Diagnóstico etno-ambiental da Terra Indígena Ivaí - Pr

June 5, 2017 | Autor: Lucio Tadeu Mota | Categoria: Etnohistoria, Antropología, Territorialização, Kaingang, Kaingang indigenous
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Descrição do Produto

DIAGNÓSTICO ETNO-AMBIENTAL DA TERRA INDÍGENA IVAÍ - PR Lúcio Tadeu Mota (Org.)

ISBN 85-89764-01-X

Programa Interdisciplinar de Estudos de Populações - Laboratório de Arqueologia, Etnologia e EtnoHistória / Universidade Estadual de Maringá

DIAGNÓSTICO ETNO-AMBIENTAL DA TERRA INDÍGENA IVAÍ - PR

UNIVERSIDADE ESTADUAL DE MARINGÁ REITOR Gilberto Cesar Pavanelli VICE-REITOR Ângelo Aparecido Priori CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES Sezinando Luiz Menezes PROGRAMA INTERDISCIPLINAR DE ESTUDOS DE POPULAÇÕES - LABORATÓRIO DE ARQUEOLOGIA ETNOLOGIA E ETNO-HISTÓRIA Luís Felipe Viel Moreira

EQUIPE EXECUTORA DO PROJETO Prof. Dr. Lúcio Tadeu Mota Coordenador Geral Responsável pela Área de História Prof. Drª. Kimiye Tommasino Responsável pela Área de Antropologia Prof. Dr. Marcos Rafael Nanni Responsável pela Área de Pedologia, Hidrologia, Geomorfologia, Uso e Ocupação das Terras Dr. João Batista Santos Responsável pelas Áreas de Fauna e Flora Prof. Dr. Issa Chaibem Jabur Responsável pela Área de Geologia Prof. Dr. Jonas Teixeira Nery Responsável pela Área de Climatologia Prof. Ms. Isabel Cristina Rodrigues Coordenação das Reuniões e Workshop Prof. Drª. Cláudia Neto do Valle Coordenação da Produção de Material Didático Bilingüe

Dados Internacionais de Catalogação-na-Publicação (CIP) (Biblioteca Central - UEM, Maringá – PR., Brasil) D536

Apoio

Diagnóstico etno-ambiental da Terra Indígena Ivaí-PR [arquivos de dados legíveis por máquina]/ coordenador geral Lúcio Tadeu Mota. -- Maringá : Programa Interdisciplinar de Estudos de Populações - Laboratório de Arqueologia, Etnologia e Etno-História/UEM, 2003. 1 CD-ROM ; il. Color , tabs., gráfs., mapas, fots. ; 1/86 pol. Vários autores Originalmente apresentado como relatório de projeto de pesquisa. 1. Índios Kaingang – Diagnóstico sócio-ambiental. 2. Terra indigen Ivaí-PR – Diagnóstico sócio-ambiental. I. Mota, Lúcio Tadeu. CDD 21.ed. 980.4

Fundo Nacional do Meio Ambiente Convênio Processo Nº 02000.00 9103/01-50

Programa Interdisciplinar de Estudos de Populações Propostas de investigação interdisciplinar tornaram-se corriqueiras no meio acadêmico brasileiro nas últimas duas décadas, todavia, ações efetivamente interdisciplinares continuam bastante raras. Muitos pesquisadores procuram explorar questões e noções advindas de diferentes áreas, mas por trabalharem isolados, não tem como evitar momentos de confusões conceituais ou de superficialidade na coleta, na organização e na análise dos dados. Uma das alternativas para superar tais situações reside na prática coletiva interdisciplinar, ou seja, diferentes pesquisadores concorrendo para o diálogo comum a partir de suas competências específicas. Assim, o Programa Interdisciplinar de Estudos de Populações - Laboratório de Arqueologia, Etnologia e Etno-história se propõe a pesquisar as relações dos povos não-ocidentais entre si e com as sociedades envolventes no âmbito do cone sul americano, e a divulgar os resultados dessas pesquisas, entendendo que dessa forma podemos contribuir com significativos aportes para o desenvolvimento científico.

Editor Lúcio Tadeu Mota Comissão Editorial – PIEP/UEM

Conselho Editorial

Claudia Netto do Valle

Adriana Schmidt - UFRS

Francisco Silva Noelli

Deyse Lucy Montardo - UFSC

Isabel Cristina Rodrigues

Fabíola Andréa Silva – MAE/USP

José Cândido Stevaux

Gilmar Arruda - UEL

José Henrique Rollo Gonçalves

Jorge Eremites - UFMS

Marcos Rafael Nanni

Kimiye Tommasino - UEL

Rosângela Célia Faustino

Nelson Dacio Tomazi - UEL

Thomas Bonnici

Pedro Paulo Abreu Funari - UNICAMP

Luis Felipe Viel Moreira

Ricardo Cid Fernandes - UFPR

Organizador Lúcio Tadeu Mota

DIAGNÓSTICO ETNO-AMBIENTAL DA TERRA INDÍGENA IVAÍ - PR

Maringá PIEP-LAEE/UEM 2003

Copyright @ by Lúcio Tadeu Mota Capa de:

Lúcio Tadeu Mota Índia Kaingang da Terra Indígena Ivaí com seu filho. Foto de Darcy Dias de Souza

Organização Editoração

Lúcio Tadeu Mota [email protected] - [email protected] Silvia Meneguette Silveira Maria Ioshie Yamada Amarildo Vicentini Maria Luiza Sandri Meneguetti

Editoração eletrônica Gravação e duplicação do CD

André Luiz Scarate e Luiz Carlos Altoé Bruhmer Cesar Forone Canonice

Direitos exclusivos para esta edição: Programa Interdisciplinar de Estudos de Populações Laboratório de Arqueologia, Etnologia e Etno-História / Universidade Estadual de Maringá Av. Colombo 5790, Bloco G-45, CEP 87020-900 Maringá – Pr Fone (44) 2614670 www.uem.br/~lae [email protected]

PIEP-LAEE/UEM – 2003 – 1ª edição Produzido no Brasil

ISBN 85-89764-01-X Deposito legal nº 89764

SUMÁRIO

APRESENTAÇÃO GERAL .................................................................................................. 12 PARTE I - A ETNO-HISTÓRIA, A CARACTERIZAÇÃO CULTURAL, ORGANIZAÇÃO SOCIAL, ECONÔMICA E DEMOGRÁFICA DOS KAINGANG DA TERRA INDÍGENA IVAÍ ............................................................................................................... 17 APRESENTAÇÃO .............................................................................................................................. 18 CAPÍTULO I - A HISTÓRIA DOS KAINGANG NO VALE DO RIO IVAÍ – PR. ................................... 20 1

INTRODUÇÃO ....................................................................................................................... 20

2

OS XETÁ E OS KAINGANG NO VALE DO MÉDIO IVAÍ NO SÉCULO XIX............................................................................................................................24

3

OS PRINCIPAIS GRUPOS KAINGANG ESTABELECIDOS NO VALE DO IVAI NO SÉCULO XIX.............................................................................................. 36

3.1

OS EMÃ DE ENXOVIA........................................................................................................... 36

3.2

OS CACIQUES FELICIANO, FELISBINO E OS EMÃ DE BARRA VERMELHA................... 38

3.3

O CACIQUE PAULINO ARAK-XÓ, O EMÃ DE PORTEIRINHA E OS SEUS EMÃS NO VALE DO IVAÍ ............................................................................. 41

3.4

OS GRUPOS DOS CACIQUES BANDEIRA, GREGÓRIO, HENRIQUE E OUTROS QUE VIERAM DOS TERRITÓRIOS A OESTE DO RIO IVAÍ.................. 54

4.

OS KAINGANG NO MÉDIO IVAÍ NO SÉCULO XX, AS SUCESSIVAS DEMARCAÇÕES E A PERDA DE SEUS TERRITÓRIOS....................................... 64

4.1.

TERRA INDÍGENA FAXINAL ................................................................................................ 72

4.2.

TERRA INDÍGENA IVAÍ......................................................................................................... 72

CAPÍTULO II - CARACTERIZAÇÃO

CULTURAL,

ORGANIZAÇÃO

SOCIAL

E

ECONÔMICA DA COMUNIDADE INDÍGENA IVAÍ .................................................. 80 1.

REVISÃO BIBLIOGRÁFICA .................................................................................................. 80

1.1.

PERÍODO DE 1900 A 1960 ................................................................................................... 80

1.2.

PERÍODO PÓS 1960 ............................................................................................................. 82

2.

ASPECTOS FUNDAMENTAIS DA ORGANIZAÇÃO SOCIAL KAINGANG.......................... 85

CAPÍTULO III - DIAGNÓSTICO DA SITUAÇÃO SÓCIO-CULTURAL E ECONÔMICA DA TERRA INDÍGENA IVAÍ ............................................................................................ 91 1.

A INSTITUCIONALIZAÇÃO DA DEPENDÊNCIA.................................................................. 91

2.

CARACTERIZAÇÃO DA POPULAÇÃO: DEMOGRAFIA E TERRITORIALIDADE .............................................................................................. 93

2.1.

A POPULAÇÃO DA T.I. IVAÍ: UMA POPULAÇÃO JOVEM..................................... 93

2.2.

A ESPACIALIDADE KAINGANG NA T. I. IVAÍ: OS RESULTADOS DA POLÍTICA DE CONCENTRAÇÃO DA POPULAÇÃO .............................................. 95

2.3.

ESTRUTURA SOCIAL DA COMUNIDADE: CACIQUE E LIDERANÇA ................ 106

3.

ECONOMIA INDÍGENA E OS RECURSOS DA NATUREZA ................................ 107

3.1.

WÃXI – (TEMPO ANTIGO): O TEMPO DE ABUNDÂNCIA................................... 108

3.1.1 MANEJO DA TERRA E DOS RECURSOS NATURAIS ......................................... 108 3.1.2

A CAÇA E A COLETA ........................................................................................... 109

3.1.3

A PESCA ...............................................................................................................110

3.1.4

A ROÇA ANTIGA................................................................................................... 110

3.1.5

O KIKIKOI, OS BAILES ......................................................................................... 111

3.2.

URI – (O TEMPO ATUAL): A CHEGADA MACIÇA DOS FÓG (BRANCOS) E O SURGIMENTO DA DEPENDÊNCIA.......................................... 112

3.2.1

OS KAINGANG FORAM A CURITIBA DENUNCIAR A INVASÃO DE SUAS TERRAS E PEDIR PROVIDÊNCIAS .......................................................... 112

3.2.2

NARRATIVAS SOBRE O GOVERNO DO SPI: O CHEFE DE POSTO CECI E O SISTEMA DO “PANELÃO”................................................................................................... 113

3.2.3

A ECONOMIA ATUAL ........................................................................................... 114

3.2.4

SAZONALIDADE E CALENDÁRIO ....................................................................... 127

3.2.5

COMPREENSÃO ECOLÓGICA E CONHECIMENTO TRADICIONAL ................. 130

3.2.6

RELIGIÃO E CICLOS DE FESTAS ....................................................................... 136

3.3.

A SAÚDE NA TERRA INDÍGENA IVAÍ................................................................................ 142

3.3.1

ATENDIMENTO MÉDICO E ODONTOLÓGICO ................................................... 146

3.4.

A EDUCAÇÃO NA T.I. IVAÍ ................................................................................................. 150

3.4.1

A EDUCAÇÃO ESCOLAR E A OBRIGATORIEDADE DA ESCOLARIZAÇÃO NA T.I. IVAÍ ................................................................................................................................ 150

3.4.2

A SITUAÇÃO DOS ALUNOS QUE CHEGAM À ESCOLA DA T. I. IVAÍ............................. 152

3.5.

A QUESTÃO DA TERRA....................................................................................... 158

3.5.1

O CONSENSO SOBRE A INSUFICIÊNCIA DA TERRA ....................................... 158

3.5.2

PESSOAS DE FORA DA COMUNIDADE QUE TRABALHAM/CIRCULAM PELA T. I. IVAÍ ............................................................................................................................... 159

3.5.3 OS INVASORES: PESSOAS NÃO AUTORIZADAS QUE ENTRAM NA T. I. IVAÍ PARA CAÇAR, PESCAR, COLETAR FRUTAS, PALMITOS E RETIRAR LENHA ................................................................................................. 160

3.6.

CONCLUSÕES ..................................................................................................................... 160

CENSO ATUALIZADO DA POPULAÇÃO DA T. I. IVAI ORGANIZADO POR FAMÍLIAS ............... 164 PARTE II - CARACTERIZAÇÃO GEOMORFOLÓGICOS,

FÍSICA

(ASPECTOS

HIDROLÓGICOS,

GEOLÓGICOS,

PEDOLÓGICOS,

USO

E

OCUPAÇÃO DO SOLO, APTIDÃO AGRÍCOLA E CLIMÁTICOS) DA TERRA INDÍGENA IVAÍ................................................................................................. 195 APRESENTAÇÃO............................................................................................................................. 196

CAPITULO I - ASPECTOS GEOLÓGICOS DA TERRA INDÍGENA IVAÍ ........................ 197 1.

GEOLOGIA REGIONAL ........................................................................................ 197

1.1.

FORMAÇÃO SERRA GERAL................................................................................ 197

1.2.

ÁREA DE ESTUDO ............................................................................................... 200

1.2.1. GEOLOGIA E COMPORTAMENTO GEOLÓGICO ............................................... 200 1.2.2. EVOLUÇÃO DO MANTO DE INTEMPERISMO .................................................... 203 1.3.

EXPRESSIVIDADE ECONÔMICA-GEOLÓGICA DA T.I. IVAÍ.............................. 203

1.4.

REFERÊNCIAS ..................................................................................................... 203

CAPÍTULO II – ASPECTOS GEOMORFOLÓGICOS DA T.I. IVAÍ................................... 205 1.

CARACTERIZAÇÃO DA PAISAGEM DA ÁREA DE ESTUDO.............................. 205

1.1.

RELEVO................................................................................................................. 205

2.

REFERÊNCIAS...................................................................................................... 212

CAPÍTULO III – ASPECTOS HIDROLÓGICOS DA T.I. IVAÍ ........................................... 214 1.

CARACTERIZAÇÃO.............................................................................................. 214

2.

REFERÊNCIAS ..................................................................................................... 221

CAPÍTULO IV – ASPECTOS PEDOLÓGICOS DA T.I. IVAÍ ............................................ 222 1.

INTRODUÇÃO ....................................................................................................... 222

2.

DISTRIBUIÇÃO DAS CLASSES DE SOLOS NA ÁREA DE ESTUDO.................. 222

3.

CARACTERÍSTICAS ANALÍTICAS GERAIS ......................................................... 225

4

UNIDADES DE SOLOS ......................................................................................... 228

4.1

UNIDADE LATOSSOLO VERMELHO ALUMINOFÉRRICO TÍPICO .................... 228

4.2

UNIDADE LATOSSOLO VERMELHO ALUMINOFÉRRICO HÚMICO – LVAH...................................................................................................................... 232

4.3

UNIDADE LATOSSOLO VERMELHO ALUMINOFÉRRICO TÍPICO + CAMBISSOLOS HÁPLICOS ALUMÍNICOS .......................................................... 233

4.4

UNIDADE LATOSSOLO VERMELHO ALUMINOFÉRRICO TÍPICO + NEOSSOLOS LITÓLICOS ALUMÍNICOS.............................................................. 234

4.5

UNIDADE LATOSSOLO VERMELHO DISTROFÉRRICO TÍPICO ........................ 234

4.6

UNIDADE CAMBISSOLOS HÁPLICOS + NEOSSOLOS LITÓLICOS ALUMÍNICOS + AFLORAMENTOS DE ROCHA..................................................... 238

4.7

UNIDADE LATOSSOLO VERMELHO EUTROFÉRRICO TÍPICO .......................... 242

4.8

UNIDADE

LATOSSOLO

VERMELHO

EUTROFÉRRICO

CHERNOZÊMICO + NEOSSOLO LITÓLICO CHERNOZÊMICO ........................... 243 5.

REFERÊNCIAS ...................................................................................................... 243

CAPÍTULO V – USO ATUAL E APTIDÃO AGRÍCOLA DAS TERRAS DA T.I. IVAÍ....... 245 1.

USO ATUAL........................................................................................................... 245

2.

APTIDÃO AGRÍCOLA DAS TERRAS .................................................................... 248

2.1.

NÍVEL DE MANEJO A ........................................................................................... 248

2.2.

NÍVEL DE MANEJO B ........................................................................................... 248

2.3.

NÍVEL DE MANEJO C ........................................................................................... 248

2.4.

NÍVEIS DE APTIDÃO AGRÍCOLA DA T.I. IVAÍ ..................................................... 250

2.5.

PROPOSTAS PARA O ADEQUADO USO DA TERRA DA T.I. IVAÍ..................... 257

2.5.1. UTILIZAÇÃO INADEQUADA DE ALGUMAS ÁREAS SEM APTIDÃO PARA USO AGROSSILVOPASTORIL .................................................................. 258 2.5.2. ESTABELECIMENTO DE CICLOS DEGRADATÓRIOS DO MEIO FÍSICO E BIOTA, NA BUSCA DE ÁREAS MAIS PRODUTIVAS PARA ESTABELECIMENTO DE ROÇAS COLETIVAS (COMUNITÁRIAS) E/OU INDIVIDUAIS.......................................................................................................... 259 2.5.3. ÁREAS COM APTIDÃO REGULAR OU RESTRITA PARA USO AGRÍCOLA

SENDO

CONDUZIDAS

SEM

A

DEVIDA

TÉCNICA,

TORNANDO O SISTEMA VULNERÁVEL À DEPRECIAÇÃO FÍSICA, QUÍMICA E BIOLÓGICA DAS TERRAS................................................................ 260 2.5.4. ÁREAS COM APTIDÃO BOA PARA CULTURAS ANUAIS E PERENES SUBEXPLORADAS, DEVIDO AO BAIXO NÍVEL TECNOLÓGICO ADOTADO ............................................................................................................. 261 2.5.5. BAIXA

PRODUTIVIDADE

DAS

LAVOURAS,

DECORRENTE

DO

MANEJO INADEQUADO DOS RECURSOS SOLO E ÁGUA ............................... 262 2.5.6. SISTEMA DE EXPLORAÇÃO DE MONOCULTURAS, COM OBJETIVOS DE COMERCIALIZAÇÃO E, PORTANTO, LUCRO SEM A DEVIDA PREOCUPAÇÃO COM A IMPLANTAÇÃO DE CULTURAS PARA O ABASTECIMENTO DA RESERVA ........................................................................ 263 2.6.

CONCLUSÃO ........................................................................................................ 263

2.7.

REFERÊNCIAS...................................................................................................... 264

CAPÍTULO VI – ASPECTOS CLIMÁTICOS DA T.I. IVAÍ................................................. 265 1.

INTRODUÇÃO ....................................................................................................... 265

2.

METODOLOGIA .................................................................................................... 266

3.

DESCRIÇÃO GERAL DO CLIMA REGIONAL....................................................... 267

4.

CARACTERIZAÇÃO DAS PRINCIPAIS VARIÁVEIS CLIMÁTICAS...................... 268

4.1.

CHUVA................................................................................................................... 268

4.2.

EVENTOS EXTREMOS......................................................................................... 269

4.3.

BALANÇO HÍDRICO .............................................................................................. 274

4.4.

CONSIDERAÇÕES TÉCNICAS ............................................................................ 275

4.5.

A PERCEPÇÃO INDÍGENA SOBRE O CLIMA...................................................... 276

5.

REFERÊNCIAS...................................................................................................... 278

PARTE III – DESCRIÇÃO DOS ASPECTOS PRINCIPAIS DA COBERTURA VEGETAL E DA FAUNA EXISTENTES NA TERRA INDÍGENA IVAÍ.......................................... 279

APRESENTAÇÃO ............................................................................................................. 280 CAPÍTULO I – ASPECTOS DA COBERTURA VEGETAL DA T.I. IVAÍ .......................... 282 1.

INTRODUÇÃO ....................................................................................................... 282

2.

CARACTERIZAÇÃO FITOGEOGRÁFICA DA ÁREA ............................................ 282

2.1

ECÓTONO COM A FLORESTA ESTACIONAL .................................................................. 285

3.

A VEGETAÇÃO DA T.I. IVAÍ ................................................................................. 287

3.1

ÁREAS DE ABANDONO RECENTE ................................................................................... 287

3.2

FLORESTA EM ESTÁGIO INICIAL DE SUCESSÃO.......................................................... 289

3.3

FLORESTA EM ESTÁGIO MÉDIO DE SUCESSÃO........................................................... 290

3.4

FLORESTA EM ESTÁGIO AVANÇADO DE SUCESSÃO .................................................. 291

4.

REPRESENTATIVIDADE DA ÁREA NO PROCESSO DE CONSERVAÇÃO DA BIODIVERSIDADE............................................................................................................... 292

4.1

A DEVASTAÇÃO DA FLORESTA NO PARANÁ................................................................. 292

4.2

REFLEXOS AMBIENTAIS DA FRAGMENTAÇÃO DE HABITATS..................................... 294

5.

RECOMENDAÇÕES............................................................................................................ 296

6.

REFERÊNCIAS.................................................................................................................... 297

CAPÍTULO II – ASPECTOS DA FAUNA SILVESTRE DA T.I. IVAÍ ................................................. 302 1.

INTRODUÇÃO ..................................................................................................................... 302

2.

CARACTERIZAÇÃO BIOGEOGRÁFICA E REGIONAL DA ÁREA .................................... 303

3.

RESULTADOS, DISCUSSÃO E PROPOSTAS .................................................................. 303

3.1.

FATORES RELACIONADOS À COMUNIDADE INDÍGENA: HISTÓRICO LOCAL ............ 303

3.1.1

ORNAMENTAÇÃO E CAÇA DE SUBSISTÊNCIA .............................................................. 303

3.1.2

CULTIVOS DE MONOCULTURAS E CRIAÇÕES DE ANIMAIS DOMÉSTICOS............... 306

3.1.3

SANEAMENTO BÁSICO, EDUCAÇÃO AMBIENTAL E IMPACTOS NA FAUNA SILVESTRE LOCAL............................................................................................................. 307

3.1.4

FAUNA SILVESTRE AMEAÇADA DE EXTINÇÃO OCORRENTE NA REGIÃO E AS CAUSAS DE AMEAÇA .................................................................................................. 307

3.1.5

CAUSAS DE AMEAÇA DIRETA: A CAÇA .......................................................................... 317

3.1.6

CAUSAS DE AMEAÇA INDIRETAS.................................................................................... 319

4.

PROPOSTAS....................................................................................................................... 320

5.

REFERÊNCIAS.................................................................................................................... 321

VOCABULÁRIO ZOOLÓGICO ......................................................................................................... 324 ANEXOS – ANÁLISES...................................................................................................................... 333

APRESENTAÇÃO GERAL

O projeto Gestão Ambiental na Terra Indígena Ivaí – Paraná, aprovado pelo Fundo Nacional do Meio Ambiente, em atendimento ao Edital nº 06/2001, em convênio com a Universidade Estadual de Maringá, Processo nº 0200.009103/2001-50, resultou no Diagnóstico Etno-Ambiental, ora apresentado. A Terra Indígena Ivaí é uma das dezenove áreas indígenas existentes hoje no Paraná, e foi homologada pelo Decreto nº 377 de 14/04/91, e demarcada administrativamente (DOU, 26/12/91), Reg. CRI em Pitanga, Comarca de Laranjeiras do Sul (3.652 ha). Matr. 17.489, Liv. 2 RG, fl. 1, em 07/02/92. Reg. CRI de Manoel Ribas, Comarca de Ivaiporã (3.654 ha), Matr. 25.752, s/Liv., fl. 01. Reg. SPU Cert. 10 em 02/08/94. A área que já foi de 36.000 hectares aproximadamente, cuja posse e usufruto o artigo nº 216 da Constituição Federal de 1946 assegurava, foi reduzida para 7.200 hectares com o acordo datado de 12 de maio de 1949. Antigamente ela era denominada “Toldo Ivaí” mais tarde essa denominação foi substituída por Posto Indígena “Cacique Gregório Kaeckchot” durante alguns anos, em homenagem ao cacique que prestou serviços à administração do S.P.I., Na comunidade Ivaí vivem hoje cerca de 287 famílias de Kaingang num total de 1085 pessoas. As famílias dessa comunidade vivem da agricultura, artesanato, rendas de aposentadoria e salários de alguns de seus componentes. A comunidade possui plantações de soja e milho além da lavoura de arroz cultivado pelo sistema familiar. Através da atividade artesanal, de responsabilidade das mulheres, são fabricados cestos, balaios e outros artigos de taquara, que são vendidos na cidade da região ou trocados por artigos e alimentos, que necessitam para consumo doméstico e que são adquiridos na cidade de Manoel Ribas, distante três quilômetros da sede da aldeia. O Diagnóstico Etno-Ambiental apresenta-se em três partes: A primeira, dividida em três capítulos, aborda a história dos Kaingang no vale do rio Ivaí e da T.I. Ivaí e seu entorno; a caracterização cultural e organização social e econômica e o diagnóstico da situação sócio-cultural e econômica da Terra Indígena Ivaí. A segunda parte trata da caracterização física da área. Dividida em cinco capítulos, ocupa-se dos levantamentos geológicos, geomorfológico, uso e ocupação do solo, rede hidrográfica e aspectos climáticos.

13

A terceira parte busca descrever os principais aspectos da cobertura vegetal e da fauna existentes na T. I. Ivaí.

TERRAS INDÍGENAS DO PARANÁ Existem no Estado, aproximadamente 9.015 Indígenas, habitando 85.264,30 hectares de terra. Esta área está distribuída em 17 terras abrigando as etnias Kaingang, Guarani e seis remanescentes do povo Xetá. Terras Indígenas Palmas

Aldeias Sede, Vila Alegre

Mangueirinha

Tribos Kaingang

População

Municípios

650

Palmas-PR e Abelardo Luz-SC Chopinzinho, Mangueirinha e Coronel Vivida

Sede, Paiol Queimado, Kaingang Fazenda, Palmeirinha, Guarani Água Santa e Mato Branco Rio das Cobras Sede, Campo do Dia, Kaingang Taquara, Pinhal, Lebre, Guarani Trevo, Papagaio e Vila Xetá Nova Ocoy Sede Guarani Marrecas Sede e Campina Kaingang Xetá Ivaí Sede, Laranjal e Bela Kaingang Vista Rio D’Areia Sede Guarani Faxinal Sede e Casulo Kaingang Queimadas Sede, Aldeia do Campo Kaingang Mococa Sede e Gamelão Kaingang Apucaraninha Sede, Toldo, Vila Nova Kaingang e Barreiro Barão de Sede, Cedro e Pedrinha Kaingang Antonina São Jerônimo da Sede e Guarani Kaingang Serra Guarani Xetá Laranjinha Sede Guarani Pinhalzinho Sede Guarani Ilha da Cotinga Sede Guarani *Guaraqueçaba Sede Guarani Tekoha – Añetetê Sede Guarani

1.617

TOTAL

9.015

*Área não Regularizada Fonte: FUNAI - 1995

2.263

Nova Laranjeiras Espigão Alto do Iguaçu

e

Área (Ha) 2.944,00 17.308,07

18.681,98

172 385

São Miguel do Iguaçu Turvo e Guarapuava

231,88 16.538,58

877

Manoel Ribas e Pitanga

7.306,34

51 450 355 79 662

Inácio Martins Cândido de Abreu Ortigueira Ortigueira Londrina

1280,56 2.043,89 3.081,00 848,00 5.574,00

395

São Jerônimo da Serra

3.751,00

375

São Jerônimo da Serra

1.339,00

303 88 68 62 163

Santa Amélia Tomazina Paranaguá Guaraqueçaba Diamante do Ramilândia

284,00 593,00 824,00 861,00 1.744,70

Oeste

e

85.235,030

14

LOCALIZAÇÃO DAS TERRAS INDÍGENAS NO PARANÁ

1

Reserva indígena Ocoí

2

Reserva indígena Rio das Cobras

3

Reserva indígena Mangueirinha

4

Reserva indígena Palmas

5

Reserva indígena Marrecas

6

Reserva indígena Ivaí

7

Reserva indígena Faxinal

8

Reserva indígena Rio D'Areia

9

Reserva indígena Queimadas

10

Reserva indígena Apucaraninha

11

Reserva indígena Barão de Antonina

12

Reserva indígena São Jerônimo da Serra

13

Reserva indígena Laranjinha

14

Reserva indígena Pinhalzinho

15

Reserva indígena Ilha da Cotinga

16

Reserva indígena Mococa

17

Reserva indígena Tekoha-Añetetê OBS.: Existem grupos dispersos em locais não demarcados

Fonte: Assessoria Indígena do Paraná, SEMA - Pr. Adaptado por Lúcio T Mota.

15

LOCALIZAÇÃO GEOGRÁFICA DA TERRA INDÍGENA IVAÍ – PR

Fonte: Marcos R. Nanni

16

TERRAS KAINGANG NO SUL DO BRASIL

PARTE I A ETNO-HISTÓRIA, A CARACTERIZAÇÃO CULTURAL, ORGANIZAÇÃO SOCIAL, ECONÔMICA E DEMOGRÁFICA DOS KAINGANG DA- TERRA INDÍGENA IVAÍ

APRESENTAÇÃO

O presente diagnóstico etno-ambiental foi realizado na Terra Indígena Ivaí (T.I. Ivaí), localizada nos municípios de Manoel Ribas e Pitanga no estado do Paraná no período de junho a dezembro de 2002. Esta parte do diagnóstico referese à pesquisa histórica, etnográfica, sócio-econômica e demográfica da área. Utilizou-se para realização da pesquisa fontes bibliográficas, documentais e da pesquisa de campo junto àquela comunidade. O diagnóstico foi estruturado em três capítulos: no primeiro tratamos da história da presença dos Kaingang na região e suas relações com a sociedade envolvente desde meados do século XIX; no segundo apresentamos as especificidades socioculturais dos Kaingang sobre cosmologia, organização social, parentesco e economia tradicional; e no terceiro a caracterização cultural, organização social e econômica e apresentamos as sugestões para a resolução dos problemas sócio-ambientais diagnosticados durante a pesquisa. Para a elaboração deste diagnóstico foi utilizada a combinação de pesquisa de fontes históricas e antropológicas com a pesquisa etnográfica de campo. A pesquisa de campo foi realizada no período de junho a outubro de 2002. A metodologia de trabalho para realização deste diagnóstico foi conforme a apresentada no projeto. Realizamos um workshop com a comunidade indígena no início dos trabalhos de campo e apresentamos o trabalho de caracterização cultural, econômica e social que seria realizado na comunidade. Com a comunidade definimos os colaboradores indígenas que atuariam com a equipe de antropologia, quais as informações que coletaríamos junto à comunidade com ênfase nas suas características culturais e atividades sociais e econômicas.

19

A equipe também definiu os principais itens da pesquisa bibliográfica e documental sobre a T.I. Ivaí em arquivos da FUNAI e outras instituições, e elaboramos os instrumentos de coleta de informações para o trabalho de campo conforme definido no workshop com a comunidade indígena e na metodologia proposta por William MILLIKEN. Realizado a primeira etapa do trabalho – coleta de informações – a equipe preparou um relatório preliminar da história da área, das atividades sócio-culturais e econômicas da Terra Indígena Ivaí e apresentou o mesmo para avaliação da comunidade. Feitas as observações nesse segundo workshop foi elaborado o presente diagnóstico.

CAPÍTULO I

A HISTÓRIA DOS KAINGANG NO VALE DO RIO IVAÍ – PR. Lúcio Tadeu MOTA** A interação entre meio ambiente e história é sempre dinâmica, um intercâmbio constante entre fatores geográficos (hidrologia, geologia, pedologia, clima, flora e fauna) e forças políticas, econômicas e demográficas.***

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INTRODUÇÃO

As recentes pesquisas lingüísticas sobre os grupos Jê no sul do Brasil apontam para sua chegada na região em torno de 2.000 anos antes do presente. Irvine Davis e Aryon Rodrigues colocam os Kaingang no conjunto das línguas Akwén (Xakriabá, Xavante, e Xerente) e os Xokleng relacionados com Kayapó, Kren-akarorê, Suya e Timbira, todos localizados no Brasil Central. Greg Urban, também ancorado em estudos lingüisticos afirma que os Kaingang e Xokleng teriam iniciado sua migração em direção ao sul nesse momento, há uns 3 mil anos1 Apesar de ainda não sabermos o momento preciso da chegada dessas populações ao sul do rio Paranapanema, e nem as causas de sua separação das outras populações de língua Jê que habitavam os planaltos entre as nascentes dos rios São Francisco e Araguaia, no Brasil central, estabelece-se a forte hipótese de que os Kaingang e Xokleng tiveram suas origens no Brasil Central e migraram para o sul. Do ponto de vista da arqueologia alguns estudos apontam as tradições ceramistas Itararé, Casa de Pedra e Taquara como os ancestrais das populações Jê no sul

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Professor no Departamento de História da Universidade Estadual de Maringá-PR, Doutor em História pela UNESP-Assis, e pesquisador no Programa Interdisciplinar de Estudos de Populações - Laboratório de Arqueologia, Etnologia e Etnohistória da Universidade Estadual de Maringá PR. [email protected] e [email protected]. Parte desse relatório contou com a colaboração de Lúcia Gouveia Burato, aluna no programa de pós-graduação em Educação da UEM, Eder Novak e Simone Jacomini, alunos de graduação no curso de História da UEM.

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Cf. Thomas E. SHERIDAN. Os limites do poder: a ecologia política no Império Espanhol no Grande Sudoeste. Caderno Debates, 2. Rio de Janeiro : IPHAN, 1994.

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URBAN, Greg. A história da cultura brasileira segundo as linguas nativas. In: CUNHA, Manuela Carneiro da (Org.) História dos índios no Brasil. São Paulo, Cia das Letras, 1998, p. 90. Ver também Proto Jê phonology. Estudos lingüisticos. Revista brasileira de lingüistica teórica e aplicada. São Paulo, v. 1, n. 2, 1966, p. 10-24. RODRIGUES, Aryon D. Línguas Brasileiras. Para o conhecimento das línguas indígenas. São Paulo, Loyola, 1986.

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do Brasil. Estudos recentes na área sugerem o abandono da utilização desses conceitos de "tradição".2 Apesar dos estudos lingüisticos e dos esforços da arqueologia e da etnohistória em buscar respostas sobre a presença pré-cabralina dos Kaingang e Xokleng no sul do Brasil muitas perguntas ainda continuam sem respostas e demandam esforços conjunto de pesquisadores na elaboração de projetos interdisciplinares que consigam trazer novas interpretações sobre a presença dessas populações Jê no Sul do Brasil. Confrontando uma série de documentos do século XIX3 eles nos dão uma clara visão sobre os territórios Kaingang entre os rios Paranapanema e Uruguai no século XIX e nos mostram que as populações kaingang ocupavam as extensas áreas cobertas de campos naturais entremeadas de bosques de araucárias. Esses vastos campos entremeados de pinheirais (araucárias) forneciam imensas quantidades de pinhões que constituía-se num dos seus principais alimentos e também dos animais que faziam parte de sua dieta. Ainda hoje podemos constatar restos desses campos e dessas florestas de araucárias em várias partes dos locais apontados por Elliot no século passado, e muitos desses locais se transformaram em áreas indígenas dos Kaingang, evidentemente observado a brutal diminuição ocorrida em seus territórios nesses séculos de guerra de conquista. Trabalhando com a hipótese de que os grupos Jê que se deslocaram do Brasil central para o sul foram ocupando regiões semelhantes as que ocupavam em seus locais de origem, podemos afirmar que após ocuparem os planaltos de cerrados entre os rios Tietê e Paranapanema eles iniciaram a ocupação dos Campos Gerais no Paraná. Esses campos se estendem desde o sul de São Paulo - região de Itapetininga até Itararé, entre as cabeceiras dos rios Paranapanema e Itararé - até a margem direita do rio Iguaçu no segundo planalto paranaense. No século XVII os padres jesuítas fundadores das reduções anotaram a presença dos Guarani nos vales dos principais rios do Paraná (Paraná, Paranapanema, Tibagí, Ivaí, Piquiri e partes do Iguaçu) e populações não Guarani, que eles denominaram de Cabeludos e Gualachos nas cabeceiras do Tibagí e Ivaí nas regiões de campos e cerrados.

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Para um balanço da discussão arqueológica sobre a presença dos Jê (Kaingang e Xokleng) no Sul do Brasil ver o texto de Francisco Silva NOELLI nesse volume. Conferir os mapas elaborados por John Elliot, principalmente o Mappa Chorographico da Província do Paraná, desenhado por João Henrique Elliot. 77 x59 cm. Secção Cartográfica do Arquivo Nacional (MVOP A-25). Conferir também a documetação do governo da província do Paraná e a documetação de viajantes da época dicutidas por MOTA.

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No século XVIII, quando se tem o início do tráfego de tropas vindas dos campos de Vacaria no Rio Grande do Sul para o mercado de Sorocaba em São Paulo inúmeros são os relatos sobre a presença dos Kaingang ao longo da estrada do Viamão no planalto paranaense. Em síntese, os Campos Gerais até meados do século XIX estavam conflagrados em ações bélicas militarizadas movida pelos fazendeiros brancos que procuravam expulsar os Kaingang de seus territórios ancestrais. A reação kaingang também foi violenta e militarizada, eles sustentaram uma guerra contra os ocupantes de seus territórios por grande parte do século XIX.4

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Para maiores detalhes sobre a ocupação desse território pelos brancos ver Lúcio Tadeu MOTA. As guerras dos índios Kaingang: a história épica dos índios Kaingang no Paraná (1769-1924). Maringá, Eduem, 1994. Lúcio Tadeu MOTA. A guerra de conquista nos territórios dos índios Kaingang do Tibagi. Revista Regional de História. Ponta Grossa, n.2, v. 1, p. 173-186, 1997. L. M. MOTA; F. S. NOELLI; K. TOMAZINNO. Uri e Wãxi: estudos interdisciplinares dos Kaingang. Londrina: Eduel, 2000.

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Da mesma forma estavam os Koran-bang-rê5 - campos de Guarapuava, os Kreie-bang-rê6 - campos de Palmas, os Xanxa-rê7 - campos de Xanxere hoje em Santa Catarina, os Kampo-rê8 hoje município de Campo Erê, os que habitavam os Min-krin-ia-rê, ou Xongu Chagu9 - a oeste de Guarapuava hoje Laranjeiras do Sul - PR. Mais distantes e isolados da sociedade campeira envolvente estavam os Kaingang dos Kavaru-Koya10 - São Pedro das Missões na Argentina, e por fim os Pahy-ke-rê11 - campos a oeste de Guarapuava entre os rios Ivaí e Iguaçu – também era habitat tradicional de muitos grupos kaingang.

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Conforme Telêmaco BORBA em Actualidade indígena, Curitiba, 1908, p. 118, os campos de Guarapuava eram chamados pelos Kaingang de Côranbang-rê. Coran, dia, ou claro, bang, grande, Rê, campo: Campo do claro grande ou Clareira grande. Seguindo a convenção sobre a grafia dos nomes tribais, substituímos o c pelo k e adotamos a grafia de Koran-bang-rê, em vez de Côranbang-rê utilizada por Borba. 6 Conforme Telêmaco BORBA em Actualidade indígena, Curitiba, 1908, p. 118. Aos campos de Palmas chamam, os Kaingangues Creie-bang-rê. Creie, pilão, Bang, Grande, Rê, campo: Campo do pilão grande. Dizem que lhe pozeram este nome porque alli tinha um grande pilão, ou talvez monjolo, feito por um índio chamado - Nharaburo, Broto de milho. Seguindo a convenção sobre a grafia dos nomes tribais, substituímos o c pelo k e adotamos a grafia de Kreie-bang-rê, em vez de Creie-bang-rê utilizada por Borba. Sobre a ocupação dos campos de Palmas ver Joaquim José Pinto BANDEIRA. Noticia da descoberta do campo de Palmas. RIHGB, 1850, 14:385-397. Os fazendeiros de Guarapuava formaram, em 1839, duas associações para ocupar os campos de Palmas, a de José Ferreira de Souza e a de Pedro Siqueira Cortes. Houve desavenças entre eles na divisão das terras e Pinto Bandeira foi chamado como juiz para fazer a mediação. Eles estabeleceram trinta e sete fazendas nesses campos. Esse contrato entre os habitantes de Guarapuava para a conquista dos campos de Palmas revela em toda sua plenitude o butim a ser conquistado. Para conferir esse contrato ver Pedro Siqueira CORTES Acta de entendimento assignada entre os pretendentes ao povoamento dos campos de Palmas chefiados por Pedro Siqueira Cortes. In: Revista do Círculo de Estudos Bandeirantes, [1839] 1936, Curitiba, p. 319-320. Francisco de Paula NEGRÃO. Os Campos de Palmas. In: Revista do Circulo de Estudos Bandeirantes, Curitiba, 1936. Sobre a atuação do cacique Vitorino Kondá junto aos grupos Kaingang do sudoeste, ver o romance de John ELLIOT. Aricó e Caocoche, Curitiba, 1980. 7 Os dicionários Kaingang definem Xaxá ou Xanxá como sendo cobra cascavel, dessa forma Xanxa-rê seria os campos da cascavel, que os brancos transformaram para Xanxere. Ver Frei Mansueto Barcatta de VAL FLORIANA. Dicionários Kainjkang-Portugues e Portugues-Kainjgang. Revista do Museu Paulista, São Paulo, n. 12, 1920. 8 Conforme Telêmaco BORBA em Actualidade indígena. Curitiba, 1908, p. 118, os territórios a oeste de Palmas denominados pelos brancos de Campo Erê, eram chamados pelos Kaingang de Campo-Rê: Campo, Pulga, Rê, campo: Campo da pulga. Nas correspondências, relatórios e documentação dos conquistadores brancos é utilizada a forma Campo-Erê, o que seria uma redundância, campo-campo. A denominação Campo Erê, dada pelos brancos aos territórios Kaingang dos Kampó-Rê, foi mantida e hoje é nome uma cidade na divisa do Paraná com Santa Catarina. Seguindo a convenção sobre a grafia dos nomes tribais substituímos o c pelo k e adotamos a grafia Kampo-rê, em vez de Campo-Rê utilizada por Borba. Juan B. AMBROSSETTI In: Kaingangues de San Pedro (Missiones) con un vocabulario. Buenos Aires, 1895, adota Campo para pulga. Telêmaco BORBA In: Actualidade indígena, Coritiba, 1908, pp. 34-38, utiliza Campó para pulga. Herbert BALDUS, In: Vocabulário Zoológico Kaingang, Curitiba, 1947 assinala também Kampó para pulga. 9 Conforme Telêmaco BORBA em Actualidade indígena, Curitiba, 1908, p. 118, Xongú, é o nome, no idioma dos kaingangues, de um pequeno arbusto espinhoso que dá neste campo, mas os Kaingangues chamam ao campo, mais commummente: Mincriniarê. Mim, Tigre, Crin, cabeça; Iá, abreviação de iapri, caminho, Rê, campo. Campo da cabeça do tigre no caminho. Contam que, os que iam adiante, na sahida deste campo, mataram um tigre, cortaram-lhe a cabeça, espetaram-n’a em um pao, e o fincaram no caminho, os que vinham atraz viam a cabeça e diziam - Mincriniá - Tigre, cabeça, caminho: Dahi proveio ao campo seo nome que foi substituido pelo outro de Xongú que alteraram em Xagú. e em seguida ficou com a grafia portuguesa de Chagu. Manteremos a denominação de Min-krin-ia-rê para esses campos. 10 Cavaru, traduzido por cavalo, todos os vocabulários acima confirmam essa corruptela que os Kaingang fizeram para Kavarú, e culhá traduzido como matar e comer; temos o verbo Ko, dessa forma Kavaru-koya pode ser entendido como lugar onde se matam e comem cavalos como o próprio Hegreville afirma na nota seguinte. 11 A historiografia paranaense é pródiga ao tratar dos campos do Payquere, Paequere ou Paiquere. Inúmeros são os documentos e os textos históricos que falam dessa região que deveria estar a oeste de Guarapuava. Ermelino de Leão no seu Dicionário Histórico e Geográfico do Paraná afirma que palavra paequerê é da lingua Kamé ou Kaingangue e corresponde a: pae = Senhor, e erê = campo: campo do Senhor. Sabemos que Pahi ou Pahy significa homem, cacique, chefe da tribo, etc, sempre alguém com ascendência no grupo, a palavra ke também significa fazer, e rê igual a campo. Assim poderemos por ora - até que pesquisas lingüisticas mais aprimoradas nos dê o verdadeiro significado - inferir que Pahy-ke-rê poderia ser: campos do chefe ou campos do cacique.

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OS XETÁ E OS KAINGANG NO VALE DO MÉDIO IVAÍ NO SÉCULO XIX

A partir da segunda metade do século XIX, quando recomeça a ocupação branca da região, vamos ter com maior freqüência relatos que descrevem a presença de populações indígenas vale do Ivaí. Os primeiros relatos descrevem a presença de grupos xetá, que foram deslocados Ivaí abaixo pelos Kaingang que começaram a fixarem-se na região. As primeiras evidências que os Xetá estavam no vale do Ivaí são de 1840. Em dezembro de 1842, o Barão de Antonina (João da Silva Machado) respondeu ao Ministério da Guerra sobre as determinações que lhe tinham sido enviadas para que ele mandasse notícias a respeito dos campos denominados Paiquere. Assim ele redigiu a correspondência que pretendia que chegasse ao Imperador: (...) faço o relatório das noticias que pude obter sobre a digressão dos exploradores, e bem assim das memórias antigas sobre aqueles terrenos abandonados, ou já desconhecidos; e aproveitando a opportunidade, envio tambem um batoque, que foi achado em um dos alojamentos, (...) e igualmente envio a V. Ex. uns novellinhos para que Sua Magestade o Imperador veja de que fio usam os indigenas d’aquelle sertão para fazerem seus pequenos tesumes.12 Essa exploração tinha ocorrido em maio de 1842, e o Barão de Antonina, financiador da expedição, recolheu as informações com Antônio Pereira Borges, comandante da companhia exploradora. Composta de 60 homens, ela saiu da freguesia do Amparo - a sete quilômetros a oeste da cidade de Tibagi - em 15/5/1842, passou por Campinas (Campinas Belas), e em 10/6/1842 chegou ao local denominado Cachoeira Grande, no rio Ivai. Ali construíram as canoas para descer o rio e, por volta de 30/6/1842, chegaram às ruínas de Vila Rica. Da cachoeira grande até Vila Rica, na foz do rio Corumbataí, a expedição gastou 14 dias, e foram observando vestigios das escavações de muitas lavras, tanto na margem do rio, como nas caldeiras, d’onde se havia tirado um cascalho rijo á semelhança do que se via nas barranceiras a que os mineiros chamam gopiára.13 Isso indica que já nessa época

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Carta do Barão de Antonina ao Ministério da Guerra em 21/12/1842. R. Inst. Hist. Geogr. Bras., Rio de Janeiro, v.5, p. 109, 1842. 13 Carta do Barão de Antonina ao Ministério da Guerra em 21/12/1842. R. Inst. Hist. Geogr. Bras., Rio de Janeiro, v.5, p 110, 1842.

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havia brancos vasculhando os cascalhos do rio Ivaí, quando este se encontrava na sua cota mais baixa, em busca de ouro e pedras preciosas. Quatro dias de viagem abaixo do Corumbataí, encontraram outra companhia exploradora, que tinha vindo por terra desde Guarapuava. Ela era comandada por Rocha Ferreira, o Rochinha, e também estava determinada a encontrar os campos do Paiquere. A partir desse encontro as duas companhias se uniram e desceram o Ivai até o rio Paraná. Mas, logo abaixo do ponto de encontro das duas companhias, começaram a perceber. (...) vestigios de immensidade de gentio, que habita n’aquelles sertões; elles observavam os nossos navegantes, mas quando estes saltavam em terra, corriam em grandes porções, fazendo rumor, que parecia ser de muitos centenares, sem que tratassem de acommetter, e nem de emboscar-se para fazer mal aos nossos exploradores; estes tambem foram cavalleiros, porque os não parseguiam, e nem destruiram os alojamentos, que sucessivamente emcontraram pela margem do rio Ubahy em dez dias de viagem até sahir no rio Paraná. (...) Nos alojamentos que foram descobrindo logo para baixo do Porto do Bom Encontro, até navegaram no rio Paraná, acharam sete canôas grandes e muito limpas, (....) Acharam muitas roças de mato virgem derrubadas, (...) em d’esses alojamentos da costa do Paraná achou Borges um batoque d’alambre de um palmo de comprimento, (....) acharam teares onde o gentio tece o panno de algodão.14 Após fazerem o reconhecimento do rio Ivaí e de parte do rio Paraná, as duas companhias voltaram ao ponto onde tinham se encontrado (porto do Bom Encontro) e dali rumaram para Guarapuava por terra, pela picada que a expedição de Rochinha tinha feito. Muitos anos depois, em um relatório de 08/08/1855, Francisco F. da Rocha Loures, diretor dos índios da província paranaense, confirmou essa expedição, da qual ele fez parte, e opinou sobre os índios que ali viviam: (...) são muito mais industriosos e a amigos do trabalho com especialidade os que habitam as margens do Paraná e parte das do Rio Ivay de certa altura para baixo occularmente observei quando em 1842, por alli andei junto com o alferes Antonio Pereira Borges sem que lhes fizesse o menor mal e antes se lhes deixou muitos brindes em algumas de suas habitações que desamparavam com nossa presença.15 Com certeza, a expedição de Antônio Borges Pereira teve contato com os índios Xetá que viviam nos territórios do baixo Ivaí, no noroeste da província. As evidências de que eram os Xetá se confirmam pelo batoque de resina de pinheiro (alambre) e pelos teares e tecidos de algodão fabricados por eles.

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Carta do Barão de Antonina ao Ministério da Guerra em 21/12/1842. R. Inst. Hist. Geogr. Bras., Rio de Janeiro, v.5, p 111, 1842.

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Passados três anos, o Barão de Antonina enviou outra expedição exploradora aos territórios indígenas do vale dos rios Paraná e Ivaí, comandada pelo seu genro, Vergueiro. Ela tinha como membros os experientes Joaquim Francisco Lopes e John Henrique Elliot e mais sete camaradas. Eles partiram da fazenda Pirituva no dia 16 de agosto de 1845 e no dia sete de outubro chegaram à barra do Ivaí no rio Paraná. Onze dias depois, subindo o rio, encontraram os primeiros vestígios dos índios: eram árvores derrubadas de onde eles tinham retirado mel, pegadas frescas nos barreiros onde animais iam à procura de sal e ranchos abandonados. No dia 17 ouviram os sons das buzinas e no dia 28 encontraram seis ranchos dos índios, no lugar denominado porto do Bom Encontro. Elliot calcula que esses ranchos poderiam abrigar em torno de 250 pessoas. Conforme subiam o rio, os sinais da presença dos índios multiplicavam-se, até que no dia 19 de novembro eles encontraram um Okáwautchu16 Xetá. Assim Elliot relatou o encontro: O senhor Lopes e Vergueiro e mais hum camarada que hiam na canôa grande saltaram em terra logo ouviram a conversa dos Indios e andando pé por pé chegou até 4 a 5 braças distante delles sem ser percebido, humas 12 mulheres estavam sentadas em meio circulo discutindo os merecimentos de uma enorme panella de palmito e carne de queixada, e ao mesmo tempo sustentando uma conversa animada no extremo pouco mais adiante estava 5 homens dois filhos e treis moças com uma loquacidade pouco inferior das senhoras, ascentadas ao pé de dois porcos mortos e perto de uma duzia de Jacutinga sobre os quaes de toda a probabilidade estavam discertando eis ahi quando toda esta armonia foi despertada com a apparição do senhor Lopes que surgindo de repente no meio foi um espanto difficil de descrever, (...) e de terror sahiu-se simultaneamente ficaram paralizadas e estupefatas (...) fugir mais a maior parte nem animo para isso e antes que elles acordassem do susto o senhor Lopes não descuidou de distribuir (...) de entre aquelles que elle podia alcançar que nada teve de temer de nós foram recebendo e sahindo de um em um não (...) desejos de ter sua quinhão de nossas (...) isto se passou em poucos minutos e quando nossa gente chegou acharam todos em páz.17 O pequeno grupo preparava a primeira refeição do dia, tamanho foi o susto com a súbita aparição de Joaquim F. Lopes, que ficaram paralisados por alguns instantes. Refeitos do susto, recebidos os presentes (facas, foices, anzóis, miçangas, espelhos), Elliot anotou que alguns deles, principalmente os mais velhos, falavam algumas palavras em espanhol e temiam as armas de fogo dos membros da expedição. Apesar de alguns deles

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Ofícios, 08/08/1855. 1855, Boletim do Arquivo do Paraná, Curitiba, v.7, n.11, p.48-52, 1982 Okáwautchu seria: “um local grande limpo no mato, onde se derrubam arvores, tira os tocos etc, e se constróem os tapuy apoengue (casa grande), eram as casas do tempo que o grupo era grande. Nelas viviam várias famílias juntas.” Agradeço aqui a Carmen L. Silva, do Museu de Paranaguá, pelas informações prestadas sobre a cultura dos Xetá. 17 ELLIOT, John H. Itinerario de huma viagem de exploração pelos rios Verde, Itararei, Paranapanema, e os sertões circunjacentes mandado fazer pelo Exo snr. Barão de Antonina em 1845. In: AYROSA, Plinio Marques da Silva. As “entradas” de Joaquim Francisco Lopes e João Henrique Elliot. R. Inst. Hist. Geogr. Etnogr. São Paulo. São Paulo, v.28, p.230-267, 1930. 16

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terem alguns instrumentos de metal, feitos com restos de antigas espadas e pregos, a maioria, utilizava machados de pedras e outros instrumentos líticos, e estavam armados com arco e flecha. A aparência física dos indivíduos, descrita por Elliot, leva a concluir que eram um grupo xetá. (...) o labio inferior furado e dentro do ourificio hum botoque de rezina que a primeira vista parecia alhiambre, homens e mulheres traziam os cabellos compridos e ambos cobria as partes que o pudor manda esconder, as mulheres com uma qualidade de tanga de panno grosso tecido da fibras de ortiga brava, e os homens com pedaço do mesmo. (...) a sua linguagem das poucas palavras que nós podia intender parece ser o Guarany.18 Após esse encontro, os Xetá evitaram a expedição, que não conseguiu mais contato com eles. As características desse grupo conferem com as descritas pela expedição de Borges em 1842, que, apesar de não ter entrado em contato com os índios, encontrou em suas moradias batoques de resina como os descritos por Elliot. Os cabelos compridos e os batoques usados pelos homens e mulheres os diferenciavam dos Kaingang, que usavam cabelos curtos e não usavam batoques. Por fim, sua língua era parecida com a dos subgrupos guarani, como os Kayoá, com quem Elliot tinha convivia nas proximidades da fazenda Pirituva, nas cabeceiras do rio Itararé, em São Paulo. Passados alguns anos, em fevereiro de 1855, o Dr. Faivre, fundador da colônia Teresa Cristina nas margens do alto Ivaí no mesmo local onde a expedição de Lopes e Elliot tinham deixado o rio Ivai para prosseguirem por terra de volta à fazenda do Barão, informou ao presidente Zacarias que o trecho da estrada de Guarapuava à colônia Teresa Cristina estava pronto e ele iria iniciar o segundo trecho, que iria da colônia até Ponta Grossa. No ano seguinte, vamos encontrá-lo trabalhando na exploração da região para abertura da estrada para Ponta Grossa, conforme informa o relatório do presidente Carvalhaes. Nas explorações e reconhecimento do terreno, que para esse fim mandou fazer o Dr. Faivre, foi encontrado um toldo de selvagens, provavelmente pertencente á familia dos botocudos, cuja presença, intimidando os exploradores, demorou por algum tempo o andamento dos trabalhos.19 Se as informações do relatório de Carvalhaes forem corretas, algum grupo Xetá estava circulando no vale do alto rio Ivaí nesses meados dos anos da década de 1850.

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ELLIOT, John H. Itinerario de huma viagem de exploração pelos rios Verde, Itararei, Paranapanema, e os sertões circunjacentes mandado fazer pelo Exo snr. Barão de Antonina em 1845. In: AYROSA, Plinio Marques da Silva. As “entradas” de Joaquim Francisco Lopes e João Henrique Elliot. R. Inst. Hist. Geogr. Etnogr. São Paulo. São Paulo, v.28, p.262, 1930. 19 PARANÁ. Governador (1856-1857 : Carvalhaes). Relatório apresentado á Assembléa Legislativa Provincial da Província do Paraná no dia 7 de janeiro de 1857 pelo Vice presidente José Antônio Vaz de Carvalhaes. Curityba : Typ. Lopes, 1857, p.58.

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Vinte anos depois, em 1870, assim que Joscelyn Borba assumiu o cargo de diretor da colônia Teresa Cristina, uma de suas primeiras tarefas foi explorar as redondezas, e aí foi informado da existência de um grupo xetá vivendo na sua vizinhança. Em data de 20 de setembro deu-me aquelle diretor conhecimento de que, por ocasião de uma exploração a que procedeu, encontrára um índio Botocudo, por intermédio do qual fôra avisado da existência de um alojamento da tribu no sertão que margea o rio Ivahy. Recommendei-lhe que empregasse todos os esforços para attrahir esses indios, e das diligencias postas em pratica resultou a vinda de 10 de ambos os sexos para a colonia onde se acham.20 Nessa exploração o irmão mais novo dos Borba provavelmente encontrou um índio xetá que lhe deu as indicações de acampamentos seus nas matas do Ivaí, abaixo de Teresa Cristina. Essas informações, de Faivre e Joscelyn Borba, são as que situam os Xetá no ponto mais meridional do vale do Ivaí; além dela não vamos encontrar nenhuma outra que registre sua presença mais ao sul. Nos parece que nesse momento a extremidade sul de seus territórios atinge as imediações da colônia Teresa Cristina, e eles já estão sendo pressionados pelos Kaingang a se afastarem das margens do Ivaí e se refugiarem nas altas serras do vale. Três anos depois, os Xetá serão localizados, pelo engenheiro Thomas BiggWither, nas serras próximas da corredeira Ariranha no rio Ivaí, a uns 150 quilômetros abaixo de Teresa Cristina. Com certeza os Kaingang, deslocados de seus campos, começaram a ocupar os territórios no vale do alto Ivaí e foram deslocando os Xetá Ivaí abaixo e para os territórios montanhosos entre o Ivaí e o Corumbatai. Thomas P. Bigg-Wither que trabalhava na demarcação da ferrovia transcontinental que cortaria a província paranaense ao longo do vale do rio Ivaí, ergueu seus acampamentos próximo das corredeiras do Ariranha, hoje município de Ivaiporã. Nesse local os camaradas brasileiros demonstraram inquietação e medo dos “bugres brabos”. Um deles tinha ido ao mato buscar lenha e avistou um índio espionando-o; imediatamente o alarma foi dado e os camaradas, armados de garruchas, espingardas e facas, saíram no encalço do Xetá. Verdade ou não, esse incidente foi o começo de um pânico que, desse dia em diante, cresceu e se desenvolveu em marcha alarmante.21 Daí em diante a situação tornou-se insuportável; os homens se recusavam a trabalhar, afastados do acampamento, outros desertaram voltando para Teresa Cristina, e outros ainda simularam doenças para não saírem dos ranchos. Os trabalhos praticamente

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PARANÁ. Governador (1870 : Leão). Relatório apresentado ao Excellentissimo Senhor Presidente Dr. Venâncio José de Oliveira Lisboa pelo Exmo. Sr. Vice-Presidente Dr. Agostinho Ermelino de Leão por occasião de passar-lhe a administração da Província do Paraná (24/12/1870). Curityba : Typ. Lopes, 1871. p.22. BIGG-WITHER, Thomas P. Novo caminho no Brasil meridional: a província do Paraná. Rio de Janeiro, José Olympio, 1974. p. 281.

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paralisaram. Analisando a situação de pânico causada pelas aparições dos índios, e percebendo que a tendência era de os seus camaradas abandonarem os trabalhos e subirem o rio de volta à colônia Teresa Cristina, Bigg-Wither resolveu ir a busca desses índios e capturá-los, demonstrando aos seus homens que eles não eram o perigo que imaginavam. Nessa época havia um índio Guarani-Kayowá de nome Luco trabalhando com Bigg-Wither nas corredeiras da Ariranha; guiado por ele, o engenheiro inglês partiu atrás dos índios que amedrontavam seus camaradas. Após capturarem um índio adulto que tudo fez para despistar os brancos, os homens de Bigg-Wither cercaram um rancho xetá de madrugada e surpreenderam um pequeno grupo de indivíduos. Onze seres miseráveis estavam de cócoras, na apatia da mais profunda depressão. Fizemos a captura sem muita dificuldade. Os ocupantes do rancho foram apanhados completamente de surpresa, não oferecendo nenhuma resistência. Havia dois homens, quatro mulheres e cinco crianças, além do nosso primeiro prisioneiro. Doze ao todo. (....) Todos, homens, mulheres, crianças, usavam o cabelo de maneira igual, caindo embaraçado e abundantemente para os lados e para trás da cabeça, porem com uma franja sobre a testa. Todos adornados com penas de tucano, presas ao cabelo com cera virgem. (....) Talvez o efeito mais desagradavel produzido no falar dos homens fosse o escorrer continuo da saliva que do lábio inferior descia pelo ornamento ali engastado.22 O pequeno grupo de 12 índios foi levado para o acampamento Ariranha. Uma semana depois, Luco capturou outro grupo, de 14 Xetá, que também foram levados para Ariranha, reunindo ali 26 índios. Depois de quinze dias convivendo com os brancos eles foram enviados em canoas para a colônia Teresa Cristina, ficando no acampamento apenas duas crianças: uma menina de oito anos e um menino de nove; Bigg-Wither resolveu separá-las dos pais e criá-las. Mas o destino dos Xetá capturados foi terrível. Pobres índios, o fim lhes foi triste. Morreram um a um, antes da chegada a colônia Teresa. Irrompeu uma epidemia disentérica entre eles, causada provavelmente pela mudança de alimentação, especialmente pelo sal, a que, no estado selvagem, estavam inteiramente desacostumados. A doença começou com as crianças, as primeiras vítimas, atingindo depois rapidamente os adultos que morreram um após outro, até que, quando fui à colonia um mês mais tarde, encontrei vivos apenas dois dos vinte e cinco que tinham partido de nosso acampamento. (....) No dia 28 de agosto, depois da partida do grupo principal de botocudos para Colônia Teresa, a menina adoeceu. E no dia seguinte o menino ficou igualmente indisposto. (...) Na noite do sétimo dia ela morreu e na manhã seguinte foi enterrada nas cercanias do acampamento, perto da margem do rio.23

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BIGG-WITHER, Thomas P. Novo caminho no Brasil meridional: a província do Paraná. Rio de Janeiro, José Olympio, 1974, p. 297. BIGG-WITHER, Thomas P. Novo caminho no Brasil meridional: a província do Paraná. Rio de Janeiro, José Olympio, 1974. p. 308.

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Cemitério do acampamento do Salto do Ariranha no rio Ivaí, aí estão enterrados a pequena Xetá de nome Oitãna (cova menor) e o Pedro Batista, camarada de Bigg-Wither que morreu afogado dois dias depois. Imagem digitalizada do livro. Thomas P, BIGG-WITHER. Novo caminho no Brasil meridional: a província do Paraná. Rio de Janeiro, José Olympio, 1974. p. 311.

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Chefe Xetá capturado por Bigg-Wither nas serras próximas ao Salto do Ariranha no rio Ivaí em agosto de 1873. Imagem digitalizada do livro. Thomas P. BIGG-WITHER. Novo caminho no Brasil meridional: a província do Paraná. Rio de Janeiro, José Olympio, 1974. p. 283.

Desgostoso com o ocorrido com os índios, abalados pela morte da pequena Oitãna e com a morte de um de seus camaradas afogado no rio dois dias depois do enterro da menina xetá, Bigg-Wither foi explorar o vale do rio Tibagi. Deixou o triste relato e os desenhos que fez do seu contato com os índios xetá que habitavam as florestas nas imediações do salto Ariranha, no rio Ivaí. Após esses fatos poucas notícias se têm dos Xetá no Paraná provincial. Uma delas foi dada por Telêmaco Borba, de que havia um Xetá vivendo como escravo dos Kaingang no aldeamento de São Pedro de Alcântara. A outra também se refere à presença de Xetá cativos entre os Kaingang do vale do Ivaí, anotada por Alberto Vojtech Fric, cientista e fotógrafo tcheco que por ali passou em 1907. Também sabemos que Curt Numuendaju estudou, em 1912, dois cativos dos Kaingang; ele classificou sua língua como pertencente aos Guarani. Essas referências confirmam, com certeza, que premidos como estavam pelos brancos, que ocupavam seus territórios nas várias áreas de campos, os Kaingang passaram a ocupar os tradicionais territórios Xetá nas espessas matas das margens do Ivaí.

32

Isso deve ter resultado no acirramento das guerras tribais existentes entre eles e os Xetá no século XIX. Como resultante, muitos Xetá acabaram prisioneiros dos Kaingang, e por eles foram levados para os aldeamentos do vale do Tibagi ou para seus emã24 que estavam sendo estabelecidos nos novos territórios conquistados dos Xetá no vale do rio Ivaí. A presença de grupos kaingang no Ivaí está relacionada com a expansão das fazendas de gado nos Campos Gerais e na região de Guarapuava. Daí em diante os Kaingang foram instalando-se nas matas das serras do vale do rio Ivaí, mas ali também passaram a sofrer a pressão das populações brancas que chegavam para ocupar esses territórios. E essa ocupação iniciou-se com a fundação da Colônia francesa de Teresa Cristina, em 1847, nas margens do rio Ivaí. João Maurício Faivre, mais conhecido como Dr. Faivre, teve apoio, emprestimos e subvenções do Governo Imperial25 para a sua implantação. Mas, em troca do apoio e das subvenções, o Dr. Faivre assumiu com o governo do Império a obrigação de: a) estabelecer novos núcleos de colonização no prazo de 3 anos; b) abertura de estradas da colonia para Ponta Grossa e Guarapuava; c) cuidar da catechese e civilização dos índios que habitam as matas vizinhas à colonia Teresa.26

Dessa forma, apoiando e incentivando a implantação das colônias estrangeiras, o Império praticava uma de suas políticas de ocupação de territórios indígenas no Paraná. No caso da colônia Teresa Cristina, ela foi instalada no ponto mais avançado dos territórios indígenas no vale do rio Ivaí, a oeste de Ponta Grossa e nordeste da vila de Guarapuava. Apesar de ocupar esse lugar estratégico para a entrada e ocupação das terras do vale do rio Ivaí, ela não prosperou conforme a previsão do seu fundador. Por volta de meados da década de 1870, vamos constatar a presença de vários grupos Kaingang se fixando em diversas localidades do alto rio Ivaí, entre Ponta Grossa e Guarapuava, nas imediações de Teresa Cristina. A partir daí eles desenvolveram a política de reivindicar das autoridades a demarcação de suas terras e ajuda material. Em 1871, os Kaingang já estão instalados nas imediações da colônia Teresa Cristina. Joscelyn Borba, então diretor dessa colônia, informou que gastou a quantia de

24

Os Kaingang denominavam seus locais de moradia de Emã = Aldeia logar de morada, conforme expressão coletada por Telêmaco Borba, ou Jamá = minha terra de já = minha e emã = terra, bairro, conforme o dicionário de Val Floriana. Cf. Telêmaco BORBA. Actualidade Indígena. Coritiba, 1908, p. 48.. 25 Para maiores detalhes sobre o assunto ver João Maurício FAIVRE. Colónia Thereza. Boletim do Arquivo do Paraná. Curitiba, n. 3, v. 2/3, p. 26-31, 1978. Esse relatório do Dr. Faivre sobre o histórico e a situação de sua colônia foi escrito em 4 de março de 1858, seis meses antes de sua morte.

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93$000 na compra de presentes e solicitou mais 430$000 para a compra de ferramentas para os índios dessa localidade, conforme ofício da Tesouraria da Fazenda da província.27 Do relatório do diretor da colônia de 1871, o presidente da província retirou os seguintes dados: a população branca era de 350 pessoas e havia 67 índios Kaingang vivendo nas proximidades, no entanto não temos os dados sobre a chegada dos Kaingang a Teresa Cristina, fica, portanto, por enquanto, o ano de 1870 como marcador da presença kaingang no vale do Ivaí. Em 31 de dezembro o delegado de polícia de Guarapuava informou que vários grupos de índios kaingang, vindos de São Jerônimo da Serra, São Pedro de Alcântara e dos campos do Paiquere, estavam se concentrando, havia mais de dois anos, nas proximidades do rio Marrecas, na estrada que ligava Guarapuava à colônia Teresa Cristina. Esses grupos que estavam no rio Marrecas, mais os da colônia Teresa Cristina, que estavam localizados na margem esquerda do rio Ivaí, iam sempre a Guarapuava solicitar das autoridades vestuário, ferramentas, pólvora, chumbo e alimentos. Também solicitavam um engenho para o fabrico de açúcar e aguardente. A década de 1870 vai ser marcada pelas reivindicações de demarcação de terras nos aldeamentos religiosos e pelo surgimento de novos núcleos indígenas independentes da vontade dos poderes, que se esforçavam para colocá-los nos aldeamentos religiosos. Se por um lado os aldeamentos religiosos vão se esvaziando, por outro torna-se renhida a luta dos índios para manutenção dos territórios por eles escolhidos, como é o caso desse núcleo de Marrecas, que mais tarde iria se transformar na área indígena de Marrecas. Em meados de 1872, o engenheiro inglês Thomas P. Bigg-Wither estava em Teresa Cristina fazendo os preparativos para a exploração do vale do rio Ivaí. Para uma população de 400 brancos da colônia, ele registrou a presença de um grupo de 40 Kaingang, que tinham seu emã na margem oposta do rio, defronte à povoação. Convidado para jantar na casa de Joscelin M. Borba, que nessa época era o diretor da colônia, BiggWither recebeu a visita dos índios. Foram entrando para o interior da casa e se sentando silenciosamente sobre as caixas e fardos espalhados pelos quartos. Julgadas visitas inoportunas, eles foram mandados embora com a promessa de que os estrangeiros os visitariam no dia seguinte. No emã dos Kaingang, Bigg-Wither anotou que eles vestiam apenas uma tanga curta, tanto os homens como as mulheres, e as crianças estavam completamente nuas. O etnocentrismo europeu aparece em toda sua pujança quando ele traça o perfil psicológico desses Kaingang. A expressão do rosto nos adultos era vazia e

26 27

PARANÁ. Governador (1853 - 1855 Vasconcelos), 15 jul. 1854, p. 58. ARQUIVO PÚBLICO DO PARANÁ, Curitiba. Ofício. 19 jul. 1871, p 96, (doc. manuscrito).

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parecia indicar muito pouca inteligência. (...) As crianças, ao contrário dos pais pareciam inteligentes, vivas e aproveitáveis. Aproveitáveis para que? Certamente para serem “civilizadas”. Percebe-se na fala do engenheiro inglês o mesmo padrão de entendimento de muitos intelectuais e religiosos da época, de que os índios adultos eram um caso perdido para o serviço da “catequese e civilização” e se deveria investir nas crianças e jovens, se possível separando-os dos pais, caso se quisesse ter sucesso nesse serviço. Bigg-Wither ainda anota que quarenta Kaingang desse emã viviam em quatro casas construídas à maneira tradicional dos índios e que não seguiam o modelo das casas dos brancos de Teresa Cristina. O interior delas obedecia às velhas tradições desses índios: dormiam sobre uma cama de folhas secas de palmeiras dispostas ao longo de uma fogueira que percorria o centro da casa no sentido longitudinal; eles dormiam com os pés voltados para esse risco de fogo e a cabeça voltada para as paredes laterais. Alimentavam-se de milho, que assavam nas fogueiras, e havia, andando pelo chão dessas cabanas vários papagaios e periquitos. Observou ainda: (...) variado e grande número de arcos e flechas, algumas destas artisticamente ornamentadas de pigmentos coloridos, penduradas na folha de palmeira, além de uma ou duas armas mais civilizadas, como machados e foices, mostrando que, embora os índios tivessem aprendido a fazer roças, e semear milho e feijão todos os anos, não tinham ainda abandonado os costumes e as armas dos antepassados.28 Com certeza, esses nativos mantinham os costumes de seus antepassados. Só vestiam roupas de brancos para irem à colônia comercializar seus produtos ou tomar conhecimento de alguma novidade, como foi o caso da chegada da turma de trabalho de Bigg-Wither. Construíam suas casas e moravam nelas como seus antepassados; continuavam a construir seus paris (armadilhas de pesca) no rio Ivaí, de onde retiravam fartas quantidades de peixes; usavam seus arcos e flechas com extrema habilidade, como foi descrito pelo engenheiro, e usavam armas de fogo e ferramentas de ferro. Um desses Kaingang gastou o valor de quatro meses de salários, 180$000 (cento e oitenta mil réis), recebidos por serviços prestados ao engenheiro, na compra de uma pistola de bronze de um comerciante de Teresa Cristina, uma clara evidência do seu interesse pelas armas dos brancos. Alguns anos depois dessa visita, em 23 de abril de 1879, os moradores da colônia Teresa Cristina fizeram um abaixo assinado ao diretor dos índios de Guarapuava denunciando que os Kaingang estavam ocupando terras reservadas para a colônia, e

28

BIGG-WITHER, Thomas P. Novo Caminho no Brasil meridional: a província do Paraná, três anos de vida em suas florestas e campos 1872/1875. Rio de Janeiro, 1974, p. 137-148.

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pediram ao diretor que escolhesse um local para eles.29 Esse abaixo-assinado, subscrito por treze moradores, indica conflitos e tensões entre os índios e a população branca na região em torno das terras do vale do Ivaí.

Índio Kaingang que vivia nas proximidades da colônia Teresa Cristina em 1872 desenhado por BIGG-WITHER. Novo caminho no Brasil meridional: a província do Paraná. Rio de Janeiro, José Olympio, 1974. p. 139.

Em novembro de 1879, o novo diretor dos índios em Guarapuava, Luís Daniel Cleve, solicitou ao governo provincial informações sobre a área da colônia Teresa Cristina. Isso porque; Tendo-se tambem mudado para ali um numero de 200 indios mais ou menos, estabeleceram-se nas terras aludidas, e reclamam contra elles os moradores; para acabar com essas duvidas rogo a V. Exa. que se digne esclarecer-me de que modo devo proceder para que ellas cessem e sejam descriminadas as terras ocupadas das devolutas.30 As terras da pequena colônia fundada pelo Dr. Faivre em 1847 já não eram suficientes para as populações brancas que estendiam a ocupação ao longo do vale do rio Ivaí, e a presença de populações indígenas nessa mesma área atrapalhava seus planos de

29 30

ARQUIVO PÚBLICO DO PARANÁ, Curitiba. Ofício. 23 abr. 1879, p 120-121, (doc. manuscrito). ARQUIVO PÚBLICO DO PARANÁ, Curitiba. Ofício. 28 nov. 1879, p 74-77, (doc. manuscrito).

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expansão. Por isso sua movimentação com o abaixo-assinado ao diretor dos índios solicitando a demarcação de uma área para os Kaingang, e pedidos de esclarecimentos junto às autoridades sobre as terras que poderiam ser ocupadas e as que eram terras nacionais.

3

OS PRINCIPAIS GRUPOS KAINGANG ESTABELECIDOS NO VALE DO IVAI NO SÉCULO XIX Se o vale do Ivaí não era o habitat tradicional dos grupos kaingang, e sim dos

Xetá como vimos acima, quais foram os grupos kaingang que para aí se deslocaram e de onde vieram são as questões que procuraremos resolver a seguir. Os primeiros grupos que ocuparam a região acima da Colônia Teresa Cristina, nos rios dos Patos e Lageado, formadores do rio Ivai, e depois se deslocando Ivai abaixo foram grupos vindo do Norte da Província – São Jerônimo - Guarapuava, Marrecas e da própria Colônia Teresa Cristina, alguns deles identificados com os caciques Feliciano, Felisbino e Paulino Arak-xo.

3.1

OS EMÃ DE ENXOVIA Em abril de 1878, os Kaingang se encontravam em grande número na

localidade denominada Enxovia31, e conforme as autoridades de Ponta Grossa eles punham em risco as famílias brancas que estavam ocupando terras a oeste dessa cidade. O delegado de Ponta Grossa recebeu comunicações de vários locais sobre o perigo dos índios.32 Em 2 de abril o delegado de policia de Ponta Grossa, Domingos Ferreira Pinto, comunicou ao presidente da província as providências que tinha tomado contra as ameaças dos índios que estavam se concentrando no quarteirão da Enxovia: Chegando ao meu conhecimento que indios de diversas paragens reunemse no quarteirão da Enxovia deste termo e nas mattas, proximas as divisas do termo de Guarapuava a 16 leguas mais ou menos desta cidade, impondo (...) receio aos moradores daqueles quarteiroões, ordenei ao subdelegado do Districto do Capim , Capitão José Prudencio Marcondes que ali fosse tomar algumas providencias pudesem impedir qualquer tentatativa da parte dos selvagens, isto é, por intermedio dos inspectores

31

32

Pequeno povoado no município de Ipiranga hoje denominado de Bom Jardim. Fica na estrada de Ponta Grossa – Ipiranga – Ivai - Teresa Cristina, a mais ou menos 15 Km a leste do emã de Barra Vermelha. ARQUIVO PÚBLICO DO PARANÁ, Curitiba. Ofício. 1 abr. 1878, p. 101, (doc. manuscrito).

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se unirem-se os moradores dos ditos quarteirões e estarem de sob a vizo.33 Pelas comunicações dos inspetores de quarteirão, sabemos que os Kaingang que estavam se reunindo perto do quarteirão da Enxovia vinham de São Jerônimo, colônia Teresa Cristina e Marrecas, mas também devia haver índios que já estavam nessas localidades do vale do rio Ivaí, havia mais tempo. Pressionados pelos avanços das ocupações dos brancos, resolveram pedir ajuda aos Kaingang dessa e de outras localidades para pressionarem o governo provincial na questão das terras. Em 24 de abril o delegado de Ponta Grossa, Domingos Ferreira Pinto, enviou ao chefe de policia da província, o Carlos Augusto de Carvalho, a solicitação de compra de equipamentos para fabrico de aguardente e açúcar para os índios estabelecidos no quarteirão da Enxovia. Como vimos acima, o delegado de Ponta Grossa enviou o subdelegado do distrito do Cupim - Santo Antônio de Imbituva - para que fosse à Enxovia tratar das ameaças que os índios estavam fazendo. Lá ele encontrou um pequeno grupo de 20 casais de Kaingang. Conforme as informações do capitão José Prudêncio de Marcondes, eles eram: (...) dedicados ao trabalho (...) pois os referidos índios estão com uma plantação de canna, regulando de doze a dezaceis quarteis, e pedem carecidamente para que o governo lhes (...) u,a Caldeira um alambique para poderem aproveitar o suor de seu trabalho, bem assim um pratico para guial-os no serviço da canna, e como nada posso fazer a respeito dessa reclamação, levo ao conhecimento de V. Exa. a fim de ver se podem ser attendidos as reclamações e pedidos dos mesmos índios.34 Essa solicitação foi enviada no dia 4 de maio ao presidente da província pelo chefe de policia. Os moradores denunciaram os índios como uma ameaça às suas famílias. Após a visita do subdelegado de polícia de Imbituva, verificou-se que os índios que estavam na Enxovia eram apenas 20 casais dedicados ao plantio da cana que queriam industrializar. Percebemos aqui várias falas entrecruzando-se com interesses diferenciados. Os moradores que denunciaram os índios como uma ameaça às suas famílias para as autoridades, no caso os inspetores de quarteirão, subdelegados, delegado, chefe de policia provincial, até chegar ao presidente da província, visavam afastar os índios das terras que estavam ocupando. Os índios levavam adiante duas táticas na estratégia de conseguir a demarcação de suas terras. Para as populações brancas das zonas de ocupação, eles executavam uma ação teatral - nos termos apontados por Todorov na Conquista da América

33 34

ARQUIVO PÚBLICO DO PARANÁ, Curitiba. Ofício. 2 abr. 1878, p. 102, (doc. manuscrito). ARQUIVO PÚBLICO DO PARANÁ, Curitiba. Ofício. 24 abr. 1878, p. 51-52, (doc. manuscrito).

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- concentrando-se em grande número em determinado local com ameaças de matar todos os brancos, no intuito de amedrontá-los e fazê-los sair de seus territórios, chegando em alguns casos de fato haver mortes. Para as autoridades provinciais, eles se apresentavam como bons e humildes trabalhadores que queriam apenas cultivar a terra e viver da agricultura num determinado local, aproveitando-se disso para solicitar terras, ferramentas agrícolas e objetos para industrializar a cana. A ação das autoridades era no sentido de levar adiante a conquista através da integração dos índios ao trabalho e aos costumes dos brancos; portanto, nada mais razoável do que lhes fornecer esses apetrechos para fixá-los num pedaço de terra e transformá-los em agricultores.

3.2

OS CACIQUES FELICIANO, FELISBINO E OS EMÃ DE BARRA VERMELHA Em 5 de dezembro de 1878, o delegado de polícia de Guarapuava escreveu

uma carta ao delegado de Ponta Grossa recomendando o índio kaingang Felisbino, que ia lhe pedir ajuda para montar um engenho de cana. Amigo e Senhor. O portador desta carta hé o indio de nome Felisbino, filho do cacique de nome Feliciano, residente no Toldo denominado da Barra Vermelha. A localidade de Barra Vermelha ficava entre Guarapuava e Ponta Grossa, na margem direita do rio Lajeado, um dos formadores do rio Ivaí, hoje no município de Ivaí. O Kaingang Felisbino estava seguindo para Curitiba no intuito de conseguir do presidente da província auxílio para montagem de um equipamento para industrialização da cana que tinham plantado. Eles precisavam não só de um engenho, mais ainda de hum alambique e dous tachos. Os Kaingang chefiados pelo cacique Feliciano tinham solicitado ao delegado de Guarapuava esses auxílios, mas este, considerando que as aldeias do grupo de Feliciano estavam sob a jurisdição de Ponta Grossa, enviou-os para lá com recomendações elogiosas sobre o caráter desses índios. Em 12 de janeiro o delegado de Ponta Grossa, Domingos Ferreira Pinto, fez outra carta de recomendações, que juntou com a do delegado de Guarapuava, e enviou os índios kaingang, chefiados por Felisbino, ao presidente da província. É portador desta o indio Felisbino, filho do Cacique Feliciano que vai com seus irmãos e familia implorar de V. Excia um auxilio para coadjuval-os na cultura da canna que segundo a carta junta do Delegado de Policia de Guarapuava tem elles feito grandes plantações bem como de outros generos de cultura. Sobre o lugar denominado Barra Vermelha deste Termo onde se achão aldeados oitenta e tantos índios. Pelas informações que tenho consta-me serem estes indios laboriosos e morigerados. Por quanto levando ao conhecimento de V. Exa estes factos espero que tomara as medidas que julgar mais acertada a fim de animar estes indios

39

que tão boa vontade mostrarão pelo desenvolvimento da industria dedicando-se ao trabalho.35 As

duas

cartas

dos

delegados

de

Guarapuava

e

Ponta

Grossa,

recomendando os índios ao presidente da província, propiciam elementos para inferências relativas à situação dos índios com a sociedade envolvente nesse momento. Primeiro, os Kaingang tinham-se estabelecido onde melhor lhes conviera: Barra Vermelha ficava no vale onde se encontravam os rios, Lajeado e dos Patos, formadores do rio Ivaí, ricos em peixes e outros animais. Esse vale era coberto de matas nativas, com abundância de caça, mel, palmitos e outros alimentos, e estava relativamente distante dos povoamentos brancos. Segundo, suas relações com os poderes estabelecidos na província não eram com a diretoria geral dos índios, nem com nenhum diretor de aldeamento oficial. Estabeleceram ligações diretas com os delegados de polícia das cidades maiores, no caso Guarapuava, que era a ponta mais visível do poder estatal na região. Terceiro, apresentaram-se com um discurso de convencimento do outro, tanto que os agentes da conquista, delegados de polícia, os recomendaram ao presidente da província como sendo índios laboriosos e morigerados que estavam interessados no desenvolvimento da indústria na província. Isso revela uma política bem traçada pelos Kaingang do grupo de Feliciano para o relacionamento com os brancos e consequentemente para dar continuidade ao seu grupo. No entanto havia, contrapondo-se a essa política dos índios, a política da conquista levada a cabo pelos brancos. Mal Felisbino e seus homens saíram de Curitiba, o presidente Dantas Filho solicitou à Câmara Municipal de Ponta Grossa informações sobre os territórios por eles ocupados e se havia estradas para se chegar até a localidade de Barra Vermelha. O presidente solicitou as informações em abril de 1879, e a Câmara de Ponta Grossa respondeu em outubro desse mesmo ano: A projetada estrada atravessando o rico Bairro do Ipiranga da facil sahida aos centenares de arrobas do matte que d’ali se exporta, cujo producto tem esta Camara certeza de ter obtido no Rio da Prata preços superiores aos maiores de outros lugares da Provincia. Tendo a referida estrada por ponto terminal o aldeamento dos indios (Barra Vermelha) cumpre a esta Camara dar a V. Exa uma idea de que são esses terrenos. Acha-se o dito aldeamento proximo do Rio dos Patos (Alto Ivahy) produzindo nessa fertilissima rossa, canna de assucar e outros mais produtos que se cultivão nesta provincia do modo mais satisfatorio, sendo o terreno livre de geadas

35

ARQUIVO PÚBLICO DO PARANÁ, Curitiba. Ofício. 12 jan. 1879, p 50-60, (doc. manuscrito). Temos evidências de que em Barra Vermelha também se encontravam refugiados grupos Kaingang de outras regiões. De acordo com o presidente Dantas Filho o cacique Nhazôro, indio velho, que é chefe de uma familia, cujo numero não excede a 12 individuos, é ainda refratário e não tem morada certa. Consta estar na Barra Vermelha. PARANÁ. Governador (1879 - 1880 Dantas Filho), 16 fev. 1880, p. 42. Esse cacique Nhozoró citado por Dantas Filho pode ser o mesmo Nhozoro que vivia no vale do rio Tibagi, ora em São Jerônimo, ora em São Pedro de Alcântara, e de acordo com informações de frei Timóteo ele morreu em 1888, era irmão dos cacique Manoel Aropquembe e Kovo e era o último entre os famosos caciques da primeira época da conquista do vale do Tibagi.

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e é opinião geral que presta-se perfeitamente a cultura do café. A referida estrada com pequeno dispendio dá livre rodagem até aquelle ponto. Já existe um pequeno commercio feito em canoas d’ali a colonia Theresa que com a abertura da dita estrada, em futuro proximo trará grande desenvolvimento commercial, e a população que ocupar essa abençoada rossa bendirá o nome de V. Exa por qualquer beneficio que a aquellas paragens fizer.36 As informações dos vereadores fazendeiros de Ponta Grossa ao presidente da província são precisas; eles percebem as possibilidades de riquezas dos territórios Kaingang de Barra Vermelha. É o mate coletado nas terras altas que margeiam os rios formadores do rio Ivaí, e são as fertilíssimas terras dos vales desses rios, que já produzem a cana-de-açúcar, conforme as informações dos índios. Terras que poderão se transformar em grandes plantações de café. Além disso, a abertura da estrada de Ponta Grossa, Conchas, Bairro do Ipiranga (hoje cidade) e Barra Vermelha, nas margens do rio dos Patos, abriria uma via de comércio com as populações brancas estabelecidas no vale do Ivaí nas imediações da colônia Teresa Cristina, encurtando o caminho para o comércio de suas mercadorias. O cacique Felisbino, que tinha estado em Curitiba no final de 1878 e início de 1879, compareceu perante a Câmara Municipal de Ponta Grossa em 29 de março de 1880 solicitando ajuda em ferramentas e equipamentos para o fabrico de rapadura e aguardente. Em alguma data entre setembro de 1885 e maio de 1886, os Kaingang dessa localidade estiveram novamente em Curitiba, conforme registrou o presidente Alfredo E. Taunay. Nessa visita eles reivindicaram ferramentas, roupas, dinheiro, etc., e lamentaram terem sido maltratados por brasileiros e despojados de terras que lhes pertenciam. O que fez Taunay? Procedi a varios interrogatórios e vi que as suas queixas eram vagas, obscuras e sem objectivo determinado, porquanto as taes posses, segundo pretendiam, occupavam superfícies enormes, para poderem contentar os seus habitos nomades e de simples vagabundagem.37 O presidente Taunay desqualificou as demandas dos Kaingang do vale do rio dos Patos, do emã de Barra Vermelha. As denúncias que os índios faziam chegar até a capital da província, de que suas terras estavam sendo espoliadas e eles estavam sendo maltratados, foram entendidas como reclamações vagas e obscuras. As terras que os caciques Paulino e Felisbino reclamavam por demarcação desde 1880 (ver análise sobre os emã do cacique Paulino, de Porteirinha, logo adiante), e que os vereadores de Ponta Grossa

36

ARQUIVO PÚBLICO DO PARANÁ, Curitiba. Ofício. 9 out. 1879, p. 24, (doc. manuscrito).

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tinham avaliado como fertilíssimas, estavam sendo apropriadas pelos nacionais, conforme denunciavam os Kaingang. Mas, no entender de Taunay, tais denúncias não tinham validade porque os índios kaingang eram “vagabundos” de “hábitos nomades” e não necessitavam da enorme quantidade de terras que reivindicavam. Verificando a dureza e a insensibilidade do presidente para com suas denúncias e reivindicações, os Kaingang ainda conseguiram retirar de Taunay, em troca de um pequeno vocabulário, algumas roupas, instrumentos agrícolas e muitos cachorros, como ele próprio relata: Depois de ter, a muito custo aliás, conseguido um começo de vocabulário, mandei-lhes dar alguma roupa e varios instrumentos aratórios, e fi-los partir para a cidade de Ponta Grossa, donde deviam seguir para o rio dos Patos e Ivahy. Consigo levaram quantos cães puderam arrebanhar e de cuja acquisição se mostraram , como é de uso, sobremaneira avidos.38 O presidente Alfredo Taunay lamentou pela vida dos cachorros curitibanos que foram levados pelos Kaingang. Por certo esses infelizes animaes não teriam uma vida nada boa. Sem trocadilho, levariam uma vida de cão. Nada de uma vida aventureira, farta e descansada, nos vales dos rios dos Patos e Ivaí; pelo contrário, logo estariam como seus companheiros,

que

dali

tinham

vindo com os

índios, extremamente magros e

insaciavelmente vorazes pela falta de comida a que eram submetidos.

3.3

O CACIQUE PAULINO ARAK-XÓ, O EMÃ DE PORTEIRINHA E OS SEUS EMÃS NO VALE DO IVAÍ O primeiro documento que traz informações sobre esse cacique informa que

ele estava com seus emãs na localidade de Porteirinha, e daí levou reivindicações às autoridades de Ponta Grossa em 1880. Vejamos: Paulino intitula-se cacique dos indios que moram em Therezina, visinhos a povoação d’este nome. São elles trabalhadores, pois fazem grandes plantações de canna e milho, sem todavia perceberem d’ellas vantagem alguma, porque na ocasião da venda diz o director, são iludidos pelos compradores. Estes indios, cujo numero é calculado em 200, mais ou menos, estão entregues a intemperança das bebidas alcoólicas.39. Por ordens do presidente da província do Paraná, Daniel Cleve tinha feito despesas com a distribuição de brindes a esses índios. Conforme documento enviado à

37

TAUNAY, Alfredo de E. Entre nossos índios. São Paulo, Cia Melhoramentos, 1931. p. 84. TAUNAY, Alfredo de E. Entre nossos índios. São Paulo, Cia Melhoramentos, 1931. p. 85. 39 PARANÁ. Governador (1879 - 1880 Dantas Filho), 16 fev. 1880, p. 42. 38

42

presidência da província, ele tinha distribuído, em 14 desse mesmo mês, tecidos ao cacique Paulino de Teresina no valor de 49$440.40 Quando compareceu em Ponta Grossa, em 1880, o cacique Kaingang Paulino chefiava um grupo de 95 pessoas, sendo 48 homens adultos e as demais crianças e mulheres. Ele estava com seu povo na localidade de Porteirinha, distante 100 km a oeste de Ponta Grossa, hoje município de Ivaí, na confluência dos rios dos Patos, São João e Lajeadão, formadores do rio Ivaí, no centro da província do Paraná. Das visitas dos caciques Felisbino e Paulino à Câmara Municipal de Ponta Grossa resultaram três documentos contendo suas reivindicações e o posicionamento dos vereadores dessa cidade. As falas contidas nesses documentos revelam interesses políticos diversos. São projetos políticos diferenciados, antagônicos, que se opõem e se relacionam. Neles percebemos os discursos das elites dos Campos Gerais em sua estratégia expansionista e a capacidade dos índios kaingang para traçar políticas que possibilitassem a continuidade do seu modo de vida nos seus territórios no vale do alto Ivaí. Esses documentos não podem ser vistos apenas como simples pautas de reivindicações dos índios kaingang, sem considerar a sua capacidade de articulação e definição de estratégias. Os documentos trazem um conjunto de ambigüidades e encerram feixes de contradições próprias de populações diferenciadas em relação numa zona de fronteiras. O primeiro documento, de 17/03/1880, relata a presença do cacique Paulino na Câmara Municipal de Ponta Grossa solicitando ferramentas, objetos para fabrico de açúcar e aguardente, e terras. Ilmo Exmo Snr Declarou que desejava dedicar-se com seus companheiros ao trabalho da lavoura, que achavão-se aldeados nas margens do Alto Ivahy, no lugar denominado Porteirinha, distante desta cidade quinze legoas mais ou menos e proximo a Barra Vermelha. Pedirão mais que V. Exa garantise ou concedesse os terrenos comprehendidos entre os arroios Porteirinha e Índio, a qual zona pode conter duas legoas de comprido sobre uma de largo, que concedido isto a elles farião todo o possivel para aldearem nessas paragens seos patricios que vagão pelos sertões. Esta Câmara tem as melhores informações destes índios, não só como laboriosos e pacificos como tambem morigerados em costumes. Esta Câmara espera da solicitude e patriotismo de V. Exa, attender o que reclamão estes filhos dos nossos sertões, e crê piamente que o governo com pouco dispendio fará colonias indigenas que em fucturo não remoto, compensarão os sacrificio por elles feito, tornando conhecido essa

40

ARQUIVO PÚBLICO DO PARANÁ, Curitiba. Ofício. 26 out. 1880, p. 40-42, (doc. manuscrito).

43

uberrima zona, tão proxima das estradas que com pequeno dispendio dão franca rodagem. Temos a vista amostras de canas de assucar produto dos índios da Barra Vermelha, são iguaes aos melhores produtos que os Vereadores desta Câmara tem visto. Esta Câmara esta prompta a servir de intermediaria entre V. Exa e os Índios, e prestar qualquer indicação ou informação que V. Exa deseja. Deus guarde a V. Exa. Paço da Câmara Municipal de Ponta Grossa em sessão extraordinaria de 17 de Março de 1880. Ilmo Exmo Snr Dr. Manuel Pinto de Souza Dantas Filho Dignissimo Presidente da Província. Augusto Lustosa de Andrade Ribas Benedicto Mariano Ribas Joaquim Antonio dos Santos Ribas Firmino Jose da Rocha. Francisco Antonio Baptista Rosas.41 O segundo documento, de 29/03/1880, informa a presença do cacique Felisbino, que também solicita ferramentas agrícolas e utensílios para montagem de um alambique. Ilmo Exmo Snr. A Câmara Municipal desta Cidade tem a honra de levar ao conhecimento de V. Ex a, que, com o exemplo de apresentar-se a ella o indio Paulino, veio o indio Felisbino aldeado com sua tribu na Barra Vermelha, solicitou a esta Câmara que apresentasse a V. Exa, pedindo para elles vinte machados, e vinte foices, mais que queria feitas no (país) visto a ferramenta extrangeira não prestar-se ao trabalho pela sua má tempera, com que esta Câmara concorda, e pedia tambem duas taxas para o fabrico de rapadura e um alambique desejando urgencia visto como tinhão dezquarteis de canna quasi em ponto de fabricação. Esta Câmara pede a V. Exa de tomar muito em consideração a boa vontade com que estes índios dedicão se a agricultura, e pede a V. Exa de dar quanto antes uma estrada que torne facil a comunicação dos brasileiros com estes índios. Esta Câmara achando justo este pedido espera que V. Exa o tomara na devida consideração e o attenderá. Deus Guarde V. Exa Paço da Câmara Municipal de Ponta Grossa em sessão extraordinaria de 29/ de Março de 1880. Ilmo Exmo Snr Dr. Manoel Pinto de Souza Dantas Filho Dignissimo Presidente da Província. Augusto Lustosa de Andrade Ribas Rufino da Silva Ribas Joaquim Antonio dos Santos Ribas Firmino Jose da Rocha. Francisco Antonio Baptista Rosas Benedicto Mariano Ribas.42

41 42

ARQUIVO PÚBLICO DO PARANÁ, Curitiba. Ofício. 17 mar. 1880. p. 29, (doc. manuscrito). ARQUIVO PÚBLICO DO PARANÁ, Curitiba. Ofício. 29 mar. 1880, p. 11, (doc. manuscrito).

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O terceiro documento, datado de 26/04/1880, é o orçamento das despesas, com as solicitações dos caciques Paulino e Felisbino que as autoridades de Ponta Grossa enviam ao presidente da Província. Ilmo Exmo Snr A Câmara Municipal desta Cidade, cumprindo o ordenado por Exa em officio de 8 do mes que segue tem a honra de passar as mãos de V. Exa o orçamento das despesas a fazer com a compra dos objetos necessarios para fornecer aos índios Paulino e seu companheiro Felisbino. Deus guarde a V. Exa. Paço da Câmara Municipal de Ponta Grossa em sessão estraordinaria de 26 de Abril de 1880. Ilmo Exmo Snr Dr. Manoel Pinto de Souza Dantas Filho Dignissimo Presidente da Província. Augusto Lustosa de Andrade Ribas Benedicto Mariano Ribas Firmino Jose da Rocha. Joaquim Antonio dos Santos Ribas Francisco Antonio Baptista Rosas Orçamento para compra de ferramentas para fornecimento dos índios Paulino e Felisbino. 56 foices, garantidas a: 3.000 168.000 56 machados, a: 4.000 224.000 2 Alambiques de cobre com taxas e seus pertences e condução até esta Cidade a 312.000 624.000 Rs

1.016.000

da Câmara Municipal de Ponta Grossa em sessão extraordinaria de 26 de Abril de 1880. Augusto Lustosa de Andrade Ribas. Joaquim Antonio dos Santos Ribas Benedicto Mariano Ribas. Francisco Antonio Baptista Rosas Firmino Jose da Rocha.43

Os documentos são reveladores de reivindicações dos índios às autoridades locais da cidade de Ponta Grossa. Neles, essas autoridades se colocam como intermediárias dessas reivindicações junto ao governo da província, ao mesmo tempo em que também reivindicam construção de estradas na região. Portanto, nos documentos, temos o cruzamento de reivindicações das comunidades indígenas do vale do Ivaí e reivindicações da Câmara Municipal de Ponta Grossa, ao governo da província. Os documentos são de natureza política, mas também são pragmáticos, pois buscam

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impressionar, persuadir o presidente da província da justeza das solicitações dos índios e dos vereadores. O primeiro ponto a ser considerado nos documentos é o comparecimento dos caciques Paulino e Felisbino à Câmara Municipal de Ponta Grossa, local mais próximo de suas aldeias onde se encontrava o poder organizado da província, para levarem suas reivindicações. O segundo são as reivindicações. Mas, antes de pedir as ferramentas e os equipamentos para o trabalho com a cana, eles declararam que desejavam, junto com seus companheiros que vagavam pelos sertões, dedicar-se ao trabalho da lavoura. Esse "desejo" de se fixarem em algum local na região do alto Ivaí é o mote para solicitarem a concessão de terras junto ao governo provincial. O terceiro são as recomendações que os vereadores de Ponta Grossa fizeram dos índios como sendo laboriosos, pacíficos e de bons costumes, o fato de procurarem interceder junto ao governo da província apoiando as solicitações dos caciques Paulino e Felisbino. O quarto são as solicitações que eles próprios fizeram ao presidente da província aproveitando as reivindicações dos índios. Os vereadores sugeriram que o governo, com pouco dispêndio criasse as colônias indígenas e consertasse as estradas que faziam as ligações das cidades, vilas e freguesias até os territórios indígenas, tornando mais fácil a comunicação dos brancos com os índios. E, por último, o aceite do governo provincial quanto à compra das ferramentas e dos equipamentos, solicitando o orçamento desses objetos. Assim, esses documentos estão inseridos num processo maior, que é o de ocupação dos vastos territórios indígenas no segundo e terceiro planaltos paranaenses, que se acelera a partir da segunda metade do século XIX, com a política de colonização estrangeira traçada pelos governos da província. Apoiando e incentivando a implantação das colônias estrangeiras, o Império praticava sua política de ocupação dos territórios indígenas no Paraná. O auge dessa política se deu no período de 1868 a 1878, quando foram instalados mais de 60 núcleos de colonização estrangeira por toda a província. Da perspectiva dos índios kaingang essa ocupação, tanto por colônias estrangeiras como por fazendeiros brasileiros, significava a diminuição constante de seus territórios, de sua liberdade, e modificação de seu modo de vida. Portanto, para os Kaingang, no último quartel do século XIX, estava colocada a questão de se opor à conquista seus territórios pelos brancos. Essa oposição esta que trazia consigo uma tradição de luta, entendida no seu sentido amplo, compreendendo desde ações armadas contra fazendas e pequenos agricultores, mudanças de suas aldeias para longe dos núcleos de ocupação branca, permanência nos aldeamentos religiosos com deslocamentos

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ARQUIVO PÚBLICO DO PARANÁ, Curitiba. Ofício. 26 abr. 1880, p. 69-70, (doc. manuscrito).

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prolongados para o interior das florestas mantendo dessa forma seu modo de vida ancestral, manutenção de aldeias próximas aos povoamentos dos brasileiros em áreas demarcadas ou prometidas pelas autoridades aos caciques, até a manutenção de uma política de relacionamento com as autoridades da província como forma de viabilizar suas necessidades materiais de abastecimento de produtos da sociedade envolvente, e solicitações em relação às suas terras.44 Nesse sentido, a concentração dos Kaingang na localidade de Enxovia, a ida dos caciques Paulino e Felisbino a Ponta Grossa, núcleo urbano de maior desenvolvimento nos Campos Gerais na época, com a apresentação de suas reivindicações aos vereadores locais numa reunião convocada extraordinariamente, deve ser entendida como um fato político, tanto para as comunidades indígenas como para as autoridades da região. Político para as comunidades kaingang, dos caciques Paulino e Felisbino, no sentido dado por Balandier, de que o político não pode ser entendido apenas como o que existe nas sociedades que constituíram um aparelho estatal. As ações dos índios Kaingang devem ser consideradas como atos políticos, atos que fazem parte do projeto de continuidade de sua existência. E as suas relações com a sociedade dos Campos Gerais é parte determinante das características que lhe dão forma naquele momento. Ainda de acordo com Balandier, nenhuma sociedade pode ser definida, determinada, só por suas características internas. Tanto as dinâmicas internas, sua história, quanto às externas, suas relações com as sociedades vizinhas, são partes constitutivas de suas características.45 Assim, as comunidades kaingang no Paraná provincial, devem ser apreendidas nas suas relações com a sociedade dos Campos Gerais em processo de expansão. Por outro lado, para os representantes da sociedade campeira, a presença dos dois líderes indígenas na cidade também é um acontecimento político, na medida em que eles vêem nas solicitações dos índios a possibilidade de aumentar seus domínios territoriais, suas riquezas. Para os índios Kaingang, a visita à Câmara Municipal de Ponta Grossa faz parte de seu projeto político de continuidade de sua existência. Para os vereadores, a visita e as reivindicações dos índios são vislumbradas como uma possibilidade de aumentar sua capacidade expansionista. É dentro dessa contradição política que devemos interpretar os discursos contidos nos documentos. Vejamos então a perspectiva dos índios kaingang revelada nos documentos. Antes, porém, devemos interpretar a iniciativa dos líderes kaingang, de irem até a Câmara de Vereadores de Ponta Grossa. Ela denota uma de suas estratégias de aproximação com o

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Para maiores detalhes sobre a resistência dos índios Kaingang no Paraná ver, Lúcio Tadeu MOTA. As Guerras dos Índios Kaingang: a história épica dos índios Kaingang no Paraná (1769 - 1924). Maringá, 1994.

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poder provincial para colocar-lhe as demandas de suas comunidades. Pode ser que eles tivessem alguma dificuldade para serem recebidos diretamente pelo governo provincial, e buscavam dessa forma utilizar outros canais de negociações. Mas vejamos os discursos dos caciques Paulino e Felisbino. Após relatar o número de pessoas que compunham a sua comunidade, o cacique Paulino declarou o desejo do seu povo de dedicar-se ao trabalho da lavoura; e mais adiante ele solicitou a concessão dos terrenos situados entre os riachos do Índio e Porteirinha. Caso o governo lhe concedesse essas terras, ele faria todo o possível para aldear nesse local os outros índios que vagavam pelo “sertão”. Essa fala revela que o seu grupo, aldeado no emã de Porteirinha, não vivia da agricultura. Também revela que nem todos os índios se encontravam centralizados nesse local. Muitos deles viviam como seus ancestrais nas matas e campos de seus territórios imemoráveis, longe das populações brancas. Mas devemos perguntar: Por que o cacique Paulino colocou para os vereadores o seu "desejo" de dedicar-se à agricultura e a promessa de que faria um esforço a fim de trazer para junto de si os outros índios que viviam nos “sertões”? Por que esses dois elementos entram no discurso do cacique, se sabemos que nem uma, nem outra coisa seriam levadas adiante? Em 1936, Levi-Strauss46, ao percorrer as adjacências do aldeamento de São Jerônimo da Serra, encontrou os Kaingang metidos nas profundezas das matas que cercavam o aldeamento. E até hoje, em muitas reservas, muitos deles continuam fazendo as roças como seus ancestrais e praticando a caça e a pesca, isto é, não se dedicam inteiramente à lavoura, do modo praticado pelos brancos; procuram manter o modo de vida de seus ancestrais. Podemos perceber nessa colocação a estratégia política do líder kaingang. Era necessário demonstrar para os dirigentes da sociedade envolvente dos Campos Gerais que eles estavam dispostos a se fixarem, e só se a vida deles fosse baseada na agricultura isso poderia acontecer. Se ele conseguisse passar essa idéia aos vereadores, talvez atingisse seus objetivos. O cacique Felisbino, dirigente de um grupo menor, apareceu em Ponta Grossa 12 dias após o cacique Paulino, com o mesmo pedido de ferramentas e equipamentos para o fabrico de rapadura e aguardente. Com o mesmo discurso de que pretendiam trabalhar na agricultura, de que estavam dispostos a se fixarem em algum ponto dos territórios da bacia do alto Ivaí. Os objetivos dos líderes kaingang eram claros. Primeiro queriam a concessão de terras porque estavam vendo seus territórios serem ocupados pelos brancos vindos do

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BALANDIER, Georges. As Dinâmicas Sociais: sentido e poder, São Paulo, 1976. Antropologia Política. Lisboa, 1987. LEVI-STRAUSS, Claude. Tristes Trópicos. Lisboa, 1986.

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leste. Nessa época já existiam ao norte a colônia militar de Jataí e a vila de Tibagi, com 5.000 habitantes; a colônia francesa de Teresa Cristina estava a alguns quilômetros a oeste de seus aldeamentos e, a sudoeste, Guarapuava já estava com 70 anos de existência. No primeiro censo nacional, realizado em 1872, a população da província do Paraná era de 126.722 habitantes e correspondia a 1,3% da população brasileira; desses, 22.455 habitavam a região do litoral e 92.081 a região dos planaltos. No censo de 1890, a população dos planaltos paranaenses chegava a 215.920 habitantes, correspondendo a 86,6% da população da província. A taxa de crescimento da população do Paraná, nesse período, foi maior que a do conjunto do país; de 1872 a 1890, a população da província dobrou, teve um crescimento de 97%.47 Os índios também queriam as ferramentas de metal dos brancos, já não podiam viver sem elas. Conforme dialogo do frei Luís de Cimitile com o velho cacique Aropkimbe, do aldeamento de São Jerônimo da Serra, em 1872, o verdadeiro motivo que justificava sua permanência (de Aropkimbe) entre nós era porque não podia pasar mais sem as nossas ferramentas48. Com relação às ferramentas, não só tinham necessidade como as conheciam muito bem. Felisbino exigiu machados e foices fabricados no país, pois as ferramentas estrangeiras não tinham um bom tempero e não duravam no trabalho. E, por último, os alambiques para o fabrico de derivados da cana-de-açúcar, principalmente a cachaça. Aparece ainda na fala do cacique Paulino o desejo de ter uma pessoa que os dirigisse. Essa colocação, por um lado, também está inserida na estratégia de apresentar ao poder local a idéia da fixação de seu povo em um determinado local, um aldeamento nos moldes dos existentes em São Jerônimo da Serra e São Pedro de Alcântara. E, por outro, um representante do governo na direção de um aldeamento seria útil na viabilização de suas necessidades. Passemos agora à interpretação das colocações dos vereadores da Câmara de Ponta Grossa. Mas, antes, cabe perguntar: Quem são esses vereadores? Quem eles representam? Que interesses estão defendendo? Qual sua proposição de mundo? Uma rápida olhada nos seus sobrenomes dá a pista para a compreensão dos interesses que estão inseridos em suas falas. Dos cinco vereadores que assinam o primeiro documento, três são da família Ribas, um da família Rosas e um da família Rocha. No segundo documento, assinam quatro vereadores da família Ribas, um Rosa e um Rocha. O mesmo acontece com o terceiro documento. A família Ribas já se encontrava estabelecida na região

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PADIS, Pedro Calil. Formação de uma economia periférica: o caso do Paraná. São Paulo, 1981, p. 15- 36. Memórias do frei Luiz de Cimitile In: Alfredo de TAUNAY. Entre nossos índios. São Paulo, 1931, p. 99.

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desde o século anterior. Em 3 de setembro de 1772, Afonso Botelho, braço direito do governador e da capitania de São Paulo, D. Luís Antônio de Sousa Botelho Mourão - o Morgado de Mateus, fez um levantamento dos moradores da comarca de Curitiba, localizados na região dos campos de Castro, Ponta Grossa, Tibagi e Jaguariaíva. Neles havia 29 fazendas e 100 sítios. O capitão Miguel Rodrigues Ribas, residente em Curitiba, era proprietário das fazendas do Boqueirão e Tucum, distantes 4 e 5 léguas do pouso do Iapó (Castro). As fazendas do capitão Miguel R. Ribas eram administradas pelo seu neto Vítor Mariano Ribeiro Ribas.49 Os Ribas, de longa tradição nos Campos Gerais, eram os detentores do poder político na cidade de Ponta Grossa nos anos 80 do século passado, bem como proprietários de grandes fazendas de criação. Portanto, os interesses contidos nos documentos são os dos grandes proprietários de terras dos Campos Gerais. Após apresentar as reivindicações dos índios, os vereadores emitiram seu juízo de valor sobre eles. Consideraram os Kaingang liderados por Paulino e Felisbino como laboriosos, morigerados em costumes, pacíficos e o mais importante, enfatizaram ao presidente da província a boa vontade com que os índios se dedicavam à agricultura. Informaram inclusive sobre a ótima qualidade da cana de açúcar cultivada pelos índios de Barra Vermelha comparada às melhores já vistas por aqueles vereadores. A idéia de fixação dos Kaingang em lugar determinado, via trabalho agrícola, era o eixo das informações dos vereadores. Tudo isso é reforçado com a solicitação dos vereadores para que o governo provincial, com pouco dispêndio, estabelecesse as colônias indígenas na região do alto Ivaí. Da mesma forma deve ser interpretado o apoio da Câmara de Vereadores ao pedido de ferramentas e equipamentos para industrialização da cana. As ferramentas possibilitariam aos Kaingang cultivarem a cana e outros produtos agrícolas, e os tachos e alambiques viabilizariam a transformação da cana em produtos comercializáveis. Caso os índios se dedicassem inteiramente aos trabalhos agrícolas e à fabricação de rapadura e aguardente, isso significaria a mudança do seu modo de vida, como queriam as autoridades locais. Essa nova forma de vida não requereria vastos territórios de caça, pesca e coleta, com o constante deslocamento dos grupos. A lógica dos vereadores fazendeiros de Ponta Grossa tem sentido; os índios, que vagavam pelos imensos territórios do segundo e terceiro planaltos paranaenses, deviam ser fixados em áreas determinadas e integrados à vida da sociedade envolvente. O trabalho agrícola, as ferramentas para a lavoura, a aguardente50,

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50

RODERJAN, Roselys Vellozo. Os Curitibanos e a formação de comunidades campeiras no Brasil Meridional (séculos XVI a XIX). Curitiba, 1992. Ao falar dos efeitos dos equipamentos do civilizador sobre os índios, Darcy Ribeiro escreve que A aquisição mais deletéria para os indígenas foi, seguramente, a aguardente de cana. Neste caso, ao fascínio exercido sôbre diversas tribos, como bebida muito mais forte que as suas se soma a propensão à embriagues, quase fatal no caso de grupos humanos submetidos a tensões e frustrações como as experimentadas pelos índios no curso da aculturação. Acresce ainda que a aguardente, devendo também ser obtida dos brancos, foi largamente utilizada como o principal alicate para induzir os índios

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eram instrumentos dessa política de desintegração do modo de vida indígena. Daí o empenho das elites campeiras em verem atendidas as demandas dos caciques Paulino e Felisbino. Não bastasse a desfiguração da vida tradicional dos Kaingang, fazia-se necessário chegar até seus territórios. Para tanto, adendou-se à demanda dos índios a solicitação dos vereadores de abertura de estradas nas ubérrimas zonas de domínio kaingang. As estradas eram a ponta de lança da sociedade envolvente no seu projeto de expansão nas zonas de fronteiras com os territórios indígenas. E o governo da província, como se comportou diante das reivindicações dos índios e dos vereadores? A resposta aparece no terceiro documento, de 26/04/1880, quando a Câmara Municipal de Ponta Grossa, mais uma vez reunida extraordinariamente, apressouse em responder ao oficio do governo, de 08/04/1880, apresentando o orçamento das despesas a fazer com a compra dos objetos para os caciques Kaingang, no valor de 1.016$000, (um conto e dezesseis mil reis) conforme o solicitado pelo presidente da província Dantas Filho. A tramitação da documentação foi extremamente rápida para a burocracia da época, principalmente em se tratando de demandas dos índios. Isso nos revela uma sintonia fina entre a política indigenista do governo da província e os interesses dos vereadores fazendeiros. O primeiro documento, do cacique Paulino, foi enviado de Ponta Grossa no dia 17/03/1880; no dia 24/03/1880 o presidente Dantas Filho o despachava para a Tesouraria da Fazenda e esta para a contadoria no dia 30/03/1880. O documento do cacique Felisbino foi enviado em 29/03/1880. Em 08/04/1880 o presidente da província enviou os documentos de volta à Câmara de Vereadores de Ponta Grossa solicitando orçamento das despesas. Em 26/04/1880, duas semanas após, a Câmara de Vereadores devolveu ao presidente Dantas Filho a previsão de despesas e este a enviou ao inspetor da Tesouraria da Fazenda em 01/05/1880, e no dia 03/05/1880 a Tesouraria mandou o orçamento para a contadoria. Em menos de dois meses os documentos tramitaram da Câmara de Vereadores de Ponta Grossa ao governo provincial, deste novamente para ela e novamente para o governo da província, numa demonstração de interesse de ambas as partes em viabilizar as ferramentas e os equipamentos aos índios. Tudo faz crer que realmente eles foram comprados e enviados aos índios. Todavia, parece que os alambiques nunca chegaram às mãos dos índios. Os filhos do cacique Paulino encontraram-se, em 1896, na vila de Teresina, com o general Cândido Muricy, e queixaram-se de que, apesar de terem bastante cana plantada, não podiam fazer cachaça nem rapadura, pois o alambique

trabalharem para estranhos; e, nas etapas mais avançadas da desagregação moral, para obter favores das mulheres indígenas. Darcy RIBEIRO, Os índios e a civilização, São Paulo, 1970, p. 327.

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enviado pelo presidente da província fora roubado pelo diretor dos índios, de quem eles tinham de comprar a cachaça e a rapadura.51 A ação do diretor dos índios, apropriando-se dos alambiques a eles destinados, atravessou a política do governo da província e das elites campeiras de tornar os Kaingang não apenas consumidores, mas também produtores de aguardente nos territórios indígenas do alto Ivaí. Esses descompassos merecem estudos mais aprofundados para compreendermos até que ponto as políticas indigenistas traçadas pelos governos imperiais, provinciais e até mesmo locais foram levadas a cabo pelos homens que as operavam junto às comunidades indígenas. Concluindo,

podemos

afirmar

que

a

interpretação

dos

documentos

apresentados não poderia ser feita de forma unilateral, isto é, entendendo-os apenas como o discurso das elites provinciais em sua estratégia expansionista. Isso seria desconsiderar a capacidade dos Kaingang em traçar políticas que possibilitassem a continuidade do seu modo de vida. Por outro lado, também seria unilateral uma leitura que apenas visse os documentos como pautas de reivindicações das comunidades kaingang dos caciques Paulino e Felisbino, sem considerar a capacidade de articulação e definição de estratégias das elites campeiras no seu projeto expansionista. Portanto, o que está em jogo nos discursos contidos nesses documentos são interesses políticos diversos, são projetos políticos diferenciados, de sociedades antagônicas que se opõem e se relacionam. Os documentos trazem um conjunto de ambigüidades e encerram feixes de contradições próprias de sociedades diferenciadas em relação numa zona de fronteiras. A presença do cacique Paulino Arak-xó na região continuou sendo anotada por funcionários governamentais e viajantes e pela imprensa local por um longo tempo. Numa tarde do mês de maio de 1886 - quando Telêmaco já morava na cidade de Tibagi - o cacique Paulino Arak-xó e Telêmaco Borba descansavam de uma caçada e falavam das guerras passadas entre os Kaingang e os brancos. Foi nessa tarde que Arak-xó contou a Telêmaco Borba a saga de seu tataravô, o turamani cacique Combró e seus filhos Cohí e Tandó. (...) para voce fazer idea do que eram meos antepassados, vou lhe contar a história de Combró, que era pae do pae da mae de meo pae. Naquelles tempos minha gente não tinha ferramenta; seos machados (Beng) eram de pedra, (ipó). Serviam-lhes de facas pequenas lascas de quartzo (toí); Combró era um chefe guerreiro e valente turumani; elle já sabia que os brancos (fong) tinham machados e facas (hefe), que cortavam melhor que os delles; querendo adquiril-os a seo modo, convidou seos companheiros

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MURICY, José Cândido. Viagem ao país dos jesuítas. Curitiba, 1975, p. 81.

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(Kaporon), para ir em demanda destes objetos (...) Tandó e Cohí eram filhos de Combró. Tandó tinha sido creado entre os brancos que o tinham aprizionado, quando mataram o pae. (...) Contou-me esta historia a mae de meo pae, mulher muito velha, com os cabellos todos brancos, que a ouviu de seo pae que era irmão de Tandó.52 Dessa forma Arak-xó reivindica ser descendente do grande cacique Kombro – seu tataravô - que resistiu a ocupação de seus territórios em Guarapuava, e do cacique Kohi – seu bisavo – que continuou a saga de Kombro. Alguns anos mais tarde, em 1896, já morando nas proximidades de Teresa Cristina, ele encontra com o general José Cândido Muricy, que viaja pelo vale do Ivaí até as ruínas de Vila Rica. Muricy tem dois encontros com o cacique Paulino, o primeiro, na própria vila de Teresa Cristina, quando foi surpreendido em seu acampamento por um grande número de índios comandados pelo cacique. (...) O capitão Paulino sentou-se à porta da nossa barraca. Vinha acompanhado por um índio ainda moço, que se intitulava cabo Joaquim, parlapatão e pernóstico, com sotaque perfeito dos nossos caboclos. Conversou sôbre política, eleições, falou da Rapública e da Monarquia; pediu informações sôbre a Revolução, a estabilidade do Governador do Estado e do Presidente da República, se ainda estavam no poder, e porque íamos fugindo para o Paraguai.53 O General Muricy não gostou do interrogatório a que foi submetido e ainda ficou intrigado com o fato de o índio ter conhecimento de assuntos políticos do país. Nessa época, Paulino vivia com sua gente no toldo chamado Ubá. Os habitantes de Teresina não confiavam nele, apesar de suas afirmações de que agora era bom e não matava mais português, conforme o relato do comerciante Ferrer ao general Muricy. Muricy vai encontrar o cacique Paulino em uma outra ocasião, quando se achava acampado no porto do Areião, no rio Ivaí. Todo vestido com roupas militares antigas, o cacique Paulino apareceu: De pé sobre a barranca, (...) achava-se um sujeito muito comprido, metido como um cabide numa sobrecasaca que, de tão usada , estava o pano transformado num tecido grosso, de um verde ferrugento e furta cor, tendo as mangas agaloadas num posto oficial desconhecido que ele dizia ser de Capitão. A cintura trazia enrolada uma banda de lã que fora encarnada no

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Para conferir a história toda contada por Arak-xó ver Telêmaco BORBA. Actualidade Indígena. pp. 28-33. Telêmaco Borba cita o cacique de duas formas diferentes; Arákchó, e Arakxó. Ele conviveu com Borba nos anos de 1880 e foi um dos seus principais informantes. Além de Paulino Dotahy, como é denominado pelo encarregado do Serviço de Colonização, João B. B. de Proença, o cacique também recebeu a denominação de Paulino Arak-xó, conforme o Decreto n. 8, de 9 de setembro de 1901, do governador Francisco Xavier da Silva. 53 Cf. Joé Cândido MURICY. Viagem ao País dos Jesuítas. p. 78.

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tempo em que ainda estava em uso pelos antigos sargentos do exercito. (...) Vinha sem calças. Talvez não possuísse as do uniforme e achasse que outras não lhe assentariam bem, (...) os pés metidos em em um velhíssimo par de coturnos. (...) Viera armado dum comprido porrete de guajuvira lavrado em quinas que o tornava uma arma perigosa. (...) Estava imponente aquele figurão aprumado sobre a barranca do rio com a cabeça encartuchada numa cartola muito velha, amassada.54 No seu diálogo com os homens da expedição, o cacique foi ridicularizado tanto quanto ao seu modo de vestir, de comportar-se bem como em relação às reivindicações que fez. Nessa visita Paulino estava acompanhado de três mulheres: uma mais velha era sua mãe, outra de meia idade em torno de 25 anos era sua filha e uma mais nova com 15 anos aproximadamente era sua mulher, conforme o próprio Paulino: Capiton Porino veio munto, muié nova picisa.55

Foto de Paulino Arak-xó feito pelo naturalista tcheco Albert Vojtec Fric no salto Ubá no rio Ivaí no início do século XX. In: A. V. FRIC. Indianí Jizni Ameriky. Prha, Orbis, 1977.

54 55

Cf. José Cândido MURICY. Viagem ao País dos Jesuítas. p. 177. Cf. José Cândido MURICY. Viagem ao País dos Jesuítas. p. 179.

54

3.4

OS GRUPOS DOS CACIQUES BANDEIRA, GREGÓRIO, HENRIQUE E OUTROS QUE VIERAM DOS TERRITÓRIOS A OESTE DO RIO IVAÍ Os outros grupos kaingang que foram ocupando o vale do Ivaí vieram dos

campos e serras divisoras dos vales do Piquiri, Corumbataí e Ivaí. Os nomes que aparecem na documentação são os dos caciques Bandeira e seus subordinados – Henrique, Gregório e Mayor -, o cacique José Kafang mais tarde aldeado em Marrecas, Jagjóe Luiz Cleve. Com destaque para o cacique Gregório que aparece como o mais temido cacique kaingang da época. Vamos acompanhar a trajetória deles. Em 2 de junho de 1879, o dono de uma hospedaria em Curitiba, Gabriel de A. Torres enviou uma cobrança ao presidente da província no valor de 43$200, relativa à hospedagem de 24 índios que ali tinham estado no mês de maio56. Em julho também tivemos índios em Curitiba, na hospedaria de Gabriel A. Torres; e este solicitou o pagamento de 20$000 importância de tres dias de alimentação a deis indios que por ordem de V. Exa forão recolhidos na hospedaria no meis passado.57 Pela documentação do Diretor Geral dos Índios, os Kaingang que estiveram em Curitiba no mês de julho foram os Kaingang do grupo do cacique Luís Cleve. Eles tinham seus emã na localidade denominada Campos do Moron (Campo Mourão). Envio a presença de V. Exa, com as cartas inclusa do Vigário de Guarapuava o cacique que se denomina Luiz Cleve, residente no Campo de Moron, o qual é acompanhado por algumas pessoas de sua tribu e vae pedir a V. Exa ferramentas, roupas e armas. Esta pobre gente vem de enormes distancias em procura destes recursos.58 Assim, o Diretor dos Índios do Paraná, Hipólito Alves de Araújo, recomendou da sua residência em Palmeira os Kaingang do grupo do cacique Luís Cleve ao presidente da província. A recomendação de Hipólito A. de Araújo e as cartas do vigário de Guarapuava chegaram às mãos do presidente Dantas Filho no dia quatro de julho, e no mesmo documento temos um despacho dele autorizando o fornecimento de algumas baetas e gastos até a quantia de 3$000. Conforme a carta do cônego A. Braga de Araújo, datada de 29 de maio de 1879, os índios tinham chegado a Guarapuava no dia 25 de maio. Eles eram

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ARQUIVO PÚBLICO DO PARANÁ, Curitiba. Ofício. 2 jun. 1879, p 197, (doc. manuscrito). ARQUIVO PÚBLICO DO PARANÁ, Curitiba. Ofício. 16 ago. 1879, p. 172, (doc. manuscrito). 58 ARQUIVO PÚBLICO DO PARANÁ, Curitiba. Ofício. 30 jun. 1879, p. 99-91, (doc. manuscrito). A denominação desses campos aparece de diversas formas na documentação da época: Moron, Moiron, Moiram, Mourão. A designação desses campos, entre os rios Ivaí e Piquiri, hoje municipio de Campo Mourão e adjacentes se deve ao governador da capitânia de São Paulo Dom Luiz Antonio de Souza Mourão, Morgado de Mateus, que a governou de 1765 a 1775 e nesse período enviou várias expedições exploradoras à região. Para maiores detalhes de seu governo, ver Heloísa Liberalli BELLOTTO. 57

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(...) trezentos índios, mais ou menos, inclusive crianças, vindos todos do campo denominado = Moron = e mto poucos do Paequerê. Os seus chefes (caciques) são 4, e estes apenas chegarão, estavão a perguntar = pelo Snr Brigadeiro, seu Diretor, e lhes respondi q. o Snr. Brigadeiro não residia aqui e sim na villa da Palmeira, parecendo-nos q. ficarão elles com isto bem descontentes e contrariados.59 Os Kaingang vindos dos campos à oeste e noroeste de Guarapuava chegaram à cidade com a intenção de negociar com as autoridades competentes, no caso, o Diretor Geral dos Índios que eles pensavam residir em Guarapuava. Talvez ainda achassem que o diretor dos índios fosse o fazendeiro Rocha Loures, que vivia em Guarapuava, por isso seu descontentamento. Mas apresentaram ao cônego Braga a intenção de fixarem seus emã nos ditos Campos Moron (Campo Mourão), distantes quatorze léguas de Guarapuava. Pareciam conhecer a sistemática de funcionamento dos aldeamentos oficiais, pois muitos deles já tinham vivido ou tido contato com índios dos aldeamentos de São Pedro de Alcântara e São Jerônimo, tanto que colocaram para o cônego que o aldeamento deveria ser sustentado e conservado pelo governo, e deveria ter um subdiretor e um regulamento. Disseram que já tinham feito uma estrada para o Campo Mourão, que podia ser transitada a cavalo, estrada essa já conhecida por algumas léguas pelas populações de Guarapuava. Essa estrada, que os índios disseram ter construído, podia ser a picada da expedição Rebouças, de 1868, que saiu de Guarapuava e foi até abaixo da corredeira do Ferro, no rio Ivaí, passando a leste e a norte dos ditos campos. A mor parte destes indios já está voltando pa suas residencias. Entretanto, alguns delles resolverão ir apresentar-se à V. sa., e são portadores desta, com o fim de pedir-lhe alguns recursos e se for conveniente, irão à Capital, incaminhados por V. Sa., a fim de se apresentarem à Presidencia da Provincia.60 Dos trezentos índios que estiveram em Guarapuava em fins de maio, dez resolveram levar suas reivindicações ao diretor dos índios em Palmeira; lá chegaram um mês depois, em 30 de junho, e em seguida foram encaminhados para Curitiba, onde estiveram em princípio de julho. O item da catequese e civilização dos índios, no relatório do presidente Dantas Filho de janeiro de 1880, traz como a grande questão a ser resolvida; o aldeamento dos 2.500 índios Kaingang que estavam espalhados nos territórios à oeste e noroeste de Guarapuava, nos famosos campos de Pahy-ke-rê, tanto nos vales dos rios Ivaí e Piquiri

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Autoridade e conflito no Brasil Colonial: o Governo do Morgado de Mateus em São Paulo (1765-1775), São Paulo, 1979. ARQUIVO PÚBLICO DO PARANÁ, Curitiba. Ofício. 30 jun. 1879, p. 99-91, (doc. manuscrito).

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como nos campos dos divisores das águas desses rios. Dantas Filho utilizou como referencial o relatório que Daniel Cleve lhe enviou em fins de 1879 sobre a situação desses índios. Uma das providências tomadas no ano anterior, para o encaminhamento dessa questão, foi à nomeação de Luís Daniel Cleve como Diretor dos Índios de toda a comarca de Guarapuava. Cleve tinha caído nas graças do presidente por haver encaminhado com razoável sucesso a transferência dos índios dos campos de Atalaia, nas proximidades de Guarapuava, para o novo aldeamento de Marrecas. Nessa época Cleve lhe fez um quadro da situação dos índios na comarca de Guarapuava: Chefes

Francisco

Tigre Gacon

Bandeira

Paulino

Desconhecido

Caciques Subalternos

Paulino Tigre

Felizardo, e José Cafang

Mayor, Gregorio, Henrique

Residências

Atalaia

Marrecas

Campo Moiron

Therezina

Pai Querê

Numero de índios

40

62

200

20

2000

TOTAL

2502 Pondera ainda o director, ser da maior urgencia reunir todos estes indios em uma só aldêa, ou, quando não, deixal-os divididos em dous aldeamentos, um principal em Marrecas e outro no campo Moiram e que um estabelecimento d’esta ordem, sendo bem administrado, tendo um padre e um mestre escola, em breve tempo contará em seu seio 2.500 individuos trabalhando pela prosperidade desta esperançosa provincia.61 A estratégia da conquista continuava sendo a mesma: os brancos pensavam

que poderiam reunir em aldeamentos os vários grupos que estavam dispersos e catequizálos com ajuda da Igreja, civilizá-los através do trabalho e apropriar-se de seus territórios. Assim pensavam em transferir os Kaingang dos territórios do oeste de Guarapuava para os aldeamentos do rio Marrecas no alto Ivaí. Essa era a estratégia dos brancos; os Kaingang tinham outra. Eles, que no primeiro momento reagiram à conquista atacando as fazendas que se implantavam em seus territórios, no segundo momento aproximaram-se dos aldeamentos religiosos e procuraram tirar o máximo de proveito desses estabelecimentos. Agora, no final da década 1870, estavam abrindo uma nova fase em contraposição à guerra de conquista que os brancos lhes moviam; iniciaram as demandas pelas demarcações de

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ARQUIVO PÚBLICO DO PARANÁ, Curitiba. Ofício. 30 jun. 1879, p. 99-91, (doc. manuscrito). PARANÁ. Governador (1879 - 1880 Dantas Filho), 16 fev. 1880, p. 43.

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territórios já ocupados por seus grupos. Nesse sentido eles forçavam o poder provincial a demarcar novas áreas que ia muito além das definidas nos aldeamentos religiosos. Para a instalação do novo aldeamento de Marrecas, em Guarapuava, e atração dos índios que viviam nos vastos territórios do oeste e noroeste da província, não havia verbas, e para qualquer gasto nesse sentido deveria ser solicitada à autorização do Ministério da Agricultura, conforme aviso de 19 de julho de 1880. Esse aviso reiterava as ordens expedidas pelo Ministério, de não se fazer despesa alguma verba da catequese além daquelas já estabelecidas no orçamento. No entanto, por ordens do presidente anterior, Daniel Cleve tinha feito despesas com a distribuição de brindes aos Kaingang. Conforme documento enviado à presidência da província, ele tinha distribuído, em 30 de maio, ao cacique José Kafang, do novo aldeamento de Marrecas, a quantia de 24$100 mil réis em panos para confecção de roupas. No dia 31 distribuiu 42$520, também em tecidos, aos índios dos campos de Moiram (Campos do Mourão). No dia seis de junho distribuiu mais 8$810 aos índios de Marrecas. E em quatorze desse mesmo mês distribuiu tecidos ao cacique Paulino de Teresina no valor de 49$440. Essas despesas totalizaram 124$870. Enviada a conta à Tesouraria para o pagamento, ela informou que não constava nos arquivos daquela repartição nenhuma autorização para semelhante despesa.62 A distribuição dessas mercadorias era uma das formas que Cleve tinha para estabelecer contato amistoso com os índios, principalmente com os que ainda estavam arredios, morando nos campos divisores de águas dos rios Ivaí e Piquiri. Os brindes ao cacique Bandeira tinham-lhe aberto às portas de seus territórios. Tanto que Cleve informou: Seguem dentro em poucos dias algumas pessoas, acompamhadas pelo cacique Bandeira, o interprete (...) Cavalheiro, para o campo Moiram, afim de reconhecer as localidades e observar os toldos e tribus ali existentes, visto que os caciques ali instam pela fundação de um aldeamento.63 Assim escreveu novamente Cleve ao presidente em 29 de novembro de 1880: Ilmo e Exmo Sr. - Tendo diversas hordas de indios selvagens, capitaneadas pelos caciques Bandeira, Gregorio, Jangjó e outros, residentes nas margens do rio Piquiry e affluentes do Corumbatay, vindo em repetidas vezes implorar o auxilio do governo para abandonar a vida de selvagem e entrar no gozo das vantagens da civilização, tem-se procurado affagal-os por todos os modos, já dando-lhes ferramentas e roupa, já prometendo aldeal-os, proteger os aldeamentos e o andamento da

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Sobre as despesas de Cleve ver ainda ARQUIVO PÚBLICO DO PARANÁ, Curitiba. Ofício. 1 dez. 1880, p. 98, (doc. manuscrito). ARQUIVO PÚBLICO DO PARANÁ, Curitiba. Ofício. 26 out. 1880, p. 40-42, (doc. manuscrito).

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catechese, o que muito contente se mostraram e pediram se fosse visitalos nos seus toldos.64 O Diretor dos Índios em Guarapuava repetiu o discurso dos índios que foram procurar as autoridades nessa cidade para o estabelecimento de negociações sobre seu aldeamento. Que os índios kaingang queriam o auxílio do governo era evidente. Muitos deles já tinham tido contato com os aldeamentos de São Pedro de Alcântara e São Jerônimo e sabiam que, se reivindicassem, o governo poderia reservar-lhes parte de seus territórios, fornecer-lhes ferramentas e equipamentos para o fabrico de açúcar e aguardente, e muitas outras coisas. Agora, quanto a abandonar o modo de vida indígena, isso eram apenas discursos que os chefes faziam aos negociadores brancos para convencê-los a apoiar suas demandas junto às autoridades provinciais e imperiais. Mas a questão mais importante que estava em pauta era a defesa de seus territórios. Cada vez mais os índios percebiam que os conquistadores brancos estavam ocupando vastas áreas de suas terras e que em pouco tempo eles chegariam aos pontos mais distantes; então era necessária a defesa de partes de seus territórios para seu povo. Tanto que tinham reocupado as terras dos campos de Atalaia em Guarapuava, forçaram a demarcação das terras no rio Marrecas e arrancaram a promessa de que o governo protegeria seus aldeamentos, conforme escreveu Daniel Cleve. O fazendeiro Noberto Mendes Cordeiro tinha visitado os emã do cacique Bandeira em outubro de 1880; lá foi bem recebido como representante do governo. Os índios solicitaram-lhe auxílio para estabelecimento de um aldeamento, e também um padre, um professor, ferramentas, e prometeram abrir a estrada das suas aldeias até Guarapuava, numa distância de vinte e três léguas. Norberto M. Cordeiro esteve em Curitiba em audiência com o presidente Pedrosa e lhe relatou suas conversas com os índios, deixando o presidente otimista quanto às relações com esses índios. Tão anciosos estão os selvagens do Piquiry de fazer causa commum comnosco, que se propoem eles a abrir uma picada que dê aos seus toldos e ao Salto das Sete Quedas communicação facil com Guarapuava. Pedem apenas ferramenta e uma pessoa pratica no serviço para dirigilos.65 Em seguida o presidente Pedrosa encarregou o fazendeiro Norberto M. Cordeiro de dirigir os índios na abertura dessa estrada, prometendo-lhe todo o auxílio possível. Sem verbas na rubrica da catequese e civilização dos índios, provida pelo governo

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PARANÁ. Governador (1880 - 1881 Pedrosa), 16 fev. 1881, p. 78. PARANÁ. Governador (1880 - 1881 Pedrosa), 16 fev. 1881, p. 78.

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imperial, ele utilizou a verba decretada no orçamento, pela Assembléia Província, para aldeamento dos índios em Guarapuava. E assim autorisei o director desses indios a despender a quantia de 300$000 para coadjuvar a expedição do cacique Bandeira, afim de abrir-se a mencionada picada, despendendo essa importancia com ferramenta e brindes aos selvagens que fossem empregados ao serviço. Tambem autorisei-o a contratar o interprete Felizardo com vencimentos mensaes não excedentes a 30$000 para acompanhar a expedição.66 O esforço do governo provincial para estabelecer relações amistosas com o grupo do cacique Bandeira tinha, além do propósito de abrir os territórios entre os rios Piquiri e Ivaí para a ocupação, outros objetivos: a abertura da conquista dos territórios entre os rios Piquiri e Iguaçu até o rio Paraná, os quais estavam ocupados por grupos resistentes. Em Guarapuava alguns cidadãos abastados querem auxiliar a expedição porque comprhendem que attrahindo e agradando os indios do Piquiry, terão nelles guardas vigilantes para preservarem-se das correrias de outras tribus ainda bravias. Segundo declarou-me o referido fazendeiro Norberto Mendes, esses novos aliados estão dispostos a ajudar em qualquer expedição para o lado do Iguassu gratuitamente. Convêm aproveitarmos essa boa disposição delles emprhendendo com sua coadjuvação a exploração da zona entre o Piquiry e o Iguassu, até hoje quasi completamente desconhecida e onde assseguram que existem os famosos campos do Pai-querê.67 Após a exposição, o presidente pediu apoio dos deputados provinciais para levar adiante tão importante empresa. Dentre os caciques que habitavam os campos divisores das águas dos rios Ivaí e Piquiri destacava-se o cacique Gregório. Desde a década de 1860 temos informações sobre ele. Em agosto de 1864 estava aldeado em São Jerônimo com 105 pessoas do seu grupo, conforme informações do presidente da província José Joaquim do Carmo.68. Em 1867, Franz Keller escreveu que Gregório se encontrava aldeado no norte da província, talvez pelo medo que lhe causavam as perseguições que lhes fizeram os caciques Viri e Vitorino Kondá, em anos anteriores, no sul da província. Assim, ainda em 1867, Gregório estava em São Jerônimo, mas alguns anos depois ele e outros caciques já se encontravam nos campos do Mourão. Em fins de dezembro de 1879, Daniel L. Cleve, então Diretor dos Índios aldeados na comarca de Guarapuava, comunicou ao presidente da província que:

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PARANÁ. Governador (1880 - 1881 Pedrosa), 16 fev. 1881, p. 80. PARANÁ. Governador (1880 - 1881 Pedrosa), 16 fev. 1881, p. 78. 68 PARANÁ. Governador (1864 Carmo), 18 nov. 1864, Anexo 4. 67

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Em breve poderei dispor de alguns dias, no intervallo da mediçòes, para visitar os diversos toldos disseminados nestas mattas, sendo os mais consideraveis os toldos capitaneados pelos indios Bandeira, Henrique, Gregório, e outro cacique não batizado e ainda não rendido a civilização. Assentaram elles seus toldos no Campo Moirão, entre os rios Corumbatahy e Ivahy, vivem da caça e pesca e consta que fazem boas lavouras. Conheço pessoalmente os caciques Henrique e Bandeira, os quaes se tem dado ferramenta e fazenda, e reputo-os de boa idole. Com o fim de receberem visita do diretor geral, abriram o anno passado uma picada atravez do certão em que morão, e se esta for viavel, irei ate seus toldos para verificar o numero de indios existentes ali, e tentarei persuadil-os para virem á vida commum no novo aldeamento das Marrecas.69 Também no relatório do presidente Dantas Filho, de fevereiro de 1880, Gregório aparece como um cacique subordinado ao cacique Bandeira e vivendo com seu grupo nos territórios denominados campo Moiram. Bandeira, chefe dos indios que habitam o campo Moiram, tem sob suas ordens 200 pessoas, comprhendendo os caciques Henrique Gregório e Mayor. Estes indios, fazem suas roças no valle do Ivahy e plantam a canna de assucar, mas sem tirar della o minimo proveito, por falta de recursos e estradas. Diz esse chefe que mandou abrir um caminho até sahir nos campos de Guarapuava o que se propóe o citado director Cleve a verificar logo que tenha tempo para lhes fazer uma visita.70 Em 1885, os caciques Henrique e Gregório continuavam com sua gente nos campos do Mourão e no vale do rio Corumbataí, nas proximidades da antiga cidade espanhola de Vila Rica, conforme informa José F. T. do Nascimento: Disseram-me mais que do Pary com dois dias de viagem para o lado norte chega-se ao campo do Mourão, onde moram os caciques Gregório e Henrique com seus toldos, sendo Gregório um chefe bem respeitado pelos seus; com elle tive bôas relações quando cheguei a Guarapuava, onde elle estava nessa ocasião; dei-lhe alguns presentes e pediu-me que fosse a seus toldos, dizendo-me que morava perto da abandonada Villa Rica do Espirito Santo, á margem esquerda do rio Ivahy, onde estive a há seis anos passados. Gregório também não quer sahir dalli para outro lugar.71 Dez anos depois, em 1896, o velho cacique Gregório ainda vivia, e era temido pelas populações brancas que estavam ocupando o vale do médio Ivaí. Na percepção dos caboclos, da vila de Teresa Cristina, que acompanharam a expedição do general José Cândido da Silva Muricy até as ruínas de Vila Rica, o cacique Gregório era o capitão mais

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ARQUIVO PÚBLICO DO PARANÁ, Curitiba. Ofício. 24 dez. 1879, p. 2, (doc. manuscrito). PARANÁ. Governador (1879 - 1880 Dantas Filho), 16 fev. 1880, p. 42. NASCIMENTO, José F. T. do. Viagem feita por José F. T. do Nascimento pelos sertões de Guarapuava, Província do Paraná e relações que teve com os índios coroados mais bravios daquelles lugares. RIHGB. Rio de Janeiro, n. 49, v. 73, pt 2, p. 276, 1886.

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infiér e mais gente da nossa matô. Muricy encontrou-se com Gregório nas proximidades do salto Ubá, no rio Ivaí. Voltamos-nos imediatamente e demos de cara com um bugre alto de possante corporatura, fisionomia enérgica, de caracteres tigrinos e olhar penetrante. O cenho carregado, profundo vinco entre os olhos, com forte comissura dos lábios grossos e retesados, indicavam pouco ou nenhum habito de sorrir. Qual seria sua idade ? Impossível dizer,72 O local do encontro do General Muricy com o cacique Gregório, em 1896, nos leva a supor que ele ou tinha-se mudado para as proximidades do salto Ubá, no rio Ivaí, uns setenta quilômetros a sudeste de seus emã das proximidades de Vila Rica, aceitando as propostas dos brancos para ali se fixar, ou seus territórios abrangiam toda a região entre os rios Ivaí e Corumbataí, e naquele momento, inverno de 1896, ele estava com sua gente - em torno de duzentos e cinquenta a duzentos e setenta pessoas - nas corredeiras da Bufadeira, próximas ao salto Ubá, aproveitando a abundância de peixes que existia no local. Essa corredeira, nos dizeres de Muricy, tinha oitocentos metros de largura e mais de um quilômetro de comprimento, (...) terminando, na parte inferior, por um grande Parí construido pelos Caingangues que habitam o toldo da Bufadeira. Havia poucos dias, êsse Parí lhes dera uma grande carga de peixes cuja moqueada estavam terminando naquela ocasião, sendo o pescado manteado e exposto ao sol em grandes varais sôbre altas forquilhas. Estavam sofrendo essa operação, assim desdobrados em mantas, quase duzentos grandes peixes, suruís, pintados, magurujús, pacus e outros, apanhados antes que um cardume maior, de milheiros de peixes grandes, descendo o rio após a desova, tivesse arrebentado o Parí e escapado.73 O certo era que Gregório esteve presente por toda a segunda metade do século XIX nos territórios do norte e oeste do Paraná, nas relações de seu povo com os brancos invasores. Quando foi preciso aldear, ele levou sua gente para o aldeamento indígena de São Jerônimo. Quando foi preciso abandonar o aldeamento oficial do Império, ocupou com seu povo os campos do Mourão, e agora no final de sua vida dirigia um grande grupo de mais de duzentos e cinqüenta individuos em vários emãs entre afoz do rio Belo e a corredeira da Bufadeira no rio Ivaí. Dessa forma, no final do século XIX e limiar do século XX vários grupos kaingang viviam nos diversos emãs no médio Ivaí. Destacando-se a lideranças dos caciques Paulino Arak-xó e do cacique Gregório. Eles já tinham conseguido ocupar todo o vale do Ivaí

72 73

MURICY, José Candido da Silva. Viagem ao país dos jesuítas. Curitiba, [1896]1975, p.167. MURICY, José Candido da Silva. Viagem ao país dos jesuítas. Curitiba, [1896]1975, p.165.

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desde a Colônia Teresa Cristina até o rio Corumbataí, tinham empurrado os Xetá para além das corredeiras das bananeiras abaixo das antigas ruínas de Vila Rica do Espírito Santo. Ocupação Kaingang no vale do médio Ivaí de Teresa Cristina até Vila Rica do Espírito Santo na foz do rio Corumbataí no final do século XIX conforme mapa elaborado por José Cândido da Silva Muricy.74 Toldo

Local

Cacique

Nome e Descrição

01

Rio Ivahy (E)/ Belo (D)

02

Rio Belo (D)

03

Rio Belo (E)

04

Rio Belo (E)

05

Rio Ivahy (E)

06

Ivahy (E)

07

Rio Ivahy (E) / Marrequinhas (D)

Toldo Marrequinhas

08

Rio Ivahy (E) / Borboleta (D)

Toldo Borboletas

09

Rio Borboleta (D)

10

Rio Ivahy (D)

Gregório (Capitão)

Toldo da Bufadeira, em torno de 250 a 270 pessoas

11

Rio do Peixe ou Ubazinho (D)

Paulino (Capitão)

Toldo do Ubá

12

Rio do Peixe cabeceiras

13

Rio do Toldo (D)

14

Rio Alonso (D)

Pari, Ultimo ponto onde a expedição encontrou os Kaingang.

15

Arroio da Bulha (cabeceiras)

Toldo dos Botocudos

16

Afluente esquerdo (Cabeceiras

Jose (Capitão)

Caetano

Em frente a um Pari Gregório (Capitão)

ou

Ubazinho

do

Ranchinho

nas

Corumbatay

Serra dos Dourados.

Obs: Margem direita (D). Margem esquerda (E)

74

José Candido da Silva MURICY. Viagem ao país dos jesuítas. Curitiba, Imprensa Oficial do Estado, [1896]1975.

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PLANTA DA VIAGEM AO PAIZ DOS JESUÍTAS

Mapa elaborado pelo Gen José C.da S. Muricy por ocasião de sua viagem ao rio Ivaí em 1896 e publicado no livro Viagem ao país dos jesuítas. Curitiba, Imprensa Oficial, 1975, com o titulo Planta da viagem ao paiz dos jesuítas. A reprodução que anexamos aqui faz parte da contracapa do referido livro, existe uma versão integral desse mapa encartada no mesmo livro, nela pode-se observar mais detalhadamente os locais dos referidos Toldos Kaingang no vale do rio Ivaí nesse final do século XIX.

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4

OS KAINGANG NO MÉDIO IVAÍ NO SÉCULO XX, AS SUCESSIVAS DEMARCAÇÕES E A PERDA DE SEUS TERRITÓRIOS Os fragmentos das narrativas colhidas em campo mostram que os velhos e

as velhas kaingang ainda trazem consigo as lembraças dos limites de suas terras antes dos decretos e leis que reduziram seus territórios. (...) naquele tempo que eu nasci, nossa área era aquele lá do Manoel Ribas. Então nossa área ali, aquele do Manoel Ribas, lá, que morava ali no Monjolo Velho. Então tamanho assim, que serve para construir sede da cidade. Que era nossa área, né? Essa área é tudo nossa, que é de lá. Até pro Pitanga para cá. É o Marrequinha do Pitanga que era nossa área. É, perto de Ivaíporã, um marco que o canto do marco então passava lá no Ariranha. Você pega o Ariranha lá, e daí cai no Ivaí, faz parte do Ivaí. Então virou nossa área, pois trocou para nossa área, foi para Pitanga. Então depois estava com tamanho de sete anos, daí mudaram para cá. Daí diminuiu esta área aqui. É, diminuiu, daí entramos aqui era matão, aqui mato, mato tinha pinguelinha ali, então cruzava para cá. Então para o outro lado ali é estradinha, que vai para o outro lado do Ivaí, para buscar compra, uma coisa, ali para o outro lado da casa dele. A estradinha [era] pequena, naquele tempo não vivia estrada, não vivia trator, não tinha nada. Não tinha máquina, naquele tempo, então nos mudaram e então puseram nós aqui. Então a graminha tinha e dali aquele mato capoeirão. Aquele época o cacique era o João Morais. João Morais, kaingang era Kapré. O cacique mais antigo é o Kafanh, que é mais velho, e o Salvador [Venhy] velho. Antes do Salvador era o João Morais, o Salvador e o Lino. É, é o mais véio aqui de tudo que mandava.” (Pedro Ninváia “Carroceiro”, 82 anos, morto em 19/10/2002, alguns dias depois desse depoimento) (...) A divisa ia até o rio Ivaí. A terra era maior, tinha muito pinheiro. Os índios comiam pinhão. Nós assava. Cozinhava.” (Dona Ernestina, branca, viúva de marido kaingang, 71 anos) Nas primeiras décadas do século XX, uma série de Leis e Decretos do governo paranaense regulamentou as terras indígenas no estado. Foram várias leis estaduais que marcam e remarcam os territórios indígenas no estado, culminando com as leis editadas em 1949 que definiram as áreas destinadas aos povos indígenas no Paraná. Em 1901 o governo do Paraná decretou uma porção de terras aos índios Kaingang na margem direita do rio Ivaí. Vejamos o que diz o decreto nº 8 de 09 de setembro de 1901;

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O governador do Estado do Paraná, considerando que diversas famílias da tribu “Coroados”, das quaes são chefes Paulino de Arak-xó e Pedro Santos, se acham estabelecidas em terras sitas á margem direita do Ivaí, dedicando-se à lavoura, e considerando que é de equidade que lhes seja mantida a posse das referidas terras, demonstrada pela cultura efetiva e morada habitual, e que ao mesmo tempo lhe sejam concedidas terras adjacentes em que possam desenvolver os seus trabalhos de agricultura e se estabelecer mais famílias da mesma tribu e de outras; usando da atribuição que lhe confere o artigo 29 da lei nº 68, de 20 de dezembro de 1892, decreta: Artº. Único – ficam reservadas para estabelecimento de indígena da tribu “Coroados”, sob o mando de Paulino Arak-xó e Pedro dos Santos, e de outras tribus, as terras devolutas sitas entre rio do Peixe ou Ubazinho, desde a sua cabeceira, até a sua foz, no rio Ivaí; deste até a foz do ribeirão do Jacaré, desde sua cabeceira, e o cume da serra de Apucarana, no município de Guarapuava. Palácio do governo do Paraná, em 9 de setembro de 1901. 13º da República. Ass. Francisco Xavier da Silva Arthur Pedreira Cerqueira.” Esse decreto define as terras dos Kaingang comandados pelos caciques Paulino Arak-xo e Pedro dos Santos, que viviam na margem direita do rio Ivaí entre Teresa Cristina e o rio Corumbataí. Em 1909, a Lei nº 853, de 22 de março, aponta para as intenções governo estadual no que se trata a questão dos territórios indígenas. O Art. 1º da Lei define seu principal objetivo: o governo do Estado fará medir e demarcar as áreas de terras reservadas em tempos aos índios, em vários pontos do Estado, por decreto do executivo. A Lei mostra que o governo ainda mantinha a idéia de agrupar os índios para “catequizá-los” e “civilizálos”, conforme os preceitos seguidos no Império a partir de 1845 com a instalação das Colônias Indígenas em todo o país, conforme mostra o seguinte artigo: “Art. 4. O governo promoverá, como achar conveniente, o ensino leigo dos jovens índios, ensino que deverá ser compreendida a educação profissional das artes mais essenciaes à vida prática, de acordo com as necessidades do meio. Art. 8. Estando provado que é possível apreender-se os índios botocudos em seus toldos, o Governo empregará os meios de trazê-los aos centros civilizados, para daí dar-lhes a necessária educação.” Os equívocos continuaram a serem cometidos pois como se observa no século XIX, os índios não ficavam em tempo permanente nos aldeamentos e muito menos se enquadravam no modo de vida que os brancos queriam para eles. Conforme analisei os aldeamentos do século XIX - São Pedro de Alcântara e São Jerônimo da Serra - no Paraná provincial, “os índios tinham uma política em relação aos aldeamentos, que era de utilização e aproveitamento dos recursos investidos, ao mesmo tempo em que rejeitavam o enquadramento no modo de vida do branco pregado pela catequese.” (MOTA : 2000, 27).

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O governo também pretendia mudar a forma de vida dos povos indígenas. “Art. 6. O governo regulamentará os serviços diversos dos novos estabelecimentos, imprimindo-lhes o caráter de centros ruraes e procurando afeiçoar o índio aos trabalhos da terra, depois de lhe haver assegurado a propriedade perpetua desta.” A intenção do governo era aperfeiçoar os índios no trabalho agrícola, na esperança de abandonarem as atividades de caça, pesca e coleta. Isto significava que não seriam necessárias grandes reservas de matas e florestas para sua alimentação, pois, eles passariam a viver em espaços menores. Ainda hoje, apesar da enorme redução das terras, as atividades de caça, pesca e a coleta ainda continuam fazendo parte da vida cotidiana e da dieta indígena de muitos grupos. Mas, retomando as questões relativas às demarcações das terras indígenas no Paraná, e especificamente a origem da T.I. Ivaí, verificamos que em 4 de maio de 1912, o cacique Paulino Arak-xó enviou um requerimento ao governo do Estado propondo a permuta de parte de seus territórios na margem direita do Ivaí por outra terras na margem esquerda do mesmo rio. “Exmo. Snr. Dr “Presidente do Estado” “O abaixo-assinado chefe da tribu dos índios coroados, que habitam o terreno que lhes foi cedido pelo governo do Estado pelo decreto nº 8 de 9 de setembro de 1901, situado a margem direita do rio Ivahy e entre os rios Jacaré e do Peixe ou Ubasinho, vem pedir a V. Excia. A permuta de dois terços da área total desse terreno, por uma área igual no logar denominado Campos do Mourão à margem esquerda do mesmo rio, além da barra do rio Preto. Esta resolução é motivada pela conveniência que lhes advém da situção do referido terreno, logar, onde as terras lhes oferece maiores vantagens não só pala sua colocação como pela excelência da qualidade. Acresce ainda que muitos dos seus chefiados já se encontram localizados naquele logar. O suplicante pede permuta apenas de dois terços da área, pois, que o terço restante deseja que seja conservado em poder do capitão Pedro do Santos Tamandoy, o qual abituado a viver de sálarios, prefere ahi concervar-se com a sua gente em número de vinte famílias, estando todos de acordo com esta resolução. Nestes termos pede deferimento. Therezina, 4 de maio de 1912. Assignados: Arógo do Cel. Paulino Arak-xó Raymundo Dinis Pereira: Negociante Testemunhas: Laurindo Ribeiro Borges. Sub- comissário de Polícia.” O documento acima contém informações importantes e deve ser analisado com cuidado e conectado ao Decreto n. 294 de 17 de abril do ano de 1913. Grosso modo a proposta do cacique Paulino Arak-xo parece ser vantajosa para os Kaingang, por aumentarem sua área, ela também agrada ao governo que intencionava utilizar as terras da margem direita do médio Ivaí para o estabelecimento de núcleos coloniais. Vejamos o decreto 294 de 17 de abril de 1913.

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“O presidente do Estado do Paraná, tendo em vista a representação feita pela Inspetoria do Povoamento do Solo neste Estado, encaminhando uma petição de umas das tribus de índios moradores na margem direita do Rio Ivahy, entre os rio Peixe e Jacaré, e bem assim as informações favoraveis prestadas pela Inspetoria do Serviço de Proteção aos Índios e localização de trabalhadores nacionais, a respeito do assunto constante na referida petição, e, atorizado pela Lei n.º 1.198, de 16 de abril deste ano, DECRETA Art. 1º - Fica concedida permuta de reserva das terras ocupadas pelos índios ao mando do cacique Paulino Arak-xó, sitas entre os rios Ivahy, Peixe, Jacaré, Baile e uma linha que liga a cabeceira deste último ribeirão ao rio Jacaré e que constitui parte da que trata o Decreto n.º 8, de 9 de setembro de 1901, pela reserva de terras devolutas fronteiriças, em área equivalente, situada na margem esquerda do rio Ivahy e compreedida entre os rios Barra Preta e Marrecas, ficando porém garantidas em sua plenitude nesta última, as posses ahi existentes e que foram apoiadas em documentos legais. Art. 2º - As posses a que se refere o Artigo precedente, deverão ser medidas e demarcadas, imediatamente, pela Inspetoria do Povoamento do Solo e de acordo com os repectivos proprietários. Art. 3º - As terras comprehendidas entre os rios Ivahy, Peixe, Baile e Jacaré de que trata o artigo 1º do presente Decreto, passam a pertencer ao Domínio da União para os efeitos da localização de imigrantes, devendo a Inspetoria do Povoamento do Solo respeitar integralmente a área ocupada pelos índios ao mando do cacique Pedro dos Santos, a que se refere o Decreto n.º 8, de 9 de setembro de 1901 e sitas entre os rios do Peixe, Baile, Jacaré e Serra do Apucarana. Palácio da Presidencia do Estado do Paraná, em 17 de abril de 1913 25º da República. CARLOS CAVALCANTI DE ALBUQUERQUE. JOSÉ NIEPCE DA SILVA. Dessa forma os Kaingang garantiram parte de seus territórios na margem direita do Ivaí, que ficou a cargo do cacique Pedro dos Santos, e Paulino Arak-xó conseguiu assegurar, conforme a indicação do decreto – terras entre os rios Ivai, Barra Preta e Marrecas – territórios bem maiores que os que tinham sido demarcados em 1901. No entanto nem o governo do estado e nem o SPI fizeram a demarcação dessas terras. Vejamos o que Coelho Júnior escreveu sobre a permuta dessas terras. “Possuiam esses índios, na margem direita do rio Ivahy, cinco mil alqueires de terra, mais ou menos, que, para fins de colonisação, bem a contento dos índios, o Estado trocou por igual área na margem esquerda do citado rio. Acontece que, não foi devidamente feita a demarcação dessa gleba. E o doutor José Maria de Paula, que nunca tinha vindo a essa região, mandou aos índios um memorial, dando como suas (dos índios) uma área em que incluia todas as propriedades do habitantes, garantidas pelos diretios adquiridos em face da lei 820 de 1908, deste Estado. Quer isso

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dizer que, em vez de cinco mil alqueres os Kaingangues, vinham a possuir perto de sessenta mil alqueires.”75 Como resultante dessa não demarcação das terras kaingang na margem esquerda do Ivaí foi o sangrento episódio da guerra de Pitanga, que faremos um breve relato a seguir conforme o noticiado na imprensa da época. Em 31 de março de 1923 o jornal Gazeta do Povo de Curitiba noticiou. Ivahy, 31. O Núcleo Colonial Candido de Abreu será atacado á mão armada pelos índios do toldo do coronel Paulino Xagu. (...) o facto é grave e requer não só providências urgentes para evitar o ataque, como para acalmar e subordinar os índios rebeldes.76 Em 2 de abril de 1923, o jornal A República de Curitiba destacou a atuação do cacique Paulino Arak-xó noticianto que: (...) os índios do Capitão Paulino ameaçam invadir a Colonia Ivahy. (...) O índio que chefia agora a reclamação e que sempre a manteve junto do Serviço chamado de Proteção, é o notável caciqye Paulino Arakchó, que esteve mais de uma vez nesta capital defendendo os direitos de sua tribu e de sua raça.77 Ainda em 2 de abril, outro Jornal curitibano - A República - questionava as causas do levante kaingang e acusava o SPI de não ter demarcado as reservas concedidas pelo governo do Estado. As terras indígenas da margem direita do Ivaí estavam sendo ocupadas e já abrigavam a colônia Cândido de Abreu, povoada por poloneses. Novas terras, na margem esquerda do Ivaí,78 haviam sido doadas, mas, por falta de demarcação, estavam igualmente sendo invadidas. Convencidos como estavam, os selvicolas de que tudo na Serra da Pitanga lhes pertencia (...) Reunem-se em número consideravel e avisam ao povo para que, dentro de tres dias abandonem suas casas e em seguida dão começo ao saque; commettem a primeira investida roubando e occupando a casa de Antonio Farkim. Incontinente saqueam e ocupam a ferraria de Fernandes Malho e depois apossam-se das mercadorias da loja de generos Walther e do importante estabelecimento do Sr. Manoel Mendes de Camargo, em um valor de mais de 50 contos de reis.79

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LEÃO: 1996, 1591. Cf. Gazeta do Povo, Curityba, sábado, 31 de março de 1923. In: A. M. FRANCO. Em Defesa do Indio e do Sertanejo. p. 102. Cf. "A República", Curitiba, 2 de abril de 1923. In: Arthur M. FRANCO. Em Defesa do Índio e do Sertanejo. pp. 102-103. 78 Cf. Decreto Estadual n. 204, de 17 de abril de 1913. In: Estado do Paraná, Leis de 1913, pp. 133-134. 79 Cf. Gazeta do Povo, Curityba, sábado, 31 de março de 1923. In: A. M. FRANCO. Em Defesa do Indio e do Sertanejo. pp. 103-104. 76 77

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O clima na região era de medo, e famílias inteiras fugiam para as cidades maiores e mais seguras. Os animais dos sitiantes eram arrebanhados e levados para os toldos como presa de guerra. Os mais ousados esboçavam reação: Um alemão, de nome Landmann, valente e brioso, não supporta o vexame e, sosinho, em um movimento louvavel de repulsa affronta a malta indígena de mais de cem individuos e a titoteia, matando dous e ferindo outros, pagando com a vida seu heroismo. Dahi a chacina dos habitantes Uma família que fugia pela madrugada é surprendida em uma tocaia e assassinada barbaramente.(...) Na tocaia da Pitanga matam elles marido, mulher e filho; cortaram a cabeça daquelle e castraram-no e nesta oh! cousa horrivel, abrem-lhe o ventre, retiram das entranhas, ainda palpitante um feto e reduzem-no a migalhas esfaqueando o último, um menino de treze annos que veio a falecer em um hospital em Guarapuava.!!!80 A Gazeta do Povo de Curitiba acusou duramente José Maria de Paula, inspector do SPI no Paraná, como responsável e insuflador do levante dos índios na serra da Pitanga. O cerrado ataque que a imprensa fez ao funcionário fazia parte da campanha de desgaste do órgão no Paraná e da campanha para extinção dos aldeamentos de São Jerônimo, cujas terras eram disputadas por fazendeiros e importantes políticos paranaenses. O medo que se espalhou pela região chegou à centenária Guarapuava. O jornal Comércio do Paraná estampou a seguinte manchete, no dia 10 de abril de 1923: Guarapuava Ameaçada por um Grupo de Bandidos, alardeando que a cidade se achava ameaçada por um bando de desordeiros, que explorava a ignorância dos índios para pertubar a ordem. Publicou, ainda, um telegrama com o seguinte teor: Há tres dias a população esta alarmada motivada pela sublevação dos índios da Pitanga, (...) Os sediciosos são em número de duzentos e prometem vir atacar a cidade indefesa. Apelamos em nome da família guarapuavana para que sejam dadas providências urgentes.81 O telegrama, assinado por moradores da cidade, informavou que padres e bandidos da região comandavam o levante. O chefe de polícia ordenou que seguisse para Guarapuava uma força de 20 homens, e nomeou um subdelegado de polícia para o distrito de Pitanga. A força policial levou farto armamento, 200 fuzis mauser, 200 winchester, 4.000 cartuchos e intencionava alistar combatentes entre a população da região.

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81

Cf. Gazeta do Povo, Curityba, sábado, 4 de abril de 1923. In: A. M. FRANCO. Em Defesa do Indio e do Sertanejo. pp. 104105. Jornal Comércio do Parana, Curitiba, 10 de abril de 1923.

70

No dia 10 de abril, Pedro Nolasco, nomeado subdelegado de Pitanga, informou ter encontrado em Guarapuava número elevado de famílias retirando-se com grande pânico, a maioria advinda da serra da Pitanga. No mesmo dia, o Diário da Tarde noticiou a situação de pânico da região: As últimas noticias recebidas da Serra da Pitanga informam que Pedro Mendes se mantem a frente de 50 homens, oppondo resistência contra os revoltosos que pretendem saquear sua casa comercial. Dulcidio Caldeira seguiu hontem para ali com um contingente de 40 homens afim de socorrer Pedro Mendes. Sob o comando do capitão Emilio Campos acham-se em Palmeirinha armados para defesa da localidade. Continua o exodo da população de Pitanga cujas famílias chegam a esta cidade completamente destroçadas pedindo garantias de vida e propriedade. As noticias chegadas d'ali narram os acontecimentos pormenorizando os assaltos e mortos em famílias de colonos.82 Na noite do dia nove de abril, os atacantes haviam chegado à localidade de Palmeirinha, a cinco léguas de Guarapuava. A notícia causou um verdadeiro rebuliço na cidade e a retirada de grande parte da população. Somente no dia seguinte o clima se normalizou com a notícia de que os atacantes tinham sido barrados em Palmeirinha por forças militares e civis, comandadas pelo capitão Emílio Campos. Uma carta publicada no Diário da Tarde, em 17 de abril, relatou a noite de pavor que viveu Guarapuava no dia nove de abril de 1923: A cidade envolvida em negra escuridão, pois a luz está interrompida ha um mez; as ruas lamacentas e em trevas, aterrorisava ainda mais, desenvolveram-se então cenas commovedoras. Ouvia-se em toda parte lamentos, increpações, soluços dos que em retirada desordenada passavam, famílias inteiras que abandonavam seus lares e seguiam mesmo sem saber para onde. Mulheres arrastavam crianças pelas mãos, e estas com vóz inocente, indagavam para onde as levavam. Corriam autos regorgitando de pessoas em debandada, seguindo para Prudentópolis, Ponta Grossa e outros, em vai e vem continuo a fazer o transporte de famílias para o rio das Mortes casa do Sr. Zacharias Martins. Os próprios doentes deixavam o leito de dor e sahiam tomando destino ignorado para todos os lados para fora da cidade.83 A mesma carta informou que os índios das reservas de Nonohay, no Rio Grande do Sul, Palmas e outras localidades, rumavam para Pitanga com o objetivo de reconquistar suas terras. No dia 11 de abril, o Diário da Tarde recebia mais notícias sobre os acontecimentos na serra da Pitanga. Telegramas vindos de Guarapuava confirmavam os

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Cf. Diário da Tarde, Curitiba, 10 de abril de 1923. Cf. Diário da Tarde, Curitiba, 17 de abril de 1923.

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combates e a vinda de uma criança de 10 anos, ferida no conflito, com profundo corte nos intestinos. O comerciante Pedro Mendes reuniu em torno de 200 homens para combater os atacantes no dia 5 e 8 de abril, ocasião em que morreram muitos "bandoleiros" e Foram mortos e picados a facão tres homens e tres crianças que se achavam do lado do Grupo de Pedro Mendes84. Segundo informações, os "bandoleiros" eram ciganos, índios, caboclos e paraguaios. No dia 19 de abril, o Diário da Tarde publicou o telegrama do subdelegado Pedro Nolasco, que estivera no local do conflito: No dia 2 começaram os saques e assassinios, perdurando até o dia 6, sendo saqueadas as casas comerciais dos Srs. Manoel Mendes de Camargo e Generoso Walther, ao valor de 60 contos de reis, duas casas de família sofreram saques completos. Manoel Lourenço, senhora e filho, e o alemão Landmann foram degolados, cujos crimes foram commetidos pelos índios que passaram quatro dias arrebanhando animais vaccuns, suinos e cavalar, sendo o prejuizo muito grande. Visitei 43 casas desabitadas na maior parte de alemães. Sigo hoje para uma aldeia na margem do Ivahy a ver se consigo rehaver as mercadorias e animais.85 O evento de Pitanga descrito acima, envolvendo os Kaingang e populações brancas da região, levou o governo do Paraná a elaborar um novo decreto demarcando as terras indígenas no vale do Ivaí. Como veremos esse decreto de 1924, fez um novo desenho dos territórios kaingang diminuindo de forma substancial a área definida anteriormente pelo decreto de 1913. DECRETO Nº 128 DE 7 DE FEVERIRO DE 1924 O presidente do Estado do Paraná, usando da autorização contida na Lei n.º 1.198 de 16 de abril de 1912, no intuito de normalizar a situação da tribo de Índios Coroados ao mando do cacique Arak-Xó e outras estabelecidas à margem esquerda do rio Ivahy. DECRETA: Art. 1º - As terras de que trata o art. 1º do Decreto n º 294, de 17 de abril de 1913 abrangerão uma área de 36.000 hectares com as seguintes divisas: partindo das proximidades do Salto do Ubá no Rio Ivahy (dividindo com as terras pertencentes aos sucessores do Cel. João Alberto Munhoz até as cabeceiras do Arroio da Ariranha e dahi por uma linha seca com rumo S.E. 23º 50’ até encontrar o rio Marrequinha, por este abaixo até as proximidades do Salto Ubá, onde foram iniciadas as respectivas linhas perimétricas). Art. 2º - As posses que existirem dentro desta área e que forem apoiadas a documentos legais, serão garantidas em toda plenitude, para os efeitos de legitimação de acordo com as leis que regulam o assunto.

84 85

Cf. Diário da Tarde, Curitiba, 11 de abril de 1923. Cf. Diário da Tarde, Curitiba, 19 de abril de 1923. Esse episódio de Pitanga merece estudos mais detalhados, pois ao nosso ver ainda retam muitos pontos obscuros que não foram totalmente esclarecidos ou nem mesmo abordados.

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Art. 3º - Revogam-se as disposições em contrário. Palácio da Presidencia do Estado do Paraná, em 7 de fevereiro de 1924; 36º da República. CAETANO MUNHOZ DA ROCHA ALCIDES MUNHOZ Dessa forma pela primeira vez é citado em um decreto o número de hectares da área – 36.000 hectares. Note-se também que os limites da área são, neste decreto, mais compreensíveis que os citados no decreto de 1913. Como já dissemos, estas questões não foram esclarecidas no decreto de 1913 e colaboraram para os conflitos de abril de 1923, que propiciaram a promulgação do decreto de 1924. A análise desses decretos nos permite definir os limites das duas áreas antes de 1949 que se originaram neste processo de trocas e demarcações.

4.1

TERRA INDÍGENA FAXINAL São as terras compreendidas entre os rios Ubazinho, Baile e Jacaré e Serra

do Apucarana. Vejam que a terra indígena perdeu seu limite com o rio Ivaí.

4.2

TERRA INDÍGENA IVAÍ Uma área equivalente a 36.000 hectares partindo das proximidades do Salto

Ubá no rio Ivaí, até as cabeceiras do rio Ariranha, daí por uma linha seca com rumo S.E. 23º 50’ até encontrar o rio Marrequinha, por este abaixo até sua confluência com o rio Ivaí, descendo até as proximidades do salto Ubá.86 Esta delimitação da área Ivaí permaneceu durante vinte e cinco anos. Mas isso não significou que os Kaingang tivessem assegurado seus territórios, pois, a sociedade branca envolvente continuou seu processo de expansão ocupando vários pontos de áreas já demarcadas pelo decreto de 1924. Recomeça dessa maneira um novo movimento de reocupação de áreas indígenas pela expansão da sociedade envolvente. E depois de algum tempo após novas pressões e novas iniciativas do governo estadual, novos decretos foram

86

Ver mapa da T.I. Ivaí de acordo com o decreto de 1924.

73

elaborados incorporando às companhias de colonização novas extensões dos territórios kaingang no vale do Ivaí. Em 1949, os governos da União e do Estado do Paraná firmaram um acordo que diminuiu consideravelmente as extensões da T. I. Ivaí, do Faxinal e de outras áreas indígenas do Estado do Paraná. Este acordo foi elaborado em 28 de junho de 1948 com novos critérios de subtração das terras indígenas garantida nos decretos a partir de 1900. Com a justificativa de reestruturar as áreas indígenas, esse acordo de 12 de maio de 1949 expropriou grande parte dos territórios Kaingang demarcados em decretos anteriores. Alguns pontos merecem analise, observe-se um trecho do enunciado do acordo referente as reservas indígenas: (...) o governo do Estado do Paraná, resolveu (...) acordar na reestruturação destas reservas, de modo a serem conservadas as áreas que, a critério do Serviço de Proteção aos Índios, forem julgadas necessárias e suficientes para o estabelecimento definitivo das citadas tribos ou agrupamentos indígenas, conferindo-lhes a propriedade plena das terras em que os referidos índios se acham permanentemente localizados. Aqui o Serviço de Proteção aos Índios é envolvido no processo de definição de quais serão as “necessidades” de terras para os índios. E vai ser o S.P.I o órgão governamental o responsável pela determinação dos locais de demarcação das terras e das quantidades de terras necessárias aos índios. Vejamos as cláusulas do acordo de 1949: Cláusula Primeira – O Serviço de Proteção aos índios determinará e localizará as áreas, compreendidas nas terras reservadas aos índios pelo Governo do Estado do Paraná, a paritr de 1900, que deverão formar glebas a serem cedidas pelo Estado do Paraná, na forma de lei, para constituírem propriedades plena das tribus ou agrupamentos indígenas que ali se encontram localizadas em caráter permanente. Cláusula Segunda – Nos termos dos decretos estaduais que determinam as reservas de terras para os índios do Estado do Paraná, serão reestruturadas, para efeito de cessão a que se refere a cláusula anterior, as áreas em que se encontram atualmente estabelecidos os Postos Indígenas Apucarana, Queimadas, Ivaí, Faxinal, Rio das Cobras e Mangueirinha. Cláusula terceira – Tendo em vista a população indígena atualmente existente em cada um destes Postos adotando como critério básico para as respectivas extensões a área de cem (100) hectares por família indígena de cinco (5) pessoas e mais quinhentos (500) hectares para a localização do Posto Indígena e suas depêndencias, será feita pelo Estado do Paraná a cessão definitiva, para plena propriedade tribal das seguintes áreas compreendidas nos limites das atuais reservas: - Seis mil e trezentos (6.300) hectares na região de Apucarana; mil e setecentos (1.700) hectares na região de Queimadas, sete mil e duzentos (7.200) hectares na região de Ivaí; dois mil (2.000) hectares na região de Faxinal; três mil

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oitocentos e setenta (3.870) hectares na região de Rio das Cobras e dois mil quinhentos e sessenta (2.560) hectares na região de Manguerinha. (...) Cláusula Sexta – O Governo do Paraná fará construir, às suas expensas, e com a maior urgência, casas para a administração do Serviço de Proteção aos Índios, escolas, enfermarias, galpões para abrigo de máquinas, instrumentos e ferramentas agrícolas e bem assim casas para as famílias dos índios nos casos em que, em virtude de nova localização da tribu, não puderam ser aproveitadas as construções existentes nos atuais Postos, instalados nas reservas territoriais indígenas do Estado abrangidas pela reestruturação em causa. Cláusula Sétima – As áreas das atuais reservas territoriais indígenas do Estado do Paraná excedentes das áreas medidas, demarcadas e entregues aos índios nos termos deste acordo, reverterão ao patrimônio do Estado, que as utilizará para fins de colonização e localização de imigrantes. (...) Rio de Janeiro, 12 de maio de 1949 (aa) Daniel Serapião de Carvalho Moysés Lupion Silvio de Castro Maria Santiago Elizabete Marinete Kaldenberg de Paiva. Entre as reservas que foram “reestruturadas” em 1949 estava a T. I. Ivaí. Pelos critérios adotados pelo governo para a determinação das extensões das novas áreas – cem hectares por família indígena de cinco pessoas e mais 500 hectares para a localização do Posto Indígena e suas dependências – Ivaí ficou com 7.200 há. Pois havia no Ivaí em 1949, sessenta e sete famílias, igual a 6.700há, mais 500ha referente ao Posto chegamos aos atuais sete mil e duzentos hectares. Assim, dos 36.000 hectares concedidos pelo decreto de 1924, restaram apenas 7.200 hectares em 1949. Além dessa definição e a nova demarcação o governo parecia saber que muitos locais que foram expropriados dos índios e seriam repassados ao Estado, para futuros projetos de colonização, eram antigas moradias dos Kaingang, e dessa forma estabeleceu que “o governo fará construir casas em que, em virtude de nova localização da tribu, não puderem ser aproveitadas as construções existentes nos atuais Postos, instalados nas reservas territoriais indígenas do Estado abrangidas pela reestruturação em causa.” Além de diminuir as terras indígenas, o governo parece ter escolhido as melhores terras, não se importando com a destruição das moradias dos índios. Os antigos moradores da T. I. Ivaí também lembram desse período e das localidades onde havia moradias de famílias kaingang que ficaram fora das novas demarcações de 1949. O nome dele era João Morais. João Morais foi lá no Curitiba, foi falar com (...) Ele chefe né? Então chefe queria índios para. Ele mandou os morador para (...) Acho que foi em 1920. Aí ele arrumava carpinteiro para fazer casa pro área? Então eles fizeram casa pro área aí. Para o chefe. Depois ele avisou

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para abrir estrada por aí, né. Daí abriu estrada. Ele ia pagando, treze reais. Até lá no Manoel Ribas tem morador [índio] lá. Depois ele, o chefe, comprou carroça e dois cavalos. Depois ele arranjava morador para (...) Tem bastante morador [índio] lá perto do Ivaí, tem bastante lá. Depois ele avisava para fazer roça. Conhece casa do javali? Naquele tempo era tudo mato. Cruzamos trinta alqueires. Depois tem outro morador [índio] lá na Serrinha, tem bastante gente lá também. Tem capitão lá também. Era o Salvador Venhy. Ele avisava o capitão para (...) Salvador Venhy, ele tava fazendo por dia também. Depois ele faz 15 anos, o nome dele é Otávio Ferreira. Depois ele saiu. Daí SPI veio ficar aqui. Daí não ganhamos mais, trabalhamos de graça.Tem bastante porco lá no morador. Outro queria fazer mutirão, daí mataram seis porcos para o mutirão. Daqui outro tava lá no Barra Preta. Tinha morador [índio] lá, Pedro. Pedro matou o filho tomando pinga, eu vi. É índio. Daí ele morreu, pegaram aquele Pedro e Mandaram prá cadeia. Mandaram lá para Curitiba. Depois. começamos a estrada até Balsa Velha. Daí tem bastante gente (...). Tinha fábrica do outro lado. O nome dele era Valter Natal. Daí ele falou: ‘Vamos entrar para tomar uma pinga. Daí eu falei para ele vamos embora. E tinha mais gente com ele, a turma lá, tava tomando pinga. Matou outro também. Daí ele morreu. Mataram um, daí para resolver, o chefe foi falar com o governador (José Pantu) Todas as terras “excedentes”, isto é, todas as terras fora das novas demarcações que estavam ocupadas por famílias kaingang foram entregues ao Estado “para fins de colonização e localização de imigrantes”. A maior parte expropriada das antigas terras da área do Ivaí se transformaram na Colônia D – Ivai (área de 23.000ha), loteada e negociada pela Fundação Paranaense de Colonização e Imigração em 1954 como nos mostra a carta abaixo.87 Todas as cláusulas deste acordo de 1949 foram confirmadas pelo decreto de 19 de janeiro de 1951. Todos os decretos anteriores foram revogados e as terras indígenas sofreram uma grande redução nas suas extensões. No dia 29 de janeiro de 1951 foi lavrada a escritura que transferiu as terras expropriadas, inclusive de Ivaí, para a Fundação Paranaense de Colonização e Imigração. O Serviço de Proteção aos Índios ficou responsável pela demarcação das novas áreas que só foram escrituradas em 17 de outubro de 1955. Foi só nesse momento que as medidas atuais da T.I Ivaí e de outras áreas indígenas, foram legalmente asseguradas. Após os anos 50 todo o Paraná já havia sido ocupado, inclusive o norte do Estado já estava dividido em lotes. Com a expansão dos cafezais pelos rios Ivaí e Piquirí e a devastação da fauna e flora, os Kaingang foram obrigados a residir nos Postos Indígenas, “para obterem ferramentas e sementes, para intensificarem o cultivo do milho e da mandioca, que tradicionalmente praticavam e devido a falta dos frutos e raízes, bem como

87

Ver mapa dessa colônia em anexo.

76

de carne de caça e peixe, passaram a depender das roças para subsistência do grupo doméstico.” ( HELM : 1974, 66). O S.P.I, criado para dar proteção aos índios e as suas áreas, teve que atender aos inúmeros problemas surgidos entre fazendeiros, políticos locais e os índios, além de investigar as queixas dos índios sobre invasões em suas terras. No entanto, estes problemas não foram solucionados. Conforme Cecília Helm, em sua pesquisa de campo nas áreas indígenas do Paraná, nos anos 1960 e 1970, “em todos os Postos percorridos, onde realizamos um survey, constatamos a invasão de terras, a espoliação do trabalho indígena e a presença de arrendatários, como os fatores que geravam as tensões e levavam aos atritos.” ( HELM : 1974, 70). Mas a chegada de populações brancas para fixarem de forma definitiva no vale do Ivaí remonta ao século XIX, ela recebeu seus primeiros povoadores na metade do Século XIX, constituídos de migrantes poloneses, franceses, alemães e ucranianos. Pela margem direita do Ivaí vieram primeiro os franceses em 1847, por iniciativa do médico francês, Dr. João Maurício Faivre, sob os auspícios de dona Tereza Cristina, esposa do Imperador D. Pedro II, foi criada a colônia Teresa Cristina na confluência dos rios Ivaí e Ivaizinho; em meio a territórios indígenas Xetá e Kaingang. A localidade cresceu rapidamente, em 1859 contava com 236 brasileiros, 11 franceses, e 6 portugueses. Dos 87 franceses que iniciaram a colonização, a maioria não permaneceu, espalhando-se por outras regiões. Em 1864, havia 342 habitantes, e em 1866, 444 habitantes. Em 1871 foi elevada a Freguesia com a denominação de Terezina. Em 1891, passou a Distrito judiciário com a denominação de Tereza Cristina, em homenagem à Imperatriz. O cartório foi criado em 12/05/1891, e instalado em 11/08/1891, sendo seu primeiro Juiz de Paz o Sr. Antonio Mendes dos Santos, e o primeiro escrivão o Sr. Felicíssimo Correia dos Santos. A partir de 1912 a região passou a receber outros colonizadores estrangeiros, entre esses, alemães, poloneses e ucranianos que fundaram outras colônias como: Linha Apucarana, Três Bicos, e Faxinal da Catanduvas, na época “Morska Wola”. Um maior número de ucranianos estabeleceu-se em Imbúia, Rio dos Índios e Saltinho. Os poloneses, em Apucarana, e Faxinal de Catanduvas. Os alemães, em Linha Palmital e Linha Pinhal. A colônia federal de Cândido de Abreu teve início em 1915, formada por colonizadores brasileiros, alemães, ucranianos e poloneses. Teve como primeiro administrador geral o representante do Governo Federal, o Sr. Ferdinando Malanowski. Pelo decreto nº 15.919 de 04/01/1919, foi criado o Núcleo Colonial Cândido de Abreu,

77

pertencente ao município de Tibagi e passou a ter como Inspetor subordinado a Tibagi, o Sr. Ernesto Ramos. De 1926 a 1928, ocorreram surtos de malárias, que praticamente dizimou parte da população. Foi usado como medicamento, em maior proporção, o azul metileno. Na seqüência surgiram outros surtos e também uma epidemia de tifo. Esta foi a principal causa da decadência da Colônia e da região, pois muitos moradores morreram e outros se foram para outras regiões. Apesar dessas dificuldades a colônia prosperou e em 1952 iniciou-se o movimento pró emancipação política administrtiva de Câncido de Abreu. A população participou de inúmeros movimentos e em 26 de novembro de 1954, houve a emancipação do municipo e Cândido de Abreu desmembrando-se de Reserva através do Decreto Estadual nº 253, e a instalação solene ocorreu no dia 22 de dezembro de 1955 com a posse do primeiro prefeito municipal eleito, o Sr. Ary Borba Carneiro, consolidando dessa forma a ocupação desses vastos territórios Kaingang da margem direita do rio Ivaí por populações de migrantes europeus. A margem esquerda do rio Ivaí também ocupada por grupos kaingang foi ocupada por contingentes de populações não índias advindas da região de Guarapuava. Na década de 1940 surgia a localidade denominada Campina Alta, que a princípio se constituía na sede da Gleba Santo Antonio, pertencente à família Lamenha Siqueira. Um dos integrantes dessa família Dr. César Lamenha Siqueira, juntamente com Edmundo José Hawer demonstrou interesse em edificar uma cidade, tal propósito se evidenciou através de suas iniciativas em promover a abertura de ruas, construção de casas, edificações de uma igreja e de uma escola. Os incentivos ao surgimento de novos estabelecimentos deram a localidade a condição de Distrito do Município de Pitanga. A Gleba Santo Antonio de propriedade da família Lamenha Siqueira, deu origem à denominação de inúmeros estabelecimentos com esse nome. A primeira imagem de Santo Antonio foi trazida por César Lamenha Siqueira, introduzida na primeira igrejinha, passando a se chamar Santo Antonio, o padroeiro de Manoel Ribas. A principal festa religiosa em louvor ao padroeiro ocorre anualmente no dia 13 de junho. A instalação oficial do município ocorreu no dia oito de janeiro de 1956 com a posse do primeiro prefeito eleito Raul Ferreira Messias. Foram nos anos de 1940 que ocorreram os eventos decisivos para a espoliação dos territórios indígenas no vale do Ivaí. A chegada em massa de populações migrantes e nacionais, incentivadas por projetos de colonização do governo do estado, a promulgação de leis e decretos redefinindo as terras destinadas aos índios, e a crença na inevitável acullturação das populações indígenas marcaram o período. No entanto, apesar

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de confinados em pequenas áreas, os Kaingang não foram subsumidos pela sociedade envolvente, se mantiveram enquanto populações diferenciadas, mantendo a língua e muitos dos seus antigos costumes e, a partir dos anos noventa voltaram a crescer populacionalmente e hoje recolocam a questão da terra como ponto importante de suas lutas, como indicam suas lideranças. É muito pouca, né. Nós temos oitocentas crianças agora, tudo pequenas. Se elas crescem, logo vai pegar ferramentas, vai ro;car tudo. Por isso que nós estamos usando trator (...) nesse canto aqui para preservar nossas matas, né? Não pode derrubar. Devagar nós estamos fazendo comida pras crianças. Só nós pegamos em algum momento, outro vai e roça tudo. (cacique) Sete mil e trezentos hectares. Como se vê hoje, não é suficiente [a terra], na população nós temos mil duzentos e cinqüenta índios. E aí quando a gente vê, hoje não é suficiente porque amanhã ou depois, nossos filhos vão ter dificuldade (...) não é suficiente prá eles. (vice-cacique).

GESTÃO AMBIENTAL NA TERRA INDÍGENA T.I.IVAÍ - PARANÁ Cacique Paulino Arak-xó

MANOEL RIBAS Área 1924

MAPA DA EVOLUÇÃO HISTÓRICA DAS TERRAS INDÍGENAS DO VALE DO IVAÍ

Cacique Gregório

SEDE

30.708,46 ha

Área 1901

CANDIDO DE ABREU

16.940,50 ha

TOLDOS EXISTENTES EM 1896

Cacique Pedro dos Santos Tamandotay

Área 1949 7.496,31 ha

Área 1901 T.I. Faxinal Atual

TERRAS INDÍGENAS ATUAIS

19.204,84 ha

2.070,57 ha

MUNICÍPIOS REDE DE DRENAGEM

o Ri aí Iv

ÁREA 1913 67.247,68 ha PITANGA

0 Toldo José Caetano

TEREZA CRISTINA

5

10 ESCALA GRÁFICA

1:100.000 DATUM HORIZONTAL CÓRREGO ALEGRE - MG.

15

20 Km

CAPÍTULO II

CARACTERIZAÇÃO CULTURAL, ORGANIZAÇÃO SOCIAL E ECONÔMICA DA COMUNIDADE DA T. I. IVAÍ Kimiye Tommasino*

1

REVISÃO BIBLIOGRÁFICA

1.1

PERÍODO DE 1900 A 1960 A produção sobre os Kaingang que vivem no Paraná não é muito extensa e a

produção sobre os Kaingang na bacia do Ivaí pode ser considerada muito escassa. De qualquer modo e para alívio da equipe, os Kaingang do Ivaí foram visitados por Curt NIMUNEDAJU em 1912. Foi o primeiro antropólogo a realizar um estudo de cunho etnológico sobre essa etnia. A maior parte de seus trabalhos manuscritos sobre os Kaingang foi publicada recentemente. Haviam “permanecido guardados no arquivo pessoal do indigenista Luiz Bueno Horta Barbosa”. Em 1986 foi publicado um artigo de NIMUENDAJU1 denominado “104 mitos nunca publicados” entre os quais aparecem cinco mitos kaingang coletados na aldeia Ivaí. Em 1993 foi publicado um livro de artigos de NIMUNENDAJU2, organizado por Marco Antonio GONÇALVES, Etnografia e Indigenismo. Sobre os Kaingang, os Ofaié-Xavante e os Índios do Pará onde aparecem três artigos sobre os Kaingang: “Notas sobre a organização religiosa e social dos índios kaingang”, “Notas sobre a festa kikio-ko-ia dos Kaingang”; e “O jaguar na crença dos Kaingang do Paraná”. Neles, o autor fornece dados históricos e etnológicos sobre os Kaingang. Grande parte se refere à pesquisa de campo realizada na aldeia Ivaí. Em 1946 Herbert BALDUS e Aniela GINSBERG3 realizaram uma pesquisa entre os Kaingang do Ivaí que foi publicada na Revista do Museu Paulista (São Paulo: nova série, vol. I, 1947) intitulada “Aplicação do Psico-Diagnóstico da Rorschach a Índios * 1

2

3

Professora aposentada pela Universidade Estadual de Londrina, doutora em Antropologia Social pela USP e pesquisadora no Programa Interdisciplinar de Estudos de Populações – Laboratório de Arqueologia, Etnologia e Etno-história da UEM NIMUENDAJU, Curt. 104 mitos nunca publicados. Revista do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, 21:61-111. Rio de Janeiro, 1986. NUMUENDAJU, Curt. Etnografia e indigenismo: sobre os kaingang, os Ofaié-Xavante e os Índios do Pará. Campinas, SP. Ed. da UNICAMP, 1993. BALDUS, H. & GINSBERG, Aniela. Aplicação do psico-diagnóstico de Rorschach a índios Kaingang. Revista do Museu Paulista, nova série, 1:75-106. São Paulo, 1947.

81

Kaingang”. . Neste artigo, os autores apresentam os resultados da aplicação do teste de Rorschach antecedidos de algumas informações sobre o ambiente geográfico, a história, a cultura material, a organização social e a religião. Dessa pesquisa de campo BALDUS ainda publicou o artigo “Vocabulário Zoológico Kaingang”4, publicado na mesma Revista. Antes dessa pesquisa com os Kaingang do Ivaí, Baldus já tinha pesquisado o ritual dos mortos (kikikoi) em Palmas em 1933, pesquisa que está publicada no livro Ensaios de Etnologia Brasileira”5 cuja primeira edição saiu em 1937. Datam da década de 1940 os estudos de Loureiro FERNANDES sobre os Kaingang de Palmas relacionados com a antropometria e hematologia. Trata-se do artigo “Notas hemato-antropológicas sobre os Caingangues de Palmas”6 publicado em 1939, “Os Caingangues de Palmas”7 em 1941 e “Contribuição à antropometria e à hematologia dos Kaingang do Paraná”8 em 1955. Na década de 1950, na mesma linha de interesse de Loureiro Fernandes, Maria Júlia POURCHET9 pesquisou em três áreas kaingang: Tupã-SP, Palmas-PR e Rio das Cobras-PR. São estudos de antropologia física e métodos anticoncepcionais. Os resultados de sua pesquisa estão no livro Ensaios e Pesquisas Kaingáng publicado em 1983. Em 1959 Egon SCHADEN10 publicou o livro A mitologia heróica de tribos indígenas do Brasil no qual, entre outros estudos, fez uma reflexão sobre o dualismo kaingang no mito heróico tribal. Trata-se de uma reflexão a partir da bibliografia existente, principalmente em Borba (1908); ele próprio não realizou pesquisa de campo. Ele inicia seu artigo dizendo: “Não possuímos, até o presente, nenhum estudo monográfico sobre a cultura dos Kaingang, mas somente observações esparsas em relatórios de missionários e sertanistas e em alguns poucos trabalhos de caráter científico” (SCHADEN, 1959: 103). A sua contribuição é enorme porque ele pode sistematizar os dados etnográficos existentes de forma dispersa fornecendo uma teoria sobre a organização e estrutura social kaingang. Há ainda a registrar os estudos da língua kaingang que se iniciou no final do século XIX. Frei Mansueto Barcatta VAL-FLORIANA foi quem mais contribuiu para uma visão mais sistemática sobre a gramática kaingang. Suas obras mais importantes são: Ensaio de gramática kaingang11 de 1918 e Dicionários Kaingang-Portuguez e

4

BALDUS, H. Vocabulário zoológico Kaingang. Arquivos do Museu Paranaense. 6:149-160. Curitiba, 1947. NIMUENDAJU, Curt. Ensaios de Etnologia Brasileira. 2. ed. São Paulo/Brasília, Companhia Editora Nacional/INL-MEC (Coleção Brasiliana, vol. 101). 1979. p. 8-33. (1. ed. 1937. p. 29-69). 6 FERNANDES, José Loureiro. Notas hemato-antropológicas sobre os Kaingang de Palmas. Revista Médica do Paraná. 7(12). Curitiba. 1939. 7 FERNANDES, José Loureiro. Os Caingangues de Palmas. Arquivos do Museu Paranaense. 1:161-229. Curitiba. 1941. 8 FERNANDES, José Loureiro. Contribuição à antropometria e à hematologia dos Kaingang do Paraná. Anais do XXXI Congresso Internacional de Americanistas. 2:895-898. São Paulo. 1955. 9 POURCHET, Maria Júlia. Ensaios e Pesquisas Kaingáng. São Paulo, Ática. 1983. 10 SCHADEN, Egon. A mitologia heróica de algumas tribos indígenas do Brasil. Rio de Janeiro, Departamento de Imprensa Nacional. 1959. 11 VAL-FLORIANA, Mansueto B. de, Frei. Ensaio de grammatica Kainjgang. Revista do Museu Paulista. 10:529-563. São Paulo. 1918. 5

82

Portuguez-Kaingang12 de 1920. O autor pesquisou entre os Kaingang de Campos Novos do Paranapanema em São Paulo e na bacia do Tibagi no Paraná. Rosário Mansur GUÉRIOS13 publicou em 1942 o trabalho “Estudos sobre a Língua Caingangue: notas histórico-comparativas (Dialeto de Palmas – Dialeto de Tibagi)” e Wanda HANKE14 publicou em 1950, “Ensayo de uma gramática caingangue de los caingangues de la ‘Serra de Apucarana’, Paraná, Brasil”, referente aos Kaingang da Terra Indígena Apucaraninha.

1.2

PERÍODO PÓS 1960

Na década de 1970 temos dois trabalhos de Cecília M. V. HELM, docente e pesquisadora da UFPR: A integração do índio na estrutura agrária do Paraná: o caso Kaingáng15 em 1974 e O índio camponês assalariado em Londrina: relações de trabalho e identidade étnica16, em 1977. Como os títulos sugerem, trata-se de estudos de cunho mais sociológico e mostram a situação dos índios no Paraná e suas relações de dependência econômica ao sistema de mercado local e regional. Vários outros artigos publicados pela autora em revistas científicas são contribuições dessa natureza. No primeiro trabalho Helm visitou todas as áreas kaingang no Paraná e por ser uma pesquisa muito abrangente, os dados sobre a situação dos Kaingang da Terra Indígena Ivaí (e das demais) são bastante escassos. Em 1975, temos o estudo de Maria Lígia PIRES17 Guarani e Kaingang no Paraná: um estudo de relações intertribais realizado na T.I. Mangueirinha. A preocupação da autora foi analisar as relações interétnicas entre as duas etnias que vivem na mesma terra e também pode ser considerado de cunho mais sociológico, mas numa linha inovadora, porque analisa as relações hierárquicas entre os Kaingang (grupo dominante) e os Guarani (grupo subordinado). Esse caso pode ser considerado paradigmático por facilitar a compreensão da situação de vários grupos guarani que vivem situação semelhante no Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul, onde grupos guarani foram colocados como

12

VAL-FLORIANA, Mansueto B. de, Frei.. Diccionarios Kainjgang-Portuguez e Portuguez-Kainjgang. Revista do Museu Paulista. 12:1-392. São Paulo. 1920. GUÉRIOS, Rosário F. M. Estudos sobre a língua Caingangue: notas histórico-comparativas: dialeto de Palmas e dialeto de Tibagi. Arquivos do Museu Paranaense. 2:97-177. Curitiba. 1942. 14 HANKE, Wanda. Ensayo de una gramatica del idioma Caingangue de los Caingangues de la “Serra de Apucarana”, Paraná, Brasil. Arquivos do Museu Paranaense. 7:65-146. Curitiba. 1950. 15 HELM, Cecília M. V. A integração do índio na estrutura agrária no Paraná: o caso Kaingáng. Curitiba, UFPR. 1974. Tese (Livre docência). 16 HELM, Cecília M. V. O índio camponês assalariado em Londrina: relações de trabalho e identidade étnica. Curitiba. 1977. Tese (Concurso de Professor Titular). 17 PIRES, Maria Lígia M. Guarani e Kaingang no Paraná: um estudo de relações intertribais. Brasília, UNB. 1975. Dissertação de mestrado. 13

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inquilinos em terras kaingang. Em 1980 a mesma autora, em parceria com Alcida RAMOS18, publicou o artigo “Hierarquia e simbiose. Relações intertribais no Brasil” sobre a mesma pesquisa. Na década de 1990 é que surgem estudos de antropologia nos quais os Kaingang são objeto de preocupação mais etnológica em pesquisas que tentam compreendê-los como culturalmente distintos da sociedade nacional. Em 1994 Juracilda VEIGA19 defendeu seu mestrado com um estudo realizado entre os Kaingang de Xapecó SC, com o título Organização social e cosmovisão Kaingáng: uma introdução ao parentesco, casamento e nominação em uma sociedade Jê meridional. A sua contribuição foi aprimorada na sua tese de doutorado – Cosmologia e práticas rituais Kaingang20 – com um estudo mais abrangente e pesquisa de campo em várias áreas kaingang: Xapecó - SC, Palmas - PR, Ivaí - PR, Barão de Antonina - PR, Apucaraninha - PR, Faxinal-PR, Vanuíre - SP, Icatu - SP, Rio da Várzea - RS e Inhacorá - RS. VEIGA foi a pesquisadora que mais contribuiu com estudos de caráter etnológico sobre os Kaingang. Também na área de etno-história surgiu em 1994 a publicação do livro As guerras dos índios Kaingang: a história épica dos índios Kaingang no Paraná (17691924) de Lúcio Tadeu MOTA21 que resgata a história indígena no Paraná dentro de uma perspectiva na qual, de um lado, faz uma crítica à produção acadêmica e a livros didáticos sobre os índios do sul em que esses são vistos somente no passado distante e na história da ocupação recente denominada frente pioneira, criando-se a idéia de “vazio demográfico”; de outro, a inovação do autor é que resgata os povos indígenas como atores da história e não mais como vítimas dela. Na mesma linha, a sua tese de doutorado – O aço, a cruz e a terra: índios e brancos no Paraná provincial (1853-1889)22 – defendida em 1998, Mota vai mostrar através da análise dos relatórios dos diretores gerais dos índios na província do Paraná, e outros documentos do período provincial as estratégias dos caciques kaingang para fazer frente à invasão dos brancos e à expropriação dos seus territórios no Paraná, evidenciando que graças a suas lutas conseguiram que o governo delimitasse terras para os seus grupos. O trabalho de Mota veio preencher uma lacuna na produção histórica sobre o Paraná e trouxe à luz acontecimentos até então desconhecidos e ignorados pelos próprios historiadores. Graças a essa contribuição temos várias referências sobre a presença de vários grupos kaingang na bacia do Ivaí e em outras bacias. MOTA ainda publicou o livro As

18

RAMOS, Alcida R. (org.). Hierarquia e simbiose: relações intertribais no Brasil. São Paulo, Hucitec. 1980. VEIGA, Juracilda. Organização social e cosmovisão Kaingang: uma introdução ao parentesco, casamento e nominação em uma sociedade Jê meridional. Campinas, UNICAMP. Dissertação de mestrado. 1994. 20 VEIGA, Juracilda. Cosmologia e práticas rituais Kaingang. Campinas, UNICAMP. Tese de doutoramento. 2000. 21 MOTA, Lúcio Tadeu. As guerras dos índios Kaingang: a história épica dos índios Kaingang no Paraná (1769-1924). Maringá, PR, EDUEM, 1994. 22 MOTA, Lúcio Tadeu. O aço, a cruz e a terra: índios e brancos no Paraná provincial (1853-1889). Assis, UNESP-campus de Assis. Tese de doutoramento. 1998. 19

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colônias indígenas no Paraná provincial23 em 2000 que aprofunda a sua reflexão sobre as colônias indígenas no governo provincial do Paraná. Em 1995 temos a tese de Kimiye TOMMASINO24, A história dos Kaingang da bacia do Tibagi: uma sociedade jê meridional em movimento, sobre os Kaingang da bacia do Tibagi. A importância de sua pesquisa está na análise da especificidade sociocultural dos grupos que vivem nas T.I.s Barão de Antonina, São Jerônimo e Apucaraninha. A autora mostra que, apesar de todas as mudanças ocorridas na história recente, os Kaingang continuam a produzir uma cultura específica, ou seja, mostra que os índios do sul não são “aculturados” como até mesmo a academia veiculava. Analisando as instituições indígenas e seu modo de vida atual, sua pesquisa evidenciou que a dinâmica cultural seguiu uma lógica especificamente kaingang. Os resultados de sua pesquisa servem de modelo para compreender o que acontece em todas as áreas kaingang: Outro aspecto analisado pela autora foi o acordo de 1949, entre os governos do Estado e da União que expropriou a maior parte das terras indígenas sob a alegação de que, por um lado, os índios eram poucos e estavam integrados à sociedade nacional e de que, por outro, o Estado necessitava de terras para fixar colonos estrangeiros e nacionais. Mais dois pesquisadores contribuíram para a compreensão dos Kaingang e suas

especificidades

no

Paraná:

Ricardo

Cid

FERNANDES25

e

José

Ronaldo

FASSHEBER26. Ambos pesquisaram na T.I. Palmas no PPGAS da UFSC. FERNANDES, em Autoridade política Kaingáng: um estudo sobre a construção da legitimidade política entre os Kaingang de Palmas/PR, analisou os atributos e as limitações que caracterizam a chefia indígena ao longo da história do contato naquela T.I. Para definir os critérios de legitimidade da chefia kaingang, Fernandes faz uma caracterização das formas de distribuição e concentração da autoridade política em razão da influência exercida pelas autoridades brancas e suas percepções sobre sua história. A contribuição desse trabalho está no fato de ter esclarecido a lógica política kaingang ao longo da história recente e por ser a esfera política o eixo social mais proeminente na vida do grupo. A pesquisa de FASSHEBER - Saúde e políticas de saúde entre os Kaingang de Palmas/PR - trata da política de saúde implantada na T.I. Palmas através do SUS/FNS. O autor mostra que as organizações governamentais têm falhado ou tem sido inoperantes nas suas ações que operam com um discurso universalizante da biomedicina 23

MOTA, Lúcio Tadeu. As colônias indígenas no Paraná provincial. Curitiba, Aos quatro ventos, 2000. TOMMASINO, Kimiye. A história dos Kaingang da bacia do Tibagi: uma sociedade jê meridional em movimento. São Paulo. USP. Tese de doutoramento. 1995. 25 FERNANDES, Ricardo Cid. Autoridade política Kaingáng: um estudo sobre a construção da legitimidade política entre os Kaingáng de Palmas/PR. Florianópolis, UFSC. Dissertação de mestrado. 1998. 24

85

em relação às noções de corpo-saúde-doença-cura, não levando em consideração que os Kaingang mantêm saberes tradicionais específicos sobre as mesmas noções. O seu trabalho pretende contribuir para uma reflexão antropológica que subsidie a construção de um modelo de saúde capaz de incorporar as instituições e os saberes indígenas nas políticas públicas. Na área da lingüística e estudo da gramática kaingang temos a contribuição de Ursula WIESEMANN, lingüista do SIL e maior especialista da língua deste grupo. Sua contribuição iniciou-se na década de 1960, mas a maior parte de sua produção foi publicada na década de 1970. Podemos citar Introdução na língua Kaingáng27 de 1967, Dicionário Kaingáng-Português, Português-Kaingáng de 1971 e Os dialetos da língua Kaingáng e o Xokléng28 de 1978. A autora publicou várias cartilhas para uso nas escolas das áreas kaingang e foi dela a orientação da formação dos monitores bilingües da Escola Clara Camarão no Rio Grande do Sul onde se formou a maioria dos atuais professores da escrita kaingang. Além da produção acadêmica que, como vimos, não é muito vasta, podemos contar com documentos, relatórios de organizações governamentais e outros registros que serão utilizados como fontes de informações sobre a história e a cultura dos Kaingang.

2

ASPECTOS FUNDAMENTAIS DA ORGANIZAÇÃO SOCIAL KAINGANG Os Kaingang junto com os Xokleng formam os Jê meridionais. Segundo 29

WIESEMANN , a língua kaingang está dividida em cinco dialetos: 1) de São Paulo (falado nas duas áreas daquele Estado – T.I. Icatu e T.I. Araribá); 2) do Paraná (falado nas Terras Indígenas do Paraná entre os rios Paranapanema e Iguaçu – Terras Indígenas Apucarana, Barão de Antonina, São Jerônimo, Queimadas, Mococa, Ivaí, Faxinal, Rio das Cobras e Guarapuava); 3) central (falado nas áreas entre os rios Iguaçu e Uruguai – Terras Indígenas Mangueirinha, Palmas e Xapecó); 4) do sudoeste (falado nas áreas ao sul do rio Uruguai e oeste do rio Passo Fundo no Estado do Rio Grande do Sul – Terras Indígenas Nonoai, Guarita e Inhacorá); e 5) do sudeste (falado nas áreas ao sul do rio Uruguai e leste do rio Passo Fundo – Terras Indígenas Votouro, Ligeiro, Carreteiro e Cacique Doble).

26

FASSHEBER, José Ronaldo. Saúde e políticas de saúde entre os Kaingang de Palmas/PR. Florianópolis, UFSC. Dissertação de mestrado. 1998. 27 WIESEMANN, Ursula. Introdução na língua Kaingáng. Rio de Janeiro, SIL. 1967. 47p. (datilografado). 28 WIESEMANN, Ursula. Dicionário Kaingáng-Português, Português-Kaingáng. Rio de Janeiro, SIL. 1971. 29 WIESEMANN, U. Introdução na língua Kaingáng. Rio de Janeiro, SIL. 1967. p. I ; WIESEMANN, U. Os dialetos da língua Kaingáng e o Xokleng. Rio de Janeiro, SIL. 1978. p. 199/200.

86

Os Kaingang estão entre as maiores etnias indígenas do país e são estimadas entre 22 e 25 mil pessoas, distribuídos em 28 terras indígenas nos Estados de São Paulo, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul. Atualmente alguns grupos passaram a se fixar nas zonas urbanas e rurais e há um contingente significativo que não aparece nos censos oficiais.

87

Para compreendermos a sociedade kaingang é preciso resgatar o dualismo simbólico que orienta as suas práticas sociais. Na cosmologia desse grupo, tanto a sociedade quanto a natureza aparecem simbolicamente divididos entre as metades Kamé e Kairu, as quais são, ao mesmo tempo, opostas e complementares. VEIGA30 sintetiza essa organização: As metades Kamé e kairu são idealmente exógamas e, em tudo, complementares. A relação de troca entre as metades é permanente. Casa-se na metade oposta, enterram seus mortos da outra metade, e quando alguém passa por um período de liminaridade é acompanhado e servido por pessoas da metade contrária. NIMUENDAJU verificou que a “exogamia dos dois clãs foi estabelecida como lei fundamental logo no princípio, e nos toldos do Yvaí cumpre-se esta lei rigorosamente até hoje, apesar da convivência com os nacionais que os índios lá tem”31. A mitologia kaingang explica a origem do mundo e da humanidade assim como da natureza e sua biodiversidade. Em 1912 Nimuendaju coletou, entre os Kaingang da bacia do Ivaí, o seguinte mito sobre a sua origem: A tradição dos kaingang afirma que os primeiros da sua nação saíram do solo; por isso têm a cor de terra. Numa serra, não sei bem onde, no sudeste do estado do Paraná, dizem eles que ainda hoje podem ser vistos os buracos pelos quais subiram. Uma parte deles permaneceu subterrânea; essa parte se conserva até hoje e a ela se vão reunir as almas dos que morrem, aqui em cima. Eles saíram em dois grupos chefiados por dois irmãos, Kanyerú e Kamé, sendo que aquele saiu primeiro. Cada um já trouxe consigo um grupo de gente. Dizem que Kanyerú e toda sua gente eram de corpo delgado, pés pequenos, ligeiros, tanto nos seus movimentos como nas suas resoluções, cheios de iniciativa, mas de pouca persistência. Kamé e seus companheiros, pelo contrário, eram de corpo grosso, pés grandes, e vagarosos nos seus movimentos e resoluções.32 Há outras variações desse mesmo mito coletado por outros pesquisadores. Borba, por exemplo, coletou uma versão desse mito entre os Kaingang da bacia do Tibagi e Schaden entre os Kaingang de Palmas. Ora os dois heróis Kairú e Kamé são irmãos, ora são iambré (cunhados), ora aparecem como um casal de irmãos que se casaram e depois restabeleceram a divisão em dois grupos. Mas, em todas as versões, os Kaingang vieram de dentro da terra, por isso têm a sua cor. O mito também sempre se refere a dois grupos, opostos mas complementares que se casaram entre si.

30

VEIGA, Juracilda . Cosmologia e práticas rituais Kaingang. Campinas, UNICAMP. Tese de doutoramento. 2000. p. 78. NIMUENDAJU, Curt. Etnografia e indigenismo: sobre os Kaingang, os Ofaié-Xavante e os índios do Pará. Campinas, Ed. da UNICAMP, 1993: 60. 32 NIMUENDAJU, Curt. 104 mitos nunca publicados. Revista do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional. n. 21. Rio de Janeiro, 1986. p. 86. 31

88

Os heróis míticos também criaram os bichos e as plantas e muitos dos conhecimentos de medicina e agricultura aprenderam com os bichos. Nimuendaju recolheu o seguinte relato mítico na Terra Indígena Ivaí: Como esses dois irmãos com a sua gente foram os criadores das plantas e dos animais, e povoaram a Terra com os seus descendentes, tudo neste mundo pertence à metade Kanyerú ou à metade Kamé, conhecendo-se a sua descendência já pelos traços físicos, já pelo seu temperamento, já pela pintura: tudo o que pertence a Kanyerú é manchado, o que pertence a Kamé é riscado. Essas pinturas, o índio vê tanto na pele dos animais como nas cascas, nas folhas ou nas flores das plantas, e para objetivos mágicos e religiosos cada metade emprega material tirado de preferência de animais e vegetais da mesma pintura. Kayerú fez cobras, Kamé, onças. Este fez primeiro uma onça e a pintou, depois Kanyerú fez um veado. Kamé disse à onça: “Come o veado, mas não nos coma!” Depois ele fez uma anta, ordenando-lhe que comesse gente e bichos. A anta, porém, não compreendeu a ordem. Kamé repetiulhe ainda duas vezes, em vão; depois lhe disse zangado: “Vai comer folhas de urtiga! Não presta para nada!’ Kanyerú fez cobras e mandou que elas mordessem homens e animais. Queimou um espinho chamado sodn e esfregou a cinza nos dentes da cobra a fim de torná-los venenosos. Kamé quis então fazer um animal muito feroz, e começou a fazer o tamanduá. Eles estavam trabalhando durante a noite, e quando o dia começou a romper, o tamanduá ainda não estava pronto: já tinha unhas enormes, mas a boca ainda estava por fazer. Então Kamé arrancou um cipó e meteu-o como língua na boca do estranho animal, que ficou mal acabado”. Quando já estava claro, eles começaram a correr, e logo uma onça pegou um Kanyerú, e Kamé foi mordido por uma cobra. Pararam para tratar o doente, quando o surucuá (Trogon sp.) cantou: Tug! Tug! Tug! Um velho explicou essa cantiga como tu (carregar) e mandou que carregassem o doente para o lugar do acampamento. Um pequeno gavião cantou: Tokfín! (amarrar) e o velho mandou amarrar o membro lesado. Um outro passarinho cantou: Nigdn! (cortar), e eles abriram a ferida com um corte. Outro cantou: Iandyóro! (espremer) e eles espremeram a ferida. Por fim um outro cantou: Kaimparará! (kaimpára – inchado), e o velho disse: “Isto é um mau grito! Amanhã o membro estará inchado! “ Assim foram tratando o doente até que se restabelecesse33. O sistema social kaingang combina a descendência patrilinear com a residência matrilocal (uxorilocal). Os filhos de pai Kamé serão Kamé e os de Kairu serão Kairu. Por outro lado, a residência é matrilocal, isto é, o rapaz vai residir na casa do sogro e a ele se subordina, formando parte da família extensa que é a unidade de produção e consumo. Cada unidade doméstica é composta pelo pai, esposa, filhos solteiros, filhas casadas e solteiras e genros. FERNANDES afirma: Atualmente, a patrilinearidade continua operando como um critério de sociabilidade kaingang. Mesmo no caso das famílias que não postulam sua identificação com as metades cosmológicas Kamé e Kairu, o

33

o

NIMUENDAJU, C. 104 mitos indígenas nunca publicados. Revista do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional. N 21. Rio de Janeiro, 1986. pg. 87.

89

reconhecimento da descendência instrumento de legitimação social. 34

paterna

se

mantém

como

um

Fernandes avança na sua discussão sobre a correspondência interna entre as esferas do casamento e parentesco com a economia e a política: Com a combinação da patrilinearidade e da matrilocalidade entre os Kaingang ‘sangue’ e ‘solo’ estão fundidos no domínio dos grupos domésticos: entre as mulheres há uma relação de ‘sangue’, entre os homens uma relação de afinidade (‘solo’). A relação entre sogro e genro está ao centro da afinidade constitutiva dos grupos domésticos. Em tal relação há uma assimetria na distribuição de status entre sogro e genro, que participam de forma desigual dos direitos e deveres próprios de cada grupo doméstico. Assim, há uma hierarquia na composição dos grupos domésticos, a qual divide os grupos familiares em ‘englobados’ (genro) e ‘englobantes’ (sogro). A autoridade doméstica que se constrói neste contexto está, portanto, projetada para o exterior, na direção dos grupos com os quais estão formadas as alianças matrimoniais e, potencialmente, políticas. As etnografias atuais e os registros históricos indicam que o ‘grupo doméstico’ constitui a unidade social fundamental Kaingang. Tal grupo se apresenta como uma unidade social territorialmente localizada, dotada de autoridade política que atua no contexto das relações entre diversos grupos domésticos. É a partir da articulação entre estas autoridades que se constituem as unidades sócio-políticas maiores, os ‘grupos locais’ e as ‘unidades político-territoriais’. Note-se que os grupos locais podem ser formados por um ou mais grupos domésticos. Quando mais de um grupo doméstico formam um grupo local, ocorre uma divisão hierárquica análoga àquela que divide a autoridade dos grupos familiares no interior dos grupos domésticos. Pois estas esferas da sociabilidade Kaingang igualmente articulam homens em relação de afinidade, que mesmo não convivendo em uma única habitação, vivem próximos e atuam em conjunto, especialmente, em atividades econômicas. 35 A nominação36 também está relacionada com as metades e cada metade possui um estoque nos nomes próprios, sendo, portanto, um importante elemento de identificação das pessoas. Além dos nomes Kamé e Kairu ainda existem nomes de pessoas denominadas péin que possuem nomes péin. São categorias sociais que possuem funções rituais no kikikoi e nos funerais. Fechando esse círculo de oposição e complementaridade, cada metade/seção possuía pinturas específicas, sendo a dos Kamé, em riscos e a dos Kairu, em círculos. O único momento em que a estrutura de metades e subseções se evidenciava era no ritual dos mortos (kikikoi), o ritual mais importante desta sociedade.

34

FERNANDES, Ricardo Cid. Contribuição da antropologia política para a análise do faccionalismo kaingang. Florianópolis, SC. Janeiro de 2001. Artigo no prelo. p. 22. 35 Idem, ibidem. p. 23. 36 Mais informações sobre a nominação kaingang consultar VEIGA, J. Organização social e cosmovisão Kaingang: uma introdução ao parestesco, casamento e nominação em uma sociedade Jê meridional. Campinas, UNCAMP. Dissertação de mestrado. 1994.

90

Antes de saírem para visitar os túmulos dos recém-mortos a quem o ritual era feito, todas as pessoas recebiam a pintura facial e assim se reconhecia a que grupo e subgrupo cada um pertencia. Hoje apenas os Kaingang da T.I. Xapecó - SC realizam esse ritual. Nas demais áreas indígenas, algumas pessoas ainda levam em consideração as metades a que pertencem e outras consideram-nas como coisas do passado mas, como lembra Fernandes, o reconhecimento da descendência paterna se mantém como um instrumento de legitimação social. Essa estrutura simbólica combinando metades e seções, nomes e pinturas, descendência e residência mostra as dificuldades de resgatar, na sua totalidade, a complexidade dos significados envolvidos nas práticas cotidianas e rituais kaingang. Cada grupo local era constituído por indivíduos das duas metades e seções e expressava as alianças entre os grupos locais e mesmo de diferentes unidades político-territóriais. Esse modelo, de organização social e parentesco, ainda é operativo entre os Kaingang atuais com algumas adaptações e simplificações que foram sendo feitas de acordo com as novas experiências históricas de contato e de subordinação às estruturas indigenistas. O ritual dos mortos foi sendo abandonado por causa das perseguições aos rezadores (kuiã) e da proibição por parte dos diretores dos aldeamentos que teve início no período provincial, mas o ritual resistiu até o início da década de 1950. No entanto, percebese que mesmo com a modernização dos Kaingang e uma série de mudanças que imprimiram no seu modo de vida, a lógica dual, combinando hierarquia e reciprocidade, permanece como princípio estruturante das relações sociais, políticas, econômicas e rituais. Por outro lado, pesquisas têm mostrado que o sistema de metades tem ressurgido, de forma simplificada, em novos contextos, como, por exemplo, nos movimentos sociais para simbolizar a identidade étnica, nas festas e danças das escolas e grupos de dança que são apresentados em escolas e festivais37.

37

Sobre a importância das festas na atualidade consultar TOMMASINO, K. Op. Cit. 1995.

CAPÍTULO III

DIAGNÓSTICO DA SITUAÇÃO SÓCIO-CULTURAL E ECONÔMICA DA T. I. IVAÍ Kimiye Tommasino* Lúcio Tadeu Mota* Izabel Cristina Rodrigues* Rosângela Célia Faustino* Fabiana Virgílio da Rocha** Cristiane T. Quinteiro** Éder Novack** Simone Jacomini** Patrícia de Souza** Lúcia Golveia Buratto**

1

A INSTITUCIONALIZAÇÃO DA DEPENDÊNCIA A T.I. Ivaí é constituída de 287 famílias num total de 1.108 pessoas. Tendo

perdido a maior parte de suas terras, os Kaingang da T.I. Ivaí assim como todos os outros povos do sul dependem, para sobreviver, dos recursos e serviços oferecidos pelas instituições públicas. A comunidade da T.I. Ivaí depende hoje basicamente das seguintes instituições:

FUNAI/Ministério da Justiça – presente na área desde 1970, é responsável pela questão fundiária e pelos projetos de desenvolvimento comunitário. Possui três funcionários permanentes: o chefe do posto, um técnico agrícola e um motorista. A FUNAI ainda mantém uma das cozinheiras da escola Salvador Venhy. FUNASA/Ministério da Saúde – a assistência à saúde (atendimento médicoodontológico, remédios, internações, tratamento de água e outros serviços) é de responsabilidade da Fundação Nacional de Saúde-FUNASA desde 1994. A FUNASA possui na área, atualmente, um médico, um dentista, uma enfermeira-padrão, duas auxiliares de enfermagem, dois agentes de saúde indígenas e um motorista. Além

*

**

Professores pesquisadores no Programa Interdisciplinar de Estudos de Populações – Laboratório de Arqueologia, Etnologia e Etno-história da UEM. Alunos de graduação e pós-graduação pesquisadores no Programa Interdisciplinar de Estudos de Populações – Laboratório de Arqueologia, Etnologia e Etno-história da UEM.

92

destes, dois outros funcionários fazem visita uma vez por mês para fiscalizar as instalações de água. Prefeitura Municipal de Manoel Ribas – a prefeitura mantém duas escolas na área, uma desde 1986, chamada Escola Salvador Venhy que atende as crianças da préescola à quarta série e possui 12 funcionários: a diretora, mais 10 professores, todos não-índios e residentes na cidade de Manoel Ribas e uma cozinheira índia que reside na T.I.Ivaí. Há na área uma outra escola que atende as crianças da 5ª série do ensino fundamental e alunos do curso supletivo Essa escola está na área desde 2001 e mantém 5 funcionários. Todos os funcionários são não-índios e moram na cidade de Manoel Ribas; ficam na área durante o dia e vão embora à noite. No entanto, a FUNAI mantinha anteriormente classes de 1a. a 4a. do ensino fundamental na aldeia desde 1970 até a municipalização das escolas. Prefeitura Municipal de Pitanga – é responsável pelo repasse do ICMS ecológico dos índios e na última safra foi responsável pela compra de implementos agrícolas (grade, pulverizador), reforma de trator e caminhão, compra de pneus, etc. Governo do Estado do Paraná – o Projeto Paraná 12 meses está construindo 15 casas novas e reformando 30 outras na T.I. Ivaí. Além das casas, o Projeto forneceu corretivos para o solo das roças comunitárias. EMATER – faz visitas de fiscalização, para ver se o dinheiro está sendo empregado de forma correta nos projetos, sendo essa visita feita pelos funcionários Lauro e Marina, uma vez por mês, no mínimo. A comunidade indígena, há muito tempo, perdeu sua autonomia econômica e conseqüentemente passou a depender cada vez mais das políticas públicas. A única atividade em que existe autonomia relativa, pelo menos em termos de produção, é o artesanato mercantil, mas mesmo assim, depende do mercado consumidor. Por outro lado, a taquara está cada vez mais difícil de encontrar e os índios têm de buscá-la em locais distantes. As roças familiares dependem também de sementes e insumos que são obtidos junto aos órgãos públicos.

93

2

CARACTERIZAÇÃO DA TERRITORIALIDADE

POPULAÇÃO:

DEMOGRAFIA

2.1

A POPULAÇÃO DA T.I. IVAÍ: UMA POPULAÇÃO JOVEM

E

Vivem hoje na T.I. Ivaí 287 famílias num total de 1085 pessoas. Não obtivemos o censo de 2002, mas atualizamos os censos de 1999/2000 e 2001, fornecidos pela FUNAI e pela FUNASA. A partir dessa atualização obtivemos os seguintes resultados: 44,6% pessoas têm até 14 anos de idade; 13,3% pessoas têm entre 15 e 19 anos; 36,5% estão entre 29 e 59 anos; e 57 pessoas têm mais de 60 anos. Esses resultados mostram que a comunidade indígena do Ivaí possui uma população jovem e infantil muito alta em relação á população adulta, isso repercute na qualidade de vida, uma vez que poucos são os que trabalham para alimentar muitos. O Gráfico 1 mostra a população por sexo e faixa etária, e revela que a maioria da população é jovem. Os adultos com mais de 20 anos representam 41,8% enquanto 57,8% estão abaixo dessa idade.

21

mais de 70

17 8

65 a 69

mulheres

4 4

60 a 64

3 11

55 a 59

7

homens

13

50 a 54

5 18

45 a 49

17 24

Idade

40 a 44

23 22

35 a 39

19 27

30 a 34

22

38

25 a 29

46 51

20 a 24

45 85

15 a 19

57 66

10 a 14

67 81

5a9

73

90

0a4

97

0

20

40

60

80

100

120

Número de Pessoas

Gráfico 1 – População da T. I. Ivaí – Pr.

O Gráfico 2, mostra a distribuição relativa da população em 4 faixas de idade: até 14 anos, de 15 a 19, de 20 a 59 e de mais de 60. O Gráfico 3 mostra que 92% da população não possui renda fixa, 7% vive de aposentadoria e 1% possui renda mensal proveniente de salários. O Gráfico 4 mostra essa mesma realidade em números absolutos: 976 não possuem renda fixa para 73 aposentados e 12 assalariados.

94

5% Até 14 anos 45%

37%

De 15 a 19 anos de 20 a 59 anos Mais de 60 anos

13%

Gráfico 2: População da Terra Indígena Ivaí por faixa etária (percentuais)

7% 1% Aposentados Assalariados Sem renda fixa 92%

Gráfico 3: População da Terra Indígena Ivaí, por fonte de renda (percentuais)

73 12 Aposentados Assalariados Sem renda fixa 976

Gráfico 4. População da Terra Indígena Ivaí por fonte de renda (números absolutos)

95

2.2

A ESPACIALIDADE KAINGANG NA T. I. IVAÍ: OS RESULTADOS DA POLÍTICA DE CONCENTRAÇÃO DA POPULAÇÃO A comunidade kaingang da T.I. Ivaí vive atualmente concentrada numa única

aldeia onde no passado havia o toldo Passo Liso. Observa-se que a aldeia-sede localiza-se no extremo limite norte da terra indígena próxima à cidade de Manoel Ribas, sendo de 6 km a distância entre a aldeia e o centro da cidade.

Foto aérea da sede da Terra Indígena Ivaí, feita em 2000. Ao lado esquerdo do campo de futebol estão a Escola, o Posto de Saúde, o Posto da FUNAI e, ao fundo, a Igreja. No lado direito, observase a estrada que vem de Manoel Ribas e, mais abaixo, o rio Monjolo Velho.

Até o final da década de 1950 a população vivia distribuída em 4 toldos ou aldeias, a saber: Passo Liso, Marrequinha, Balsa Velha e Serrinha. Havia ainda um quinto toldo menor próximo ao Salto da Onça no rio Borboleta. A Aldeia-sede foi criada no tempo do chefe de posto Otávio Ferreira e pode ser considerada uma expansão do toldo Passo Liso. Quando houve a redução, as famílias das aldeias Balsa Velha e Marrequinha foram transferidas para as aldeias dentro do novo perímetro, isto é, Passo Liso, Serrinha e Salto da Onça. A segunda transferência das famílias ocorreu a partir da década de 1980, das aldeias Serrinha e Salto da Onça para a aldeia-sede, mas não foi feita de uma só vez e sim gradativamente, à medida que o projeto das casas foi sendo executado. Em 1997, quando foi inaugurada a escola atual, praticamente todas as famílias estavam morando na sede. A concentração das famílias teve como razões institucionais dar “mais conforto” no que se

96

refere à escola para todas as crianças, ao acesso ao posto de saúde, à energia elétrica, à água encanada e à proximidade do comércio. No entanto, se, de um lado, a população indígena ficou perto dos recursos sociais, por outro, houve uma intensa e crescente degradação ambiental pela grande concentração das famílias numa só aldeia. Há outros problemas apontados pelos índios sobre a vida na aldeia-sede, principalmente pelos mais velhos: quando viviam espalhados em 4 aldeias, uma casa (in) era distante da outra, e cada família tinha animais de tração e montaria para atender suas necessidades. As famílias tiveram que se desfazer dos animais ou diminuí-los para um ou dois. Na aldeia-sede os porcos são criados soltos e perambulam livremente com pessoas, galinhas e cachorros. A briga entre famílias por causa desses animais é uma constante e a maioria das pessoas considera que os conflitos aumentaram depois que foram viver na sede. Antes, dizem, viviam sossegados porque podiam criar seus animais com tranqüilidade e não havia brigas entre vizinhos. No centro da aldeia-sede (vide croqui) da T.I. Ivaí, localiza-se: a escola, o posto de saúde, a igreja, o escritório da Funai e os demais equipamentos sociais. Distribuídas no entorno, estão as 190 moradias. O número de casas é insuficiente para abrigar as 287 famílias da comunidade e, para sanar o déficit, algumas casas abrigam mais de uma família segundo a regra tradicional de residência uxorilocal (o marido do casal vai viver na casa do sogro). O Programa Paraná 12 Meses está construindo 15 casas novas e reformando mais 30 unidades e pretende resolver o déficit habitacional até o final de 2002. Outra questão que remete à questão espacial e ambiental é a grande proximidade das casas entre si que em nada respeitou a tradição kaingang. Isso acabou trazendo impactos negativos porque não possibilita a privacidade da vida familiar e impede a manutenção do modo de morar próprio deste povo. As entrevistas com as famílias da aldeia sobre os aspectos positivos e negativos de viverem concentrados na aldeia-sede mostram exatamente que, se de um lado as famílias ficaram próximas aos equipamentos sociais – escola, enfermaria, igreja, escritório da Funai - por outro, as famílias não se sentem bem, porque estão “amontoados” em casas muito próximas e não podem ter as suas criações sem que haja conflitos internos e aborrecimentos entre vizinhos. Não podemos deixar de registrar também que a sociedade kaingang se divide em grupos ou facções que disputam o poder interno e é comum esses conflitos se acirrarem pela disputa entre si dos bens materiais distribuídos pelos órgãos dos governos municipais (prefeituras de Manoel Ribas e Pitanga), estadual e federal.

GESTÃO AMBIENTAL NA TERRA INDÍGENA T.I.IVAÍ - PARANÁ MAPA DE OCUPAÇÃO ATUAL RF2

Cemitério Atual

RC4

LEGENDA HIDROGRAFIA

Rios, córregos e ribeirões

Pasto

RC3 pari

SISTEMA VIÁRIO

Estradas Municipais Carreadores

laranjal RC2

Terra Indígena Ivaí RC1

Toldo Serrinha

RC

Roça comunitária

RF

Roça familiar

Cemitério Antigo RF3

Cemitério

Salto da onça

Toldos

Setores

Paiol

Pari

99

Percorrendo a aldeia, observa-se que a maioria dos Kaingang prefere ficar do lado externo da casa, ao redor do fogo feito no chão. Trata-se de uma tentativa de recuperar, ainda que parcialmente e de forma adaptada, o costume de ficarem dentro das tradicionais in (moradias tradicionais) ao redor do fogo que permanecia dia e noite aceso. Ao redor do fogo costumam conversar e é onde preferem receber os amigos e parentes. Outro dado pode ser observado em locais onde algumas famílias construíram ranchos tradicionais ao lado das casas modernas, os ranchos tradicionais utilizam para cozinhar, conversar e fazer cestaria, e as casas de alvenaria usam como local para dormir e como depósito para guardar os produtos da roça e do artesanato comercial. São formas que os Kaingang desenvolveram ao longo do tempo em que se tornaram subordinados às políticas dos brancos, para manterem, ainda que parcialmente, o seu modo de ser. Uma questão relacionada com o modo tradicional de morar e que não pôde ser reproduzida por razões óbvias é que, quando viviam livres, quando as casas ficavam infestadas de insetos ou tornavam-se inóspitas, a família ateava fogo e construía uma nova in. Era a forma tradicional de garantir a habitabilidade, o que era feito sempre que necessário. Para isso era convocado o trabalho da família extensa que, através do sistema de mutirão, rapidamente construía a nova in, uma construção necessariamente rústica e fácil de ser construída.

Casa kaingang nos campos de Guarapuava em desenho de 1774. Cada uma dessas casas tinha em torno de cinco metros de altura por cinco de largura e vinte de comprimento e abrigava até oitenta pessoas.

100

Rancho do kaingang Atanásio na T.I. Ivaí. Foto de Cristiane T. Quinteiro, 2002.

Moradia kaingang na T. I. Ivaí. Foto Kimiye Tommasino, junho 2002

101

Mulheres no terreiro de uma casa sob uma barraquinha preparando artesanato. Foto Cristiane T. Quinteiro, aldeia Ivaí, junho de 2002.

Casa de alvenaria na T. I. Ivaí, construída pelo governo do Paraná. Foto Kimiye Tommasino, outubro de 2002.

Algumas famílias nucleares que formam um grupo extenso, e que moram há muito tempo na aldeia-sede, vivem próximas umas das outras formando pequenos núcleos, como é o caso dos Ninváia, Venhy, Trajano e os Rodrigues. Já aquelas famílias que se

102

mudaram mais recentemente estão dispersas pela aldeia e só se reúnem quando vão trabalhar na roça, como é o caso das famílias Kambé. Com a concentração das famílias na aldeia-sede, as famílias que viviam nas outras aldeias continuaram a manter suas roças familiares que usam o sistema de coivara, nos seus locais de origem. Dessa maneira, pode-se perceber que as famílias da Aldeia Serrinha ainda mantêm suas roças de coivara e hoje têm de percorrer até 15 quilômetros de distância para cuidar delas. Para isso constroem wãre (abrigos rústicos) ou in ty ré (ranchos rústicos para abrigo temporário) onde permanecem por dias ou semanas dependendo da época. Portanto, se a concentração das famílias na aldeia-sede facilita a freqüência das crianças na escola e permite acesso fácil ao posto de saúde, por outro, os homens e mulheres adultos têm de percorrer grandes distâncias para poderem cuidar de suas roças. Essa reorganização espacial imposta pelo indigenismo trouxe uma outra conseqüência social de ordem geracional relacionada com a socialização dos filhos. Todos os velhos foram unânimes em afirmar que, com a obrigatoriedade de freqüentarem a escola, as crianças e jovens deixaram de acompanhar os pais nas atividades de subsistência como fazer roças, caçar e coletar. A obrigatoriedade da escolarização foi imposta nos anos 1970s quando as famílias ainda viviam espalhadas na área e nessa época teve início a ruptura entre os adultos e as crianças que deixaram de acompanhar os pais nas atividades do cotidiano. Isso trouxe várias conseqüências como, por exemplo, a quebra da estrutura que fundamentava o processo de socialização para o trabalho, o aprendizado dos etnoconhecimentos, dos mitos e todo o patrimônio cultural da tradição kaingang. Como sociedade ágrafa, os Kaingang, assim como as demais etnias indígenas transmitem as tradições oralmente no contexto da vida cotidiana e ritual. Os meninos, quando saíam para caçar com o pai, aprendiam as técnicas de reconhecimento da presença dos animais, pela educação/treinamento dos sentidos; também aprendiam a conhecer os tabus impostos pela cultura como, no caso kaingang, o de não matar certos animais reconhecidos como seus yangré (espíritos animais), de não comer certas partes da caça por determinados grupos de idade (como, por exemplo, jovens não devem comer o cérebro de alguns animais porque se tornariam preguiçosos); também é quando aprendiam a reconhecer as plantas medicinais e a forma de preparo e uso. De todas as conseqüências negativas que a educação formal trouxe aos índios, a mais significativa, foi a desvalorização e a desqualificação da cultura indígena, operada pelos agentes brancos – os professores, os técnicos da instituição tutelar, os missionários - nas salas de aula e fora delas, os quais levam os próprios alunos a uma postura etnocêntrica a favor da cultura do branco. O caráter civilizatório da escola nas áreas indígenas ainda não foi superado porque não houve reciclagem dos professores e os livros

103

didáticos ainda são os mesmos utilizados nas demais escolas nacionais que veiculam estereótipos negativos sobre os povos indígenas. Pode-se dizer, portanto, que a escola branca fez desaparecer a “escola” indígena e a conseqüência é que hoje a maioria da população abaixo dos 30 anos possui muito pouco dos saberes “dos antigos”. Praticamente os adultos jovens sabem trabalhar segundo os padrões impostos pelos técnicos do indigenismo e uma das queixas dos velhos é que os jovens desvalorizam as tradições e as renegam. A qualidade do ensino formal, por outro lado, por todas as deficiências acumuladas, não tem preparado os escolares para a vida moderna e segundo padrões que possibilitem novas formas de produção da subsistência capaz de garantir a qualidade de vida que tinham no passado. Muito ao contrário, a população jovem da comunidade vem perdendo gradativamente os etnoconhecimentos kaingang sem, contudo, um ganho significativo nos conhecimentos da sociedade dominante para uma efetiva inserção na economia regional, o que caracteriza um empobrecimento cultural em ambos os lados. Outra grave conseqüência produzida pela reorganização espacial das famílias de quatro para uma só aldeia onde se localiza a escola distanciou as crianças das matas, dos campos e dos rios, onde a socialização para a vida era realizada e com isso as novas gerações foram perdendo o vínculo com os espaços simbólicos que fundamentam a memória indígena. O espaço onde crescem as crianças ficou reduzido à aldeia e seu entorno e quando muito ao espaço urbano de Manoel Ribas onde vendem seus artesanatos. Outro ponto de ruptura geracional pode ser observado na organização da roça familiar, a roça de coivara. Na organização da roça cada membro do grupo possui tarefas específicas e as crianças também tinham algumas funções. Com a ausência das crianças, os pais têm de reorganizar a produção. Ademais, essas mesmas crianças, além de não desenvolverem suas tarefas, ainda não são mais treinadas de forma completa para serem adultos segundo os padrões indígenas. Ou seja, sabemos que cada sociedade, de acordo com seus valores e tradições, produz/treina os corpos desde a mais tenra infância para serem os adultos almejados. Portanto, observa-se uma quebra tanto na formação intelectual (do cérebro) quanto do corpo físico, que vai se modificando a cada geração. Cabe registrar que identificamos a continuidade na socialização das meninas para a confecção do artesanato que foi intensificada para ser vendida no mercado e teve um percurso contrário. Quanto ao treinamento dos corpos dos meninos pudemos observar que, se não mais são preparados para a guerra e para a caça, hoje passaram a jogar futebol dentro e fora das aldeias e com isso o treinamento do corpo teve continuidade porque, dizem eles, os índios têm “canela de ferro” e porque, desde pequenos, os kuiã passam carvão de pau-ferro nas canelas e braços dos meninos para que os ossos se tornem duros e resistentes.

104

Concomitantemente a esse processo no nível da socialização, o meio ambiente vem sendo devastado, degradado e dessacralizado. O solo está desgastado e depois de uma ou duas colheitas a produtividade fica comprometida. Os rios estão poluídos, contaminados e sujos. Os rituais que os Kaingang faziam nas margens dos rios (“batismo”, “purificação da viúva”), no interior das matas (rituais) e mesmo na aldeia (ritual do kikikoi) foram abandonados parcial ou totalmente. Com o aumento da população, todos esses processos de perda e degradação ambiental e social ganharam em intensidade. Basta andar na aldeia e entorno para vermos, pelo lixo espalhado, um dos resultados da dependência dos índios às cidades e seus produtos. Há garrafas e sacos plásticos, restos de sacos de papel e papelão, brinquedos descartados, entulhos e todo tipo de material que se acumula na aldeia. As imagens fotográficas colhidas pela nossa equipe revelam a necessidade de programar ações com dois objetivos: um de gestão do lixo e outro de educação ambiental, o primeiro de curto prazo e o segundo de médio prazo. As mudanças no modo de vida e a dependência crescente dos núcleos urbanos que trazem para dentro da aldeia alimentos, roupas, insumos agrícolas, inseticidas e outros produtos da modernidade, trazem também muito material descartável que a comunidade simplesmente joga em locais onde são queimados parcialmente. A introdução de um projeto de educação ambiental, por outro lado, poderia incluir tanto a população escolar quanto toda a comunidade e suas lideranças para que se implante uma política ambiental em que a questão do lixo seja um dos temas. Na T.I. Ivaí existem dois cemitérios, um na aldeia-sede e outro na Serrinha, no local da antiga aldeia de mesmo nome. Atualmente o da Serrinha está desativado, mas as famílias que têm parentes enterrados lá costumam fazer visitas esporádicas durante o ano e principalmente no Dia de Finados. As imagens mostram que os cemitérios expressam a influência do catolicismo e seus símbolos.

105

Cemitério kaingang na Terra Indígena Ivaí. Foto: Cristiane T. Quinteiro, julho, 2002

Cemitério kaingang na Terra Indígena Ivaí. Foto: Cristiane T. Quinteiro, julho, 2002

106

2.3

ESTRUTURA LIDERANÇA

SOCIAL

DA

COMUNIDADE:

CACIQUE

E

A comunidade kaingang da T.I. Ivaí possui uma organização interna baseada na figura do cacique, vice-cacique e a liderança/polícia indígena. Essa estrutura foi implantada ao longo da história do contato. No passado, cada subgrupo ou família extensa – formada por um casal, seus filhos solteiros, filhas e genros – formava um emã e se fixava num afluente do rio Ivaí e era econômica e politicamente autônomo. Na situação de contato, os brancos instituíram a figura do capitão, depois substituída por cacique. Somente nos casos de interesse maior, os chefes (pai) se reuniam e constituíam uma liderança geral, pai bang, para negociar ou guerrear, se fosse o caso. Uma vez resolvido o problema à estrutura era dissolvida e tudo voltava ao normal. Ocorre que, com a subordinação permanente dos índios ao governo dos brancos a figura do capitão/cacique se tornou permanente. É importante ressaltar que cada subgrupo, no passado, se instalava nas proximidades de um afluente do rio Ivaí e tinha exclusividade na exploração dos recursos de fauna e flora daquela porção que era sua terra tradicional e podia viver da caça, coleta, pesca e agricultura que faziam nas matas, rios e campos. Com a expropriação da maior parte das suas terras e a política de concentrar todos os grupos em apenas uma aldeia, essa organização tradicional foi completamente subvertida. Hoje o cacique é eleito pela comunidade e este escolhe o seu vice-cacique, a “liderança” e a polícia interna da comunidade. Quando não pode participar de uma reunião, o cacique nomeia o vice-cacique ou uma das lideranças para o representar. No total a polícia indígena é composta por 18 pessoas que é uma cópia da hierarquia militar: major, capitão, tenente, sargento, delegado e “polícias”. O chefe da polícia e seu vice são responsáveis em amarrar e prender os índios infratores. As principais infrações que pode levar os índios ao “tronco” e à cadeia são: alcoolismo, brigas, adultério e fofocas. O cacique atual é Francisco Cabral e seu vice é seu genro Marcílio Glicério. Este dado de afinidade mostra que na comunidade ainda vigora a sociabilidade entre parentes e afins e a hierarquia do sogro sobre o genro. As funções do cacicado são manter a ordem interna, discutir problemas de interesse da comunidade e levá-los para as instituições responsáveis (FUNAI, FUNASA, Prefeituras, etc.). Cabral está no cargo de cacique há 12 anos, fato incomum nas outras áreas porque os caciques são substituídos com muita freqüência e têm duração efêmera. Como os problemas enfrentados pela comunidade são muitos o cacique e suas lideranças estão sempre viajando para participar das reuniões. O cacique e o vicecacique sempre viajam acompanhados por um ou dois elementos da liderança. As reuniões

107

acontecem nas cidades de Manoel Ribas, Guarapuava, Curitiba e às vezes em Brasília. Esses contatos são vitais para a comunidade porque é quando podem levar as reivindicações para obterem recursos para setores como saúde, educação, ambiente, habitação e agricultura.

3

ECONOMIA INDÍGENA E OS RECURSOS DA NATUREZA Como já ressaltamos, os Kaingang da T.I. Ivaí viviam numa terra muito maior

antes de 1949. A economia kaingang era baseada nas atividades combinadas de caça, pesca, coleta e agricultura. Podemos dizer que os Kaingang viviam basicamente dos recursos naturais que encontravam nos ecossistemas da bacia do rio Ivaí. As

pesquisas

antropológicas

têm

demonstrado

que

os

povos

caçadores/coletores constituíam-se como as primeiras sociedades da abundância. Há uma pesquisa realizada por Marshall Sahlins1 entre vários povos caçadores/coletores em várias partes do mundo, incluindo grupos no Brasil onde ele demonstra que esses povos constituíram a primeira sociedade da abundância. Para garantir a satisfação de todas as suas necessidades primárias (vitais) e secundárias (simbólicas e rituais), os indígenas trabalhavam cerca de quatro horas diárias não-contínuas. Os Kaingang faziam parte deste tipo de sociedade e os relatos de viajantes do passado são unânimes em afirmar a qualidade de vida das populações indígenas. A gradativa queda na qualidade de vida dessas populações está diretamente relacionada ao contato, invasão e expropriação de suas terras e perda de autonomia. Registros de viajantes e exploradores do passado fornecem indicações sobre a rica biodiversidade do hábitat dos povos indígenas, sua rica fauna e flora, seus rios abundantes de peixes, a qualidade do solo. Os relatos colhidos pela nossa equipe entre os Kaingang mais idosos reafirmam a qualidade de vida de seus antepassados, graças à diversidade dos recursos naturais proporcionados pelos ecossistemas da bacia do Ivaí que forneciam alimentos e matérias primas para atender todas as suas necessidades vitais e simbólicas. O modo de vida tradicional continuou ainda até a primeira metade da década de 1950, mesmo depois das primeiras expropriações realizadas pelo Estado com os decretos de 1901, 1913 e 1924. Coletamos algumas narrativas sobre o tempo em que viviam da economia da floresta que está na memória dos mais velhos e que expressam um tempo que se foi perdendo simultaneamente à chegada dos novos tempos até os dias atuais em que a dependência chegou aos limites da escassez quase absoluta.

1

SAHLINS, M. A Primeira Sociedade da Afluência. In CARVALHO, E. de Assis (org.). Antropologia Econômica. São Paulo: Livraria Editora Ciências Humanas Ltda. 1978. pp. 7-44.

108

3.1

WÃXI – (TEMPO ANTIGO): O TEMPO DE ABUNDÂNCIA

3.1.1

Manejo da terra e dos recursos naturais No passado, quando ainda viviam dos recursos florestais, quando detinham

todo o território do alto e médio rio Ivaí, a sociedade kaingang manteve o sistema de manejo de suas florestas, campos e rios conforme os ensinamentos passados de uma geração a outra. Mesmo depois dos primeiros contatos com os brancos, os Kaingang viveram de conformidade com sua cultura ancestral. Os Kaingang subdividiam-se em pequenos grupos locais que tinham suas aldeias (emã) às margens dos afluentes e subafluentes do Ivaí. Segundo regras sociais determinadas, cada grupo tinha direito à exploração dos recursos de seu território. Os grupos locais da bacia do Ivaí formavam uma sociedade mais ampla e eram interligados por laços de parentesco (consangüíneos e afins). Na sociedade kaingang cada subgrupo tinha direito à exploração do pinheiral definido e reconhecido pela sociedade como um todo, ou seja: O conceito kaingang de propriedade se aplicava segundo um critério determinado. As florestas de todo o território tribal constituíam espaço de caça e coleta por qualquer indivíduo sem que essa exploração gerasse qualquer direito de propriedade sobre a terra, com exceção do pinheiral, que era dividido entre os subgrupos. Cada subgrupo (grupo local) tinha uma parcela do pinheiral sobre a qual exercia o direito [exclusivo] à coleta do pinhão.1 Fontes históricas mostram que a desobediência às regras de propriedade kaingang sobre a exclusividade do direito à exploração dos pinheirais podia gerar guerras entre os subgrupos (MABILDE, 1983: 126-127) e produzir fissão e expulsão do grupo infrator. Mas essa regra de propriedade não se aplicava a outros setores da economia kaingang. Se os recursos naturais do território seguiam as regras acima definidas, as construções realizadas sobre o solo (roças, pari) pertenciam a quem os realizou. Dessa forma, cada roça ou pari tinha seu dono e essa propriedade era reconhecida coletivamente; o rio continuava sendo território coletivo, mas cada pari tinha seu dono; no caso da roça, como a agricultura kaingang é rotativa, depois de abandonada, a roça retornava ao meio ambiente e à condição de terra coletiva. Depois de abandonadas, as roças continuavam a ser utilizadas com novas funções: serviam como ceva para animais; plantas nativas renasciam e podiam ser coletadas por qualquer pessoa; e muitas plantas introduzidas – frutíferas e tubérculos – continuavam produzindo mas podiam ser colhidas por todo.2

1 2

Cf. TOMMASINO, 2000: 197. Cf. TOMMASINO, 2000: 199-200.

109

Dentro desse modelo social de apropriação da natureza, o território kaingang se configurava da seguinte forma: Território kaingang tinha, necessariamente, de apresentar um ecossistema variado que lhes permitisse sua reprodução social e cultural. Nas regiões de campo faziam suas aldeias fixas (emã). Faziam também acampamentos ou abrigos provisórios (wãre) nas florestas e margens dos rios, onde permaneciam nas semanas ou meses em que praticavam a caça ou a pesca. Os deslocamentos eram feitos por grupos de parentesco, de modo que sempre havia pessoas no emã e outras no wãre. As matas eram, assim, espaços conhecidos e organizados. As plantas, os animais, e também os acidentes geográficos eram conhecidos em si mesmos e na relação entre eles, de acordo com o sistema de codificação kaingang. Dezenas e até centenas de caminhos entrecortavam as matas, em todas as direções, interligando os diferentes locais de exploração e sociabilidade. São caminhos que expressavam uma forma específica de ocupação do território, evidenciavam um modo próprio de relação com o meio ambiente e materializavam a rede social intra e intergrupos3.

3.1.2

A caça e a coleta É, naquele tempo comia fruita, comia palmito Caçava anta, porco do mato, cateto, veado, paca, é, para comer. Matava com flecha krantin. É flecha de madeira, então matava com flecha. Ih, naquela época a vida boa. A vida que está, lá tem as aldeias dentro da terra nossa. Nossa terra tem, cada um tem aldeia na outra parte, criávamos porco. Ali acho que tinha 4 aldeias. É, até no Pitanga, [tinha] aldeia. Aqui também [tinha] aldeia, lá perto do Ivaí lá tem aldeia e plantação de laranja, arvoredo, arvoredo tudo, tudo. Arvoredo é lavoura. Lavoura de árvore de fruta, aqui foi plantado a laranja, dai ele me diz descemos tudo para lá, onde tem as aldeias criava galinha, roçava para plantar, para comer, vivíamos com caça. (Pedro Ninvaia “Carroceiro”) Agora meu pai era caçador e pegava espingarda, com umas seis horas da tarde ele ia ver uma ceva de paca. Ele matava assim para gente comer, aqueles tempos não tinha açougue, então nós vivíamos assim com carne de bicho do mato. Nós caçávamos paca, cateto, veado, anta também. Anta tinha uns dois, mas sumiu, não sei onde eles foram. O cacique não deixa matar mais. Deixamos ele e não sei onde ele foi. (Chico Brum, 54 anos) A divisa da terra dos índios é ali no rio Ivaí. Era maior. tinha pinheiro. Os índios comiam pinhão. Nós assávamos, cozinhávamos também. Marido caçava: matava paca, veado, anta. Pegava cria [filhote] de anta para nós criarmos. Eles pescavam nos paris, alguns de nós, eu não sei pescar. Pescavam lambari, carpa, cascudo. Eu comia a comida dos índios mesmo. Era bolo, milho socado, assava no fogo para comer. Piché.

3

Cf. TOMMASINO, K. 2000: 203-204.

110

Naquele tempo, tinha mais saúde. Comia folha de mato. Ortigueira, daquela assim que dá aquelas sementes brancas. Comia folha, depois laranja do mato. Palmito. Socava monjolo de pé. Pisava no “rabo” dele assim, para socar. Para fazer farinha, fazer bolo. É para fazer o emi, piché, farinha. Comia coró, nós comemos ainda. É gostoso, é gordo. Nós o pegávamos, tirávamos a barriga fora, lava ele e cozinha, que é cozido e assado. O coró dá naquele pau, pinheiro, pinheiro caído que está podre, tem outro pequenininho, branquinho assim, é tão gostoso o pequenininho. Comia larva de abelha. Até hoje come, gosta. Daí nós começamos a ficar mais assim “virar branco”, então nós plantamos, nós plantamos as coisas para comer. Alface, repolho, cebola. Criamos frango, porco também. Também comemos boi, tinha boi daí vendemos tudo, porque não tinha marido para cuidar, e daí vendeu. (Ernestina Kublite) Caçávamos. É cateto, paca, anta. Não tem mais anta agora. Parece que não tem mais. A gente fazia buraco para fazer [a anta]. (José Pantu) É abelha, mel de abelha, favo, nós pegava bacia, balde, e enchia de parte dele, cortava pelo meio e nós enchíamos o balde, traziam assim para casa. E aí um pouco assim o pai pegava para fazer remédio. É, para bronquite e nós fazia isso e meu pai fazia tanto remédio e agora ele não está bom da cabeça. (Chico Brum) tinha mel, comia mel bastante. É de abelha. (Pedro Ninvaia “Carroceiro”)

3.1.3

A pesca Pari, esse nós ainda fazemos, tempo de inverno, eles cai muito. É, então nós fazemos um cesto [kéj] para nós pormos dentro e carregar na costa, daí quando meu pai fazia isso no rio, nós íamos posar sempre com ele e aí fazia assim, fogo e nós comíamos peixe assado. Nós comia assim com “fubá” [piché; emi]. Fubá assim torrado, molhavam assim no fubá e nós comia assim, torrava e comia junto. (Chico Brum) Pescavam no rio Borboleta, no rio Ivaí, lá no Balsa Velha. Outro morador tinha canoa para pescar. Bandeira, Tonico Bandeira, pai daquele morador lá. Tem bastante índio lá. O índio velho estava chorando, quando cortou a terra dele. (José Pantu) É, pescava, porque ali era nossa, até aqui não tinha nem peixe aqui nesse rio [rio Ponçano/Passo Liso] aqui não tinha, naquele tempo de antigamente. Pescava no Ivaí. É, no Ivaí. (Pedro Ninvaia “Carroceiro”)

3.1.4

A roça antiga Comia abóbora pehó. Comia, comia assava assim meio de baixo da cinza. Nós comíamos coró. Gente branca falava assim, “o índio está comendo coró lá. (Chico Brum)

111

Ele, meu pai, puxava assim com carqueiro, milho, aquela época puxava assim nas costas, no cesto na cabeça, e puxava assim no animal. É no animal, um cesto de cada lado. (Chico Brum,) E fazia roça para eles naquele tempo, eles faziam roça. Para plantar milho, feijão, aquele tempo. Abóbora, aquele tempo tinha aqueles abóbora bonita, agora não tem mais. (Pedro Ninvaia)

3.1.5

O kikikoi, os bailes Naquele tempo tava fazendo festa do kikikoi. Acabou com tudo de fazer festa. Aquele tempo tinha kuiã. Mas agora não tem mais. (José Pantu)

Foto do Sr. Dário Moura, chefe do Posto da T.I. Faxinal, vizinha da T.I. Ivaí, imagem do último Kikikoi realizado naquela área na década de 1980.

Rezava em roda. Faziam ele (kikikoi), faziam de primeiro, agora não faz mais. Faziam uma vez por ano. Convidavam os índios. Eu assistia, já era casada. Os índios gostavam de dançar. Eu gostava, quando era mais nova, agora não vou nem ver. Dançava. Vanerão! Ia no baile, fica de a par ali. Dançava a noite inteira! Todo mundo, amanhece o sol, sobe e eles estão dançando. Antigamente, não tinha bailante [salão] assim, dançava embaixo da (...) faziam um empaliçado. É, ali dançava a noite inteira. A roupa era branca, uns vestiam branco, daí tiravam aquele, meia-noite vestia outro, cada vez. tinha três saias! Ia vestindo por cima, não tirava.(Ernestina Kublite)

112

3.2

URI – (O TEMPO ATUAL): A CHEGADA MACIÇA DOS FÓG (BRANCOS) E O SURGIMENTO DA DEPENDÊNCIA Com a perda sucessiva de suas terras ao longo do século XIX e XX, os

Kaingang se viram privados dos recursos naturais e sociais que durante séculos tinham permitido sua reprodução social como caçadores-coletores. As matas, rios e campos forneciam tudo o que precisavam: era o “supermercado”, o “açougue”, a “farmácia” e a “escola” dos índios. Depois da conquista, não apenas os Kaingang não apenas perderam seus territórios de caça e coleta como ainda sua autonomia como povos livres. A subordinação aos diretores de aldeamentos e depois de chefes de postos brancos, que implantaram a política indigenista cujo objetivo foi transformar todos povos indígenas em trabalhadores nacionais e povos caçadores-coletores em agricultores de subsistência, o modo de ser kaingang foi alterado de forma radical. Vejamos algumas narrativas sobre a chegada dos brancos e da subordinação aos chefes brancos.

3.2.1

Os Kaingang foram a Curitiba denunciar a invasão de suas terras e pedir providências O nome dele era João Morais. João Morais foi lá no Curitiba, foi falar com (....) Ele chefe né? Então chefe queria índios para (...). Ele mandou os morador para (...). Acho que foi em 1920. Aí ele arrumava carpinteiro para fazer casa para a área. Então eles fizeram casa para a área aí. Para o chefe. Depois ele avisou para abrir estrada por aí, né. Daí abriu estrada. Ele ia pagando, treze reais. Até lá no Manoel Ribas tem morador [índio] lá. Depois ele, o chefe, comprou carroça e dois cavalos. Depois ele arranjava morador para (...). Tem bastante morador [índio] lá perto do Ivaí, tem bastante lá. Depois ele avisava para fazer roça. Conhece casa do javali? Naquele tempo era tudo mato. Cruzamos trinta alqueires. Depois tem outro morador [índio] lá na Serrinha, tem bastante gente lá também. Tem capitão lá também. Era o Salvador Venhy. Ele avisava o capitão para (...) Salvador Venhy, ele tava fazendo por dia também. Depois ele faz 15 anos, o nome dele é Otávio Ferreira. Depois ele saiu. Daí SPI veio ficar aqui. Daí não ganhamos mais, trabalhamos de graça.Tem bastante porco lá no morador. Outro queria fazer mutirão, daí mataram seis porcos para o mutirão. Daqui outro tava lá no Barra Preta. tinha morador [índio] lá, Pedro. Pedro matou o filho tomando pinga, eu vi. É índio. Daí ele morreu, pegaram aquele Pedro e Mandaram prá cadeia. Mandaram lá para Curitiba. Depois (....) começamos a estrada até Balsa Velha. Daí tem bastante gente (...). tinha fábrica do outro lado. O nome dele era Valter Natal. Daí ele falou: ‘Vamos entrar para tomar uma pinga. Daí eu falei para ele vamos embora. E tinha mais gente com ele, a turma lá, tava tomando pinga. Matou outro também. Daí ele morreu. Mataram um, daí para resolver, o chefe foi falar com o governador.” (José Pantu)

113

3.2.2

Narrativas sobre o governo do SPI: o chefe de posto Ceci e o sistema do “panelão” De primeiro, eles prendiam, amarravam, punham a perna da gente num pau, no tronco. E o tempo que o nosso chefe morava aí, era Ceci, judiava muito dos índios. Por isso que meu filho é aleijado, ele tem a perna mais curta que a outra. O filho era bem menino, ia na aula, daí o chefe falou que os alunos que estava na aula era tudo para ir trabalhar. Aqui eu trabalhava e parei, as mulheres trabalhavam com as crianças nas costas. E o que não fosse ia para a cadeia, se molhava, molhava tudo e amarravam e davam injeção de água na gente. E foi, daí ele [o filho] foi plantar, com a mulher do chefe, fazer uma roça, fazer uma roça apartado né, mas era para o chefe vender. Daí eles fizeram, foram trabalhar e começou a chover, chover, e ele dormiu com aquela roupa molhada. E de certo aquele ‘inseto’ [bactéria, vírus] entrou não sei o quê que fez. Ave meu deus, mas a perna dele encolheu! E de tanto remédio, ele endireitou, mas o joelho dele é grande.” E qualquer coisa que eles fizessem, o chefe era muito ruim, eu quiz matar o chefe porque ele era ruim. Ele não queria que ninguém saísse do serviço, e a que tem família tem que tratar, né? Então eles pegavam a mulher e diziam: ‘ó você fica aí e eu vou trabalhar pros brancos para trazer mantimento.’ O chefe mandava a polícia atrás pra trazer, amarrava, punha eles no pau [tronco] perna, a mulher também, molhava tudo também, porque ficavam no tempo. Ia pro tronco também se olhasse para a mulher do outro. Depois que o Ceci foi embora, que veio outro chefe, que já veio uma porção de chefe, aí. Depois que o Ceci saiu, daí endireitou. O pai dele [referindo-se a Isaac Bavaresco, pai de Jorge] veio, aquele era bom, meu deus, mas bom mesmo. Na época do Ceci, morria gente, eles pegavam tábua velha e pregavam e daí ponhavam gente. E o pai do Jorge não, quando ele tava como chefe, mandava comprar caixão. Agora é comprado caixão. (Ernestina Kublite) [O panelão] Era aquela panela bem grande, sabe? Daqueles grandão mesmo, alto, ele [chefe Ceci] mandava tirar mandioca, eles iram tirar a mandioca, os camaradas, e trazia e ponhava e mandava cozinhar, tinha a cozinheira e os homens também. Aí eles ponhavam para cozinhar e ali posava aquela coisa dentro daquela lata, de manhã estava azul, ele queria que os índios comessem para trabalhar. Eu não comia, eu sou braba. Mas eles [os índios] comiam, os miseráveis comiam, comiam tudo. Trabalhavam e iam de noite, saíam cedinho, antes do sol sair e tinha que estar no serviço, se não ia no serviço, prendia. Trabalhava na enxada, plantava, carpia. Nada, o índio não recebia nada. Acho que isso durou mais de 2 anos. (Ernestina Kublite) As memórias dos índios sobre “o tempo do chefe Ceci” referem-se ao final da

década de 1960 já no tempo da FUNAI. Esse chefe executou uma política tão autoritária que muitos ainda hoje dizem que muitos índios morreram de tanto trabalhar e pelos maus tratos recebidos. As mulheres tinham de ir trabalhar mesmo quando grávidas e com filhos de colo e as crianças eram retiradas da sala de aula para irem à roça. Alguns dizem que o chefe

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Ceci ficou por cerca de dois anos, outros dizem que ficou quatro anos, mas o fato é que há unanimidade em reconhecer que foram os piores tempos de experiência que tiveram. Mesmo com a expropriação territorial, a dilapidação de suas florestas e deterioração ambiental sofridas pelos Kaingang da T.I. Ivaí percebe-se que o modelo tradicional de uso de apropriação do que lhes restou ainda é parcialmente o mesmo. Mas se o modelo ainda é o mesmo, as novas condições históricas criaram uma situação de impossibilidade da reprodução social e cultural nos moldes de antigamente. Isso configura um drama que pode ser definido da seguinte maneira: de um lado os Kaingang não podem mais viver segundo a economia de caça, coleta, pesca e agricultura e, de outro, o novo modelo de “desenvolvimento comunitário” implantado pelo indigenismo oficial produziu, ao longo do tempo, as piores condições de vida material e social. O que lhes restou de terras é uma ínfima parte do que tinham no passado e com isso a caça e a coleta que fazem é em escala insuficiente, porque a biodiversidade desapareceu com a devastação do ambiente. Os peixes também diminuíram em quantidade e a pesca também se tornou atividade acessória. A agricultura que era, por assim dizer, atividade acessória no modelo tradicional, se tornou hoje a atividade principal e o Estado, através do indigenismo, fixou toda as suas políticas “desenvolvimentistas” nesta atividade com o objetivo de impor o sedentarismo. O drama enfrentado pelos Kaingang acima definido está diretamente relacionado com o encolhimento das terras e a devastação ambiental. As roças atuais, tanto as comunitárias quanto as familiares, pela exigüidade da terra, não permite mais a rotação das áreas cultivadas e a terra, com o contínuo reuso, está completamente desgastada e dependente dos insumos agrícolas. A produtividade, cada vez mais baixa, não atende as necessidades das famílias, obrigando-as à complementação no mercado, através da renda obtida com a venda do artesanato. Dentro desse contexto incrementou-se a exploração ampliada dos taquarais que, além de atender a demanda interna de cestarias de uso, atende, cada vez mais, a produção para fins de comercialização. Por essa razão as fontes de abastecimento estão cada vez mais distantes e a matéria-prima, a taquara, em vias de extinção. Projetos de reflorestamento com espécies nativas seriam muito bem vindos para as famílias que se especializaram na produção e venda de artesanato.

3.2.3

A economia atual Do total da área, cerca de mil alqueires possui cobertura florestal, ou seja,

entre 30 e 40% da área. As pastagens ocupam cerca de cinco alqueires. As roças de coivara ocupam cinqüenta alqueires e as roças comunitárias perfazem oitenta alqueires. Na próxima safra a comunidade pretende aumentar a área a ser cultivada para cento e quarenta alqueires (100 de soja e 40 de milho) e dobrar a área das roças familiares.

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A economia kaingang está estruturada em várias atividades que se complementam: Roças comunitárias; Roças familiares/roças de coivara; Produção e comércio de artesanato de taquara. Além dessas atividades podemos ainda acrescentar mais dois itens que contribuem de forma substancial para o sustento das famílias: a renda proveniente dos salários e aposentadorias e das diárias fora da aldeia. Os dados de pesquisa mostraram que apenas 1% (12 pessoas) da população da T.I. Ivaí possui renda fixa como funcionários assalariados, 7% (73 pessoas) vivem de aposentadoria e 92% (976 pessoas) não possui renda fixa (gráfico 3). Os que não têm renda fixa dependem das roças e da venda do artesanato.

As roças comunitárias As roças comunitárias são realizadas sob a coordenação do técnico agrícola que é funcionário da Funai. O governo do Estado, através do Projeto Paraná 12 Meses, Setor de Fomento, repassou à comunidade indígena 1.200 toneladas de calcário no valor de R$ 42.000,00, adubos e agrotóxicos no valor de R$ 56.000,00 para as lavouras comunitárias. A comunidade está tentando conseguir, para a próxima safra, fomento também para as lavouras familiares, como sementes, adubos e óleo diesel. Parte do ICMS ecológico proveniente da prefeitura de Pitanga é aplicado na agricultura. A produção da safra 2001/2002 foi a seguinte: 2.400 sacas de soja; 1.100 sacas de milho; e 230 sacas de feijão.

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Carreta descarregando calcáreo subvencionado pelo Governo do Estado do Paraná na T. I. Ivaí. Foto Lúcio Tadeu Mota, outubro 2002.

Trator colhendo soja em roça comunitária da T. I. Ivaí. Foto: Kimiye Tommasino, junho 2002.

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As roças comunitárias têm como objetivo obter renda para a comunidade e é responsável pelas despesas de produção, aquisição e manutenção de equipamentos e máquinas da comunidade. Com a produção da última safra a comunidade fez o seguinte uso: compra de implementos agrícolas como uma grade pesada (arrastão); compra de um pulverizador a jato (2000l); reforma do caminhão MB-608; reforma de trator; compra de pneus para o trator e para os veículos da comunidade; compra de ferramentas e insumos para uso agrícola (grafite, correias e óleo diesel); compra de óleo diesel para famílias tocarem suas roça individuais. No caso de outros setores estarem deficientes de recursos pode-se acionar a renda da produção comunitária, por exemplo, para a alimentação dos doentes do postinho, compra de insumos para o gado (remédios, carrapaticidas, vacinas) e outros. Os produtos (milho, soja e feijão) das roças comunitárias são os voltados para o mercado e sua renda serve para as despesas dos programas sociais. Em nossa pesquisa de campo encontramos em fase de colheita roças de soja e de milho. As roças comunitárias são tocadas apenas por homens e cada família deve disponibilizar um de seus membros. Nas últimas roças trabalharam 170 homens e cada roça requereu um dia inteiro de trabalho do grupo inteiro. Para a colheita usam uma colheitadeira alugada à base de 15 sacas para cada 100 colhidas. A produção é entregue a COAMO – Cooperativa Agrícola de Campo Mourão. Conforme a comunidade vai necessitando, ela vende parte da produção para cobrir os gastos. Esta renda comunitária foi a forma encontrada pela comunidade indígena como estratégia para enfrentar a falta de orçamento do órgão indigenista.

As pastagens A área de pastagem é também, propriedade comunitária. Nela a comunidade cria-se um pequeno rebanho bovino de 34 cabeças. O gado produz leite para consumo e somente em ocasiões de festa abatem-se animais. Neste ano, por exemplo, na festa do Dia do Índio a comunidade abateu duas cabeças para o churrasco, na festa de Nossa Senhora de Guadalupe abateu-se outras duas e na festa junina mais uma. Como em outras áreas kaingang, verificamos que a população mais velha não aprecia carne bovina que foi introduzida nas áreas pelos diretores de aldeamentos no período provincial. Os mais jovens

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já se acostumaram com o consumo dessa carne. Mas ainda se pode ver que a carne mais consumida e apreciada é a de suínos e aves que são mais semelhantes às dos animais selvagens provenientes da caça. Algumas famílias criam cavalos que são de propriedade individual. Atualmente o número de cavalos não ultrapassa 50 cabeças e podem ser soltos no pasto da comunidade ou nas proximidades da residência do dono. Até um passado recente muitas famílias possuíam vários cavalos que eram usados como montaria e transporte de carga das aldeias antigas à sede do posto ou cidade. Hoje o uso de eqüinos está em processo crescente de desuso.

O índio kaingang Francisco Brum e sua montaria. Foto: Eder Novak, setembro 2002

Curral para lida com o gado na T. I. Ivaí. Foto: Eder Novak, setembro 2002

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As roças familiares Cada roça familiar é cultivada por várias famílias nucleares que formam um grupo extenso de parentes e afins. No caso kaingang, um casal, os filhos solteiros, as filhas e genros. Cada roça familiar congrega de 4 a 5 homens adultos, além das mulheres e filhos menores. Segundo informações das lideranças, cerca de 70% das famílias depende dos produtos das roças familiares e se dedica à agricultura de subsistência. Os demais 30% obtêm a sobrevivência através de outras atividades, principalmente do artesanato, da aposentadoria e do salário proveniente de empregos fixos ou temporários. O sistema de roças familiares é o de coivara, herdada dos antepassados. No total, a área de roças de coivara perfaz 50 alqueires, contando os pomares. Algumas roças possuem chiqueiros para criação e engorda de porcos, mas o mais comum é a criação de porcos soltos na aldeia e se constitui um dos problemas ambientais sérios na área de moradia por onde circulam livremente porcos, galinhas, cachorros e gatos. As roças mais distantes da aldeia costumam ter ranchos rústicos (in ty ré) ou abrigos provisórios (wãre) que servem para permanência por dias ou semanas. Há famílias que passam a semana inteira nos ranchos de suas roças e retornam no sábado para a aldeia. Com a concentração de todas as famílias na aldeia-sede, aquelas que viviam nas outras aldeias têm, hoje, de se deslocar até 15 quilômetros para cuidar das roças. Isso implica a permanência por dias ou semanas nas roças em ranchos (in ty ré) ou abrigos temporários (wãre). O tamanho das roças em média é de 1 a 2 hectares mas há algumas um pouco maiores e depende das condições de cada família. Pode-se observar que as roças familiares estão distribuídas em vários locais dentro da área. Elas indicam os locais das antigas aldeias. O objetivo da produção dessas roças é a subsistência do grupo extenso responsável pela produção. Plantam os seguintes itens: arroz, milho, feijão, abóbora (pehó), batata-doce, mandioca. Algumas famílias possuem pomares onde se podem ver plantações de cana-de-açúcar, laranjeiras, goiabeiras e bananeiras. Outras criam galinhas na área onde ficam as roças mas é preciso que haja sempre alguém tomando conta. Quando se ausentam por alguns dias, deixam um cão de guarda. A criação de galinhas e porcos já foi maior. Atualmente esta atividade foi reduzida por falta de espaço na aldeia e pela dificuldade de criá-los nos locais das roças que são muito distantes. Os índios utilizavam muito o cavalo para o transporte dos produtos das roças até a moradia na aldeia. Também disseram que cada família possuía vários cavalos (de cinco a sete) para o transporte de pessoas e dos produtos. Com a mudança das famílias para a aldeia-sede, os animais utilizados no

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transporte de pessoas diminuiu e a falta de espaço obrigou a que se desfizessem totalmente animais ou os reduzissem para apenas um ou dois animais. Se as roças coletivas só utilizam mão-de-obra masculina, as roças familiares utilizam a força-de-trabalho de todos, homens, mulheres, meninos e meninas que não estão na escola. Os homens são responsáveis pelas seguintes tarefas: roçadas, limpeza do terreno, acero, queima; plantio (milho e feijão), capina e colheita. As mulheres vão para a roça, mas só para cozinhar para os homens, mas na “limpa” todos trabalham. Alguns tipos de plantação são de responsabilidade das mulheres como o plantio e a colheita de batata-doce e abóbora. O plantio da mandioca ocupa toda a mão-deobra do grupo extenso: os homens vão abrindo as covas, as mulheres colocam as ramas (mudas) e os filhos vão cobrindo com terra. Quando a produção das roças é insuficiente para atender a demanda familiar, a família é obrigada a comprar na cidade o que falta, e para isso tem de intensificar a produção do artesanato que garante a renda. Sobre a exploração e propriedade, as regras são as seguintes: cada grupo familiar pode explorar a terra para fazer roça de coivara e plantar. A terra pertence a todos, mas, cada família tem a propriedade dos produtos de suas roças e pomares. Não há necessidade de pedir autorização do cacique para abrir uma terra disponível. A única exigência para ter acesso a terra é pertencer à comunidade. Da mesma forma, a organização social de cada roça obedece ao costume de reunir em torno de um casal os filhos solteiros, as filhas solteiras e casadas e os genros. Há casos em que apenas um dos genros vai trabalhar na roça do sogro e o outro vai trabalhar na roça do pai quando este não dispõe de braços suficientes para tocar a sua roça. Mas os dados de campo mostram que a uxorilocalidade (genro vivendo na casa do sogro) ainda continua sendo uma regra vigente. De acordo com as informações colhidas junto ao técnico agrícola e os auxiliares indígenas, na T.I. Ivaí existem cerca de 40/50 roças familiares que congregam 70% da população.

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Roças familiares visitadas pela equipe do Projeto Gestão Ambiental na T. I. Ivaí Nome do chefe da família e dono da roça

Produtos encontrados

1-

Antonio Juvenal

Roça de arroz

2-

Nelson

Roça de arroz e milho

3-

José Rosa

Roça de banana

4-

Ivo

Roça de arroz

5-

Pedro

Roça de arroz e banana

6-

Taíde Evaristo

Roça de banana

7-

Otávio Ferreira

Roça de banana

8-

Júlio

Roça de banana e milho

9-

Antonio Juvenal

Roça de banana e milho

10-

Francisco Zino

Roça de arroz

11-

Zé Pantu

Pomar

12-

Orlando

Roça de milho

13-

Tanásio

Roça de milho

14-

Tanásio

Roça de milho, batata-doce, ervas e laranjas

15-

Lourenço Gavaia

Roça

16-

Pedro “Carroceiro”

Roça de milho

17-

Marcondes

Roça e pomar (bananas, laranjas e goiabas, galinhas)

18-

José Augusto

Roça de milho

19-

Gregório Bernardes

Roça de milho

20-

Florindo

Roça de milho

21-

Gabriel

Roça

22-

Arlindo

Roça

23-

Lorentino

Roça

24-

Joaquim Venhy

Rancho (in ty ré) de caça

25-

José Kambé

Rancho e laranjal

Pesquisa de campo: UEL/LAEE – Maringá, junho/julho de 2002.

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Aspecto de uma roça de milho familiar na T. I. Ivaí. Foto: Lúcio Tadeu Mota, julho 2002

A produção do artesanato comercial Todas as famílias da T.I. Ivaí fazem artesanato mercantil, em maior ou menor quantidade. Cotidianamente encontramos famílias na cidade de Manoel Ribas vendendo balaios e cestas de taquara. Também viajam para outras cidades da região para vender a produção. No passado a cestaria era feita para atender a demanda interna e tinha valorde-uso para as famílias. Como resultado do contato e surgimento da dependência econômica, passaram a produzir também como valor de troca para adquirir no mercado os produtos que necessitam: sal, macarrão, farinha de milho, açúcar, roupas, calçados. A crescente necessidade de renda tem obrigado os homens a saírem da aldeia para vender seus produtos nas cidades vizinhas de Manoel Ribas, Pitanga, Ivaiporã e outras cidades próximas como Guarapuava, eles também passaram a comercializar sua produção em cidades mais distantes como Campo Mourão e Maringá e Ponta Grossa. Isso tem levado ao saturamento do mercado local e regional devido a pouca diversidade da produção e quantidade de famílias que estão em constantes deslocamentos. As famílias kaingang fabricam cestos grandes que servem para guardar roupas, cestos menores que

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servem como fruteiras ou cestos de guardar objetos variados, cestinhos feitos pelas meninas para enfeitar estantes ou guardar pequenos objetos. Como são os homens os responsáveis pela comercialização, alguns chefes de família sofrem acidentes (geralmente por atropelamento). Este é um dos problemas apontados pelas lideranças. Hoje a comunidade enfrenta problemas com viúvas e crianças órfãs que não têm como sobreviver. Segundo os dados da pesquisa, há crianças que passam fome e enfrentam necessidades materiais básicas pela morte do pai e às vezes da mãe também. Isso, mais as péssimas condições em que essas famílias, com crianças pequenas ficavam submetidas nas praças e rodoviárias das cidades em que se deslocavam levou um grupo de pessoas de Maringá a criarem uma Associação (ASSINDI) que dá assistência a essas famílias na T. I. Ivaí, e quando elas ou outras famílias estão na cidade elas são assistidas com local para se abrigarem, deixarem as crianças e guardarem seu artesanato. O exemplo de Maringá está espalhando pelas cidades vizinhas como Apucarana, Campo Mourão, onde as comunidades locais, também preocupadas com as condições subumanas dessas famílias, estão criando novas associações de assistência aos índios que para elas vão vender seus artesanatos. A matéria-prima para a confecção do artesanato comercial é extraída nas matas. Em geral as fontes de abastecimento estão distantes da aldeia e isso obriga os homens a se deslocarem longas distâncias para trazer a taquara (wãn) para as residências onde as mulheres cuidam da confecção. A comercialização do produto é da responsabilidade dos homens, diferentemente do que ocorre, por exemplo, com os Kaingang da T.I. Apucaraninha (bacia do Tibagi) entre os quais as mulheres são responsáveis tanto pela produção quando pela comercialização. A divisão do trabalho na produção do artesanato é a seguinte: o homem vai buscar a taquara e a mulher o ajuda. O preparo da taquara (cortar a taquara em tiras, secar, limpar, pintar as tiras com anilina industrial) e a tecedura (confecção do cesto e da tampa) são tarefas da mulher. A venda dos cestos é tarefa do homem.

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Taquaral na T.I. Ivaí, fonte de matéria prima para o artesanato kaingang. Foto Lúcio Tadeu Mota, out., 2002

Taquaras secando no terreiro de uma casa. Foto Lúcio Tadeu Mota, setembro 2002

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Mulheres kaingang fazendo cestos. Foto Fabiana V. da Rocha, julho 2002

Artesanato pronto para ser embarcado para comercialização na cidade. Foto: Lúcio Tadeu Mota, outubro 2002

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Família kaingang com seu artesanato nas imediações da Rodoviária de Sarandi – PR, antes da criação da ASSINDI. Foto: Darcy Dias de Souza, março de 2000.

Outras fontes de renda: o trabalho assalariado e a aposentadoria dos velhos Uma das fontes de renda na T.I. Ivaí é a proveniente dos Kaingang que recebem salários como funcionários federais, estaduais ou municipais. São os professores, os monitores, os técnicos agrícolas, os agentes de saúde, as merendeiras, os motoristas. São poucos os funcionários índios e muitos jovens almejam obter empregos remunerados dentro da área. No entanto, nessa área indígena, todos os professores do ensino fundamental são não-índios e apenas o monitor de língua kaingang e a auxiliar do préprimário são índios. A família que possui pelo menos um membro assalariado tem bastante prestígio porque conta com uma renda fixa e contínua que garante a aquisição de melhores condições materiais de vida. Outra fonte de renda provém da aposentadoria dos velhos que a FUNAI providencia através do setor social e tem sido, para a maioria das famílias, a única fonte fixa de renda. Muitas vezes uma família com oito a dez pessoas depende da renda de um único aposentado. Quando acaba o dinheiro da aposentadoria a família tem de complementar com a renda do artesanato. Encontramos 73 aposentados e 12 assalariados São, portanto, 85 pessoas que recebem renda mensal. A aposentadoria dos velhos é fonte importante de

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renda familiar e ter ou não um aposentado na família faz toda diferença. A renda do aposentado na família pode ser considerada como a garantia de comida. As informações colhidas revelaram que muitas famílias enfrentam períodos de fome principalmente viúvas com filhos pequenos. Entre os problemas sociais mais sérios apontados está a situação das crianças órfãs que além de passar fome ainda carecem de outros bens materiais como roupas e calçados. Tabela da População que Possui Renda – Terra Indígena Ivaí / Ano 2002 Fonte de renda

Número de pessoas

Aposentadoria

73

Assalariados

12

Fonte pagadora/Instituição Funrural Funai Prefeitura Funasa Funai Conselho Indígena

Número 72 01 07 03 01 01

Outra forma de assalariamento é a diária nas propriedades rurais do entorno. Apesar de ter havido uma redução da saída dos homens para trabalhar como diaristas graças à política de roças comunitárias, combinada com as roças familiares, algumas pessoas não conseguem fazer frente às necessidades domésticas e acabam saindo da aldeia para empreitas nas propriedades do entorno. A contratação de mão-de-obra indígena pelos fazendeiros da região é um costume antigo que teve início quando os primeiros brancos chegaram, até porque era a única fonte de mão-de-obra disponível. Pode-se dizer que, para os trabalhos pesados, a mão-de-obra indígena sempre foi preferida pelos fazendeiros da região, pois os indígenas não são registrados, não recebem qualquer tipo de garantia e não costumam registrar queixa junto ao poder público. A equipe de pesquisa encontrou um diarista que trabalhava numa fazenda vizinha à área por R$ 15,00 ao dia. Por outro lado, observamos que alguns indígenas preferem trabalhar como diaristas nas propriedades do entorno.

3.2.4

Sazonalidade e calendário No caso dos assalariados e aposentados a renda é regular e não depende de

variações climáticas e ecológicas. No entanto, visto que esses trabalhadores não dependem apenas do salário, parte da subsistência provém dos ganhos da venda do artesanato e dos produtos das roças familiares tocada pelos outros membros da família. O artesanato é produzido e comercializado o ano inteiro e há períodos em que a produção é incrementada com mais intensidade pela família por razões internas ou externas que exigem renda para comprar bens como: roupas, calçados, bebidas, alimentos, etc. É muito comum, nas semanas que antecedem as festas anuais – Ano Novo, Folia de

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Reis, Semana do Índio, Páscoa, Festas de São João e de São Pedro, Natal – as mulheres aumentarem a produção e venda de artesanato para poderem comprar roupas para participar das festas. Portanto, existe um ciclo de festas que está na base da dinâmica econômica da aldeia. Mais importante é ressaltar que esse ciclo de festas é um eixo tradicional da economia kaingang que permaneceu ao longo do tempo. Mudanças foram impostas pelas políticas indigenistas com o objetivo de transformar os índios em trabalhadores nacionais, segundo valores da sociedade envolvente. Pesquisas mostraram que “apesar das políticas assimilacionistas, os Kaingang, como sujeitos de sua história, não se conformaram ao modelo imposto. Ao contrário, produziram um espaço próprio, resultado da interação e da troca com os brancos; portanto, a situação de contato constituiu-se como um espaço de negociação das novas estruturas e padrões sociais indígenas1. As roças comunitárias seguem o calendário agrícola que em nada difere do calendário dos agricultores brancos da região. Trata-se da importação dos conhecimentos e técnicas dos brancos introduzidas pelos agrônomos e técnicos agrícolas do órgão indigenista. As culturas se dividem em culturas de verão e de inverno. As de verão desenvolvem-se desde setembro até maio. De maio a agosto desenvolvem-se as culturas de inverno.

Culturas de verão: calendário de atividades das roças comunitárias

Em setembro prepara-se o solo e planta-se o feijão. Em outubro, prepara-se o solo e planta-se soja e milho; faz-se ainda a adubação de cobertura com nitrogênio na cultura do feijão. Em novembro faz-se adubação foliar do feijão: primeira aplicação de herbicida e uréia na cultura de milho; primeira aplicação de herbicida na cultura de soja para folha estreita. Quando aparece ataque de lagarta ou percevejo, aplica-se defensivo. Em dezembro faz-se a segunda aplicação foliar no feijão (quando do surgimento das vagens); primeira aplicação de herbicida no milho; observa-se o aparecimento de ácaros na cultura de soja, para fazer a aplicação de fungicida. Em janeiro faz-se a colheita do feijão; prepara-se o solo para o plantio do milho safrinha; na cultura do milho e soja observa-se o aparecimento de doenças ou pragas para uso de defensivos agrícolas. Em fevereiro realizam-se os mesmos procedimentos que no mês anterior. No caso do milho safrinha realizam-se os tratos normais como aplicação de herbicidas ou de outros defensivos de acordo com as necessidades.

1

TOMMASINO, K. 2000: 33.

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Em março, na fase final da cultura de soja, observa-se o surgimento de doenças na vagem; aplica-se adubação foliar no milho; observa-se o surgimento de ferrugem, lagartas do “cartucho” ou outras pragas. Em abril inicia-se a colheita de soja; na segunda quinzena faz-se a colheita do milho. Observa-se também o surgimento de doenças e pragas na cultura do milho safrinha. Em maio terminam as colheitas de soja e de milho. Culturas de inverno: calendário de atividades das roças comunitárias

Em junho inicia-se o preparo do solo e plantio das culturas de inverno: triticale, aveia ou trigo. Na segunda quinzena faz-se a colheita do milho safrinha. Em julho e agosto observa-se o aparecimento de doenças ou pragas e aplica-se herbicida e fungicida. Solta-se o gado para pastoreio na cultura de aveia. Em setembro, onde havia aveia faz-se o preparo da terra para as atividades das culturas de verão. Em outubro, colhe-se o triticale ou trigo e em seu lugar, planta-se soja ou milho. As roças familiares seguem parcialmente o calendário das roças coletivas no que se refere aos produtos como milho e feijão. Quanto ao soja, não sendo ele um produto para consumo alimentar, não aparece nas roças familiares. Os demais produtos encontrados nas roças familiares são: feijão, arroz, abóbora, batata-doce, mandioca.

calendário de atividades das roças familiares: O feijão é plantado em setembro e colhido em dezembro/janeiro, na região só se faz uma cultura anual por causa do clima. O arroz é plantado no mês de outubro e colhido em março, plantam arroz sequeiro. A abóbora (pehó, abóbora de pescoço) é semeada em setembro e colhida em dezembro e janeiro. A batata-doce (branca) plantam em outubro e colhem em fevereiro, um batatal produz por três anos, mas caso se plantem as ramas dos produtos colhidos, pode-se colher por até cinco anos. A mandioca (mandioca manteiga), plantam em agosto e colhem em um ano, um mandiocal produz por até três anos. As frutíferas mais comuns são os cítricos e a banana, são frutos perenes e se espalham nas roças antigas e atuais, e as roças antigas são freqüentadas pelos índios tanto para

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obtenção de alimentos como servem de cevas para mamíferos e pássaros que ainda caçam. A caça, a pesca e a coleta não ocupam lugar de grande importância como meio de subsistência da comunidade, muito embora sejam atividades bastante apreciadas pelos índios. De um lado, a biodiversidade existente no ambiente, em razão da drástica redução da terra indígena e destruição dos ecossistemas, praticamente desapareceu e a caça atual, que é de pequena escala, já se tornou quase impraticável pela pequena quantidade das espécies. Mesmo assim os Kaingang disseram praticar a caça do cateto, veado, capivara, paca; alguns poucos também caçam tatu e quati. Caçam nos meses entre março e junho, período que coincide com os meses de colheita dos produtos das roças, tanto comunitárias quanto familiares. Portanto, as próprias roças são utilizadas como cevas de animais de caça. As aves caçadas que servem de alimento são: vários tipos de pombas, juriti, sabiás, inhambus, perdizes, jacus e macucos. Os Kaingang ainda praticam a pesca nos paris, mas em escala economicamente insignificante. O único pari visitado pela equipe se localiza no rio Passo Liso e pertence ao índio Laurentino. Mas há outros paris nos rios Borboleta e Barra Preta. Os peixes do rio Passo Liso são: cascudo, traíra, lambari e bagre. No passado, quando os rios eram mais abundantes em peixes, a pesca nos paris era uma importante forma de obtenção de proteína animal. Os paris eram armados nos meses de inverno porque os peixes descem os rios em grande quantidade, mas hoje disseram que pescam nos meses quentes porque o inverno é muito rigoroso e os índios não suportam ficar na beira dos rios. No passado pescavam em todos os rios incluindo o rio Ivaí que fazia parte da área até 1949. (Ver Gráfico que mostra o calendário geral das atividades de subsistência dos Kaingang da T.I.. Ivaí em Anexo )

3.2.5

Compreensão ecológica e conhecimento tradicional Nas entrevistas formais e informais realizadas pelas equipes do presente

projeto, é possível afirmar que, apesar de todas as políticas integracionistas e assimilacionistas impostas pelo Estado, parte do patrimônio cultural kaingang continua preservado. No entanto, esse patrimônio encontra-se guardado por apenas alguns indivíduos mais idosos e mesmo assim de forma fragmentada e simplificada. Encontramos as lideranças bastante preocupadas com o esquecimento dos conhecimentos “dos antigos” por perceberem a importância dada atualmente pelas instituições (MEC, FUNASA) que estão tentando implantar políticas públicas condizentes com a Constituição Federal para garantir aos índios programas que respeitem as especificidades culturais de cada povo.

131

As roças familiares, como vimos, continuaram pelo sistema de coivara, de tradição indígena. Preferem as encostas de morros por serem mais protegidos do frio. Continuaram a plantar os milhos kaingang (garã pé), a batata-doce, a abóbora (pehó), o feijão vara (rangró; mantéie), e ainda plantas introduzidas pelos brancos como o milho híbrido, banana, goiaba, laranja e outros cítricos. Mantiveram ainda o costume de fazer nas bordas das roças ranchos (in ty ré) onde permanecem dias e semanas cuidando das roças que atualmente estão localizadas distante da aldeia. Fazem também abrigos rústicos e provisórios (wãre) nas matas e beiras de rios quando vão caçar ou pescar. No alto das árvores, nos carreiros das pacas e catetos, fazem “poleiros” que são uma forma simplificada do rancho suspenso que os Kaingang faziam para vigiar alojamentos e caçar papagaios e outros pássaros. Essa prática foi descrita por MABILDE (1983:37) que viveu entre os Kaingang do Rio Grande do Sul na metade do século XIX. No Ivaí ainda podem-se ver as “escadas” que os índios fazem nos pinheiros para coletar pinhões, mas não para caça, porque, disseram que: é muito alto para caçar animais terrestres e os papagaios eles não caçam mais. Agora fazem, em árvores mais baixas que o pinheiro, nas matas e bordas das roças, esses poleiros onde ficam à espera da caça que vêm comer nas cevas colocadas nos carreiros por onde andam. Alguns índios mantêm o costume de fazer um “poleiro de caça” na copa das árvores. O kaingang Francisco Brum explicou como é a técnica de caçar paca: “fazia roça lá no coivara então a gente punha uma ceva no meio da roça né, então paca vinha aí, nós fazia poleiro, né, para esperar. Daí gente fica de noite, escuta quando vem paca e mata com espingarda”. Os caçadores conhecem todos os carreiros e locais por onde passam várias espécies de animais. Conhecem esses animais, as aves e seus comportamentos. Solicitados a fazer a distinção entre porco-do-mato e o cateto, os índios disseram que o porco-do-mato é maior que o cateto e tem uma coleira branca. O porco-do-mato anda em bando de mais ou menos 20 indivíduos e têm um chefe e quando atacam uma roça acabam com as plantações; o cateto anda em grupo de apenas 4 a 6 indivíduos. Veados eles conhecem dois tipos: o veado pardo que é grande e o vermelho/marrom, menor. Portanto, se o uso não comercial de plantas e animais selvagens pode ser considerado como atividades acessórias do ponto de vista econômico, como a caça, a pesca e a coleta, do ponto de vista da manutenção dos etnoconhecimentos tradicionais podemos dizer que essas atividades permitiram que partes do patrimônio cultural fossem mantidas. Por outro lado, as mulheres kaingang tiveram de incrementar cada vez mais a produção da cestaria para o comércio e com isso mantiveram também os conhecimentos das técnicas antigas dessa atividade. Outras atividades femininas como a cerâmica e a tecelagem foram completamente esquecidas e podem ser consideradas como tradições mortas.

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Wãre do kaingang Joaquim Venhy próximo ao Salto da Onça no rio Borboleta. Foto: Cristiane T. Quinteiro, julho 2002

Escadas que os Kaingang fazem nos pinheiros para coletar pinhões. Foto Cristiane T. Quinteiro, julho 2002

133

As plantas mais utilizadas são a taquara mansa (wãn pé), o taquaruçu ou taquara brava (wãn wãn) e a criciúma (kré), com que fabricam cestos, peneiras e chapéus para o comércio ou para consumo interno. A taquara mansa, pelo florescimento que ocorre a cada trinta anos, serve também para os índios velhos contarem a idade. Usam também o sapé e folhas de palmeira para cobrir os ranchos, tanto os wãre como as in ty ré. As paredes dos ranchos são feitas com troncos de madeira colhidos dentro da área. Cipós de várias espécies são utilizados como matéria-prima para amarrar os troncos das paredes dos ranchos. Percebe-se que algumas tecnologias kaingang resistiram ao tempo, outras sofreram simplificações e adaptações às novas situações, outras, porém, morreram. Os Kaingang ainda coletam porungas (cabaças) para fazer recipientes e chocalhos e sementes de rosário para fazer colares. Ambos são coletados nos locais de antigos ranchos em vários pontos da área. Os nossos informantes ainda falaram sobre a maneira como os Kaingang se localizam na mata, à noite ou durante o dia: À noite, se o índio tem, se eles estão no meio do mato, se eles querem pegar alguma direção, seja qual a direção que eles forem seguindo pelo Cruzeiro do Sul, né. Então eles pegam do primeiro ponto da constelação do Cruzeiro do Sul ao último e mede a distância que dá nos dedos. De onde ele está da Terra em direção ao céu e daquela distância, ele pega o último ponto e mede a distância do dedo, com os dois dedos ele tipo uma risca de baixo para cima e ali ele marca. Então aquela ali é a direção sul. Através daquela direção, ele direciona na direção que ele quer. De dia, por exemplo, ou quando está nublado e conforme a casca da árvore. Por exemplo, a casca da árvore da direção mais grossa geralmente mostra a direção norte, né. Porque é o lado que ele pega mais chuva. E do lado sul donde ele pega mais frio, então a casca já é menos, ela pega menos quantidade de água, menos umidade. Então são duas direções que eles conhecem. E tem outras também que eles conhecem. Foi apontada pelos nossos guias e auxiliares de campo indígenas, a existência de sete rezadores que eles chamam de kuiã. São eles: Antonio Leopoldo, Otávio Ferreira, Antonio Juvenal, Jair dos Santos, Augusto Brum, Tadeu Kambari e José Guarani (este último é guarani kaiowá vindo do Mato Grosso do Sul como funcionário do antigo SPI). Haveria ainda uma mulher kuiã na aldeia que é a sogra do atual cacique. Apesar de não fazerem mais o kikikoi, o ritual dos mortos, os rezadores ainda fazem rezas de cura para os doentes que os procuram. Sabem fazer remédios à base de plantas que eles usam como medicamento, tanto para as doenças do corpo físico como para as espirituais. A nossa pesquisa não conseguiu entrevistar nenhum kuiã mas obtivemos informações com o filho de um deles que nos disse que seu pai utiliza plantas que curam. Francisco Brum forneceu as seguintes informações sobre os tratamentos que seu pai fazia quando ele era criança e morava no toldo Serrinha:

134

Meu pai falou que sobre os remédios por aí, sempre perguntando assim como é que passavam aquele dia, a época do meu pai, no tempo dele, como é que ele tratava, aquele tempo que não tinha enfermeiro, nem farmácia, não tem. Então meu pai, ele pegava assim, a raiz, ele cozinhava assim na chaleira, esfriava assim prá criança tomar. Quando a gente pegava gripe, ele cozinhava assim, esfriava, e nós tomava direto e antes do almoço nós tomava.” “É abelha, mel de abelha, favo, nós pegava bacia, balde, né, e enchia de parte dele, cortava pelo meio e nós enchia o balde, traziam assim prá casa. E aí um pouco assim o pai pegava prá fazer remédio, né. É, prá bronquite e nós fazia isso e meu pai fazia tanto remédio e agora ele não está bom da cabeça. Ele sabia fazer remédio prá todas as doenças, sabia, folha de laranja ele também fazia remédio, tem outro remédio que pegava a raiz que é remédio, remédio prá mordida de cobra. É “remédio de lagarto”. É assim, por exemplo, eu moro aqui, né, eu junto com ele trabalhamos às vezes a cobra morde eu, né. Daí eles socam no pilão e põe na água quente e esfrega. Depois ele põe outro e amarra a faixa. Eu já usei. Eu já tinha 18 anos. É, e eu hoje estou com 54 anos. Não dói muito, dói assim a pancada que já tinha do tempo que eu jogava bola. (Francisco Brum, 28/06/2002) A pesquisadora de botânica Nacir Rodrigues Marquesini1 realizou uma pesquisa na T.I. Ivaí em novembro de 1991 e entrevistou João Brum e Joaquim Venhy que indicaram as seguintes plantas e uso: Plantas usadas como medicinais na T.I. Ivaí - Pesquisa Marquesini, N. R. 1991/UFPR Nome Indígena

Nome vulgar

Nome

Utilidade

científico/Família tãr tãy

caeté

Ctenanthe compressa / Marantaceae tanh go jen, ka féj, pixirica Leandra xanthocoma / kane sá Monimiaceae có matoy valé num salva senhora, pau- Molimedia prá-tudo, salvação da blumenauwiana / senhora Monimiaceae guiné hunh, funh Petiveria aliaceae / phitolacaceae ? Kapró Rapanea umbellata / Myrsinaceae (krén-kupri?) amora branca Rubus brasiliensis / Rosaceae juqueri, krén-sá amora preta Rubus brasiliensis / Rosaceae batata Kadan Sinningia douglasii / Gesneriaceae parasita tilandisia stricta / ? Bromeliaceae en-to-pey-kuê-tin Pavonia sp / ? Malvaceae ? Mororon Serjania sp / Sapindaceae ? Cupi Trema sp / Ulmaceae

1

para determinar o masculino dor de ouvido de bebê

sexo

para evitar aborto cicatrizante e anti-inflamatório para ferimentos dor de cabeça para evitar filhos dor na bexiga, urina presa para evitar queda de cabelo para picada de cobra para determinar sexo feminino cicatrizante para feridas e cortes para picada de cobra

MARQUESINI, Nacir Rodrigues. Plantas usadas pelos índios do Paraná e Santa Catarina, sul do Brasil. Guarani, Kaingang, Xokleng, Avá-Guarani, Kraô e Cayuá. Curitiba, UFPR. 1994. Dissertação de mestrado.

135

São vários os motivos que fizeram os kuiã perder suas funções e, conseqüentemente, sua importância: de um lado a política de perseguição sistemática aos rezadores pelos chefes dos postos do SPI, que consideravam os rituais como “coisas do demônio”, e, de outro, a intensa depredação da natureza imposta ao meio ambiente que fez com que se tornasse difícil obter as plantas. Um terceiro fator está na impossibilidade de os velhos repassarem os conhecimentos às gerações mais novas que perderam o interesse em dar continuidade às tradições dos pais porque eram desqualificadas pelas autoridades brancas. Enfim, todos os costumes indígenas foram sendo desprestigiados e sendo abandonados pelas gerações mais novas. Com a ruptura no processo de socialização, criou-se um hiato que hoje é reconhecido pelas lideranças como um prejuízo que deve ser resgatado com um esforço consciente e programado de todos. Disseram que agora têm de procurar os pais e avôs antes que se percam para sempre os saberes dos antigos. A própria escola vem incentivando as crianças a trazerem depoimentos dos velhos sobre os costumes e valores da sociedade kaingang como subsídio para as aulas. Por outro lado, os programas de saúde indígena, dentro dos princípios constitucionais, prevêem uma atuação dos agentes de saúde que levem em consideração os sistemas de saúde indígenas e com isso também há uma valorização dos saberes médicos tradicionais. Em ambos os casos, nas áreas de educação e saúde, os próprios índios estão enfrentando o mesmo problema: durante décadas foram orientados a negarem suas tradições culturais e, agora, com a implantação das propostas baseadas na nova Constituição, estão sendo cobrados, pelas mesmas instituições, para que resgatem esses costumes. O mesmo se pode falar com relação aos projetos de “desenvolvimento econômico”. Durante um século e meio os Kaingang viram os brancos chegar, destruir seus ecossistemas, sua biodiversidade e sua própria cultura. Agora, com a mudança da Constituição e da nova postura institucional, querem projetos econômicos que respeitem o meio ambiente, quando este já está quase totalmente destruído. Diante desse quadro, sentem-se desorientados e confusos. Depois de terem sido obrigados, à força, a abandonarem seus rituais e seus costumes, são, agora, cobrados a reconstituir, a todo custo, seus sistemas sob pena de não receberem recursos públicos. Estando a compreensão ecológica e o conhecimento tradicional restritos aos mais velhos, a grande preocupação dos adultos de meia-idade (faixa entre 20 e 40 anos), é encontrarem-se na seguinte situação: foram preparados para viverem segundo os padrões brancos, desinteressaram-se pelos saberes dos antigos e os desconhecem. Os filhos são cobrados nas escolas sobre os etnossaberes que somente podem buscar junto aos avôs e avós. Mas o contexto em que buscam esses saberes são outros e não aqueles do passado quando eram ensinados e aprendiam no cotidiano da vida em grupo: nas aldeias, nas

136

expedições de caça, coleta e pesca; participando dos rituais, das festas, dos jogos. Hoje o “aprendizado” é muito mais uma espécie de estudo do folclore do que efetivamente um aprendizado porque se dá fora do contexto, caracterizando-se mais como um levantamento de informações em que o significado simbólico não pode ser apreendido. Mesmo assim, com todas as tentativas passadas de apagamento da cultura kaingang, pode-se perceber que alguma coisa permanece, mas está muito mais no nível do modo de ser e no inconsciente. Trata-se de algo que está mais no nível das estruturas, da lógica própria que está implícita nas suas práticas. De um lado é a sua inconstância, a sua mobilidade permanente. De outro, é uma temporalidade que, não sendo o tempo dos antepassados, tampouco é o tempo do branco. Os Kaingang vivem o tempo presente segundo um modelo que foram produzindo ao longo da história do contato com a sociedade nacional, mas esse tempo atual – o uri – não se confunde com o tempo do branco. No pensamento kaingang, o tempo passado – wãxi – se caracteriza como o tempo da liberdade, da fartura, da saúde, do sossego, enquanto o tempo atual se caracteriza como o seu inverso: o tempo da forme, da pobreza, da incerteza, da submissão ao branco2. Para os Kaingang da T.I. Ivaí, o tempo atual é representado pela vinda de um chefe de posto chamado Ceci que escravizou os índios e implantou um sistema de violência e exploração terríveis que ainda está na memória dos mais velhos. O tempo atual também está relacionado com a expropriação da maior parte de suas terras, quando o governo estadual fez acordo com a União e dos 36.000 hectares que tinham em 1913, somente restaram 7.200 em 1949 (hoje 7.306). O modo de vida tradicional baseada na caça, pesca e coleta aos poucos não pôde mais ser desenvolvido pois as matas e as águas passaram para as mãos de fazendeiros e as que lhes restaram foram também devastadas e poluídas. De 1970 em diante a devastação ambiental ganhou em intensidade e hoje não existem águas saudáveis, principalmente as que atravessam a aldeia, porque vêm da área urbana que fica a montante, trazendo a poluição dos matadouros, do lixo urbano e das indústrias.

3.2.6

Religião e ciclo de festas Na aldeia da T.I. Ivaí há uma igreja católica que foi construída em 1990. Uma

vez por mês a comunidade recebe a visita do Padre Estevão e de três a quatro vezes ao ano da Irmã Cristina e Padre Élcio da Pastoral Indígena.

2

Sobre essa temporalidade ver TOMMASINO, K. A história dos Kaingang da bacia do Tibagi: uma sociedade jê meridional em movimento. São Paulo, USP. Tese de doutoramento. 1995.

137

Todas as famílias da comunidade kaingang da T.I. Ivaí professam a religião católica que chegou até elas pelos missionários nos primeiros contatos no século XVIII, mas imposto de forma sistemática pelos diretores de aldeamentos na segunda metade do século XIX

em diante. Os rituais tradicionais foram sendo esquecidos e abandonados com a

interferência dos missionários e administradores que consideravam os rituais indígenas como coisas do demônio (nét korég) segundo depoimentos colhidos em campo. O último kikikoi foi realizado há 46 anos atrás. Ressalta-se, porém, que os rezadores e curadores mesmo tendo sido perseguidos em todas as áreas, não desapareceram completamente. Mesmo não fazendo mais os rituais coletivos (dos mortos, da colheita), os curadores ainda existem em todas as áreas kaingang e na T.I. Ivaí foram apontados sete curadores que conhecem as plantas medicinais e rituais. A sua permanência, conquanto de forma marginal e periférica, indica que o sistema de representações religiosas tradicionais existe de forma fragmentada. O sistema de saúde tradicional pode ter desaparecido enquanto sistema estruturado e funcional, no entanto, as representações antigas foram inseridas e ressignificadas no conjunto do sistema religioso atual, tal como acontece em outras áreas kaingang. Kutz de Almeida, pesquisando os Kaingang da T.I. Xapecó - SC mostrou a relação entre importantes aspectos da cultura indígena e a prática do catolicismo popular. Diz ele: As festas mais expressivas estão intimamente associadas com a época do plantio e da colheita dos principais produtos agrícolas, especialmente o milho e o pinhão. Não é por acaso que a festa do Divino se realiza em maio, mesmo mês da celebração do ritual do kiki e período de coleta de pinhão. Dessa forma, a páscoa e a celebração de Pentecostes podem ser indicadas como base para esclarecer esta associação. O simbolismo e certas concepções da Páscoa cristã foram apropriados pelos Kaingang através da catequese, a qual fornecia também um calendário anual do dia da Páscoa. À época em que ser cristão (e católico como representação máxima no Brasil) era regra, situação um tanto comum entre os primeiros contatos dos colonizadores com os autóctones, permaneceu até as primeiras décadas desse século. Pode-se supor, então, que os símbolos associados com a Páscoa forneceram aos Kaingang uma alternativa viável para enfrentar o processo de dominação colonial em um momento histórico de extrema importância dos agentes da Igreja Católica entre os indígenas.3 Dentro dessa perspectiva de análise, os rituais católicos praticados pelos Kaingang da T.I. Ivaí estão sendo considerados como sistema religioso produzido historicamente pelos índios a partir de elementos da cultura kaingang com elementos apropriados do catolicismo. O ciclo das festas católicas é um produto historicamente transformado do ciclo das festas tradicionais do passado. O modo de ser kaingang foi projetado adiante como resultado de um processo de negociação do modelo ocidental 3

ALMEIDA, Ledson K. de. Dinâmica religiosa entre os Kaingang do Posto Indígena Xapecó/SC. Florianópolis, UFSC. Dissertação de mestrado. 1998: 94.

138

imposto pelos agentes estrangeiros, mas ressignificado e alterado segundo a lógica kaingang no interior de sua cultura. Nesse sentido, o processo histórico kaingang foi reciclando culturalmente tudo o que foi recebido – por imposição ou adoção livre – do mundo dos fóg (brancos). Kurtz de Almeida faz a seguinte interpretação sobre a cristianização dos Kaingang: A adoção do cristianismo por grupos indígenas pode expressar a ocupação do espaço na cosmologia e vida ritual destes povos por símbolos cristãos, não significando necessariamente a destruição das categorias significativas do sistema indígena.4 Longe, portanto, de pensar a adoção do cristianismo e outros “costumes” dos brancos, como sintomas de aculturação, trata-se, da perspectiva indígena, de formas de recriação cultural determinada pela conjuntura histórica. A atual forma de religiosidade na T.I. Ivaí merece um estudo antropológico futuro pela centralidade das festas “católicas” que certamente escondem processos de ressignificação simbólica segundo uma lógica da cosmologia kaingang. A nossa equipe de campo assistiu parte da festa de São Pedro quando o grupo chegava na aldeia e registrou o momento em que a bandeira do divino visitava uma residência e foi possível perceber a intensidade da experiência religiosa e sua importância como canal de integração social. O “pátio” das festas está localizado no Goio ni, onde fica a “água santa”, uma mina de água onde, acreditam os Kaingang, bebera o monge João Maria. Na simbologia kaingang a água do Goio ni é curativa e faz passar dores de cabeça e mal-estar, provocados pela vida moderna. Segundo uma enquête rápida feita pela nossa equipe, uma kuiã, Maria Chica, levava as crianças e velhos para “benzer” e os doentes e curar. Com as curas realizadas, foi sendo reconhecido poder de cura daquela água. O diagnóstico feito pela equipe da UEM mostrou que a mina está contaminada por coliformes fecais, mas, por outro, também constatou a importância simbólica das práticas religiosas e de cura do Goio ni. Por essa razão, informar que a água da mina está contaminada e não dever ser consumida não teria nenhuma chance de sucesso porque o poder simbólico da “água santa” é um processo consolidado histórica e culturalmente. Portanto, uma forma alternativa deve ser buscada para solucionar o problema e a sugestão é que se faça: a) o cercamento da área em volta da mina e; b) a identificação e eliminação dos focos de contaminação que certamente estão nas pocilgas em volta da mina. Ainda relacionado com a religiosidade merecem destaque às festas católicas da comunidade que ganharam significados próprios e foram reciclados segundo padrões indígenas. No momento em que realizamos a pesquisa de campo encontramos toda a comunidade empenhada em organizar a festa que aconteceria o dia todo no distrito Bela

139

Vista, com jogos de futebol (times do grupo indígena contra os do distrito), comidas e bebidas e a saída da bandeira do divino da igreja do distrito para a da aldeia, passando pelas casas dos devotos, pois era dia de São Pedro e São Paulo. Foi-nos informado que as festas de São Pedro e São Sebastião são realizadas com missa e com muita comida típica, e que as pessoas encarregadas de organizá-las são os índios que têm o nome do santo da festa. Na verdade, o que se observa é que os Kaingang se converteram ao cristianismo, mas incorporaram o sistema indígena e transformaram as festas em rituais de reafirmação de sua identidade social da mesma forma como as antigas festas que tiveram de abandonar por pressão e proibição.

Igreja Católica da T. I, Ivaí, ao lado o Posto da FUNAI. Foto Kimiye Tommasino, julho 2002

Festa de São Pedro, chegada da Bandeira do divino. Foto: Kimiye Tommasino, junho 2002

4

ALMEIDA, Ledson K. de. . Dinâmica religiosa entre os Kaingang do Posto Indígena Xapecó/SC. Florianópolis, UFSC. Dissertação de mestrado. 1998. p. 25.

140

Aspecto da Mina santa na T. I. Ivaí, uma pequena casa de madeira protege a nascente e logo em seguida observa-se um cercado de madeira para engorda de porcos. Foto: Lúcio Tadeu Mota, outubro 2002.

Terreiro adjacente a Mina Santa onde se realizam as festas. Observam-se os mastros das bandeiras das ultimas festas. Foto Lúcio Tadeu Mota, outubro 2002

141

A pesquisa de campo também se deu na observação do baile que promoveram na noite de 28 de junho, véspera da festa de São Pedro. A comunidade conta com um conjunto musical formado que toca não só na aldeia, mas em toda a região rural. Os casais dançam no salão fazendo círculos no sentido anti-horário e costumam dançar até o amanhecer. As entrevistas com as pessoas mais velhas da comunidade mostram que os bailes foram introduzidos pelos administradores brancos e eram realizados depois de cumprido o trabalho no sistema de mutirão nas roças do SPI e depois da FUNAI.

Baile na aldeia, conjunto “Os Indianos” formado por jovens da própria aldeia que tocam no T. I. Ivaí ou outras T. Is. quando convidados. Foto: Kimiye Tommasino, junho 2002.

Campo de futebol da T. I. Ivaí, onde existem vários times que jogam entre si ou convidam outras aldeias para jogarem. Foto: Kimiye Tommasino, junho 2002

142

3.3

A SAÚDE NA T.I. IVAÍ Na aldeia-sede da T.I. Ivaí existe um posto ambulatorial que atende as

famílias indígenas e atualmente é de responsabilidade da Fundação Nacional de Saúde FUNASA. Trabalham no posto:

Profissão

Quantidade

Fonte pagadora

Branco

Médico

1

FUNASA

X

Dentista

1

FUNASA

X

Enfermeira padrão

1

FUNASA

X

Auxiliares de enfermagem

2

FUNASA

X

Agentes de saúde

3

FUNASA

Motoristas

2

FUNASA/PMMR

Faxineira

1

FUNASA

Total

11

Índio

X X

X X

6

5

O posto conta com um veículo Toyota para atender 24 horas somente a área de saúde e está sendo negociado mais um veículo para esta finalidade. Todos os funcionários do posto pertencem à FUNASA com exceção do motorista não-índio que é pago pela prefeitura de Manoel Ribas. A FUNASA1 fornece, através de seus programas, vacinas obrigatórias contra a pneumonia e gripe2. As doenças que mais afetam a comunidade indígena são: a escabiose (sarna); a verminose e conseqüentemente a diarréia; e a IRA (infecção das vias respiratórias). A intensidade das mesmas varia de acordo com a estação do ano. No inverno, por exemplo, a IRA torna-se o principal problema de saúde seguida da escabiose. Essas doenças estão diretamente relacionadas com a intensa contaminação ambiental, tanto da terra quanto da água. A concentração das moradias no espaço da aldeia fere em tudo os costumes antigos quando cada família tinha seu assentamento longe das outras moradias e isso permitia que o lixo produzido e os dejetos animais e humanos fossem absorvidos pelo ambiente do entorno. Por outro lado, as próprias casas tradicionais, as in kaingang, tinham o caráter de uso temporário e efêmero “pois as mesmas eram quase sempre abandonadas ou até queimadas a cada deslocamento ou quando ocorria a falta de habitabilidade.”3

1

Os dados sobre a assistência à saúde no posto da T.I. Ivai foram fornecidos pela enfermeira Shirlei, funcionária da FUNASA, lotada no ambulatório que funciona na área. 2 Essas vacinas são aplicadas partir dos dois anos de idade, no caso da pneumonia e a partir dos seis meses, no caso da gripe. Em ambos os casos toda a comunidade é vacinada respeitando, é claro, o limite mínimo de idade. 3 .Cf. Janir SIMIEMA. Em que abrigos se alojarão eles?. In: L. T MOTA; F. S. NOELLI; K. TOMMASINO. Uri e Wãxi: estudos interdisciplinares dos Kaingang. Londrina, Eduel, 2000, p. 242-243.

143

As casas atuais das famílias kaingang além de terem sido construídas muito próximas entre si possuem caráter permanente e somente as famílias que vivem mais afastadas ainda fazem puxados ou ranchos ao estilo tradicional, sendo as demais feitas de madeira ou alvenaria de acordo com o padrão introduzido pelo indigenismo. A arquiteta Simiema, ao estudar as atuais moradias dos Kaingang do T.I. Barão de Antonina, mostrou que as casas (in) tradicionais coexistem com as introduzidas e que: As in Kaingang, em São Jerônimo, embora adaptadas às condições de aldeamento, o qual aboliu os grandes ranchos coletivos, passando a prevalecer a moradia unifamiliar, mostra ser em tudo adequada à origem, ao modo se ser e ao contato direto com a natureza: o chão batido, o tronco de árvore, o contato permanente com o vento que cruza toda a casa, o claro-escuro que reproduz a penumbra da mata. Há ainda a transparência total que permite sentir o tempo (se amanhece ou se anoitece) mas que também possibilita a vigilância em todas as direções. A sua moradia não rompe a ligação com a terra, de onde ele acredita ser originário. Ao contrário, favorece e possibilita a integração às suas raízes. Pode-se dizer que essa casa é a sua própria raiz, sua própria identidade. A outra, a do governo, abriga mas confina. Protege, mas isola. Isola a luz, o vento, o sol, a natureza, e nela o Kaingang não se compraz e não se realiza.4 A essas condições internas das mudanças do modo de habitar, não mais em várias aldeias, mas numa só, não mais nas in tradicionais, mas em habitações estranhas ao seu modo de ser, acrescentam-se as conseqüências do entorno. Os índios vivem rodeados de fazendas de brancos que destruíram toda a cobertura vegetal do entorno, e nem sequer respeitaram as matas ciliares, que protegiam as águas dos rios que atravessam a aldeia. Também a cidade de Manoel Ribas tem contribuído com seus dejetos provenientes das indústrias, das residências, dos curtumes os quais contaminam as águas que ficam nas cabeceiras dos rios que chegam à aldeia comprometendo a saúde dos índios. Segundo informações de funcionários da FUNAI e da equipe da FUNASA, a situação dos rios que cortam a T.I. Ivaí é a seguinte: os rios Monjolo Velho, Água do Tigre (ou Àgua do Maia ou Ponciano conforme os Kaingang) Passo Liso, Barra Preta, estão em péssimas condições. Apenas o rio Borboleta foi considerado em situação regular. O grande problema, segundo os informantes, é que os rios trazem os dejetos jogados pelos fazendeiros e moradores da cidade à montante dos rios que chegam comprometidos na aldeia. Como os rios perderam suas matas ciliares, os agrotóxicos acabam chegando aos rios assim como o esgoto da cidade. As mulheres costumam lavar roupa nos rios Monjolo Velho, Agua do Tigre e Passo Liso e é comum encontrá-las com as crianças que ficam brincando nas águas em contato direto com as bactérias e pesticidas.

4

SIMIEMA, Janir. Em que abrigos se alojarão eles? In MOTA, L. T., NOELLI, F. & TOMMASINO, K. Uri e Waxi. Estudos interdisciplinares dos Kaingang. Londrina, Ed. da UEL. 2000. p. 247-248.

144

É importante registrar que a FUNASA, desde que assumiu a responsabilidade pela saúde indígena, tem priorizado em todas as áreas do Paraná, o tratamento da água que abastece as famílias indígenas. Na T.I. Ivaí o tratamento da água para consumo já existe e o efeito benéfico já é evidente. Os agentes de saúde confirmaram que antes do tratamento os casos de diarréias por água contaminada eram crônicos e esse quadro desapareceu quando se implantou o tratamento da água. Até o final de 2002 será inaugurado um poço artesiano que já está pronto e em fase de análise da qualidade da água. Os agentes de saúde nos informaram que há alguns problemas difíceis de serem resolvidos por serem de ordem estrutural, como é o caso da escabiose, ou de ordem cultural, como o uso daquela água que os índios consideram possuir poder mágico-curativo, mas que está contaminada e, mesmo com todas as explicações dos agentes, continua sendo utilizada. Sobre a água “santa” - Goio ni - segundo a pesquisa de campo, a água se tornou santa porque disseram que o monge João Maria andava em muitos lugares e tomou aquela água que passou a ter poder de cura. Depois disso apareceu uma kuiã que se chamava Maria Chica (casada com Manoel Pereira) que levava as crianças e velhos para benzer e curar os doentes com a água daquela mina. Muitos acreditam que, caso se passe aquela água na cabeça, ela cura dor-de-cabeça, mal-estar ou “cabeça embrulhada”. Todas as festas católicas são realizadas na mina e pode-se ver no entorno os mastros com os santos colocados em seu topo revelando a importância simbólica daquele Goio ni para todos os Kaingang que confiam no seu poder curativo mesmo sabendo que a água está contaminada. Em conversa com os agentes da saúde da FUNASA os mesmos disseram que não conseguiram convencer os índios a não usarem a água daquela mina, o que reforça as nossas considerações. Portanto, a sugestão, como a melhor alternativa prática, é promover a descontaminação da mina, pelo cercamento do entorno e eliminação das pocilgas que contaminam o lençol freático que a alimenta.

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Aspecto do Posto de Saúde da T. I. Ivaí. Foto: Cristiane T. Quinteiro, setembro 2002-12-08

Mulheres kaingang lavando roupa no riacho Monjolo Velho. Foto: Kimiye Tommasino, outubro 2002.

146

3.3.1

Atendimento médico e odontológico O atendimento médico e odontológico do posto Ivaí ocorre diariamente (seis

dias por semana). A equipe de atendimento está completa, porém, segundo a enfermeirachefe do posto, seriam necessários mais dois dos chamados agentes indígenas de saúde (AIS), pois um AIS divide seu tempo entre o atendimento médico e odontológico5. Os pacientes têm acesso a diversos tipos de remédios. Quando o médico receita um medicamento não disponível no ambulatório, a receita é repassada para a enfermeira que vai até a cidade e o compra nas farmácias credenciadas pela FUNASA6. Segundo a informação da enfermeira, muitos índios deixam de ir até o ambulatório para se tratar com um dos sete rezadores/kuiã. Alguns desses “curandores” vivem fora da aldeia, como é o caso da Dona Maria que é branca. Com isso se verifica que os índios procuram também curadores não-índios. Comparativamente à situação das demais áreas indígenas do Paraná, podese considerar que as condições materiais e de recursos humanos na área de saúde é uma das melhores. De acordo, ainda, com as informações da enfermeira, em relação à infraestrutura o ambulatório é muito bem servido de espaço, equipamentos e materiais necessários para um bom atendimento, tanto médico quanto odontológico. Também podem contar com transporte exclusivo 24 horas. Em relação à saúde bucal, os problemas são semelhantes aos do branco, porém com algumas particularidades. A cárie é o mais freqüente e de ocorrência pontual, diferente do que ocorre com o branco. Por exemplo, se dez índios têm cárie, os dez a têm na oclusa e dificilmente a têm nas próximais. De cada dez brancos com cárie, um pode ter cárie em diferentes faces ou pontos do dente. A segunda é a gengivite, seguida do dentulismo e da falta dos dentes. O processo de prevenção ocorre na escola com orientação profilática de escovação. Uma vez por mês é realizada uma visita, de casa em casa, para orientação dos adultos. É feita a distribuição de escovas e cremes dentais para as famílias, porém neste ano houve atraso na distribuição porque ainda não chegaram os recursos. Segundo o dentista, a demora é decorrente do processo de reformulação do planejamento do programa de saúde que refaz anualmente o contrato com as empresas que fornecem os materiais. A aplicação do flúor tópico (de baixa concentração) não é realizada, apenas o flúor gel (de alta concentração) é aplicado em alguns casos, quando há muita reincidência de cárie.

5 6

Esses agentes não são preparados para esse tipo de trabalho. A FUNASA tem fundos do Projeto Rondon que financia o pagamento desses medicamentos extras.

147

A implantação do programa odontológico foi realizada por etapas. A primeira etapa consistiu da observação dos problemas mais comuns e o número de demanda, ou seja, o número de casos. A segunda etapa foi o atendimento para aqueles que tinham dor. Nesta etapa era realizada a extração dentária. A terceira etapa foi o atendimento periódico dos pacientes. Futuramente pretende-se ampliar o atendimento de outras patologias. Com a implantação do Raio-X será possível o atendimento endodôntico. Também será possível através de verba encaminhar pacientes para o tratamento ortodôntico. Atualmente está sendo possível a aquisição de próteses total e parcial, as quais são pagas pelo Projeto Rondon. A maior dificuldade relacionada à saúde bucal está na orientação profilática dos adultos que só procuram o ambulatório quando estão com dor e não dão continuidade ao tratamento periódico. O cacique e as lideranças disseram estar muito satisfeitos com o serviço de atendimento à saúde na área e têm da comunidade todo o apoio, o que é confirmado pelas informações da enfermeira que, ao ser indagada pela nossa equipe de campo, respondeu que as relações entre os membros integrantes do ambulatório e os líderes da comunidade “são harmoniosas e não há problemas de discordância”. Algumas considerações são importantes em relação à área de saúde na T.I. Ivaí. De um lado, são notáveis as boas condições do posto que se encontra bem equipado e com uma política de atendimento e disponibilidade de remédios aos doentes. O número de profissionais também é significativo e a equipe de campo pôde confirmar a presença efetiva da assistência à saúde indígena. Por outro lado, percebeu-se que os profissionais de saúde nada sabem sobre a realidade cultural kaingang e, dessa forma, a medicina praticada é a mesma que existe em qualquer outro posto de saúde da região. Essa realidade não é coerente com a política de saúde indígena prevista na Constituição e já discutida em vários seminários e oficinas promovidas pela FUNASA e FUNAI. Portanto, notamos que ainda está por ser realizada a implementação de um modelo de saúde que leve em consideração os conhecimentos tradicionais e respeite as especificidades socioculturais kaingang. Os próprios profissionais de saúde não reconhecem a legitimidade dos conhecimentos dos kuiã que existem na aldeia. Essa visão etnocêntrica prejudica o serviço de atendimento à saúde, uma vez que há famílias que se utilizam tanto dos serviços ambulatoriais quanto dos kuiã, mas de forma velada, preferindo omitir os tratamentos dados por estes para não serem alvo de desaprovação. Sobre a questão das mudanças sociais e culturais ocorridas no sistema de saúde kaingang temos uma grande e importante contribuição de Maria Conceição de Oliveira que mostrou, através de pesquisa empírica, como os Kaingang da T.I. Xapecó-SC construíram um sistema de saúde no período pós-contato que se caracteriza por um pluralismo médico, onde representações tradicionais convivem com outras incorporadas na

148

situação de contato. Partindo de um conceito de cultura como um processo contínuo de construção e reconstrução, Oliveira mostra que os Kaingang da T.I. Xapecó buscam, Além dos tratamentos com remédios da farmácia e ainda aderem a diferentes seitas religiosas existentes na aldeia, muitas vezes procurando solucionar problemas de saúde. Tudo isso traz como implicação a existência de um verdadeiro “pluralismo médico” no Xapecó hoje. O trabalho ao mesmo tempo evidencia que há um constante recriar de práticas de cura, sendo que elementos fundamentais do passado se inscrevem, somando-se ao novo, de forma contínua.7 Oliveira mostra também que os Kaingang ainda se orientam por uma concepção própria de saúde e doença onde “ter saúde é sinônimo de ‘força’ (tar), e a perda da mesma traz como principal conseqüência a vulnerabilidade às doenças (vénh-kagta)8. A equipe de pesquisa de campo não pôde entrevistar os rezadores (kuiã) da T.I. Ivaí. Podemos afirmar, porém, que a presença de vários deles na aldeia significa que muitas famílias se utilizam de seus serviços. Nosso guia de campo nos falou de algumas plantas conhecidas pelo seu pai conforme já foi relatado e um de seus irmãos foi apontado como kuiã. Reproduzimos aqui a conclusão de Oliveira sobre a importância de considerar o sistema de saúde kaingang. Por último, gostaríamos de salientar que o fato de os curadores Kaingang possuírem um conhecimento, ainda bastante intacto, sobre os “remédios do mato” e seus usos, sobre dietas e outros modos de curar, não poderia jamais ser desconsiderado quando são pensadas ações de saúde da medicina institucional. O respeito ao seu conhecer milenar deveria ser o primeiro preceito a qualquer técnico que disponha a trabalhar com essas populações9. Outra contribuição importante é a pesquisa de José Ronaldo FASSHEBER realizada na T.I. Palmas - PR onde ele faz uma análise crítica sobre a política pública de assistência à saúde às famílias kaingang daquela área. Os resultados de sua pesquisa podem ser estendidos para todas as áreas indígenas do Estado. Fassheber afirma: (...) as organizações governamentais têm falhado ou sido inoperantes em sua missão, seja pela inadequação das políticas públicas para o setor de saúde indígena, seja pela má gestão dos recursos públicos disponíveis, seja pela falta destes e de pessoal, seja por um planejamento e uma atuação que desconsidera as especificidades, os saberes e os anseios de uma comunidade.10 Como conclusão, podemos afirmar que, se por um lado, entre os sistemas utilizados, a Biomedicina aparece como influente nas terapêuticas dos 7

OLIVEIRA, Maria Conceição de. Dinâmica do sistema cultural de saúde Kaingang – Aldeia Xapecó, Santa Catarina. In MOTA, L. T., NOELLI, F. & TOMMASINO, K. Uri e Waxi. Estudos interdisciplinares dos Kaingang. Londrina, Ed. da UEL. 2000. p. 329. 8 Idem, p. 330; grifos da autora. 9 OLIVEIRA, Maria Conceição de. Dinâmica do sistema cultural de saúde Kaingang – aldeia Xapecó, Santa Catarina. In: MOTA, L. T., NOELLI, F. & TOMMASINO, K. Uri e Wãxi. Estudos Interdisciplinares dos Kaingang. Londrina, EDUEL: 2000. p. 374. 10 FASSHEBER, José Ronaldo. Política pública em saúde indígena entre os Kaingang de Palmas/PR. Boletim do Museu Paraense Emilio Goeldi, série Antropologia., 15(2), 1999. p. 193.

149

casos de doenças, por outro, não é dominante para as percepções sobre saúde entre os Kaingang. Ou seja, apesar do contato intenso e embora a Biomedicina seja, hoje, um recurso bem utilizado, os Kaingang percebem as relações saúde/doença/corpo de forma específica e utilizam-se primordialmente dos saberes de sua gente nas tentativas de resolução dos problemas de saúde. Desta maneira, num contexto de pluralismo de sistemas de cuidados com a saúde, os atores Kaingang contam com mais recursos para negociar sobre o curso da doença. A utilização da medicina ocidental pelos Kaingang não implica necessariamente numa mudança de interpretação do processo de doença/cura. Nem mesmo eles esperam a implantação dos serviços públicos da saúde biomédicos para disporem de saberes e de especialistas terapêuticos aptos a resolver seus problemas de saúde. Contudo, não dispensam os atendimentos dos serviços públicos em saúde, principalmente nos casos graves de doenças ou acidentes que fujam às formas de controle por eles conhecidas. Esta tem sido a tônica entre os Kaingang, na busca de seus itinerários terapêuticos.11 Temos ainda, na discussão sobre política pública em saúde para os povos indígenas, a importante contribuição de Jean-Lagdon, a qual nos diz: (...) é importante que o treinamento dos profissionais que lidam com saúde indígena dedique tempo suficiente para que eles compreendam profundamente o conceito antropológico de relativismo e, também, o conceito de cultura. Devem estar familiarizados com a natureza do sistema indígena de saúde indígena e como as suas práticas fazem parte da sua cultura como um sistema simbólico, composto de valores, representações e significados inter-relacionados. É necessário apontar que os índios também têm desenvolvido conhecimentos e saberes sobre saúde, e, como no caso de nossa biomedicina, estes saberes compõem seu sistema de saúde, definindo o que é doença e saúde, o que causa doenças e o que as cura, e o que é cura. As respostas culturais para estes conceitos de saúde e doença são diferentes daquelas da biomedicina e resultam em noções, valores e expectativas diferentes e específicos segundo a etnia particular. O primeiro passo para realizar os princípios da legislação sobre saúde indígena é o reconhecimento que estas diferenças são legítimas e fazem parte de um sistema cultural de saúde. Não são superstições ou fragmentos de um pensamento menos evoluído12. Nosso diagnóstico evidenciou que na T.I. Ivaí, tal como verificado em outras áreas kaingang, o modelo de saúde ainda não é diferenciado e intercultural como propõe o Ministério da Saúde/FUNASA. Para que isso se torne uma realidade, seria necessário que todos os agentes de saúde envolvidos diretamente, conhecessem minimamente a realidade histórica e cultural de seus pacientes e, a partir daí, desenvolvessem um novo modelo que desse conta do pluralismo médico já demonstrado pelas pesquisas realizadas em áreas da etnia kaingang.

11

FASSHEBER, José Ronaldo. Idem, ibidem. p. 218-219. LANGDON, E. Jean. A tolerância e a política de saúde do índio no Brasil: são compatíveis os saberes biomédicos e os saberes indígenas? In GRUPIONI, L. D, B. et al. (Orgs.) Povos Indígenas e Tolerância. São Paulo: Edusp, 2001. pp. 157-165.

12

150

3.4

A EDUCAÇÃO NA T.I. IVAÍ

3.4.1

A educação escolar e a obrigatoriedade da escolarização na T.I. Ivaí A comunidade da T.I. Ivaí conta com duas escolas, uma denominada Escola

Rural Municipal Cacique Salvador Venhy, que atende do pré-escolar III até a 4a série do ensino fundamental e a outra, estadual, inaugurada em 2002, denominada Escola Estadual Cacique Gregório Kaekchot para atender de 5a a 8a séries. Neste ano foi implantada a 5ª. Série. O prédio onde atualmente funciona a Escola Rural Municipal Cacique Salvador Venhy foi inaugurado em 1994 e suas instalações físicas se compõem de: quatro salas de aulas; uma sala onde funciona a secretaria, a direção e a biblioteca; um refeitório; uma cozinha; dois banheiros. Na Escola Rural Municipal Salvador Venhy funciona: a pré-escola (com trinta e seis alunos); 1a série (com trinta e quatro alunos); três salas de 2a série (uma com dezenove, outras duas com vinte e dois alunos cada uma); duas turmas de 3a série (uma com vinte e três e outra com vinte e dois alunos); e três turmas de 4a série (com dezoito, vinte e três e vinte e dois alunos). (Quadro 1)

Quadro 1: Escola Rural Cacique Salvador Venhy Série Pré-escola

Número de alunos 36

Professores Márcia Peres Naki Sílvia Atanásio Marins (auxiliar)

1a. série

34

Malça Aparecida Dias Stadin Leôncio Nogrik Generoso (auxiliar)

2a. série

3a. Séire

4a. Série

Branco/Índio Branco Índio Branco Índio

turma 1 – 19

Terezinha Amélia Menk Dircksen

Branco

turma 2 – 22

Eloir Lourdes Rodrigues de Jesus

Branco

turma 3 – 22

Marilene Gil Rahal

Branco

turma 1 – 23

Rosemar Oderdenge Albino

Branco

turma 2 – 22

Edith Aparecida Ribeiro

Branco

turma 1 – 18

Vanderléia Cardoso Martins

Branco

turma 2 – 23

Lindalva de Oliveira

Branco

turma 3 – 22

Léia D. Oderdenge Albino

Branco

Lidia Below Borges (auxiliar)

Branco

151

O prédio onde funciona a Escola Estadual Cacique Gregório Kaekchot foi construído ao lado da escola que já existia e inaugurado no início do ano de 2002. Ele possui três salas de aula, sendo duas ocupadas por duas turmas de 5a série que juntas contam com sessenta e dois alunos. Não foram construídas instalações sanitárias, refeitório e cozinha, pois são utilizadas as mesmas da escola rural já existente. (Quadro 2)

Quadro 2: Escola Rural Cacique Gregório Kaekchot Série 5a. série

Número de alunos

Professores

Branco/Índio

Turma 1- 31

Márcia de Fátima Perazzolli

Branco

Turma 2- 31

Nilson Walecki da Silva

Branco

Fátima Aparecida Crivelaro

Branco

Giselda Maria Padilha

Branco

Mariza Comunello

Branco

Juscelino Furtado da Silva

Branco

Carla E. Homeniuk

Branco

Elizionete de Fátima Meurer

Branco

Luiz Tonelli

Branco

Professores não índios da rede estadual de ensino do Estado do Paraná.

Brancos

Classe de CEEBJA

40

Funciona também no prédio da escola uma turma de ensino para jovens e adultos, vinculada ao CEEBJA (Centro Estadual de Educação Básica para Jovens e Adultos) – Ivaiporã - Processo do Fundamental – Fase II - com quarenta alunos matriculados (Quadro 2). Há, ainda, oito alunos indígenas que estudam em outras escolas, fora da área, sendo dois alunos de 1a série, dois de educação especial, três de 6a série, um de 8a série (Quadro 3). Seguem os quadros das escolas existentes na TI Ivaí, conforme dados do Núcleo Regional de Ensino de Ivaiporã. Quadro 3: Alunos que estudam fora das escolas da T.I. Ivaí, cidade de Manoel Ribas

Nome da escola

Número de alunos

Série

Reni Correa Gamper

02

1a série

APAE

01

Educação especializada

Renato Siloto

01

Deficiência Auditiva

Nereu Ramos

04

6a série - 03 alunos 8a série – 01 alunos

152

Com relação ao material e equipamentos existentes atualmente nas escolas da área, há: um aparelho de televisão; uma antena parabólica e um videocassete, todos de uso freqüente. Há também um reduzido acervo bibliográfico composto, em sua maioria, por livros didáticos destinados ao ensino fundamental, principalmente de 1a a 4a séries e poucos de 5a a 8a séries; há ainda alguns livros de literatura infantil. Não há livros relacionados à história dos povos indígenas no Brasil e no Paraná. De acordo com os depoimentos dos professores que trabalham na escola, quando os alunos chegam na pré-escola e na primeira série eles não dominam o português. São falantes da língua kaingang e muitas são as dificuldades de aprendizagem e de comunicação entre alunos e professores, necessitando da presença de um intérprete, representado por um monitor indígena ou por uma mãe que fique nas salas de aula junto com os alunos e a professora. Com isso os professores ressentem-se dessa dificuldade de comunicação e consideram de fundamental importância um curso de língua kaingang para que eles possam atender melhor os alunos. Consideram importante, também, mais cursos de formação e/ou atualização nos quais possam estar aprendendo sobre a história dos povos indígenas, principalmente dos kaingang no Paraná. Os professores lamentam-se, também, por não terem feito nenhum curso e/ou estudo sobre o Referencial Curricular Nacional para as Escolas Indígenas – RCNEI – que prevê o ensino multicultural e bilíngüe.

3.4.2

A situação dos alunos que chegam à escola da T. I. Ivaí Na T. I. Ivaí há consenso entre as lideranças sobre a importância da

escolarização das crianças e jovens como forma de superação das atuais condições de vida. É ainda consenso que as novas gerações não podem viver apenas dos produtos das roças e do artesanato. A aspiração dos pais é que seus filhos possam ter uma formação profissional e passem a viver dos empregos que poderão conseguir. Apesar desse discurso das lideranças reafirmando a importância da formação escolar, há também uma certa descrença de que todos possam de fato conseguir viver de ganhos salariais. Há uma grande valorização dos cargos que alguns funcionários índios já ocupam como de agentes de saúde, monitores de língua kaingang, funcionário da Funai, motorista da comunidade etc. Nas entrevistas realizadas com algumas pessoas mais velhas, ficou evidente uma preocupação com a obrigatoriedade da escolarização das crianças e jovens e sua futura inserção no mercado de trabalho. A pergunta que fizeram foi se o governo, ao obrigar as gerações jovens a se escolarizarem, vai garantir emprego a todos eles. Essa preocupação tem sua fundamentação no seguinte fato: as crianças e jovens não podem mais acompanhar os pais para ajudá-los em suas roças. Com isso, não estão sendo treinados para continuarem a viver como seus pais. A escola teria então de preparar as gerações de jovens

153

e crianças para novas profissões, mas a obrigatoriedade restringe-se apenas ao ensino fundamental que na aldeia ainda é oferecida somente até a 5a série. A dúvida então tem fundamento na realidade concreta porque o ensino fundamental não é suficiente para garantir uma profissão e dentro das áreas indígenas não há mercado para todos e nas cidades terão de concorrer com os jovens brancos que são muitos e se encontram em melhores condições de competitividade. Agora com a nova escola, os alunos até o ano de 2005 terão a 8a série oferecida dentro da terra indígena, não necessitando mais se deslocar até a cidade para continuar seus estudos ou se evadirem da escola e interromperem o processo de escolarização de nível fundamental como vinha acontecendo. Segundo a diretora da Escola Rural Municipal Salvador Venhy, dos alunos que terminavam a 4a série na terra indígena, poucos continuavam seus estudos na cidade, principalmente pelas dificuldades relacionadas à língua e à adaptação à escola não-indígena. Essas dificuldades estão relacionadas ao modelo escolar brasileiro adotado inclusive para as escolas indígenas, cujos critérios para a condução e desenvolvimento do processo de ensino/aprendizagem, em termos de conteúdos, metodologias, materiais didáticos e avaliação são os mesmos da escola regular, reproduzindo a precariedade das condições materiais e político-pedagógicas, não havendo sinais de investimentos em recursos humanos e materiais. No Estado do Paraná não existe nenhuma política voltada para a formação dos professores brancos sobre as especificidades da cultura indígena e para o resgate do conhecimento tradicional dos Kaingang, não existe, também, nenhuma pesquisa sobre o processo cognitivo das diferentes etnias indígenas. Isso dificulta o processo de aquisição de conhecimentos e de escolarização dos alunos kaingang que, quando saem da escola indígena e vão para as escolas regulares das cidades, ou os que vão para o ensino superior – que é o caso de poucos - não conseguem inserir-se e/ou “adaptar-se” ao processo, por isso desistem, ou ainda, quando terminam os cursos isso, ocorre num tempo muito maior do que o previsto. Desde o início da década de 1990, Kimiye Tommasino1 vem realizando estudos nos quais mostra a situação vivenciada nas escolas existentes nas áreas indígenas no Paraná com relação à educação escolar indígena e seu funcionamento. Discutindo sobre a situação das escolas indígenas no Paraná, Tommasino nos mostra que os dilemas enfrentados pelos alunos dessas escolas indígenas praticamente

1

TOMMASINO, K. “A educação indígena no Paraná: suas limitações e possibilidades.” Cadernos CEDES, n° 32. Campinas. Papirus/CEDES, 1993; “Diretrizes para a política de educação escolar indígena no Paraná: algumas considerações º preliminares.” In D’ANGELIS, W. e VEIGA, J. Leitura e escrita em escolas indígenas. Encontro de educação indígena no 10 COLE/1995. ALB:Mercado de Letras. Campinas, 1997; “A educação indígena no Paraná”. Texto apresentado no 22º. Encontro da ABA, Brasília DF, 2000. Ver ainda os estudos de R. C. FAUSTINO

154

são os mesmos ao longo dos quinhentos anos de contato2, ou seja, trata-se do mesmo processo civilizatório de educação empreendido pelas chamadas civilizações brancas, pois: vários dos problemas enfrentados hoje já se encontravam nas escolas dos missionários do século XVII (fundadas pelos jesuítas) e nas criadas pelo Serviço de Proteção ao Índio (SPI) nas primeiras décadas do século XX, no qual os religiosos para catequizar os índios utilizavam-se, entre outras coisas, de músicas para facilitar a comunicação, o entrosamento e o interesse dos alunos. A educação formal para os índios foi implantada pelos jesuítas há 400 anos nesta região que hoje denominamos Estado do Paraná. Ao longo desses quatro séculos, o Estado e a Igreja (católica) trabalharam, em consenso, para “civilizar” os povos indígenas. No caso, “civilizar” e “catequizar” podem ser tomados como tendo o mesmo sentido: transformar o “índio” em “civilizado”, isto é, com uma cultura européia e cristã. A escola passa a ter o papel de mediar essa passagem do índio, de um estado (de civilização) a outro. Mas o que estava em questão, para o Estado, era a passagem do índio à condição de trabalhador nacional. No século XX, a educação escolar para os índios passa a ser exercida não mais pelos missionários, mas por professores leigos. O objetivo continuou a ser a integração dos povos indígenas à sociedade nacional e sua inserção como “trabalhador nacional”. A criação de reservas indígenas pelo SPI tinha dois objetivos explícitos: de um lado, confinar os índios em espaços físicos restritos e controlados e liberar terras para colonização; de outro, integrar os índios à sociedade nacional, através de projetos de agricultura e de educação formal, ministrada por leigos nas escolas das reservas. Mais recentemente, o Summer Institute of Linguistics-SIL, com sede nos Estados Unidos, passou a desenvolver projetos de educação formal em áreas indígenas em vários países. Como o objetivo dessas missões religiosas era converter os índios, a formação dos monitores indígenas confundia-se com o processo de conversão religiosa, reforçando o caráter civilizador. No sul do Brasil, em 1970 foi fundada a Escola Clara Camarão, no Posto Guarita em Tenente Portela-RS, num grande convênio da FUNAI com a Igreja Evangélica de Confissão Luterana e o Summer Institute of Linguistics para formação de monitores e técnicos agrícolas das áreas indígenas. A parte pedagógica ficou a cargo do SIL, que atuou e ainda atua em várias áreas indígenas no Brasil. Silva e Azevedo (95:151) resumem a atuação do SIL da maneira que segue: Com a chegada do Summer Insititute of Linguistics ao Brasil em 1956, o quadro se transformou apenas em seus aspectos mais superficiais e visíveis. Caracterizado pelo emprego de metodologias e técnicas distintas das que se desenvolviam até então, o “novo” projeto não escondia, como todos os seus predecessores, os mesmos objetivos civilizatórios finais. (...), o modelo de educação indígena desenvolvido pelo S.I.L. fez muitos aliados e arautos nas universidades brasileiras. Os objetivos do S.I.L.,( ...), nunca foram diferentes dos de qualquer missão tradicional: a conversão dos gentios e a salvação de suas almas. (...) Neste quadro as línguas indígenas passaram a representar meios de “educação” desses povos a partir de valores e conceitos “civilizados”. A Escola Clara Camarão, ao preparar e formar os professores indígenas e, ao mesmo tempo, convertê-los em cristãos, acabou por produzir um “personagem essencialmente problemático e ambíguo”: um professor

2

TOMMASINO, K. A educação indígena no Paraná”. Texto apresentado no 22º. Encontro da ABA, Brasília DF, 2000.

155

indígena “domesticado” e “subalterno” (Silva & Azevedo, 95:151). Esse modelo vigora até os dias atuais e o SIL tem procurado atualizar seu papel civilizador e manter a subalternidade dos professores indígenas em encontros anuais, quase sempre patrocinados pela FUNAI e pelas secretarias de Estado. A rede de influências já consolidada pelas forças tradicionais da FUNAI, do SIL e de segmentos das universidades, não tem permitido a implantação da educação indígena proposta pelo MEC, isto é, aquela realmente fundada na realidade dos povos indígenas e nas suas reais necessidades. No entanto, há projetos em várias regiões do Brasil que vêm tendo sucesso nesse sentido. No Paraná, a consolidação do modelo implantado pela Escola Clara Camarão continua vigorando. Mesmo com a atuação, por quase dez anos, do NEI - Núcleo de Educação Indígena - da Secretaria Estadual da Educação do Paraná, os recursos aplicados em dezenas de cursos não resultaram em mudanças qualitativas. Houve de lá para cá a desativação do NEI-PR e o quase abandono das escolas. A municipalização das escolas das áreas indígenas se faz com todas as precariedades: falta de recursos e falta de pessoal que realmente entenda da problemática indígena3. Essa situação descrita acima ainda se evidencia nas escolas da T.I. Ivaí e pode ser percebida nas entrevistas realizadas com professores que lá atuam, com as lideranças indígenas e com funcionários da FUNAI. Nessas entrevistas fica explícito que continua havendo uma barreira cultural entre professores e alunos, a qual pode ser pensada como expressiva da incomunicabilidade entre duas sociedades diferentes. Não há diálogo cultural, não há troca de conhecimentos4 e, só muito recentemente tem sido demonstrado, da parte dos professores brancos, interesse em conhecer a cultura da sociedade à qual pertencem seus alunos. Os professores indígenas atuam apenas como monitores e como elos frágeis dessa relação que se estabelece na escola. Quando

questionados

sobre

o

RCNEI,

os

professores

não-índios

responderam que não foi oferecido nenhum curso de capacitação para conhecer e estudar a proposta do MEC para as escolas indígenas. E ainda afirmaram que não se sentem preparados para um ensino bilíngüe e intercultural, pois para isso necessitam, entre outros, de: cursos que tratem de questões teóricas e metodológicas para cada área do conhecimento; curso de língua kaingang para que possam aprender a língua e melhor se comunicar com seus alunos indígenas; cursos de história do Brasil, do Paraná e dos povos indígenas no Brasil e no Paraná para que de fato possam compreender a história e a realidade dos alunos indígenas com os quais trabalham. Ressentem-se também da inexistência de material didático específico e têm consciência do quanto isso dificulta o trabalho pedagógico a ser realizado, pois o material didático existente omite a história e a presença indígena.

3 4

TOMMASINO, K., A educação indígena no Paraná”. Texto apresentado na XXX Encontro da ABA, Brasília DF, 2000. TOMMASINO, K. A educação indígena no Paraná”. Texto apresentado na XXX Encontro da ABA, Brasília DF, 2000. p. 6.

156

Esses apontamentos demonstram a necessidade que os professores estão sentindo em compreender as especificidades socioculturais e históricas das sociedades com as quais estão lidando. A constatação fez ver que não só os professores desconhecem a verdadeira história regional como também nada sabem sobre a cultura dos grupos étnicos com os quais trabalham 5. Nas entrevistas as lideranças apontaram a importância do trabalho que a escola pode fazer para auxiliar na recuperação do conhecimento tradicional dos Kaingang. A juventude não conhece a história, os costumes e as tradições dos antigos6 e as lideranças acreditam que um caminho possível para essa recuperação da história tradicional seja através da escola e dos conteúdos que nela se ensina. Isso desde que estes estejam minimamente em consonância com o preconizado pelas diretrizes nacionais para as escolas indígenas, o qual prevê um ensino bilíngüe e intercultural e determina que os professores que lá atuam, estejam preparados para realizar o trabalho. Tal requisito implica um investimento sério e duradouro com vistas à formação e capacitação para o tratamento e entendimento da história e da realidade de uma comunidade específica de índios kaingang. Encerramos este item com o seguinte depoimento do cacique: Aqui nossos filhos estão estudando. Eu quero que estudem. Eu não estudei, (...) morreu tudo, meu pai, minha mãe, e eu não estudei. E eu hoje estou vendo, o estudo é em primeiro lugar. Mas muita coisa está mudando, muito, nós estamos conseguindo sim, e eu não quero esquecer nossos costumes. Por isso eu estou pensando, será que nós vamos fazer essa dança do índio? Vamos estudar, hoje eu estou vendo tudo isso, nós queremos deixar [manter] o costume do índio aqui dentro.”

5 6

TOMMASINO, K. A educação indígena no Paraná”. Texto apresentado na XXX Encontro da ABA, Brasília DF, 2000. p.:3. Fala do vice-cacique Marcílio Glicério.

157

Aspecto da Escola Salvador Venhy na T. I. Ivaí. Foto: Fabiana V. da Rocha, julho 2002

Crianças kaingang em frente à escola num intervalo de aula. Foto: Fabiana V da Rocha, setembro 2002

158

3.5

3.5.1

A QUESTÃO DA TERRA

O consenso sobre a insuficiência da terra

As lideranças ouvidas pela equipe foram enfáticas em afirmar que a terra da comunidade é insuficiente para abrigar as 287 famílias que lá vivem. Levando-se em consideração que em 1949, quando foi definido o tamanho da área, eram 67 famílias, num total de 335 pessoas, a mesma terra comporta 1.085 pessoas, é óbvio que as lideranças estão cobertas de razão. Com a devastação das florestas e a degradação do solo, a situação atual da terra é a maior preocupação da comunidade. A cada ano novas terras para cultivo são abertas e mais áreas de matas são sacrificadas sem que os resultados sejam suficientes para atender todas as necessidades das famílias. É o que mostram os depoimentos a seguir: É muito pouca. Nós temos oitocentas crianças agora, tudo pequenas. Se elas crescem, logo vai pegar ferramentas, vai roçar tudo. Por isso que nós estamos usando trator (...) nesse canto aqui para preservar nossas matas. Não pode derrubar. Devagar nós estamos fazendo comida pras crianças. Só nós pegamos em algum momento, outro vai e roça tudo. (Cacique Cabral) Sete mil e trezentos hectares. Como se vê hoje, não é suficiente [a terra], na população nós temos mil duzentos e cinqüenta índios. E aí quando a gente vê, hoje não é suficiente porque amanhã ou depois, nossos filhos vão ter dificuldade (...) não é suficiente prá eles. (Vice-Cacique Marcilio) Várias comunidades kaingang nos Estados do Rio Grande do Sul e Santa Catarina conseguiram recuperar parte das terras expropriadas no passado pelo Estado. É o caso das terras de Nonoai - RS, Irai - RS, Chimbangue - SC, Imbu - SC e outras. No Paraná está em andamento a recuperação das terras kaingang de Passo Liso (município de Laranjeiras do Sul) e Palmas (município de Palmas) e a Terra Xetá (municípios de Umuarama e Ivaté). A recuperação de terras indígenas segue um longo processo até que possa ser efetivado, pois inicia-se com a formação de um grupo técnico para a elaboração de laudo antropológico, ambiental e fundiário para que seja depois transformado em processo jurídico. Durante todo o tempo dos estudos técnicos é recorrente o surgimento de conflito aberto da sociedade local e todos os políticos contra as intenções das comunidades indígenas, a FUNAI e o Ministério Público Federal. Esses conflitos são responsáveis pelo alongamento do processo que pode durar vários anos até a conclusão e publicação do resultado no Diário Oficial.

159

A recomendação, possível nos limites deste trabalho, é que se constitua na FUNAI, em parceria com o Estado, um grupo técnico que realize estudo específico sobre a questão da terra em todas as comunidades indígenas para que possam discutir a viabilidade de ampliação daquelas consideradas insuficientes. As mudanças na Constituição Federal garantem aos índios direito às suas terras tradicionais e pode ser o argumento principal para a constituição desse grupo técnico. Os mapas confeccionados pela equipe técnica da UEM mostram o tamanho original das terras que tinham sido delimitadas pelos decretos de 1901, 1913, 1924 e 1949 podem ser utilizados como referências. Em 1949, quando a área do Ivaí foi reduzida de 36.000 ha. para 7.306 ha. calculou-se que havia 67 famílias com um total de 335 pessoas1. Atualmente a mesma área comporta 287 famílias num total de 1.085 pessoas. Convém registrar que na T.I. Ivaí, tal como nas outras áreas kaingang, o índice de natalidade é bastante alto e está acima da média nacional. Se fosse recalculado o tamanho da área pela população atual usando o cálculo do módulo mínimo do antigo INCRA, a Terra Indígena Ivaí deveria ter 25.500 hectares. Se for seguido o que reza a Constituição (artigo 231), seria muito maior, pois o alto e médio Ivaí era hábitat dos Kaingang no século XIX, conforme vimos no capítulo 1 deste diagnóstico.

3.5.2 Pessoas de fora da comunidade que trabalham/circulam pela T. I. Ivaí A comunidade kaingang do Ivaí convive desde o início do século XX com segmentos da sociedade nacional. Ao longo de sua história recente, os Kaingang vivenciaram a chegada dos funcionários do governo, dos missionários, dos professores, dos agentes das mais variadas instituições. Atualmente há dois funcionários permanentes na aldeia que moram de segunda a sexta-feira na aldeia e nos finais de semana retornam para suas casas, nas cidades. A FUNASA possui duas funcionárias que moram na aldeia. Os funcionários da Prefeitura de Manoel Ribas, da EMATER e o padre e a irmã da Pastoral Indígena não moram na aldeia, mas fazem visitas periódicas, conforme as agendas de cada instituição. Muitas escolas da região costumam fazer visitas à aldeia e a média é de uma excursão por mês, mas em abril pode chegar vários ônibus com alunos. A aldeia também recebe entregadores de compras uma vez ao mês quando os aposentados recebem e compram nos supermercados e em lojas da cidade.

1

O cálculo foi realizado a partir do critério utilizado pelo Estado para definir o tamanho das áreas indígenas no Paraná em 1949 quando foi feito o acordo que expropriou as terras dos índios. Foi usado o módulo mínimo do INCRA – 100 ha. para cada família de 5 pessoas mais 500 ha. para a implantação da estrutura indigenista (escola, enfermaria, escritório, casa do chefe de posto).

160

A presença e permanência de não-índios na comunidade é um dado da realidade e não causa estranheza aos índios porque, desde que passaram a ter chefes de posto e funcionários do indigenismo, os contatos com as famílias do entorno também é um fato já incorporado na história kaingang e hoje costumam receber times de futebol dos distritos e das cidades para disputas e também para participarem dos bailes.

3.5.3

Os invasores: pessoas não autorizadas que entram na T. I. Ivaí para caçar, pescar, coletar frutas, palmitos e retirar lenha A comunidade da T. I. Ivaí ainda recebe invasores clandestinos que são os

caçadores, pescadores e os sem-terra que estão acampados no limite sul da área. São brancos que entram na área sem autorização e de forma clandestina, principalmente nos fins-de-semana. Os índios só ficam sabendo de suas presenças pelos vestígios que deixam como arapucas, lixo ou sinais de fogo. Como muitos animais já estão em risco de extinção, as lideranças consideram bastante preocupantes essas invasões porque estão sendo roubados e não sabem dimensionar quanto os invasores estão extraindo de suas riquezas. Mas sabem que os brancos estão mais bem equipados que eles, com espingardas e redes de pesca que os índios não têm. Por outro lado, os sem-terra, acampados na divisa sul de suas terras, constituem um possível perigo, pois podem estar retirando madeira e lenhas para uso doméstico sem o conhecimento da comunidade. As lideranças discutem a necessidade de se fazer uma fiscalização ostensiva para coibir a presença de intrusos em suas terras e para isso necessitariam de pessoal treinado e viaturas para esse fim. (Ver Mapa de vulnerabilidades)

3.6

CONCLUSÕES O presente diagnóstico mostrou que o território kaingang na bacia do Ivaí se

expandiu no século XIX sobre terras que eram ocupadas por outras etnias. No século XX esse território, foi sofrendo retração com a chegada dos brancos que lhes subtraíram porções significativas em 1901, 1913, 1923 e 1949. A maioria dos problemas enfrentados pelos índios hoje está direta e indiretamente ligada à expropriação territorial. No item sobre a questão da terra foi mostrado que em 1949, quando foi calculada a área de 7.200 hectares (hoje, oficialmente, 7.306 ha.) a comunidade contava com 67 famílias (335 pessoas) e hoje ela possui 287 famílias num total de mais de 1.085 pessoas. Essa situação já se encontra no limite da insustentabilidade tanto do ponto de vista social quanto ambiental.

161

A análise da realidade cultural e socioeconômica mostrou que a sobrevivência das famílias da T. I. Ivaí depende totalmente das políticas públicas dos governos federal (FUNAI, FUNASA), estadual (Assessoria Indígena, Projeto Paraná 12 meses, EMATER) e municipais (Prefeituras de Manoel Ribas e Pitanga). A política da FUNAI que concentra todas as famílias numa só aldeia teve como objetivos o acesso aos equipamentos sociais como escola, ambulatório, escritório da instituição tutelar, às casas de alvenaria, à água tratada e encanada, à eletricidade e outras benesses da modernidade. No entanto, essa política trouxe várias conseqüências negativas tais como: a degradação do meio ambiente, a produção de lixo, à concentração de animais como galinhas e porcos que convivem soltos na aldeia gerando doenças, ao aumento dos conflitos entre famílias. A concentração das casas e das famílias numa só aldeia fere em tudo o sistema indígena de assentamento que sempre foi de se distribuir no território em pequenos grupos que formam as famílias extensas (grupos de ajutório) que constituem unidades domésticas de produção, distribuição e consumo. A concentração das famílias também trouxe outra grave conseqüência social: distanciou as famílias das roças familiares de coivara onde as crianças aprendiam os etnoconhecimentos para a vida adulta. A obrigatoriedade da escolarização também distanciou as crianças de outras atividades, como a caça, a pesca e a coleta, que também se constituíam espaços de socialização. Produziu-se uma ruptura geracional na comunidade e a população mais jovem já não detém os conhecimentos dos “antigos” ou os detém de forma fragmentada e fora do contexto social, ritual e simbólico. Concomitante ao processo de ruptura na socialização cultural indígena, o meio ambiente vem sendo devastado, degradado e dessacralizado. O solo está desgastado, os rios poluídos e contaminados. Com o aumento da população e a concentração numa única aldeia, todos esses processos de degradação ambiental e social ganharam em intensidade nas últimas duas décadas. A análise da economia indígena mostrou que no passado (até da década de 1950) os Kaingang do Ivaí viviam uma vida de abundância, quando ainda viviam dos recursos de suas florestas, campos e rios. Com a perda das terras e a degradação ambiental, a economia tradicional foi sendo substituída pela política de “desenvolvimento comunitário” implantada pelo SPI e FUNAI, sucessivamente. Cada vez mais dependentes das políticas públicas, vivem hoje precariamente das roças comunitárias, roças familiares e da venda do artesanato. A maior parte da população – 92% - não tem renda fixa e apenas 7% da população recebe aposentadoria e 1% é assalariada. De sociedade de abundância passaram à sociedade da escassez e a fome é uma realidade concreta que atinge várias famílias.

162

O quadro de desagregação da economia indígena, a dependência crescente ao sistema nacional e as várias formas de violência experienciadas pelos índios trouxeram como conseqüência o incremento do alcoolismo e dos conflitos internos entre grupos e intrafamília. A venda do artesanato tem levado os homens a viajarem para cidades da região, os quais, muitas vezes, alcoolizados, têm sido vitimados por atropelamentos, deixando filhos órfãos e viúvas na aldeia. O diagnóstico mostrou a importância das festas como rituais de integração social intragrupo e entre grupos, indígenas e regionais. Atualmente os Kaingang da T.I. Ivaí fazem bailes e jogos de futebol com freqüência e participam de festas católicas que congregam a população indígena e os brancos católicos do distrito de Bela Vista. Esses dados mostram que as festas continuam sendo central na elaboração cultural kaingang. Na questão da saúde vimos que a comunidade kaingang conta com assistência médica e odontológica permanente, conta com ambulatório bem equipado, transporte para os doentes e remédios. No entanto, o sistema implantado na T.I. Ivaí é o biomédico e não segue as orientações do Ministério da Saúde/FUNASA de integrar o sistema indígena que se caracteriza como plurimédico. Os saberes e tratamentos dos kuiã (curadores kaingang) e as suas concepções de corpo/saúde/doença/cura não são levados em consideração. A questão da educação foi outro ponto importante do diagnóstico que mostrou ser a educação formal oferecida nas escolas da T.I. Ivaí em tudo idêntica a das escolas rurais municipais. A educação formal oferecida às crianças e jovem tem caráter civilizatório e tem reforçado a perda e esquecimento da história indígena e seu universo cultural tradicional. Todos os professores são não-índios, e não foram capacitados para conhecerem a história e a cultura de seus educandos, e tem dificuldades de aplicarem o Referencial Curricular Nacional para as Escolas Indígenas do MEC que orienta os professores quanto à implantação do ensino bilíngüe e intercultural. Dezenas de cursos de capacitação dos professores foram oferecidos pelo Estado, universidades e ONGs para lecionarem nas escolas indígenas do Estado mas as secretarias municipais de educação não liberam os professores. Detectou-se que há grande interesse por parte dos professores os quais porém esbarram com problemas como falta de material didático específico sobre história e cultura indígenas, desconhecimento da língua de seus alunos e falta de mapas e equipamentos básicos. Como podemos perceber, os problemas apontados pelo diagnóstico são bastante complexos e envolvem questões de várias naturezas que se foram constituindo ao longo da história recente. Solucioná-los, total ou parcialmente, implica a participação de todos os órgãos direta e indiretamente responsáveis pelas políticas indigenista que atuam

163

na área. No âmbito deste projeto podem ser indicados alguns programas ambientais de curto e médio prazo e outros podem ser apenas apresentados como recomendações por fugirem da alçada do Fundo Nacional do Meio Ambiente/MMA.

164

CENSO ATUALIZADO DA POPULAÇÃO DA TERRA INDÍGENA IVAÍ ORGANIZADO POR FAMÍLIAS2

2 Fontes: Censo da FUNASA de 1999 e Censo da Funai de 2000. Nomes Kaingang coletados em pesquisa de campo realizado em 2002. As datas de nascimento que não coincidem aparecem os dois registros, sendo que, o referente ao Censo da Funai aparece entre parênteses. Organizado por famílias com destaque para o nome do chefe da família

165

Censo Atualizado da População da Terra Indígena Ivaí Organizado por Famílias N.º

Nome Português

Data de Nascimento

01

Abílio Mugsãnh Machado

30/06/1939

02

Maria de Jesus Machado

13/06/1936

03

Júlia Machado

21/04/1983

04

Zico Machado

10/09/1987

05

João Mauro Machado

08/08/1997

06

Adão Caetano

20/12/1977

07

Conceição Pantu

00/00/1978

08

Elizabeth Pantu

01/04/1994

09

Celina Caetano

15/03/1996

10

Adão Leopoldo

15/01/1976

11

Maria Conceição Batista

31/01/1975

12

Davi Felipe

06/12/1992

13

Júlio Felipe

27/02/1995

14

Raquel B. Leopoldo

21/09/1997

15

Adão Jãkuru Pereira

26/08/1971

16

Tereza Lucas Pereira

05/07/1973

17

Luciana Pereira

26/09/1988

18

Romildo Pereira

24/04/1992

19

Luciano Pereira

19/10/1994

20

Doraliço Pereira

18/02/1997

21

Jorgino Pereira

08/09/1999

22

Albano Fákrig de Abreu

20/04/1960

23

Carolina Vygmu de Abreu

20/06/1955

24

Nelson de Abreu

01/08/1980

25

Amilton Kókóg de Abreu

25/10/1984

26

Sulina de Abreu

02/08/1987

27

Carlos de Abreu

27/01/1995

28

Irondi de Abreu

12/03/1990

29

Lauro de Abreu

28/08/1992

30

Alberto Vásãnh da Silva

31

Angelina da Silva

01/01/1968

32

Sinei Tánh da Silva

15/04/1985

33

Sinelia Silva

28/02/1986

34

Floriza da Silva

09/09/1989

35

André da Silva

21/09/1991

/10/1959 (25/10/1975)

166

36

Adivina Kósãnh da Silva

00/01/1992

37

Márcia da Silva

11/02/1997

38

Marta da Silva

15/11/1999

39

Albino Kóg Téjé Borges

/ /1953 (17/08/1950)

40

Santa Bandeira

/ /1960 (15/01/1949)

41

Afonso Póvéjé Luiz de Abreu

/ /1950

42

Emília Grigsó Luiz de Abreu

/ /1954

43

Delico Luiz de Abreu

26/01/1979

44

Justina Kágte Luiz de Abreu

09/02/1982

45

José Egtótója Luiz de Abreu

05/04/1984

46

Emiliana Játe Luiz de Abreu

22/11/1987

47

João Maria Tãjug Luiz de Abreu

24/03/1990

48

Juliana Nevagte Luiz de Abreu

19/01/1993

49

Ângelo Sugtánh Luiz de Abreu

17/02/1995

50

Alcides Alípio Machado

51

Iracema Borges Machado

19/12/1959

52

Sebastião Alípio Machado

06/07/1981

53

Julindo Machado

17/06/1983

54

Aranildo Machado

04/01/1993

55

Rosenilda Machado

12/11/1999

56

Amélia Mugre Tiburcio Marcelino

03/09/1967

57

Maria Prág Joana Marcelino

27/10/1984

58

Jacinto Marcelino

20/07/1988

59

Sebastião Marcelino

14/11/1992

60

Antonio Gavej Alípio Gavaia

/ /1965

61

Aparecida Vernk

/ /1969

62

Sergio Tibúrcio

08/07/1986

63

Pedro Alípio Gavaia

19/06/1988

64

Dulcinéia Panãe Alípio Gavaia

16/08/1992

65

Alceu Alípio Gavaia

02/03/1995

66

Augusto Nunes dos Santos

12/12/1957

67

Antonio Aparício

68

Maria Aparecida Aparício

69

Antonio Nevaja Brum

70

Margarida Tánh Pinheiro

71

Alcindo Vãgkóg Brum

07/04/1994

72

Adinaldo Tãnhakág Brum

24/09/1997

16/04/1959 (16/04/1949)

/ /1933 (17/09/1939) / /1957 06/06/1978 / /1978

167

73

Antonio Tuja Juvenal

15/08/1927

74

Maria Carmem Juvenal

01/08/1922

75

Pedro Medagi

08/08/1975

76

Lenir de Jesus Luiz

/ /1966

77

Cleusa Luiz Juvenal

07/07/1981

78

Ana Lucia Luiz

27/11/1982

79

Jovair de Jesus Juvenal

02/05/1987

80

Antonio Kafãnh

06/10/1950

81

Maria Francisca Garimprág Crispim

82

Casturina Garimprág Kafãnh

20/07/1986

83

Antonio Vãgvaja Moraes

18/09/1973

84

Lúcia Garigmu Orides Zacarias

20/08/1977

85

Aldair Muraj Zacarías Moraes

10/08/1996

86

Alexandre Mukag Moraes

19/07/1998

87

Antonio Kumprág Kambe

20/04/1958

88

Aparecida Forygtãnh Viturino Kambe

23/10/1967

89

Rosana Rãnhgre Kambe

17/02/1989

90

Joana Kambe

11/04/1993

91

Alceu Kugsãnh Kambe

23/01/1994

92

Zael Vágjeg Vitorino

15/03/1995

93

Antonio Kãrygtánh Kambe Crispim

30/01/1966

94

Tereza Gajegvaja Crispim

20/07/1965

95

Neno Fórigso Crispim Kafanh Kambe

16/11/1983

96

Rosiane Pajegmu Crispim

28/10/1984

97

Albanisa Gavygso Crispim

31/10/1987

98

Roseni Muvygtãnh Kambe Crispim

01/10/1991

99

Rozeli Muvag Crispim

20/10/1997

100

Antonio Góge Leopoldo

10/09/1921

101

Maria Madalena Niyg

26/08/1933

102

Antonio Pinheiro

23/01/1977

103

Idalina korimba

16/07/1979

104

Levino Pinheiro

08/08/1997

105

Antonio Rodrigues

02/09/1965

106

Maria Casturina Garimprág Rodrigues

18/03/1960

107

Margarida Gakójó Rodrigues

25/01/1984

108

Alcindo Rodrigues

03/10/1987

109

Aparecida Rodrigues

19/01/1997

/ /1954

168

110

Lucinéia Rodrigues

17/09/1998

111

Antonio Gaón Tavares

/ /1970

112

Laurita Krevygmu Brum

/ /1976

113

Adimarene Gavaj Tavares

12/03/1993

114

Adimar Kóváj Brum

27/11/1996

115

Antonio Trajano

23/03/1950

116

Maria Clarinda

/ /1951

117

Ângelo Borges

13/03/1980

118

Regina Gagre Jorge

30/12/1980

119

Sangelo Jorge Borges

11/12/1997

120

Arcebiades Bandeira

/ /1951

121

Dorvalina Bandeira

/ /1960

122

Arcelino Ferreira

19/12/1972

123

Florinda Alípio

01/11/1974

124

João Ismae Kógmu l Ferreira

26/10/1989

125

Zenilda Ferreira

26/01/1992

126

Sebastiana Nevag Ferreira

20/01/1995

127

Florêncio Ferreira

17/07/1998

128

Argemiro Rãgtánh Glicério

12/06/1936

129

Cecília Mateus Nivégso Glicério

/ /1947

130

Jussara Vãgprág Glicério

/ /1963

131

Mário Kagnãg Glicério

/ /1983

132

Romancil Féjékóg Glicério

30/10/1985

133

Natália Glicério

22/12/1981

134

Mirosmar Pejmy Glicério

11/05/1997

135

Arlindo Felipe

20/01/1980

136

Maria Conceição Leopoldo

24/01/1982

137

Alexandre Felipe

19/05/1998

138

Arlindo Kambe

139

Juraci Frorigtánh Kublite

07/11/1969

140

Ernestina Grãnoro Kublite

23/08/1931

141

Adriana Kagtánh Kambe

17/05/1986

142

Joel Norygvajá Kambe

04/08/1988

143

Bruno Kugmri Kambe

23/01/1997

144

Augusto Vágjeg Brum

20/07/1950

145

Ana Anézia Jãnhmu Brum

20/01/1941

146

Lucindo Brum

/ /1967

/ /1980

169

147

Mazico Pirãmy Brum

/ /1982

148

Edith Krékrig Brum

02/10/1986

149

Surita Gasãnh Brum

02/01/1984

150

Joanísio Mégja Brum

02/01/1989

151

Natalício Kãmukág Brum

24/12/1993

152

Augusto Kóg Kafanh

03/08/1979

153

Rosana Tereza Muégsãnh Atanásio

12/02/1981

154

Junia Kafanh

09/01/1997

155

Jéferson Kafanh

22/09/1998

156

Aurélio Trajano

25/09/1971

157

Ataíde Egkóró Euvaristo

08/04/1981

158

Maria Trindade Euvaristo

14/04/1983

159

Santíssima Euvaristo

21/05/1987

160

Angelice Ningre Euvaristo

21/05/1999

161

Balbiana Kajã Luiz

162

Juviliano Luiz

02/03/1985

163

Euclides Luiz

05/04/1987

165

Bernardo Kág Gregório

06/03/1958

166

Tereza Kanekuãnh Gregório

167

Maria Gregório

20/09/1980

168

Sebastiana Gregório

04/02/1982

169

Carolina Sãnh Gregório

07/09/1984

170

Carolina M. dos Santos

05/04/1967

171

Cícero dos Santos

09/07/1985

172

Adelir do Santos

02/02/1988

173

Cidália Korimba

23/12/1983

174

Jair Korimba

29/07/1997

175

Clarindo Gatu da Silva

176

Aparecida Bento

05/06/1975

177

Natalício da Silva

23/12/1997

178

Cláudio Kãgin Brum

05/08/1978

179

Lucinda Gavygkre Alípio

05/05/1989

180

Joenilson Mygso Brum

18/05/1993

181

Anilson Kunyg Brum

05/07/1997

182

Cristiano Gavaia

01/06/1972

183

Ana Josefa dos Santos

184

Jurel Gavaia

30/08/1960 (15/12/1958)

/ /1948

/ /1979 (03/06/1978)

/ /1971 10/01/1992

170

185

Diraci Machado

13/06/1983

186

Direne M. Felipe

05/08/1996

187

Jhoni Menkoreng

19/01/1999

188

Dirceu Pereira

25/04/1981

189

Rosalina Ferreira

01/06/1981

190

Geovani Pereira

01/08/1997

191

Dirço Novakág Oliveira

12/08/1977

192

Lúcia Correia

08/11/1980

193

Clarice Oliveira

18/10/1997

194

Domingos Katosón Zacarias

08/09/1978 (08/09/1979)

195

Regina Rémprág Ninvaia

22/10/1979 (22/10/1978)

196

Dulce Garig Ninvaia Zacarias

28/02/1996

197

Adenilson Gotãnh Zacarias

17/03/1999

198

Dorli Pereira

199

Iraci Vernek

200

Daniele Vernek

28/01/1990

201

Rosilei Vernek

03/03/1992

202

Rosangela Vernek

15/05/1994

203

Dorli Pereira

15/07/1974

204

Tereza Maria Kórinte Jorge

205

Claudinei Pereira

05/06/1954

206

Claudinéia Pereira

03/06/1997

207

Nilson Jorge

208

Dorival Alves Padilha

15/01/1936

209

Sebastiana Pereira

20/01/1959

210

Dirce Padilha

12/05/1981

211

Vilson Alves Padilha

07/08/1982

212

Simone Alves Padilha

19/09/1988

213

Valdecir Alves Padilha

17/03/1991

214

Carlos Eduardo A. Padilha

16/03/1994

215

Wilson Alves Padilha

26/01/1985

216

Ivone Alves Padilha

07/04/2000

217

Emília Leopoldo

05/11/1966

218

Gilberto Bandeira

19/12/1988

219

Luciano Bandeira

15/01/1991

220

Terezinha Bandeira

08/01/1995

221

Emílio Jorge

/ /1972

25/03/1958 (10/01/1959)

/ /1972 (09/10/1975)

171

222

Júlia Vitoriano

03/07/1977

223

Zael Vitoriano

15/03/1995

224

Ernesto Bandeira

/ /1946

225

Ernestina Bandeira

/ /1948

226

Juranda Batista Bandeira

227

Ernesto Vernek

228

Maria Rita Rigtánh Vernek

07/12/1955

229

Carlina Vernek

04/03/1993

230

Rosana Vernek

21/01/1982 (21/01/1988)

231

Mariana Vernek

21/11/1982

232

Alcindo Vernek

29/05/1984

233

Sandro Vernek

31/10/1986

234

Fernandes Bandeira

235

Ana Bandeira

236

Helena Bandeira

05/05/1980

237

Fernando Santiago Pereira

30/07/1977

238

Célia Machado

06/02/1981

239

Marilene Pereira

05/11/1996

240

Floriano Tanhkóg Glicério

05/02/1954

241

Jacira Kavygisanh Glicério

20/08/1957

242

Nadir Kreféjé Glicério

22/05/1974

243

Acir Vesonio Glicério

05/06/1981

244

Nívea Maria Glicério

28/04/1982

245

Rosenilda Kógre Glicério

01/02/1987

246

Rosemari Fátima Figrá Glicério

17/05/1981

247

Rosangela Krégso Glicério

28/12/1993

248

Florindo Gánjengá Kambe

02/06/1976 (16/09/1973)

249

Neuza Gagmu Brum

02/04/1979 (07/01/1975)

250

Luciana Kuragtánh Kambe

22/04/1994

251

Lucimar Rãgre Kambe

26/11/1997

252

Alexandro Novakrig Brum

23/10/1991

253

Floripa Natal Kajójné Felipe

254

Sebastião Felipe

18/07/1967

255

Antonio Felipe

22/09/1990

256

Sandra Felipe

22/09/1990

257

Francisco Brum

258

Maria Aparecida Brum

24/07/1984 / /1957 (23/12/1954)

/ /1947 (12/10/1927)

25/02/1954 (15/06/1950) / /1954 (10/08/1960)

172

259

Rosemilda Brum

03/03/1980

260

Claudir Kryry Brum

25/02/1981

261

Aparecida Vajprág Brum

18/07/1984

262

Marcia Brum

07/07/1986

263

Genilza Garág Brum

29/09/1989

264

Rosangela Brum

18/04/1994

265

Ronaldo Brum

16/04/1997

266

Erondina Brum

03/09/1998

267

Erica Brum Kambe

10/02/2000

268

Francisco Kragitánh Cabral

269

Rosa Mánãg Cabral

270

Sebastião Cabral

271

Joanita Cabral

05/11/1985

272

Francisco Gino Filho

06/05/1958

273

Maria França Gino

07/08/1957

274

Televina Gino Filho

20/09/1981

275

Marculano Gino

08/09/1983

276

Francisco Kãnhmari Kambari

277

Maria Kambari

20/12/1928

278

Carlos Kambari

/ /1974 (10/04/1975)

279

Sebastião Kambari

/ /1975 (18/011978)

280

Frederico Egimikokoni B.Nivaia

/ /1970 (10/07/1969)

281

Maria Anália Nivaia

19/10/1970

282

Valdemir Rágrin Nivaia

06/04/1990

283

Valdecir Nivaia

29/10/1996

284

Gabriel A . Paulino

03/07/1976

285

Jeovina Kambe

14/04/1977

286

Joelson Paulino Kambe

19/08/1996

287

Gabriel Cordeiro

288

Elvira Cordeiro

289

Sebastiana Cordeiro

17/02/1977

290

Maria Cordeiro

13/08/1983

291

Sebastião Cordeiro

30/05/1986

292

Alceu Kãprág Cordeiro

30/05/1989

293

Francisco Cordeiro

07/07/1995

294

Geraldo Nenrig Brum

295

Janete Nigá Gomes

20/09/1954 (22/06/1950) 18/06/1951

/ /1927 (11/011917)

/ /1952 (15/12/1953) / /1957

17/05/1974 (07/05/1971) / /1979

173

296

Dinaldo Kamutánh Brum

21/09/1996

297

Dinara Niga Brum

23/03/1999

298

Horácio Fórikág Pantu

/ /1956 (10/10/1959)

299

Gracilina Pereira Pantu

23/10/1958 (13/06/1957)

300

Maricana Pantu

301

Monica Pantu

302

Dirço Pantu

16/09/1980

303

Gilmar Pantu

22/01/1983

304

João Pantu

25/12/1986

305

Silvana Garmony Pantu

09/06/1990

306

André Pantu

24/10/1996

307

Ivan Kuita Rodrigues

15/12/1974

308

Kawane Rosa Kriri

28/02/1974

309

Wayã Kuita

05/04/1996

310

Jean Carlos Kuita

24/11/1997

311

Alexia Kuita Rodrigues

16/02/2000

312

Ivo Gásag Borges Nivaia

16/01/1957

313

Maria Cristina Gre Nivaia

04/01/1961

314

Salésio Nivaia

20/10/1980

315

Imélio Kagin Nivaia

22/04/1983

316

Sulina Nivaia

30/07/1985

317

Janice Nivaia

16/06/1990

318

Verginia Nivaia

04/09/1992

319

Ivo Pereira

02/06/1951 (06/06/1952)

320

Nair Pereira

25/12/1941

321

Jair Fóne Kafãnh

20/02/1965

322

Cristina Venhy

14/04/1961

323

Leandro Kafãnh

14/04/1983

324

Anilsa Kafãnh

17/12/1985

325

Margareth Fágre Kafãnh

28/08/1988

326

Janete Kafãnh

25/05/1991

327

Jocilene Kafãnh

22/06/1994

328

Jocimar Kafãnh

22/06/1994

329

Patícia Kafãnh

10/10/1996

330

Maurício Kafãnh

02/06/1999

331

Jair Korimba

332

Iracema Korimba

13/05/1993 06/19/1977 (16/10/1975)

01/06/1960

174

333

Rosenilda Korimba

02/12/1985

334

Francisca Korimba

01/03/1987

335

Lorenço Korimba

01/06/1992

336

Jesus Leopoldo

16/09/1978

337

Josefa de Abreu

05/02/1982

338

João Alves Padilha

27/09/1974

339

Divina Lourenço

01/10/1975

340

Valdino Krekag L. Padilha

26/06/1993

341

Claudimara Pasãnh Padilha

06/11/1995

342

Daniel Padilha

26/01/1999

343

João Nokrig Atanásio Aparicio

344

Conceição Tereza Atanásio

10/02/1963

345

Tercio Fágvaj Atanásio

14/02/1986

346

Adriana Tánh Atanásio

22/04/1990

347

Celso Atanásio

19/08/1993

348

João Batista Kambari

349

Maria Conceição Rodrigues

29/07/1962

350

Carlito Rodrigues

25/09/1981

351

Maria Aparecida Rodrigues

11/10/1984

352

Doracilda Rodrigues

06/12/1987

353

Jovenil Batista Kambari

18/11/1994

354

Erotildes Rodrigues

17/06/1993

355

Angelina Kambari

08/12/1995

356

João Krig Batista Felipe

09/06/1970

357

Adelina Correia

20/08/1967

358

Romilda Nigsãnh Gregório Correia

24/04/1987

359

Andersom Batista Felipe

30/09/1991

360

Mário Felipe

09/03/1994

361

Roseli Felipe

22/10/1996

362

Valmir Felipe

27/11/1999

363

João Borges

05/10/1976

364

Guilhermina Machado

07/09/1980

365

Reginaldo M.Borges

25/02/1996

366

Rosangela Borges

09/01/1998

367

João Brum

20/02/1921

368

Julia Brum

12/05/1921

369

João Carlos A Padilha

25/02/1969

11/02/1963 (11/02/1951)

/ /1979

175

370

Maria Aparecida Kambê

15/03/1963

371

Lúcia Tánh Kambê

05/01/1982

372

Luiz Carlos A Padilha

22/04/1984

373

Juliana Padilha

19/07/1986

374

Alexandre Alves Padilha

07/03/1988

375

Sueli A Padilha

23/04/1990

376

Iranildo Padilha

11/12/1991

377

Lucimara Padilha

01/08/1994

378

Cleonice Kambê

11/03/1998

379

Regimara Padilha

19/04/1998

380

Romildo A Padilha

22/03/2000

381

João Carlos Kambe

/ /1969

382

Maria Jurema Kambe

383

Davinho Kambe

23/03/1988

384

Vicentina Kambe

16/02/1986

385

Galdino Kambe

19/05/1993

386

João de Abreu

387

Anália Leonora Glicério Abreu

388

Deuzima de Abreu

15/12/7981

389

Azima Brum

18/02/1998

390

João Katánh de Abreu

391

Rosa Machado de Abreu

08/03/1964

392

Silvestre de Abreu

14/03/1987

393

Alcindo de Abreu

01/04/1985

394

Aª Apª Rosa de Abreu

14/05/1989

395

Mariana de Abreu

396

Valdivino Norãgtánh de Abreu

22/09/1996

397

Valdirei de Abreu

29/09/1998

398

João Nén kórég Decoreg

399

Maria Conceição Kupri

400

Francisca Tofy Generosreg

16/08/1939

401

João Maria Sãnhkag Decoreg

16/09/1979

402

Roberto Borges Padilha

14/10/1986

403

João França

23/04/1959

404

Balbina Tranquilino

/ /1925

405

Pedrico Franca

/ /1940

406

Terezinha Pinheiro

/ /1979

/ /1949

/ /1956

/05/1994

/ /1919 (25/02/1922)

176

407

Maria Madalena Custódio

25/11/1986

408

João Gregório

25/11/1920

409

Rosa Gregório

/ /1930 (12/05/1924)

410

Pedro Gregório

15/07/1968

411

Balbina Gregório

01/03/1975

412

Nelzia Machado

13/02/1993

413

João Nenkag Gregório Filho

15/06/1960

414

Maria Conceição Gregório

19/03/1969

415

Osmair Gregório

13/03/1988

416

Paulina Joféj Gregório

17/05/1990

417

Erotildes Gregório

09/06/1995

418

Aparecida Gregório

13/09/1997

419

João Laurindo Pinheiro

420

Tereza Conceição Lucas

421

Dorival Fermino Lucas

26/12/1986

422

Marina de Assis Lucas

29/11/1983

423

João Lourenço

28/08/1974

424

Lurdes Prág Alípio

30/08/1973 (30/08/1972)

425

Claudete Sukrig Lourenço

12/12/1989 (12/12/1989)

426

Ari Marco A Lourenço

06/02/1992

427

Dejanira Lourenço

22/04/1994

428

Fabrício Lourenço

29/04/1996

429

João Maria Niság Kafanh

09/05/1975

430

Natália Lucas

431

Leia Kafanh

432

Roni Kafanh

433

João Vénhkrig Pantu

10/05/1970 (20/10/1975)

434

Tereza Kakaja Nivaia

07/02/1968 (20/02/1970)

435

Rodésio Pãgfura Pantu

23/10/1986

436

Genésio Pantu

05/08/1988

437

Erinlu (Renê) Pantu

10/04/1992

438

Suelem Pantu

03/03/1997

439

Ileni Pantu

26/01/2000

440

João Paulo Krekág Kãfanh

16/01/1960

441

Maria Irene Kãfanh

19/08/1972

442

Casturina Kãfanh

31/08/1982

443

Fátima Kãfanh

19/10/1985

/ /1950 /

/1958

05/12/1978 (16/12/1979) 03/10/1993

177

444

Miguel Tãnh Kãfanh

02/02/1993

445

Romário Kãfanh

05/05/1998

446

João Nãgkág Pereira

25/08/1960

447

Maria da Luz Pereira

22/05/1951

448

Adelina Pereira

14/02/1991

449

João Kãgjã Rodrigues

13/11/1943

450

Maria Rosa Nytu Rodrigues

25/06/1951

451

José Bandeira

02/03/1918

452

José Pereira Bandeira

18/03/1983

453

João Kãgjã Vicente Donato

20/07/1946

454

Maria Nytu Sandica Bandeira

10/05/1918

455

João Sóró Zacarias

456

Maria Tygre da Luz Zacarias

13/08/1964

457

Jesus Kreryguaja Zacarias

04/11/1984

458

Maria Conceição Nãgkaja Zacarias

04/02/1990

459

Dival Krerykág Zacarias

12/10/1992

460

Juvita Karygmu Zacarias

02/08/1996

461

Joaquim Még jãvy Vekenâ

05/01/1958 (21/11/1956)

462

Noemia Nivégkág Vekenâ

15/12/1966 (26/09/1963)

463

Carolina Antonia Gavénhrig Vekenâ

15/06/1981

464

Sebastina Krevágtánh Vekenâ

23/01/1983

465

Casturina Gãmugsãnh Vekenâ

05/04/1987

466

Tereza Vékénã

23/05/1920

467

Rubens Gasãnh krig Vekenâ

23/08/1989

468

Soni Gavigkág Vekenâ

10/09/1992

469

Julieta Nigsu Vekenâ

11/03/1995

470

Rosenaldo Gavigtánh Vekenâ

01/05/1999

471

Joaquim Rá Venhy

20/08/1940

472

Marlene Fragoso Venhy

20/06/1946

473

João Venhy

474

Adelino Venhy

31/10/1997

475

Aparecida Venhy

06/07/1979

476

Marica Venhy

/ /1982

477

Jobrair Braz Tibúrcio

/ /1979

478

Selestina Machado Abreu

479

Eliseu de Abreu

480

Adelice Tibúrcio

/ /1930 (05/02/1936)

/ /1973 (20/08/1977)

02/03/1978

178

481

Jocimar Alves Ribeiro

482

Pedrolina Machado

483

Natalia Glicério

484

Erondina Brum

485

Joel Kainhri Brum

08/02/1974

486

Maria de Lurdes Krevagte Zacarias

10/14/1976

487

Geraldina Emi Brum

25/06/1996

488

Geraldino Pãi Brum

13/04/1994

489

Juliano Nenso Brum

20/07/1997

490

Jorge dos Santos

19/08/1967

491

Aparecida dos Santos

06/08/1974

492

Sandra dos Santos

06/09/1989

493

Nilson dos Santos

16/06/1998

494

Sandro dos Santos

06/03/1993

495

Marlene dos Santos

25/09/1995

496

Vanderley dos Santos

17/06/1997

497

Ironi dos Santos

26/01/2000

498

Jorge Kambari

05/04/1973

499

Lidiana Sãnh Rodrigues

01/04/1970

500

Julia Kambari

06/07/1992

501

Juliana Kambari

29/12/1993

502

Juliano Kambari

20/12/1996

503

Jorgina dos Santos

19/08/1950

504

Levino Caetano

505

Nair Caetano

30/07/1984

506

Margerete Kambe

03/05/1994

507

Sueli Caetano

26/09/1979

508

José Alves Padilha

02/09/1929

509

Iolanda Alves

14/07/1944

510

Maria Aparecida Padilha

10/09/1967

511

Paulo Assunção Padilha

04/03/1993

512

Marli A . Alves Padilha

10/09/1967

513

Leandro A . Padilha

02/06/1992

514

José Augusto Mréré Arruda

515

Maria Conceição Arruda

516

Paulino Augusto

19/06/1972

517

Joana Augusto

11/02/1985

/ /1966 (17/12/1974)

179

518

Balbina Augusto

/ /1929

519

José Carlos Alves

25/08/1969

520

Deliza Kórigsãnh Bernardo

12/03/1978

521

Ozeis Kupe Alves

14/02/1995

522

Osvair Kavéjé Alves

16/10/1998

523

José Crispim

524

Maria Joana Jorge

18/11/1959

525

Ângelo Cristiano Jorge

10/06/1983

526

Maria Helena Firmino

24/04/1991

527

José Domingos Glicério

21/09/1970

528

Tereza Machado

15/10/1974

529

João Glicério Batista

16/06/1989

530

Pedro Glicério

14/06/1992

531

Marcia Glicério

01/04/1996

532

Josefa da Silva

/ /1941

533

Valdo da Silva

/ /1977

534

José Felipe

12/05/1972

535

Candinha da Luz Brum

08/02/1970

536

Adelvino Novig Felipe

25/07/1991

537

João Rafael Brum

17/09/1987

538

José Fragoso

539

Cristina Fragoso

22/09/1963

540

Natalia Fragoso

20/06/1980

541

Heloisa Fragoso

09/05/1985

542

Vilson Fragoso

19/09/1989

543

Antonio Fragoso

16/01/1992

544

José Kãmenigreg Glicério

07/12/1974

545

Orlanda Nivaia

15/11/1973

546

Sandra Vernek

16/01/1993

547

Santa Krog Vernek

14/04/1995

548

Sandina Vernek

02/09/1998

549

José Kambe

22/03/1959

550

Carolina Jorge Kambe

19/05/1962

551

Jurema Kambe

20/06/1977

552

Joanito Kambe

20/08/1987

553

Renilton Kambe

20/11/1982

554

João Carlos Kambe

01/08/1990

/ /1967

/ /1962 (25/09/1959)

180

555

Maria Roseli Kambe

01/01/1994

556

Irani Kambe II

01/03/1996

557

Jose Kambe

09/08/1974

558

Casturina K. Pantu

15/02/1972

559

Jonito Togsa Kambe

29/06/1989

560

Imélia Kambe

26/09/1991

561

Romário Kambe

07/01/1994

562

Ronaldo Kambe

29/08/1996

563

Romair Kambe

04/03/1999

564

José Lucas

20/03/1970

565

Lúcia Alípio Lucas

20/07/1971

566

Beto Lucas

07/04/1988

567

Mariza Lucas

30/09/1990

568

Adelino Lucas

01/09/1992

569

Vergílio Lucas

13/09/1995

570

Elizelton Lucas

03/11/1998

571

José Machado

09/03/1967

572

Maria Casturina Gregório

06/08/1974

573

Silvana Machado

05/06/1991

574

Vilma Machado

10/03/1993

575

Josemar Krésãnh Ribeiro

26/06/1972

576

Clementina Kórig Glicério

04/09/1974

577

Cleonice Krãnér Alves Ribeiro

04/12/1990

578

Cleudenice Krengá Ribeiro

08/03/1993

579

Jaciele Jogjóro Ribeiro

22/07/1994

580

José Rosa

05/03/1943

581

Tereza Bandeira Rosa

20/04/1953

582

Madalena Rosa

06/03/1984

583

José Órog Trajano

14/05/1944

584

Francisca Migkane Glicério Trajano

05/09/1941

585

Roberto Kóg Trajano

15/01/1973

586

Tereza Trajano

04/03/1976

587

Rosalina Trajano

17/09/1982

588

Idalecio Trajano

04/01/1985

589

Madalena Trajano

03/04/1987

590

Joana Trajano

05/05/1992

591

Luciana Trajano

06/08/1980

181

592

Lucélia Rodrigues

14/06/1998

593

Aurélio Novaja Trajano

25/09/1971

594

Josué Pãtu Pantu

29/03/1924

595

Josefa Pantu

25/01/1940

596

Domingos Pantu

28/06/1973

597

Jovino Fermino

08/08/1981

598

Maria Florinda Felipe

29/12/1980

599

André Fermino

10/09/1998

600

Júlio Generoso

601

Júlio Jorge

602

Francisca Evaristo

23/03/1965

603

Elizeu Fóryg Evaristo

24/04/1983

604

Francisco Jorge

20/03/1993

605

Josefa Nãg Kambari

15/03/1986

606

Maria Jesus Kambari

26/10/1990

607

João Batista Kambari

15/03/1986

608

Julinda Jorge

26/09/1999

609

Julio Moraes

/ /1925

610

Maria Moraes

/ /1923

611

Juraci Oliverio

01/07/1982

612

Rodimar Oliverio

03/10/1998

613

Justina Vernek

614

Adilson (Dirço) Glicério

15/03/1975

615

Maria de Jesus Vernek

03/08/1973 (28/06/1972)

616

Clarice Nemu Vernek Glicério

18/06/1993 (18/06/1995)

617

Denilson Glicério

23/06/1998

618

Darci Vernek

31/01/1990

619

Juvêncio dos Santos

12/04/1951

620

Iara Cornélio dos Santos

01/01/1952

621

Jair Cornélio dos Santos

19/02/1972

622

Rosana dos Santos

25/05/1978

623

Michele Cornélio dos Santos

624

Valdir dos Santos

625

Valdeir dos Santos

15/07/1994

626

Priscila Cornélio dos Santos

18/06/1999

627

Laurentino Kãsé Oliverio

628

Livina Matias Oliverio

/ /1975 (02/07/1973)

/ /1930 (14/08/1935)

06/10/1972 (06/10/1996)

20/05/1946 (20/05/1956) 15/02/1958

182

629

Joana Oliverio

24/06/1984

630

Pedrona Oliverio

631

Joaquim Fágmu Oliverio

22/06/1987

632

Amiltom Oliverio

02/03/1990

633

Valmir Vigtãg Oliverio

30/10/1992

634

Anderson Oliverio

04/02/1995

635

Leôncio Nokrig Generoso

14/09/1967

636

Tereza Gino Filho

13/06/1974

637

Severino Rãnhkág Gino Generoso

24/03/1992

638

Dinácio Vãgso Generoso

26/10/1994

639

Levino Kakojvesa Leopoldo

17/01/1959

640

Carolina Grigte Kambari

18/06/1953

641

José Pye Leopoldo

07/01/1982

642

Suzana Veãgkój Leopoldo

08/04/1987

643

Liversa Vijeg Olivério

21/05/1979

644

Leandro Kambe

08/06/1996

645

Lourenço Gavaia

25/10/1924

646

Francisca Gavaia

20/08/1930

647

Tereza Tánh Gavaia

13/05/1961

648

Carolina Gavaia

21/05/1967

649

Belarmina Gavaia

01/06/1971

650

Zumira Gavaia

10/08/1982

651

Osmarina Gavaia Glicério

30/11/1990

652

Cristiano Gavaia

01/06/1972

653

Luiz Carlos A Padilha

10/06/1971

654

Helena Decoreg Borges

10/04/1970

655

Silmara A Padilha

27/12/1988

656

Zenildo A Padilha

15/10/1990

657

Jussara A Padilha

30/11/1992

658

Laurao A Padilha

13/02/1996

659

Luciano A Padilha

19/08/1998

660

Luiz Carlos Generoso

661

Edna Generoso

17/08/1996

662

Lucimara Generoso

01/07/1998

663

Luiz Kamprág da Silva

03/09/1963

664

Maria Kuri da Luz Silva

14/06/1966

665

Eliana F da Silva

15/08/1984

24/06/1994 (24/06/1984)

/ /1976

183

666

João Miltom da Silva

24/06/1986

667

Silvio da Silva

05/04/1992

668

Natalice Kygnãg da Silva

24/12/1996

669

Laurinda Tomas Bento

/ /1910

670

Lurdes Fákág Kambe

10/01/1973

671

Adelízio Kãnãni Kambe Brum

04/08/1993

672

Josemar Gakóg Kambe

13/03/1996

673

Franciele Gahigtánh Kambe

21/10/1999

674

Marcelino Borges

15/05/1974

675

Maria Luiz Borges

25/09/1975

676

Fátima Borges

04/06/1993

677

João Maria Borges

22/09/1995

678

Juvilia Borges

26/07/1997

679

Jocemar Borges

29/09/1999

680

Marcelo Felipe

07/12/1965

681

Júlia da Silva Felipe

18/08/1953

682

Abílio Felipe

03/09/1979

683

Antonio M Felipe

09/04/1982

684

Mariano Felipe

21/07/1984

685

Laércio Felipe

03/07/1987

686

Alzira Felipe

29/08/1992

687

Marina Felipe

02/12/1998

688

Maria Conceição Zacarias

08/10/1952

689

Cristina Zacarias

06/02/1984

690

Nelson Zacarias

12/08/1978

691

Marcílio Kampiri Glicério

692

Maria Mugagtãnh Trindade Glicério

25/09/1968

693

Márcia Kuprág Glicério

10/04/1987

694

Aldair Kófénág Bernardes C Glicério

22/02/1993

695

Jefferson Kapêg Silas

21/11/1998

696

Francisca Gaso Glicério

21/05/1927

697

Marcondes Rosa

17/05/1950

698

Maria Murigte Conceição Rosa

699

Maria Cristina Réngrig Rosa

20/06/1970

700

Sebastião Kakag Rosa

20/03/1974

701

Maria Murãg Rosa

05/10/1976

702

Tereza Rosa

20/08/1978

/ /1963

/ /1944

184

703

Rosenilda Rosa

10/06/1981

704

Maria Carolina Rosa

02/10/1993

705

Maria da Luz Rosa

08/11/1983

706

Manoel Pegkókir Barbeiro

12/10/1927

707

Luisa Barbeiro

/ /1930

708

Manoel Crispim

10/06/1965

709

Eva Pereira Crispim

01/06/1968

710

Antonio Crispim Sobrinho

711

Ademir Crispim

03/07/1986

712

Rosana Crispim

24/04/1990

713

Rosilda Crispim

19/03/1993

714

Rosemare Crispim

18/01/1995

715

Adilson N Crispim

15/06/1999

716

Manoel Sãsã Lourenço

10/04/1923

717

Maria Vanprág Trajano Lourenço

03/07/1924

718

Salete dos Santos

03/11/1986

719

Maria Caetano

720

Juca Machado Quinhento

19/01/1989

721

Joana P. Kafãnh

06/08/1983

722

Maria Carolina Zacarias

06/09/1981

723

Fernanda de Abreu

19/03/1999

724

Maria Casturina de Abreu

07/04/1977

725

João Mario Rodrigues

726

Casturina Rodrigues

727

João Rodrigues Filho

728

Juranda Rodrigues

27/02/1979

729

Jovanice Rorigues

10/06/1997

730

Maria Conceição Kupri

08/04/1901

731

Arlete Rignãg dos Santos

04/06/1956

732

Pedro Benedito de Abreu

22/01/1965

733

Mª Conceição Pantu Jorge

20/04/1948

734

João Maria Jorge

29/08/1949

735

Fernando Jorge

20/07/1983

736

Natália Jorge

10/12/1986

737

Imélio Vikpry Jorge

20/11/1989

738

Maria Cristina Venhy

06/04/1927

739

Maria de Jesus Machado

17/09/1940

08 06/1965 (08/06/1985)

12/06/1947 (15/11/1921)

09/05/1979

185

740

Renato Machado

741

Sirlene Machado

29/06/1985

742

Adelita Machado

12/02/1888

743

Maria de Lurdes Juvenal

23/02/1960

744

João Batista Augusto

24/02/1986

745

Daniel Juvenal Rodrigues

23/02/1991

746

Joanilda de Abreu

14/06/1982

747

Maria Elza Te da Silva

25/04/1958 (25/04/1959)

748

Alcebíades os Santos

05/01/1982

749

Darvelino dos Santos

28/02/0984

750

Valdevino Gakug dos Santos

26/04/1990

751

Salete dos Santos

03/11/1986

752

Gil Mácio dos Santos

08/03/1999

753

Maria Glória França

754

Margarete Alípio

23/02/1992

755

Maria Miranda Lucas

20/03/1945

756

Carlito Lucas

10/10/196

757

Maria Odete da Silva

07/08/1967

758

Severina da Silva

09/02/1998

759

Maria Josefa Zacarias

06/12/1934

760

Maria Rosa Pasãnhmu Arruda

05/11/1953

761

Alcindo Kambe

16/12/1984

762

Maria Gracilia

/ /1970 (13/07/1928)

763

Maria Trindade Fermino

16/03/1941

764

Aparecida Fermino

06/06/1969

765

Maria Rosa Fermino

12/12/1988

766

Carolina Fermino

01/05/1989

767

Mário Kãi Camargo

05/03/1979

768

Maria Francisca de Abreu

29/06/1977

769

Marcela Camargo

20/02/1999

770

Rosenilda A Camargo

22/11/1996

771

Mario Fág Tóg Venhy

17/08/1967

772

Maria Gravigtánh Pantu Venhy

20/08/1966

773

Nario Vãg Venhy

15/10/1982

774

Zeli Venhy

13/10/1984

775

Marinho Venhy

22/08/1986

776

Alice Kátia Venhy

04/09/1988

/ /1975

186

777

Regina Venhy

24/07/1991

778

Adelma Venhy

20/11/1993

779

Ricardo Venhy

15/01/1997

780

Rosilda Venhy

26/11/1999

781

Martins França

16/09/1970

782

Maria Natália L. Cobra

13/09/1979

783

Rafael França

03/06/1994

784

Maurice França

18/03/1997

785

Miguel Krigváji Kublite

05/01/1973

786

Márcia Grevaj Eufrásio Anastácio

01/06/1981

787

Oriel Fótãg Junior Kublite

03/05/1997

788

Moacir Zacarias

789

Maria Tereza Nivygsãnh Zacarias

790

Adilson Zacarias

02/04/1996

791

Cassemiro Zacarias

09/01/1984

792

Abílio Kókrig Zacarias

08/04/1986

793

Nelson Cristiano Náj Augusto

14/03/1964

794

Maria Luiza Augusto

03/03/1965

795

Jair Augusto

14/01/1982

796

Dirce Augusto

15/06/1983

797

Silvia Helena Augusto

04/12/1988

798

Sebastião Augusto

10/02/1992

799

Tereza Augusto

15/09/1998

800

Nelson de Abreu

01/08/1980

801

Maria Luiza Rosa

24/10/1981

802

Rucemar Rosa Abreu

11/10/1997

803

Nilton Resãnh Glicério

04/02/1976

804

Conceição Naruj Machado

15/10/1978

805

Romildo Tãnhprág Glicério

06/01/1995

806

Irani Kasoro Glicério

23/01/1997

807

Olegário Caetano

/ /1920

808

Matilde Caetano

/ /1930

809

Orlando Rygry Ninvaia

12/12/1965

810

Julia Ninvaia

16/06/1967

811

Marcos Ninvaia

23/11/1985

812

Ronaldo Ninvaia

13/07/1988

813

Daniela Frorigtãnh Ninvaia

22/11/1992

/ /1960 09/01/1984 (02/01/1960)

187

814

Franciele Gagféjé Ninvaia

04/10/1995

815

Gisely Gyfynhy Ninvaia

31/07/1997

816

Osmindo Kajer Bernardo

817

João Batista Bernardo

24/06/1983

818

Maria Josefa Gasóg Bernardo

19/03/1986

819

Maria Clarice Bernardo

21/10/1988

820

Osvaldo Aparicio

/ /1972 (19/08/1978)

821

Maria Eva Cobra

/ /1977

822

Adelina Aparício

08/12/1995

823

Juvino Aparício

22/07/1998

824

Otacílio Krenhni Borges

20/09/1930

825

Otávio Ferreira

15/01/1948

826

Maria Rugte Gino Ferreira

20/11/1948

827

Cecília Ferreira

22/01/1983

828

Silvana Ferreira

15/10/1987

829

Adilson Ferreira

00/00/1995

830

Justina Ferreira

27/05/1975

831

Ivanildo Krerygvaja Ferreira

25/08/1991

832

Franciane Ferreira

30/09/1999

833

Jucelino Ferreira

03/01/2000

834

Paulo César Luiz

28/05/1989

835

Maria (Curandeira)

836

Paulo de Abreu

18/06/1960

837

Maria de Abreu

25/12/1968

838

Zenaide de Abreu

20/07/1979

839

Paulo de Abreu

02/08/1982

840

Alberto de Abreu

22/08/1984

841

Solando de Abreu

20/02/1987

842

Sinira de Abreu

19/08/1989

843

João Maria de Abreu

20/06/1995

844

Francisco de Abreu

06/06/1997

845

Sebastião de Abreu

20/03/1992

846

Paulo Fákág Kafãnh

05/06/1940

847

Maria Kómóg de Jesus Kafãnh

21/04/1944

848

Vanda Kafãnh

25/10/1975

849

Cecília Kafãnh

24/07/1984

850

Santíssima Grigtánh Evaristo

19/09/1987

/ /1981

188

851

Paulo Kambari

/ /1970

852

Luiza Nekaja Kambari dos Santos

853

Maria Helena Kambari

12/11/1989

854

Leo Kambari

07/09/1993

855

Lauro Kambari

16/08/1996

856

Paulo Tugmãg Ninvaia

857

Maria Féngre Catória Ninvaia

25/03/1969

858

Augustinho Rotãg Ninvaia

28/08/1981

859

Maria Sutéria Ninvaia

01/10/1983

860

Vilson Gakág Ninvaia

07/12/1986

861

Genilson Nirogtãg Ninvaia

25/01/1991

862

Aparecida Mugasãnh Ninvaia

25/10/1994

863

Paulo Rodrigues

15/04/1978

864

Luciana Trajano

06/08/1980

865

Lucélia Rodríguez

14/06/1998

866

Aldinéia Rodrigues

08/04/2000

867

Pedro Ananias Ninvaia

20/04/1920

868

Zoraide Tãnh B. Ninvaia

14/07/1945

869

Rosana Inhpruja Ninvaia

15/12/1983

870

Pedro Fupri Camargo

/ /1959

871

Maria Brum Camargo

20/08/1959

872

Zico Camargo

05/04/1982

873

Samuel Camargo

30/04/1984

874

Sócrates Camargo

14/03/1986

875

Adriana Camargo

11/09/1993

876

Simone Camargo

21/05/1988

877

Valdir Camargo

05/01/1997

878

Pedro Kojanã Felipe

/ /1921

879

Ana Felipe

/ /1921

880

Pedro Karéj França

02/03/1930

881

Maria Jêngere de Jesus França

03/05/1948

882

Silvino França

04/06/1974

883

Domingos Gakirig França

884

Luana Muvénhprág França

885

Pedro Venhkuprig Jorge

886

Maria Luiza Garignãg Jorge

07/06/1984

887

Nilson Jorge

16/11/1988

/ /1970 (12/10/1979)

/ /1967

/1977 05/12/1983 / /1959

189

888

Pedro Kasãnh Kambe Jango

15/11/1959

889

Cacilda Nivigtánh Kambe

26/01/1963

890

Rogério Kambe

17/09/1987

891

Henrique Kambe

12/09/1990

892

Maria Roseli Kambe

11/06/1982

893

Adilson Kambe

02/03/1995

894

Pedro Pránh Kublite

13/06/1956

895

Conceição Nisãnhkág Kublite

12/12/1957

896

Marcio Vygvaja Kublite

11/12/1984

897

Luzia Figte Kublite

28/11/1989

898

Cesarina Rinprág Kublite

16/07/1997

899

Maria Borges

07/10/1910

900

Pedro Rafael

901

Francisca Luiz

902

Franciele Luiz

903

Rosiele Luiz

904

Pedro Régvãnh Tibúrcio

08/09/1954

905

Tereza Ténh Tibúrcio

08/10/1950

906

Laudelino Rékág Tibúrcio

20/07/1985

907

Maria Fátima Rugnig Ap. Tibúrcio

05/10/1987

908

Maria Rosa Kivig Tibúrcio Kuvén

09/06/1990

909

Jobrair Mytinhy B. Tiburcio

29/01/1979

910

Pedro Vernek Glicério

01/06/1978

911

Isaura Camargo

05/04/1980

912

Denilda Vynkójó Glicéiro Camargo

16/01/1996

913

Denildo K. Vernek Glicério

29/10/1997

914

Procópio Torig Alípio

18/10/1956

915

Santa Rosa FógTánh Alípio

18/10/1935

916

Sebastião Kóku Alípio

21/01/1983

917

Edenilson Kókojo Alípio

03/01/1985

918

Regina Machado

12/10/1974

919

Anilton Machado

03/04/1993

920

Matino Machado

13/08/1998

921

Reinaldo Glicério

18/04/1981

922

Maria Isabel Riguaja Kambe

07/07/1980

923

Marilene Glicério

18/10/1998

924

Dorvalina Glicério

/ /1944

06/08/1972

190

925

Renato Caetano

926

Adelaide Sãsãnh Caetano

17/05/1971

927

Roseli Vasãnh Caetano

18/12/1985

928

Ana Alice Caetano

28/01/1989

929

Ricardo Crispim

/ /1963

930

Ana Maria Rugte de Abreu

/ /1964

931

Dermina e Abreu

11/11/1984

932

Sebastião de Abreu

27/11/1987

933

Josica Crispim

03/12/1991

934

Madalena Crispim

06/11/1920

935

Roselia Crispim

02/03/1996

936

Roberto Carlos Vanhvája dos Santos

937

Pulcina Nesãnh Machado

09/07/1975

938

Dalécio Alves

18/11/1992

939

Idaléria Sãngre Santos

31/01/1996

940

Adriano dos Santos

11/06/1998

941

Roberto Fermino

08/09/1974

942

Maria Jandira Jorge

25/04/1982

943

Antonio Jorge Fermino

20/04/1996

944

Lucimara Fermino

30/10/1998

945

Rodrigo Rokag Camargo

13/04/1976

946

Maria Gará Aparecia Zacarias

23/09/1979

947

Cínara Zacarias Camargo

13/02/1996

948

Bruna Camargo

27/05/1998

949

Roque Ryvaj de Abreu

/ /1963

950

Maria Vygtánh Augusto

20/06/1972

951

Conceição de Abreu

952

Fátima Nigánte de Abreu

953

Sebastião de Abreu

954

Ronilda de Abreu

07/10/1990

955

Delcina de Abreu

31/12/1992

956

Pulcina de Abreu

28/11/1995

957

Miguel de Abreu

19/05/1997

958

Rubens Kaguj Glicério

14/09/1976

959

Feliciana Kójengre Luis

26/01/1974

960

Augusto Glicério

27/10/1991

961

Adriano Glicério

02/10/1993

/ /1976

/ /1986 01/09/1985 / /1988

191

962

Juliano Mathias

27/02/1996

963

Sadi M. Rosa

15/06/1951

964

Josefina Rosa

01/01/1959

965

Cecílio Rosa

05/01/1994

966

Santana Ninvaia

19/01/1961

967

Emilia Garãgtánh Ninvaia

968

Ângela Ninvaia

22/11/1982

969

Angelina Ninvaia

12/09/1984

970

Valnei Fágtánh Ninvaia

10/08/1988

971

Valéria Ninvaia

28/10/1992

972

Higor Borges Ninvaia

16/09/1994

973

Maria Conceição Krenso

12/10/1920

974

José dos Santos

/ /1920

975

Cristina Ninvaia

10/04/2000

976

Angélica Ninvaia

19/09/1986

977

Santilho Batista

16/06/1967

978

Casturina Machado

15/03/1973

979

Camilo Batista

18/02/1989

980

Ronaldo Batista

31/05/1994

981

Claudito Batista

03/06/1997

982

Claudelice Batista

18/09/1999

983

Sebastiana Augusto

10/05/1975

984

Marciana Augusto

15/03/1994

985

Sebastiana B. Felipe

20/09/1968

986

Nilton Felipe

25/05/1982

987

Bendes Felipe

25/10/1986

988

Sebastiana Caetano

22/02/1954

989

José Caetano

990

Ângela Caetano

23/11/1984

991

Amadeu Caetano

13/10/1988

992

Matilde Symãgtu Caetano

20/02/1991

993

Gorete Caetano

13/04/1995

994

Sebastião Kaprág Cordeiro

15/11/1961

995

Júlia Euclides

02/07/1971

996

Oscar Valério Cordeiro

26/08/1986

997

Osmar Cordeiro

23/06/1991

998

Jorge Cordeiro

10/03/1993

/ /1960

/ /1977

192

999

Sebastião Vigtánh Crispim

21/10/1963

1000

Maria Crispim

13/11/1963

1001

Acemiro Crispim

12/05/1982

1002

Amiltom Crispim

28/09/1984

1003

Cleber Crispim

21/10/1995

1004

Sebastião Vugmág Ferreira

08/10/1977

1005

Nair Glicério

15/02/1976

1006

Francismar Ferreira

21/08/1997

1007

Sebastião Juvenal

15/10/1973

1008

Silei Machado

02/11/1980

1009

Claudinéia Juvenal

05/12/1998

1010

Sebastião Korimba

25/02/1977

1011

Sebastião Rygta Machado

19/09/1959

1012

Lídia Machado

08/07/1959

1013

Silvestre Machado

31/12/1985 (31/12/1988)

1014

Silveira Machado

23/07/1988 (23/07/1998)

1015

Elizete Machado

29/06/1993

1016

Sebastião Ninvaia

09/08/1976

1017

Janaina Kuita

14/09/1979

1018

Aline Kuita Ninvaia

14/05/1996

1019

Gisele Ninvaia

28/01/2000

1020

Sebastião Tiburcio

/ /1940

1021

Sebastiana B.Tiburcio

/ /1948

1022

Roseno Borges

05/10/1974

1023

Sebastião Borges

02/09/1976

1024

Elias Tiburcio

05/08/1989

1025

Jandira Tiburcio

07/10/1989

1026

Maria de Jesus Borges

1027

Sebastião Kurukág Venhy

1028

Maria Geni Venhy

1029

Romenito Venhy

1030

Sebastião Fernando Vitorino

/ /1973

1031

Sebastião Fórigsagf Zacarias

09/09/1981 (09/09/1994)

1032

Rosana Machado

16/12/1982

1033

Anilzo Zacarias

02/10/1997

1034

Senardo Gakug Machado

/ /1979

1035

Sebastina Gánh Vekenâ

20/01/1983

/ /1921 05/07/1973 03/09/1991

193

1036

Rosenaldo Vekenâ

01/05/1999

1037

Sergio Fidelis

26/09/1964

1038

Gilda Kuita

22/09/1956

1039

Jaciele Kuita

08/04/1989

1040

Jaciane Kuita

28/08/1992

1041

Silvestre Kakag Machado

1042

Angelina Pereira

15/10/1980

1043

Silvana Machado

13/01/1998

1044

Silvia Vagvi Atanásio

05/03/1972

1045

Alícia Atanasio Zacarias

10/05/1998

1046

Braulina Ganig Glicério

/ /1937

1047

Francisca Glicério

1048

João Glicério

1049

Susana dos Santos

28/09/1973

1050

Sebastião Trajano

03/09/1971

1051

Claudia C.Trajano

06/05/1974

1052

Marilda Garitnh Trajano

30/07/1990

1053

Leonardo Trajano

07/09/1992

1054

Jandira Trajano

29/01/1995

1055

Jaine Trajano

22/01/1999

1056

Tadeu Jeriga Kambari

20/10/1959

1057

Maria Perekesãnh Kambari

1058

Angélica Kambari

1059

Julio Kambari

1060

Helena Vitalina

10/10/1901

1061

Tereza Bernardo Jorge

16/03/1968

1062

Maria Cristina Jorge

19/03/1925

1063

Anildo Jorge

14/02/1984

1064

Laurindo Jorge

30/11/1986

1065

Joani Jorge

08/06/1997

1066

Tereza Nãgkája França

10/01/1943

1067

Valdo Franco

16/07/1972

1068

Tereza Gino

14/02/1977

1069

Valter Lucas

10/07/1997

1070

Telvina Gino Filho

20/09/1981

1071

Tereza Leopoldo

20/05/1928

1072

Tereza Ninvaia

26/04/1978

/ /1977

/ /1951 14/04/1983 01/07/1984 (01/07/1989)

194

1073

Atacir Corimba

12/07/1992

1074

Agnaldo Ninvaia Corimba

16/02./1998

1075

Denacir Sógtánh Corimba

15/02/1995

1076

Valdecir de Abreu

04/05/1993

1077

Marlene Borges

23/07/1995

1078

Valdir dos Santos

09/02/1976

1079

Maria Ilda Glicério

02/11/1978

1080

Válber dos Santos

04/01/2000

1081

Valdo Rikág Aparício

18/08/1974

1082

Orlanda Leopoldo Aparício

12/07/1974

1083

Ailton Póvéjé Aparício

30/08/1990

1084

Osmari Aparício

29/06/1993

1085

Maurício Aparício

11/09/1996

1086

Adelice Aparício

17/08/1999

1087

Valdomiro Rikág Aparício

06/08/1956

1088

Divina Kaneprag Evaristo

08/03/1971

1089

Maria Aparecida Aparício

28/08/1989

1090

Jailton Aparício

08/03/1992

1091

Elizeu Kóku Aparício

14/11/1996

1092

Clarice Aparício

19/05/1999

1093

Valdomiro Caetano

1094

Juraci Lucas

21/06/1983

1095

Jaime Caetano

07/03/1998

1096

Ventura Glicério

02/11/1976

1097

Dorvalina Nivaia

06/11/1978

1098

Doralice Kanimprág Glicério

19/03/1996

1099

Vergílio Vurykag Alípio

19/08/1956

1100

Luiza B. Alípio

1101

Marica Alípio

08/08/1992

1102

Vitalina Leopoldo

03/09/1956

1103

Fátima Leopoldo Cobra

20/03/1986

1104

Maria Junia de Abreu

03/06/1995

1105

Vitor Nerigvája Machado

06/06/1972

1106

Sebastiana Glicério

18/09/1976

1107

Rosenilda Muféjé Machado

16/10/1991

1108

Restina Jóféjé Machado

21/10/1994

/ /1983

/ /1958

PARTE II CARACTERIZAÇÃO FÍSICA (ASPECTOS GEOLÓGICOS, GEOMORFOLÓGICOS, HIDROLÓGICOS, PEDOLÓGICOS, USO E OCUPAÇÃO DO SOLO, APTIDÃO AGRÍCOLA E CLIMÁTICOS) DA TERRA INDÍGENA IVAÍ

APRESENTAÇÃO

A caracterização do meio físico de um sistema ambiental é parte fundamental para conhecimento da sua funcionalidade e da inter-relação dos fatores bióticos e abióticos. No presente estudo foi realizado o diagnóstico da T.I Ivaí, localizada nos municípios de Manoel Ribas e Pitanga, no estado do Paraná no período de junho a dezembro de 2002. Este diagnóstico compreende o estudo das condições climáticas presentes na região, sua geologia, geomorfologia, hidrografia, pedologia, uso e ocupação das terras agrícolas e sua aptidão. Para tanto, foram realizadas, inicialmente, revisões bibliográficas para cada tema abordado, buscando-se informações pré-existentes. Após uma visita prévia na área, foi definida, juntamente com a comunidade indígena, a estratégia para obtenção das informações de campo e a definição dos colaboradores indígenas que atuariam com as equipes na obtenção destas. Os trabalhos de campo foram realizados no período de julho a outubro de 2002, com coletas de diferentes materiais (solo, rochas, água) para posterior análise e avaliação dos resultados. Paralelamente foram realizados trabalhos de escritório com o intuito de estabelecer um banco de dados georreferenciados, onde seriam incorporadas as informações obtidas na área. A agregação das informações possibilitou a obtenção de vários produtos tais como: mapa pedológico, uso atual, aptidão agrícola das terras, hidrológico, climático, geológico e geomorfológico. Estes produtos permitiram a equipe de trabalho a visualização da funcionalidade do sistema, suas potencialidades, problemas, deficiências, fragilidade e vulnerabilidade, possibilitando a elaboração de propostas para solucionar os problemas existentes, readequando-se o sistema de uso atualmente implantado, para resguardar os recursos físicos que estas comunidades dispõe.

CAPITULO I

ASPECTOS GEOLÓGICOS DA T. I. IVAÍ Issa Chaibem Jabur

1

GEOLOGIA REGIONAL Os eventos estruturais, magmáticos e sedimentares ocorridos no Mesozóico

Superior na Bacia do Paraná, representam um amplo episódio tectono-magmáticas que afetou a plataforma brasileira de modo generalizada. Este episódio foi primeiramente descrito e designado por ALMEIDA (1967) de Reativação Waldeniana. Estudos posteriores efetuados por SCHOBBENHAUS et al (1984) denominou o evento de reativação Sul-Atlântica. Desse modo, a bacia Sedimentar do Paraná forma novos arcabouços tectônicos, englobando a seqüências triássico-jurássicocretácica de caráter estritamente continental (Relatório no27394, IPT), cujos depósitos são representados pelas formações Piramboia, Botucatú, Serra Geral e Caiuá, unidades estas pertencentes ao grupo São Bento.

LITOESTRATIGRAFIA ERA

PERÍODO

GRUPO

M E

S Cretáceo

S O

Ã

Formação Caiuá

O

Formação Serra Geral

Jurássico

Z Ó

FORMAÇÃO

Formação Botucatu B

Triássico

Formação Pirambóia

E

I

N

C

T

A

O

Estratigrafia do Grupo São Bento. Fonte: JABUR, Issa C. / 1985.

1.1

FORMAÇÃO SERRA GERAL

A reativação do arco de Ponta Grossa conforme dados de ALMEIDA (1967) e SCHOBBENHAUS et al (1984) determinou um sistema de fraturamento na bacia,

198

culminando com denso enxame de diques do tipo fissural, resultando em uma das maiores manifestações vulcânicas do globo com derrames de rochas ígneas extrusivas, predominando os basaltos de idade jurássica-cretácica.

Atividade ígnea mesozóico associada ao Arco de Ponta Grossa. Fonte: IPT, Relatório 27394.

Esse significativo evento magmático processou-se de maneira intermitente, com sucessivos derrames de lavas, muitas vezes intercaladas por arenitos intertrapianos da formação Botucatu, que cobriram grandes áreas do sul do Brasil e parte dos países limítrofes (Argentina, Paraguai e Uruguai), constituindo o Planalto Meridional Brasileiro. (MINIOLI et al 1971). Estudos mais detalhados sobre esta unidade, analisando a mineralogia

199

e a petrografia, foram desenvolvidas por SCHNEIDER (1964), ROISEMBERG (1974), SARTORI et al (1975) e SARTORI (1984). Pesquisas também foram realizadas, no campo da geoquímica por FODOR (1987) e GASPARETTO (1990) possibilitando o melhor entendimento das gerações do Quimismo e suas fontes. (JABUR, 1992 p.18) GASPARETTO (1990) define muita bem a ocorrência de dois tipos bem característicos de lavas: básicas e ácidas, sendo que estas recobrem aquelas de filiação mais básicas em uma extensão de aproximadamente 150.000 km2, distribuídas principalmente na porção central e sudoeste da bacia. Os dados apresentados pelo autor estão em consonância com os estudos desenvolvidos pela MINEROPAR (Minerais do Paraná S.A.), a qual denominou de Membro Nova Prata da Formação Serra Geral aos últimos eventos do vulcanismo. Registrando a presença de derrames mais ácidos no 3o Planalto Paranaense, compreendendo: riólitos, dacitos, riodacítos e basaltos pórfiros.

Cobertura Sedimentar e Vulcânica Mesozóica da bacia do Paraná. Fonte: MINEROPAR / 2001.

200

1.2

1.2.1

ÁREA DE ESTUDO

Geologia e comportamento geológico

Nos trabalhos de campo executados na Terra Indígena Ivaí, no Município de Manoel Ribas, ficou evidenciado o predomínio das rochas vulcânicas básicas, basaltos da Formação Serra Geral. Esta unidade consiste de basaltos afaníticos de coloração que varia de cinza a preta e amigdaloidal no topo dos derrames, com intercalações de arenitos da formação Botucatu, intertraps. A Formação Serra Geral apresenta um sistema de fraturamento devido à contração das lavas durante o resfriamento, deveras heterogêneo, com presença de diáclases de direções variadas. Medidas de campo realizadas no sistema de fraturamento da Formação Serra Geral em locais estratégicos do 3o Planalto Paranaense ao longo da Rodovia Federal BR. 366, 369, 376, 466 e 487 e Estadual 317, 444 e 445, foi possível estabelecer através de

201

dados estatísticos nas 10 localidades amostradas, uma média de 12 fraturas por localidade, definindo com isto o sistema preferencial das fraturas em porcentagem.

Sistema de fraturas da Formação Serra Geral.

Este sistema de fraturas que em muitos casos ultrapassam a dois (2) cm, é conhecido na literatura geológico-geotecnica como vazios divisionais. GRHES (1976) avalia que essas rochas apresentam permeabilidade por faturamento. Cada fratura aciona como um dreno e o fato de existirem sistemas de fraturamento que se intercomunicam, permite fazer uma analogia com os princípios dos vasos comunicantes. Paralelamente aos estudos geológicos, foi avaliados o comportamento da geologia estrutural e a presença de falhamentos em determinadas áreas da T. I. Ivaí. Ficou evidenciado que este sistema da falhamento está relacionado com o soerguimento do arco de Ponta Grossa na região, provocando esforços de tração, dando origem a fraturas longitudinais com rejeito de falha (falhamento em bloco). Esse processo tectônico está bem definido no setor sudoeste da área, apresentando o encaixamento do rio Borboleta em um sistema de falha normal ou de gravidade do tipo Graben, com direção preferencial para SE. Falhamento este comprovado pela presença do arenito Botucatu silificados em cotas diferenciadas.

202

800

800

780

780

760

760

740

740

720

720

700

700

680

680

660

660

640

640

620

620

100

300

500

700

900

1100

1300

1500

Perfil topográfico da área de estudos. Fonte: JABUR, Issa Chaibem / 2002.

1700

1900

2100

2300

2500

2700

2900

3100

203

1.2.2

Evolução do manto de intemperismo Os sistemas de fraturas que ocorrem nos basaltos ficam submetidos a vários

ataques químicos, principalmente através das precipitações meteóricas, rica em gases dissolvidos de O (oxigênio), N (nitrogênio) e CO2 (gás carbônico), elementos estes que adquirem caráter ácido, como exemplo CO2 + H2O, formando H2CO3, ácido carbônico, que atacam os principais minerais da rocha como a olivina, piroxênio e anfibólios, minerais instáveis ricos em Fe (ferro), Mg (magnésio) e Ca (cálcio), promovendo a decomposição do basalto, evoluindo para material alterado com esfoliação esferoidal, passando para solo residual com saprólito e culminando com solos bem desenvolvidos. São solos de textura argilosa a muito argilosa, desenvolvidos em climas subtropicais úmidos e apresentando boa fertilidade natural. Estes solos ocupam as superfícies onduladas a medianamente onduladas, em áreas altimontanas acima de 700 metros, com presença de araucárias.

1.3

EXPRESSIVIDADE ECONÔMICA-GEOLÓGICA DA T.I. IVAÍ Dentro do aspecto econômico, a geologia da área não apresenta nenhuma

forma mineral tanto em composição rochosa, como em acumulações em forma de jazidas que tenham algum valor comercial. O material basáltico de toda a porção do terceiro planalto paranaense pode apresentar, em algumas regiões, zeólitas ou grandes bolsões preenchidos por ametista e quartzo violáceo, que serve tanto para produção de peças ornamentais como joalheria. No entanto, a formação local não apresenta tais bolsões, caracterizando-se por um material rígido e sem atrativos minerais do ponto de vista econômico.

1.4

REFERÊNCIAS

ALMEIDA, F. F. M. 1967. Origem e evolução da plataforma brasileira, Rio de Janeiro, DNPM-DGM Bol. 241. GASPARETTO, N. V. L. 1990. Alteração interpérica de rochas vulcânicas ácidas na região central do estado do Rio Grande do Sul, Brasil. Dissertação de mestrado, Instituto de Geociências UFRGS – 119 p. GREHS, S. ª C. 1976. Mapeamento Geológico preliminar de Santa Cruz do Sul visando obter informação básicas ao planejamento integrado. Acta Geológica Leopodnedia Estudos Tecnológicos no 1 , v.1 p.121 -276

204

INSTITUTO DE PESQUISA TECNOLÓGICA DO ESTADO DE SÃO PAULO (IPT) 1989. Compartimentação estrutural e Evolução Tectônica do estado de São Paulo. Relatório 27394, vol. 1 e 2. JABUR, I. C. 1985. O Grupo São Bento. Boletim de Geografia – UEM, ano 3, v. 3 p. 109 – 152. JABUR, I. C. 1992. Análise paleoambiental do quartenário superior na bacia hidrográfica do Alto Paraná. Rio Claro UNESP: 184 p. (Doutorado em Geociências). MINIOLI, B; PONÇANO, W. L. e OLIVEIRA, S. M. B. (1971). Extensão Geográfica do vulcanismo basáltico do Brasil Meridional. Anais Academia Brasileira de Ciências 43 (2) p. 433-437. MINEROPAR 1992. A Terra. Atlas Minerais do Paraná S.A., 116 p. SCHOBBENHAUS, C. e CAMPUS, D. de A. 1984. A evolução da plataforma Sulamericana no Brasil e suas principais concentrações minerais. In: SCHOBBENHAUS, C. et al. (coord.). Geologia do Brasil, Brasília DNPM p. 9 – 53.

CAPÍTULO II

ASPECTOS GEOMORFOLÓGICOS DA T. Í. IVAÍ Marcos Rafael Nanni

1 CARACTERIZAÇÃO DA PAISAGEM DA ÁREA DE ESTUDO A caracterização da paisagem se fez necessária para situar a ocorrência das diferentes formas de relevo e disposição das pendentes. Com isso possibilitou-se, como processo auxiliar, delimitar as unidades de paisagem, além de verificar as formas das vertentes e vulnerabilidade a erosão.

1.1

RELEVO Com os trabalhos de campo, realizados nos interflúvios correspondentes aos

rios Passo Liso – Barra Preta e Barra Preta – Borboleta, associados ao estudo da carta planialtimétrica (Figura 1), constatou-se a presença de dois compartimentos geomorfológicos bastantes distintos. O primeiro, ao norte da área, é representado por uma topografia suavemente ondulada e ondulada, com um sistema de vertentes de formas variadas cujos modelados são retilíneo, convexo, côncavo-convexo, com rampas de longo comprimento, com morros subaplainados com grande amplitude onde a média de declividade apresenta-se em torno de 8 % (Figura 2). Próximo aos canais de drenagem, o relevo torna-se mais acidentado, muitas vezes com mudança abrupta da inclinação que pode chegar a 60 % (Figura 3). A altitude média encontra-se em torno de 800 m.s.n.m.

206

GESTÃO AMBIENTAL NA TERRA INDÍGENA T.I.IVAÍ - PARANÁ MAPA PLANIALTIMÉTRICO CONVENCÕES CARTOGRÁFICAS Rios, córregos e ribeirões Curvas de nível Estradas Municipais e Carreadores Caminhos e trilhas

Limites da Reserva

Sede da Reserva

0

500

1000

1500

2000 m

ESCALA GRÁFICA

Sistema de Projeção Universal Transversa de Mercator Origem Meridiano 51 o W.G. DATUM HORIZONTAL CÓRREGO ALEGRE - MG. Equidistância entre curvas de nível - 40 m

2002 km

BASE CARTOGRÁFICA: IBGE FOLHAS SF-22-Y-A-IV a VI; SF-22-Y-C-I a III EXÉRCITO MI-2694 a 2696 EXECUÇÃO: Eng. Agr.MARCOS RAFAEL NANNI UNIVERSIDADE ESTADUAL DE MARINGÁ

Figura 1. Representação do mapa planialtimétrico da T.I. Ivaí

207

Figura 2. Representação do relevo suave ondulado e morros subaplainados da área de estudo.

Figura 3. Representação do relevo com forte ângulo de inclinação próximo aos canais de drenagem.

208

O segundo compartimento, é caracterizado pelo rebaixamento do sistema geomorfológico devido, provavelmente, a processos geotectônicos. Com isso, o relevo apresenta-se bem mais acidentado, com fortes vertentes, tornando o sistema bastante dissecado (Figura 4). As rampas são íngremes, caracterizando a presença de morros retilíneos, com grande amplitude altimétrica. As maiores cotas encontram-se em torno de 800 m.s.n.m enquanto que as menores estão entre 560 e 600 m.s.n.m. A zona apresenta fraturamentos geológicos, onde os rios tornam-se bastante encaixados, ocorrendo até mesmo a presença de cachoeiras (Figura 5). Concomitantemente, a área apresenta basculamento evidenciando, neste compartimento, a presença de uma espessa camada intertrapiana, onde se constatou a presença de solos mais arenosos que aqueles encontrados no primeiro compartimento. A declividade nesta área é mais elevada, apresentando classes forte ondulada e montanhosa (Embrapa, 1979).

Figura 4. Representação do relevo dissecado na área T.I. Ivaí.

209

Figura 5. Falhamento geológico com formação de quedas d’água.

A manipulação das curvas de nível das cartas planialtimétricas digitalizadas no sistema SPRING possibilitou a construção do modelo numérico de terreno que, sobreposto a um plano de textura, representado por imagens sintéticas obtidas pela conjunção das bandas 4(R), 5(G) e 7(B) e 5(R) 4(G) e 7(B) do TM-Landsat, possibilitou a visualização do terreno, onde se encontra a área, em perspectiva (Figura 6).

210

Figura 6. Visualização da área de estudo, em perspectiva, pela sobreposição de uma imagem sintética RGB e o modelo numérico de terreno.

O modelo numérico do terreno possibilitou, ainda, a produção da carta clinográfica da área de estudo (Figura 7), a partir do fatiamento das medidas hipsométricas com intervalos de declividades de acordo com aqueles preconizados pela Embrapa (1979), demonstrou que grande parte da área está compreendida na classe de relevo ondulado, com aproximadamente 3320 ha (45,31%), seguido das classes plano e forte ondulado, apresentando em conjunto cerca de 44% da área,. A classe de relevo suave ondulado apresentou 1285 ha e a montanhoso 46 ha, perfazendo 17,55% e 0,63% da área total da reserva respectivamente (Tabela 1).

211

GESTÃO AMBIENTAL NA TERRA INDÍGENA T.I.IVAÍ - PARANÁ CARTA CLINOGRÁFICA CLASSES DE DECLIVIDADE

0 - 3 % (Plano) 3 - 8 % (Suave Ondulado) 8 - 20 % (Ondulado) 20 - 45 % (Forte Ondulado) 45 - 75 % (Montanhoso)

Reserva Indígena Rios, córregos e ribeirões

500m

0

500

1000

1500

Escala Gráfica

Km

Figura 7. Representação da carta de declividade da área de estudo.

2002

2000m

212

Tabela 1. Área ocupada por cada classe de declividade encontrada na região de estudos. Classe de declividade

Área ocupada

--------------%---------------

------ha-------

------%------

plano (0 – 3)

1285

17,55

Suave ondulado (3 – 8)

752

10,27

Ondulado (8 – 20)

3317

45,31

Forte Ondulado (20 – 45)

1921

26,24

Montanhoso (45 –75)

46

0,63

As classes ondulado e forte ondulado perfazem, em conjunto, cerca de 72% da reserva, com um total de 5238 ha. Isto demonstra que o sistema passível de ser alterado por processos erosivos, pois a declividade é muito acentuada, acarretando deflúvio maior que a infiltração durante as precipitações.

2

REFERÊNCIAS

EMBRAPA. SNLCS. Manual de métodos de análise de solo. Rio de Janeiro, 1979.

CAPÍTULO III

ASPECTOS HIDROLÓGICOS DA T. I. IVAÍ Marcos Rafael Nanni

1

CARACTERIZAÇÃO A região onde se encontra a T.I. Ivaí é caracterizada pela presença de cursos

d’água bem encaixados, em vales de média profundidade enquadrando-se num sistema subdendrítico-subparalelo, variando de acordo com a geomorfologia local (Figura 1).

Ri o Mo nj ol o Ve lh o

Água do Tigre

Ri

o

do

Sa

lt

o

Rio Passo Liso

o Ri

Ba

a rr

Pr

a et

eta bol r o B Rio

Figura 1. Representação da hidrografia da T.I. Ivaí.

O padrão subdendrítico é observado principalmente nas áreas de relevo mais movimentado e o subparalelo apresenta-se nas áreas de relevo mais colinoso. Os maiores cursos d’água transpassam a área da reserva, sendo eles:

214

-

Água do Tigre;

-

rio Monjolo Velho;

-

rio do Salto;

-

rio Passo Liso;

-

rio Barra Preta;

-

rio Borboleta.

Destes, os de maior dimensão são os rios Barra Preta e Borboleta (Tabela 1). A largura média dos rios de menor porte é de 15 metros nas porções mais largas e de 2 a 3 metros nas porções mais estreitas. Nos rios Barra Preta e Borboleta, as porções mais estreitas ficaram em média com 5 m de largura, podendo atingir mais de 30 metros nas partes mais largas (Figura 2).

Figura 2. Rio Passo Liso com aproximadamente 30 m de largura.

A profundidade da maioria dos rios presentes na área é pequena, não atingindo mais que 1 metro deslizando, normalmente, sobre o leito rochoso desgastado e com grande quantidade de blocos e matacões (Figura 3).

215

Figura 3. Rio apresentando pedras e matacões no fundo do leito.

A Tabela 1 apresenta o comprimento dos principais cursos d’água da T.I. Ivaí.

Tabela 1. Comprimento dos principais rios e córregos da T.I Ivaí. Nome do Rio

Comprimento (m)

Água do Maia

8174,13

Rio do Salto

6248,21

Passo Liso

7380,51

Barra Preta

9938,73

Borboleta

11230,31

Além desses, a área apresenta grande número de pequenos e médios canais tributários, tanto permanentes como temporários. Em vários pontos da reserva são encontradas nascentes d’água com variáveis vazões (Figura 4).

216

Figura 4. Nascente de água da T.I Ivaí.

Uma destas nascentes é utilizada, atualmente para abastecimento de parte da sede da reserva (Figura 5). Outras são utilizadas com maior ou menor freqüência dependendo da existência de moradias próximas delas.

Figura 5. Nascente utilizada para abastecimento da sede da TI-Ivaí.

Para averiguação da qualidade física, química e bacteriológica da água consumida pelos índios, realizou-se coleta em diferentes pontos como: a) torneiras residenciais, nascentes e os principais rios (Figura 6).

217

Como a sede da reserva é abastecida por água tratada em estação de tratamento, foram coletadas amostras, de forma aleatória, em residências com presença e ausência de caixa d’água. Os rios têm papel importante no processo social, uma vez que os mesmos são utilizados para pesca, lazer, abastecimento de algumas residências, local para lavagem da roupa, banho etc. Os rios servem também como depósito do material (taquara) que será utilizado na confecção dos cestos produzidos artesanalmente, uma vez que tais materiais devam passar pelo processo de umedecimento para torná-los maleáveis e resistentes para serem manipulados. A análise dos rios faz-se necessária uma vez que todos os grandes cursos d’água transpassam a reserva, ou seja, advém de porções externas a montante, localizadas na face oeste da área, podendo estar contaminadas por metais pesados ou coliformes fecais.

Figura 6. Coleta de amostra para análise d’água dos rios da T.I. Ivaí.

Realizou-se quinze amostras para análises físico-químicas e quatorze para análise bacteriológica. Os resultados completos encontram-se em anexo. A Tabela 2 apresenta os resultados parciais das análises realizadas, para os diferentes pontos de coleta.

218

Tabela 2. Amostra, localização e resultados das análises químicas físicas e bacteriológica da água da T.I. Ivaí. Amostra

Localização da coleta

Avaliação Física1

Avaliação Química2

Coliformes fecais3

01

Rio Água do Maia

Cor, Turbidez

Ferro

540

02

Nascente dentro da sede

Cor, Turbidez

Manganês

>16

03

Torneira

Cor, Turbidez

Ferro, Manganês

0

04

Rio Monjolo Velho

Cor, Turbidez

Ferro, Manganês

>2400

05

Torneira

-

Manganês

0

06

Torneira

-

-

0

07

Torneira

-

Manganês

0

08

Torneira

-

Manganês

nd4

09

Mina que abastece a

-

Manganês

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