planalto central brasileiro desde sua fronteira, entre Paraná e São Paulo (rios Iapó e Tibagi) até o estado da Bahia.” (PROUS, 1992:515). A tradição Geométrica se caracteriza pela predominância de representações geométricas, quase não ocorrendo outros tipos de grafismos. É encontrada “[...] desde o planalto catarinense no Sul até o Nordeste, descrevendo um arco de círculo para oeste, atravessando os Estados do Paraná, São Paulo (onde há poucos sítios conhecidos), de Goiás e Mato Grosso (muito ricos).” (PROUS, 1992:515).

As gravuras ocorrem em áreas de afloramentos de basaltos e andesitos da Formação Lavas da Serra Geral, de arenitos e conglomerados Furnas, e de arenitos e diamictitos Itararé. Em algumas gravuras foram observados vestígios de pigmentos bastantes intemperizados. Esses grupos pré-ceramistas foram, depois, substituídos por grupos indígenas ceramistas. Eram conhecedores de técnicas para confecção de objetos e recipientes cerâmicos destinados a preparar, cozer, servir e armazenar alimentos. Praticavam, também, a caça, pesca e coleta. Detinham conhecimentos de horticultura, cultivando preferencialmente milho, mandioca e abóbora. Correspondendo a povos culturalmente diferentes, os grupos ceramistas estão representados, principalmente, pelas tradições arqueológicas Itararé, Casa de Pedra e Tupiguarani. Relacionados às tradições Itararé e Casa de Pedra estão populações contatadas por exploradores no Brasil Meridional logo após o descobrimento. Correspondem aos Xokléng e Kaingáng, vinculados ao tronco Macro-Jê. Arqueologicamente, os primeiros correspondem à Tradição Itararé e, os segundos, à tradição Casa de Pedra (Figura 3). Os Xókleng ocupavam, no século XIX, as terras do interior do sul do Brasil e as porções litorâneas, sendo conhecidos também como Bugre, Botocudo, Aweikoma e Xokrén. Os Kaingáng (coroados) dominavam espaços situados entre o atual Estado de São Paulo e o Rio Grande do Sul, estendendo-se até Missiones, na Argentina. Habitavam preferencialmente terrenos altos e frios, cobertos por vegetação de campos e matas mistas com pinheiros. No Paraná ocuparam os três planaltos que o constituem. Estabeleceram-se nas proximidades de grandes rios e seus afluentes, como o Paranapanema, Tibagi, Itararé, Paraná, Iguaçu, Piquiri e Ivaí. Os vinculados ao tronco Tupi eram encontrados em todo o território, sendo mais numerosos no antigo território do Guayrá, nas áreas situadas entre os vales dos rios Paraná, Ivaí, Tibagi e Iguaçu. Ocupando regiões com florestas úmidas, formavam grupos seminômades de caçadores-coletores. Praticando também

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horticultura, cultivavam principalmente o milho, com o qual fabricavam a chicha (bebida fermentada), a mandioca e o fumo.

Figura 3. Localização dos grupos tribais relacionados ao Tronco Macro-Jê (em verde) e ao Tupi (em amarelo), na região de Curitiba e Campos Gerais (Fonte: NIMUENDAJU, 1981).

A partir de 1500, com o início da colonização do território paranaense, se caracteriza novo período na história da ocupação humana. A chegada das primeiras expedições exploradoras propiciou o contato dos grupos indígenas ceramistas com os europeus e, posteriormente, também com os negros escravizados e deslocados de seus domicílios na África. Desse contato cada vez mais constante resultou a incorporação de elementos trazidos pelos europeus à cultura indígena, os quais passaram, gradativamente, a substituir artefatos confeccionados em pedra por instrumentos produzidos, a princípio, no Velho Mundo, como em ferro, louças e vidros, e sua indústria ceramista enfrentou mudanças influenciadas pelos modelos europeus. Arqueologicamente esses grupos estão vinculados à tradição Neobrasileira, que tem características diferenciadas conforme o substrato indígena e/ou africano. Mantendo, ainda, traços da cultura indígena ou africana na confecção de recipientes cerâmicos, esses grupos usavam, também, utensílios industrializados para caçar e pescar, como armas de fogo e anzóis de metal. Utilizavam, igualmente, panelas de ferro, louças e frascos de vidro. Esses assentamentos, pela gradual modificação da tecnologia empregada em sua cerâmica e, com o acréscimo, em seu acervo, de objetos industrializados como cerâmica torneada e moldada, louças, metais e vidros, definem momentos distintos da ocupação do território, inferindo significado cronológico. No início estes grupos eram muito dependentes de suas roças de milho, mandioca e feijão. Sua dieta era complementada pela caça, coleta de frutos e raízes da mata. Os habitantes também retiravam da floresta madeiras para construção de casas, apetrechos e medicamentos.

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Arqueologia regional Pesquisas sistemáticas foram desenvolvidas na bacia hidrográfica do rio Iapó e arredores desde a década de 1950, e resultaram no cadastramento de numerosos sítios arqueológicos, conforme plotado na Figura 4.

Figura 4: Mapa com localização da Fazenda Capão Alto e dos sítios arqueológicos levantados na bacia hidrográfica do rio Iapó e suas proximidades. Extraído e adaptado de IGPlan, 2010. (Figura elaborada por Jonas Elias Volcov).

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Estes compreendem diversas naturezas como: sítios líticos a céu aberto, sítios em abrigos rochosos, sítios cerâmicos, sítios multicomponenciais (que apresentam vestígios de mais de uma ocupação humana) e sítios históricos. As primeiras pesquisas executadas na região, realizadas em 1956 pelos arqueólogos franceses Annette Laming e Joseph Emperaire e pelo professor Oldemar Blasi, resultaram na localização de diversas pinturas rupestres em abrigos situados na margem esquerda do rio Iapó, nos municípios de Tibagi e Piraí do Sul (LAMING; EMPERAIRE, 1956:165). Na década de 1960 outras abordagens foram efetuadas por Oldemar Blasi. De seus estudos, três conjuntos de pinturas foram constatados em novos abrigos denominados Lapa Ponciano e Lapa Floriano (BLASI, 1972). No interior do último, escavações realizadas evidenciaram a presença de materiais líticos e cerâmicos misturados, tornando difícil a sua associação com as pinturas. Novos estudos foram desenvolvidos por Igor Chmyz na década de 1970. Resultaram na localização de abrigos com pinturas no Segundo Planalto, nas proximidades do rio Quebra Perna. Um deles, registrado como PR PG 1: Abrigo Cambiju, apresentou material lítico em profundidade que pôde ser associado às pinturas (CHMYZ, 1976:231). Em 2002, no Município de Tibagi, Fúlvio Vinícius Arnt, localizou dois sítios com pinturas no vale do rio Iapó. Em 2004, João Nei de Almeida Barbosa visitou abrigos já conhecidos e novos na região dos Campos Gerais, fotografando pinturas nos municípios de Castro, Tibagi, Piraí do Sul, Jaguariaíva e Sengés. Em seu trabalho Barbosa fornece a localização, em UTM, dos sítios visitados: Município

Nome

UTM

Altitude

Ponta Grossa 1 Abrigo Cambiju (22J) 0606080-7212122 918m Ponta Grossa 2 Abrigo Quebra Perna (22J) 0605867-7212447 894m Ponta Grossa 3 Abrigo Novo (22J) 0593023-7231677 902m Ponta Grossa 4 Abrigo Cachoeira São Jorge (22J) 0593026-7232303 894m Ponta Grossa 5 Abrigo Usina São Jorge (22J) 0593023-7232290 900m Ponta Grossa 6 Abrigo Lapinha (22J) 0593018-7232324 900m Tibagi 7 Lapa Floriano (22J) 0576866-7281669 1.014m Tibagi 8 Lapa Ponciano (22J) 0575997-7282595 984m Tibagi 9 Abrigo Iapó (22J) 0574777-7283317 1.149m Tibagi 10 Abrigo Mirante (22J) 0575061-7283513 1.109m Piraí do Sul 11 Abrigo Cavernas (22J) 0591743-7291619 1.139m Piraí do Sul 12 Abrigo Santa Rita I (22J) 0597179-7293424 1.146m Piraí do Sul 13 Abrigo Santa Rita II (22J) 0597194-7293436 1.146m Piraí do Sul 14 Abrigo Chapadinha I (22J) 0598423-7294640 1.112m Piraí do Sul 15 Sítio Arqueológico Aliança (22J) 0598128-7294691 1.120m Piraí do Sul 16 Abrigo Chapadinha II (22J) 0597809-7295115 1.104m Piraí do Sul 18 Abrigo Paulino II (22J) 0592256-7297216 932m Piraí do Sul 19 Abrigo Paulino III (22J) 0592266-7297143 936m Piraí do Sul 20 Abrigo Paulino I (22J) 0591346-7297991 996m Jaguariaíva 17 Abrigo Cercado Grande I (22J) 0592886-7295556 Jaguariaíva 21 Abrigo Cercado Grande II (22J) 0609490-7306332 Tabela 1: Localização em UTM dos Abrigos fotografados por João Nei de Almeida Barbosa (Fonte: BARBOSA, 2004).

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Estudos mais recentes executados na área por pesquisadores ligados ao Museu Paranaense resultaram, também, na localização de novos pontos com pinturas e gravuras no vale do rio Iapó e arredores (PARELLADA, 2009:7). Sítios a céu aberto, relacionados a tradições ceramistas e pré-ceramistas, também foram encontrados em áreas próximas à de estudo. No ano de 1966, foi localizado, nas proximidades da cidade de Tibagi, o sítio Conceição, vinculado à tradição ceramista Tupiguarani (NIGRO, 1970). Decorrentes de estudos executados pelo CEPA/UFPR nos anos de 2001 e 2002 nos trechos da Rodovia BR-376 situados entre Ponta Grossa e Imbaú e, da Rodovia PR-151, trecho Piraí do Sul e Jaguariaíva, foram constatados 44 indícios de ocupações ceramistas relacionados às tradições Itararé, Tupiguarani e Neobrasileira, e 3 pré-ceramistas das tradições Bituruna e Umbu (CHMYZ Coord., 2001; 2002).

O período histórico O território paranaense, ocupado primeiramente por diversos grupos indígenas, quando do processo de povoamento europeu era dividido pelo Tratado de Tordesilhas pertencendo, as porções litorâneas a Portugal e, o interior, à Espanha. O espaço de domínio espanhol começou a ser explorado e ocupado desde o século XVI por expedições que subiam o rio da Prata ou utilizavam o caminho indígena conhecido como Peabiru e seus ramais, os quais originaram uma série de estradas utilizadas para atividades exploratórias, ou por colonos durante os processos de conquista e ocupação do território. O primeiro europeu a utilizar o Caminho do Peabiru foi Aleixo Garcia que, em 1524, saindo de Santa Catarina, subiu a Serra do Mar atingindo os Campos Gerais do Paraná e, cruzando sucessivamente os rios Tibagi, Ivaí, Iguaçu e Paraná chegou ao Paraguai. Atravessando o Chaco e os Andes, alcançou as regiões de Potosi e Sucre. Após essa primeira entrada pelos sertões, outros exploradores atravessaram o interior paranaense cortando espaços situados entre o litoral e a Província do Guayrá. Por força do estabelecido no Tratado de Tordesilhas, o povoamento no Paraná se fez, em sua primeira fase, na sua porção ocidental, de maneira mais planejada, com a fundação de povoados pelos espanhóis. O primeiro povoado (1554) recebeu o nome de Ontiveros e foi estabelecido na margem esquerda do rio Paraná, seguindo-se a comunidade de Ciudad Real (em fins de 1556 ou início de 1557) também na margem esquerda do rio Paraná. Ciudad Real foi disposta na passagem do caminho do Peabiru para Mato Grosso e Paraguai. Outra comunidade espanhola, Villa Rica del Spiritu Sancto, foi fundada por volta de 1570 em local incerto e transferida, em 1589, para a foz do rio Corumbataí com o Ivaí. Os portugueses partiram do litoral em direção ao interior em busca de minas auríferas e o aprisionamento de indígenas para

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servirem de mão-de-obra escrava, principalmente em lavouras de cana-deaçúcar. Em 1610, na região do Guayrá, teve início no Estado do Paraná o movimento reducional, com a fundação da Redução de Nossa Senhora de Loreto na foz do rio Pirapó com o Paranapanema. O sucesso do empreendimento levou, até 1628, à criação de onze novas reduções nos vales dos rios Tibagi, Ivaí, Piquiri e Iguaçu. A grande população indígena existente na área, apontada nos relatos históricos por cronistas do período do estabelecimento de comunidades espanholas e reduções jesuíticas, entre 1554 e 1631, referem-se a índios Guarani, do tronco Tupi, nos rios Paranapanema, Tibagi e Ivaí e, também, à presença de Jês nas reduções localizadas nas áreas mais centrais da região. Destruídas as reduções pelas bandeiras sob o comando de Raposo Tavares, os sobreviventes fugiram para o interior das matas ou para os territórios paraguaio e o argentino. Ficando a área desocupada, índios do tronco Macro-Jê, vindos do Sul, e alguns Guarani, do Oeste, passaram a ocupá-la intensamente (CHMYZ, 1986:9). Nesse período as bandeiras de Francisco Bueno (1637) e Fernão Dias Paes (1638-1661) atravessaram o território paranaense. Subindo pelo vale do Ribeira transpuseram a região dos Campos Gerais e, alcançando as nascentes do rio Tibagi prosseguiram em direção sul, além do rio Iguaçu, chegando até o Rio Grande do Sul. Conforme Maack (1968:47), “[...] os bandeirantes paulistas até aí haviam atingido o primeiro planalto desde o rio Ribeira pelo velho ‘Peabiru’ e suas ramificações chegando em Abapany, na atual zona de Castro”.

As bandeiras, além de seu objetivo de caça aos indígenas aldeados nas reduções, tinham como meta localizar pedras e metais preciosos. Com o intuito de encontrá-las, em 1651 Fernão Dias Paes atravessou o espaço do atual Estado do Paraná, estabelecendo-se por um período de 5 anos na Serra de Apucarana. No local deparou com grupos indígenas Guaianá. De acordo com Mercer (1934:21), “[...] a estada de Fernão Dias verificou-se nos campos da atual Fazenda Monte Alegre, onde aqueles índios estavam radicados”.

Após o regresso de Fernão Dias a São Paulo, a região de Tibagi permaneceu no esquecimento, tornando-se os grupos indígenas Jê donos da região. A partir do século XVIII as expedições organizadas para o interior do estado foram marcadas pelo caráter exploratório, resultando delas o reconhecimento do Primeiro e Segundo planaltos e, o início de sua colonização. Desse século datam expedições militares de conquista que, sob o comando de Afonso Botelho de Sampaio e Souza, permitiram o conhecimento sobre a geologia e os sistemas fluviais do território paranaense. Objetivavam a exploração dos rios Ivaí, Piquiri e Iguaçu, assim como as regiões de matas e campos do Terceiro Planalto conhecidas como “Sertões do Tibagi” e a localização dos Campos de Guarapuava.

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As novas entradas resultaram no encontro de ouro e diamantes em Pedras Brancas, local situado a Sudoeste da atual Cidade de Tibagi. Essas descobertas levaram donos de lavras em Minas Gerais a disputar as minas do Tibagi com autoridades de Paranaguá. Paralelamente à exploração dos sertões do Tibagi, nos Campos Gerais o ciclo do ouro foi substituído pela criação de gado. Atraídos primeiramente pelos descobrimentos de minerais preciosos, os sertanistas vislumbraram a potencialidade da região para a pecuária, tendo em vista seus extensos campos. Ligando-se aos mercados de Sorocaba e São Paulo, mais tarde, em 1731, com a abertura da estrada do Viamão, os Campos Gerais passaram a representar, além de campos de criação, espaços com invernadas para as tropas que, vindas do Sul, atravessavam as matas catarinenses, encontrando boas pastagens desde Campo do Tenente. Datam do início do século XVIII as concessões de grandes sesmarias nos Campos Gerais e a abertura de fazendas de pecuária, que se desenvolveram com o comércio de tropas, então o fator mais importante dos transportes. A primeira sesmaria nos Campos Gerais foi requerida em 1704 por Pedro Taques de Almeida que, juntamente com seus familiares, pleitearam à Coroa a posse de uma grande área que compreendia terras entre os rios Jaguariaíva e Iapó e, deste até Itanhembé, em uma distância de 14 léguas, até a paragem de Itaiacoca. Esse espaço seria cortado em 1730, em suas porções medianas, pela estrada de ligação entre Sorocaba e a Vila de Curitiba. Pedido feito, os Taques passaram a povoar os melhores lugares com gado, currais e plantações. A vastidão da área, entretanto, não foi concedida, recebendo a família apenas três léguas de comprimento e uma de largura. Nela estava incluída a paragem conhecida como Iapó. A sesmaria, denominada Conceição, foi herdada pelo filho de Pedro Taques, José de Gois e Morais. Falecendo Pedro Taques, a família passou a ser liderada por José de Gois e Morais. Este, em parceria com familiares, solicitou separadamente sesmarias menores, com três léguas quadradas, as quais foram concedidas pela Coroa. Assim a família Taques se viu proprietária de vasta extensão territorial que corresponde, hoje, aos municípios de Jaguariaíva, Piraí do Sul, Castro e parte de Ponta Grossa, dedicando-se a atividades criatórias. De acordo com Júlio Moreira, entre 1725 e 1744, mais de noventa sesmarias foram requeridas nos Campos Gerais por pessoas de São Paulo, Santos e Paranaguá. Nessa época os Campos Gerais eram cortados por dois caminhos que seguiam para Itapetininga, encontrando-se ao lado deles, várias fazendas. Antônio Vieira dos Santos, citado por Moreira, situa a Fazenda Capão Alto ao lado da Estrada Velha, ou Estrada de Baixo. “[...] além da vila de Castro até as Furnas de Cima se acham as de Maracanã, Cercadinho, do Tabor, Capão Alto, Cunhaporanga, Bacoras, Tucum, São Lourenço e Santa Cruz.” (MOREIRA, 1975:902-

903). No início das concessões de sesmarias, os seus proprietários residiam, geralmente, em São Paulo, sendo as terras administradas por fazendeiros. Esses

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empregados, remunerados com a quarta parte das crias, comumente pertenciam ao clã do sesmeiro, e formavam seu próprio patrimônio, apossando-se de terras próximas às fazendas, arrendando-as e até mesmo solicitando a posse de sesmaria. Além dos sesmeiros e fazendeiros, os agregados desempenharam papel importante no povoamento da região. De menores condições econômicas recebiam, geralmente, uma porção de terras dos proprietários mediante o pagamento sobre a terra ou parte de sua produção. Compunha essa sociedade, ainda, os “assistentes”, responsáveis pela comercialização dos produtos da fazenda e cuidado dos pousos e, nas proximidades dos povoados e pontos com maior circulação os comerciantes, que forneciam gêneros de subsistência e outras mercadorias (RITTER, 1980:91). Africanos e índios representavam a última categoria social, apesar de presentes em várias atividades desenvolvidas nas fazendas e sítios como nas lavouras, na condução das tropas e nos serviços domésticos. Em inventários de fazendeiros da última década do século XVIII e início do XIX era comum constar os “gentios de guerra”. Correspondiam a escravos indígenas (botocudos e coroados) aprisionados pelos fazendeiros nas investidas que faziam contra os índios que atacavam as fazendas e as tropas (MACHADO, 1963:15). Os negros, porém, representavam a maioria e muitos chegaram a substituir o proprietário nas fazendas, representando-o como seu administrador. Ocupados os campos, surgiu a necessidade de suprir a manutenção dos moradores, originando-se uma economia quase autossuficiente. Assim, com o algodão que vinha da região de Sorocaba e com a lã de carneiros de suas próprias criações, as mulheres fiavam e teciam, fabricando o pano de suas roupas. Com a madeira do local os homens construíam suas casas, mobílias, cercas e galpões. Com o ferro em barra armazenado, consertavam seu instrumental de trabalho e, do couro de suas crias, faziam os aperos de seus cavalos, arreios, lombilhos, xergas, buçais, sinchas, botas. Em correspondência de 1798 a Câmara de Castro respondeu ao Capitão General que, “[...] todos os artigos europeus seriam úteis, mas de necessidade eram apenas o aço e o sal”

(MACHADO, 1963:12). Inventários de famílias fazendeiras efetuados entre 1795 e 1870 relacionam a presença de vários instrumentos de trabalho, evidenciando que a população procurava não depender de centros maiores para sua subsistência: machados, foices, enxadas, enxadões, facões, facas, cavadeiras, martelos, torqueses, formões, verrumas, compassos, bordana de carpintaria, plainas, serrotes, serras, sepilhos, enxós goivas, enxós chatas, bigornas, tornos, craveiras, limas, brocas, pregos, barras de ferro com duas arrobas, rodas de fiar, teares, pedras de moinho, prensa e roda de ralar mandioca, carros, mesas de carros, bois mansos, cangas, selas, estribos de ferro e prata, freios, cangalhas, bruacas, tesouras de tosar burros, escovas de preparar cavalos, espingardas, pares de pistolas, pólvora, chumbo, algemas de ferro, correntes de ferro. Nas fazendas, segundo Ianni (1988:56), as atividades executadas eram bastante diversificadas:

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Os indivíduos na fazenda distribuem-se em uma estrutura ocupacional determinada. As atividades resumem-se em: vigilância do gado, com as decorrências normais, tais como a reunião dos animais em recantos prefixados, para protegê-los de animais selvagens, aborígenes, ladrões; a reunião dos currais; o cuidado com as vacas de cria e bezerros; a marcação, um a um, que se realiza duas vezes por ano; a castração dos touros que se pretende engordar para o comércio de carne, também efetuada uma vez cada semestre; as queimadas, duas ou três vezes por ano, de trechos de pastagens, de modo a proporcionar sempre relva tenra e verde ao gado; distribuição periódica de sal, dado o insuficiente teor salino das pastagens e, em parte, o papel dessa substância na domesticação do gado; o esquartejamento dos animais destinados ao consumo local; o curtimento e preparação de couros para a confecção de implementos de peões ou artefatos domésticos; a doma de cavalares ou muares destinados ao uso do pessoal da fazenda; o transporte de animais, nas viagens para o mercado, etc.

Para a execução dos diversos trabalhos necessários à manutenção das fazendas era utilizado o escravo. A variedade de funções originou o estabelecimento de especialidades entre os diversos serviços, aparecendo escravos carpinteiros, sapateiros, alfaiates, roupeiros, cozinheiros, arrieiros, domadores, campeiros. A produção de alimentos consistia basicamente em carne de porco, milho, feijão, mandioca e arroz. O rebanho bovino não entrava na dieta alimentar, pois representava produto de comércio. A criação de suínos não era extensiva e, os alimentos, produzidos em roças: “geralmente se fazem as lavouras pelas terras de mato – informava o Capitão General em 1730 - que cortam e queimam [...]”. Esse método de plantio perdurou por mais de 100 anos, como descrito pelo Presidente da Província em relatório de 1876: “[...] a derrubada e a queima é o que se aplica no plantio do milho e do feijão [...]” (MACHADO, 1963:13). No século XIX, várias instalações compunham uma fazenda: cercados construídos de pau-a-pique, currais retangulares de madeira, açudes e cacimbas, casa do proprietário, constituída por morada coberta com telhas, com diversos cômodos e uma varanda e, a senzala. A casa do administrador era de taipa, coberta com telhas. O mobiliário das casas era simples e rústico, formado por bancos, mesas, prateleiras e redes (RITTER, 1980:81-82). Comumente eram rodeadas por pomares, com frutas europeias e brasileiras: laranjeiras, pessegueiros, ameixeiras, macieiras, jabuticabeiras, figueiras, cerejeiras, pereiras, marmeleiros, ananases, limoeiros, romãzeiras, parreiras, e hortas com couve, cebolas e batatas. Big-Wither (1974:151-152), em sua viagem à Província do Paraná realizada entre 1872 e 1875, quando se dirigia à Colônia Cristina, situada nas margens do rio Ivaí, descreve uma casa de fazendeiro situada em Campinas Belas:

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[....] entramos numa pequena sala de madeira de 14 por 12 pés, com portas em cada parede, dando para outros compartimentos [....]. O soalho era de chão batido e no meio da sala havia uma mesa solitária. Sem janelas, quando a porta se fechava, a claridade penetrava somente através das frestas da parede e pelo telhado [...]. Em volta das paredes, feitas de tabuas com formato igual a dormentes de linha ferroviária, ficando o lado convexo do lado de fora, estavam pendurados todos os objetos necessários ao serviço diário dos moradores. Laços, chicotes, esporas, selas, cabeçadas, espingardas de curto alcance e garruchas espalhafatosas tomavam a maior parte do espaço disponível, indicando [...] a espécie de vida que o nosso hospedeiro e a maior parte de sua família levavam. A porta, do lado oposto da entrada que havíamos franqueado, estava aberta, mostrando um alpendre onde uma negra atrozmente moía café num pilão de madeira. A porta da direita também se comunicava com um segundo telheiro, onde, através dos interstícios da parede, aparecia um fogo aceso no chão, com vários potes e panelas em volta, sob a fiscalização de uma jovem de boa aparência [...]. A terceira porta, mais bem feita que as mencionadas, ostentava uma fechadura com chave. O primeiro gesto de nosso hóspede, depois de nos convidar a sentar, um de cada lado da entrada, foi oferecer-nos um cigarro feito de fumo enrolado em palha de milho e, para acendê-lo, apareceu um menino escravo, seminu, com um tição tirado do fogo. A senhora [...] para voltar momentos depois acompanhada da negra que trazia grande tigela de madeira cheia de delicioso leite fresco [...] depois do leite foi oferecido e distribuído a nós, pela própria senhora, café em xícaras pequeninas.

A religiosidade, representada pela fé cristã, estava presente através de oratórios localizados na sala ou em pequenos cômodos anexos a ela, ou na construção de capelas. Desde o início da ocupação dos Campos Gerais, as famílias, isoladas dos centros maiores, se uniram na luta contra os indígenas que atacavam suas propriedades. Em 1769, em carta ao governador, o capitão de cavalos dos Campos Gerais Francisco Carneiro Lobo relata que os povoadores dos campos iam se estendendo até as margens do rio Tibagi, sem serem acometidos por índios até o ano de 1760, quando fizeram sua primeira aparição para os criadores de gado, atraídos pelas suas ferramentas. Em 1768, mataram dois homens nos campos da Fazenda Monte Alegre, na altura de Castro, roubando ferramentas, roupas e outros trastes (MACHADO, 1968:34-35). A persistência dos assaltos às fazendas levou a Câmara de Castro a pedir providências ao governo para que o Capitão-mor da Vila fizesse estrada por Imbituva, até chegar aos seus acampamentos e afugentá-los. Medidas foram tomadas pela Coroa através da Carta Régia de 1808, a qual determinava o recomeço das explorações a Guarapuava e Tibagi, territórios estes dominados pelos indígenas.

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Apesar das medidas governamentais, em 1820, Saint-Hilaire, quando viajava entre Itararé e Jaguariaíva, constatou a destruição de diversas fazendas situadas próximas às matas. Nessa época, os fazendeiros organizavam caçadas aos indígenas, matando-os e aprisionando-os, de acordo com informação datada de 1814 dos moradores de Itapeva, Castro e Apiaí (MACHADO, 1968:36). Tradicionalmente ocupada por fazendas para criação de gado e estabelecimento de invernadas, a região dos Campos Gerais tomou impulso com a abertura, em 1731, da estrada do Viamão ligando Vacaria, no Rio Grande do Sul, a Sorocaba, em São Paulo (Fig. 5). A partir desse ano, inúmeras tropas passaram continuamente por ele vindas das Missões, Corrientes, Uruguai, Paraguai, com destino a Sorocaba.

Figura 5. Área da Fazenda Capão Alto (em vermelho), no contexto dos Caminhos de Tropas (Fonte: RODERJAN, 1990).

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Atravessando áreas de mata, as tropas, ao desembocarem nos Campos Gerais paravam para descanso e engorda, originando para os fazendeiros nova fonte de renda com o aluguel de suas pastagens. Assim, as áreas criatórias foram diminuindo à medida que aumentavam as invernadas. Informação ao Presidente da Província datada de 1860 referencia a invernada, por ano, de 30.000 cabeças de raça muar destinadas à feira de Sorocaba (MACHADO, 1963:18). Essa modificação no trabalho de criação levou as famílias a residirem nas cidades, ocasionando o desenvolvimento das atividades comerciais e a diminuição do número de escravos. Em meados da década de 1860 era comum a compra ou arrendamento de escravos das fazendas para trabalharem nos cafezais paulistas. “Em 1867, o imposto que a Província arrecadava sobre os escravos saídos para São Paulo era quase igual ao imposto sobre os animais”. (MACHADO, 1963:19). Os fazendeiros transformaram-se em tropeiros, indo ao Sul para compra de mulas, invernando-as e vendendo-as depois em Sorocaba. Essa transformação no uso da propriedade e na economia local resultou no aumento do comércio e o predomínio econômico das cidades. O mobiliário pobre constatado por Saint-Hilaire em 1820 deu lugar ao refinamento. Inventários da segunda metade do século XIX registram o uso de cadeiras austríacas, tocadores de sala, espelhos grandes, marquesa e escarradeiras de louça, relógios de parede, mesa de jacarandá com cadeiras com assento de sola. Entre as louças havia pratos, xícaras e canecas de porcelana da China, talheres de prata (colheres e garfos), aparelhos de louça em pó de pedra, de louça parda e também louça “ordinária”. Xícaras e pratos azuis, pratos, travessas, pratos para doces, copos de vidro para água, cálices, copos para vinho, cálices para champanhe. Bules de zinco, açucareiros de louça, tigelas, farinheiras de ferro, garrafões, canecas grandes. As tralhas de cozinha eram compostas por caçarolas de ferro, bacias de assar pão-de-ló, tachos para doces, chaleiras de ferro, forno de ferro, folhas para assar biscoitos, panelas de ferro, almofariz de bronze, chocolateiras de ferro, espumadeiras de cobre, trempe de ferro para assar pão, caldeirão de cobre. Camas, catres de armação, catres tecidos de couro, camas de jacarandá, canastras grandes de couro com “pregos dourados”, baús de folha, cômodas com gavetas e fechaduras em armários grandes com portas, jarro e bacia de louça, urinol grande pintado correspondiam ao mobiliário dos quartos. Nos oratórios era comum pequeno nicho com imagens, muitas guarnecidas de prata ou douradas. Aos vestidos das mulheres, acrescentaram-se joias (MACHADO, 1963:21-22). As gradativas desagregações da família patrimonialista, com o abandono da criação de gado e a mudança na economia campeira, levaram a um processo de empobrecimento dos fazendeiros, à dissociação do patrimônio e a busca de novas fontes de renda. As novas gerações emigraram para as cidades e as propriedades foram vendidas à colonização “russa” e a companhias frigoríficas. A partir de 1877, alemães do Volga foram distribuídos em colônias de Ponta Grossa, Palmeira e Lapa.

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Decorrente dos vários programas governamentais de incentivo a imigração, em 1855 chegaram ao Município de Castro imigrantes alemães e poloneses. Fundaram as colônias Terra Nova e Santa Leopoldina. No final do século XIX, alemães protestantes se instalaram nas regiões de Maracanã, Rio Abaixo e Bulcão e, no início do século XX, holandeses fundaram a Colônia Carambeí. Entre 1951 e 1954 novos imigrantes holandeses fundaram Castrolanda. Em 1958 japoneses implantaram novas técnicas agrícolas.

A Fazenda Capão Alto e o Município de Castro O atual município de Castro e a Fazenda Capão Alto tiveram suas origens na ambiciosa sesmaria solicitada à Coroa por Pedro Taques de Almeida e seus familiares em 1704, e estão profundamente relacionadas. Localizado na margem esquerda do rio Iapó, na Sesmaria de Capão Alto, encontrava-se o vau que permitia o acesso à margem oposta do rio. Foi, assim, desde o início do século XVIII, local de paragem de tropeiros e viajantes, principalmente em épocas de cheias quando eram obrigados a permanecer em suas margens. Quando a sesmaria era de posse de José de Gois e Morais, alguns moradores se estabeleceram nessa paragem. Com a permissão do proprietário, o número de pessoas cresceu, formando um grupo regular que aumentava à medida que os negócios com o gado progredia. Capão Alto representa, portanto, os primórdios da Cidade de Castro. Conforme Milliet de Saint Adolphe (LIVRO TOMBO Nº 3), “[...] o princípio desta paróquia foi um aldeamento fundado não sei quando para os índios Guarapuabas”. Nesse aldeamento os padres carmelitas catequizavam, situando-se as casas deles e capela no local denominado Capão Alto. De acordo com Rocha Pombo, citado por Moreira (1975:929), “[...] nesse aldeamento, com os indígenas que os padres conseguiram catequisar, se estabeleceram logo, promiscuamente, colonos portugueses”. Servia este pequeno povoado, além de pouso para viajantes que se

dirigiam de São Vicente para o Sul, de posto avançado para exploração dos campos vizinhos. É desse período a construção da primeira ponte sobre o rio Iapó, facilitando a transposição do rio. Nas Atas de Vereança da Câmara Municipal de Curitiba notícias sobre a paragem do Iapó datam de 1734. Consta no Livro Tombo da Matriz de Curitiba que, em 1747, nos Campos Gerais havia 56 fogos ou casas, mas não se podia erguer uma capela e nem sustentar um capelão porque a população era pobre e os donos das fazendas residiam em Santos, Paranaguá e São Paulo. Contudo, “Em abril de 1750, a Câmara Municipal de Curitiba designava Juiz Vintenário para o Iapó, José Domingues dos Santos, o que significa que, na paragem, já residiam pelo menos vinte famílias”. (LACERDA, 1982:2).

Em 1769, capela consagrada a Sant’Ana foi construída no povoado pelos padres carmelitas que, nessa época, eram proprietários da Fazenda Capão Alto, sendo nomeados como capelão frei Custódio de Jesus Maria e, como seu

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primeiro vigário, frei José de Santa Thereza de Jesus. Ambos permaneceram na nova capela entre 1769 e 1789. Com o crescimento do novo povoado, que mantinha regular número de moradores, fazendas, comércio, vigário e companhia de cavalaria, o governo provincial elevou-o, em 1774, à categoria de Freguesia sob a evocação de Santa Ana do Iapó. A partir desta data os assentamentos passaram a ser feitos na igreja da nova povoação (LACERDA, 1982:3-4). Subordinada administrativamente à Câmara da Vila de Curitiba, no ano de 1780, na Freguesia de Sant’Ana havia poucas casas, com 688 almas, sendo 479 pessoas livres e 209 escravos (BORBA, 1972). Entendendo que, em 1789, já havia moradores suficientes na freguesia para servir em Câmara, a necessidade de impor leis e, pela sua situação geográfica junto à estrada geral para o Sul, o general Bernardo José de Lorena, elevou a freguesia à categoria de Vila Nova de Castro. Em sua obra “Viagem à Comarca de Curitiba”, Saint-Hilaire (1964:76-77), descreve a vila de Castro em 1820, como contendo cerca de 100 casas pequenas e construídas de pau-a-pique, as quais formavam três ruas (Fig. 6). Constituíam a sua população três ou quatro negociantes, mulheres de vida irregular e alguns artífices, sendo mais numerosos os seleiros. Saint-Hilaire cita, também, a presença de marceneiros. Em todo o distrito, segundo o autor, a população elevava-se a 5.000 indivíduos, inclusive 500 escravos.

Figura 6. Cidade de Castro. Jean Baptista Debret (1827). Disponível em: http://www.arte.seed.pr.gov.br/modules/galeria/detalhe.php?foto=77&evento1

Nos arredores eram cultivados milho, feijão, arroz e trigo, cuja farinha era empregada no fabrico do pão. A Vila de Castro foi elevada a Comarca em 1854 e à categoria de Cidade em janeiro de 1857. Em 1704, requerendo à Coroa, primeiramente grande extensão de terras nos Campos Gerais, Pedro Taques de Almeida teve seu pedido indeferido, recebendo somente uma sesmaria na qual estava incluída a paragem do Iapó.

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Após seu falecimento, seus familiares solicitaram áreas separadamente, obedecendo aos limites estabelecidos pela Coroa. Obtiveram, assim, todas as terras anteriormente pretendidas. Na partilha das sesmarias, coube ao provedor-mor Timótheo Correa de Goes, enteado de Pedro Taques, a do Capão Alto (RITTER, 1980:143). Este a vendeu a Sebastião Fernandes do Rego que, por sua vez, negociou a sesmaria com João Gonçalves Figueira. Informações a respeito das instalações das fazendas nesse período não foram encontradas, mas, não deveriam diferenciarse das demais descritas anteriormente: simples, com móveis rústicos e casas de madeira. Capão Alto, situada em uma colina e com água nos arredores possibilitou para os Taques, pelas facilidades que apresentava, a formação de grande potreiro e também local para pouso de viajantes que por ali passassem. Na fazenda havia, também, pequeno oratório dedicado a Santo Antônio. Falecendo João Gonçalves Figueira, tornou-se sua proprietária a viúva Josefa de Almeida. Deixando dívidas, a viúva teve sua herança executada em 1749, constando no auto de penhora: [...] mil e quatrocentas e cincoenta cabeças de gado vacum femeas entre grandes e pequenas de anno para cima com duzentos e oitenta machos entre grandes e pequenos que se achao assim nesta fazenda de Capão Alto como nos campos da Cunhaporanga campos chamados da Onça e Maracanduba onde tem mistura com Lourenço Taques de Araujo e assim mais em vinte e três egoa soltas de ventre com cria recém-nascidas com quinze poldras de anno para cima e quatorze potros machos de anno para cima e quatro coloniões e assim mais oito cavalos, colonios capoes mansos e quatro capoes curitibanos mansos e um colhudo manso curitibano e assim mais em um cavalo manso colônia capao que todos servem da fabrica da dita fazenda como também em uma junta de bois carreiros e dous carros ambos com seu uso e um carretão novo e três varas de sella e três freios ginetes e dous pares de esporas da fabrica, três enchadas e três fouces velhas e três machados e assim mais em um negro da nação mina por nome Manoel de idade de cincoenta anos pouco mais ou menos e uma canoa que serve na dita fazenda como também no sitio e terras na dita fazenda de Capão Alto com casa de palha com três portas com três fechaduras e três senzalas com seos arvoredos e curral como todos os campos do Capão Alto e campo da Cunhaporanga onde se acha um curral com uma casa de palha e campos chamados da Onça aonde também se acha e um curral e uma casa de palha com seos arvoredos com todos os matos e capões com seus logradouros de campos entradas e sahidas acima declaradas como também em um curral e casa de palha que se achão nas cabeceiras dos ditos campos de Capão Alto chamado Aquemquem adonde assiste o dito escravo Manoel [...] (AUTO DE

PENHORA, 1750). A fazenda, após a marcha regular do processo, foi leiloada e comprada, com todos os seus pertences, pelo capitão-mor José de Gois e Morais, filho de

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Pedro Taques de Almeida, em 24 de maio de 1751, pela quantia de dois mil réis. Ficou de posse dela pouco tempo, pois em 21 de outubro do mesmo ano, vendeua aos padres carmelitas de São Paulo. A Ordem, de acordo com o auto de posse, tornou-se proprietária da: [...] fazenda chamada Capão Alto com todos os campos e capões a ella pertencentes com todas as benfeitorias com seus logradouros, entradas e sahidas; como também todas as criações de gado, cavalgaduras e as mais fabrica pertencentes a própria fazenda do dito Capão Alto [...] como também de quatorze cavalos mansos capões dez colônias e quatro curitibanos, e uma junta de bois carreiros; como também de sessenta e uma cabeças de egoa de anno para cima e quatro pastores coloniais, e um negro escravo por nome Manoel e os mais trastes que do recibo de entrega constar [...]; como também se deu ele dito procurador bastante por impossado na forma do sobredito dos campos e sítios chamados Cunhaporanga com todos os matos e logradouros entradas e sahidas a eles pertencentes com todas as benfeitorias com toda a criação de gado pertencentes a mesma fazenda; assim mais se foi por impossado do curral e paragem de Aquemquem adonde findão os campos do Capão Alto adonde parte com os campos da contenda com o Capitão Manoel da Rocha Carvalhaes servindo de divisas uma cerca que se acha em um boqueirão do curral para a parte dos campos do dito capitão Rocha [...] assim mais se deu ele dito procurador bastante empossado dos campos e sítio da paragem chamada Onça com todos os seus pertencentes benfeitorias e logradouros entradas e sahidas a dita paragem dos campos chamados Maracananduba com todos os seus pertences com toda a criação de gado vacum nos quaes campos em mistura com Lourenço Castanho de Araujo [...] (AUTO DE POSSE, 1751).

Consta no Livro de Registro de Terras da Paróquia de Sant’Ana de Castro que a fazenda comprada por frei João de Santa Isabel possuía uma área que abrangia 3 léguas, sendo suas divisas formadas pelo rio Iapó, ribeirão Tabor e rio Maracanã. Compunham a compra 2.116 cabeças de gado vacum, 146 cavalos e três sedes: Capão Alto, Cunhaporanga e Vassoural. Segundo o Livro Tombo nº 3 da Cidade de Castro, em todas as sedes havia um frade e escravos, os quais eram também responsáveis pela fabricação das telhas do povoado. Os padres carmelitas conduziam gado e cavalgaduras pelos caminhos de tropas desde 1730 e conheciam a região dos Campos Gerais. Após a abertura da estrada do Viamão e, com a expulsão dos jesuítas, a eles couberam os trabalhos de catequese na região. Com a compra da Fazenda Capão Alto e da Fazenda Fundão foram, paulatinamente, se tornando grandes proprietários, exercendo, além das atividades das fazendas, as de ministrar instrução religiosa à população local e de disciplinar seus escravos. Nas fazendas de posse dos carmelitas criava-se gado com vários currais e, os escravos reuniam-se em grupos esparsos, formando centros religiosos com oratórios e práticas religiosas obrigatórias.

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Muitos dos escravos das fazendas carmelitas eram doados por fazendeiros por serem julgados indisciplinados. Cabia aos padres educá-los, pois havia necessidade de auxílio nos serviços braçais, nas hortas, no transporte de água e lenha, na conservação das casas, nos serviços domésticos, nos cuidados com o gado. Assim, ao se instalarem levantavam senzalas para abrigá-los. Infelizmente são raras as informações sobre essas instalações. Ermelino de Leão (1926:624) refere-se à existência de casa conventual e senzala na Fazenda Capão Alto. Em relação ao amparo aos escravos velhos e doentes, esta não parece ter sido uma questão moral muito importante para as ordens religiosas em geral. Frei Venâncio Willeke (1976), referindo-se aos franciscanos, afirma que ao lado de escravos preguiçosos e indolentes havia os negros velhos e enfermos que dependiam dos cuidados das comunidades religiosas e se tornavam um peso. Com a decadência das Ordens a partir da segunda metade do século XVIII, os negros sexagenários começaram a ser alforriados. A escassez de informações quanto à escravatura junto às ordens religiosas deve-se ao extravio de material nas casas religiosas e, pela destruição de arquivos de pretos ordenada, em 1891, pelo novo governo republicano. Dados referentes aos africanos podem ser encontrados nas crônicas e relatórios que os conventos e as cúrias eram obrigados a mandar para o governo colonial, nos arquivos das ordens religiosas e nos arquivos públicos estaduais e municipais. Os inventários conventuais, de modo geral, demonstram a pobreza e o baixo padrão de vida dos religiosos. Neles são relacionados alguns ofícios exercidos pelos negros como: pedreiros, marceneiros, lavradores de campo e auxiliares femininos de cozinha para a comunidade religiosa. Aos padres capelães cabia a realização dos ofícios religiosos, batizados, festas, e o cuidado com os escravos nas capelas e oratórios das propriedades. Descrições das instalações também são escassas. Molina (2006:205) descreve a fazenda Gaecá, situada a cerca de 8km da Vila de Santos: diz a pesquisadora que, em 1858, a fazenda possuía 135 escravos, casa e capela em honra a Nossa Senhora da Luz, várias senzalas e armazéns, assim como um engenho com dois alambiques que produziam aguardente e dois fornos para produção de telhas. Estabelecendo-se na Fazenda Capão Alto, os carmelitas substituíram o antigo Oratório de Santo Antônio, construído pela família Taques, por uma capela erguida em taipa-de-pilão, consagrada a Nossa Senhora do Carmo do Capão Alto. Para ela convergiam os moradores dos arredores e da paragem do Iapó. Situada em local plano, a nova capela acabou atraindo a atenção de moradores para fixação de residência. Os padres carmelitas, no entanto, para evitar a formação de povoados nas áreas da fazenda, direcionaram a população para o núcleo que se formava na paragem do Iapó onde construíram, em 1769, a Capela de Sant’Ana do Iapó, local em que a atual Cidade de Castro tem suas raízes. Até a construção da Capela de Sant’Ana do Iapó, a Capela de Nossa Senhora do Carmo do Capão Alto centralizava todos os acontecimentos da comunidade como casamentos, batizados e sepultamentos. Segundo documentos do século XVIII, anexo a ela havia um cemitério onde eram enterrados os mortos

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mais importantes do núcleo do Iapó, já em franco desenvolvimento. O capitão Manoel da Rocha Carvalhaes, sogro do capitão Carneiro Lobo foi enterrado naquele local em 1757, (BORBA, 1969:12). Consta, também, o sepultamento, em 1776, de Ana Mendes Tenório (BORBA:14) e de Ana Maria Castanha d’Araújo, 72 anos, viúva de José Rodrigues Pereira, que faleceu no bairro São Lourenço em 15 de novembro de 1855 (LOPES, 2004:97). De acordo com os livros da Freguesia de Nossa Senhora da Luz de Curitiba, os primeiros batizados de brancos no Capão Alto foram realizados pelo frei Fernando do Monte Carmelo e Silva (até março de 1754). Correspondem a Bernarda, filha de Lourenço Rodrigues Cardoso e de Juliana Garcia de Oliveira em outubro de 1752 e, de Lourenço, filho de Bartolomeu da Rocha Carvalhais e Maria Paes Domingues, em dezembro de 1752. A partir de novembro de 1754, os batizados passaram à competência de frei Bernardo de Godoi. Nos livros de escravos e administrados, o primeiro batizado anotado foi de Ângelo, em setembro de 1752, e o de Maria, em dezembro de 1752, ambos ministrados pelo reverendo doutor José Rodrigues de França. Em relação aos casamentos, em 1754 foi celebrado o de Antônio Lopes de Toledo com Ignácia de Freitas; em 1755, o de José Sutil de Oliveira com Luzia de Almeida Lima e o de João Pereira Avelar com Isabel Martins de Sequeira, ambos celebrados pelo frei Bernardo de Godói. Em 1764 foi registrado o casamento de Pedro de Quadros com Leonor Alves de Araújo e, em agosto de 1765 o batizado do primeiro filho do casal pelo frei Antônio Pires (LOPES, 2004:116). Nas pesquisas realizadas por Molina (2006:271) no Arquivo da Matriz de Castro, entre os anos de 1796 e 1856, dos 23 casamentos realizados, em 21 os noivos eram filhos de casais escravos que já pertenciam à Fazenda Capão Alto. Ainda segundo seus estudos, afirma Molina (2006:217) que no Livro de Óbitos do mesmo Arquivo, para o período entre 1800 e 1854, grande parte dos escravos falecidos era filhos de casais de cativos que viviam na Fazenda Capão Alto ou descritos como casados com escravos da propriedade. Segundo a pesquisadora, [...] nos 91 óbitos observados em 54 anos para Capão Alto, cerca de 51 escravos, ou seja, por volta de 56% estavam na faixa etária de 0 a 10 anos. Por outro lado, a expectativa de vida nessas terras era alta: 18,6% ou 17 cativos possuíam entre 50 e 100 anos quando faleceram (MOLINA,

2006:218). Os relatórios e correspondências oficiais estudados pela mesma pesquisadora apontam que, em relação à faixa etária, os escravos da Fazenda Capão Alto contemplavam todas as idades. Congregando a vida do povoado, negócios de compra e venda de terras também eram realizados em Capão Alto, como apontado por Lopes (2004:167), quando cita a transação de pedaço de terra efetuada em 1785, por Escolástica

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Luísa de Melo, viúva de Francisco Rodrigues Chagas para Pedro da Silva Moreira, em escritura lavrada no Capão Alto, em casa de frei Duarte. Nos livros de registros da Catedral de Castro constam, até 1771, assentamentos do povoado feitos pelos frades carmelitas do Capão Alto. Depois os casamentos e batizados passaram a ser realizados na igreja da nova freguesia, assim como os sepultamentos, em cemitério anexo. Desenvolvendo atividades voltadas à criação de gado, cavalos, suínos, lanígeros, e também agrícolas com plantações principalmente de milho e feijão, o período de ocupação dos padres carmelitas na Fazenda Capão Alto agregou escravos e administradores, além de grande quantidade de animais, como se observa nas relações apresentadas trimestralmente ao governo para pagamento de dízimo. Das listagens apresentadas constam (LOPES, 2004:58-61): 1772 - entre 28 de fevereiro e 12 de setembro, o recebimento de 24 couros, no Porto de São Bento, do padre do Capão Alto. Em outra lista constam mais 10 couros; 1789 - 51 escravos e os agregados Sebastião e Simão, além de Domingos com a mulher Isabel e a filha Justa; 1791 - Brás José C... com 16 anos, tendo o frei 1 escravo; os administrados Sebastião, Simão e Domingos, este com a mulher Isabel e a filha Justa, além de 53 escravos. O agregado João Correia, 50 anos, a mulher Francisca (40 anos), os filhos João, Xavier, Clemência, Vicente e Ana; o agregado Custódio, 51 anos, a mulher Ana (36 anos), os filhos Bibiana, Antônia, Perpétua, Inácio, Anastácio; 1796 - nesse ano não havia mais frades morando na fazenda. Na lista apresentada consta o agregado Sebastião, a mulher e 5 filhos, outro agregado Sebastião com a mulher e 8 filhos, mais 4 agregados e 53 escravos; 1798 - o presidente do Convento do Carmo de São Paulo afirma que possuíam uma fazenda de criação chamada Capão Alto, tendo anexo à mesma data os dois currais da Onça e Cunhaporanga, em cujos campos andavam repartidos os gados da fazenda principal. Afirma, ainda, que de muitos anos a fazenda dava servidão aos senhores Pedro de Quadros e Manuel Antônio, moradores nos fundos da fazenda, bem pelo meio da mesma, pois era mais fácil ir à Vila de Castro sem atravessar o rio Iapó; 1798 - era fazendeiro da Capão Alto o escravo Inácio, 40 anos; havia mais 51 escravos, 110 éguas, 1.600 vacuns, 44 ovelhas. Nasceram 5 cavalares, 420 vacuns, 8 ovelhas e nada venderam; 1799 - a fazenda tinha 60 éguas e 900 vacuns. Foram marcados 20 cavalares, 350 vacuns e vendidos 50 bois; 1801 - foram marcados 21 cavalares e 371 vacuns, sendo enviados para São Paulo 72 bois; 1804 - a fazenda tinha 59 escravos e 26 agregados. Foram marcados 200 vacuns, 100 cavalares, 30 ovelhas e levados 125 bois a São Paulo; 1807 - o capataz era o escravo Inácio, 57 anos. Havia outros 63 escravos e 22 agregados. Foram marcados 157 vacuns e 3 cavalares; 1808 - o capataz era o escravo Inácio. Foram marcados 100 vacuns;

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1811 - marcados 100 vacuns e 20 cavalares. O capataz era o escravo Inácio, 61 anos; 1816 - foram marcados 20 cavalares e 430 vacuns. No Baçoral, pertencente aos mesmos frades do Carmo, plantavam milho e feijão; 1818 - no cadastro consta que a fazenda pertencia aos carmelitas, media 3.750 x 9.000 braças; era de criação e não constavam escravos; 1820 - a fazenda marcou 260 vacuns e tinha muitos escravos; 1822 - foram marcados 202 vacuns e 20 cavalares; 1824 - foram marcados 280 vacuns; 1825 - a fazenda tinha 68 escravos, 1.400 vacuns, 25 cavalares e nada vendeu no ano. Marcou 180 vacuns e 12 cavalares; 1828 - foram marcados 420 vacuns, 55 cavalares e 6 muares; 1829 - foram marcados 17 potros, 22 potrancas, 482 reses. O capataz era o escravo Pedro, 40 anos, negro, casado com Felizarda, 30 anos; havia 117 escravos e 18 agregados; 1830 - foram marcados 220 vacuns, 40 cavalares, 10 bestas e 30 carneiros; 1854 - o cadastro das terras foi de responsabilidade do frei Antônio Inácio do Coração de Jesus, prior do Convento do Carmo. De acordo com a sua declaração: Era uma fazenda de criar e plantações no lugar denominado Capão Alto, que dividia pela frente com o rio Iapó, por um lado dividia com o ribeirão fundo denominado Tabor, que estava dividindo com a fazenda do finado Joaquim Barbosa, e por outro lado com o ribeirão denominado Maracanã, que dividia com a fazenda do finado José Felix e em todos esses campos da Fazenda Capão Alto existiam três estabelecimentos: o primeiro Capão Alto, que pelo fundo dividia com a fazenda de Ana Castanha, nesse fundo tinha uma casa com escravos e pertencente à dita fazenda; o segundo estabelecimento era denominado Cunhaporanga, seus fundos iam até o sertão com todos matos e capões onde cultivavam os escravos desde a compra que fizeram, com seus logradouros, entradas e saídas, tanto no Cunhaporanga como no Bassoural, Capão Alto e Onça; o terceiro denominava-se Bassoural, seu fundo era até o sertão anexo à mesma fazenda. Além dessas três habitações tinha um potreiro onde tinha um posto com vários escravos para cuidarem no gado que ali existia. Todos esses estabelecimentos eram dentro das ditas divisas da Fazenda Capão Alto acima declaradas (LOPES, 2004:61).

Segundo Molina (2006:106), informações sobre a Fazenda Capão Alto referentes ao ano de 1858 não constam no relatório entregue em 1872. Em seu lugar é citada uma fazenda chamada Curitiba que nunca havia sido encontrada na documentação, o que leva a crer que se trate da Fazenda Capão Alto. O que reforça a hipótese é o fato de que a jurisdição do Paraná é responsabilidade do Convento do Carmo da cidade de São Paulo. Já em 1827 em um documento nomeado: Levantamento feito sobre as Ordens Religiosas de São Paulo e de autoria do vice-presidente da Província de São Paulo foi possível detectar algumas informações fornecidas pelo então Prior do convento do Carmo de São Paulo Frei José da Purificação Soares sob o patrimônio sob sua administração e onde menciona a Fazenda Capão Alto.

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Segundo ele tratava-se de uma fazenda voltada para a criação de gado de corte produzindo de 70 a 80 anualmente e possuindo cerca de 107 escravos de todas as idades.

A Fazenda Cunhaporanga compunha o complexo Capão Alto. Consta que, em 1772, André Pinheiro era seu assistente. Morava 3 léguas fora da estrada e 7 léguas da povoação do Iapó. Possuía 4 vacas mansas, plantava alqueire de milho e uma quarta de feijão (LOPES, 2004:62). Nas suas listagens foram arrolados: 1804 - pertencia a Nossa Senhora do Carmo, tinha 14 escravos e plantava para seu sustento. Foram marcados 70 vacuns e 30 cavalares; 1807 - o capataz era o escravo João, 47 anos; havia outros 12 escravos e foram marcados 90 vacuns e 13 cavalares; 1808 - tinha por capataz o escravo João e mais 10 escravos. Foram marcados 70 vacuns e 10 cavalares; 1811 - foram marcados 70 vacuns e 7 cavalares. O capataz era o escravo João, 50 anos; 1816 - foram marcados 30 cavalares e 200 vacuns; 1818 - nesse ano a fazenda media 750 x 9.000 braças. Era de criação e tinha 84 escravos; 1820 - foram marcados 74 vacuns e 17 cavalares; 1822 - foram marcados 94 vacuns e 7 cavalares; 1824 - foram marcados 94 vacuns; 1825 - tinha 22 escravos, 720 vacuns, 30 cavalares, 80 lanígeros e nada vendeu. Marcou 100 vacuns e 10 cavalares.

Vivendo isolados dos centros maiores, os padres carmelitas e a povoação que emergia na paragem do Iapó, assim como os moradores das fazendas vizinhas viam-se obrigados a suprir suas necessidades básicas de alimentação, vestuário, construção, consertos de ferramentas e outros. Esse aspecto é evidenciado em registro de 1770 onde consta a dívida de uma dúzia de pregos grandes e meia de pequenos ao ferreiro de Capão Alto, os quais foram enviados para conserto de canoas no Porto de São Bento, no rio Tibagi (LOPES, 2004:58), do que se depreende a presença de ferreiro na fazenda, responsável pelo conserto e fabricação de ferramentas, pregos, etc. O Porto de São Bento situavase na foz do rio Capivari no rio Tibagi. Dele partiam expedições enviadas pelo Morgado de Matheus para as fronteiras com o Paraguai e para a Praça de Iguatemi. No povoado as famílias trabalhavam na manutenção de uma agricultura de subsistência, no trato e criação do gado e nas andanças do tropeirismo, e o isolamento que caracterizou as primeiras comunidades originou pequenas populações, as quais ocupavam vastos espaços físicos quando viviam em sítios e fazendas. As vilas e povoados cresciam lenta e pobremente. Esse processo de assentamento foi semelhante no sul do Brasil, reproduzindo-se de uma

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comunidade para outra, mesmo quando se verificava intervalo temporal de meio século ou mais (RODERJAN, 1992). Os inventários existentes referentes aos séculos XVIII e XIX permitem a percepção do modo de vida da população. Nos espólios de século XVIII, além dos registros de gado vacum, cavalar, suínos, lanígeros, são citados trastes caseiros e escravos. Entre as ferramentas são comuns enxós, machados com uso, enxadas, foices, facões, escápolos, serras, ferros de marcar. Ocorrem também, carretões, arma de fogo como espingardas, espingardas alemãs e escopetas, espadim com guarnições, tachos de cobre grandes e pequenos com uso, canastras, baús com fechaduras, fechaduras de portas, roupas, bancos e mesas de madeira. As casas normalmente são descritas como de 2 lanços e cobertas de palhas. Diferenciando-se, no inventário de Ana Pinto, datado de 1754, mulher de João Pereira de Avelar, sesmeiro no Ribeirão das Pedras, foi arrolada uma tenda de sapateiro com seus preparos de fôrmas e ferramentas do dito ofício e, pela primeira vez a presença de cabras, além de duas fechaduras mouriscas, 1 espingarda alemã com 5 palmos de comprimento, aparelhada, 1 caixa com sua fechadura com 5 palmos de comprimento, aparelhada, 1 baú pequeno com 3 palmos de comprido com sua fechadura, 1 alavanca de ferro, 2 almocrafes de ferro com seu uso (pequeno alvião, terminado em ponta, usado nas minas), 2 enxadas usadas, 3 foices, 2 machados com bastante uso e 1 caldeirão de cobre com seu uso (LOPES, 2004:254). Nos inventários correspondentes ao século XIX, as casas comumente são de 3 lanços, cobertas com telhas, e as tralhas mais refinadas, incluindo colares e brincos de ouro. Na relação de José Rodrigues Pereira, proprietário da Fazenda São Lourenço (1818), além da criação, casa da fazenda, currais, terras lavradias, constam como trastes de casa objetos feitos em prata: 7 talheres de colheres e garfos de prata, 1 par de esporas de prata, 2 pares de esporas de prata mais pequenos, 1 par de esporas de prata mais pequeno, 1 par de fivelas de prata, 1 tacho de cobre, 9 catres, 3 mesas, 2 bancos compridos, 1 armário, 1 cômoda. Vizinha à Fazenda Capão Alto estava a Fazenda Santa Cruz. No inventário de Luís Castanho de Araújo, de outubro de 1830, estão arrolados: uma morada de 3 lanços, paredes e taipa coberta de telha, com 7 portas e seus arvoredos de espinho e mangueira velha, matos lavradios, escravos e criação. Em relação aos trastes domésticos constam: um tacho grande de cobre em bom uso, uma bacia de arame velha, 2 navalhas usadas, uma pedra fina da dita, um canivete, uma marca velha, uma dita em bom uso, uma colher de sebo, um machado usado, 3 enxadas usadas, um lampião de bacia, 5 casais de colheres e garfos de ferro, um freio de ferro com rédeas trançadas. Os trastes de couro e madeira estão representados por: um lombilho, carona, cincha com 4 argolas e estribos de ferro, tudo velho; um par de canastras cobertas de couro cru velhas; um par de botas de canhão velhas; uma mesa sem gaveta, usada; 3 catres tecidos de couro usados; um dito mais pequeno; 2 bancos compridos; um dito pequeno. Aparece também, um oratório com quatro imagens; 4 garrafas pretas; uma dita redonda; um prato de estanho em meia cozinha; 3 ditos de pequenos; 3 ditos fundos e velhos; uma

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tigela de louça pintada; um chapéu de pano, velho; um dito de sol; uma mantilha usada; um espelho pequeno; um poncho de forro vermelho, usado; um robição de pano azul ordinário, velho; uma colcha; uma dita pintada de azul; um capote de baetão preto usado; uma colcha de baetão encarnado, velha; uma camisa de cassa velha; uma dita de paninho, usada; 2 ceroulas velhas de linho; um lençol de cassa usado; uma toalha de mão de algodão; um lençol azul; meio dito branco de pescoço; um par de esporas de prata lavrada (LOPES, 2004: 112-113). Os carmelitas permaneceram diretamente na Fazenda Capão Alto até 1770, quando retornaram a São Paulo. Passaram a administração da fazenda a seus escravos, os quais mantiveram as atividades agrícolas e pecuárias. A produção era enviada a São Paulo, para abastecer os conventos de Itu, São Paulo e Santos. Morando em cabanas individuais, os escravos produziam para a sua própria subsistência e vendiam o excedente à população local. Viveram na Fazenda Capão Alto até 1864, quando esta, juntamente com seus escravos, foram arrendados à Casa Comercial Bernardo Galvão Ribeiro e Gavião, de São Paulo. Vivendo sem a supervisão local dos carmelitas por quase um século, os escravos da Fazenda Capão Alto mostraram-se reticentes quando foram negociados. Dizendo-se escravos de Nossa Senhora do Carmo, à qual chamavam de Sinhara, e a quem obedeciam, negaram-se a acompanhar os senhores Camilo Gavião e Guilherme Witaker a São Paulo. Comunicado do delegado de polícia de Castro, em abril de 1864, ao Governo Provincial relatando os acontecimentos e pedindo auxílio de força pública de trinta praças para atender o caso resultou na ida ao local de um representante do governo e 20 soldados. Questionava-se, além da insurreição dos escravos, a legalidade dos direitos dos senhores da Casa Comercial, que se diziam arrendatários dos escravos. A escritura de arrendamento não foi apresentada, assim como recibo de pagamento dos impostos sobre os escravos à Província do Paraná e a prévia licença do Governo Imperial. Foi mostrada somente uma procuração emitida pelos padres carmelitas entregando a fazenda e os escravos. Em maio de 1864, acalorando-se os ânimos, foram presos onze escravos considerados as cabeças da desobediência. Seu representante principal chamava-se Firmino. Descreve o momento, o chefe da polícia da Capital, Manoel da Silva Mafra: À prisão deste tentaram oppôr-se alguns dos outros, que tiveram de recuar ante o emprego da força. Guardados devidamente os escravos, ordenei um rigoroso exame em todas as senzalas. Alem de um grande numero de facas e facões do serviço do campo, foram encontradas algumas espingardas carregadas com bala (LIVRO DE CORRESPONDÊNCIA DE

AUTORIDADES, 1864). Apesar da resistência ao perder sua aparente liberdade, pois ao longo dos anos os escravos organizaram uma estrutura autônoma de sobrevivência e

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construíram laços de cumplicidade por gerações, foram enviados a São Paulo para trabalhar nos cafezais e na construção da estrada de ferro que ligaria Jundiaí a Campinas. Entre eles, conforme Molina (2006:208), 241 cativos tinha menos de 45 anos. Em relação à situação dos escravos da Fazenda Capão Alto, em resposta à solicitação do Império datada de 19 de novembro de 1864, sobre os contratos sem licença feitos por Ordens Religiosas, o Convento do Carmo afirmou que: 4º- arrendarão a Fazenda do Capão Alto, na Província do Paraná, com 270 escravos e 6.000 cabeças de gado vacum e cavalar por oito contos de reis por anno sem licença do governo. O arrendatário já retirou 216 escravos para a cidade de São Paulo, para empregal-os na estrada de ferro (LIVRO DE

CORRESPONDÊNCIAS, 1866). Em 1866, de acordo com escritura de compra e venda, a Fazenda foi vendida a Bonifácio José Batista, barão de Monte Carmelo. Conforme licença concedida pelo Governo Imperial, a transação compreendia todas as suas dependências, encontrando-se entre elas as de Campos, Cunhaporanga, Barroso, Vassoural e outras, Campinas do Estrepe e outras, terras lavradias e logradouros conforme divisas marcadas na licença: rio Iapó pelo nordeste, Fazenda do Tabor pelo norte, na da Onça pelo sul com fundos para o sertão da marinha de demora a Leste, e o mais como consta das respectivas sesmarias, e bem assim os dezesseis escravos da dita fazenda, cujos nomes, e preços mínimos constam da relação [...]

(ESCRITURA, 1866). Na transação, segundo Novaes Rosa (1953:24), além de 15.000 alqueires, estavam inclusas 2.000 cabeças de gado. Nela o barão construiu uma casa em estilo colonial, em moda nas fazendas de café nos séculos XVII e XVIII, mobilioua cercando-se de conforto e importou do Rio de Janeiro e São Paulo, reprodutores para seus rebanhos, tornando-a famosa pela qualidade dos animais e organização. No Relatório de 1876, o presidente da Província do Paraná, Dr. Adolfo Lamenha Lins relata que na Fazenda Capão Alto, seu proprietário, coronel Bonifácio José Batista, possuía espécimes da raça Mélkemburgueza e Cabo (RELATÓRIO, 1876:117). De acordo com Nivaldo Braga (1886), da Cidade de Castro era possível avistar a sede da Fazenda Capão Alto, construída com gosto e capricho. Seu acesso era feito por estrada para carros e, pelos fundos chegava-se ao rio Iapó. Era costume de o proprietário celebrar, de tempos em tempos, a padroeira da Capela com uma festa bastante concorrida. Datam dessa época os primeiros registros de construções na fazenda. O casarão, edificado por escravos trazidos pelo barão, foi erguido através da técnica de taipa-de-pilão e tinha 600m². As paredes internas foram confeccionadas em

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estuque. Primeiramente o casarão foi somente caiado. Posteriormente, as paredes internas receberam pinturas feitas com moldes. Na capela encontravamse junto ao piso, prolongando-se pela parede até cerca de um quarto de sua altura. No altar e suas laterais a pintura cobria toda a parede. As salas frontais do casarão receberam pintura em duas cores, com motivos florais, que recobriam todas as paredes. Eram delimitadas por frisos elaborados também em duas cores. Nos quartos e dependências secundárias do casarão foram executados apenas frisos com arabescos em azul. O andar superior do casarão abrigava os aposentos da baronesa, constituídos pelo quarto, ricamente decorado com motivos florais e a sala de banho. No térreo situavam-se os salões sociais, capela e quartos abertos para as fachadas laterais. Nos fundos estava a cozinha, com fogão a lenha e forno. A varanda recebeu piso hidráulico importado de Portugal decorado com desenhos geométricos em forma de flores e grades, estas provavelmente vindas da Inglaterra. Culto e fixando residência na Capão Alto até 1878, o barão formou, com amigos, a Biblioteca Pública de Castro. Em 1878, com a nomeação de Abelardo Brito, seu cunhado, para presidente da Província de São Paulo, para lá retornou, tornando-se a fazenda, residência de verão. O barão faleceu em São Paulo, em 1897. Com a sua morte foi aberto inventário. Entre seus bens constava a Fazenda Capão Alto, que compreendia: [...] campos, campinas inclusive a do Estrépe, matos logradouros, terras lavradias do Vassoural e do dito logar Estrépe situado a este da cidade de Castro (Estado do Paraná), casa de morada, da fazenda, suas benfeitorias e dependências, móveis e demais objetos que guarnecem acesso nos pertencentes a mesma fazenda como carroças, carros, troly, etc com as divisas seguintes: A oeste com a fazenda do Maracanã pelo rio da Onça pertencente á Indalécio Rodrigues de Macedo, ou seus filhos, ao sul com a fazenda da Boa Vista, pertencentes aos filhos de Álvaro Gonçalves Martins pelo rio Taquarussú e pelo rio Caratuva com a mesma fazenda do Maracanã a éste com confrontantes desconhecidos e com dona Maria Ribas por um arroio com feixos de valo e muros de pedras; ao norte com a fazenda de São Lourenço e Cunhaporanga a esta pertencente a Antônio José de Fonseca pelo rio deste nome e com José Nunes de Marino pelo rio Iapó e fazenda de Pacifico Caxambú [...] (INVENTÁRIO, 1898).

Passando como herança à baronesa de Monte Carmelo, com o falecimento desta, a fazenda foi através de partilha amigável realizada em 1903, legada ao coronel Manoel Bonifácio da Silva Baptista. Com delimitações e descrições iguais às do inventário do barão, nela são nominados os campos como: Santa Cruz de Dentro, Santa Cruz de Fora, Maria do Carmo e Campinas. Com o falecimento de Manoel Bonifácio da Silva Baptista, a fazenda passou, como herança, a Evangelina Prates da Silva Baptista, neta do barão e casada com Javert Madureira. Este procurou dar continuidade ao antigo projeto

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do barão de melhoria do gado, adquirindo bons reprodutores. Nessa época a Fazenda Capão Alto desempenhava papel social. A família Baptista Madureira recebia a aristocracia de São Paulo para festas e temporadas. Os convidados chegavam a Castro de trem, de onde prosseguiam de carro ou charretes. Data dessa época a instalação da fechadura da Capela da Fazenda, comprada por Javert em São Paulo, quando da demolição da velha Igreja da Sé. Falecendo Javert Madureira, a Fazenda passou para Evangelina, sua esposa. No espólio, entre outros bens, estava delimitada a sua área: A Fazenda Capão Alto, com sete mil novecentos e cincoenta (7.950) alqueires de terras em campos e matas, compreendendo, entre outras, as terras de Santa Cruz de Dentro e Santa Cruz de Fóra, Maria do Carmo, Estrépe, Campinas do Estrépe, Vassoural, Cercado Grande, Cercadinho, confrontado ao oeste com terras da fazenda Maracanã, pelo rio da Onça, pertencente a herdeiros de Indalecio Rodrigues de Macedo; ao sul com a fazenda Boa Vista, pertencente a Augusto Martins, pelo rio Taquarussú e pelo rio Caratuva com a mesma fazenda Maracanã; a este, pelo rio Caratuva, e por um valo até rumo da lagoa Seca; da lagoa Seca continua rumo ao “Morro Pelado”, sempre por valo até o arroio do Monjolo, sobe arroio acima até dividir com a fazenda Lagoa de Agostinho Ribas, ou seus herdeiros, daí até a Lagoa do Canhambora, e déste á Campina do Estrépe, daí para Capoeira Canhambora sempre por valo até o Retame, e déste até o Valonguinho; ao norte com as fazendas São Lourenço, “Cunha Poranga”, esta pertencente a Manoel Ribas, pelo rio Iapó e com os herdeiros de José Nunes de Marins e fazenda de Pacífico Caxambú (INVENTÁRIO, 1925).

Em 1941, Evangelina vendeu a Francisco Télles todos os pinheiros, imbuias, canelas e cedros situados na Campina do Estrépe, em uma área com 355 alqueires e 21.000m². Pelo contrato, o comprador tinha livre trânsito nos terrenos da Capão Alto, no lado direito da estrada a Socavão, podendo abrir estradas, carreadores e cercas que fossem necessárias para o transporte das madeiras, bem como construir ranchos, pontilhões, e estivas. Ficava, ainda, com o direito de utilizar para pastagem a área onde se achavam as madeiras, construir serrarias e casas (LIVRO DE TRANSCRIÇÃO, 1943). Sem saber administrá-la, Evangelina viu-se cada vez mais endividada e foi obrigada a vendê-la em 1943. O comprador foi o banqueiro e industrial Vicente Fiorillo, imigrante italiano residente em Castro, o qual adquiriu todos os direitos sobre o imóvel, suas terras e benfeitorias. Escritura de compra e venda lavrada em setembro de 1944 delimitava a área nas seguintes divisas: [...] o ponto de partida está no Portão Vermelho, (cruzamento da estrada Castro - S. Lourenço – Rio da Onça), daí: segue rio acima até a husina de córrego Carretão até o cruzo da estrada, divide com a invernada da Lagoa da Onça, da estrada até a cabeceira do córrego do carretão e por uma cerca de

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arame farpado até a cabeceira de uma sanga, e por esta sanga abaixo rumo Norte, até a barra de um córrego, e por este duzentos metros abaixo até a barra de outra sanga promessa, rumo este até a cabeceira da sanga, daí por uma cerca de arame farpado ligando a sanga que faz barra com o córrego da Lagoa sempre dividindo com a invernada do carretão, pelo córrego da Lagoa segue até a barra do arroio da Taquara, subindo do arroio da Taquara até uma sanga que faz barra perto da ponte da estrada da fazenda á Onça, e por aqui divide com a invernada da Lagôa, pelo arroio da Taquara acima divide com invernada da Taquara e Alto Grande, do arroio Taquara segue a divisa por uma sanga pequena até a cabeceira desta por uma cerca de arame farpado, rumo N.O. cruzando a estrada da fazenda á Árvore, ligando por uma sanga, dividindo com a invernada da Árvore, por esta sanga vai abaixo até a barra de um córrego que divide as invernadas Árvore e Bugre, e por este córrego abaixo até a barra de um arroio que divide as invernadas Bugre e Cercado Grande, e por este arroio abaixo até a barra de uma sanga que divide com a invernada do Cercado Grande, a cabeceira desta sanga liga um banhado e outra sanga com o rumo N.O. até a barra com o rio Chunhaporanga, dividindo com a invernada Cercado Grande, pelo rio Cunhaporanga abaixo até a barra com o rio Iapó, e por este abaixo segue a divisa até a barra com o rio da Onça, e por este subindo alcança o Portão Vermelho P.P. fechando o perímetro da dita área de campos [...]

(ESCRITURA, 1944). Compreendendo uma área com 1.585 alqueires e 10.700m², a venda incluía além da área de campo e a sede da Fazenda Capão Alto, as benfeitorias: fábrica de vinho, fábrica de manteiga e usina hidrelétrica, com exclusão da imagem da padroeira da fazenda Nossa Senhora do Carmo, dois sinos de bronze e mais objetos que constavam na capela. Falecendo Vicente Fiorillo, a Fazenda Capão Alto passou a Mariano Casella e Maria Rosa Fiorillo Casella. Com o falecimento destes, no inventário aberto constava “[...] o terreno rural, constituído de campos, matas e vargens, possuindo casa velha de construção de alvenaria e demais benfeitorias, situado na Fazenda Capão Alto, neste município, com a área de 8.229.100m²” (ESCRITURA,

1977) que, através de partilha amigável, conforme citado na Escritura de Divisão Amigável de 28 de janeiro de 1977, foi dividido em 5 quinhões. Na divisão, coube a Adelina Casella Mora e Cléa Casella Vendrami, o de nº 1, com uma área de 3.742.986m². Correspondia à Fazenda Capão Alto, no qual estavam edificadas as benfeitorias que compunham a Sede da fazenda. Esta confrontava ao Norte, com o rio Iapó; ao Sul, com o arroio Taquara e estrada municipal; a Leste com o Quinhão nº 4 do condômino Roelof Kiers e a Oeste, com o rio Iapó. Apesar da tentativa dos descendentes de Vicente Fiorillo de dar continuidade às atividades pecuaristas da fazenda, inclusive com a adaptação de algumas dependências para a fabricação de laticínios, em 1979 o imóvel foi vendido novamente, desta vez à Cooperativa Central de Laticínios do Paraná Ltda. Quando da venda, os pertences da fazenda, entre eles lavabos de porcelana inglesa decorada, foram levados pelos antigos proprietários.

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Atualmente a Fazenda é de propriedade da família Koob Peter e da Cooperativa Central de Laticínios do Paraná Ltda. Seu conjunto arquitetônico é composto por 12 edifícios distintos e 5 unidades complementares: casa sede, casa do capataz, depósito-celeiro e casa de arreios, cocheira, fábrica de queijos, estábulos, celeiros, aviários e depósito (MAGNANI et all, 1985:37). A Fazenda Capão Alto representa um dos marcos históricos mais importantes do processo de ocupação dos Campos Gerais do Paraná. Foi Tombada pela Coordenadoria do Patrimônio Cultural do Estado do Paraná em 26 de novembro de 1983, através do Processo nº 82/81, com Inscrição Tombo 80-II.

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CONSIDERAÇÕES SOBRE O DESENVOLVIMENTO DA PESQUISA A abordagem arqueológica antecedente na área da Fazenda A primeira prospecção visando o patrimônio arqueológico encerrado na área da Fazenda Capão Alto foi realizada em princípios de dezembro de 1988. Limitou-se às ruínas da Capela de taipa-de-pilão e adjacência, sendo realizada por Oldemar Blasi, José La Pastina Filho, Rosina Coeli Alice Parchen, Almir Pontes e Miriam Cazzetta. De acordo com fotos, esboços e anotações resultantes da abordagem, 2 três quadras alinhadas e identificadas como A3, E3 e J3 foram praticadas em terreno plano, dominado por arbustos, a Oeste da parede externa das ruínas (Fig. 7 e Foto 1). Iniciados com 1m de lado, as três quadrículas foram aprofundadas até 20cm e depois, reduzidas para 50cm de lado, até 60cm. Um “buraco ou poço teste” retangular, com 1,50x0,50m de lados, situado entre a quadra J3 e a parede da Capela, foi aprofundado até 70cm; o terreno na extremidade Leste desse corte, mais próxima da parede ruída, acumulava 10cm de sedimentos dela procedentes, tornando-se mais plano em direção Oeste. O solo nas três quadras era preto e friável até 16 ou 20cm, sendo sucedido pelo solo marromescuro ou avermelhado, também, friáveis, até 32 ou 40cm.

Figura 7. Localização das quadras e poço-teste realizado em 1988, ao lado das ruínas da Capela de Nossa Senhora do Carmo do Capão Alto (Fonte: Arquivo do IPHAN-PR). 2

Documentos arquivados na Superintendência do IPHAN-PR.

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Na quadra A3 o solo marrom-avermelhado continuava até o limite inferior do corte, mas era compacto; na quadra E3 o solo marrom-escuro era sucedido por solo marrom-claro compacto e, na quadra J3, o solo intermediário marromavermelhado e friável tornava-se compacto e adquiria coloração preta até 56cm, mudando para um solo de cor marrom-avermelhado até o limite inferior do corte. O solo compacto constatado na junção entre os solos preto e marromavermelhado na quadra J3 foi interpretado como um piso de chão batido ou da parede ruída.

Foto 1. Escavações praticadas em 1988, nas proximidades das ruínas da Capela de Nossa Senhora do Carmo do Capão Alto. (Fonte: Arquivo do IPHAN-PR).

Evidências arqueológicas representadas por fragmentos de recipientes cerâmicos, de telhas coloniais, de frascos em vidro e de ossos, foram registrados até 16cm na quadra A3, assim como um fragmento de telha colonial aos 50cm; até 40cm na quadra E3, e até 25cm e entre 30 e 40cm na quadra J3. No buraco-teste, a primeira camada foi representada pelo acúmulo de solo marrom-avermelhado erodido da parede da Capela, cuja espessura variou de 30cm no extremo Leste a 10cm no oposto; o seguinte, cinza-escuro entre 30 e 60cm, e o último, marrom-escuro até o limite inferior do corte. Um solo compacto, aventado como de piso, ocorreu na junção entre os dois últimos. Material arqueológico foi constatado na camada de solo cinza-escuro. Em janeiro de 1989, Oldemar Blasi chegou a estruturar o “Projeto de arqueologia histórica na área da Fazenda Capão Alto”, para que, durante três meses pudesse dar continuidade às pesquisas. Mais recentemente, em 30 de outubro de 2004, voltou a propor pesquisa na área, desta vez intitulada “Diagnóstico da potencialidade arqueológica da Fazenda Capão Alto” considerando, inclusive a exploração do porão da Sede do Casarão.

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As atividades de campo Desenvolvendo-se no extremo Sudeste do espaço tombado pela Curadoria do Patrimônio Histórico e Artístico da Secretaria da Cultura do Paraná, em terreno colinar suave cujas atitudes variam entre 980 e 1.000m a.n.m., as pesquisas de campo abrangeram uma área com cerca de 70.000m². Contornando o complexo construído, constituído por ruínas de capela do século XVIII (Fotos 2 e 3), casarão e anexos do século XIX (Foto 4) e edificações do século XX, os trabalhos concentraram-se nos espaços recobertos por gramíneas, de cultivo e em porções limítrofes de mata, assim como em pátios murados. Devido à premência do tempo, não se estenderam aos trechos calçados com tijolos ou pedras (Foto 5), mas ainda enfocaram os pisos de duas estruturas de taipa-de-pilão, em partes destituídas de revestimento e, o porão do casarão.

Fotos 2 e 3. Ruínas da Capela de Nossa Senhora do Carmo do Capão Alto, contornadas por terreno gramado no Setor 5. Encontram-se protegidas por cobertura de telhas de zinco e cerca de arame farpado (Fotos: Roseli Ceccon).

Foto 4. Vista parcial da entrada da Sede da Foto 5. Calçamento de pedras irregulares Fazenda Capão Alto diante do Setor 10 (Foto: existente entre os setores 2 e 6 (Foto: Roseli Ceccon). Luis da Silva).

Tendo em vista que a área da pesquisa, excluindo-se as edificações e estruturas mencionadas, não possibilitava a constatação superficial de outras

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evidências, foi necessário, para que as metas do projeto fossem atingidas, a aplicação de técnicas invasivas no seu subsolo. Optou-se pelo estabelecimento de setores que contemplassem o amplo espaço gramado, centralizados pela Sede da Fazenda Capão Alto. Como base para a plotagem dos setores, utilizou-se uma ampliação da planta-geral da área publicada pela Secretaria da Cultura do Paraná (MAGNANI et all, 1985:36). Nos setores, linhas foram demarcadas com o auxilio de bússola de geólogo e piquetes e, após o estendimento dos cordões, foram fixadas estacas nos locais para perfuração. Conforme as características dos espaços delimitados, até oito linhas foram estendidas em paralelo; um setor contemplou apenas uma linha (Fig. 8). As distâncias entre as estacas eram geralmente de 5m; em um caso, elas foram marcadas a cada 4m. Em algumas ocasiões, ainda, devido à necessidade de melhor compreensão de certas ocorrências, pontos adicionais situaram-se nas proximidades dos demarcados normalmente. As linhas de cada setor foram numeradas sequencialmente e, os piquetes correspondentes a cada uma delas, também numeradas sequencialmente. Nem todos os pontos marcados, porém, chegaram a ser perfurados. No início, os cortes-experimentais foram realizados com o auxílio de cavadeiras articuladas (bocas-de-lobo), que possibilitavam o exame do solo em uma área com 12cm de diâmetro. Com o posterior uso de uma perfuratriz motorizada, a área aumentou para 16cm. Na maioria dos cortes, a profundidade atingida foi de 100cm, aumentada para até 160cm, quando à perfuratriz foi acoplada uma extensão produzida nas oficinas de empresa do Grupo Koelpe (Fotos 22, 23 e 27). Os cortes foram executados pelo operador da ferramenta, acompanhados por arqueólogo, que observava o solo retirado e o perfil da parede, fazendo as anotações, recolhendo e etiquetando os vestígios materiais constatados. Duas dessas equipes trabalhavam simultaneamente, em linhas ou setores distintos. Em muitos pontos o registro do solo foi realizado em níveis de 10cm e, quando a estratigrafia do setor abordado apresentava-se bem definida, o registro passou a ser por camadas. Em certos cortes, que haviam atingido até 100cm de profundidade com cavadeira articulada, o posterior aprofundamento com perfuratriz ocasionou o seu alargamento e, em alguns, o consequente deslocamento de evidências dos níveis superiores, que foram mesmo assim anotadas. Em outros, a perfuração foi interrompida devido à incidência de grossas raízes, ataque de vespas ou para se evitar danos a estruturas ou camada arqueológica detectadas em cortes vizinhos. Cortes avulsos foram também praticados pouco ao Norte de três setores, em áreas dominadas por mata ou, antecipadamente, em área com plantação de milho que, depois da sua colheita constituiu um setor, com perfurações ordenadas.

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Figura 8. Planta provisória do espaço atingido pelas pesquisas, com a disposição das edificações antigas e mais recentes, das linhas correspondentes aos setores estabelecidos, dos cortes-estratigráficos e da fonte, assim como das estradas internas e trilhas. Nos setores, somente os pontos numerados foram perfurados.

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Paralelamente, atividades foram desenvolvidas no interior de estruturas de taipa-de-pilão anexas à Sede da Fazenda (senzalas) e na realização de cortesestratigráficos, exposição parcial de provável fonte, vistoria no porão da Sede da Fazenda e avaliação das matas adjacentes e caminhos ou trilhas que as servem.

Procedimentos junto às senzalas As duas estruturas de taipa-de-pilão, tradicionalmente identificadas como senzalas, situam-se ao Norte da Sede da Fazenda. De formato retangular, ambas estendem-se de Oeste para Leste, não sendo interligadas (Fig. 9). Das edificações restam paredes, porções delas ou apenas as suas bases. Estão revestidas com massa protetora. Em alguns pontos existem enxertos com tijolos e até parede de alvenaria de tijolos em substituição à original. Restos de construções posteriores ocorrem ao lado de uma e ao lado e extremidade de outra. No momento da pesquisa, o interior das estruturas encontrava-se com entulhos resultantes de desabamentos, especialmente dos enxertos e, em alguns lugares, com sedimentos. Para efeito de registro a estrutura Oeste foi denominada Senzala 1 e, a do Leste, Senzala 2. No lado oeste da primeira, uma parede de alvenaria de tijolos com furos a dividia (Foto 6). Nesse espaço, após a limpeza superficial, foi praticada uma trincheira no sentido Oeste-Leste que revelou alicerces de pedras que, perpendicularmente àquela, ligava-se aos alicerces de pedras das paredes Norte e Sul da senzala (Fotos 7 e 8). Os blocos de rocha dos alicerces eram de formato irregular, com superfície oxidada, apresentando largura e comprimento variando de 25 a 38cm; estavam alinhados e cobertos por solo avermelhado com areia grossa e fragmentos de telhas coloniais. Em alguns trechos de sua superfície ocorriam restos de argamassa de cal que, alinhados paralelamente inferiam a largura da parede assentada; esta, talvez de taipa-de-mão, teria 25cm de largura. Os alicerces aprofundavam-se até 16cm, sobre solo argiloso vermelho, o qual, por sua vez, atingia 19cm de profundidade, assentando em solo arenoargiloso cinza-escuro; tal estratigrafia indica que os alicerces foram implantados em vala parcialmente preenchida com solo vermelho argiloso. Corte-experimental praticado ao lado dos alicerces revelou solo cinzaescuro até 60cm. Em outros pontos de suas laterais ocorreram carvões, fragmentos de telhas coloniais e de tijolos quadrados, aqui considerados como “lajotas”, em oposição aos tijolos retangulares.

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Figura 9. Plantas da Senzala 1 e da Senzala 2, com indicação de suas estruturas internas originais e posteriores. No destaque, a posição das senzalas em relação às edificações próximas.

Na abertura da trincheira constatou-se ainda que, aos lados dos alicerces expostos e junto à parede de taipa-de-pilão a Oeste e à de tijolos a Leste, havia acúmulo de solo vermelho friável até 10 ou 12cm de profundidade; nas porções centrais, entre as paredes e os alicerces, o solo vermelho apresentava-se compactado, como piso. Sobre ele ocorriam carvões e fragmentos de telhas coloniais e diminutos ossos. No canto Sudeste do espaço, ao lado da parede de tijolos e pouco abaixo da superfície, estavam raras lajotas e fragmentos do calçamento que, posteriormente, nele deve ter sido implantado. A base da parede acrescentada é de tijolos furados e foi assentada diretamente em solo vermelho.

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Na parte Leste da Senzala 1 toda a superfície está revestida com lajotas e tijolos maciços, cobertos por cimento em algumas partes. Esse piso mostrou-se interrompido por valas rasas em quatro pontos. Três delas estão em sentido Norte-Sul: a primeira, ao lado da parede de tijolos e, as outras duas, mais a Leste. Da última destas, parte outra vala em sentido Oeste-Leste. Vigas retangulares de imbuia ainda estão presentes em algumas valas. A que ocorre na segunda está bem conservada, medindo 17cm de largura e 10cm de espessura; o pedaço da viga colocada em sua continuação apresenta-se em decomposição. Quase todas assentavam no solo vermelho e, na face superior de algumas, havia pregos fixados; alguns deles, tortos, encontravam-se espalhados, sobre as vigas ou na vala, aos lados. Essas evidências sugerem que paredes de tábuas foram erguidas a partir das vigas. Abaixo da primeira vala e um pouco sob a base da parede de tijolos, constatou-se a presença de alicerces de pedras com as mesmas características dos expostos na parte Oeste da mesma Senzala (Foto 9). Outros alicerces de pedras não foram encontrados no solo, abaixo do piso calçado. Originalmente, portanto, a Senzala 1 deveria compreender três espaços ocupacionais, dois paralelos e estreitos no extremo Oeste e um extenso na parte Leste. Internamente, as dimensões dos primeiros corresponderiam a 6,30x3,00m e 6,30x2,30cm, respectivamente e, o último, a 6,30x12,30m. Nas paredes do primeiro verifica-se uma entrada e duas janelas, nas do segundo uma entrada e, nas do terceiro, quatro entradas. Os remanescentes da parede de taipa-de-pilão Norte do último espaço não informam sobre possíveis janelas. Nos três espaços da Senzala 1, na época de sua ocupação, o piso deveria ser de chão batido. A Senzala 2 tem a mesma largura da anterior, mas é mais curta (Foto 10). Nela foram localizadas três valas com alicerces de pedras, duas em sentido Norte-Sul, nos extremos Oeste e Leste, respectivamente e, a terceira, a elas interligadas no espaço central (Fig. 9 e Foto 11). Duas valas foram constatadas no espaço central, uma partindo da parede de taipa-de-pilão Norte e outra da Sul; ambas se comunicavam com os alicerces de pedras orientadas no sentido Oeste-Leste. Nelas não ocorriam alicerces de pedras, mas vigas de madeira. A da primeira estava apoiada em pilares de lajotas (Foto 13) e, a da segunda, apodrecida, diretamente no solo areno-argiloso cinzaescuro. Uma viga de madeira cobria parte dos alicerces de pedras do extremo Oeste (Foto 12). Com exceção do canto Nordeste e uma porção contígua do canto Sudeste, o piso dos demais espaços apresenta-se revestido com lajotas e tijolos maciços, frequentemente recobertos por cimento. Em um desses trechos, cuja cimentação obliterou parcialmente os alicerces de pedras do extremo Leste, nota-se a data de 1915, inscrita quando a massa estava úmida (Fig. 9, Símbolo X). 3 3

Na área da pesquisa, outra data gravada, de 1913, foi observada junto à estrutura de madeira situada ao lado do Corte 1, da Linha 4. Está próxima das iniciais G.L.A. (Foto 14).

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Foto 6. Ruínas da Senzala 1 e de paredes acrescentadas. As estruturas encontram-se entre os setores 3, 10 e 11 (Foto: Roseli Ceccon).

Foto 7. Alicerces de pedras evidenciados no extremo Oeste da Senzala 1, nas proximidades da parede acrescentada (Foto: Angela Gomes).

Foto 8. Trincheira cruzando os alicerces de pedra expostos na Senzala 1 (Foto: Angela Gomes).

Foto 9. Alicerces de pedras expostos entre o piso de lajotas e a parede acrescentada na Senzala 1 (Foto: Roseli Ceccon).

Foto 10. Ruínas da Senzala 2 e de paredes acrescentadas. Situam-se entre os setores 1 e 7; os calçamentos de pedras irregulares e de cantaria (Foto: Roseli Ceccon).

Foto 11. Alicerces de pedras dispostos em sentido longitudinal e perpendicular na Senzala 2 (Foto: Roseli Ceccon).

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Foto 12. Alicerces de pedras expostos na Senzala 2, após o deslocamento da viga de madeira (Foto: Roseli Ceccon).

Foto 13. Viga de madeira escorada por lajotas na Senzala 2. Abaixo delas, alicerces de pedras não foram constatados (Foto: Roseli Ceccon).

Fotos 14, 15 e 16. Data e iniciais gravadas, marcas pirogravadas de marcar gado e anzol existentes em estrutura de madeira lavrada no início do Setor 4 (Fotos: Igor Chmyz).

Pequenas perfurações quadrangulares ou circulares ultrapassam as lajes de cimento ou lajotas e tijolos, indicando fixação de palanques ou ripas; algumas formam alinhamentos. Na parte Centro-Norte, três delas, enfileiradas de Oeste para Leste, ainda encerram palanques com perfuração e entalhe. Os espaços ocupacionais da Senzala 2, delimitados pelos alicerces de pedras, situam-se no extremo Oeste, nas metades Norte e Sul e no extremo Leste. O primeiro, com cerca de 6,30x3,50m, os do meio com 3,00x8,30m, respectivamente e, o do Leste, com 6,30x2,30m. O do Oeste é servido por uma entrada; a parede de taipa-de-pilão que poderia indicar janela, ao Sul, foi substituída por outra de alvenaria de tijolos. O da metade central Norte, por duas entradas e uma janela. O da metade central Sul, por uma entrada, não existindo evidência de janela e, o do Leste, por uma entrada e uma janela. É provável que, originalmente, também o piso da Senzala 2 fosse de chão batido. Junto à parede Norte da Senzala 1 e às paredes Norte e Leste da Senzala 2, edificações em alvenaria de tijolos foram, posteriormente, anexadas. As 22 peças recolhidas nos espaços internos das senzalas, todas relacionadas aos séculos XIX e XX, estão arroladas no “Anexo 1”.

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Procedimentos junto aos cortes-estratigráficos A realização desses cortes não estava prevista no planejamento da pesquisa. Decidiu-se por eles, porém, para que se pudesse compreender melhor o processo de ocupação do espaço. Durante a execução de cortes-experimentais, dois deles motivaram exploração mais ampla e detalhada, por meio de cortes-estratigráficos. O corte 1 foi praticado ao lado do corte-experimental 11, da Linha 1, no Setor 4. Este, além de centralizar uma série de cortes indicando área habitacional, localizava-se em terreno gramado com leve declive e nas proximidades de um caminho que conduz à margem do rio Iapó e ao seu vau (Fig. 8). Abrangeu uma área com 1,00x0,80m de lados. O solo foi rebaixado por níveis artificiais de 10cm até 60cm e, natural, na sua parte mais profunda. Revelou solo areno-argiloso cinza-escuro, com húmus e raízes até 6cm (Fig. 10, Símbolo 1). Prosseguiu com as mesmas características, mas sem húmus, até 15 ou 20cm (Símbolo 2). Na base do nível, o solo tornou-se mais argiloso e, na sua metade Sul, intrusado por camada de solo cinza-escuro mesclado com o vermelho (Símbolo 3). Entre 30 e 40cm, o solo cinza-escuro tornou-se argiloarenoso (Símbolo 4). Abaixo destes, até 70 ou 80cm, o solo argilo-arenoso adquiriu coloração preta (Símbolo 5). Aos 55cm de profundidade, surgiram evidências de estruturas que, em continuidade, revelaramse circulares e côncavas até a base da camada (Símbolo 6). Constituídas por solo vermelho endurecido pela ação do calor do fogo, esses fogões não chegaram a ser expostos completamente devido aos limites do corte. Estima-se que os seus diâmetros seriam de 60 ou 70cm. As estruturas encaixavam-se no solo argiloso vermelho subjacente (Símbolo 7). Figura 10. Perfil da parede Leste do Corte-estratigráfico 1. As características dos solos nas camadas numeradas de 1 a 7 estão explicitadas no texto.

Evidências materiais foram constatadas desde os 6cm de profundidade até a superfície côncava das estruturas queimadas, juntamente com carvões. Rarefeitas e misturadas com pedras britadas, cápsula de arma de fogo deflagrada e fragmentos de frascos em vidro a princípio, as evidências mais antigas

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tornaram-se numerosas e diversificadas até 80cm, embora com mais intensidade até 50cm (Foto 17). Entre elas, destacaram-se fragmentos de recipientes cerâmicos artesanais simples, decorados e modelagens, além de fragmentos de recipiente cerâmico torneado, de louça em faiança, percevejo em cobre, pederneira em silexito e ossos e dentes de animais domésticos. O Corte-estratigráfico 2, praticado ao lado do Corte-experimental 3, da Linha 1, no Setor 5, que revelou material arqueológico continuamente até grande profundidade. Outro fator determinante para a escolha desse local para a escavação foi a sua proximidade com as ruínas da Capela. O corte desse ponto foi maior, com 2m de lados, englobando área com 4m². Na escavação foram adotados níveis artificiais de 10cm ou naturais, acompanhando-se delgadas deposições horizontais de terra vermelha compacta e/ou de areia grossa. Foto 17. Corte-estratigráfico 1 praticado ao lado do Corteexperimental 11, da Linha 1, no Setor 4. As evidências arqueológicas expostas correspondem à profundidade de 20cm (Foto: Roseli Ceccon).

Até a base da ocupação, aos 137cm de profundidade, o corte revelou nove camadas de solos areno-argilosos a princípio, e argilo-arenosos a partir de 50cm, com colorações mudando do marrom ao marrom-escuro, cinza-escuro e preto, respectivamente. Suas espessuras variaram de 5 a 25cm (Fig. 11). Eram separados por faixas horizontais de areia grossa. Nas bases das camadas 1, 2, 7 e 8, constatou-se que sobre a deposição de areia havia delgada camada de terra vermelha compacta, com características de piso. Não era continua, sendo interrompida em vários pontos, possivelmente perturbada pelo crescimento de raízes ou por atividades desenvolvidas nas ocupações posteriores. Pequenos fragmentos de terra vermelha compacta distribuíam-se esparsamente em todas as camadas ou, às vezes, associando-se a estruturas de combustão, juntamente com blocos de rochas. Situada a pequena distância de araucária, o corte apresentou-se atravessado por suas raízes e, na escavação, procurou-se manter as mais importantes (Foto, 18). Fragmentos de cerâmicas artesanais manifestaram-se até o limite inferior do corte, mas eram mais numerosas e diversificadas quanto às técnicas de tratamento superficial, entre 20 e 100cm. Cerâmica artesanal simples, da

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variedade 4, e torneada, porém, somente foram registradas até 65cm e 75cm, respectivamente, inferindo a introdução de novas técnicas de produção.

Figura 11. Perfil da parede Oeste do Corte-estratigráfico 2. Os símbolos de 1 a 9 correspondem às camadas delimitadas por estratos de areia de enxurrada e/ou de terra vermelha, os símbolos 10, a depósito de argila crua, 11, a solo preto mesclado com o vermelho e 12, a solo vermelho basal, estéril de evidências arqueológicas.

Foto 18. Raízes da araucária mantidas no Corte-estratigráfico 2. Ao fundo, estratigrafia na sua parede Oeste (Foto: Roseli Ceccon).

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Louças em faiança e em porcelana do gênero Swaton, incidiram com mais frequência nas camadas médias e inferiores, enquanto as em faiança fina, apontando para a sua introdução nos séculos XIX e XX, foram resgatadas nas duas camadas mais superficiais do corte. Restos alimentares, representados predominantemente por ossos e dentes de bovinos e, raramente, por aves e animais silvestres, manifestaram-se em todas as camadas, mas principalmente na 2 e nas de 5 a 9. Muitos deles concentraramse no interior ou no entorno de estruturas de combustão (Fotos 19 e 20). Acúmulo de argila crua estava depositada desde o limite inferior da camada 8, até a base da ocupação (Fig. 11, Símbolo 10). Escórias ou cangas incidiram nas camadas 2 e 4 e, os fragmentos de laterita, nas cinco primeiras camadas; raramente na 8. 4

Foto 19. Estrutura de combustão exposta aos 18cm no Corte-estratigráfico 2 (Foto: Roseli Ceccon).

Foto 20. Início de exposição de estrutura de combustão associada com ossos de fauna doméstica (Foto: Roseli Ceccon).

Procedimentos junto aos cortes-experimentais Quinze setores foram delimitados no entorno das edificações da Fazenda e em pátios anexos murados. Neles, ao longo de 63 linhas estendidas, os 720 cortes praticados proporcionaram 1.706 evidências materiais que, após a preparação laboratorial, reduziram-se a 1.643. Os cortes realizados possibilitaram a constatação das características do solo e das evidências arqueológicas em profundidade. Apesar de se irradiarem a partir das edificações, problemas de ordem operacional impediram que os setores fossem demarcados e processados no sentido horário. Procurou-se, porém, seguir essa orientação na sua descrição, independentemente da sequência numérica original. 4

As evidências dos Cortes-estratigráficos 1 e 2 estão quantificadas por níveis nos Quadros 1 e 2 e, suas características, descritas no item “Atividades de Laboratório”. Encontram-se ainda, arroladas no “Anexo 1”.

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O Setor 1 situou-se em pátio interno, entre as paredes Norte e Oeste da Sede da Fazenda e a Sul da Senzala 2, tendo ao centro um poço protegido por estrutura de madeira, com piso de tijolos. A superfície do espaço pesquisado era desnudo. Alguns dos 29 cortes praticados ao longo de 4 linhas proporcionaram evidências arqueológicas, além daquelas mais recentes, representadas por material construtivo. Compreendendo fragmentos de tijolos, telhas coloniais e argamassas de cal e cimento, esses vestígios de material construtivo ocorreram entre 0 e 100cm no Corte 1 da Linha 2, entre 30 e 40cm no Corte 4 da Linha 3 e entre 40 e 50cm do Corte 1 da Linha 4. Fragmentos de vidro translúcidos de janela estavam entre 0 e 10cm e entre 30 e 40cm no Corte 2 da Linha 1, assim como prego em ferro no Corte 3 da Linha 1 (Foto 21). Foto 21. Cortes-experimentais praticados ao longo da Linha 1 no Setor 1, entre a parede da Sede da Fazenda, o poço abrigado e a Senzala 2 (Foto: Angela Gomes).

No Corte 4 da Linha 4, as evidências aprofundaram-se até 100cm: proporcionou 1 fragmento de recipiente cerâmico Simples 2 5 entre 10 e 20cm, de telhas coloniais entre 20 e 30cm, e ossos e dentes de animais não identificados entre 50 e 100cm. Tal constatação, indicativa de refugo alimentar (lixão), levou à abertura de cinco cortes no entorno. Em nenhum deles, porém, o material ósseo foi constatado; apenas 1 fragmento de recipiente cerâmico Simples 1 e 1 de Escovado estavam entre 0 e 10cm no Corte 11, e fragmento de frasco em vidro verde-claro entre 0 e 10cm, no Corte 13. Em comum, esses cortes tinham o solo marrom-escuro mesclado com o marrom-claro associado com carvões. Dos cortes praticados resultaram 29 evidências materiais, cujas coleções foram numeradas de 27 a 36, respectivamente. 6 O Setor 2 foi delimitado ao Norte da Sede da Fazenda e entre as extremidades das Senzalas 1 e 2, estendendo-se paralelamente a calçamentos

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Considerações sobre tipos cerâmicos encontram-se no item “As atividades de laboratório”. Comentários sobre as evidências resgatadas nos cortes-experimentais constam no item “As atividades de laboratório” e, arroladas, no “Anexo 1”. 6

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de pedras brutas e de cantaria, até o início da mata ao Norte. O terreno, coberto por grama cultivada, mostrava-se plano no início e com suave declive depois. Ao longo de suas 5 linhas, 47 cortes foram executados (Foto 22). Até o Corte 10 da Linha 1, o 9 da Linha 2, 9A da Linha 3 e o 7 da Linha 5, constatou-se material construtivo moderno, como tijolos furados, telhas francesas e pedras britadas, e também mais antigo. Atingiram profundidades variadas, desde a superfície ocupada pela grama, até 40cm. Em certos pontos, porém, esse material foi constatado até 60 e 70cm. Em todos os casos, o solo mostrou-se perturbado, de coloração mesclada ou avermelhada nos mais profundos. Depósito de areia foi também constatado entre 10 e 30cm nos primeiros seis cortes das linhas 1, 3 e 5.

Foto 22. Cortes-experimentais realizados com o auxílio de cavadeira articulada ao longo da Linha 3 do Setor 2. Ao fundo, a Sede da Fazenda e a Senzala 1 (Foto: Roseli Ceccon).

Além do material construtivo, em alguns daqueles cortes ocorreram pregos, fragmentos de frascos em vidro e vidros de janela. Osso de bovino estava entre 0 e 10cm no Corte 4 da Linha 3, fragmentos de recipiente cerâmico Simples 2, Escovado e Simples industrializado, juntamente com tijolo furado, azulejo e louça Pirex, entre 0 e 10cm no Corte 8A; Simples industrializado e telhas coloniais, entre 0 e 20cm no Corte 9; Simples 2, frascos de vidro translúcido e, outro corrugado, de janela, e plástico preto, entre 0 e 20cm no Corte 9A; frascos em vidro verde-claro e cilindro rosqueado com porcas em ferro, entre 0 e 10cm no Corte 1 da Linha 5. Ao longo das linhas 1 e 2, entretanto, entre os cortes 11, 12, 13, e 14, as evidências indicaram refugos habitacionais associados com solo quase preto. Na primeira linha, as evidências estavam entre 10 e 50cm no Corte 11, compreendendo cerâmica Simples 1 e 2, Escovada, telhas coloniais, caneca em faiança fina branca, pederneira em silexito e laterita; no Corte 12, entre 0 e 50cm, cerâmica Simples 1 e 2, Escovada, com Borda Entalhada, pasta queimada, Simples industrializada, telhas coloniais e frascos em vidro verde-claro; no Corte 13, entre 10 e 50cm, recipiente Simples modelado, Simples industrializado e telhas coloniais; no Corte 14, entre 0 e 50cm, tijolos maciços e frasco em vidro verde-escuro. Nos níveis superficiais dos cortes 11 e 12, ocorreram telha francesa e objeto em plástico.

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Nesses cortes, o solo escuro e associado com carvões, mas com ausência de peças, atingiu profundidades maiores, chegando a 90cm no Corte 14. Na Linha 3, o Corte 8 revelou solo escuro com carvões até 70cm, embora as únicas ocorrências representassem concentração de areia e material construtivo até 30cm. Cortes adicionais foram praticados no seu entorno e revelaram algumas peças até 10cm nos cortes 8A e 9C, até 20cm nos cortes 9, 10, e 10A e até 30cm nos cortes 9A e 9D. No corte 9B, com solo mesclado, elas atingiram 80cm. Em todos, o material construtivo predominou, inclusive com depósito de areia e objetos em plástico e borracha. Cerâmica Escovada e Simples 1 e 2 foram mais comuns entre 20 e 30cm. Escórias ou Cangas estavam entre 0 e 10cm no Corte 9B e, entre 20 e 30cm no Corte 9D. Apesar da presença dominante de material construtivo nesses cortes, as cerâmicas artesanais constatadas indicam local de habitação mais superficial. Entre os cortes finais da Linha 3, apenas no 16, 17 e 22, telhas coloniais, vidros de janela e recipiente em plástico ocorreram até 40cm, embora o solo escuro que os envolvia prosseguisse para baixo, até 50 ou 70cm. Dos cortes adicionais praticados na área de mata pouco ao Norte do Setor 2 e numerados de 17 a 23, somente o 18 proporcionou 2 fragmentos de cerâmica Simples 2, aos 30cm. Nesses cortes, o solo escuro aprofundou até 60cm, mudando para o mesclado até 80 ou 100cm. As coleções deste Setor, totalizando 242 peças (269 antes da preparação), foram numeradas de 37 a 86 e 333. O Setor 3 localizou-se ao Norte das ruínas de edificação recente anexada à Senzala 1, estendendo-se paralelamente a Oeste do Setor 2 e chegando ao início da mata ao Norte. O terreno, gramado como o anterior, mantinha-se quase plano no sentido longitudinal, mas apresentava declive acentuado para Noroeste. A maioria dos 28 cortes praticados ao longo de 2 linhas (fotos 23 e 24), forneceu evidências relacionadas a atividades construtivas e também às do quotidiano, predominando as mais recentes. Situavam-se até 30cm e, raramente, até 40cm, sempre associadas ao solo escuro. Em alguns cortes, entretanto, como o 16 da Linha 1 e 10, 11 e 12 da Linha 2, fragmentos de tijolos, telhas francesas e coloniais, vidros de janela e piso em cimento, encontravam-se até 80cm, inferindo perturbações no terreno. Nos cortes 11 e 12 havia depósito de areia aos 50 e 70cm, respectivamente. Por outro lado, os cortes 11, 12 e 13 da Linha 1 e 8 e 9 da Linha 2 revelaram, abaixo das ocorrências superficiais e de um intervalo, evidências em maior profundidade. Estavam junto ao solo escuro, formando camadas que variavam entre 40 e 50cm e 50 e 80cm nos da primeira linha e, entre 40 e 50cm e 60 e 100cm nos da segunda. Na base dos cortes 11 e 12 havia depósito de areia; abaixo deste, e associado a solo escuro do Corte 12, ocorreu bloco de laterita aos 130cm.

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Foto 23. Corte-experimental executado com perfuratriz ao longo da Linha 1 do Setor 3 (Foto: Igor Chmyz).

Foto 24. Corte-experimental efetuado na margem da mata. Situou-se no final da Linha 2 do Setor 3 (Foto: Roseli Ceccon).

As evidências registradas nesse “lixão” compreenderam telhas coloniais, travessa em faiança fina Pearlware e caneca em faiança fina pintada à mão, com friso e letras “NS” em marrom, frascos em vidro âmbar e verde-escuro e claro e osso carbonizado. Muitos fragmentos de embalagem em lata enferrujada, possivelmente relacionadas a latões, formavam camada compacta entre 50 e 60cm do Corte 11 e, entre 60 e 70cm do Corte 13. Um bloco de laterita ocorreu entre 80 e 90cm do Corte 11 e, um nódulo de Escória ou Canga, no Corte 13, entre 60 e 80cm. As coleções formadas com as 89 peças recolhidas neste Setor foram numeradas de 97 a 117, respectivamente. O Setor 4 foi demarcado paralelamente a Leste do Setor 2, iniciando ao Norte do calçamento de pedras de cantaria e terminando no começo da mata ao Norte (Foto 25). Estendeu-se em terreno gramado e com árvores esparsas, ultrapassando um caminho traçado de Leste para Oeste que, infletindo para o Norte, segue pela mata em direção à várzea do rio Iapó e ao seu provável vau. Três estruturas superficiais encontram-se neste Setor: uma formada por piso retangular com pedras irregulares junto à Linha 3, outra por uma sequência de cubículos interligados em alvenaria de tijolos ao lado da Linha 1 e a terceira, de madeira esculpida, no início da Linha 4. Vestígios de outro caminho existem ao lado da Linha 6.

Foto 25. Abertura de corte-experimental na Linha 1 do Setor 4. Ao fundo, o tronco de araucária protegido por cobertura de zinco. Ao seu lado o início da trilha principal na mata (Foto: Angela Gomes).

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O Setor comportou 6 linhas, nas quais 78 cortes foram realizados. Os praticados das porções centrais do espaço para o Norte, revelaram solos marrom-escuro, cinza-escuro e, às vezes, pretos até 100cm, embora a maioria os apresentassem até 50cm. Neles, carvões eram constantes. Material arqueológico, especialmente cerâmica artesanal, foi detectado de forma contínua em algumas partes desse trecho, como até 40 ou 80cm entre os cortes 8 e 12 da Linha 1 7; até 10 ou 50cm entre os cortes 14 e 17 da mesma linha; até 10 ou 60cm entre os cortes 13 e 17 da Linha 2, indicando a continuidade da ocupação nos situados paralelamente na Linha 1; e até 20 ou 80cm entre os cortes 8 e 10cm da Linha 5. Incidência pontual de indícios até 20cm foi registrada nos cortes 20 das linhas 3 e 6, respectivamente; até 65cm no Corte 10 da Linha 3; e até 75cm no Corte 11 da Linha 4, este situado no início da área com mata. Nos depósitos mais profundos, em geral, a cerâmica artesanal detectada abaixo de 40cm encerrava tipologia mais diversificada. Nos cortes com solo escuro até 10 ou 30cm e, raramente, até 40cm, poucos encerravam cerâmica artesanal, telhas coloniais, rochas e também objetos de fatura recente. Os cortes adicionais executados ao Norte, em área com mata, numerados de 7 a 10, 12 e 13 e 24 e 25, apresentaram solo escuro até 70, 80 ou 100cm, antecedendo o mesclado. Apenas o Corte 9 forneceu nódulo de Escória ou Canga aos 60cm e, o Corte 25, telha colonial aos 40cm. O Corte 7 da Linha 4 também proporcionou nódulo de Escória ou Canga entre 30 e 50cm. Outros 4 estavam no Corte 10 da Linha 1, entre 65 e 70cm, juntamente com fragmento de laterita. Esta se manifestou, ainda, nos cortes 12 da linha 2 e, 8 e 9 da Linha 5, aos 20, 40 e 80cm, respectivamente. Fragmentos de adobe ocorreram no Corte 7 da Linha 2, entre 40 e 50cm e 70 e 80cm e, fragmento de espiga com milho carbonizado, no Corte 9 da Linha 6, aos 20cm. Doze cortes avulsos, numerados de 7 a 16 e 24 e 25, foram praticados ao Norte, em área dominada pela mata. Embora na maioria o solo escuro fosse constatado até 100cm e poucos até 60 ou 80cm, apenas no Corte 25 foi localizado fragmento de telha colonial aos 40cm. O Corte 13 apresentou solo mesclado até 70cm, sendo sucedido pelo avermelhado. Cento e sessenta e nove peças (179 antes da preparação) compõem as coleções deste Setor e foram numeradas de 118 a 159 e 334. O Setor 5 abrangeu área situada perpendicularmente a Leste do Setor 4. As 6 linhas que comportou foram iniciadas ao lado do caminho paralelo à Linha 6 do Setor 4, estendendo-se para Leste. Duas delas foram interrompidas quando o terreno apresentou declive acentuado, talvez em função de terraplenagem; outras 7

O Corte-estratigráfico 1 foi, depois, executado ao lado do Corte-experimental 11.

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duas chegaram até uma ilha de mata; a quinta a ladeou e, a sexta, chegou a ultrapassar o traçado de estrada macadamizada. No terreno gramado erguiam-se pinheiros enfileirados ou esparsos. Ruínas de Capela em taipa-de-pilão foram cruzadas pelas linhas 2 e 3 e, ao lado do extremo leste da Linha 4, erguia-se galpão de madeira. Entre o galpão e a ilha de mata, um caminho aberto recentemente contorna a mata e a várzea do rio Iapó, comunicando-se com o que conduz ao seu vau. Porção do caminho descrito junto ao Setor 4, ainda pode ser percebido na parte Noroeste do Setor 5, ladeando a mata. Vestígios de uma provável continuação daquele caminho, antes da sua inflexão para o Setor 5, porém, foram constatados na mata, mais ao Norte, mantendo a mesma orientação Leste-Oeste (Foto 26). Foto 26. No canto inferior direito, estende-se a trilha do caminho valado oculto pela vegetação. Ao seu lado, praticase um dos cortes adicionais realizados ao Norte do Setor 5 (Foto: Mariana Push).

A maioria dos 101 cortes realizados revelou solo escuro até 50, 80 ou 100cm. Este solo formando camada superficial até 10, 30 ou 40cm, foi mais constatado nos extremos Oeste e Leste da área. Em ambos os casos, abaixo da camada de solo escuro ocorria outra, de espessura variável, constituída por solo marrom-escuro mesclado com vermelho. Este, por sua vez, era sucedido pelo solo alaranjado ou avermelhado até o limite dos cortes que, algumas vezes, chegou a 150cm. Os cortes praticados no entorno da Capela foram os que mais revelaram indícios relacionados a refugos habitacionais. Os constatados em maior profundidade situavam-se entre os cortes 2, 5, 9 e 13 da Linha 1 8; no Corte 2 da Linha 2; e, no Corte adicional 4, aberto ao Norte, na área com mata. Os que revelaram tais indícios, até 50 ou 60cm, localizavam-se entre os cortes 1 a 3 e 7 e 8 da Linha 2; 12, 13 e 16 e 18 da Linha 3; e, entre os cortes adicionais 1 a 3 e 5, praticado na mata e antes do caminho descoberto ao Norte. Os com evidências mais superficiais, até 30 ou 35cm, estavam nos cortes 7 e 8 da Linha 1; entre os cortes 10 e 12 da Linha 2; entre os cortes 1 e 6 da Linha 3; entre os cortes 1 e 6 e 11 e 14 da Linha 4; e, no Corte adicional 6.

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O Corte-estratigráfico 2 foi, posteriormente, praticado ao lado do Corte-experimental 3, da Linha 1.

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Os cortes de 1 a 6 nas linhas 3 e 4 são paralelos e, suas ocorrências, podem representar uma unidade habitacional. Uma perturbação pontual foi constatada no Corte 8 da Linha 4; abaixo da camada escura com 10cm de espessura, caracterizou-se o solo mesclado até 70cm; sucedeu-o o solo avermelhado. Um pedaço de fio em seda estava pouco acima da base do solo mesclado. O material arqueológico identificado até os níveis mais profundos dos cortes, compara-se com o constatado nos níveis medianos e profundos do Corteestratigráfico 2. O registrado nos níveis mais superficiais dos cortes-experimentais, embora também compreenda alguns fragmentos de cerâmica artesanal, de ossos de animais domésticos e cravos, incluem os de pregos, arames, copo em cristal, botão em porcelana e pratos, pires, tigela e caneca em faiança fina branca, Pearlware, Whiteware e Royal Rim, como os que ocorreram nos níveis mais superficiais daquele corte-estratigráfico. Os cortes 8 das linhas 2 e 3, respectivamente, foram realizados nas proximidades da parede Oeste da Capela e o 10, da Linha 2, do seu lado Leste. Evidenciaram estratigrafia influenciada pela erosão das estruturas. No primeiro, o solo era marrom-escuro mesclado com o vermelho até 60cm, marrom-claro mesclado com o vermelho entre 60 e 100cm e vermelho entre 100 e 150cm. Nesse corte, fragmentos de cerâmica Simples 4, embalagem em lata e de frascos em vidros verde e translúcido estavam entre 0 e 20cm; de telhas coloniais até 50cm; de laterita entre 10 e 40cm; e taipa, entre 50 e 70cm. No segundo, o solo marrom-avermelhado aprofundou até 45cm, sucedido pelo marrom-escuro mesclado com o vermelho, entre 45 e 60cm; pelo marromalaranjado entre 60 e 100cm, e pelo vermelho entre 100 e 150cm. Revelou fragmentos de prato em faiança fina branca e ossos de animais domésticos até 30cm, e de telha colonial aos 45cm. No terceiro corte, o solo marrom-avermelhado atingiu 30cm, sendo substituído pelo marrom-escuro entre 30 e 60cm e o vermelho entre 60 e 140cm. Apenas fragmento de cerâmica Simples 2 foi registrado aos 30cm de profundidade. No interior da Capela, dois cortes foram realizados na Linha 3, próximos à sua entrada (Fotos 27 e 28). Um deles, o Corte 9, revelou somente solo vermelho até 70cm e marrom-escuro mesclado com o vermelho entre 70 e 90cm, vermelho entre 90 e 100cm e novamente o marrom-escuro mesclado com o vermelho até 150cm. No outro, o Corte 10, o solo vermelho atingiu 60cm, seguido pelo marromavermelhado até 150cm. Aos 120cm, proporcionou fragmentos de cerâmica Simples 2, de frasco em vidro translúcido e de taipa, uma destas com engobo branco na faceta plana.

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Foto 27. Corte praticado no interior da Capela com perfuratriz estendida (Foto: Roseli Ceccon).

Foto 28. Peneiramento do solo retirado dos cortes feitos no interior da Capela (Foto: Luis da Silva).

As coleções reunidas nesse Setor, totalizando 419 peças (429 antes da preparação), foram numeradas de 160 a 232, e de 327 a 332. O Setor 6 localizou-se ao Sul do Setor 4, a Oeste do Setor 5 e a Leste dos calçamentos de pedras irregulares e de cantaria. No seu canto Sudoeste conservava-se edificação em alvenaria de tijolos. O terreno, gramado, revelou-se plano e rebaixado. Somente 4 cortes foram praticados alternadamente ao longo de uma linha estendida no centro do espaço, no sentido Leste-Oeste. Os cortes 3 e 7 evidenciaram solo marrom-escuro até 10 e 20cm, respectivamente. Nos demais, o solo era marrom ou marrom-avermelhado desde a superfície. O solo avermelhado geralmente ocorria a partir dos 40 ou 50cm. Dois blocos de terra argilosa vermelha com areia fina foram registrados entre 90 e 100cm no Corte 7 (NºC 233). O Setor 7 foi delimitado ao Sul dos setores 5 e 6, a Oeste da estrada macadamizada e a Leste do Setor 1 e do calçamento de pedras irregulares. Nas 5 linhas estendidas no sentido Leste-Oeste, foram praticados 73 cortes. O terreno, quase plano, era recoberto por gramíneas e algumas árvores enfileiradas e esparsas. Destacavam-se palmeiras e árvores frutíferas velhas (Foto 29). Os cortes revelaram que o solo escuro atingia várias profundidades, desde os primeiros 10cm e, raramente, até 100cm. Predominaram os que o apresentavam até 50, 60 ou 70cm. Perturbações do terreno foram constatadas entre os cortes 9 e 12 da Linha 3. Em dois deles, o solo vermelho ocorria desde a superfície; em outros dois, esse solo aprofundava até 40cm, sendo sucedido pelo escuro até 50 ou 60cm. Em muitos cortes, como nestes, abaixo do solo escuro caracterizava-se o solo mesclado que repousava no vermelho.

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Em grande parte dos cortes executados nas linhas 3 a 5 e nos situados na metade oeste da área de abrangência das Linhas 1 e 2, apesar da incidência do solo escuro em profundidades variáveis, evidências materiais foram registradas esporadicamente. Representavam fragmentos de cerâmica artesanal, telhas coloniais, francesas e de eternit, tijolos furados e plásticos.

Foto 29. Cortes realizados ao longo das linhas 2 e 3 do Setor 7. Ao fundo, após a estrada macadamizada, a roça de milho que depois de colhida sediou o Setor 15. No canto superior esquerdo, a Capela (Foto: Roseli Ceccon).

Ocorrências indicativas de espaços habitacionais foram identificadas em cortes nas linhas 1, 2 e 3, junto ao solo escuro. Depósitos de material arqueológico que ultrapassavam 60cm de profundidade estavam entre os cortes 3 e 6 da Linha 1, nos cortes 5 e 6 da Linha 2 e 3 da Linha 3. Outros pontos que também forneceram evidências consistentes, mas até 40cm, localizaram-se nos cortes 2 e 8 a 12 da Linha 1, nos cortes 6 a 8 da Linha 2 e, no 3 da Linha 3. Fragmentos de laterita ocorreram até 70cm nos cortes 3 e 5 da Linha 1 e, aos 20cm no Corte 6 da mesma linha. Os depósitos mais profundos revelaram grande quantidade de material comparável ao que se registrou no Corte-estratigráfico 2, inclusive restos ósseos de animais domésticos. Nos cortes que proporcionaram evidências até 40cm, a cerâmica artesanal foi representada por poucos tipos; neles, poucos também foram os restos ósseos, entre as quais um de peixe (mandi?), no Corte 3 da Linha 3, aos 20cm. O Setor 7 proporcionou 572 peças (582 antes da preparação), que formaram coleções numeradas de 234 a 273. O Setor 14 ocupou uma área plana, com gramíneas e árvores esparsas, ao Sul do Setor 7, a Oeste da estrada macadamizada e a Leste de edificações. Nela, 7 linhas foram estendidas do Norte para o Sul e executados 56 cortes. Os últimos das linhas 5, 6 e 7, ultrapassando o leito da estrada, localizaram-se logo após a sua margem (Foto 30). Apesar dos cortes mostrarem solo escuro em profundidades variáveis, em poucos ocorreram evidências materiais. Cerâmica artesanal das variedades Simples 1 e 2, manifestaram-se até 30cm em alguns pontos. Outros cortes, também esparsos, proporcionaram até essa profundidade, fragmentos de cravo

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em ferro, telhas coloniais, tijolos e pratos em faiança fina branca e Pearlware, esta com cunho “IRONSTONE CHINA”. Nos cortes 9 da Linha 4, 7 da Linha 5 e 7 da Linha 6, entretanto, a ocorrência de cerâmica artesanal até 30cm, infere área habitacional. O único corte que evidenciou material em maior profundidade e junto ao solo escuro, foi o 9 da Linha 4; além de cerâmica Simples 2 e telha colonial entre 20 e 30cm, revelou bloco de silexito entre 30 e 40cm e prego em ferro entre 50 e 60cm, indicando sua perturbação. Vinte e seis peças (28 antes da preparação) resgatadas neste Setor formaram coleções numeradas de 279 a 295. Foto 30. Linhas sendo estendidas para a marcação de pontos de perfuração no Setor 14. Antes da mata ao fundo, situam-se as áreas dos setores 7 e 5 (Foto: Roseli Ceccon).

O Setor 15 foi demarcado ao Sul do Setor 5 e da estrada macadamizada, a Leste dos setores 7 e 14 e daquela estrada que, infletida, dirige-se para o Sudoeste. Nele, no sentido Oeste-Leste, foram estendidas 8 linhas, ao longo das quais foram executados 101 cortes. Anteriormente, quando esse espaço arado encontrava-se ocupado por roça de milho, 11 cortes alfabetados haviam sido realizados. Embora esparsos, com o ordenamento posterior das linhas, esses cortes avulsos tiveram a sua posição a elas relacionados (Foto 31).

Foto 31. Concentração de material arqueológico em corte avulso praticado no espaço dominado por roça de milho (Foto: Luis da Silva).

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Neste Setor, o material arqueológico ocorreu com mais frequência e consistência no seu canto Noroeste, nas proximidades da Capela. Na Linha 3, no Corte 4 e nos avulsos D, E, F, abertos pouco ao Sul, os vestígios ocupacionais chegaram a 100cm, junto ao solo escuro; eram representados por alguns tipos de cerâmica artesanal, telhas coloniais, osso de bovino e lasca de quartzo sienito. De forma pontual, mas ainda associada ao solo escuro, cerâmica artesanal foi constatada no Corte 1 da Linha 4, aos 70cm e no Corte 5 da Linha 5, aos 90cm. Nos cortes avulsos G, H, I, praticados pouco ao Sul dos cortes 3 a 6 da Linha 4, embora o solo escuro chegasse até 60cm de profundidade, somente fragmentos de telhas coloniais foram registradas até 40cm. Os cortes 1 a 3 da Linha 2, com incidência de cerâmica artesanal até 20cm, representam a continuidade da ocupação apresentada pelos cortes 1 a 4 da Linha 2 no Setor 7. Em trechos erodidos do leito da estrada macadamizada que delimitou os setores 7 e 15, foram identificadas concentrações de fragmentos de cerâmica artesanal e de telhas coloniais. Estendiam-se entre o início das linhas 2 a 4 do Setor 7 e do Setor 15, respectivamente (Foto 32). Nos demais cortes situados a Leste e Sul do Setor, as ocorrências foram esporádicas e superficiais, destacando-se fragmentos de prato em porcelana branca no Corte 11 da Linha 1, e pires em faiança fina Pearlware no Corte 17 da Linha 2.

Foto 32. Cortes executados ao longo das linhas estendidas entre os restos da roça de milho no Setor 15. No leito da estrada percebem-se fragmentos de recipientes cerâmicos. Ao fundo, as instalações da Castrolanda (Foto: Roseli Ceccon).

Este Setor proporcionou 82 peças (84 antes da preparação), que compuseram coleções numeradas de 296 a 326. O Setor 8 foi delimitado a Leste do Setor 5, a Oeste da divisa da propriedade, ao Sul de uma ilha de mata e ao Norte da estrada macadamizada. Entre as 4 linhas estendidas no sentido Norte-Sul, em terreno plano e gramado com árvores esparsas, a 3 ultrapassou o leito da estrada. Nelas, foram praticados 32 cortes (Foto 33).

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Foto 33. Cortes executados ao longo das linhas do Setor 8, dispostas entre a ilha de mata e a estrada. Ao fundo, o Setor 5 e, no milharal no canto superior esquerdo, o futuro Setor 15 (Foto: Roseli Ceccon).

Quase todos os cortes evidenciaram solo escuro até 60, 80 ou 100cm. Somente alguns cortes realizados no extremo Norte das Linhas 1, 3 e 4, apresentaram-no até 30cm. Poucos fragmentos de telhas coloniais ocorreram nos cortes 3 da Linha 3 e 6 da Linha 4, aos 10 e 20cm, respectivamente; de arame farpado e prego em ferro, no corte 2 da Linha 1, aos 10cm, e no Corte 7 da Linha 3, aos 30cm. Somente uma dessas peças foi recolhida, recebendo o número de catálogo 274. O Setor 9 situou-se a Leste do Setor 5 e de uma estrada aberta recentemente, abrangendo espaço estreito, plano e gramado, entre a ilha de mata, a que bordeja áreas cultivadas e a várzea dessecada do rio Iapó. Incluiu, também, terreno estreito aos lados da ilha de mata e da divisa da propriedade, a Leste. No primeiro espaço foi estendida uma linha no sentido Oeste-Leste (Foto 34) e, no segundo, outra que dela partia, até o Setor 8, ao Sul. Ao longo delas, 20 cortes foram realizados.

Foto 34. Cortes realizados na Linha 1 do Setor 9, entre a ilha de mata e a mata contínua. Ao fundo, situa-se a estrada recente que conduz à Fonte e à várzea dessecada do rio Iapó (Foto: Roseli Ceccon).

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Os cortes revelaram solo escuro geralmente até 50 ou 60cm, mas, às vezes, nas proximidades daqueles, atingiram profundidades de 10 ou 30cm. Nos dois casos, o solo subjacente era o vermelho ou raramente intercalado pelo mesclado, inferindo terreno perturbado. Apenas no Corte 12 da Linha 1 foi detectado fragmento diminuto de objeto em ferro alterado, aos 30cm. O Setor 10 compreendeu um espaço murado, correspondente à entrada da Sede da Fazenda, limitado a Leste pela sua parede e ao Norte pela parede da Senzala 1. O terreno, plano e desnudo, comportou 3 linhas projetadas no sentido Oeste-Leste. Nelas, foram praticados 18 cortes (Foto 4). O solo escuro, na maioria dos cortes, foi constatado formando camada até 30 ou 80cm de profundidade. Mostrou-se impregnado de areia até 20cm em alguns cortes. Perturbação foi revelada pelo Corte 2 da Linha 3; nele, o solo marrom-avermelhado aprofundou até 100cm. Além da incidência de areia, apenas material construtivo, representado por fragmentos de telha colonial e de concreto, ocorreu nos cortes 1 da Linha 1 e 1 e 3 da Linha 2. Incidiu até 20cm nos cortes 1 e 3 e, até 50cm no 1 da Linha 2. O Setor 11 foi delimitado a Oeste da Senzala 1 e do muro do Setor 10. As suas 3 linhas foram estendidas no sentido Leste-Oeste até o limite da mata, delas resultando 44 cortes (Foto 35). O terreno, coberto por gramíneas, era plano, mas entrava em declive acentuado para Noroeste. Os cortes praticados revelaram material construtivo nos situados nas proximidades da Senzala. Ocorreram até 40cm nos cortes 1, 2 e 3 da Linha 1A e no Corte 1 da Linha 2. Nos cortes 1 e 3 da Linha 1 e no 2 da Linha 2, essas evidências aprofundavam até 60, 50 e 80cm, respectivamente. As mais superficiais estavam junto ao solo escuro com areia e, as mais profundas, no solo escuro à princípio e, depois, junto ao solo marrom-escuro mesclado com o vermelho e areia.

Foto 35. Cortes em andamento na Linha 1 do Setor 11, a partir das ruínas da Senzala 1, em direção à mata e à saída da sua trilha 3 (Foto: Roseli Ceccon).

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Fragmentos de arame em ferro estavam aos 10cm na Corte 13 da Linha 1 e aos 30cm no Corte 9 da Linha 2, associados ao solo escuro. As coleções formadas por 10 peças foram numeradas de 275 a 277. O Setor 12 foi demarcado ao Sul da parede da Sede da Fazenda e do Setor 10 e, a Oeste do Setor 14 e de edificações recentes. O espaço, que comportou 4 linhas direcionadas do Norte para o Sul, encontrava-se gramado com árvores esparsas; o terreno era plano até o limite das linhas, sofrendo declive acentuado em direção à estrada que dá acesso ao complexo edificado. Nele, foram praticados 32 cortes (Foto 36). Os cortes, devido a proximidade da Sede da Fazenda, revelaram solo escuro com alta incidência de areia até 40 ou 80cm. Em poucos deles foram registrados fragmentos de material construtivo, principalmente de tijolos e telhas coloniais. Pedaços de arame em ferro ocorreram aos 40 e 60cm no Corte 5 da Linha 3 e, fragmentos de um prato em faiança fina Pearlware com decoração Willow azul aos 40cm no Corte 3 da Linha 1 (NºC 278), e de pirex aos 30cm no Corte 7 da mesma linha. O Setor 13 restringiuse a um espaço murado a Leste e Norte das paredes da Sede da Fazenda, ao Sul do Setor 2 e a Oeste do Setor 1. Era plano e encontrava-se coberto por gramíneas e poucas árvores. Nele, foram estendidas 3 linhas orientadas do Sul para o Norte, sendo executados 16 cortes. Foto 36. Cortes praticados junto às linhas estendidas no Setor 12 (Foto: Rute Miranda).

O solo escuro constatado nas intervenções atingia profundidades variadas apresentando, até 30 ou 40cm, intrusão de areia. Nos cortes 2 da Linha 1 e 2, 3 e 7 da Linha 2, aos 30cm, abaixo do solo escuro com areia, foi registrado solo argiloso vermelho e compacto, como piso. Nos cortes 4, 5 e 6 da Linha 2, na mesma profundidade, o solo argiloso vermelho estava queimado e duro; esses cortes foram interrompidos com o surgimento da estrutura. Junto ao solo escuro com areia foram anotados poucos fragmentos de telhas coloniais, prego em ferro e vidros translúcidos de janela.

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O Setor 13 restringiu-se a um espaço murado a Leste e Norte das paredes da sede da Fazenda, ao Sul do Setor 2 e a Oeste do Setor 1. Era plano e encontrava-se coberto por gramíneas e poucas árvores. Nele, foram estendidas 3 linhas orientadas do Sul para o Norte, sendo executados 16 cortes (Foto 37). O solo escuro constatado nas intervenções atingia profundidades variadas, apresentando até 30 ou 40cm, intrusão de areia.

Foto 37. Cortes efetuados na Linha 2, do Setor 13 (Foto: Ana Valus).

Procedimentos junto à fonte Uma estrutura composta por blocos de rocha e tijolos maciços havia sido percebida por João Klempovus Neto ao lado da margem Leste da estrada recente. Essa provável fonte encontra-se na meia-encosta do terreno que, após a elevação ocupada pelo complexo edificado da Fazenda, sofre declividade em direção à várzea dessecada do rio Iapó (Foto 38).

Foto 38. Exposição superficial da provável fonte. No canto superior esquerdo, parte da várzea dessecada do rio Iapó. (Foto: Angela Gomes).

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Quando os trabalhos arqueológicos foram iniciados, apenas alguns blocos de rocha eram percebidos superficialmente entre gramíneas silvestres e arbustos que dominavam o espaço. Após a sua remoção, o terreno argilo-arenoso cinzaescuro passou a ser rebaixado por meio de raspagem. Outros blocos de rocha foram expostos, inclusive de dimensões menores. Associavam-se a tijolos maciços e fragmentos de telhas coloniais e de frascos em vidro. Alguns tijolos traziam a marca “A” em uma face, a mesma constatada em calçamentos existentes em vários pontos do complexo edificado. O tempo disponível para essa atividade não foi suficiente para a exposição completa da estrutura, mas o que dela resultou aponta para uma construção semicircular, cuja parte faltante, situada na porção mais baixa do terreno, apresenta-se perturbada; rochas e tijolos esparsos no entorno indicam o seu desmantelamento parcial. No interior da estrutura encontravase, horizontalmente, uma viga de madeira afetada pela umidade. O rebaixamento, também iniciado nessa área, expôs solo argiloso cinza-escuro e pegajoso, com forte odor de vegetais decompostos. Sua profundidade não chegou a ser definida (Foto 39). Foto 39. Exposição parcial da parte interna da provável fonte. No canto superior esquerdo, a mata conservada até o início do terreno em declive e, no superior direito, a várzea do rio Iapó. (Foto: Angela Gomes).

Nesse ponto existiria uma nascente que, com a alteração do lençol freático devido à abertura da estrada e ao abate da mata nas proximidades, deixou de acumular a água.

Procedimentos junto ao porão da Sede da Fazenda Aproveitando-se a infraestrutura oferecida por equipe de dedetizadores que atuava nas edificações da Fazenda, realizou-se uma rápida vistoria no espaço situado entre os alicerces e o assoalho do prédio principal. A baixa altura desse “porão” impossibilita a movimentação normal, obrigando-a a ser realizada através de engatinhamento (Foto 40).

65

Com a iluminação providenciada, embora precária, pôde-se observar que, na superfície do solo seco e solto, ocorrem evidências materiais representadas por papéis e fragmentos de cerâmica artesanal, de louças e de frascos em vidro, entre outras; apontam, principalmente, para a época da ocupação do prédio.

Foto 40. Vistoria realizada abaixo do assoalho da Capela, entre os alicerces da Sede da Fazenda. Revelou fragmentos de vários objetos na superfície do solo (Foto: Roseli Ceccon).

No espaço situado abaixo do assoalho da Capela interna, foi constatada uma escavação clandestina, dela resultando fragmentos de diversos objetos espalhados no entorno. Executado ao lado dos alicerces de taipade-pilão, inclusive abaixo deles, o corte os afetavam causando rachaduras (Foto 41).

Foto 41. Constatações de escavação clandestina que causou perturbação em evidências materiais no subsolo e rachaduras em vários pontos dos alicerces de taipa-de-pilão (Foto: Roseli Ceccon).

66

Procedimentos junto à mata e suas trilhas A mata existente ao Norte e Oeste do complexo edificado e da área gramada, forma um maciço até o início do declive que bordeja a várzea dessecada do rio Iapó. Na parte gramada a Leste permanecem árvores esparsas ou enfileiradas, algumas exóticas, e araucárias que, devido as suas dimensões e proximidade, têm copas unidas (Fotos 42 e 43). A mata é secundária, constituída por espécies nativas, destacando-se araucárias em vários estágios de desenvolvimento. Proporciona a sensação de mata heterogênea e cerrada. Apresenta-se, conforme Caruso (1990:114), fisionomicamente semelhante à mata primária.

Foto 42. Ambiente da Fazenda Capão Alto: áreas com mata, várzea dessecada e cultivada, várzea com meandros do rio Iapó e Gramado. Ao Norte, antes da várzea, o canal de drenagem. No canto Sudeste, o complexo edificado e a estrada macadamizada (Fonte: GOOGLE EARTH imagem de 2015).

Esse ambiente é atravessado por trilhas sombreadas pelas copas das árvores. A principal é acessada ao Norte da Sede da Fazenda, após a área gramada, e seu percurso ruma o Noroeste até a beira da várzea. Para se atingir a margem direita do rio Iapó e ao ponto tradicionalmente atribuído ao seu vau, atravessa-se o canal de drenagem utilizando-se as vigas que, sobre ele, funcionam como pinguelas. Os sedimentos retirados durante a escavação do

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canal encontram-se depositados na margem direita do rio formando extenso e elevado cordão. Outra trilha, iniciada pouco adiante da anterior, dirige-se para o Nordeste, também saindo na beira da várzea. Uma terceira trilha, partindo igualmente da primeira, descreve uma curva pela mata a Oeste, terminando na área gramada ao lado da Sede da Fazenda (Fotos 44 e 45). Quando cortes-experimentais eram executados na mata ao Norte do Setor gramado 5, vestígios de uma trilha foram percebidos em meio à vegetação arbustiva. Traçado de Leste para Oeste, esse trecho comunica-se com o que, beirando a mata no mesmo sentido, leva ao início da primeira trilha descrita acima (Foto 46).

Foto 43. No Setor gramado 5 as copas das araucárias esparsas unem-se, facilitando a movimentação de bugios (Foto: Roseli Ceccon).

Foto 44. Início da trilha principal e da secundária à direita, ao lado do tronco de araucária exposto (Foto: Roseli Ceccon).

Foto 45. Término da trilha 3 junto à Linha 2 do Setor 11 (Foto: Roseli Ceccon).

Foto 46. Vestígios de trilha na mata, ao Norte do Setor 5. Oculta pela vegetação rasteira no canto inferior direito, segue em direção às trilhas 1 e 2 (Foto: Roseli Ceccon).

A trilha mais utilizada por visitantes e pescadores é a principal. Pouco perceptível nos trechos planos, a trilha torna-se valada nos declives, não se constatando, porém, feições erosivas significativas no seu leito. Mantida

68

desimpedida de arbustos, galhos ou troncos secos desabados, a trilha apresentase revestida por gramíneas silvestres. As demais trilhas, menos frequentadas, têm as mesmas características da anterior. No decorrer das pesquisas foram avistadas diversas espécies de aves nativas dos Campos de Castro. Foram percebidos, também, grupos de bugios que, saindo da mata movimentavam-se até a área gramada pelas copas das araucárias, além de poucos esquilos saltitando entre as árvores no espaço gramado. Outros animais silvestres podem existir no ambiente da mata, conforme informações de moradores locais, mas que não foram vistos pela equipe de pesquisa. Uma superpopulação de lagartos, entretanto, foi notada causando prejuízos à fauna alada e terrestre.

As atividades de laboratório Após a higienização das evidências arqueológicas resultantes das pesquisas de campo (Foto 47 e 48), executou-se a sua marcação (Foto 49), de acordo com as fichas indicativas de procedência anexadas às embalagens das coleções. 9 Na sequência, as coleções passaram a ser preparadas para a análise, uma tarefa que visou a restauração, por meio de colagem, dos fragmentos que podem compor parcial ou totalmente vasilhas e outros objetos (Fotos 50, 51 e 52). Essa atividade preparatória foi indispensável porque evitou que, na análise, fragmentos que constituíram as peças restauradas fossem quantificados erroneamente, fornecendo uma tipologia distorcida. Contribuiu, também, para que se obtivesse uma morfologia mais realista dos objetos recuperados em pedaços e, consequentemente, possibilitou a constatação do emprego de diferentes técnicas decorativas associadas nas peças restauradas. Pequenos fragmentos isolados, que não puderam ser unidos a outros, costumam apresentar apenas uma técnica de tratamento superficial. Concluída a preparação de cada coleção procurou-se, no caso das procedentes dos cortes-estratigráficos, estender a prática às evidências obtidas nos diferentes níveis do mesmo corte. A restauração de um recipiente iniciada com fragmentos recuperados no nível situado entre 100 e 110cm de profundidade, por exemplo, uniu-se a outros provindos dos níveis de 110 a 120cm, 95 a 100cm, 85 a 95cm e 75 a 85cm, respectivamente, informando sobre 9

Tendo em vista que o presente acervo será integrado à reserva técnica da Fazenda Capão Alto, foi criada uma sequência numérica em ordem crescente para a marcação das suas coleções e respectivos registros.

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perturbações causadas no terreno por seus ocupantes e, principalmente, após a ocupação, pelo desenvolvimento de raízes e pela ação de animais cavadores.

Foto 47. Higienização e secagem do material arqueológico resgatado nos cortesestratigráficos (Foto: Igor Chmyz).

Foto 48. Higienização e secagem das evidências resultantes dos cortes-experimentais (Foto: Roseli Ceccon).

Foto 49. Marcação de peças após a secagem (Foto: Roseli Ceccon).

Foto 50. Preparação de coleções separadas por níveis da escavação (Foto: Roseli Ceccon).

Foto 51. Comparações de peças entre os níveis da escavação (Foto: Roseli Ceccon).

Foto 52. Restauração de recipientes cerâmicos (Foto: Roseli Ceccon).

70

Nos níveis superficiais dos cortes, as perturbações mais significativas foram as resultantes de atividades agrícolas, pastoris e construtivas dos ocupantes mais recentes da área. Nessas porções, além das evidências apresentarem-se com tamanhos menores que as recuperadas em maior profundidade, ocorreram objetos não pertencentes ao contexto arqueológico. Uma parte significativa do acervo procedente dos cortes-experimentais e dos cortes-estratigráficos engloba modelagens e fragmentos de recipientes cerâmicos, estes elaborados artesanalmente por meio da técnica acordelada. Menos numerosos são os vestígios dos produzidos com o uso de torno-de-roda e de fôrma, assim como daqueles resultantes de complexos processos industriais. Os objetos modelados, acordelados, torneados e moldados foram queimados a céu aberto, embora sejam também numerosos os queimados em forno. Constatou-se que essas cerâmicas foram confeccionadas com uma pasta argilosa contendo três composições de antiplásticos: a primeira, por grânulos de quartzo leitoso ou hialino e de feldspato, com até 8mm de comprimento, a segunda, pelos mesmos componentes, mas com seus grânulos medindo menos de 2mm e, a terceira, pelos mesmos grânulos finos, porém acompanhados por grãos também finos resultantes da trituração de fragmentos de cerâmica e de argila queimada. Consideradas abreviadamente como variedades 1, 2 e 3, respectivamente, a granulometria das duas últimas infere a utilização de peneira para a sua seleção. Os recipientes cerâmicos apresentam acabamento superficial por alisamento obtido com o auxílio das mãos, de fragmentos de vasilhas, de seixosrolados e de sabugos de milho; por alisamento e posterior aplicação de engobo e/ou pintura; e por ações invasivas que ocasionaram alterações em baixo e altorelevo na face externa. Os primeiros foram classificados como simples, mas diferenciados conforme a composição granulométrica das pastas empregadas em: Simples 1, Simples 2 e Simples 3 (Quadro 1). Um quarto tipo Simples, com pasta da variedade 2, foi estabelecido em função de uma característica da sua superfície. 10 Após o alisamento, essa cerâmica recebeu, na face externa, interna ou em ambas, delgado banho de tabatinga decantada repetidamente, que lhe conferiu, depois da queima, dureza acima de 4,5 na escala de Mohs. É superior àquela apresentada pelos outros tipos, que oscila entre 2,5 e 3,5. A superfície afetada é quase vidrada e tem coloração que varia entre a esbranquiçada e o cinza-claro.

10

Tratamento identificado por Gilberto Pavan Narciso.

71

PINTADO VERMELHO/FACE

ESCOVADO

PENTEADO

INCISO

ROLETADO

SULCADO

DIGITUNGULADO

CORRUGADO SIMPLES

CORRUGADO LEVE

CORRUGADO COMPLICADO

CORRUGADO IMBRICADO

LÁBIO ENTALHADO

APLICADO

PONTEADO

CARIMBADO

PINÇADO

CANELADO

TORNEADO

MODELAGEM

RECICLADO

LÍTICO

FAUNA

FLORA

-

-

-

-

-

-

-

-

-

-

-

-

-

-

-

-

-

-

-

-

-

-

-

-

2

-

-

5

1

-

-

1

-

-

-

-

-

-

-

-

-

-

-

-

-

-

-

-

-

-

-

-

-

2

-

-

7

1

20-30cm

45

19

6

1

5

-

1

9

-

4

-

-

-

-

-

4

-

-

-

1

-

-

-

-

2

-

1

2

-

100

1

30-40cm

42

16

3

-

4

-

-

5

-

1

1

-

-

-

-

3

-

-

-

-

-

-

-

-

5

-

4

-

-

84

1

40-50cm

21

17

-

-

7

-

-

5

-

1

-

-

-

-

-

3

-

-

-

-

-

-

-

-

-

-

1

-

-

55

1

50-60cm

5

1

-

-

2

-

-

-

-

1

1

-

-

-

-

-

-

-

-

-

-

-

-

1

-

-

1

-

-

12

1

60-80cm

9

-

1

-

2

-

-

4

1

1

-

1

-

-

-

-

-

-

-

-

-

-

-

-

2

-

-

2

-

23

TOTAL PARCIAL

126

56

10

1

21

0

1

23

1

8

2

1

0

0

0

10

0

0

0

1

0

0

0

1

9

0

11

4

0

286

2

0-10cm

6

12

2

6

4

-

-

7

2

1

-

-

-

-

1

-

-

-

-

-

-

-

-

-

-

-

9

-

-

50

2

10-20cm

35

70

-

8

44

-

1

43

1

6

-

7

-

2

-

6

-

1

1

-

-

-

-

5

5

-

19

6

-

260

2

20-30cm

104

86

5

15

42

-

1

49

3

7

20

4

-

2

6

5

-

-

1

1

-

1

-

11

8

-

9

28

-

408

2

30-37cm

63

102

8

15

39

1

-

64

5

7

16

7

-

-

2

2

-

2

5

-

-

-

-

15

7

-

13

7

-

380

2

37-45cm

56

65

3

4

39

1

-

71

3

9

15

17

-

-

7

-

-

3

-

1

-

-

-

4

13

2

14

8

-

335

2

45-55cm

100

81

13

5

33

6

-

113

-

30

11

12

-

-

6

6

-

4

-

-

-

-

-

2

35

14

24

24

-

519

2

55-65cm

117

93

33

2

60

7

13

98

-

15

26

16

8

-

5

7

-

3

3

2

-

-

2

2

8

3

5

27

-

555

2

65-75cm

84

84

10

-

39

4

5

106

-

13

15

8

-

-

4

6

-

1

3

-

1

-

-

1

20

1

11

11

1

428

2

75-85cm

79

60

15

-

44

-

2

74

-

9

25

4

2

-

-

7

-

-

-

-

-

-

-

-

9

10

6

12

2

360

2

85-95cm

136

47

7

-

55

3

3

85

-

16

49

-

5

-

8

9

1

2

1

4

-

-

-

-

36

8

13

14

-

502

2

95100cm

64

16

-

-

9

1

-

33

-

3

4

5

2

-

-

-

-

2

-

-

1

-

-

-

11

5

2

10

-

168

2

100110cm

27

18

2

-

9

-

-

30

1

8

7

3

4

-

-

5

-

-

-

1

-

-

-

-

22

-

6

7

-

150

2

110120cm

30

5

3

-

12

-

-

14

-

-

1

-

-

-

-

-

-

2

2

1

-

-

-

-

9

-

3

6

1

89

2

120137cm

14

-

6

-

6

-

-

4

-

-

2

-

-

-

-

-

-

-

2

-

1

-

-

-

2

-

-

7

-

44

TOTAL PARCIAL

915

739

107

55

435

23

25

791

15

124

191

83

21

4

39

53

1

20

18

10

3

1

2

40

185

43

134

167

4

4248

TOTAL GERAL

1041

795

117

56

456

23

26

814

16

132

193

84

21

4

39

63

1

20

18

11

3

1

2

41

194

43

145

171

4

4534

NÍVEL

CORTE

TOTAIS

ENGOBO VERMELHO

2

3

SIMPLES 4

1

10-20cm

SIMPLES 3

0-10cm

1

SIMPLES 2

1

SIMPLES 1

PINTADO BRANCO/VER

EVIDÊNCIAS

Quadro 1. Frequência das evidências cerâmicas artesanais e torneadas, das líticas e das relacionadas à fauna e flora nos cortes-estratigráficos 1 e 2.

Os demais recipientes foram classificados como decorados. Entre estes, estão três variedades, cuja decoração foi praticada posteriormente à queima das vasilhas com faces regularizadas. Compreendem os tipos com Engobo Vermelho, com Pintura em Branco sobre Engobo Vermelho e Pintura em Vermelho sobre Face Clara. No primeiro, delgada camada de pasta vermelha foi aplicada direta e uniformemente na face interna, externa ou em ambas. A cor da pasta vermelha é variável, desde a escura até a clara. Além do aspecto decorativo, o engobo serviu como impermeabilizante da vasilha. No segundo tipo, círculos e elipses cheias, faixas estreitas ou largas formando linhas retas ou sinuosas, foram executadas com pasta branca sobre a superfície previamente engobada de Vermelho. Ocorrem, preferentemente, na face externa, mas também na interna ou em ambas. A pintura branca é frágil e apresenta-se danificada na maioria dos casos.

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No terceiro tipo, a decoração incide mais na face interna ou externa e, poucas vezes, em ambas. A tinta vermelha foi aplicada diretamente na face de cor amarelo-claro ou marrom-claro, em forma de faixas sinuosas ou retas em sentido horizontal, oblíquo ou cruzadas; os círculos e elipses cheias tendendo a formar alinhamentos são mais comuns neste tipo que no anterior. As decorações resultantes de atos invasivos na superfície ainda úmida das vasilhas compreenderam procedimentos variados de execução, desde a utilização da extremidade dos dedos, ao uso de estiletes, espátulas, sabugos de milho e objetos de pontas múltiplas, como “pentes” e carimbos. Sabugos de milho, pentes e carimbos produziram os tipos Escovado, Penteado e Carimbado, respectivamente, e, estiletes e espátulas, os tipos Inciso, Ponteado e Sulcado. No tipo Roletado, os cordéis de pasta foram mantidos aparentes na face externa, enquanto nos corrugados os cordéis sofreram pressionamentos rítmicos causados pela extremidade dos dedos11 e espátulas, ocasionando os tipos Corrugado Simples, Corrugado Leve, Corrugado Complicado, Corrugado Imbricado e Corrugado Espatulado. 12 Dedos, varetas e estiletes produziram, ainda, as depressões e sulcos observados no tipo Lábio Entalhado, ao passo que, nos tipos Digitungulado e Pinçado, dedos e unhas determinaram a formação de depressões associadas com impressões de unhas e pequenas porções de pasta acumuladas em linha na superfície da vasilha. O tipo Canelado é caracterizado pelo pressionamento contínuo com a extremidade do dedo ou vareta na face interna da vasilha, o que resulta na formação de linhas verticais côncavas nesta face, e ocasiona a formação de linhas convexas em alto-relevo na face externa. Neste grupo, as decorações incidem no bojo, pescoço, borda e lábio dos recipientes, com exceção do Canelado, restrito à porção do bojo. No Escovado, as estrias dispõem-se em sentido vertical ou oblíquo, enquanto no Penteado, apenas verticalmente, às vezes formando zonas estriadas, separadas por espaços alisados. As incisões e os sulcos estendem-se em linhas retas ou sinuosas, dispostas paralelamente ou ligadas nas extremidades a outras em sentido vertical, e cruzadas configurando losangos. A disposição em ziguezague e em elipses concêntricas são exclusivas do Inciso. Os ponteados, com impressões retangulares, triangulares e em V, de acordo com o formato da extremidade dos objetos usados, alinham-se em sentido vertical ou oblíquo, frequentemente aos pares. Os carimbados diferem dos anteriores por terem sido produzidos com objetos de pontas múltiplas, dispondose em paralelo ou em cruz. 11

Em dois fragmentos recuperados no Corte-estratigráfico 1, conservaram-se impressões digitais das ceramistas na depressão corrugada. 12

O tipo Corrugado Espatulado, ausente nos cortes-estratigráficos, foi constatado no Corteexperimental 8 da Linha 5 no Setor 4, entre 20 e 40cm.

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Os canelados formam linhas sinuosas, enquanto os que tiveram o lábio decorado por entalhes mostram marcas executadas pela pressão pontual do dedo, unha ou estilete. Tiras de pasta aplicadas para efeito decorativo também ocorrem ao lado do lábio, na junção do pescoço com o bojo de vasilhas e, contornando a parte superior de base em pedestal. Costumam ser alisadas ou entalhadas, pinçadas, digitadas e unguladas. As restaurações praticadas reuniram, na mesma peça, várias decorações descritas separadamente acima. Recipientes com decoração básica como Escovado, Corrugado ou Roletado, por exemplo, podem apresentar associativamente as produzidas por incisões, sulcos, ponteados, carimbados, entalhes e aplicados, além de asas e alças, estas acrescentadas como acessórios funcionais. Muitas decorações consideradas como associadas às básicas, porém, foram constatadas isoladamente em pequenos fragmentos e, por esse motivo, acabaram classificados conforme a decoração presente. Excluindo-se os exemplares relacionados aos tipos com Engobo Vermelho e Pintados, os demais tipos simples e decorados mostram-se frequentemente enegrecidos nas porções correspondentes à base e inferiores do bojo, bem como com aderências de fuligem que atingem, também, as superiores, em consequência do seu uso diretamente ao fogo para a preparação de alimentos. A morfologia do vasilhame, baseada nas restaurações e fragmentos de bordas, bojos e bases, aponta para recipientes como pratos, tigelas, torradores, panelas e jarros, com bases convexas, planas, côncavas, em pedestal e anelares (Fig. 12). São mais comuns as bases em pedestal, planas e convexas. Uma base plana de recipiente Escovado possui perfuração indicando seu uso como cuscuzeiro.

Figura 12. Reconstrução de recipientes cerâmicos baseada em restaurações parciais: 1-2, pratos; 3-4, tigelas; 5, torrador; 6-9, panelas; 10, jarro (tampa sugerida na vasilha).

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As bordas têm lábios predominantemente arredondados e, poucas vezes retos, apontados e em bisel. Os pratos e as tigelas apresentam-se com dimensões reduzidas, inferiores a 10cm de diâmetro na boca, como miniaturas, mas também maiores, chegando a 34cm no caso das tigelas. Nas panelas, os diâmetros oscilam entre 16 e 30cm, nos torradores entre 24 e 30cm e, nos jarros, entre 12 e 14cm. Nas vasilhas confeccionadas com o auxílio de torno-de-roda, a argila temperada com areia fina predomina; em poucos casos, além dela, houve adição de finos grânulos de cerâmica triturada. Referem-se a tigelas e panelas pequenas, com faces bem regularizadas, mas mostram, na interna, vestígios de estrias horizontais resultantes da técnica construtiva. Dois exemplares estão com Engobo Vermelho e um com pinturas em Vermelho sobre a face interna marromclaro; representam faixas oblíquas. Modelagens produzidas com argila temperada com as variedades usadas nas vasilhas são frequentes, mas geralmente fragmentadas. Entre elas, estão 11 referentes a Recipientes feitos com pasta variedade 2. Somente uma tigela em miniatura, com 3,40cm de altura e 3,50cm de diâmetro, foi encontrada intacta. Apresenta faces alisadas, porém com irregularidades devidas a diferentes espessuras da parede; falta-lhe também simetria. A maioria das vasilhas fragmentadas evidencia essas mesmas falhas construtivas. Representam tigelas e panelas, com diâmetros variando de 2 a 16cm. Um exemplar conserva estrias de alisamento e, outro, engobo vermelho na face externa, sobre o qual ocorrem vestígios de pintura em branco. Acessórios de vasilhas são representados por 29 Asas, 5 Alças e 2 Tampas. As primeiras, em forma de cilindro, têm plana a superfície que esteve aderida ao recipiente e convexa a oposta; as extremidades são achatadas por digitação. Uma asa destoa do conjunto, apresentando-se como uma lingueta estreita. Foram elaboradas com pasta das variedades 1 e 2 e, raramente, 3. As alças, modeladas com pasta das variedades 1 e 2, são cordéis achatados. Uma está com engobo vermelho e, as demais, estão alisadas; uma destas mostra sulcos longitudinais em uma face. As tampas, originalmente placas circulares e um pouco côncavas, têm pegador cilíndrico na porção central superior. No topo de um pegador ocorre sulco circular, ladeado por digitações. Pastas das variedades 1 e 2 foram usadas para a modelagem das tampas. Vinte e seis peças correspondem a cachimbos (um deles completo); a grande maioria é representada por partes do fornilho, do tubo de aspiração e, poucas vezes, pelo tubo e parte do fornilho. A peça completa é alisada e, embora tenha o fornilho quase todo sobre o tubo, tem formato anguloso, o mesmo apresentado por outros fragmentos dessa porção. A parte superior do fornilho e a extremidade proximal do tubo são expandidas e decoradas com incisões duplas. Abaixo do fornilho ocorre uma aplicação longitudinal, com perfuração. Mede

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4,60cm de comprimento e 3,10cm de altura; a abertura do fornilho tem 2,70cm de diâmetro e, o orifício inicial do tubo, 0,80cm. Muitos cachimbos tiveram a superfície apenas alisada, mas são frequentes também os decorados por incisão, sulcos, entalhes e incisões associadas com pontos (Fig. 13). A pasta usada, preferencialmente, é a da variedade 2, seguida pela 1 e, raramente pela 3. Três esferas foram modelados com pasta da variedade 2. Têm superfície alisada e diâmetros variando de 1,70 a 2,00cm.

Figura 13. Cachimbos modelados recuperados no corte 2: a, nível de 85 a 95cm; b, nível de 100 a 110cm; e c-d, nível de 110 a 120cm.

Quatro modelagens referem-se a representações zoomorfas e a base de estatuetas. Um dos fragmentos corresponde à cabeça de possível pomba e parte de seu dorso (Fig. 14); outro, à parte posterior de animal com cauda curta. Uma das bases tem formato elíptico com saliência externa, como pedestal, medindo 10,50 e 7,00cm de diâmetro. Conserva porção do corpo ao qual poderia estar ligada alguma representação zoomorfa. A segunda peça é discoide, com 11cm de diâmetro e apresenta, nas porções centrais, marcas um pouco distanciadas dos pés desprendidos de possível estatueta. Figura 14. Modelagem zoomorfa (Corte 2, nível de 85 a 95cm).

Essas quatro peças, resultantes de restaurações parciais, foram engobadas de vermelho na face externa, sobre a qual se conservam porções de traços e linhas sinuosas com tinta branca. As três primeiras procedem do nível de 85 a 95cm de profundidade e foram modeladas com pastas das variedades 2, 1 e

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3, respectivamente. A última foi escavada no nível de 65 a 75cm, apresentando a pasta da variedade 1. Oitenta e dois fragmentos estão relacionados a suportes de panelas modelados, com pastas das variedades 2 e 1 e, poucas vezes 3. As peças mostram base plana e circular, com diâmetros variando de 13 a 15cm. A porção superior é cilíndrica, com o topo convexo; as alturas variam de 9 a 12cm. A base apresenta-se rugosa, com aderência de areia grossa; a parte superior é alisada, com pequenas irregularidades. Vinte e cinco restos de pasta queimada e 7 fragmentos de tabatinga seca completam o acervo das modelagens recolhidas nos cortes-estratigráficos 1 e 2. Englobando pastas das variedades 2 e 1 e, raramente, 3, as primeiras representam resíduos do processo de confecção de recipientes. Têm formatos e dimensões variadas, com marcas deixadas pelo manuseio; em um deles há impressão de malha de peneira. Os fragmentos de tabatinga, uma argila com areia finíssima e coloração esbranquiçada, também apresentam marcas de manuseio. Os 43 objetos classificados como Reciclados, referem-se a alisadores ou regularizadores da superfície de vasilhas. Derivam de fragmentos de telhas coloniais e, às vezes, de recipientes cerâmicos. Têm formato discoide, com bordo convexo em decorrência de atrito. Seus diâmetros variam de 2,10 a 4,40cm. Sete líticos intrusivos, assinalados por pequenos blocos de pedra britada, procedem dos níveis situados entre 0 e 10cm (2 exemplares) e 10 e 20cm de profundidade (1) do Corte-estratigráfico 1 e, entre 0 e 10cm (2) e 20 e 30cm (1) do Corte 2. As evidências líticas arqueológicas mais numerosas estão representadas por fragmentos de blocos e núcleos de quartzo sienito e alguns de quartzito, quartzo e laterita 13 alterados pelo seu contato com o fogo. Cinco outros núcleos, porém, apresentam marcas de outros usos. Entre eles, 3 de arenito friável, mostram faces e lados desgastados por atrito. Em um deles, além do desgaste, ocorrem sulcos estreitos e alongados, como os causados por gume de facas ou facões; na face oposta, os sulcos alongados são mais largos. Essa peça mede 9,70cm de comprimento, 5,80cm de largura e 2,40cm de espessura. Outro núcleo, de quartzito, com 2,00x1,90x0,70cm, está com a superfície desgastada, representando alisador cerâmico. Da última peça, de quartzo sienito, resta a extremidade distal com superfície picoteada, resultante de seu uso como triturador, talvez mão de pilão. Um fragmento de núcleo tabular de esteatita ou pedra sabão mostra-se retocado por alisamento em ambas as faces. O bordo restante, que é em bisel, 13

Essas concreções representam estágio avançado do processo de intemperismo de clima quente e úmido em solo laterítico. São ricas em sesquióxidos de ferro e alumínio (LEINS; LEONARDOS, 1971:115).

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indica formato circular da peça, com 16cm de diâmetro. Poderia representar uma tampa. Cinco lascas retiradas de núcleos de quartzo sienito e silexito não apresentam evidências de uso. Igualmente sem evidências de uso, estão 7 microlascas de quartzo, quartzo sienito e silexito. Outras 4 lascas, entretanto, mostram retoques escamados e escamados progressivos marginalmente, em ambas as faces, caracterizando-se como pederneiras. A matéria-prima utilizada é o silexito. As peças têm formato retangular ou quadrangular, medindo entre 2,50 e 3,70cm de comprimento, 20 a 26cm de largura e 0,50 a 0,70cm de espessura. Uma delas, a procedente do Corte 1 (nível de 50 a 60cm), está fragmentada. Entre as do Corte 2, uma não foi concluída (nível de 0 a 10cm); as outras duas, completas, ocorreram no nível de 85 a 95cm (Fig. 15).

Figura 15. Pederneiras em silexito.

Entre as numerosas evidências ósseas e dentais recuperadas nos cortesestratigráficos predominam as relacionadas à fauna doméstica, principalmente a bovinos e suínos. Muitas delas, porém, permanecem sem identificação devido ao seu estado fragmentário e à falta de especialista para a tarefa. Representam partes de ossos longos e de crânios, vértebras e costelas. Os primeiros estão geralmente partidos, com bordos em bisel, observando-se na extremidade de muitos, marcas de golpes desferidos por facões ou machados. Sulcos estreitos, causados pelo gume de facas durante o descarne, ocorrem na superfície de vários. Não se constatou o uso de serra para o seccionamento de nenhum osso. São comuns pequenos fragmentos de ossos carbonizados ou calcinados. Os dentes estão mais preservados e, frequentemente, completos; em alguns casos, encontram-se inclusos em porções de mandíbulas. Poucos sofreram a ação do fogo. Ossos de aves são raros, assim como evidências que apontam para a fauna silvestre. Desta, dentes puderam ser provisoriamente identificados: 1 de cutia, mamífero roedor da ordem Dasyprocta, recuperado entre 60 e 80cm no Corte-estratigráfico 1, e 1 dente de cateto ou “porco-do-mato”, mamífero da ordem dos Artiodáctilos, encontrado entre 85 e 95cm no Corte-estratigráfico 2.

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Os raros vestígios de origem vegetal procedem do Corte-estratigráfico 2 e estão representados por 1 fragmento de pinhão carbonizado, 2 lascas de madeira fibrosa parcialmente carbonizada e 1 fragmento de nó-de-pinho ressecado. Procedem dos níveis situados entre 65 e 75cm, 75 e 85cm e 110 e 120cm, respectivamente. 14 Evidências que informam sobre técnicas construtivas, como fragmentos de taipa, telhas coloniais e argamassa, estão presentes nos dois cortesestratigráficos (Quadro 2). As primeiras, representativas de paredes de pau-a-pique ou taipa-de-mão são constituídas por blocos de terra argilo-arenosa compacta que conservam, em alguma faceta, depressões alongadas e largas, resultantes do seu contato com varas ou ripas. Na faceta plana de um deles (Corte 2, nível de 100 a 110cm), há resíduos de substância esbranquiçada. As telhas em meia-cana ou coloniais apresentam a face inferior rugosa, com aderência da areia usada como isolante durante o seu processamento em fôrma; a superior é alisada havendo, em algumas, estrias ou sulcos pouco profundo longitudinais. As espessuras são variáveis, entre 0,80 e 2,22cm. Os antiplásticos usados na argila igualam-se aos constatados nas pastas dos recipientes cerâmicos, mas, em vários exemplares, principalmente nos registrados em níveis situados acima de 45cm, apenas areia finíssima e grânulos de hematita foram observados. A queima é completa, apresentando as últimas, faces e núcleo avermelhados. Naqueles, as faces têm colorações que variam do marrom-claro, amarelado e avermelhado e, os núcleos dos mais espessos, às vezes têm cor cinza-escuro. Os raros fragmentos de argamassa de cal, de ocorrência mais superficial, devem ser intrusivos. Exclusivos do Corte-estratigráfico 2, são os fragmentos de adobe e tijolo, ambos produzidos por meio de fôrmas. Os primeiros, incidentes apenas nos níveis inferiores do corte, são constituídos por terra argilo-arenosa compacta. Apresentam uma face alisada com pequenas depressões e a oposta rugosa. Um dos exemplares conserva parte de um lado, que é reto; sua espessura varia de 4,50 a 5,00cm. Todos têm coloração marrom e tendem a desagregar quando manuseados. Os tijolos são maciços, e a pasta utilizada para a sua produção é argilosa, com areia grossa ou fina e, raramente, com grânulos de argila queimada e triturada. Apresentam faces alisadas com algumas irregularidades estando, uma delas, com aderência de areia; nos fragmentos em que se conservam porções dos lados, verifica-se que são retos. Em um deles há vestígios de tinta vermelha. Diferenças existem com relação à queima e a espessura entre os tijolos registrados até 37cm de profundidade e os que ocorreram depois, até a base da 14

Sabugos e grãos de milho carbonizados foram coletados nos cortes-experimentais 13 da Linha 3 no Setor 2 e 9 da Linha 6 no Setor 4, aos 130cm e entre 0 e 20cm de profundidade, respectivamente.

79

ocupação: aqueles são bem queimados, de cor avermelhada tanto na superfície como no núcleo, e espessura variando de 5,00 a 5,50cm; nos últimos, a queima foi um pouco deficiente, o que lhes conferiu colorações marrom-claro ou cinza no núcleo e marrom-claro nas faces. Suas espessuras variam de 6,50 a 7,50cm.

FERRO

ESCÓRIA

COBRE

CHUMBO

FRASCO

JANELA

ARTEFATO

SIMPLES

DECORADA

VIDRADA

FAIANÇA

MEIA FAIANÇA

PORCELANA

FAIANÇA FINA

TOTAL

0-10cm

-

-

-

2

-

-

-

1

-

2

-

-

-

-

-

-

-

-

-

5

1

10-20cm

-

-

-

6

-

-

-

-

-

1

-

-

-

-

-

-

-

-

-

7

1

20-30cm

-

-

-

42

1

-

-

-

-

-

-

-

-

-

-

-

-

-

-

43

1

30-40cm

1

-

-

20

-

-

-

-

-

-

-

-

-

-

-

1

-

-

-

22

1

40-50cm

3

-

-

8

-

-

1

-

-

-

-

-

-

-

-

1

-

-

-

13

1

50-60cm

-

-

-

2

-

-

-

1

-

-

-

-

-

-

-

-

-

-

-

3

1

60-80cm

-

-

-

3

-

-

-

-

-

-

-

-

-

-

-

-

-

-

-

3

NÍVEL

1

CORTE

ARGAMASSA

LOUÇA

TELHA

VIDRO

TIJOLO

METAL

ADOBE

CONSTRUTIVO

TAIPA

EVIDÊNCIA

TOTAL PARCIAL

4

0

0

83

1

0

1

2

0

3

0

0

0

0

0

2

0

0

0

96

2

0-10cm

-

-

1

8

-

-

-

-

-

1

1

-

1

-

1

-

-

-

3

16

2

10-20cm

-

-

1

122

1

7

-

-

-

19

-

-

-

-

1

-

-

-

7

158

2

20-30cm

1

-

-

110

-

1

1

-

-

1

1

-

20

3

1

2

1

1

8

151

2

30-37cm

-

-

1

126

-

1

-

-

-

-

-

-

1

-

-

1

1

-

-

131

2

37-45cm

-

-

-

128

-

2

2

-

-

-

-

-

3

-

-

2

-

-

-

137

2

45-55cm

-

-

1

575

-

4

-

1

-

2

-

-

2

-

-

1

-

-

-

586

2

55-65cm

-

-

-

10

-

6

-

1

2

1

-

1

-

-

1

1

-

-

-

23

2

65-75cm

-

-

1

191

-

3

-

2

-

-

-

-

-

-

2

2

-

1

-

202

2

75-85cm

-

-

1

9

-

3

-

1

-

2

-

-

-

-

4

2

-

-

-

22

2

85-95cm

-

1

6

80

-

3

-

4

-

1

-

-

-

-

2

9

-

1

-

107

2

95-100cm

-

-

2

24

-

1

-

-

-

1

-

-

-

-

-

4

-

-

-

32

2

100-110cm

1

-

1

6

-

3

-

-

-

6

-

-

-

-

-

3

-

-

-

20

2

110-120cm

-

2

5

4

-

1

-

1

-

4

-

-

-

-

-

2

-

1

-

20

2

120-137cm

3

4

7

-

-

-

-

1

-

-

-

-

-

-

1

1

-

-

-

17

TOTAL PARCIAL

5

7

27

1393

1

35

3

11

2

38

2

1

27

3

13

30

2

4

18

1622

TOTAL GERAL

9

7

27

1476

2

35

4

13

2

41

2

1

27

3

13

32

2

4

18

1718

Quadro 2. Frequência de evidências construtivas e de objetos industrializados nos cortes-estratigráficos 1 e 2.

Os objetos elaborados em ferro, registrados somente no Corteestratigráfico 2, apresentam-se envoltos em sedimentos consolidados e fortemente prejudicados internamente pelo seu contato com agentes químicos e pela umidade. 15 Apesar disso, muitos deles puderam ser classificados.

15

Tentativas, de acordo com o processo de “decapagem ácida” proposto por Albuquerque e Lima (1994-95:293), foram feitas para a remoção da crosta e preservação de alguns cravos. Eficiente no caso de peças em ferro procedentes da redução jesuítica de Santo Inácio Mini do início do século XVII, o procedimento revelou-se insatisfatório com as da presente abordagem, cujos núcleos apresentam corrosão acentuada.

80

Os numerosos cravos (18 peças), registrados desde 10cm de profundidade no corte, tornaram-se mais frequentes entre 45 e 110cm. Os completos variam de 5,30 a 11,30cm de comprimento; têm cabeça plana ou levemente convexa e formato quadrangular, com lados variando de 0,60 a 1,50cm. O corpo é também quadrangular, com lados variando de 0,40 a 0,70cm (Fig. 16, a-d). Um cravo tem cabeça triangular, com 1,70cm de lado e, outros 2, cabeça achatada e projetada em vertical, sendo ligeiramente circular em um e elíptica em outro. O corpo dessas últimas peças, que deveriam ter função diferenciada, é de secção elíptica na primeira e quadrangular na segunda (Fig. 16, e). Um fragmento de prego, procedente do nível de 10 a 20cm, tem a cabeça circular e convexa, com 1,30cm de diâmetro. Seu corpo é cilíndrico com 0,60cm de diâmetro. A porção restante mede 5,50cm de comprimento e apresenta-se um pouco torta na extremidade distal. Um ferrolho (coletado entre 65-75cm) é constituído por uma tira dobrada, com 0,50cm de espessura e 1,80cm de largura; a parte horizontal mede 6,20cm de comprimento e, a vertical, 2,80cm (Fig. 16, g). Três fragmentos de arame (resgatados entre 10 e 20cm), têm diâmetros entre 0,20 e 0,30cm. Dois fragmentos de cilindros curvos, com 0,60 e 0,90cm de diâmetro, podem corresponder a elos de corrente. Procedem dos níveis entre 55 e 65cm e 100 e 110cm. Dois fragmentos de facas (dos níveis situados entre 6575cm e 100-110cm), apresentam parte da lâmina e do destinado à fixação do cabo, que é estreito. A lâmina do mais completo mede 9,60cm de comprimento e 2,70cm de largura máxima; sua porção estreitada mede 2,50cm de comprimento (Fig. 16, f).

Figura 16. Objetos em ferro: a-e, cravos; f, faca; g, ferrolho.

Oito fragmentos correspondem a pequenos cilindros (2 exemplares), placas (4) e barras (2) e foram recuperados entre 10 e 55cm de profundidade. Em uma face de uma das placas, com 1,90cm de comprimento, 1,00cm de largura e 0,40cm de espessura, ocorrem vestígios da fixação de dois pinos. Quatro nódulos de escória ou canga procedem do nível de 40 a 50cm no Corte 1 e, dos níveis de 20 a 30cm no Corte 2. São pesados, com superfície lisa e lustrosa, geralmente com porção esponjosa sólida e areia aderida. Apresentam

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coloração cinza-escuro ou marrom-avermelhado. O maior mede 6,00cm de comprimento, 4,10cm de largura e 2,50cm de espessura. 16 Nos objetos em cobre, mais preservados que os anteriores, a crosta de sedimentos pôde ser removida permanecendo, na sua superfície, leve oxidação esverdeada. É do Corte-estratigráfico 1, entre 0 e 10cm, 1 cápsula deflagrada de revólver, com 1,60cm de altura e 1,20cm de diâmetro na base e, entre 50 e 60cm, 1 fragmento de percevejo; sua cabeça é convexa e circular, com 0,70cm de diâmetro. Apresenta, no centro da face interna, porção de pino perfurante. No Corte-estratigráfico 2, os artefatos mais elaborados são representados por 1 possível cantoneira de canastra (do nível 45-55cm) e 2 possíveis broches (do nível 85-95cm). O primeiro é alongado e convexo, com lados recortados de forma sinuosa e com alguma simetria. Nas porções medianas, os recortes são mais salientes, com uma projeção curva em cada lado. Estrias finas estendem-se longitudinalmente no centro e, outras, em sentido oblíquo e horizontal nas laterais. A face interna é lisa. Mede 5,00cm de comprimento e 1,80cm de largura máxima (Fig. 17, a).

Figura 17. Objetos em cobre: a, possível cantoneira de canastra; b-c, possíveis broches.

A segunda peça está danificada nas extremidades. É plana, de formato triangular, com recortes retos nos lados e na extremidade mais larga. Nesta, os recortes são mais estreitos, configurando algo como pontas de pente. Na face oposta existem restos de dois pinos fixados nas porções centrais da metade mais

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Essas evidências foram mais numerosas nos cortes-experimentais dos setores 2 a 5, ocorrendo desde 10cm até 90cm de profundidade medindo, a maior delas, 11,00x6,00x5,50cm. Assemelham-se às escórias de fundição de ferro procedentes dos assentamentos espanhois e jesuítas dos séculos XVI e XVII no Paraná, mas, a definição das constatadas na presente pesquisa ainda dependem de análises laboratoriais.

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larga. O fragmento mede 5,50cm de comprimento, 3,40cm de largura máxima e 0,10cm de espessura (Fig. 17, b). A terceira peça tem formato que lembra um peixe, com a parte superior ovoide e a inferior retangular e mais estreita. Na extremidade desta, ocorrem incisões que a bipartem levemente e outros, pouco acima, em oblíquo. A face superior é um pouco convexa; a oposta é plana, com restos de pinos curvos nas extremidades. Mede 2,80cm de comprimento, 1,30cm de largura máxima e 0,20cm de espessura (Fig. 17, c). Entre os 6 pequenos fragmentos de placas registradas desde 55 até 137cm de profundidade, apenas um mostra duas diminutas perfurações. As placas têm espessuras que variam de 0,10 a 0,50cm. Uma placa maior (resgatada entre 65-75cm), com 7,60cm de comprimento, 3,00cm de largura e 0,10cm de espessura, está dobrada em um lado e com pequenas dobraduras no lado oposto. Uma peça discoide, com 1,30cm de diâmetro, tem 0,30cm de espessura. Ocorreu entre 85 e 95cm. Lembra moeda ou medalha, mas suas faces planas estão desgastadas. Duas esferas em chumbo, com superfície esbranquiçada, apresentam diâmetros de 0,50 e 0,80cm. Referem-se a munições de arma de fogo e foram recuperadas entre 55 e 65cm no Corte 2. Fragmentos de recipientes em vidro procederam de ambos os cortes e estão relacionados a pequenos frascos, garrafas, garrafões e outros objetos, alguns de função não identificada. As espessuras das paredes dos frascos variam de 0,15 a 0,20cm, enquanto as que apontam para as garrafas e garrafões chegam a 0,50cm. Nos níveis mais superficiais, porções das bases das garrafas têm 6cm de diâmetro e, um gargalo de garrafa produzida em fôrma, mede 3cm de diâmetro. Predominam os vidros de cor verde, claro ou escuro e, raramente, azulclaro, translúcido ou branco-fosco. Os últimos, inclusive um translúcido com parede externa em relevo, são originários dos níveis situados entre 0 e 20cm. Todos os fragmentos de frascos resgatados entre 55 e 120cm apresentam coloração verde-claro estando, um deles irisado e, outro, desgastado pelo uso. Dois fragmentos de vidros translúcidos e planos são de janela, com espessuras de 0,18 e 0,20cm. São exclusivos do corte 2, níveis de 0 a 10cm e de 20 a 30cm. Desse corte também, entre 55 e 65cm de profundidade, é o adorno de anel em vidro azul, circular, com uma face plana e a oposta “lapidada”. Mede 1cm de diâmetro e 0,50cm de espessura. As cerâmicas e louças produzidas industrialmente compreendem vasilhas simples, decoradas e vidradas e, pratos, pires, tigelas, xícaras e canecas em faiança, meia-faiança, porcelana e faiança fina.

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Os recipientes de cerâmica simples, decorada e vidrada, são exclusivos do Corte 2. Os 27 exemplares da simples têm pasta argilosa com areia finíssima e suas faces são bem alisadas. Os núcleos têm coloração cinza-escuro e, às vezes, marrom-claro. A maioria apresenta faces pretas com lustro; em poucos, a coloração é avermelhada. A espessura das paredes varia de 0,40 a 1,20cm. De pequenas dimensões, os fragmentos não permitiram uma classificação segura quanto à sua função; talvez representem pequenas tigelas e panelas. Seus vestígios ocorreram até 55cm, sendo mais frequentes entre 20 e 30cm. Entre os 3 decorados, registrados entre 20 e 30cm, dois foram engobados de vermelho, um deles na face externa e outro em ambas. O terceiro está com uma incisão estreita e curvilínea na face externa. Neles, a pasta apresenta-se como nos anteriores; têm núcleo e faces de cor marrom-claro. A espessura de suas paredes varia de 0,50 a 1,00cm. As vidradas ocorrem de forma intermitente nos vários níveis do corte. As 3 que foram resgatados até 30cm, têm pasta argilosa com areia finíssima e, nas 10 encontradas abaixo de 55cm, a pasta mostra-se temperada como na variedade Simples 2 da cerâmica artesanal. Em todas o núcleo é marrom-claro e, às vezes, cinza-claro. Nas procedentes dos níveis superiores, o vidrado incide na face externa de duas e em ambas de uma. Neste caso, um fragmento de xícara, o vidrado tem cores marrom e verde-claro em faixas; nas outras, uma delas relativa a jarro com 12cm de diâmetro na boca, o vidrado é amarelo-claro. Nas recuperadas nos níveis mais profundos, geralmente relacionadas a tigelas, o vidrado amarelo-claro incide na face externa e na interna de apenas uma. Os fragmentos das louças em faiança procedem dos níveis medianos do Corte 1 (2 exemplares) e, continuamente, dos situados entre 20cm e 137cm no Corte 2 (30), sendo, neste caso, mais numerosos entre 65 e 120cm. Apresentam núcleo branco e friável. O esmalte superficial é translúcido, trincado e desprendido em muitos. Entre as decoradas, predominam as com faixas horizontais em azul na face externa. Há uma com essa decoração na face interna e outra com faixa em verde, também na face interna. Em muitas peças a decoração incidente na face externa consiste na associação de faixas e círculos cheios em azul a faixas horizontais ou curvilíneas em vinho. As espessuras das paredes dos recipientes variam de 0,35cm a 0,70cm. Correspondem a pires, com 8cm de diâmetro, e pratos e tigelas. Estas são as mais representadas e, seus diâmetros, variam de 14 a 24cm. Fragmento de uma delas conserva a base anular, com 14cm de diâmetro. Os 2 fragmentos de louça em meia faiança, escavados entre 20 e 37cm no Corte 2, são referentes a pratos. Tem núcleo branco ou amarelo-claro, um pouco friável. O esmalte é cinza-azulado em um, e cinza-claro em outro. Suas paredes medem 0,50cm de espessura.

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Entre os poucos exemplares de louça em porcelana, também exclusivas do Corte 2, 1 procede do nível 20 a 30cm, sendo representado por um fragmento de xícara, com 8cm de diâmetro. Seu núcleo é cinza-claro, não friável. Outros 3 foram encontrados de forma intermitente, entre 65 e 120cm. Seus núcleos são como o anterior. Correspondem a pratos e tigela, com esmalte cinza ou azul-claro em ambas as faces. Na face interna de dois e na externa de um, ocorrem faixas horizontais e curvas em azul, claro e escuro. Em um deles, as faixas estão associadas com borrões em azul-escuro. Todos pertencem ao gênero Swaton. As louças em faiança fina são, igualmente, exclusivas do Corte 2, mas foram detectadas apenas nos níveis superficiais situados entre 0 e 30cm. Representam pratos, pires, xícaras e canecas. Os diâmetros dos pratos variam de 18 a 20cm e, dos pires, de 10 a 13cm. Uma das xícaras tem 8cm de diâmetro. Seus núcleos são branco-amarelados, não friáveis e, suas paredes, dependendo da função das vasilhas, têm as espessuras variando de 0,30 a 0,70cm. Em 3 fragmentos, o esmalte é branco mostrando, um deles, relevo modificado, e outro o cunho “Davenport”. Em 4, as faces são em Pearlware e, Whiteware e Creamware em outros 2. Oito foram pintados à mão, um deles decorado no padrão Shell Edged em azul, três com friso horizontal em verde na face interna azulada, um com motivos florais em azul-cobalto na face interna e um Peasant Floral em verde-escuro e marrom na face externa. Somente 1 fragmento de caneca decorada por Transfer Printing, com motivos florais em azul e vermelho, encontrado entre 10 e 20cm, refere-se ao século XX. Os anteriores foram produzidos durante o século XIX. As evidências materiais constatadas durante as intervenções praticadas no interior das senzalas e nos cortes-experimentais realizadas no entorno da Sede da Fazenda equivalem, em grande parte às do contexto arqueológico revelado pelos cortes-estratigráficos, inclusive às que se referem aos períodos da ocupação mais recente da área. Encontram-se arroladas no “Anexo 1”.

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CONSIDERAÇÕES PESQUISA

PARCIAIS

SOBRE

OS

RESULTADOS

DA

Estruturado, principalmente, para a elaboração de um diagnóstico arqueológico, este projeto conseguiu esboçá-lo quanto aos momentos referentes à presença dos padres carmelitas e seus escravos (1751-1864) e ao barão de Monte Carmelo e seus escravos e serviçais (1866-1897). O projeto pretendia, também, a captação de elementos ligados ao momento das sesmarias (1704-1750), assim como ao da presença de grupos indígenas caçadores-coletores e ceramistas, que remontaria a história local a milhares de anos. Tais objetivos não foram alcançados porque as pesquisas de campo restringiram-se ao entorno do complexo edificado. Referências à presença de caçadores-coletores na área existem. Na relação de peças arqueológicas e etnográficas do acervo do Museu Paranaense, publicada como catálogo em 1882, constam “três pontas de sílex lascadas, extrahidas de escavações em terrenos da fazenda do Capão Alto, município de Castro”. O Museu do Tropeiro de Castro guarda peças arqueológicas doadas pela população. Representado por pontas de projéteis lascadas, lâminas de machados, mãos de pilões e virote 17 (Figs. 18 e 19), além de cerâmica artesanal, esse acervo informa sobre caçadores-coletores e ceramistas que, no passado, ocuparam o município. Pesquisas desenvolvidas em municípios vizinhos (LAMING; EMPERAIRE, 1956, NIGRO, 1970; BLASI, 1972; CHMYZ, 1976, 2001, 2002; ARNT, 2002; PARELLADA, 2004), também informam sobre essa ocupação pretérita dos Campos Gerais.

Figura 18. Pontas de projéteis lascados relacionados às tradições Bituruna (a, b, e) e Umbu (c, d) (Acervo: Museu do Tropeiro).

A desejada periodização pré-histórica regional, porém, ainda é relativa e baseada em ocorrências comparáveis de regiões mais distantes. Faltam-lhes apoios cronológicos por radiometria. Neste contexto, o único sítio datado pelo método do Carbono 14 foi parcialmente escavado em 1974. 17

O virote encontrava-se provisoriamente depositado por Fidelis Bueno no Museu do Tropeiro. Procedente da localidade do Bairro do Guararema, conforme informação de Joel “Wahl Lourenço, essa ponta de projétil polida incide em áreas antigamente dominadas pelos Jê.

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Situado no Segundo Planalto, imediatamente ao lado da Escarpa Devoniana, na localidade de Passo dos Pupos, a Leste da Cidade de Ponta Grossa e, cadastrado como PR PG 2: Abrigo-sobrocha Morro do Castelo (Fig. 4, Sigla PG 2), revelou três ocupações superpostas: uma mais superficial, entre 18 e 40cm, outra intermediária, entre 40 e 60cm e, a mais profunda, entre 120 e 260cm (CHMYZ, 1976: Nota 6).

Figura 19. Virote procedente do Bairro do Guararema, em Castro (Acervo: Fidelis Bueno).

A ocupação superficial, encerrando fragmentos de recipientes cerâmicos relacionados à tradição arqueológica Casa de Pedra, não pôde ser datada porque apresentava-se perturbada por “caçadores de tesouros”, os mesmos que comunicaram a existência do sítio. A intermediária, com peças elaboradas sobre núcleos e lascas de arenito silicificado e basalto, foi datada em 4520±75 AP (Antes do Presente) ou 2570 a.C. (Antes de Cristo). A mais profunda, era caracterizada pela ocorrência de lascas e artefatos em silexito, inclusive com a presença de ponta de projétil e teve duas datações: uma, de 6995±110AP ou 5045 a.C., no nível situado entre 140 e 160cm e, outra, de 7840±90AP ou 5890 a.C., entre 240 e 260cm. Calibradas, as três datações alcançam 5312, 7973 e 8910 anos antes do presente respectivamente, correspondendo, as duas últimas, a caçadores-coletores do Holoceno Inferior. Embora no abrigo Morro do Castelo não se tenha constatado vestígios de pinturas parietais, elas ocorrem no Abrigo Cambiju, situado a cerca de 15km ao Sul (Fig. 4, Sigla PG 1), relacionando-se à Tradição Planalto. A única camada de ocupação existente no seu subsolo encerra evidências materiais comparáveis às da mais profunda do sítio PG 2. Os campos paranaenses, de acordo com Reinhard Maack (1968:224), são relictos de um antigo clima semi-árido pleistocênico. Durante o Holoceno, em consequência do clima quente e úmido que passou a dominar, os campos começaram a ser conquistados pela mata a partir das matas de galeria, das encostas das escarpas e dos capões de nascentes. Este foi o ambiente que acolheu os caçadores-coletores revelados pelas pesquisas. Não havendo, ainda, apoio cronológico, presume-se que o seu afastamento tenha sido motivado pela entrada de outros grupos, notadamente dos ceramistas, arqueologicamente definidos nas tradições Itararé, Casa de Pedra e Tupiguarani, os primeiros considerados como relacionados aos primitivos falantes Jê (Botocudos=Xokleng e Coroados=Kaingang) e, os últimos, aos Tupi (Guarani). Em outras regiões

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paranaenses a presença dessas tradições data desde alguns séculos antes da Era Cristã, estendendo-se até o XIX. Pesquisas pontuais realizadas em municípios vizinhos ao de Castro (NIGRO, 1970; BLASI, 1972; CHMYZ, 1976), proporcionaram evidências pertencentes às três tradições ceramistas mencionadas. Abordagens mais recentes efetuadas ao longo das rodovias BR-376, entre Ponta Grossa e Imbaú, e PR 151, entre Piraí do Sul e Jaguariaíva revelaram, além de sítios referentes a grupos caçadores coletores, a presença de outros, ligados àquelas tradições ceramistas, inclusive à Neobrasileira (CHMYZ, 2002). Nenhuma delas, porém, forneceu datações absolutas. No Município de Castro sítios de origem indígena, excluindo-se os abrigos com pinturas, ainda não foram estudados, mas peças esparsas dessas ocupações pretéritas existem expostas em museu ou formando coleções particulares. A proto-história paranaense é caracterizada pelos primeiros contatos entre europeus e populações indígenas, principalmente os ocasionados pelas expedições ibéricas que percorreram o sistema de caminhos do Peabiru. Partindo de São Vicente, em São Paulo e Itapocu, em Santa Catarina, os expedicionários estenderam-se pelo atual Estado do Paraná e, seguindo em direção Oeste na altura de Castro, prosseguiram além do rio Paraná (Aleixo Garcia, em 1524; Pero Lobo, em 1631; e Alvar Nuñez Cabeza de Vaca, em 1541 e 1542, entre outros). O relatório da viagem de Cabeza de Vaca (1947:119), desde a Ilha de Santa Catarina até Assunção, no Paraguai, é repleto de informações sobre indígenas, especialmente dos guarani, com os quais manteve constante contato. Essa expedição, entretanto, abandonou o Peabiru nas cabeceiras do rio Cantu, um afluente do rio Piquiri e, infletindo para o Sul, passou a seguir o curso do rio Iguaçu até sua foz no rio Paraná. 18 Reinhard Maack, valendo-se do relatório resultante da expedição do mercenário alemão Ulrich Schmiedl que, entre 1552 e 1553, partindo de Assunção e descendo pelos rios Paraguai e Paraná, acessou o Peabiru nas cabeceiras do rio Cantu, prosseguindo até São Vicente, esboçou aquele sistema de caminhos, composto pelo tronco de Leste a Oeste e ramais orientados para o Norte e o Sul (1959: Fig. 16). No mesmo texto (p. 6), esse autor, baseado nas referências a aldeias dos guarani fornecidos por Cabeza de Vaca e Schmiedl, assinala a de Abapani19, na área de Castro. 18

Pesquisas desenvolvidas em 1970 e 1971 pouco a Noroeste desse ponto revelaram sítios pertencentes à tradição Itararé, vários deles ao longo de um caminho valado ainda preservado na mata (CHMYZ; SAUNER, 1971:16). Um dos sítios foi datado, revelando sua ocupação entre 1095 e 1480 d.C. Como todas apresentam margem de erro de 95 anos, que pode ser acrescentada ou diminuída à data-base, considera-se que os Itararé lá estariam antes e durante a passagem de Cabeza de Vaca. 19 Conforme Ermelino de Leão (1923:13), os índios de Abapani, cuja etimologia corresponde a “indígena das cabeceiras do rio”, viviam no território situado entre os rios Iapó e Pitangui. Nesse espaço, a cerca de 25km a Sudeste da Cidade de Castro encontra-se como uma reminiscência do acontecimento, o Distrito de Abapã.

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Durante o domínio espanhol, interrompido em 1632 pelos escravagistas bandeirantes, foi destacada a atuação de jesuítas na implantação, desde 1610, de reduções para a catequização de índios. As mais numerosas, compostas pelos guarani, situaram-se nas margens dos principais rios englobados pela Província do Guairá. Algumas, constituídas por índios Jê, registrados como gualachos, guaianás, campeiros e cabeludos, foram instaladas no vale do rio Tibagi situandose uma delas, a Redução de São Miguel, ao Norte de Ponta Grossa (CHMYZ, 1976:85). Esse episódio é fartamente documentado através de cartas ânuas e da avançada cartografia jesuítica (CORTESÃO, 1951; CARDIFF, 1936). Antonio Ruiz de Montoya, um dos principais protagonistas do projeto evangelizador no Paraná, chegou a fornecer algumas características do caminho do Peabiru (1639:68). Após a retirada dos espanhóis e o desinteresse dos portugueses pela região caracterizou-se, no restante do século XVII e nos seguintes, uma reocupação espacial pelos indígenas. Os guarani sobreviventes do jugo espanhol e da prea bandeirante, voltaram a ocupar as margens dos grandes rios que também passaram a acolher outros grupos da mesma etnia procedentes do Mato Grosso e Paraguai. Os Jê consolidaram o seu domínio no ambiente campeiro. No final do século XVIII, quando se inicia a conquista dos Campos de Guarapuava pelos portugueses, a expedição de Afonso Botelho de Sampaio e Sousa (1956; BNP PARIBAS, 2003), atesta a intensa ocupação dos Jê nos campos paranaenses. Da conquista daqueles campos no século seguinte resultaram, além das informações sobre os índios contatados no primeiro momento, outras referentes a índios presumivelmente não falantes Jê. O padre das Chagas Lima (1943:246), responsável pela catequização dos coroados reunidos em princípios do século XIX na Freguesia de Nossa Senhora de Belém, refere-se aos “bárbaros” Tac-taias do rio Piquiri, combatidos e escravizados pelos seus tutelados. Nos Campos Gerais, a ocupação portuguesa da região de Castro tem seu início esboçado na extensa sesmaria pretendida por Pedro Taques de Almeida, em 1704, a qual foi negada em razão a grande extensão de área solicitada. Na ocasião Pedro Taques recebeu somente uma sesmaria na qual estava incluída a paragem do Iapó. Posteriormente, após seu falecimento, seus familiares solicitaram áreas separadamente, obedecendo aos limites estabelecidos pela Coroa, obtendo, assim, todas as terras anteriormente pretendidas. Com a continuidade de implantação de fazendas de gado nos campos, conflitos com os índios Jê começam a ocorrer já na segunda metade daquele século. Conforme informação de Francisco Carneiro Lobo, capitão de cavalos dos Campos Gerais (citado por MACHADO, 1968:35), até 1760 os criadores de gado não haviam sido atacados por índios, mas em 1768, registraram-se seus assaltos nos “campos da Fazenda Monte Alegre, na altura de Castro”. A repetição dessas ações, inclusive ataques a tropas, motivaram represálias por parte dos fazendeiros, culminando com medidas governamentais contra suas aldeias. Em

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inventários de fazendeiros do século XVIII e início do seguinte, índios eram arrolados como “gentios de guerra”, portanto, escravos (MACHADO, 1963:15). Com o afastamento dos índios ou o seu confinamento em aldeias, cessaram os conflitos na região por volta de 1840 (POMBO, 1974:94). Na partilha das sesmarias da família de Pedro Taques, coube ao Provedor mor Timótheo Correa de Goes, enteado de Pedro Taques, a do Capão Alto (RITTER, 1980:143). Este a vendeu a Sebastião Fernandes do Rego que, por sua vez, negociou a sesmaria com João Gonçalves Figueira. Falecendo João Gonçalves Figueira, tornou-se sua proprietária a viúva Josefa de Almeida, a qual, deixando dívidas, teve sua herança executada em 1749. Adquirida pelo capitãomor José de Gois e Morais, filho de Pedro Taques de Almeida, foi vendida, em 1750 para a Ordem Carmelita de São Paulo. Nas antigas terras da sesmaria, localizadas entre os rios Iapó, Tabor e Maracanã, os carmelitas, auxiliados por escravos africanos, administraram a Fazenda Capão Alto e as sub-sedes de Cunhaporanga e Vassoral. Na primeira localidade edificaram capela em taipa-de-pilão sob o orago de Nossa Senhora do Carmo do Capão Alto, possivelmente onde a família Moraes havia erigido o Oratório de Santo Antônio. Ermelino de Leão (1926:624) menciona a existência, na sede, de casa conventual e senzala. Um memorialista de Castro também faz referência ao convento. 20 Em cada um dos três locais da propriedade, um frade administrava os currais de criação de gado e cavalgaduras, estas utilizadas principalmente nas tropas que abasteciam com seus produtos os conventos de São Paulo. Aos escravos competia, além dos trabalhos nos currais, também as atividades domésticas e agrícolas; havia, ainda, os que se dedicavam à produção de telhas. Estando a sesmaria localizada ao lado de um vau no rio Iapó, por onde passavam tropeiros e viajantes que, por ocasião de enchentes, eram obrigados a ali permanecer aguardando o abaixamento das águas. Com o passar do tempo, alguns desses transeuntes começaram a permanecer nos arredores do vau, formando grupo regular. Tal aglomeração foi desestimulada pelos carmelitas que erigiram, em 1769, uma capela consagrada a Sant’Ana em uma colina situada ao lado de outro vau do rio Iapó. Nessa paragem, com o aumento populacional surgiu, em 1774, a Freguesia de Santa Ana do Iapó e, mais tarde, em 1789, a Vila Nova de Castro. Essa vila, em 1854, foi elevada à categoria de cidade de Castro. Ignora-se quando, realmente, a paragem do Iapó começou a se formar. Ela é mencionada em documento da Câmara de Curitiba datado de 1734 e, em 1747, no Livro Tombo da Matriz de Curitiba, alegando-se que, devido à pobreza da população, nesse local não se poderia manter uma capela. Outra questão nebulosa se refere à existência, no lugar, de uma aldeia de índios Guarapuabas. Milliet de Saint-Adolphe (1845:253), ao descrever a Vila de

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Esse autor será comentado mais adiante.

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Castro na Província de São Paulo, menciona que ela “foi primitivamente uma aldeã de Indios da tribu Guarapuaba, chamada Iapó ou Hiapó”. Um memorial sobre “Capelas nas Fazendas”, constante entre as páginas 233 e 235 do Livro Tombo n° 3 de Castro, redigido por vigário não identificado e em data incerta (talvez em torno de 1920 e 1925, considerando-se os nomes de proprietários nele citados), repete a informação de Saint-Adolphe, acrescentando que, baseado em depoimentos de moradores antigos, aos religiosos carmelitas cabia a missão de catequização dos índios. O aldeamento não estava localizado na fazenda dos carmelitas, pois, como informa o memorialista, “os frades vinham do Capão Alto para rezar missa e catequizar os índios na Capela rancho, coberta com folhas de palmeira, capela esta estava (SIC) colocada bem no centro do pátio da Matriz de hoje” (p. 233, f. e v.). Esclarece este ainda que, com a criação da Paróquia administrada por outra ordem religiosa, “acabou-se a missão e o Aldeamento [e] os índios recolheram-se para os sertões” (p. 233 v.). Romário Martins (1934:28) considera que o topônimo Guarapuava é de origem guarani significando “som ou latido do guará”. O mesmo autor, em outro texto (1938:406), assinala como território desses índios os campos existentes ao Norte de Guarapuava, entre os rios Piquiri e Tibagi. Considerando-se que os campos nessa época eram ocupados por índios Jê, tradicionais inimigos dos Guarani, é possível que os Guarapuaba tenham sido deslocados de seu habitat e assentados naquela paragem para a segurança dos portugueses que a estavam formando. Embora os carmelitas por ali transitassem com tropas desde 1730, a sua atuação de ordem espiritual torna-se efetiva ao se instalarem na antiga sesmaria em 1751, passando a catequizar os índios junto à Capela de Sant’Ana por eles erigida. Em 1770 os carmelitas retiraram-se do Capão Alto, passando a propriedade a ser administrada por seus escravos que continuaram a encaminhar os produtos da fazenda para os conventos de São Paulo. Tal situação foi mantida até 1864, quando a Fazenda Capão Alto foi arrendada para empresários de São Paulo. O arrendamento incluía 270 escravos que, apesar de curta insurreição, foram quase todos deslocados para trabalhos em fazendas de café e construção de estrada de ferro naquela Província. Invalidada a transação, a fazenda foi adquirida, em 1866, por Bonifácio José Batista, o barão de Monte Carmelo. Novamente, a mão-de-obra escrava foi empregada em atividades domésticas, de pecuária e agricultura. Afastando-se da fazenda em 1878, o barão faleceu em São Paulo em 1897, nove anos após a abolição da escravatura no Brasil. O ato governamental de 1888 significou, no local, o fim de um período caracterizado pelo uso de mãode-obra escrava que perdurou por 184 anos. Como já mencionado, nas atuais pesquisas não foram detectadas evidências materiais relacionadas a caçadores-coletores ou ceramistas de origem indígena, assim como das vinculadas ao episódio da sesmaria.

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As informações históricas sobre os assentamentos daquela época em fazendas dos Campos Gerais referem-se a habitações rústicas em madeira e cobertas com sapé. Se localizadas na área da sesmaria de Pedro Taques de Almeida e seus descendentes, estando ausentes os fragmentos de telhas, delas restaria a base delimitada por solo compactado por pisoteio, associado com carvões espalhados dos fogões de chão e fragmentos de cerâmica artesanal, de objetos em metal e, eventualmente, de louças. Assim, o que se captou pode ser considerado como pertencente aos momentos em que a área foi ocupada pelos carmelitas e pelo barão de Monte Carmelo, além de objetos depositados posteriormente. Os dados obtidos por meio de cortes-experimentais e cortes-estratigráficos permitiram um diagnóstico do processo de apropriação do espaço naqueles momentos. Frisa-se, entretanto, que tal resultado restringe-se à área delimitada para a pesquisa, pois a propriedade daqueles protagonistas estendia-se além deste limite, devendo também encerrar vestígios de atividades. Os cortes-experimentais, ao mesmo tempo em que informaram sobre as características do subsolo possibilitaram, em muitos deles, a constatação de evidências arqueológicas em diversas profundidades. Verificou-se que em cortes realizados nos setores 2, 4, 5, 7 e 15, o material ocorria continuamente até 100 ou 80cm de profundidade, ao passo que em outros, executados nos mesmos setores e também no 14, incidia até 60 ou 50cm ou até 40 e 30cm de profundidade. Esses cortes localizavam-se no entorno ou nas proximidades da capela dos carmelitas e na mata, aos lados da trilha ou caminho orientado para o vau do rio Iapó. Evidências mais superficiais ainda foram detectadas esparsamente em cortes praticados no espaço arado do Setor 15, e nos referidos anteriormente. Informações de moradores antigos da região referentes à existência de cemitério nos lados ou ao Sul da Capela, não puderam ser confirmadas. Os cortes executados no entorno das suas ruínas e na parte mais elevada do Setor 15, nada revelaram nesse sentido até 150cm de profundidade. O restante desse setor necessita, ainda, de prospecções. Enterros, conforme documentos históricos ocorreram no interior da Capela; os dois cortes realizados no seu interior e próximos à sua entrada, também não forneceram indícios dessa prática. Um deles, entretanto, entre 100 e 150cm de profundidade proporcionou, juntamente com fragmentos de recipiente cerâmico artesanal e de frasco em vidro, um pedaço de taipa com engobo branco na faceta plana, um provável indicativo de acabamento da parede. Material construtivo, representado principalmente por fragmentos de telhas coloniais, de tijolos, de vidros planos de janela, argamassas de cal e cimento, além de areia, foi registrado em vários cortes na área pesquisada, mas, especialmente, aos lados das estruturas de taipa-de-pilão constituídas pelo casarão e suas senzalas; incidiam até 40 ou 30cm de profundidade, raramente até 50cm.

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Concentração de ossos de animais domésticos revelada em corte executado no Setor 1 e, também misturados com material construtivo no Setor 3, aprofundava-se até os 100cm alcançados pelas ferramentas. No Setor 13, cortes revelaram laje de terra queimada aos 30cm de profundidade. Em diversos trechos da área, como nos setores 8 e 9, na metade Leste do Setor 5 e na Sudeste do 15, os cortes praticados mostraram-se estéreis de evidências arqueológicas; porém, o solo marrom-escuro ou cinza-escuro que aprofundava-se até 80 ou 70cm, muitas vezes associado com carvões, inferia atividade antrópica. Nesses casos, assim como naqueles que forneceram material arqueológico também em meio ao solo escuro ocorria, abaixo dele, solo escuro mesclado com avermelhado formando uma camada com espessura variável; este solo, influenciado pelo superior, repousava no latossolo avermelhado ou alaranjado. Os cortes que revelaram solo avermelhado ou mesclado desde a superfície indicaram perturbação por revolvimento. Vários deles nessa situação, encerraram material arqueológico também perturbado. Um espaço afetado por terraplenagem foi representado pelo Setor 6, no qual o solo era avermelhado desde a superfície, não contendo vestígios arqueológicos. Os cortes executados nos setores 2, 4, 5, 7 e 15, que proporcionaram material arqueológico mais diversificado, inclusive restos ósseos de animais domésticos, indicaram locais de habitações. As diferentes profundidades que atingiram indicaram, por sua vez, momentos distintos de implantação: os mais profundos, a partir de 100 ou 80cm de profundidade, seguidos pelos que passaram a ocorrer algum tempo depois, a partir de 60 ou 50cm de profundidade e, finalmente, os que se instalaram mais recentemente, cujas evidências acumularam-se até 40 ou 30cm. Na maioria das vezes, nas ocupações mais profundas e nas intermediárias, o material arqueológico continuou se acumulando até quase a superfície do terreno, caracterizando a continuidade do uso do espaço. Cotejando-se os cortes próximos que apresentaram a mesma sequência ocupacional foi possível delimitar, parcialmente espaços habitacionais (Fig. 20, áreas em vermelho e azul). Alguns espaços estão representados por um corte apenas ou por vários interligados na mesma linha de perfurações, ou ainda mais distantes, englobando cortes executados em outras linhas. Os mais extensos sugerem espaços que comportavam mais de uma habitação erigida na mesma época. Tal padrão de implantação, apontado pelos cortes-experimentais, pode ser considerado como uma hipótese no momento. Sua confirmação somente poderá ser concretizada com escavações amplas, principalmente nos arredores da Capela e na área com mata.

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Entre os lixões constatados, o do Setor 1 configurou-se como um local escavado para o descarte de restos alimentares, representados por ossos de animais domésticos. As dimensões da depressão não foram definidas, mas suas evidências ultrapassavam os 100cm de profundidade atingidos pela cavadeira articulada (Fig. 20, pequeno círculo verde-claro). O segundo lixão foi registrado no terreno em declive do Setor 3, nas proximidades da área com mata. Com mais de 30m de extensão e cerca de 15m de largura, esse local foi apontado por antigo trabalhador da fazenda como depósito a céu aberto de detritos diversos, principalmente de restos orgânicos e material construtivo. Os cortes revelaram, porém, que além dos mencionados, ali estavam outros, mais antigos, como fragmentos de louças comercializadas no século XIX. Em alguns pontos, o acúmulo ultrapassava os 100cm de profundidade (Fig. 20, elipse irregular verde-claro). Canteiro-de-obra foi identificado pelos cortes realizados no entorno do casarão e suas senzalas, mas, com mais intensidade, ao Norte e a Oeste das edificações (Fig. 20, área marrom-claro). No Setor 13, os cortes evidenciaram, aos 30cm de profundidade, a superfície de uma laje resultante da ação do fogo em solo argilo-arenoso. De formato circular, com cerca de 6m de diâmetro, a periferia da laje mostrava-se menos queimada (Fig. 20, pequeno círculo marrom-claro). Situada em espaço murado e ao lado do casarão, essa estrutura, é de difícil explicação. Poderia representar a base de local utilizado para queima de recipientes cerâmicos a céu aberto. Durante as pesquisas, ainda, outras estruturas foram constatadas, embora a elas, devido à premência de tempo, pouca atenção foi dispensada. Uma delas refere-se a vestígios de trilha ou caminho valado, percebido na mata ao Norte do Setor 5, que se conecta ao até hoje utilizado para o acesso à margem do rio Iapó. Neste ponto, conforme a tradição, estaria o seu vau. Esse trecho protegido pela mata talvez esteja relacionado ao antigo caminho de tropas (Fig. 20, linha dupla tracejada em branco). A segunda estrutura refere-se a uma provável fonte situada na encosta do terreno que bordeja a várzea do rio Iapó. Essa estrutura foi parcialmente exposta, e revelando seu contorno formado por blocos irregulares de rocha e tijolos maciços. Mostrava-se perturbada existindo, nos arredores, outros blocos e tijolos espalhados (Fig. 20, ponto nominado ao lado da estrada). Pouco acima dela, no início do declive e junto ao barranco formado pela abertura de estrada ocorre um solo argiloso com muita areia, uma composição natural que se assemelha com a da matéria-prima utilizada para a construção das paredes de taipa-de-pilão da fazenda. Nos espaços abrangidos pelas pesquisas carecem, ainda, de prospecções, os trechos obstaculizados por calçamentos de pedras irregulares e de cantaria, assim como o compreendido pelo porão da casa senhorial.

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Figura 20. Localização de espaços habitacionais (em vermelho e azul), de descarte ou lixão (em verde-claro), de combustão (em marrom-escuro) e de canteiro-de-obra (em marrom-claro), na área pesquisada da Fazenda Capão Alto.

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Embora os cortes-experimentais tenham sido fundamentais para a concepção do diagnóstico arqueológico da área, especialmente para a definição dos seus espaços habitacionais pretéritos, não foram suficientes, porém, para a avaliação mais acurada dos acervos acumulados nos dois momentos da ocupação. Por esse motivo, dois cortes-estratigráficos foram praticados em pontos distintos, situando-se um deles no Setor 4 e outro no Setor 5. A escolha dos locais foi em função dos dados anteriormente fornecidos por cortes-experimentais. O primeiro, escavado em terreno com pouca declividade para o Norte, mediu 100x80cm de lados; o segundo, realizado em terreno quase plano, mediu 200cm de lados. Naquele, as evidências arqueológicas aprofundavam-se até 60cm em solo escuro, mas continuavam ocorrendo até 80cm, depositadas na concavidade de estruturas de combustão (fogões); e, neste, as evidências, também associadas ao solo escuro, chegaram até a 120cm de profundidade ou 137cm junto a fogão. Em ambos, o material arqueológico depositava-se continuamente, a partir de 5 ou 6cm, cessando ao atingir o solo avermelhado subjacente. No corte menor o solo escuro apresentava compactações aos 20cm e aos 40cm de profundidade. Sobre esses pisos, além de concentrações de peças e carvões, havia intrusões de solo cinza-escuro mesclado com o avermelhado (Fig. 10). No corte maior o solo escuro era interrompido por delgadas faixas horizontais de areia. As nove camadas de solo escuro por elas delimitadas apresentavam espessuras variando de 5 a 25cm (Fig. 11 e Foto 18). Nas bases das camadas 1, 2, 3 e 8 havia deposições de solo avermelhado junto às faixas de areia. 21 Nenhuma das estruturas de combustão constatadas nesse corte apresentava contorno de solo endurecido pela ação do fogo como as reveladas pelo corte menor; os rarefeitos blocos de rochas verificados em algumas delas, não chegavam a delimitá-las. Os dois cortes revelaram-se como espaços de habitações e, tendo-se em vista as profundidades alcançadas pelas evidências, considerou-se que a do Corte 2 tenha começado a se estruturar anteriormente à do Corte 1. O Corte 2 poderia ainda, devido à grande espessura da camada depositada ininterruptamente, corresponder a todo o período da ocupação carmelita; nas suas camadas mais superficiais estariam depositadas as evidências relativas ao período em que no sítio atuaram os serviçais do barão. No Corte 1 a habitação também teria sido implantada no período dos carmelitas, mas algum tempo após ao inicial do Corte 2; a sua camada superficial encerraria, como naquele, vestígios da época do barão.

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Apesar de o terreno ser quase plano no local do Corte 2, a existência de uma elevação mais ao Sul poderia explicar a intensa deposição de sedimentos. A ocorrência de areia entre as camadas foi interpretada como resultante de enxurradas causadas por chuvas intensas. Presume-se que, quando ocupado, o espaço abrangido pelas pesquisas era destituído de vegetação, acelerando a erosão pluvial. A constatação de estrutura habitacional ao Norte do Setor 5, situada em área hoje dominada por mata, corrobora tal suposição.

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O limitado espaço das escavações impediu conjeturas sobre as dimensões das habitações originais e, se o que se acumulou posteriormente, refere-se à sua continuidade. Algumas das camadas superpostas, principalmente as associadas com faixas de solo vermelho, poderiam estar indicando pisos de novas habitações cujas áreas coincidiriam parcialmente com as das anteriores. A incidência de faixas de areia nas junções das camadas estaria informando sobre periódicos transtornos causados por fortes enxurradas aos seus moradores e até motivando a renovação de habitações. Os dados proporcionados pelos cortes-experimentais e estratigráficos apontam para um padrão ocupacional representado por famílias nucleares vivendo em habitações agrupadas, principalmente nas imediações da Capela e junto ao caminho que conduz ao rio Iapó. A continuidade das pesquisas envolvendo prospecções nas áreas com mata e escavações amplas nos espaços habitacionais já identificados, poderá fornecer um quadro mais apurado do padrão de implantação pretérito encerrado no seu subsolo. Os dados resultantes das análises laboratoriais procedidas no material arqueológico resgatado foram importantes para o aprofundamento do conhecimento proporcionando parcialmente pelas atividades de campo. Entre as evidências analisadas, algumas se referiam a material construtivo. Fragmentos de taipa-de-mão foram comuns em vários locais que indicavam espaços habitacionais, em especial naqueles explorados pelos cortesestratigráficos. 22 Fragmentos de tijolos de adobe ocorreram nos níveis mais profundos do Corte 2, assim como de tijolos de olaria; estes incidiram desde os seus níveis inferiores até os medianos. Fragmentos de telhas coloniais estavam presentes em todos os níveis dos dois cortes, bem como em quase todos os pontos sondados na área da pesquisa. Tijolos de olaria e telhas coloniais com características mais modernas ocorreram nos níveis superficiais do terreno sondado. Nenhuma dessas evidências foi encontrada associada a estruturas arquitetônicas, mas esparsamente, e junto a outras resultantes de atividades domésticas. Os vestígios recuperados indicam que, desde o início da ocupação, as habitações eram construídas com paredes de taipa-de-mão e cobertas com telhas; seus pisos deveriam ser de chão batido. Os tijolos de adobe e os de olaria devem ter sido produzidos para compor estruturas que não foram até agora encontradas; os de olaria, talvez se destinassem à construção de fornos para a queima de objetos cerâmicos. Não se tem, no momento, uma explicação para o uso dos tijolos de adobe. As evidências artesanais mais numerosas em todas as áreas investigadas foram as assinaladas por fragmentos de recipientes cerâmicos. Representados 22

No interior da Capela um fragmento de taipa conservava engobo branco em uma faceta, inferindo que suas paredes de taipa-de-pilão tivessem esse acabamento.

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principalmente por tigelas, panelas, jarros e torradeiras de médias e pequenas dimensões (Fig. 12) 23, essas vasilhas foram elaboradas pelas técnicas acordelada e torneada. 24 Na preparação da argila para sua confecção, foram utilizados como antiplásticos, grãos de areia e de cerâmica moída, os quais, selecionados intencionalmente pelas dimensões, proporcionaram três tipos de pasta. Os recipientes resultantes tiveram sua superfície apenas regularizada e alisada ou decorada com engobo vermelho e por pinturas em branco sobre engobo vermelho e vermelho diretamente sobre a face. Os motivos das pinturas representaram faixas e linhas retas ou curvilíneas e círculos cheios formando conjuntos. Praticaram, também, decorações invasivas que, com a utilização da extremidade dos dedos, sabugos de milho, instrumentos de pontas múltiplas, estiletes e espátulas, marcavam a superfície ainda úmida dos objetos. Dessas ações resultaram decorações classificadas como escovada, penteada, corrugadas, sulcada, incisa, roletada, ponteada, aplicada, pinçada, carimbada, entalhada e canelada. Essas decorações ocorreram frequentemente de forma associada, superpondo-se ou ocupando áreas separadas no mesmo recipiente. As vasilhas que tiveram a superfície apenas alisada, constituíram três tipos simples diferenciados pelo emprego das variedades de antiplásticos mencionados acima. Um quarto tipo simples foi definido e será comentado adiante. Confeccionadas no próprio local das habitações, como atestaram os restos de pasta e de cordéis queimados, além de porções de tabatinga e depósito de argila constatados nas escavações, as peças foram queimadas a céu aberto e em fornos. Com exceção dos pintados, os demais recipientes costumam mostrar marcas de queima posterior. O enegrecimento superficial, frequentemente acompanhado por fuligem, aponta para a sua utilização direta ao fogo no preparo de alimento. Grande parte das técnicas decorativas apresentadas pelas vasilhas tem, a partir das ocorrências mais antigas, persistência temporal (Quadro 1). Mas, algumas diferenças existem, com relação a técnicas de confecção. O torno-deroda, por exemplo, começa a ser utilizado para a produção de vários recipientes encontrados desde 75cm de profundidade no Corte 2 e de 60cm no Corte 1. Outra introdução tecnológica no contexto do sítio, foi a representada pelo quarto tipo simples que começa a ocorrer aos 65cm de profundidade no Corte 2,

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Nessa morfologia estão ausentes os recipientes carenados, um dos principais traços diagnósticos na morfologia cerâmica dos sítios de tradição Neobrasileira que inclui, como um de seus componentes, índios do tronco Tupi. 24 Durante a preparação do material cerâmico procedente dos cortes-estratigráficos, muitas vasilhas puderam ser parcialmente restauradas. A sua reconstituição completa seria possível se cortes adicionais tivessem sido praticados em continuidade. Além de contribuir para a classificação tipológica e morfológica mais segura da cerâmica, a preparação serviu para demonstrar a possibilidade de o sítio vir a fornecer peças restauradas completamente para mostra museológica.

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prosseguindo para os seus níveis superiores. Esse tipo teve a superfície alisada e banhada antes da queima, com tabatinga liquida várias vezes decantada. Muitos objetos foram modelados a partir de porções de argila temperada com as mesmas variedades de antiplásticos usados para as vasilhas. Entre eles, destacaram-se os suportes de panelas, os recipientes em miniatura, os cachimbos e as estatuetas zoomorfas. Os primeiros, de formato cilíndrico, eram utilizados como trempe para equilibrar vasilhas com base convexa ou mesmo planas durante o cozimento de alimentos. As miniaturas imitam as formas de tigelas ou panelas e poderiam representar estágio de aprendizado de filhas de oleiras. Os cachimbos, geralmente angulares, têm superfície apenas alisada ou decorada por meio de incisões, ponteios e digitações; alguns conservam, na base perfuração para que pudessem ser carregados presos ao pescoço (Fig. 13). Das estatuetas restam porções correspondentes à cabeça e o dorso de pombo (Fig. 14) 25, de cauda de animal não identificado, além de bases que suportariam estas e outras representações zoomorfas. Na face superior de uma das bases, restam porções de “pés” de possível estatueta antropomorfa. Todas essas modelagens foram engobadas de vermelho e decoradas com pinturas em branco. As modelagens zoomorfas, ao contrário das mencionadas acima e que ocorreram em quase todos os níveis escavados, somente foram registradas nos medianos e inferiores do Corte 2. As bases planas e planas em pedestal, frequentes nos recipientes, foram previamente elaboradas por modelagem, assim como as asas e as alças a eles acrescentadas. Algumas tampas com pegador também foram modeladas para cobrir a abertura (boca) de vasilhas. Fragmentos de telhas coloniais e de recipientes foram reciclados. Serviram para a regularização da superfície das peças cerâmicas antes da queima. O desgaste que a operação causou nos seus bordos, conferiu-lhes formato discóide. Os blocos de rocha encontrados junto aos fogões poderiam, como os suportes de panelas cerâmicos, ter servido também como trempes. Outros blocos e lascas de rocha apresentam sinais deixados pelo seu uso em operações de trituração, regularização de cerâmicas e afiação; em um destes, além de desgastes causados nas faces e bordas pelo acionamento de lâminas de metal, como de facas e facões, ocorrem sulcos estreitos deixados por seus gumes. Peças elaboradas para fins específicos são raras. Uma delas, procedente do Corte 2, entre 100 e 110cm, foi afeiçoada por meio de alisamento e corresponde a um fragmento de tampa em pedra sabão. Outras três foram confeccionadas em lascas de silexito. Apresentam-se retocadas marginalmente. Classificados como pederneiras, esses artefatos ocorreram no nível mais profundo do Corte 1 e, entre 20 e 30cm e 85 e 95cm, no Corte 2.

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Considerando-se a tutela carmelita dos artesãos, aventa-se a hipótese de a representação do pombo ter conotação religiosa.

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Pederneiras eram utilizadas para produção de faísca em isqueiros e armas de fogo. Documento resultante de ação policial para reprimir revolta dos escravos dos carmelitas em 1864, menciona a apreensão de “espingardas carregadas com bala”. As principais armas de fogo no período inicial das fazendas eram as garruchas e espingardas de curto alcance, geralmente de municiar pela boca e que incluíam pederneiras nos seus mecanismos. 26 Os numerosos restos alimentares revelados pelas escavações referem-se, principalmente, aos relacionados à fauna doméstica. Os ossos que puderam ser identificados apontam para bovinos e suínos. Ocorreram associados às estruturas de combustão, ou formando depósitos aos seus lados. Apesar de serem frágeis e estarem fragmentados, diversos destes ossos conservam marcas de uso de facas, facões e machados no processo de esquartejamento e descarne. Não se constatou seccionamento por serra em nenhum osso. Predominando nos níveis médios e inferiores dos cortes, essas evidências indicam que os bovinos, um dos principais produtos de comércio das fazendas dos Campos Gerais, também representaram importante fonte alimentar entre os escravos da Fazenda Capão Alto na época dos carmelitas. Diferentemente da forma que os restos alimentares foram constatados naqueles espaços habitacionais, os que ocorreram pontualmente no pátio da Sede da Fazenda caracterizam um descarte circunscrito, um procedimento de ocultação de resíduos, como um lixão posteriormente coberto. Como muitas evidências ósseas ainda dependem de identificação e classificação por especialista, ignora-se a real composição da fauna doméstica local, que incluía aves. Pelo mesmo motivo, comentários não podem ser tecidos com relação à fauna silvestre que deve ter contribuído na dieta alimentar dos ocupante da área. O rio Iapó, com suas margens alagadiças foi considerado, por Oney Borba (1986:110-Nota 47), como a “maternidade de abundante e variada fauna aquática”. Algumas evidências desta natureza puderam ser identificadas por comparação, apontando para animais terrestres como cutia e cateto, e aquático, como mandi. Vestígios ligados a práticas agrícolas, constituídos por sabugos e grãos de milho carbonizados, foram constatados em cortes-experimentais, aos 20cm e 130cm de profundidade nos setores 2 e 4, respectivamente. Os primeiros estavam relacionados a espaço habitacional atribuído à época do barão e, os últimos, a espaço habitacional antigo, do período carmelita. Além das evidências que informaram sobre o que foi produzido e utilizado localmente, os cortes-estratigráficos e experimentais forneceram outras, introduzidas na área através de comércio. Entre elas, destacam-se as louças processadas industrialmente. De procedência conhecida, as louças possibilitaram considerações de ordem cronológica relativa. 26

Evidências de munição de arma de fogo, assinaladas por esferas de chumbo com diâmetros de 5 e 8mm, foram resgatadas no Corte 2, entre 55 e 65cm de profundidade.

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Fabricadas em Portugal, louças vidradas, em faiança e meia faiança, foram registradas nos níveis médios e inferiores do Corte 2; o Corte 1 revelou faianças apenas nos seus níveis médios. A louça em porcelana do gênero Swaton, constatada nos níveis médios e inferiores do Corte 2, é originária da China e foi como as anteriores, comercializada por Portugal no Brasil Colonial. As louças em faiança fina, produzidas na Inglaterra, somente começam a integrar o cotidiano da população a partir da abertura dos portos brasileiros para as nações amigas em 1808. Exemplares dessa louça, com suas variações Creamware, Pearlware e Whiteware, foram constatados nos níveis superiores do Corte 2 e, em profundidades equivalentes em vários cortes-experimentais. A fabricação das variedade Pearlware e Whiteware foi iniciada em 1810 e 1820, respectivamente. A Creamware foi produzida entre 1780 e 1815. Verifica-se, portanto, que nas camadas formadas durante o período carmelita as louças correspondem àquelas comercializadas por Portugal. É possível, porém, que algumas louças em faiança fina também tenham sido utilizadas pelos escravos dos carmelitas pouco antes da sua transferência para São Paulo. Mas, é predominante durante a ocupação posterior. A louça vidrada que ocorre nos níveis superiores do Corte 2 tem características diferenciadas em relação às registradas mais profundamente. No Brasil, a louça vidrada começa a ser produzida no século XIX e talvez, a encontrada nas camadas superficiais do sítio, possa ter essa procedência. A louça em porcelana, também captada nos níveis superiores do Corte 2, não pertence ao gênero Swaton, e pode estar relacionada à produção nacional. Louças fabricadas em olaria, com acabamento superficial simples ou recobertas por película preta ou vermelha, ocorreram até 55cm de profundidade no Corte 2. A introdução dessa cerâmica não artesanal coincide, na história do sítio, com o momento em que se constatou o início do uso do torno-de-roda e a prática de impermeabilização da cerâmica artesanal com emulsão de tabatinga decantada. Somente um fragmento de garrafa em louça grés foi encontrado na área do sítio. Encontrava-se no interior da Senzala 1, aos 10cm de profundidade. A louça grés é originária da Inglaterra, começando a se difundir no Brasil após 1808. As evidências vítreas, assinaladas principalmente por frascos em vários tons de verde e algumas vezes de azul ou marrom, foram encontrados desde os níveis mais profundos do Corte 2 e nos superficiais do Corte 1. Ocorreram também nessas profundidades em vários cortes-experimentais. Correspondem, em geral, a frascos de pequenas e médias dimensões nos níveis medianos e profundos do Corte 2. Nas ocorrências mais superficiais, são referentes a frascos maiores, como garrafas e garrafões. Os mais antigos foram produzidos manualmente por meio de sopro, às vezes com a utilização de moldes; seriam importados. Os mais recentes, moldados, incluem copos e taças translúcidos, inclusive de cristal. Vidros planos e translúcidos, utilizados em janelas, estavam nos níveis superiores do Corte 2 e em níveis pouco profundos de cortes-experimentais,

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principalmente nas proximidades das estruturas de taipa-de-pilão da Sede da Fazenda. Foram ainda constatados em trechos perturbados da área, juntamente com evidências de natureza construtiva; nestes casos, atingem profundidades maiores. A única peça vítrea relacionada a adorno, uma “pedra” de anel, foi registrada no Corte 2, entre 55 e 65cm de profundidade; tem cor azul. Artefatos elaborados em ferro ocorreram em quase todos os níveis do Corte 2 e, as em cobre, nos seus níveis medianos e profundos. No Corte 1, as peças em cobre foram raras, incidindo apenas no nível superficial e no profundo. Artefatos em chumbo, comentados acima, foram registrados somente na porção mediana do Corte 2. Os cravos em ferro foram mais numerosos nos níveis medianos do corte e pouco representados nos superiores e nos inferiores. Outras evidências em ferro, como facas, ferrolho, elo de corrente e placas, incidiram nos níveis médios e inferiores (Fig. 16). O cravo registrado no nível mais superficial estava acompanhado por prego, arames e placas, também em ferro, mas pouco intemperizados por serem mais recentes. A peça em cobre que incidiu no nível mais superficial do Corte 1 correspondia a uma cápsula de arma de fogo central deflagrada e, a do seu nível mais profundo, a um percevejo. Entre as evidências em cobre do Corte 2, destacaram-se uma possível guarnição de canastra e um broche (Fig. 17); as demais, referiam-se a cilindro e placas delgadas, todos oxidados. Embora a fundição de ferro tenha sido experimentada desde o século XVI no Brasil 27, a sua efetivação com técnicas mais avançadas somente acontece no século XIX. Até então, quando necessário, a produção de objetos cabia a ferreiros, à partir de sucatas trazidas da Europa. Referências documentais mencionam que os fazendeiros dos Campos Gerais se valiam de barras de ferro com até duas arrobas para efetuar consertos em suas ferramentas. Na Fazenda Capão Alto, em 1770, ferreiro produzia objetos em ferro, entre os quais “pregos” grandes e pequenos que chegaram a ser comercializados para o conserto de canoas no Porto de São Bento, no rio Tibagi (LOPES, 2004:58). Em vários pontos da área da Fazenda atingida pelos cortes, foi frequente a ocorrência de fragmentos de laterita e de pesados blocos de escória (ou canga), estas com o mesmo aspecto externo das escórias registradas nos assentamentos espanhóis dos séculos XVI e XVII no Paraná. Apesar de as escórias da Fazenda ainda dependerem de análises especializadas, a sua presença, associada à laterita, poderia representar a prática de fundição de ferro nos Campos Gerais, na segunda metade do século XVIII. 27

Em vilas espanholas e reduções jesuíticas instalados no Paraná entre os anos de 1557 e 1610, ocorrem escórias de fundição de ferro, indicando a produção de objetos com essa matéria-prima.

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Riad Salamuni (1969:124) considera que minérios de ferro assinalados no Paraná por hematita, itabirita e limonita, são passíveis de fundição. Caso a hipótese da escória não seja confirmada pelas análises que deverão ser realizadas, as evidências assim classificadas provisoriamente, podem representar cangas ou brechas ferruginosas, que, conforme Kavaleridze (1978:114), corresponderiam a última etapa no esquema evolutivo do solo laterítico. Considerando-se pertinente ao presente caso, menciona-se o sítio MG 81, escavado na margem direita do rio Araguari, no Triângulo Mineiro, que revelou bases de quatro habitações agrupadas incluindo, nas proximidades, base circular alterada pela queima de recipientes. As evidências arqueológicas recuperadas até 60cm de profundidade ou 92cm junto a fogões, são em grande parte similares às do período carmelita na Fazenda. Implantado entre a segunda metade do século XVIII e a primeira do XX, esse sítio mineiro agregou escravos africanos, os responsáveis pela produção da cerâmica artesanal (CEMIG, 2001:402).

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CONSIDERAÇÕES SOBRE EDUCAÇÃO PATRIMONIAL As atividades voltadas à Educação Patrimonial têm como propósito ressaltar a importância da preservação dos bens culturais. Através delas a comunidade tem acesso ao conhecimento de seu passado e a trajetória histórico/cultural em que está inserido, valorizando-o e respeitando-o. A pesquisa arqueológica permite o conhecimento sobre os vestígios materiais remanescentes e tem papel importante na sua proteção, tanto naquelas que permitem restauração construtiva, como nas que se mostram em ruínas, pois continuam a representar um documento testemunhal da história. Entre seus objetivos destacamos: - Conduzir, através de bases sólidas, à percepção, análise e comparação dos objetos expostos, levando a população a compreender, através de seus aspectos tecnológicos, políticos, econômicos, sociais e culturais, a sua importância ao refletir a sua cultura; - Desencadear um processo de aproximação da população ao patrimônio, à memória e ao bem cultural, fixando o conhecimento sobre o patrimônio e implantando uma consciência patrimonial; - Possibilitar às crianças e adultos a apropriação de um processo ativo de conhecimento e valorização dos bens culturais, capacitando-os para melhor uso desses bens; - Propiciar a produção de novos conhecimentos. Visando atingi-los, quando estruturado o projeto, atividades voltadas à Educação Patrimonial foram previstas, sendo a primeira, a elaboração de uma Cartilha pedagógica sobre a Arqueologia pré-histórica e histórica da região, focando a importância da sua preservação. Assim, obedecendo ao cronograma de trabalho proposto, Cartilha sobre Preservação e Conservação do Patrimônio Cultural foi elaborada. Editada pela empresa Núcleo de Mídia e Conhecimento (NMC), responsável pela implantação do projeto, foi distribuída a professores e membros da Secretaria de Educação, os quais visitaram a área em 16 de dezembro de 2014 (Fotos 53, 54 e 55). Exemplares foram entregues, também, à Secretaria de Educação para serem distribuídos aos professores das escolas do município. A Cartilha foi disponibilizada, ainda, no endereço eletrônico: http://issuu.com/nmconhecimento/docs/cartilha_patrimonio_07.01.15.

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Foto 53. Distribuição da Cartilha aos membros da Secretaria de Educação de Castro, após palestra proferida pelo coordenador do projeto (Foto: Angela Gomes).

Foto 54. Informações complementares Foto 55. Informações complementares prestadas aos membros da Secretaria de prestadas aos membros da Secretaria de Educação de Castro (Foto: NMConhecimento). Educação de Castro (Foto: Roseli Ceccon).

No dia 17 de dezembro de 2014 a Fazenda Capão Alto recebeu a visita técnica do Superintendente do IPHAN no Paraná, José La Pastina Filho, e da Coordenadora do Patrimônio Cultural da Secretaria da Cultura do Paraná, Rosina Coeli Alice Parchen, para acompanhamento do processo arqueológico e a definição de novas estratégias para o Espaço Cultural (Foto 56).

Foto 56. Visita do Superintendente Regional do IPHAN e da Coordenadora do Patrimônio Cultural da SEEC-PR (Foto: NMConhecimento).

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Durante a execução das atividades de campo, grupos de estudantes de escolas de ensino fundamental e médio dos municípios de Castro, Ponta Grossa, Sapopema, Abapã e Apucarana, abaixo relacionadas, visitaram a Fazenda. Os grupos receberam explicações sobre o trabalho desenvolvido, a ocupação dos Campos Gerais, a importância da restauração e preservação da Fazenda Capão Alto, as medidas que se pretende adotar para seu uso futuro e a importância do local como Patrimônio Cultural. Registram-se, principalmente: - Escola Estadual Major Vespasiano Carneiro de Mello, do Município de Castro, do 1º ano fundamental, em 05 de dezembro de 2014 (Fotos 57 e 58);

Foto 57. Visita monitorada dos alunos da Escola Estadual Major Vespasiano Carneiro de Mello (Foto: Roseli Ceccon).

Foto 58. Visita monitorada dos alunos da Escola Estadual Major Vespasiano Carneiro de Mello (Foto: Roseli Ceccon).

- Colégio Sapopema, do Município de Sapopema, de ensino médio, em 05 de dezembro de 2014 (Fotos 59 e 60);

Foto 59. Visita monitorada dos alunos do Colégio Sapopema (Foto: Roseli Ceccon).

Foto 60. Visita monitorada dos alunos do Colégio Sapopema (Foto: Roseli Ceccon).

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- Colégio São Francisco, do Município de Ponta Grossa, de ensino fundamental, em 7 de novembro de 2014 (Fotos 61 e 62);

Foto 61. Visita monitorada dos alunos do Colégio São Francisco (Foto: Angela Gomes).

Foto 62. Visita monitorada dos alunos do Colégio São Francisco (Foto: Angela Gomes).

- Colégio Estadual Padre José de Anchieta, do Município de Apucarana, reunindo alunos do ensino médio relativos ao 1º, 2º e 3º anos, em 9 de dezembro de 2014 (Fotos 63 e 64);

Foto 63. Visita monitorada dos alunos do Colégio Estadual Padre José de Anchieta (Foto: Roseli Ceccon).

Foto 64. Visita dos alunos do Colégio Estadual Padre José de Anchieta (Foto: Roseli Ceccon).

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- Escola Municipal Santo Lazarini da Silva, do Município de Abapã, do 4º ano do ensino fundamental, em 9 de dezembro de 2014 (Fotos 65 e 66);

Foto 65. Visita monitorada dos alunos da Escola Municipal Santo Lazarini da Silva (Foto: Roseli Ceccon).

Foto 66. Visita monitorada dos alunos da Escola Municipal Santo Lazarini da Silva (Foto: Roseli Ceccon).

- Colégio Elo Sagrado, do Município de Carambeí, da 6ª série, em 4 de março de 2015 (Fotos 67 e 68);

Foto 67. Visita monitorada dos alunos do Colégio Elo Sagrado (Foto: Roseli Ceccon).

Foto 68. Visita monitorada dos alunos do Colégio Elo Sagrado (Foto: Roseli Ceccon).

Por ocasião das pesquisas, dois outros grupos visitaram a Fazenda: um de Paranaguá, composto por pessoas da terceira idade e, outro, formado por deficientes visuais do Instituto Sorriso Negro dos Campos Gerais:

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- Grupo Girassol da Melhor Idade, do Município de Paranaguá, em 30 de novembro de 2014 (Fotos 69 e 70);

Foto 69. Visita de integrantes do Grupo Girassol da Melhor Idade (Foto: Angela Gomes).

Foto 70. Visita de integrantes do Grupo Girassol da Melhor Idade (Foto: Angela Gomes).

- Instituto Sorriso Negro dos Campos Gerais, em conjunto com a APADEVI, em 30 de novembro de 2014 (Fotos 71 e 72).

Foto 71. Visita de integrantes do Instituto Sorriso Negro dos Campos Gerais (Foto: Angela Gomes).

Foto 72. Visita de integrantes do Instituto Sorriso Negro dos Campos Gerais (Foto: Angela Gomes).

Além da visita técnica do Superintendente do IPHAN-PR e da Coordenadora do Patrimônio Cultural da SEEC-PR, já mencionada, outra, representada por Alessanda Spitz Guedes Alcoforado Lourenço, responsável pelo Setor de Arqueologia do IPHAN-PR, ocorreu em 4 de março de 2015 (Fotos 73 e 74).

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Foto 73. Visita técnica de Alessandra Lourenço, do Setor de Arqueologia do IPHANPR (Foto: Roseli Ceccon).

Foto 74. Visita técnica de Alessandra Lourenço, do Setor de Arqueologia do IPHAN-PR (Foto: Thomas Parrili).

Visitantes individuais ou formando pequenos grupos familiares também receberam a atenção dos pesquisadores, obtendo informações sobre a história e arqueologia do local (Fotos 75 e 76).

Foto 75. Koob Peter, proprietário da Fazenda Capão Alto, inteirando-se dos resultados da escavação em andamento (Foto: Roseli Ceccon).

Foto 76. Grupo familiar da vizinhança observando o desenvolvimento dos trabalhos de sondagem e escavação (Foto: Gisele Luísa Swiech).

Além dessas atividades, matérias foram veiculadas em rede social, na página da Fazenda Capão Alto https://www.facebook.com/FazCapaoAlto, no site http://fazendacapaoalto.com.br e, através de reportagem para a RPC TV transmitida no dia 02 de janeiro com a chamada: historiadores e arqueólogos fazem raio x na Fazenda Capão Alto. Em julho de 2015, artigo sobre o trabalho foi publicado na Revista Sant’ana nº 0, com fins de divulgação das ações realizadas no espaço da Fazenda Capão Alto.

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A equipe participou, ainda, da 13ª Semana Nacional de Museus, realizada sob a égide do Instituto Brasileiro de Museus, com a palestra proferida no dia 22 de maio de 2015 pelo coordenador dos trabalhos na Fazenda Capão Alto. As atividades fizeram parte do seminário sobre Patrimônio Histórico e Cultural como Ferramenta para a Sustentabilidade, que contou com cinco palestrantes, todos ligados à área de preservação e curadoria de bens culturais (Fotos 77 e 78).

Foto 77. Palestra proferida pelo coordenador do projeto em evento sediado na Fazenda (Foto: NMConhecimento).

Foto 78. Ouvintes e participantes do evento realizado nas dependências da Fazenda (Foto: Roseli Ceccon).

Nessa ocasião, ainda, foi inaugurada uma exposição com peças representativas do acervo arqueológico resgatado. Dispostas sequencialmente, as evidências informam aos visitantes sobre a sua temporalidade, composição diversificada e as inovações tecnológicas introduzidas neste contexto desde a primeira ocupação humana captada pelas escavações (Foto 79).

Foto. 79. Exposição provisória de peças arqueológicas resgatadas durante as pesquisas (Foto: Roseli Ceccon).

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Através dessas atividades o grupo procurou repassar à comunidade o valor e a importância de resgatar sua história e, levar à compreensão de sua trajetória histórico/cultural. A visita dos alunos dos ensinos fundamental e médio permitiu, também, enriquecer a educação formal, ao possibilitar o contato direto de alunos e professores com a execução de ações sobre o patrimônio arqueológico, conteúdo ausente nos programas escolares.

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Cópias em Xerox consultadas na Coordenadoria do Patrimônio Cultural do SECC, em Curitiba.

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CERTIDÃO DE TRANSMISSÃO (18 de setembro de1944) de imóvel por Evangelina Prates a Vicente Fiorillo. Registro de Imóveis. Castro. Livro de Transcrição das Transmissões nº 3-C, fls. 67v. Subscrita por Albino Schultz em 27 de junho de 1988.* CORRESPONDENCIA DO GOVERNO DA PROVINCIA (20 de setembro de 1864). Ap. nº 190, p. 243/245. ** ESCRITURA DE COMPRA E VENDA (23 de junho de 1866) que faz como vendedor Frei José Damazio de San Vicente Ferreira, Visitador Apostólico da Província Carmelita Fluminense, nesta por seu procurador o Alferes Amantino José Borges da fazenda denominada Capão Alto, ao comprador o tenente Coronel Bonifácio José Baptista. Registro de Imóveis, Castro. Livro de notas nº 27, fls. 90/93. Subscrita por Guilherme Alfredo Kiel, Primeiro Tabelião, Escrivão do Cível, Órfãos e mais Anexos, em 04 de março de 1941.* ESCRITURA DE DIVISÃO AMIGÁVEL (28 de janeiro de 1977) que entre si fazem a Sra. Adelina Casella Mora, seu marido e outros. Tabelionato Menarim. Livro nº 2, Registro Geral, Castro. Subscrita por Nei Hamilton Menarim em 17 de fevereiro de 1977.* ESCRITURA PÚBLICA (16 de setembro de 1944) de compra e venda que faz Da. Evangelina Prates Baptista Madureira, ao Snr. Vicente Fiorillo. Registro de Imóveis. Castro. Livro de notas nº 79, fls. 95v a 98v. Subscrita por Albino Schultz em 27 de junho de 1988.* LIVRO DE CORRESPONDÊNCIAS (5 de novembro de 1866) enviadas pelo Ministério dos Negócios da Fazenda à presidência da província do Paraná durante o ano de 1866. Consulta das Secções dos Negócios do Império e Justiça do Conselho d’Estado acerca dos contractos feitos por Ordens Religiosas. Códice PB001. SGO358.240.** LIVRO DE CORRESPONDÊNCIA DE AUTORIDADES (14 de maio de 1864). Códice 0531, p. 11 a 15.** LIVRO DE REGISTRO DE CORRESPONDÊNCIAS (30 de janeiro de 1867). enviadas pelo Ministério dos Negócios do Império à presidência da província do Paraná. Códice PRPB001.SGO375.140.** LIVRO TOMBO Nº 3. p. 233v, 234 f/v, 235f/v. Arquivo de Castro.**

**

Cópias manuscritas consultadas no Museu do Tropeiro, em Castro.

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LIVRO DE TRANSCRIÇÃO DAS TRANSMISSÕES (19 de julho de 1943). No Livro 3-A, fls. 12v e 13 consta a transcrição de uma casa na cidade de Castro e da Fazenda Capão Alto a Evangelina Prates Baptista Madureira do espolio do Dr. Javert Madureira e de Contrato de Compra e Venda datado de 15 de março de 1941, pelo qual Evangelina Madureira vendeu ao Sr. Francisco Telles as madeiras situadas no quinhão Campo da Estrepe e venda e demais porções de terras. Registro de Imóveis. Castro. Subscrita por Albino Schultz em 15 de junho de 1988.* TERMO DE ARREMATAÇÃO (24 de maio de 1751) da fazenda descripta por dous contos de reis por Jose Goes de Moraes. Registro de Títulos e Documentos. 2º ofício. Castro. Subscrita Jonas Borges Martins em 17 de abril de 1941.*

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RECOMENDAÇÕES Representando um dos marcos históricos mais importantes do processo de ocupação dos Campos Gerais do Paraná, a Fazenda Capão Alto possui grande potencial científico, educativo e cultural a ser explorado. Preservando, também, área com patrimônio natural representado por capões de mata que abriga a fauna silvestre, o espaço da Fazenda guarda importante legado histórico-cultural ao conservar, em seu subsolo, evidências da ocupação negra que ali permaneceu durante um período de quase cento e cinquenta anos. Com primórdios no século XVIII, a história da área da Fazenda Capão Alto, no entanto, apresenta lacunas em seus registros históricos, como o do episódio das Sesmarias, que poderão ser esclarecidas através do desenvolvimento de trabalhos de arqueologia. Nesse sítio arqueológico histórico, o passado ressurge através dos vestígios de sua ocupação a partir de meados do século XVIII, estendendo-se até o início do século XX. Está representado pelo vasto material arqueológico obtido por meio das pesquisas realizadas, pois a presença de fragmentos de louças, vidros, objetos em ferro e cobre, ossos de animais domésticos e silvestres, cerâmica artesanal africana, de materiais construtivos como tijolos e telhas apontam para padrões de comportamento, econômicos e sociais diferentes e separados temporalmente e, enfatizado nas edificações do casarão compostas por construções dos séculos XIX e XX e, pelas ruínas das paredes da antiga Capela de Santo Antônio edificada no século XVIII. Considerando-se as informações secundárias etno-históricas, as arqueológicas levantadas pelo presente estudo, o caráter particular de ocupação que a área encerra com a permanência da população negra nesse espaço sem a tutela direta do branco e, a ligação com o ciclo tropeiro representado pelo caminho do Viamão que, da mesma forma não foi ainda estudado sistematicamente, depreende-se o alto valor histórico-cultural que a área da Fazenda Capão Alto representa. A continuidade dos trabalhos na área poderá remeter o período de ocupação a um tempo mais distante representado por grupos indígenas ceramistas citados nos relatos históricos deixados pelos primeiros povoadores da região e, pré-ceramistas, encontrados nos Campos Gerais como demonstrado por pesquisas arqueológicas efetuadas anteriormente. Os estudos realizados a partir dos levantamentos de campo e laboratório forneceram um conjunto significativo de elementos que possibilitaram a caracterização dos bens arqueológicos associados à Fazenda Capão Alto e a sua associação ao contexto histórico e ambiental, e evidenciaram que o patrimônio arqueológico encerrado na área mostra-se preservado, tanto em superfície como no subsolo.

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Para sua salvaguarda, recomendam-se as seguintes ações: • A proteção do espaço da Fazenda Capão Alto através da criação de uma Unidade de Conservação, ou a sua incorporação a uma já existente; • A recuperação das instalações correspondentes à Casa Senhorial e seus anexos, uma vez que deverá abrigar o museu local. Este trabalho deverá contar com um projeto de adequação do espaço físico ao uso museológico. A metodologia museológica a ser utilizada deverá ser delineada pela adoção de linguagem clara, didática e acessível permitindo a interação dos visitantes com a informação; • O uso do entorno do museu como sítio arqueológico, sendo utilizado concomitantemente para o trabalho técnico-científico de pesquisa, educação e visitação pública orientada de acordo com os padrões estabelecidos pelo IPHAN; • A proteção das ruínas da antiga Capela de Santo Antônio para evitar ação erosiva causada por aves (Foto 80), pássaros e animais silvestres. Como o espaço já é protegido por um telhado, sugere-se, no momento, a colocação de uma tela com malha fina que limite o acesso dos animais ao local. No desenvolvimento dos estudos, a área da antiga capela poderá ser exposta e suas paredes solidificadas, ficando à mostra para visitação;

Foto 80. Pavões abrigando-se da chuva sob as ruínas da Capela de Santo Antônio (Foto: Roseli Ceccon).

• Continuidade das pesquisas arqueológicas de forma intensiva, objetivando a formação de um corpo de conhecimento acabado sobre a ocupação humana na região. Ressalta-se, nesse ponto, a importância desses estudos, uma vez que a área abriga remanescentes de ocupação negra com longa abrangência temporal. Essa ocupação representa, para a arqueologia paranaense, oportunidade única de estudos uma vez que as informações sobre os

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assentamentos africanos no Estado são bastante fragmentadas. A continuidade das pesquisas permitirá, além da reconstituição do modo de vida da população negra local, suas condições socioeconômicas e cotidianas, o estabelecimento de uma morfologia de sua cerâmica utilitária, a qual possibilitará a realização de estudos comparativos com coleções provenientes de pesquisas efetuadas por outros pesquisadores não só do Estado do Paraná como de outros estados brasileiros e da própria África, podendo ser estabelecidas conexões entre os grupos africanos dos campos gerais com os demais; • Execução de pesquisa no solo e subsolo do “porão” da Sede da Fazenda Capão Alto; • Mapeamento das porções ainda não topografadas das estruturas arquitetônicas encontradas em subsuperfície e a exposição dessas estruturas para fins museológicos; • A realização de prospecções nas áreas de mata e de uso agrícola, as quais não puderam ser efetuadas na presente etapa; • A relocação da estrada vicinal de acesso a instalações da Cooperativa Agropecuária Castrolanda, a qual corta a área do sítio arqueológico histórico em sua parte leste (Foto 81). A constante passagem de veículos e pedestres expõe o sítio arqueológico a danos abrangentes desde o abalo de estruturas causados por transportes pesados como caminhões, como pela própria curiosidade dos transeuntes que, inadvertidamente poderão mexer em áreas não estudadas relocando evidências, podendo ocasionar, dessa forma, uma leitura errônea por parte dos pesquisadores.

Foto 81. Afloramento de fragmentos de recipiente cerâmicos em trecho erodido do leito da estrada vicinal macadamizada (Foto: Luis da Silva).

• A paralisação das atividades agrícolas na porção leste do sítio onde, segundo informações, situava-se o cemitério da fazenda. A continuidade dessas atividades ocasionarão, ainda mais, o revolvimento do solo arqueológico, destruindo-o.

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• Acompanhamento, por arqueólogos, de toda e qualquer obra de infraestrutura que venha a ser implantada na área, como melhoria de acessos, instalações de recepção, museus, banheiros, mirantes, etc.; • Vistoria periódica nas estruturas de taipa-de-pilão da Casa Senhorial e seus anexos objetivando a remoção de arbustos e o reparo de porções do revestimento danificados (Fotos 82 e 83); • Estudos para o desenvolvimento de produtos ecoturísticos, dando ênfase aos recursos naturais e histórico-arqueológicos da região;

Foto 82. Desenvolvimento de arbusto em fresta de parede de taipa-de-pilão (Foto: Igor Chmyz).

Foto 83. Estrutura de taipa-de-pilão parcialmente exposta devido ao descascamento do revestimento protetor (Foto: Angela Gomes).

• Organização de exposições museológicas fixas e itinerantes, com a utilização do material arqueológico obtido nas escavações; • Realização de palestras sobre a história e a arqueologia da região e preparação de material informativo a ser distribuído aos visitantes; • Elaboração de cartilhas sobre a história e a arqueologia da região voltados para professores, alunos e comunidade em geral; • Organização de um centro de recepção de visitantes a ser instalado na área, conforme os locais designados pelo plano de manejo; • Elaboração de programas interpretativos destinados ao público, voltados à compreensão das relações homem-meio ambiente, da ocupação humana (história e pré-história) e da arqueologia; • Execução de atividades de educação patrimonial arqueológica, histórica e ambiental focando a importância de sua preservação. A cultura material, objeto

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de estudo da arqueologia, fornece grande potencial educativo promovendo a reapropriação e a construção da memória e da identidade local; • Elaboração de meios audiovisuais que permitam aos visitantes visualizar o período histórico e o ambiente da época da fazenda, utilizando-se de maquetes, painéis, peças teatrais, montagem de “aldeia indígena”, etc.; • Desenvolvimento de atividades ao ar livre como caminhadas em trilhas interpretativas, filmagens e fotografia que não perturbem o ambiente natural; • Contratação de zoólogo, preferencialmente especialista em mamíferos, para diagnósticos laboratoriais com o material ósseo obtido nas escavações; • Contratação de zoólogo para levantamento da fauna existente e, de estabelecimento de medidas para controle da população de lagartos que, sem predadores naturais, se multiplicam na área e afetam outras espécies; • Contratação de botânico para levantamento da flora existente e elaboração de planos de manejos para utilização da área sem agressão ao meio ambiente; • Ampliação dos estudos bibliográficos com realização de abordagens no Arquivo Público de São Paulo e no Arquivo da Ordem Carmelita em São Paulo objetivando a obtenção de novas informações sobre o assentamento carmelita na área. Ressalta-se, ainda, a importância do estabelecimento dos setores destinados à visitação pública controlada tanto voltada ao patrimônio histórico/arqueológico, como ao patrimônio natural e, de outros destinados à preservação integral e a pesquisas futuras como: Espaço das estruturas arquitetônicas que poderá compreender os subsetores: a) subsetor de testemunho: área considerada de valor inestimável, representativa das ruínas tanto em superfície quanto no subsolo, bem como do meio ambiente associado. Objetiva manter o testemunho arqueológico e ambiental para gerações futuras, onde deverá ser vedado o acesso ao público, permitindo-se somente a intervenção científica de caráter inovador, ou indispensável para dirimir dúvidas arqueológicas, sendo privilegiadas as intervenções por métodos não destrutivos;

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b) setor de pesquisa: áreas não preparadas para a visitação sendo negado, à princípio, o acesso do público. Deverá ser permitida somente a intervenção de pesquisa arqueológica sistemática visando seu estudo científico; c) setor de desenvolvimento extensivo: poderá compreender duas áreas: uma, apresentando cobertura vegetal ampla e, outra, com solo exposto, com estruturas arqueológicas bem visíveis e de caráter didático. Nelas a visitação só deverá ser permitida por meio de trilhas ou passarelas, confeccionadas de forma que não promovam feições erosivas no solo, podendo ser destinadas também à educação ambiental, desde que respeitada a capacidade de suporte desses ambientes; d) setor de desenvolvimento intensivo: que deverá compreender uma área amostral, coberta por grama ou gramíneas baixas, permitindo a visualização das estruturas arqueológicas em superfície. Seu direcionamento deverá ser voltado para atividades com enfoque científico e educacional, propiciando ao público o conhecimento e a interpretação dos valores histórico-culturais da área como um todo. Este setor poderá ainda conter áreas amostrais, preparadas por profissionais qualificados, sob a forma de “museu ao ar livre” para a exposição de porções de paredes e material arqueológico, desde que sejam observados métodos específicos de conservação e restauração, como consolidação de estruturas, coberturas para proteção das intempéries, passarelas suspensas, entre outros. Devido ao seu uso, deverá ter monitoramento constante e respeitada a sua capacidade de suporte; e) setor de preservação do subsolo: correspondente à área com indícios de ruínas e material arqueológico preservado apenas no subsolo. Este setor poderá ser reservado à pesquisa científica ou se destinado ao público, não deverá haver intervenção no subsolo. Nele poderão ser instaladas maquetes, réplicas e cenários destinados a recriar parte das atividades exercidas pelos seus moradores. Setor de entorno: representada pelas áreas de entorno da Fazenda com presença de material arqueológico em superfície e em profundidade, de caráter móvel, correspondente a aldeamentos e locais com outros tipos de habitação, com maior ou menor grau de perturbação, algumas passíveis de salvamento arqueológico para a instalação de obras de infraestrutura para a visitação e, outras, que poderão ser destinadas à recriação de aldeamentos indígenas situados no entorno, se constatados. A aplicação dessas medidas obedece ao plano gestor para o patrimônio arqueológico, o qual deve contemplar Objetivos Primários no sentido de preservação do sítio arqueológico, sua pesquisa científica, estudo e a educação, e Objetivos Secundários, através do incentivo do desenvolvimento regional

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mediante a utilização do sítio arqueológico para fins educativos e turísticos e da promoção de atividades econômicas para as comunidades locais. Esses objetivos deverão ser alcançados por meio do desenvolvimento de Programas de Manejo específicos representados pelo Programa de Proteção e Pesquisa, Programa de Uso Público e Programa de Educação Patrimonial e seus subprogramas, de acordo com o esboçado na Figura 1. OBJETIVOS DE MANEJO

Primários

Secundários

Preservar o sítio arqueológico favorecendo a pesquisa científica, o estudo e a educação, protegendo-o e ao seu entorno.

- Incentivar o desenvolvimento regional mediante a utilização do sítio para fins educativos e turísticos; - Promover alternativas econômicas para as comunidades locais, com base na valoração do Patrimônio Cultural e Ambiental da Fazenda Capão Alto.

PROGRAMAS DE MANEJO

Programa de Proteção e Pesquisa

Programa de Uso Público

SubProgramas

SubProgramas

- Pesquisa e avaliação; - Recuperação e conservação; - Controle e monitoramento.

- Planejamento eco turístico; - Manejo de sítios para visitação; - Infraestrutura e manutenção.

Programa de Educação Patrimonial

SubProgramas - Valoração e divulgação; - Oficinas de educação; - Resgate da memória oral; - Oficina de interpretação; - Formação de guias locais.

Figura 1: Objetivos e Programas de Manejo indicados para a Fazenda Capão Alto (extraído e adaptado de BROCHIER, 2006).

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Concluindo, o patrimônio arqueológico, entendido como um recurso frágil, não renovável e integrado ao espaço que ocupa representa, além de seu valor cultural, também potencial econômico se incorporado ao sistema social local, desde que atendidas medidas de proteção. Além dos novos conhecimentos científicos advindos das pesquisas arqueológicas, a conservação dos recursos naturais, o sentimento de valorização e pertencimento em relação à população regional, a recuperação de material arqueológico inédito e de alto potencial museológico e expositivo, a promoção de atividades educacionais através de programas de educação patrimonial, a divulgação da Fazenda Capão Alto a nível regional e nacional como Centro Cultural e Preservacionista constitui fator positivo para a associação de fontes de financiamento para o empreendimento. Constituindo uma prática comum em diversos países, o aproveitamento do patrimônio arqueológico representa, também, uma fonte de recursos financeiros. A utilização do patrimônio com finalidade turística gera diferentes atividades econômicas, divisas, empregos e pode ser utilizado em parte como estratégia para o desenvolvimento de uma localidade ou região. A valorização do patrimônio arqueológico por meio de projetos que busquem a conservação e sua exposição de forma controlada e a adoção de mecanismos de visitação monitorada, através do turismo arqueológico, podem auferir recursos que poderão ser revertidos para a sua conservação de forma sustentável e também incentivar a sua proteção, além de transformá-los em produtos turísticos de qualidade para o usufruto das comunidades onde se inserem e por turistas (VELOSO; CAVALCANTI, p. 157, 2007).

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