DIAGNÓSTICO ETNO-AMBIENTAL DA TERRA INDÍGENA IVAÍ - PR Lúcio Tadeu Mota (Org.)
ISBN 85-89764-01-X
Programa Interdisciplinar de Estudos de Populações - Laboratório de Arqueologia, Etnologia e EtnoHistória / Universidade Estadual de Maringá
DIAGNÓSTICO ETNO-AMBIENTAL DA TERRA INDÍGENA IVAÍ - PR
UNIVERSIDADE ESTADUAL DE MARINGÁ REITOR Gilberto Cesar Pavanelli VICE-REITOR Ângelo Aparecido Priori CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES Sezinando Luiz Menezes PROGRAMA INTERDISCIPLINAR DE ESTUDOS DE POPULAÇÕES - LABORATÓRIO DE ARQUEOLOGIA ETNOLOGIA E ETNO-HISTÓRIA Luís Felipe Viel Moreira
EQUIPE EXECUTORA DO PROJETO Prof. Dr. Lúcio Tadeu Mota Coordenador Geral Responsável pela Área de História Prof. Drª. Kimiye Tommasino Responsável pela Área de Antropologia Prof. Dr. Marcos Rafael Nanni Responsável pela Área de Pedologia, Hidrologia, Geomorfologia, Uso e Ocupação das Terras Dr. João Batista Santos Responsável pelas Áreas de Fauna e Flora Prof. Dr. Issa Chaibem Jabur Responsável pela Área de Geologia Prof. Dr. Jonas Teixeira Nery Responsável pela Área de Climatologia Prof. Ms. Isabel Cristina Rodrigues Coordenação das Reuniões e Workshop Prof. Drª. Cláudia Neto do Valle Coordenação da Produção de Material Didático Bilingüe
Dados Internacionais de Catalogação-na-Publicação (CIP) (Biblioteca Central - UEM, Maringá – PR., Brasil) D536
Apoio
Diagnóstico etno-ambiental da Terra Indígena Ivaí-PR [arquivos de dados legíveis por máquina]/ coordenador geral Lúcio Tadeu Mota. -- Maringá : Programa Interdisciplinar de Estudos de Populações - Laboratório de Arqueologia, Etnologia e Etno-História/UEM, 2003. 1 CD-ROM ; il. Color , tabs., gráfs., mapas, fots. ; 1/86 pol. Vários autores Originalmente apresentado como relatório de projeto de pesquisa. 1. Índios Kaingang – Diagnóstico sócio-ambiental. 2. Terra indigen Ivaí-PR – Diagnóstico sócio-ambiental. I. Mota, Lúcio Tadeu. CDD 21.ed. 980.4
Fundo Nacional do Meio Ambiente Convênio Processo Nº 02000.00 9103/01-50
Programa Interdisciplinar de Estudos de Populações Propostas de investigação interdisciplinar tornaram-se corriqueiras no meio acadêmico brasileiro nas últimas duas décadas, todavia, ações efetivamente interdisciplinares continuam bastante raras. Muitos pesquisadores procuram explorar questões e noções advindas de diferentes áreas, mas por trabalharem isolados, não tem como evitar momentos de confusões conceituais ou de superficialidade na coleta, na organização e na análise dos dados. Uma das alternativas para superar tais situações reside na prática coletiva interdisciplinar, ou seja, diferentes pesquisadores concorrendo para o diálogo comum a partir de suas competências específicas. Assim, o Programa Interdisciplinar de Estudos de Populações - Laboratório de Arqueologia, Etnologia e Etno-história se propõe a pesquisar as relações dos povos não-ocidentais entre si e com as sociedades envolventes no âmbito do cone sul americano, e a divulgar os resultados dessas pesquisas, entendendo que dessa forma podemos contribuir com significativos aportes para o desenvolvimento científico.
Editor Lúcio Tadeu Mota Comissão Editorial – PIEP/UEM
Conselho Editorial
Claudia Netto do Valle
Adriana Schmidt - UFRS
Francisco Silva Noelli
Deyse Lucy Montardo - UFSC
Isabel Cristina Rodrigues
Fabíola Andréa Silva – MAE/USP
José Cândido Stevaux
Gilmar Arruda - UEL
José Henrique Rollo Gonçalves
Jorge Eremites - UFMS
Marcos Rafael Nanni
Kimiye Tommasino - UEL
Rosângela Célia Faustino
Nelson Dacio Tomazi - UEL
Thomas Bonnici
Pedro Paulo Abreu Funari - UNICAMP
Luis Felipe Viel Moreira
Ricardo Cid Fernandes - UFPR
Organizador Lúcio Tadeu Mota
DIAGNÓSTICO ETNO-AMBIENTAL DA TERRA INDÍGENA IVAÍ - PR
Maringá PIEP-LAEE/UEM 2003
Copyright @ by Lúcio Tadeu Mota Capa de:
Lúcio Tadeu Mota Índia Kaingang da Terra Indígena Ivaí com seu filho. Foto de Darcy Dias de Souza
Organização Editoração
Lúcio Tadeu Mota
[email protected] -
[email protected] Silvia Meneguette Silveira Maria Ioshie Yamada Amarildo Vicentini Maria Luiza Sandri Meneguetti
Editoração eletrônica Gravação e duplicação do CD
André Luiz Scarate e Luiz Carlos Altoé Bruhmer Cesar Forone Canonice
Direitos exclusivos para esta edição: Programa Interdisciplinar de Estudos de Populações Laboratório de Arqueologia, Etnologia e Etno-História / Universidade Estadual de Maringá Av. Colombo 5790, Bloco G-45, CEP 87020-900 Maringá – Pr Fone (44) 2614670 www.uem.br/~lae
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PIEP-LAEE/UEM – 2003 – 1ª edição Produzido no Brasil
ISBN 85-89764-01-X Deposito legal nº 89764
SUMÁRIO
APRESENTAÇÃO GERAL .................................................................................................. 12 PARTE I - A ETNO-HISTÓRIA, A CARACTERIZAÇÃO CULTURAL, ORGANIZAÇÃO SOCIAL, ECONÔMICA E DEMOGRÁFICA DOS KAINGANG DA TERRA INDÍGENA IVAÍ ............................................................................................................... 17 APRESENTAÇÃO .............................................................................................................................. 18 CAPÍTULO I - A HISTÓRIA DOS KAINGANG NO VALE DO RIO IVAÍ – PR. ................................... 20 1
INTRODUÇÃO ....................................................................................................................... 20
2
OS XETÁ E OS KAINGANG NO VALE DO MÉDIO IVAÍ NO SÉCULO XIX............................................................................................................................24
3
OS PRINCIPAIS GRUPOS KAINGANG ESTABELECIDOS NO VALE DO IVAI NO SÉCULO XIX.............................................................................................. 36
3.1
OS EMÃ DE ENXOVIA........................................................................................................... 36
3.2
OS CACIQUES FELICIANO, FELISBINO E OS EMÃ DE BARRA VERMELHA................... 38
3.3
O CACIQUE PAULINO ARAK-XÓ, O EMÃ DE PORTEIRINHA E OS SEUS EMÃS NO VALE DO IVAÍ ............................................................................. 41
3.4
OS GRUPOS DOS CACIQUES BANDEIRA, GREGÓRIO, HENRIQUE E OUTROS QUE VIERAM DOS TERRITÓRIOS A OESTE DO RIO IVAÍ.................. 54
4.
OS KAINGANG NO MÉDIO IVAÍ NO SÉCULO XX, AS SUCESSIVAS DEMARCAÇÕES E A PERDA DE SEUS TERRITÓRIOS....................................... 64
4.1.
TERRA INDÍGENA FAXINAL ................................................................................................ 72
4.2.
TERRA INDÍGENA IVAÍ......................................................................................................... 72
CAPÍTULO II - CARACTERIZAÇÃO
CULTURAL,
ORGANIZAÇÃO
SOCIAL
E
ECONÔMICA DA COMUNIDADE INDÍGENA IVAÍ .................................................. 80 1.
REVISÃO BIBLIOGRÁFICA .................................................................................................. 80
1.1.
PERÍODO DE 1900 A 1960 ................................................................................................... 80
1.2.
PERÍODO PÓS 1960 ............................................................................................................. 82
2.
ASPECTOS FUNDAMENTAIS DA ORGANIZAÇÃO SOCIAL KAINGANG.......................... 85
CAPÍTULO III - DIAGNÓSTICO DA SITUAÇÃO SÓCIO-CULTURAL E ECONÔMICA DA TERRA INDÍGENA IVAÍ ............................................................................................ 91 1.
A INSTITUCIONALIZAÇÃO DA DEPENDÊNCIA.................................................................. 91
2.
CARACTERIZAÇÃO DA POPULAÇÃO: DEMOGRAFIA E TERRITORIALIDADE .............................................................................................. 93
2.1.
A POPULAÇÃO DA T.I. IVAÍ: UMA POPULAÇÃO JOVEM..................................... 93
2.2.
A ESPACIALIDADE KAINGANG NA T. I. IVAÍ: OS RESULTADOS DA POLÍTICA DE CONCENTRAÇÃO DA POPULAÇÃO .............................................. 95
2.3.
ESTRUTURA SOCIAL DA COMUNIDADE: CACIQUE E LIDERANÇA ................ 106
3.
ECONOMIA INDÍGENA E OS RECURSOS DA NATUREZA ................................ 107
3.1.
WÃXI – (TEMPO ANTIGO): O TEMPO DE ABUNDÂNCIA................................... 108
3.1.1 MANEJO DA TERRA E DOS RECURSOS NATURAIS ......................................... 108 3.1.2
A CAÇA E A COLETA ........................................................................................... 109
3.1.3
A PESCA ...............................................................................................................110
3.1.4
A ROÇA ANTIGA................................................................................................... 110
3.1.5
O KIKIKOI, OS BAILES ......................................................................................... 111
3.2.
URI – (O TEMPO ATUAL): A CHEGADA MACIÇA DOS FÓG (BRANCOS) E O SURGIMENTO DA DEPENDÊNCIA.......................................... 112
3.2.1
OS KAINGANG FORAM A CURITIBA DENUNCIAR A INVASÃO DE SUAS TERRAS E PEDIR PROVIDÊNCIAS .......................................................... 112
3.2.2
NARRATIVAS SOBRE O GOVERNO DO SPI: O CHEFE DE POSTO CECI E O SISTEMA DO “PANELÃO”................................................................................................... 113
3.2.3
A ECONOMIA ATUAL ........................................................................................... 114
3.2.4
SAZONALIDADE E CALENDÁRIO ....................................................................... 127
3.2.5
COMPREENSÃO ECOLÓGICA E CONHECIMENTO TRADICIONAL ................. 130
3.2.6
RELIGIÃO E CICLOS DE FESTAS ....................................................................... 136
3.3.
A SAÚDE NA TERRA INDÍGENA IVAÍ................................................................................ 142
3.3.1
ATENDIMENTO MÉDICO E ODONTOLÓGICO ................................................... 146
3.4.
A EDUCAÇÃO NA T.I. IVAÍ ................................................................................................. 150
3.4.1
A EDUCAÇÃO ESCOLAR E A OBRIGATORIEDADE DA ESCOLARIZAÇÃO NA T.I. IVAÍ ................................................................................................................................ 150
3.4.2
A SITUAÇÃO DOS ALUNOS QUE CHEGAM À ESCOLA DA T. I. IVAÍ............................. 152
3.5.
A QUESTÃO DA TERRA....................................................................................... 158
3.5.1
O CONSENSO SOBRE A INSUFICIÊNCIA DA TERRA ....................................... 158
3.5.2
PESSOAS DE FORA DA COMUNIDADE QUE TRABALHAM/CIRCULAM PELA T. I. IVAÍ ............................................................................................................................... 159
3.5.3 OS INVASORES: PESSOAS NÃO AUTORIZADAS QUE ENTRAM NA T. I. IVAÍ PARA CAÇAR, PESCAR, COLETAR FRUTAS, PALMITOS E RETIRAR LENHA ................................................................................................. 160
3.6.
CONCLUSÕES ..................................................................................................................... 160
CENSO ATUALIZADO DA POPULAÇÃO DA T. I. IVAI ORGANIZADO POR FAMÍLIAS ............... 164 PARTE II - CARACTERIZAÇÃO GEOMORFOLÓGICOS,
FÍSICA
(ASPECTOS
HIDROLÓGICOS,
GEOLÓGICOS,
PEDOLÓGICOS,
USO
E
OCUPAÇÃO DO SOLO, APTIDÃO AGRÍCOLA E CLIMÁTICOS) DA TERRA INDÍGENA IVAÍ................................................................................................. 195 APRESENTAÇÃO............................................................................................................................. 196
CAPITULO I - ASPECTOS GEOLÓGICOS DA TERRA INDÍGENA IVAÍ ........................ 197 1.
GEOLOGIA REGIONAL ........................................................................................ 197
1.1.
FORMAÇÃO SERRA GERAL................................................................................ 197
1.2.
ÁREA DE ESTUDO ............................................................................................... 200
1.2.1. GEOLOGIA E COMPORTAMENTO GEOLÓGICO ............................................... 200 1.2.2. EVOLUÇÃO DO MANTO DE INTEMPERISMO .................................................... 203 1.3.
EXPRESSIVIDADE ECONÔMICA-GEOLÓGICA DA T.I. IVAÍ.............................. 203
1.4.
REFERÊNCIAS ..................................................................................................... 203
CAPÍTULO II – ASPECTOS GEOMORFOLÓGICOS DA T.I. IVAÍ................................... 205 1.
CARACTERIZAÇÃO DA PAISAGEM DA ÁREA DE ESTUDO.............................. 205
1.1.
RELEVO................................................................................................................. 205
2.
REFERÊNCIAS...................................................................................................... 212
CAPÍTULO III – ASPECTOS HIDROLÓGICOS DA T.I. IVAÍ ........................................... 214 1.
CARACTERIZAÇÃO.............................................................................................. 214
2.
REFERÊNCIAS ..................................................................................................... 221
CAPÍTULO IV – ASPECTOS PEDOLÓGICOS DA T.I. IVAÍ ............................................ 222 1.
INTRODUÇÃO ....................................................................................................... 222
2.
DISTRIBUIÇÃO DAS CLASSES DE SOLOS NA ÁREA DE ESTUDO.................. 222
3.
CARACTERÍSTICAS ANALÍTICAS GERAIS ......................................................... 225
4
UNIDADES DE SOLOS ......................................................................................... 228
4.1
UNIDADE LATOSSOLO VERMELHO ALUMINOFÉRRICO TÍPICO .................... 228
4.2
UNIDADE LATOSSOLO VERMELHO ALUMINOFÉRRICO HÚMICO – LVAH...................................................................................................................... 232
4.3
UNIDADE LATOSSOLO VERMELHO ALUMINOFÉRRICO TÍPICO + CAMBISSOLOS HÁPLICOS ALUMÍNICOS .......................................................... 233
4.4
UNIDADE LATOSSOLO VERMELHO ALUMINOFÉRRICO TÍPICO + NEOSSOLOS LITÓLICOS ALUMÍNICOS.............................................................. 234
4.5
UNIDADE LATOSSOLO VERMELHO DISTROFÉRRICO TÍPICO ........................ 234
4.6
UNIDADE CAMBISSOLOS HÁPLICOS + NEOSSOLOS LITÓLICOS ALUMÍNICOS + AFLORAMENTOS DE ROCHA..................................................... 238
4.7
UNIDADE LATOSSOLO VERMELHO EUTROFÉRRICO TÍPICO .......................... 242
4.8
UNIDADE
LATOSSOLO
VERMELHO
EUTROFÉRRICO
CHERNOZÊMICO + NEOSSOLO LITÓLICO CHERNOZÊMICO ........................... 243 5.
REFERÊNCIAS ...................................................................................................... 243
CAPÍTULO V – USO ATUAL E APTIDÃO AGRÍCOLA DAS TERRAS DA T.I. IVAÍ....... 245 1.
USO ATUAL........................................................................................................... 245
2.
APTIDÃO AGRÍCOLA DAS TERRAS .................................................................... 248
2.1.
NÍVEL DE MANEJO A ........................................................................................... 248
2.2.
NÍVEL DE MANEJO B ........................................................................................... 248
2.3.
NÍVEL DE MANEJO C ........................................................................................... 248
2.4.
NÍVEIS DE APTIDÃO AGRÍCOLA DA T.I. IVAÍ ..................................................... 250
2.5.
PROPOSTAS PARA O ADEQUADO USO DA TERRA DA T.I. IVAÍ..................... 257
2.5.1. UTILIZAÇÃO INADEQUADA DE ALGUMAS ÁREAS SEM APTIDÃO PARA USO AGROSSILVOPASTORIL .................................................................. 258 2.5.2. ESTABELECIMENTO DE CICLOS DEGRADATÓRIOS DO MEIO FÍSICO E BIOTA, NA BUSCA DE ÁREAS MAIS PRODUTIVAS PARA ESTABELECIMENTO DE ROÇAS COLETIVAS (COMUNITÁRIAS) E/OU INDIVIDUAIS.......................................................................................................... 259 2.5.3. ÁREAS COM APTIDÃO REGULAR OU RESTRITA PARA USO AGRÍCOLA
SENDO
CONDUZIDAS
SEM
A
DEVIDA
TÉCNICA,
TORNANDO O SISTEMA VULNERÁVEL À DEPRECIAÇÃO FÍSICA, QUÍMICA E BIOLÓGICA DAS TERRAS................................................................ 260 2.5.4. ÁREAS COM APTIDÃO BOA PARA CULTURAS ANUAIS E PERENES SUBEXPLORADAS, DEVIDO AO BAIXO NÍVEL TECNOLÓGICO ADOTADO ............................................................................................................. 261 2.5.5. BAIXA
PRODUTIVIDADE
DAS
LAVOURAS,
DECORRENTE
DO
MANEJO INADEQUADO DOS RECURSOS SOLO E ÁGUA ............................... 262 2.5.6. SISTEMA DE EXPLORAÇÃO DE MONOCULTURAS, COM OBJETIVOS DE COMERCIALIZAÇÃO E, PORTANTO, LUCRO SEM A DEVIDA PREOCUPAÇÃO COM A IMPLANTAÇÃO DE CULTURAS PARA O ABASTECIMENTO DA RESERVA ........................................................................ 263 2.6.
CONCLUSÃO ........................................................................................................ 263
2.7.
REFERÊNCIAS...................................................................................................... 264
CAPÍTULO VI – ASPECTOS CLIMÁTICOS DA T.I. IVAÍ................................................. 265 1.
INTRODUÇÃO ....................................................................................................... 265
2.
METODOLOGIA .................................................................................................... 266
3.
DESCRIÇÃO GERAL DO CLIMA REGIONAL....................................................... 267
4.
CARACTERIZAÇÃO DAS PRINCIPAIS VARIÁVEIS CLIMÁTICAS...................... 268
4.1.
CHUVA................................................................................................................... 268
4.2.
EVENTOS EXTREMOS......................................................................................... 269
4.3.
BALANÇO HÍDRICO .............................................................................................. 274
4.4.
CONSIDERAÇÕES TÉCNICAS ............................................................................ 275
4.5.
A PERCEPÇÃO INDÍGENA SOBRE O CLIMA...................................................... 276
5.
REFERÊNCIAS...................................................................................................... 278
PARTE III – DESCRIÇÃO DOS ASPECTOS PRINCIPAIS DA COBERTURA VEGETAL E DA FAUNA EXISTENTES NA TERRA INDÍGENA IVAÍ.......................................... 279
APRESENTAÇÃO ............................................................................................................. 280 CAPÍTULO I – ASPECTOS DA COBERTURA VEGETAL DA T.I. IVAÍ .......................... 282 1.
INTRODUÇÃO ....................................................................................................... 282
2.
CARACTERIZAÇÃO FITOGEOGRÁFICA DA ÁREA ............................................ 282
2.1
ECÓTONO COM A FLORESTA ESTACIONAL .................................................................. 285
3.
A VEGETAÇÃO DA T.I. IVAÍ ................................................................................. 287
3.1
ÁREAS DE ABANDONO RECENTE ................................................................................... 287
3.2
FLORESTA EM ESTÁGIO INICIAL DE SUCESSÃO.......................................................... 289
3.3
FLORESTA EM ESTÁGIO MÉDIO DE SUCESSÃO........................................................... 290
3.4
FLORESTA EM ESTÁGIO AVANÇADO DE SUCESSÃO .................................................. 291
4.
REPRESENTATIVIDADE DA ÁREA NO PROCESSO DE CONSERVAÇÃO DA BIODIVERSIDADE............................................................................................................... 292
4.1
A DEVASTAÇÃO DA FLORESTA NO PARANÁ................................................................. 292
4.2
REFLEXOS AMBIENTAIS DA FRAGMENTAÇÃO DE HABITATS..................................... 294
5.
RECOMENDAÇÕES............................................................................................................ 296
6.
REFERÊNCIAS.................................................................................................................... 297
CAPÍTULO II – ASPECTOS DA FAUNA SILVESTRE DA T.I. IVAÍ ................................................. 302 1.
INTRODUÇÃO ..................................................................................................................... 302
2.
CARACTERIZAÇÃO BIOGEOGRÁFICA E REGIONAL DA ÁREA .................................... 303
3.
RESULTADOS, DISCUSSÃO E PROPOSTAS .................................................................. 303
3.1.
FATORES RELACIONADOS À COMUNIDADE INDÍGENA: HISTÓRICO LOCAL ............ 303
3.1.1
ORNAMENTAÇÃO E CAÇA DE SUBSISTÊNCIA .............................................................. 303
3.1.2
CULTIVOS DE MONOCULTURAS E CRIAÇÕES DE ANIMAIS DOMÉSTICOS............... 306
3.1.3
SANEAMENTO BÁSICO, EDUCAÇÃO AMBIENTAL E IMPACTOS NA FAUNA SILVESTRE LOCAL............................................................................................................. 307
3.1.4
FAUNA SILVESTRE AMEAÇADA DE EXTINÇÃO OCORRENTE NA REGIÃO E AS CAUSAS DE AMEAÇA .................................................................................................. 307
3.1.5
CAUSAS DE AMEAÇA DIRETA: A CAÇA .......................................................................... 317
3.1.6
CAUSAS DE AMEAÇA INDIRETAS.................................................................................... 319
4.
PROPOSTAS....................................................................................................................... 320
5.
REFERÊNCIAS.................................................................................................................... 321
VOCABULÁRIO ZOOLÓGICO ......................................................................................................... 324 ANEXOS – ANÁLISES...................................................................................................................... 333
APRESENTAÇÃO GERAL
O projeto Gestão Ambiental na Terra Indígena Ivaí – Paraná, aprovado pelo Fundo Nacional do Meio Ambiente, em atendimento ao Edital nº 06/2001, em convênio com a Universidade Estadual de Maringá, Processo nº 0200.009103/2001-50, resultou no Diagnóstico Etno-Ambiental, ora apresentado. A Terra Indígena Ivaí é uma das dezenove áreas indígenas existentes hoje no Paraná, e foi homologada pelo Decreto nº 377 de 14/04/91, e demarcada administrativamente (DOU, 26/12/91), Reg. CRI em Pitanga, Comarca de Laranjeiras do Sul (3.652 ha). Matr. 17.489, Liv. 2 RG, fl. 1, em 07/02/92. Reg. CRI de Manoel Ribas, Comarca de Ivaiporã (3.654 ha), Matr. 25.752, s/Liv., fl. 01. Reg. SPU Cert. 10 em 02/08/94. A área que já foi de 36.000 hectares aproximadamente, cuja posse e usufruto o artigo nº 216 da Constituição Federal de 1946 assegurava, foi reduzida para 7.200 hectares com o acordo datado de 12 de maio de 1949. Antigamente ela era denominada “Toldo Ivaí” mais tarde essa denominação foi substituída por Posto Indígena “Cacique Gregório Kaeckchot” durante alguns anos, em homenagem ao cacique que prestou serviços à administração do S.P.I., Na comunidade Ivaí vivem hoje cerca de 287 famílias de Kaingang num total de 1085 pessoas. As famílias dessa comunidade vivem da agricultura, artesanato, rendas de aposentadoria e salários de alguns de seus componentes. A comunidade possui plantações de soja e milho além da lavoura de arroz cultivado pelo sistema familiar. Através da atividade artesanal, de responsabilidade das mulheres, são fabricados cestos, balaios e outros artigos de taquara, que são vendidos na cidade da região ou trocados por artigos e alimentos, que necessitam para consumo doméstico e que são adquiridos na cidade de Manoel Ribas, distante três quilômetros da sede da aldeia. O Diagnóstico Etno-Ambiental apresenta-se em três partes: A primeira, dividida em três capítulos, aborda a história dos Kaingang no vale do rio Ivaí e da T.I. Ivaí e seu entorno; a caracterização cultural e organização social e econômica e o diagnóstico da situação sócio-cultural e econômica da Terra Indígena Ivaí. A segunda parte trata da caracterização física da área. Dividida em cinco capítulos, ocupa-se dos levantamentos geológicos, geomorfológico, uso e ocupação do solo, rede hidrográfica e aspectos climáticos.
13
A terceira parte busca descrever os principais aspectos da cobertura vegetal e da fauna existentes na T. I. Ivaí.
TERRAS INDÍGENAS DO PARANÁ Existem no Estado, aproximadamente 9.015 Indígenas, habitando 85.264,30 hectares de terra. Esta área está distribuída em 17 terras abrigando as etnias Kaingang, Guarani e seis remanescentes do povo Xetá. Terras Indígenas Palmas
Aldeias Sede, Vila Alegre
Mangueirinha
Tribos Kaingang
População
Municípios
650
Palmas-PR e Abelardo Luz-SC Chopinzinho, Mangueirinha e Coronel Vivida
Sede, Paiol Queimado, Kaingang Fazenda, Palmeirinha, Guarani Água Santa e Mato Branco Rio das Cobras Sede, Campo do Dia, Kaingang Taquara, Pinhal, Lebre, Guarani Trevo, Papagaio e Vila Xetá Nova Ocoy Sede Guarani Marrecas Sede e Campina Kaingang Xetá Ivaí Sede, Laranjal e Bela Kaingang Vista Rio D’Areia Sede Guarani Faxinal Sede e Casulo Kaingang Queimadas Sede, Aldeia do Campo Kaingang Mococa Sede e Gamelão Kaingang Apucaraninha Sede, Toldo, Vila Nova Kaingang e Barreiro Barão de Sede, Cedro e Pedrinha Kaingang Antonina São Jerônimo da Sede e Guarani Kaingang Serra Guarani Xetá Laranjinha Sede Guarani Pinhalzinho Sede Guarani Ilha da Cotinga Sede Guarani *Guaraqueçaba Sede Guarani Tekoha – Añetetê Sede Guarani
1.617
TOTAL
9.015
*Área não Regularizada Fonte: FUNAI - 1995
2.263
Nova Laranjeiras Espigão Alto do Iguaçu
e
Área (Ha) 2.944,00 17.308,07
18.681,98
172 385
São Miguel do Iguaçu Turvo e Guarapuava
231,88 16.538,58
877
Manoel Ribas e Pitanga
7.306,34
51 450 355 79 662
Inácio Martins Cândido de Abreu Ortigueira Ortigueira Londrina
1280,56 2.043,89 3.081,00 848,00 5.574,00
395
São Jerônimo da Serra
3.751,00
375
São Jerônimo da Serra
1.339,00
303 88 68 62 163
Santa Amélia Tomazina Paranaguá Guaraqueçaba Diamante do Ramilândia
284,00 593,00 824,00 861,00 1.744,70
Oeste
e
85.235,030
14
LOCALIZAÇÃO DAS TERRAS INDÍGENAS NO PARANÁ
1
Reserva indígena Ocoí
2
Reserva indígena Rio das Cobras
3
Reserva indígena Mangueirinha
4
Reserva indígena Palmas
5
Reserva indígena Marrecas
6
Reserva indígena Ivaí
7
Reserva indígena Faxinal
8
Reserva indígena Rio D'Areia
9
Reserva indígena Queimadas
10
Reserva indígena Apucaraninha
11
Reserva indígena Barão de Antonina
12
Reserva indígena São Jerônimo da Serra
13
Reserva indígena Laranjinha
14
Reserva indígena Pinhalzinho
15
Reserva indígena Ilha da Cotinga
16
Reserva indígena Mococa
17
Reserva indígena Tekoha-Añetetê OBS.: Existem grupos dispersos em locais não demarcados
Fonte: Assessoria Indígena do Paraná, SEMA - Pr. Adaptado por Lúcio T Mota.
15
LOCALIZAÇÃO GEOGRÁFICA DA TERRA INDÍGENA IVAÍ – PR
Fonte: Marcos R. Nanni
16
TERRAS KAINGANG NO SUL DO BRASIL
PARTE I A ETNO-HISTÓRIA, A CARACTERIZAÇÃO CULTURAL, ORGANIZAÇÃO SOCIAL, ECONÔMICA E DEMOGRÁFICA DOS KAINGANG DA- TERRA INDÍGENA IVAÍ
APRESENTAÇÃO
O presente diagnóstico etno-ambiental foi realizado na Terra Indígena Ivaí (T.I. Ivaí), localizada nos municípios de Manoel Ribas e Pitanga no estado do Paraná no período de junho a dezembro de 2002. Esta parte do diagnóstico referese à pesquisa histórica, etnográfica, sócio-econômica e demográfica da área. Utilizou-se para realização da pesquisa fontes bibliográficas, documentais e da pesquisa de campo junto àquela comunidade. O diagnóstico foi estruturado em três capítulos: no primeiro tratamos da história da presença dos Kaingang na região e suas relações com a sociedade envolvente desde meados do século XIX; no segundo apresentamos as especificidades socioculturais dos Kaingang sobre cosmologia, organização social, parentesco e economia tradicional; e no terceiro a caracterização cultural, organização social e econômica e apresentamos as sugestões para a resolução dos problemas sócio-ambientais diagnosticados durante a pesquisa. Para a elaboração deste diagnóstico foi utilizada a combinação de pesquisa de fontes históricas e antropológicas com a pesquisa etnográfica de campo. A pesquisa de campo foi realizada no período de junho a outubro de 2002. A metodologia de trabalho para realização deste diagnóstico foi conforme a apresentada no projeto. Realizamos um workshop com a comunidade indígena no início dos trabalhos de campo e apresentamos o trabalho de caracterização cultural, econômica e social que seria realizado na comunidade. Com a comunidade definimos os colaboradores indígenas que atuariam com a equipe de antropologia, quais as informações que coletaríamos junto à comunidade com ênfase nas suas características culturais e atividades sociais e econômicas.
19
A equipe também definiu os principais itens da pesquisa bibliográfica e documental sobre a T.I. Ivaí em arquivos da FUNAI e outras instituições, e elaboramos os instrumentos de coleta de informações para o trabalho de campo conforme definido no workshop com a comunidade indígena e na metodologia proposta por William MILLIKEN. Realizado a primeira etapa do trabalho – coleta de informações – a equipe preparou um relatório preliminar da história da área, das atividades sócio-culturais e econômicas da Terra Indígena Ivaí e apresentou o mesmo para avaliação da comunidade. Feitas as observações nesse segundo workshop foi elaborado o presente diagnóstico.
CAPÍTULO I
A HISTÓRIA DOS KAINGANG NO VALE DO RIO IVAÍ – PR. Lúcio Tadeu MOTA** A interação entre meio ambiente e história é sempre dinâmica, um intercâmbio constante entre fatores geográficos (hidrologia, geologia, pedologia, clima, flora e fauna) e forças políticas, econômicas e demográficas.***
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INTRODUÇÃO
As recentes pesquisas lingüísticas sobre os grupos Jê no sul do Brasil apontam para sua chegada na região em torno de 2.000 anos antes do presente. Irvine Davis e Aryon Rodrigues colocam os Kaingang no conjunto das línguas Akwén (Xakriabá, Xavante, e Xerente) e os Xokleng relacionados com Kayapó, Kren-akarorê, Suya e Timbira, todos localizados no Brasil Central. Greg Urban, também ancorado em estudos lingüisticos afirma que os Kaingang e Xokleng teriam iniciado sua migração em direção ao sul nesse momento, há uns 3 mil anos1 Apesar de ainda não sabermos o momento preciso da chegada dessas populações ao sul do rio Paranapanema, e nem as causas de sua separação das outras populações de língua Jê que habitavam os planaltos entre as nascentes dos rios São Francisco e Araguaia, no Brasil central, estabelece-se a forte hipótese de que os Kaingang e Xokleng tiveram suas origens no Brasil Central e migraram para o sul. Do ponto de vista da arqueologia alguns estudos apontam as tradições ceramistas Itararé, Casa de Pedra e Taquara como os ancestrais das populações Jê no sul
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Professor no Departamento de História da Universidade Estadual de Maringá-PR, Doutor em História pela UNESP-Assis, e pesquisador no Programa Interdisciplinar de Estudos de Populações - Laboratório de Arqueologia, Etnologia e Etnohistória da Universidade Estadual de Maringá PR.
[email protected] e
[email protected]. Parte desse relatório contou com a colaboração de Lúcia Gouveia Burato, aluna no programa de pós-graduação em Educação da UEM, Eder Novak e Simone Jacomini, alunos de graduação no curso de História da UEM.
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Cf. Thomas E. SHERIDAN. Os limites do poder: a ecologia política no Império Espanhol no Grande Sudoeste. Caderno Debates, 2. Rio de Janeiro : IPHAN, 1994.
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URBAN, Greg. A história da cultura brasileira segundo as linguas nativas. In: CUNHA, Manuela Carneiro da (Org.) História dos índios no Brasil. São Paulo, Cia das Letras, 1998, p. 90. Ver também Proto Jê phonology. Estudos lingüisticos. Revista brasileira de lingüistica teórica e aplicada. São Paulo, v. 1, n. 2, 1966, p. 10-24. RODRIGUES, Aryon D. Línguas Brasileiras. Para o conhecimento das línguas indígenas. São Paulo, Loyola, 1986.
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do Brasil. Estudos recentes na área sugerem o abandono da utilização desses conceitos de "tradição".2 Apesar dos estudos lingüisticos e dos esforços da arqueologia e da etnohistória em buscar respostas sobre a presença pré-cabralina dos Kaingang e Xokleng no sul do Brasil muitas perguntas ainda continuam sem respostas e demandam esforços conjunto de pesquisadores na elaboração de projetos interdisciplinares que consigam trazer novas interpretações sobre a presença dessas populações Jê no Sul do Brasil. Confrontando uma série de documentos do século XIX3 eles nos dão uma clara visão sobre os territórios Kaingang entre os rios Paranapanema e Uruguai no século XIX e nos mostram que as populações kaingang ocupavam as extensas áreas cobertas de campos naturais entremeadas de bosques de araucárias. Esses vastos campos entremeados de pinheirais (araucárias) forneciam imensas quantidades de pinhões que constituía-se num dos seus principais alimentos e também dos animais que faziam parte de sua dieta. Ainda hoje podemos constatar restos desses campos e dessas florestas de araucárias em várias partes dos locais apontados por Elliot no século passado, e muitos desses locais se transformaram em áreas indígenas dos Kaingang, evidentemente observado a brutal diminuição ocorrida em seus territórios nesses séculos de guerra de conquista. Trabalhando com a hipótese de que os grupos Jê que se deslocaram do Brasil central para o sul foram ocupando regiões semelhantes as que ocupavam em seus locais de origem, podemos afirmar que após ocuparem os planaltos de cerrados entre os rios Tietê e Paranapanema eles iniciaram a ocupação dos Campos Gerais no Paraná. Esses campos se estendem desde o sul de São Paulo - região de Itapetininga até Itararé, entre as cabeceiras dos rios Paranapanema e Itararé - até a margem direita do rio Iguaçu no segundo planalto paranaense. No século XVII os padres jesuítas fundadores das reduções anotaram a presença dos Guarani nos vales dos principais rios do Paraná (Paraná, Paranapanema, Tibagí, Ivaí, Piquiri e partes do Iguaçu) e populações não Guarani, que eles denominaram de Cabeludos e Gualachos nas cabeceiras do Tibagí e Ivaí nas regiões de campos e cerrados.
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Para um balanço da discussão arqueológica sobre a presença dos Jê (Kaingang e Xokleng) no Sul do Brasil ver o texto de Francisco Silva NOELLI nesse volume. Conferir os mapas elaborados por John Elliot, principalmente o Mappa Chorographico da Província do Paraná, desenhado por João Henrique Elliot. 77 x59 cm. Secção Cartográfica do Arquivo Nacional (MVOP A-25). Conferir também a documetação do governo da província do Paraná e a documetação de viajantes da época dicutidas por MOTA.
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No século XVIII, quando se tem o início do tráfego de tropas vindas dos campos de Vacaria no Rio Grande do Sul para o mercado de Sorocaba em São Paulo inúmeros são os relatos sobre a presença dos Kaingang ao longo da estrada do Viamão no planalto paranaense. Em síntese, os Campos Gerais até meados do século XIX estavam conflagrados em ações bélicas militarizadas movida pelos fazendeiros brancos que procuravam expulsar os Kaingang de seus territórios ancestrais. A reação kaingang também foi violenta e militarizada, eles sustentaram uma guerra contra os ocupantes de seus territórios por grande parte do século XIX.4
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Para maiores detalhes sobre a ocupação desse território pelos brancos ver Lúcio Tadeu MOTA. As guerras dos índios Kaingang: a história épica dos índios Kaingang no Paraná (1769-1924). Maringá, Eduem, 1994. Lúcio Tadeu MOTA. A guerra de conquista nos territórios dos índios Kaingang do Tibagi. Revista Regional de História. Ponta Grossa, n.2, v. 1, p. 173-186, 1997. L. M. MOTA; F. S. NOELLI; K. TOMAZINNO. Uri e Wãxi: estudos interdisciplinares dos Kaingang. Londrina: Eduel, 2000.
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Da mesma forma estavam os Koran-bang-rê5 - campos de Guarapuava, os Kreie-bang-rê6 - campos de Palmas, os Xanxa-rê7 - campos de Xanxere hoje em Santa Catarina, os Kampo-rê8 hoje município de Campo Erê, os que habitavam os Min-krin-ia-rê, ou Xongu Chagu9 - a oeste de Guarapuava hoje Laranjeiras do Sul - PR. Mais distantes e isolados da sociedade campeira envolvente estavam os Kaingang dos Kavaru-Koya10 - São Pedro das Missões na Argentina, e por fim os Pahy-ke-rê11 - campos a oeste de Guarapuava entre os rios Ivaí e Iguaçu – também era habitat tradicional de muitos grupos kaingang.
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Conforme Telêmaco BORBA em Actualidade indígena, Curitiba, 1908, p. 118, os campos de Guarapuava eram chamados pelos Kaingang de Côranbang-rê. Coran, dia, ou claro, bang, grande, Rê, campo: Campo do claro grande ou Clareira grande. Seguindo a convenção sobre a grafia dos nomes tribais, substituímos o c pelo k e adotamos a grafia de Koran-bang-rê, em vez de Côranbang-rê utilizada por Borba. 6 Conforme Telêmaco BORBA em Actualidade indígena, Curitiba, 1908, p. 118. Aos campos de Palmas chamam, os Kaingangues Creie-bang-rê. Creie, pilão, Bang, Grande, Rê, campo: Campo do pilão grande. Dizem que lhe pozeram este nome porque alli tinha um grande pilão, ou talvez monjolo, feito por um índio chamado - Nharaburo, Broto de milho. Seguindo a convenção sobre a grafia dos nomes tribais, substituímos o c pelo k e adotamos a grafia de Kreie-bang-rê, em vez de Creie-bang-rê utilizada por Borba. Sobre a ocupação dos campos de Palmas ver Joaquim José Pinto BANDEIRA. Noticia da descoberta do campo de Palmas. RIHGB, 1850, 14:385-397. Os fazendeiros de Guarapuava formaram, em 1839, duas associações para ocupar os campos de Palmas, a de José Ferreira de Souza e a de Pedro Siqueira Cortes. Houve desavenças entre eles na divisão das terras e Pinto Bandeira foi chamado como juiz para fazer a mediação. Eles estabeleceram trinta e sete fazendas nesses campos. Esse contrato entre os habitantes de Guarapuava para a conquista dos campos de Palmas revela em toda sua plenitude o butim a ser conquistado. Para conferir esse contrato ver Pedro Siqueira CORTES Acta de entendimento assignada entre os pretendentes ao povoamento dos campos de Palmas chefiados por Pedro Siqueira Cortes. In: Revista do Círculo de Estudos Bandeirantes, [1839] 1936, Curitiba, p. 319-320. Francisco de Paula NEGRÃO. Os Campos de Palmas. In: Revista do Circulo de Estudos Bandeirantes, Curitiba, 1936. Sobre a atuação do cacique Vitorino Kondá junto aos grupos Kaingang do sudoeste, ver o romance de John ELLIOT. Aricó e Caocoche, Curitiba, 1980. 7 Os dicionários Kaingang definem Xaxá ou Xanxá como sendo cobra cascavel, dessa forma Xanxa-rê seria os campos da cascavel, que os brancos transformaram para Xanxere. Ver Frei Mansueto Barcatta de VAL FLORIANA. Dicionários Kainjkang-Portugues e Portugues-Kainjgang. Revista do Museu Paulista, São Paulo, n. 12, 1920. 8 Conforme Telêmaco BORBA em Actualidade indígena. Curitiba, 1908, p. 118, os territórios a oeste de Palmas denominados pelos brancos de Campo Erê, eram chamados pelos Kaingang de Campo-Rê: Campo, Pulga, Rê, campo: Campo da pulga. Nas correspondências, relatórios e documentação dos conquistadores brancos é utilizada a forma Campo-Erê, o que seria uma redundância, campo-campo. A denominação Campo Erê, dada pelos brancos aos territórios Kaingang dos Kampó-Rê, foi mantida e hoje é nome uma cidade na divisa do Paraná com Santa Catarina. Seguindo a convenção sobre a grafia dos nomes tribais substituímos o c pelo k e adotamos a grafia Kampo-rê, em vez de Campo-Rê utilizada por Borba. Juan B. AMBROSSETTI In: Kaingangues de San Pedro (Missiones) con un vocabulario. Buenos Aires, 1895, adota Campo para pulga. Telêmaco BORBA In: Actualidade indígena, Coritiba, 1908, pp. 34-38, utiliza Campó para pulga. Herbert BALDUS, In: Vocabulário Zoológico Kaingang, Curitiba, 1947 assinala também Kampó para pulga. 9 Conforme Telêmaco BORBA em Actualidade indígena, Curitiba, 1908, p. 118, Xongú, é o nome, no idioma dos kaingangues, de um pequeno arbusto espinhoso que dá neste campo, mas os Kaingangues chamam ao campo, mais commummente: Mincriniarê. Mim, Tigre, Crin, cabeça; Iá, abreviação de iapri, caminho, Rê, campo. Campo da cabeça do tigre no caminho. Contam que, os que iam adiante, na sahida deste campo, mataram um tigre, cortaram-lhe a cabeça, espetaram-n’a em um pao, e o fincaram no caminho, os que vinham atraz viam a cabeça e diziam - Mincriniá - Tigre, cabeça, caminho: Dahi proveio ao campo seo nome que foi substituido pelo outro de Xongú que alteraram em Xagú. e em seguida ficou com a grafia portuguesa de Chagu. Manteremos a denominação de Min-krin-ia-rê para esses campos. 10 Cavaru, traduzido por cavalo, todos os vocabulários acima confirmam essa corruptela que os Kaingang fizeram para Kavarú, e culhá traduzido como matar e comer; temos o verbo Ko, dessa forma Kavaru-koya pode ser entendido como lugar onde se matam e comem cavalos como o próprio Hegreville afirma na nota seguinte. 11 A historiografia paranaense é pródiga ao tratar dos campos do Payquere, Paequere ou Paiquere. Inúmeros são os documentos e os textos históricos que falam dessa região que deveria estar a oeste de Guarapuava. Ermelino de Leão no seu Dicionário Histórico e Geográfico do Paraná afirma que palavra paequerê é da lingua Kamé ou Kaingangue e corresponde a: pae = Senhor, e erê = campo: campo do Senhor. Sabemos que Pahi ou Pahy significa homem, cacique, chefe da tribo, etc, sempre alguém com ascendência no grupo, a palavra ke também significa fazer, e rê igual a campo. Assim poderemos por ora - até que pesquisas lingüisticas mais aprimoradas nos dê o verdadeiro significado - inferir que Pahy-ke-rê poderia ser: campos do chefe ou campos do cacique.
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OS XETÁ E OS KAINGANG NO VALE DO MÉDIO IVAÍ NO SÉCULO XIX
A partir da segunda metade do século XIX, quando recomeça a ocupação branca da região, vamos ter com maior freqüência relatos que descrevem a presença de populações indígenas vale do Ivaí. Os primeiros relatos descrevem a presença de grupos xetá, que foram deslocados Ivaí abaixo pelos Kaingang que começaram a fixarem-se na região. As primeiras evidências que os Xetá estavam no vale do Ivaí são de 1840. Em dezembro de 1842, o Barão de Antonina (João da Silva Machado) respondeu ao Ministério da Guerra sobre as determinações que lhe tinham sido enviadas para que ele mandasse notícias a respeito dos campos denominados Paiquere. Assim ele redigiu a correspondência que pretendia que chegasse ao Imperador: (...) faço o relatório das noticias que pude obter sobre a digressão dos exploradores, e bem assim das memórias antigas sobre aqueles terrenos abandonados, ou já desconhecidos; e aproveitando a opportunidade, envio tambem um batoque, que foi achado em um dos alojamentos, (...) e igualmente envio a V. Ex. uns novellinhos para que Sua Magestade o Imperador veja de que fio usam os indigenas d’aquelle sertão para fazerem seus pequenos tesumes.12 Essa exploração tinha ocorrido em maio de 1842, e o Barão de Antonina, financiador da expedição, recolheu as informações com Antônio Pereira Borges, comandante da companhia exploradora. Composta de 60 homens, ela saiu da freguesia do Amparo - a sete quilômetros a oeste da cidade de Tibagi - em 15/5/1842, passou por Campinas (Campinas Belas), e em 10/6/1842 chegou ao local denominado Cachoeira Grande, no rio Ivai. Ali construíram as canoas para descer o rio e, por volta de 30/6/1842, chegaram às ruínas de Vila Rica. Da cachoeira grande até Vila Rica, na foz do rio Corumbataí, a expedição gastou 14 dias, e foram observando vestigios das escavações de muitas lavras, tanto na margem do rio, como nas caldeiras, d’onde se havia tirado um cascalho rijo á semelhança do que se via nas barranceiras a que os mineiros chamam gopiára.13 Isso indica que já nessa época
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Carta do Barão de Antonina ao Ministério da Guerra em 21/12/1842. R. Inst. Hist. Geogr. Bras., Rio de Janeiro, v.5, p. 109, 1842. 13 Carta do Barão de Antonina ao Ministério da Guerra em 21/12/1842. R. Inst. Hist. Geogr. Bras., Rio de Janeiro, v.5, p 110, 1842.
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havia brancos vasculhando os cascalhos do rio Ivaí, quando este se encontrava na sua cota mais baixa, em busca de ouro e pedras preciosas. Quatro dias de viagem abaixo do Corumbataí, encontraram outra companhia exploradora, que tinha vindo por terra desde Guarapuava. Ela era comandada por Rocha Ferreira, o Rochinha, e também estava determinada a encontrar os campos do Paiquere. A partir desse encontro as duas companhias se uniram e desceram o Ivai até o rio Paraná. Mas, logo abaixo do ponto de encontro das duas companhias, começaram a perceber. (...) vestigios de immensidade de gentio, que habita n’aquelles sertões; elles observavam os nossos navegantes, mas quando estes saltavam em terra, corriam em grandes porções, fazendo rumor, que parecia ser de muitos centenares, sem que tratassem de acommetter, e nem de emboscar-se para fazer mal aos nossos exploradores; estes tambem foram cavalleiros, porque os não parseguiam, e nem destruiram os alojamentos, que sucessivamente emcontraram pela margem do rio Ubahy em dez dias de viagem até sahir no rio Paraná. (...) Nos alojamentos que foram descobrindo logo para baixo do Porto do Bom Encontro, até navegaram no rio Paraná, acharam sete canôas grandes e muito limpas, (....) Acharam muitas roças de mato virgem derrubadas, (...) em d’esses alojamentos da costa do Paraná achou Borges um batoque d’alambre de um palmo de comprimento, (....) acharam teares onde o gentio tece o panno de algodão.14 Após fazerem o reconhecimento do rio Ivaí e de parte do rio Paraná, as duas companhias voltaram ao ponto onde tinham se encontrado (porto do Bom Encontro) e dali rumaram para Guarapuava por terra, pela picada que a expedição de Rochinha tinha feito. Muitos anos depois, em um relatório de 08/08/1855, Francisco F. da Rocha Loures, diretor dos índios da província paranaense, confirmou essa expedição, da qual ele fez parte, e opinou sobre os índios que ali viviam: (...) são muito mais industriosos e a amigos do trabalho com especialidade os que habitam as margens do Paraná e parte das do Rio Ivay de certa altura para baixo occularmente observei quando em 1842, por alli andei junto com o alferes Antonio Pereira Borges sem que lhes fizesse o menor mal e antes se lhes deixou muitos brindes em algumas de suas habitações que desamparavam com nossa presença.15 Com certeza, a expedição de Antônio Borges Pereira teve contato com os índios Xetá que viviam nos territórios do baixo Ivaí, no noroeste da província. As evidências de que eram os Xetá se confirmam pelo batoque de resina de pinheiro (alambre) e pelos teares e tecidos de algodão fabricados por eles.
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Carta do Barão de Antonina ao Ministério da Guerra em 21/12/1842. R. Inst. Hist. Geogr. Bras., Rio de Janeiro, v.5, p 111, 1842.
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Passados três anos, o Barão de Antonina enviou outra expedição exploradora aos territórios indígenas do vale dos rios Paraná e Ivaí, comandada pelo seu genro, Vergueiro. Ela tinha como membros os experientes Joaquim Francisco Lopes e John Henrique Elliot e mais sete camaradas. Eles partiram da fazenda Pirituva no dia 16 de agosto de 1845 e no dia sete de outubro chegaram à barra do Ivaí no rio Paraná. Onze dias depois, subindo o rio, encontraram os primeiros vestígios dos índios: eram árvores derrubadas de onde eles tinham retirado mel, pegadas frescas nos barreiros onde animais iam à procura de sal e ranchos abandonados. No dia 17 ouviram os sons das buzinas e no dia 28 encontraram seis ranchos dos índios, no lugar denominado porto do Bom Encontro. Elliot calcula que esses ranchos poderiam abrigar em torno de 250 pessoas. Conforme subiam o rio, os sinais da presença dos índios multiplicavam-se, até que no dia 19 de novembro eles encontraram um Okáwautchu16 Xetá. Assim Elliot relatou o encontro: O senhor Lopes e Vergueiro e mais hum camarada que hiam na canôa grande saltaram em terra logo ouviram a conversa dos Indios e andando pé por pé chegou até 4 a 5 braças distante delles sem ser percebido, humas 12 mulheres estavam sentadas em meio circulo discutindo os merecimentos de uma enorme panella de palmito e carne de queixada, e ao mesmo tempo sustentando uma conversa animada no extremo pouco mais adiante estava 5 homens dois filhos e treis moças com uma loquacidade pouco inferior das senhoras, ascentadas ao pé de dois porcos mortos e perto de uma duzia de Jacutinga sobre os quaes de toda a probabilidade estavam discertando eis ahi quando toda esta armonia foi despertada com a apparição do senhor Lopes que surgindo de repente no meio foi um espanto difficil de descrever, (...) e de terror sahiu-se simultaneamente ficaram paralizadas e estupefatas (...) fugir mais a maior parte nem animo para isso e antes que elles acordassem do susto o senhor Lopes não descuidou de distribuir (...) de entre aquelles que elle podia alcançar que nada teve de temer de nós foram recebendo e sahindo de um em um não (...) desejos de ter sua quinhão de nossas (...) isto se passou em poucos minutos e quando nossa gente chegou acharam todos em páz.17 O pequeno grupo preparava a primeira refeição do dia, tamanho foi o susto com a súbita aparição de Joaquim F. Lopes, que ficaram paralisados por alguns instantes. Refeitos do susto, recebidos os presentes (facas, foices, anzóis, miçangas, espelhos), Elliot anotou que alguns deles, principalmente os mais velhos, falavam algumas palavras em espanhol e temiam as armas de fogo dos membros da expedição. Apesar de alguns deles
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Ofícios, 08/08/1855. 1855, Boletim do Arquivo do Paraná, Curitiba, v.7, n.11, p.48-52, 1982 Okáwautchu seria: “um local grande limpo no mato, onde se derrubam arvores, tira os tocos etc, e se constróem os tapuy apoengue (casa grande), eram as casas do tempo que o grupo era grande. Nelas viviam várias famílias juntas.” Agradeço aqui a Carmen L. Silva, do Museu de Paranaguá, pelas informações prestadas sobre a cultura dos Xetá. 17 ELLIOT, John H. Itinerario de huma viagem de exploração pelos rios Verde, Itararei, Paranapanema, e os sertões circunjacentes mandado fazer pelo Exo snr. Barão de Antonina em 1845. In: AYROSA, Plinio Marques da Silva. As “entradas” de Joaquim Francisco Lopes e João Henrique Elliot. R. Inst. Hist. Geogr. Etnogr. São Paulo. São Paulo, v.28, p.230-267, 1930. 16
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terem alguns instrumentos de metal, feitos com restos de antigas espadas e pregos, a maioria, utilizava machados de pedras e outros instrumentos líticos, e estavam armados com arco e flecha. A aparência física dos indivíduos, descrita por Elliot, leva a concluir que eram um grupo xetá. (...) o labio inferior furado e dentro do ourificio hum botoque de rezina que a primeira vista parecia alhiambre, homens e mulheres traziam os cabellos compridos e ambos cobria as partes que o pudor manda esconder, as mulheres com uma qualidade de tanga de panno grosso tecido da fibras de ortiga brava, e os homens com pedaço do mesmo. (...) a sua linguagem das poucas palavras que nós podia intender parece ser o Guarany.18 Após esse encontro, os Xetá evitaram a expedição, que não conseguiu mais contato com eles. As características desse grupo conferem com as descritas pela expedição de Borges em 1842, que, apesar de não ter entrado em contato com os índios, encontrou em suas moradias batoques de resina como os descritos por Elliot. Os cabelos compridos e os batoques usados pelos homens e mulheres os diferenciavam dos Kaingang, que usavam cabelos curtos e não usavam batoques. Por fim, sua língua era parecida com a dos subgrupos guarani, como os Kayoá, com quem Elliot tinha convivia nas proximidades da fazenda Pirituva, nas cabeceiras do rio Itararé, em São Paulo. Passados alguns anos, em fevereiro de 1855, o Dr. Faivre, fundador da colônia Teresa Cristina nas margens do alto Ivaí no mesmo local onde a expedição de Lopes e Elliot tinham deixado o rio Ivai para prosseguirem por terra de volta à fazenda do Barão, informou ao presidente Zacarias que o trecho da estrada de Guarapuava à colônia Teresa Cristina estava pronto e ele iria iniciar o segundo trecho, que iria da colônia até Ponta Grossa. No ano seguinte, vamos encontrá-lo trabalhando na exploração da região para abertura da estrada para Ponta Grossa, conforme informa o relatório do presidente Carvalhaes. Nas explorações e reconhecimento do terreno, que para esse fim mandou fazer o Dr. Faivre, foi encontrado um toldo de selvagens, provavelmente pertencente á familia dos botocudos, cuja presença, intimidando os exploradores, demorou por algum tempo o andamento dos trabalhos.19 Se as informações do relatório de Carvalhaes forem corretas, algum grupo Xetá estava circulando no vale do alto rio Ivaí nesses meados dos anos da década de 1850.
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ELLIOT, John H. Itinerario de huma viagem de exploração pelos rios Verde, Itararei, Paranapanema, e os sertões circunjacentes mandado fazer pelo Exo snr. Barão de Antonina em 1845. In: AYROSA, Plinio Marques da Silva. As “entradas” de Joaquim Francisco Lopes e João Henrique Elliot. R. Inst. Hist. Geogr. Etnogr. São Paulo. São Paulo, v.28, p.262, 1930. 19 PARANÁ. Governador (1856-1857 : Carvalhaes). Relatório apresentado á Assembléa Legislativa Provincial da Província do Paraná no dia 7 de janeiro de 1857 pelo Vice presidente José Antônio Vaz de Carvalhaes. Curityba : Typ. Lopes, 1857, p.58.
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Vinte anos depois, em 1870, assim que Joscelyn Borba assumiu o cargo de diretor da colônia Teresa Cristina, uma de suas primeiras tarefas foi explorar as redondezas, e aí foi informado da existência de um grupo xetá vivendo na sua vizinhança. Em data de 20 de setembro deu-me aquelle diretor conhecimento de que, por ocasião de uma exploração a que procedeu, encontrára um índio Botocudo, por intermédio do qual fôra avisado da existência de um alojamento da tribu no sertão que margea o rio Ivahy. Recommendei-lhe que empregasse todos os esforços para attrahir esses indios, e das diligencias postas em pratica resultou a vinda de 10 de ambos os sexos para a colonia onde se acham.20 Nessa exploração o irmão mais novo dos Borba provavelmente encontrou um índio xetá que lhe deu as indicações de acampamentos seus nas matas do Ivaí, abaixo de Teresa Cristina. Essas informações, de Faivre e Joscelyn Borba, são as que situam os Xetá no ponto mais meridional do vale do Ivaí; além dela não vamos encontrar nenhuma outra que registre sua presença mais ao sul. Nos parece que nesse momento a extremidade sul de seus territórios atinge as imediações da colônia Teresa Cristina, e eles já estão sendo pressionados pelos Kaingang a se afastarem das margens do Ivaí e se refugiarem nas altas serras do vale. Três anos depois, os Xetá serão localizados, pelo engenheiro Thomas BiggWither, nas serras próximas da corredeira Ariranha no rio Ivaí, a uns 150 quilômetros abaixo de Teresa Cristina. Com certeza os Kaingang, deslocados de seus campos, começaram a ocupar os territórios no vale do alto Ivaí e foram deslocando os Xetá Ivaí abaixo e para os territórios montanhosos entre o Ivaí e o Corumbatai. Thomas P. Bigg-Wither que trabalhava na demarcação da ferrovia transcontinental que cortaria a província paranaense ao longo do vale do rio Ivaí, ergueu seus acampamentos próximo das corredeiras do Ariranha, hoje município de Ivaiporã. Nesse local os camaradas brasileiros demonstraram inquietação e medo dos “bugres brabos”. Um deles tinha ido ao mato buscar lenha e avistou um índio espionando-o; imediatamente o alarma foi dado e os camaradas, armados de garruchas, espingardas e facas, saíram no encalço do Xetá. Verdade ou não, esse incidente foi o começo de um pânico que, desse dia em diante, cresceu e se desenvolveu em marcha alarmante.21 Daí em diante a situação tornou-se insuportável; os homens se recusavam a trabalhar, afastados do acampamento, outros desertaram voltando para Teresa Cristina, e outros ainda simularam doenças para não saírem dos ranchos. Os trabalhos praticamente
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PARANÁ. Governador (1870 : Leão). Relatório apresentado ao Excellentissimo Senhor Presidente Dr. Venâncio José de Oliveira Lisboa pelo Exmo. Sr. Vice-Presidente Dr. Agostinho Ermelino de Leão por occasião de passar-lhe a administração da Província do Paraná (24/12/1870). Curityba : Typ. Lopes, 1871. p.22. BIGG-WITHER, Thomas P. Novo caminho no Brasil meridional: a província do Paraná. Rio de Janeiro, José Olympio, 1974. p. 281.
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paralisaram. Analisando a situação de pânico causada pelas aparições dos índios, e percebendo que a tendência era de os seus camaradas abandonarem os trabalhos e subirem o rio de volta à colônia Teresa Cristina, Bigg-Wither resolveu ir a busca desses índios e capturá-los, demonstrando aos seus homens que eles não eram o perigo que imaginavam. Nessa época havia um índio Guarani-Kayowá de nome Luco trabalhando com Bigg-Wither nas corredeiras da Ariranha; guiado por ele, o engenheiro inglês partiu atrás dos índios que amedrontavam seus camaradas. Após capturarem um índio adulto que tudo fez para despistar os brancos, os homens de Bigg-Wither cercaram um rancho xetá de madrugada e surpreenderam um pequeno grupo de indivíduos. Onze seres miseráveis estavam de cócoras, na apatia da mais profunda depressão. Fizemos a captura sem muita dificuldade. Os ocupantes do rancho foram apanhados completamente de surpresa, não oferecendo nenhuma resistência. Havia dois homens, quatro mulheres e cinco crianças, além do nosso primeiro prisioneiro. Doze ao todo. (....) Todos, homens, mulheres, crianças, usavam o cabelo de maneira igual, caindo embaraçado e abundantemente para os lados e para trás da cabeça, porem com uma franja sobre a testa. Todos adornados com penas de tucano, presas ao cabelo com cera virgem. (....) Talvez o efeito mais desagradavel produzido no falar dos homens fosse o escorrer continuo da saliva que do lábio inferior descia pelo ornamento ali engastado.22 O pequeno grupo de 12 índios foi levado para o acampamento Ariranha. Uma semana depois, Luco capturou outro grupo, de 14 Xetá, que também foram levados para Ariranha, reunindo ali 26 índios. Depois de quinze dias convivendo com os brancos eles foram enviados em canoas para a colônia Teresa Cristina, ficando no acampamento apenas duas crianças: uma menina de oito anos e um menino de nove; Bigg-Wither resolveu separá-las dos pais e criá-las. Mas o destino dos Xetá capturados foi terrível. Pobres índios, o fim lhes foi triste. Morreram um a um, antes da chegada a colônia Teresa. Irrompeu uma epidemia disentérica entre eles, causada provavelmente pela mudança de alimentação, especialmente pelo sal, a que, no estado selvagem, estavam inteiramente desacostumados. A doença começou com as crianças, as primeiras vítimas, atingindo depois rapidamente os adultos que morreram um após outro, até que, quando fui à colonia um mês mais tarde, encontrei vivos apenas dois dos vinte e cinco que tinham partido de nosso acampamento. (....) No dia 28 de agosto, depois da partida do grupo principal de botocudos para Colônia Teresa, a menina adoeceu. E no dia seguinte o menino ficou igualmente indisposto. (...) Na noite do sétimo dia ela morreu e na manhã seguinte foi enterrada nas cercanias do acampamento, perto da margem do rio.23
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BIGG-WITHER, Thomas P. Novo caminho no Brasil meridional: a província do Paraná. Rio de Janeiro, José Olympio, 1974, p. 297. BIGG-WITHER, Thomas P. Novo caminho no Brasil meridional: a província do Paraná. Rio de Janeiro, José Olympio, 1974. p. 308.
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Cemitério do acampamento do Salto do Ariranha no rio Ivaí, aí estão enterrados a pequena Xetá de nome Oitãna (cova menor) e o Pedro Batista, camarada de Bigg-Wither que morreu afogado dois dias depois. Imagem digitalizada do livro. Thomas P, BIGG-WITHER. Novo caminho no Brasil meridional: a província do Paraná. Rio de Janeiro, José Olympio, 1974. p. 311.
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Chefe Xetá capturado por Bigg-Wither nas serras próximas ao Salto do Ariranha no rio Ivaí em agosto de 1873. Imagem digitalizada do livro. Thomas P. BIGG-WITHER. Novo caminho no Brasil meridional: a província do Paraná. Rio de Janeiro, José Olympio, 1974. p. 283.
Desgostoso com o ocorrido com os índios, abalados pela morte da pequena Oitãna e com a morte de um de seus camaradas afogado no rio dois dias depois do enterro da menina xetá, Bigg-Wither foi explorar o vale do rio Tibagi. Deixou o triste relato e os desenhos que fez do seu contato com os índios xetá que habitavam as florestas nas imediações do salto Ariranha, no rio Ivaí. Após esses fatos poucas notícias se têm dos Xetá no Paraná provincial. Uma delas foi dada por Telêmaco Borba, de que havia um Xetá vivendo como escravo dos Kaingang no aldeamento de São Pedro de Alcântara. A outra também se refere à presença de Xetá cativos entre os Kaingang do vale do Ivaí, anotada por Alberto Vojtech Fric, cientista e fotógrafo tcheco que por ali passou em 1907. Também sabemos que Curt Numuendaju estudou, em 1912, dois cativos dos Kaingang; ele classificou sua língua como pertencente aos Guarani. Essas referências confirmam, com certeza, que premidos como estavam pelos brancos, que ocupavam seus territórios nas várias áreas de campos, os Kaingang passaram a ocupar os tradicionais territórios Xetá nas espessas matas das margens do Ivaí.
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Isso deve ter resultado no acirramento das guerras tribais existentes entre eles e os Xetá no século XIX. Como resultante, muitos Xetá acabaram prisioneiros dos Kaingang, e por eles foram levados para os aldeamentos do vale do Tibagi ou para seus emã24 que estavam sendo estabelecidos nos novos territórios conquistados dos Xetá no vale do rio Ivaí. A presença de grupos kaingang no Ivaí está relacionada com a expansão das fazendas de gado nos Campos Gerais e na região de Guarapuava. Daí em diante os Kaingang foram instalando-se nas matas das serras do vale do rio Ivaí, mas ali também passaram a sofrer a pressão das populações brancas que chegavam para ocupar esses territórios. E essa ocupação iniciou-se com a fundação da Colônia francesa de Teresa Cristina, em 1847, nas margens do rio Ivaí. João Maurício Faivre, mais conhecido como Dr. Faivre, teve apoio, emprestimos e subvenções do Governo Imperial25 para a sua implantação. Mas, em troca do apoio e das subvenções, o Dr. Faivre assumiu com o governo do Império a obrigação de: a) estabelecer novos núcleos de colonização no prazo de 3 anos; b) abertura de estradas da colonia para Ponta Grossa e Guarapuava; c) cuidar da catechese e civilização dos índios que habitam as matas vizinhas à colonia Teresa.26
Dessa forma, apoiando e incentivando a implantação das colônias estrangeiras, o Império praticava uma de suas políticas de ocupação de territórios indígenas no Paraná. No caso da colônia Teresa Cristina, ela foi instalada no ponto mais avançado dos territórios indígenas no vale do rio Ivaí, a oeste de Ponta Grossa e nordeste da vila de Guarapuava. Apesar de ocupar esse lugar estratégico para a entrada e ocupação das terras do vale do rio Ivaí, ela não prosperou conforme a previsão do seu fundador. Por volta de meados da década de 1870, vamos constatar a presença de vários grupos Kaingang se fixando em diversas localidades do alto rio Ivaí, entre Ponta Grossa e Guarapuava, nas imediações de Teresa Cristina. A partir daí eles desenvolveram a política de reivindicar das autoridades a demarcação de suas terras e ajuda material. Em 1871, os Kaingang já estão instalados nas imediações da colônia Teresa Cristina. Joscelyn Borba, então diretor dessa colônia, informou que gastou a quantia de
24
Os Kaingang denominavam seus locais de moradia de Emã = Aldeia logar de morada, conforme expressão coletada por Telêmaco Borba, ou Jamá = minha terra de já = minha e emã = terra, bairro, conforme o dicionário de Val Floriana. Cf. Telêmaco BORBA. Actualidade Indígena. Coritiba, 1908, p. 48.. 25 Para maiores detalhes sobre o assunto ver João Maurício FAIVRE. Colónia Thereza. Boletim do Arquivo do Paraná. Curitiba, n. 3, v. 2/3, p. 26-31, 1978. Esse relatório do Dr. Faivre sobre o histórico e a situação de sua colônia foi escrito em 4 de março de 1858, seis meses antes de sua morte.
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93$000 na compra de presentes e solicitou mais 430$000 para a compra de ferramentas para os índios dessa localidade, conforme ofício da Tesouraria da Fazenda da província.27 Do relatório do diretor da colônia de 1871, o presidente da província retirou os seguintes dados: a população branca era de 350 pessoas e havia 67 índios Kaingang vivendo nas proximidades, no entanto não temos os dados sobre a chegada dos Kaingang a Teresa Cristina, fica, portanto, por enquanto, o ano de 1870 como marcador da presença kaingang no vale do Ivaí. Em 31 de dezembro o delegado de polícia de Guarapuava informou que vários grupos de índios kaingang, vindos de São Jerônimo da Serra, São Pedro de Alcântara e dos campos do Paiquere, estavam se concentrando, havia mais de dois anos, nas proximidades do rio Marrecas, na estrada que ligava Guarapuava à colônia Teresa Cristina. Esses grupos que estavam no rio Marrecas, mais os da colônia Teresa Cristina, que estavam localizados na margem esquerda do rio Ivaí, iam sempre a Guarapuava solicitar das autoridades vestuário, ferramentas, pólvora, chumbo e alimentos. Também solicitavam um engenho para o fabrico de açúcar e aguardente. A década de 1870 vai ser marcada pelas reivindicações de demarcação de terras nos aldeamentos religiosos e pelo surgimento de novos núcleos indígenas independentes da vontade dos poderes, que se esforçavam para colocá-los nos aldeamentos religiosos. Se por um lado os aldeamentos religiosos vão se esvaziando, por outro torna-se renhida a luta dos índios para manutenção dos territórios por eles escolhidos, como é o caso desse núcleo de Marrecas, que mais tarde iria se transformar na área indígena de Marrecas. Em meados de 1872, o engenheiro inglês Thomas P. Bigg-Wither estava em Teresa Cristina fazendo os preparativos para a exploração do vale do rio Ivaí. Para uma população de 400 brancos da colônia, ele registrou a presença de um grupo de 40 Kaingang, que tinham seu emã na margem oposta do rio, defronte à povoação. Convidado para jantar na casa de Joscelin M. Borba, que nessa época era o diretor da colônia, BiggWither recebeu a visita dos índios. Foram entrando para o interior da casa e se sentando silenciosamente sobre as caixas e fardos espalhados pelos quartos. Julgadas visitas inoportunas, eles foram mandados embora com a promessa de que os estrangeiros os visitariam no dia seguinte. No emã dos Kaingang, Bigg-Wither anotou que eles vestiam apenas uma tanga curta, tanto os homens como as mulheres, e as crianças estavam completamente nuas. O etnocentrismo europeu aparece em toda sua pujança quando ele traça o perfil psicológico desses Kaingang. A expressão do rosto nos adultos era vazia e
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PARANÁ. Governador (1853 - 1855 Vasconcelos), 15 jul. 1854, p. 58. ARQUIVO PÚBLICO DO PARANÁ, Curitiba. Ofício. 19 jul. 1871, p 96, (doc. manuscrito).
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parecia indicar muito pouca inteligência. (...) As crianças, ao contrário dos pais pareciam inteligentes, vivas e aproveitáveis. Aproveitáveis para que? Certamente para serem “civilizadas”. Percebe-se na fala do engenheiro inglês o mesmo padrão de entendimento de muitos intelectuais e religiosos da época, de que os índios adultos eram um caso perdido para o serviço da “catequese e civilização” e se deveria investir nas crianças e jovens, se possível separando-os dos pais, caso se quisesse ter sucesso nesse serviço. Bigg-Wither ainda anota que quarenta Kaingang desse emã viviam em quatro casas construídas à maneira tradicional dos índios e que não seguiam o modelo das casas dos brancos de Teresa Cristina. O interior delas obedecia às velhas tradições desses índios: dormiam sobre uma cama de folhas secas de palmeiras dispostas ao longo de uma fogueira que percorria o centro da casa no sentido longitudinal; eles dormiam com os pés voltados para esse risco de fogo e a cabeça voltada para as paredes laterais. Alimentavam-se de milho, que assavam nas fogueiras, e havia, andando pelo chão dessas cabanas vários papagaios e periquitos. Observou ainda: (...) variado e grande número de arcos e flechas, algumas destas artisticamente ornamentadas de pigmentos coloridos, penduradas na folha de palmeira, além de uma ou duas armas mais civilizadas, como machados e foices, mostrando que, embora os índios tivessem aprendido a fazer roças, e semear milho e feijão todos os anos, não tinham ainda abandonado os costumes e as armas dos antepassados.28 Com certeza, esses nativos mantinham os costumes de seus antepassados. Só vestiam roupas de brancos para irem à colônia comercializar seus produtos ou tomar conhecimento de alguma novidade, como foi o caso da chegada da turma de trabalho de Bigg-Wither. Construíam suas casas e moravam nelas como seus antepassados; continuavam a construir seus paris (armadilhas de pesca) no rio Ivaí, de onde retiravam fartas quantidades de peixes; usavam seus arcos e flechas com extrema habilidade, como foi descrito pelo engenheiro, e usavam armas de fogo e ferramentas de ferro. Um desses Kaingang gastou o valor de quatro meses de salários, 180$000 (cento e oitenta mil réis), recebidos por serviços prestados ao engenheiro, na compra de uma pistola de bronze de um comerciante de Teresa Cristina, uma clara evidência do seu interesse pelas armas dos brancos. Alguns anos depois dessa visita, em 23 de abril de 1879, os moradores da colônia Teresa Cristina fizeram um abaixo assinado ao diretor dos índios de Guarapuava denunciando que os Kaingang estavam ocupando terras reservadas para a colônia, e
28
BIGG-WITHER, Thomas P. Novo Caminho no Brasil meridional: a província do Paraná, três anos de vida em suas florestas e campos 1872/1875. Rio de Janeiro, 1974, p. 137-148.
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pediram ao diretor que escolhesse um local para eles.29 Esse abaixo-assinado, subscrito por treze moradores, indica conflitos e tensões entre os índios e a população branca na região em torno das terras do vale do Ivaí.
Índio Kaingang que vivia nas proximidades da colônia Teresa Cristina em 1872 desenhado por BIGG-WITHER. Novo caminho no Brasil meridional: a província do Paraná. Rio de Janeiro, José Olympio, 1974. p. 139.
Em novembro de 1879, o novo diretor dos índios em Guarapuava, Luís Daniel Cleve, solicitou ao governo provincial informações sobre a área da colônia Teresa Cristina. Isso porque; Tendo-se tambem mudado para ali um numero de 200 indios mais ou menos, estabeleceram-se nas terras aludidas, e reclamam contra elles os moradores; para acabar com essas duvidas rogo a V. Exa. que se digne esclarecer-me de que modo devo proceder para que ellas cessem e sejam descriminadas as terras ocupadas das devolutas.30 As terras da pequena colônia fundada pelo Dr. Faivre em 1847 já não eram suficientes para as populações brancas que estendiam a ocupação ao longo do vale do rio Ivaí, e a presença de populações indígenas nessa mesma área atrapalhava seus planos de
29 30
ARQUIVO PÚBLICO DO PARANÁ, Curitiba. Ofício. 23 abr. 1879, p 120-121, (doc. manuscrito). ARQUIVO PÚBLICO DO PARANÁ, Curitiba. Ofício. 28 nov. 1879, p 74-77, (doc. manuscrito).
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expansão. Por isso sua movimentação com o abaixo-assinado ao diretor dos índios solicitando a demarcação de uma área para os Kaingang, e pedidos de esclarecimentos junto às autoridades sobre as terras que poderiam ser ocupadas e as que eram terras nacionais.
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OS PRINCIPAIS GRUPOS KAINGANG ESTABELECIDOS NO VALE DO IVAI NO SÉCULO XIX Se o vale do Ivaí não era o habitat tradicional dos grupos kaingang, e sim dos
Xetá como vimos acima, quais foram os grupos kaingang que para aí se deslocaram e de onde vieram são as questões que procuraremos resolver a seguir. Os primeiros grupos que ocuparam a região acima da Colônia Teresa Cristina, nos rios dos Patos e Lageado, formadores do rio Ivai, e depois se deslocando Ivai abaixo foram grupos vindo do Norte da Província – São Jerônimo - Guarapuava, Marrecas e da própria Colônia Teresa Cristina, alguns deles identificados com os caciques Feliciano, Felisbino e Paulino Arak-xo.
3.1
OS EMÃ DE ENXOVIA Em abril de 1878, os Kaingang se encontravam em grande número na
localidade denominada Enxovia31, e conforme as autoridades de Ponta Grossa eles punham em risco as famílias brancas que estavam ocupando terras a oeste dessa cidade. O delegado de Ponta Grossa recebeu comunicações de vários locais sobre o perigo dos índios.32 Em 2 de abril o delegado de policia de Ponta Grossa, Domingos Ferreira Pinto, comunicou ao presidente da província as providências que tinha tomado contra as ameaças dos índios que estavam se concentrando no quarteirão da Enxovia: Chegando ao meu conhecimento que indios de diversas paragens reunemse no quarteirão da Enxovia deste termo e nas mattas, proximas as divisas do termo de Guarapuava a 16 leguas mais ou menos desta cidade, impondo (...) receio aos moradores daqueles quarteiroões, ordenei ao subdelegado do Districto do Capim , Capitão José Prudencio Marcondes que ali fosse tomar algumas providencias pudesem impedir qualquer tentatativa da parte dos selvagens, isto é, por intermedio dos inspectores
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32
Pequeno povoado no município de Ipiranga hoje denominado de Bom Jardim. Fica na estrada de Ponta Grossa – Ipiranga – Ivai - Teresa Cristina, a mais ou menos 15 Km a leste do emã de Barra Vermelha. ARQUIVO PÚBLICO DO PARANÁ, Curitiba. Ofício. 1 abr. 1878, p. 101, (doc. manuscrito).
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se unirem-se os moradores dos ditos quarteirões e estarem de sob a vizo.33 Pelas comunicações dos inspetores de quarteirão, sabemos que os Kaingang que estavam se reunindo perto do quarteirão da Enxovia vinham de São Jerônimo, colônia Teresa Cristina e Marrecas, mas também devia haver índios que já estavam nessas localidades do vale do rio Ivaí, havia mais tempo. Pressionados pelos avanços das ocupações dos brancos, resolveram pedir ajuda aos Kaingang dessa e de outras localidades para pressionarem o governo provincial na questão das terras. Em 24 de abril o delegado de Ponta Grossa, Domingos Ferreira Pinto, enviou ao chefe de policia da província, o Carlos Augusto de Carvalho, a solicitação de compra de equipamentos para fabrico de aguardente e açúcar para os índios estabelecidos no quarteirão da Enxovia. Como vimos acima, o delegado de Ponta Grossa enviou o subdelegado do distrito do Cupim - Santo Antônio de Imbituva - para que fosse à Enxovia tratar das ameaças que os índios estavam fazendo. Lá ele encontrou um pequeno grupo de 20 casais de Kaingang. Conforme as informações do capitão José Prudêncio de Marcondes, eles eram: (...) dedicados ao trabalho (...) pois os referidos índios estão com uma plantação de canna, regulando de doze a dezaceis quarteis, e pedem carecidamente para que o governo lhes (...) u,a Caldeira um alambique para poderem aproveitar o suor de seu trabalho, bem assim um pratico para guial-os no serviço da canna, e como nada posso fazer a respeito dessa reclamação, levo ao conhecimento de V. Exa. a fim de ver se podem ser attendidos as reclamações e pedidos dos mesmos índios.34 Essa solicitação foi enviada no dia 4 de maio ao presidente da província pelo chefe de policia. Os moradores denunciaram os índios como uma ameaça às suas famílias. Após a visita do subdelegado de polícia de Imbituva, verificou-se que os índios que estavam na Enxovia eram apenas 20 casais dedicados ao plantio da cana que queriam industrializar. Percebemos aqui várias falas entrecruzando-se com interesses diferenciados. Os moradores que denunciaram os índios como uma ameaça às suas famílias para as autoridades, no caso os inspetores de quarteirão, subdelegados, delegado, chefe de policia provincial, até chegar ao presidente da província, visavam afastar os índios das terras que estavam ocupando. Os índios levavam adiante duas táticas na estratégia de conseguir a demarcação de suas terras. Para as populações brancas das zonas de ocupação, eles executavam uma ação teatral - nos termos apontados por Todorov na Conquista da América
33 34
ARQUIVO PÚBLICO DO PARANÁ, Curitiba. Ofício. 2 abr. 1878, p. 102, (doc. manuscrito). ARQUIVO PÚBLICO DO PARANÁ, Curitiba. Ofício. 24 abr. 1878, p. 51-52, (doc. manuscrito).
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- concentrando-se em grande número em determinado local com ameaças de matar todos os brancos, no intuito de amedrontá-los e fazê-los sair de seus territórios, chegando em alguns casos de fato haver mortes. Para as autoridades provinciais, eles se apresentavam como bons e humildes trabalhadores que queriam apenas cultivar a terra e viver da agricultura num determinado local, aproveitando-se disso para solicitar terras, ferramentas agrícolas e objetos para industrializar a cana. A ação das autoridades era no sentido de levar adiante a conquista através da integração dos índios ao trabalho e aos costumes dos brancos; portanto, nada mais razoável do que lhes fornecer esses apetrechos para fixá-los num pedaço de terra e transformá-los em agricultores.
3.2
OS CACIQUES FELICIANO, FELISBINO E OS EMÃ DE BARRA VERMELHA Em 5 de dezembro de 1878, o delegado de polícia de Guarapuava escreveu
uma carta ao delegado de Ponta Grossa recomendando o índio kaingang Felisbino, que ia lhe pedir ajuda para montar um engenho de cana. Amigo e Senhor. O portador desta carta hé o indio de nome Felisbino, filho do cacique de nome Feliciano, residente no Toldo denominado da Barra Vermelha. A localidade de Barra Vermelha ficava entre Guarapuava e Ponta Grossa, na margem direita do rio Lajeado, um dos formadores do rio Ivaí, hoje no município de Ivaí. O Kaingang Felisbino estava seguindo para Curitiba no intuito de conseguir do presidente da província auxílio para montagem de um equipamento para industrialização da cana que tinham plantado. Eles precisavam não só de um engenho, mais ainda de hum alambique e dous tachos. Os Kaingang chefiados pelo cacique Feliciano tinham solicitado ao delegado de Guarapuava esses auxílios, mas este, considerando que as aldeias do grupo de Feliciano estavam sob a jurisdição de Ponta Grossa, enviou-os para lá com recomendações elogiosas sobre o caráter desses índios. Em 12 de janeiro o delegado de Ponta Grossa, Domingos Ferreira Pinto, fez outra carta de recomendações, que juntou com a do delegado de Guarapuava, e enviou os índios kaingang, chefiados por Felisbino, ao presidente da província. É portador desta o indio Felisbino, filho do Cacique Feliciano que vai com seus irmãos e familia implorar de V. Excia um auxilio para coadjuval-os na cultura da canna que segundo a carta junta do Delegado de Policia de Guarapuava tem elles feito grandes plantações bem como de outros generos de cultura. Sobre o lugar denominado Barra Vermelha deste Termo onde se achão aldeados oitenta e tantos índios. Pelas informações que tenho consta-me serem estes indios laboriosos e morigerados. Por quanto levando ao conhecimento de V. Exa estes factos espero que tomara as medidas que julgar mais acertada a fim de animar estes indios
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que tão boa vontade mostrarão pelo desenvolvimento da industria dedicando-se ao trabalho.35 As
duas
cartas
dos
delegados
de
Guarapuava
e
Ponta
Grossa,
recomendando os índios ao presidente da província, propiciam elementos para inferências relativas à situação dos índios com a sociedade envolvente nesse momento. Primeiro, os Kaingang tinham-se estabelecido onde melhor lhes conviera: Barra Vermelha ficava no vale onde se encontravam os rios, Lajeado e dos Patos, formadores do rio Ivaí, ricos em peixes e outros animais. Esse vale era coberto de matas nativas, com abundância de caça, mel, palmitos e outros alimentos, e estava relativamente distante dos povoamentos brancos. Segundo, suas relações com os poderes estabelecidos na província não eram com a diretoria geral dos índios, nem com nenhum diretor de aldeamento oficial. Estabeleceram ligações diretas com os delegados de polícia das cidades maiores, no caso Guarapuava, que era a ponta mais visível do poder estatal na região. Terceiro, apresentaram-se com um discurso de convencimento do outro, tanto que os agentes da conquista, delegados de polícia, os recomendaram ao presidente da província como sendo índios laboriosos e morigerados que estavam interessados no desenvolvimento da indústria na província. Isso revela uma política bem traçada pelos Kaingang do grupo de Feliciano para o relacionamento com os brancos e consequentemente para dar continuidade ao seu grupo. No entanto havia, contrapondo-se a essa política dos índios, a política da conquista levada a cabo pelos brancos. Mal Felisbino e seus homens saíram de Curitiba, o presidente Dantas Filho solicitou à Câmara Municipal de Ponta Grossa informações sobre os territórios por eles ocupados e se havia estradas para se chegar até a localidade de Barra Vermelha. O presidente solicitou as informações em abril de 1879, e a Câmara de Ponta Grossa respondeu em outubro desse mesmo ano: A projetada estrada atravessando o rico Bairro do Ipiranga da facil sahida aos centenares de arrobas do matte que d’ali se exporta, cujo producto tem esta Camara certeza de ter obtido no Rio da Prata preços superiores aos maiores de outros lugares da Provincia. Tendo a referida estrada por ponto terminal o aldeamento dos indios (Barra Vermelha) cumpre a esta Camara dar a V. Exa uma idea de que são esses terrenos. Acha-se o dito aldeamento proximo do Rio dos Patos (Alto Ivahy) produzindo nessa fertilissima rossa, canna de assucar e outros mais produtos que se cultivão nesta provincia do modo mais satisfatorio, sendo o terreno livre de geadas
35
ARQUIVO PÚBLICO DO PARANÁ, Curitiba. Ofício. 12 jan. 1879, p 50-60, (doc. manuscrito). Temos evidências de que em Barra Vermelha também se encontravam refugiados grupos Kaingang de outras regiões. De acordo com o presidente Dantas Filho o cacique Nhazôro, indio velho, que é chefe de uma familia, cujo numero não excede a 12 individuos, é ainda refratário e não tem morada certa. Consta estar na Barra Vermelha. PARANÁ. Governador (1879 - 1880 Dantas Filho), 16 fev. 1880, p. 42. Esse cacique Nhozoró citado por Dantas Filho pode ser o mesmo Nhozoro que vivia no vale do rio Tibagi, ora em São Jerônimo, ora em São Pedro de Alcântara, e de acordo com informações de frei Timóteo ele morreu em 1888, era irmão dos cacique Manoel Aropquembe e Kovo e era o último entre os famosos caciques da primeira época da conquista do vale do Tibagi.
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e é opinião geral que presta-se perfeitamente a cultura do café. A referida estrada com pequeno dispendio dá livre rodagem até aquelle ponto. Já existe um pequeno commercio feito em canoas d’ali a colonia Theresa que com a abertura da dita estrada, em futuro proximo trará grande desenvolvimento commercial, e a população que ocupar essa abençoada rossa bendirá o nome de V. Exa por qualquer beneficio que a aquellas paragens fizer.36 As informações dos vereadores fazendeiros de Ponta Grossa ao presidente da província são precisas; eles percebem as possibilidades de riquezas dos territórios Kaingang de Barra Vermelha. É o mate coletado nas terras altas que margeiam os rios formadores do rio Ivaí, e são as fertilíssimas terras dos vales desses rios, que já produzem a cana-de-açúcar, conforme as informações dos índios. Terras que poderão se transformar em grandes plantações de café. Além disso, a abertura da estrada de Ponta Grossa, Conchas, Bairro do Ipiranga (hoje cidade) e Barra Vermelha, nas margens do rio dos Patos, abriria uma via de comércio com as populações brancas estabelecidas no vale do Ivaí nas imediações da colônia Teresa Cristina, encurtando o caminho para o comércio de suas mercadorias. O cacique Felisbino, que tinha estado em Curitiba no final de 1878 e início de 1879, compareceu perante a Câmara Municipal de Ponta Grossa em 29 de março de 1880 solicitando ajuda em ferramentas e equipamentos para o fabrico de rapadura e aguardente. Em alguma data entre setembro de 1885 e maio de 1886, os Kaingang dessa localidade estiveram novamente em Curitiba, conforme registrou o presidente Alfredo E. Taunay. Nessa visita eles reivindicaram ferramentas, roupas, dinheiro, etc., e lamentaram terem sido maltratados por brasileiros e despojados de terras que lhes pertenciam. O que fez Taunay? Procedi a varios interrogatórios e vi que as suas queixas eram vagas, obscuras e sem objectivo determinado, porquanto as taes posses, segundo pretendiam, occupavam superfícies enormes, para poderem contentar os seus habitos nomades e de simples vagabundagem.37 O presidente Taunay desqualificou as demandas dos Kaingang do vale do rio dos Patos, do emã de Barra Vermelha. As denúncias que os índios faziam chegar até a capital da província, de que suas terras estavam sendo espoliadas e eles estavam sendo maltratados, foram entendidas como reclamações vagas e obscuras. As terras que os caciques Paulino e Felisbino reclamavam por demarcação desde 1880 (ver análise sobre os emã do cacique Paulino, de Porteirinha, logo adiante), e que os vereadores de Ponta Grossa
36
ARQUIVO PÚBLICO DO PARANÁ, Curitiba. Ofício. 9 out. 1879, p. 24, (doc. manuscrito).
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tinham avaliado como fertilíssimas, estavam sendo apropriadas pelos nacionais, conforme denunciavam os Kaingang. Mas, no entender de Taunay, tais denúncias não tinham validade porque os índios kaingang eram “vagabundos” de “hábitos nomades” e não necessitavam da enorme quantidade de terras que reivindicavam. Verificando a dureza e a insensibilidade do presidente para com suas denúncias e reivindicações, os Kaingang ainda conseguiram retirar de Taunay, em troca de um pequeno vocabulário, algumas roupas, instrumentos agrícolas e muitos cachorros, como ele próprio relata: Depois de ter, a muito custo aliás, conseguido um começo de vocabulário, mandei-lhes dar alguma roupa e varios instrumentos aratórios, e fi-los partir para a cidade de Ponta Grossa, donde deviam seguir para o rio dos Patos e Ivahy. Consigo levaram quantos cães puderam arrebanhar e de cuja acquisição se mostraram , como é de uso, sobremaneira avidos.38 O presidente Alfredo Taunay lamentou pela vida dos cachorros curitibanos que foram levados pelos Kaingang. Por certo esses infelizes animaes não teriam uma vida nada boa. Sem trocadilho, levariam uma vida de cão. Nada de uma vida aventureira, farta e descansada, nos vales dos rios dos Patos e Ivaí; pelo contrário, logo estariam como seus companheiros,
que
dali
tinham
vindo com os
índios, extremamente magros e
insaciavelmente vorazes pela falta de comida a que eram submetidos.
3.3
O CACIQUE PAULINO ARAK-XÓ, O EMÃ DE PORTEIRINHA E OS SEUS EMÃS NO VALE DO IVAÍ O primeiro documento que traz informações sobre esse cacique informa que
ele estava com seus emãs na localidade de Porteirinha, e daí levou reivindicações às autoridades de Ponta Grossa em 1880. Vejamos: Paulino intitula-se cacique dos indios que moram em Therezina, visinhos a povoação d’este nome. São elles trabalhadores, pois fazem grandes plantações de canna e milho, sem todavia perceberem d’ellas vantagem alguma, porque na ocasião da venda diz o director, são iludidos pelos compradores. Estes indios, cujo numero é calculado em 200, mais ou menos, estão entregues a intemperança das bebidas alcoólicas.39. Por ordens do presidente da província do Paraná, Daniel Cleve tinha feito despesas com a distribuição de brindes a esses índios. Conforme documento enviado à
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TAUNAY, Alfredo de E. Entre nossos índios. São Paulo, Cia Melhoramentos, 1931. p. 84. TAUNAY, Alfredo de E. Entre nossos índios. São Paulo, Cia Melhoramentos, 1931. p. 85. 39 PARANÁ. Governador (1879 - 1880 Dantas Filho), 16 fev. 1880, p. 42. 38
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presidência da província, ele tinha distribuído, em 14 desse mesmo mês, tecidos ao cacique Paulino de Teresina no valor de 49$440.40 Quando compareceu em Ponta Grossa, em 1880, o cacique Kaingang Paulino chefiava um grupo de 95 pessoas, sendo 48 homens adultos e as demais crianças e mulheres. Ele estava com seu povo na localidade de Porteirinha, distante 100 km a oeste de Ponta Grossa, hoje município de Ivaí, na confluência dos rios dos Patos, São João e Lajeadão, formadores do rio Ivaí, no centro da província do Paraná. Das visitas dos caciques Felisbino e Paulino à Câmara Municipal de Ponta Grossa resultaram três documentos contendo suas reivindicações e o posicionamento dos vereadores dessa cidade. As falas contidas nesses documentos revelam interesses políticos diversos. São projetos políticos diferenciados, antagônicos, que se opõem e se relacionam. Neles percebemos os discursos das elites dos Campos Gerais em sua estratégia expansionista e a capacidade dos índios kaingang para traçar políticas que possibilitassem a continuidade do seu modo de vida nos seus territórios no vale do alto Ivaí. Esses documentos não podem ser vistos apenas como simples pautas de reivindicações dos índios kaingang, sem considerar a sua capacidade de articulação e definição de estratégias. Os documentos trazem um conjunto de ambigüidades e encerram feixes de contradições próprias de populações diferenciadas em relação numa zona de fronteiras. O primeiro documento, de 17/03/1880, relata a presença do cacique Paulino na Câmara Municipal de Ponta Grossa solicitando ferramentas, objetos para fabrico de açúcar e aguardente, e terras. Ilmo Exmo Snr Declarou que desejava dedicar-se com seus companheiros ao trabalho da lavoura, que achavão-se aldeados nas margens do Alto Ivahy, no lugar denominado Porteirinha, distante desta cidade quinze legoas mais ou menos e proximo a Barra Vermelha. Pedirão mais que V. Exa garantise ou concedesse os terrenos comprehendidos entre os arroios Porteirinha e Índio, a qual zona pode conter duas legoas de comprido sobre uma de largo, que concedido isto a elles farião todo o possivel para aldearem nessas paragens seos patricios que vagão pelos sertões. Esta Câmara tem as melhores informações destes índios, não só como laboriosos e pacificos como tambem morigerados em costumes. Esta Câmara espera da solicitude e patriotismo de V. Exa, attender o que reclamão estes filhos dos nossos sertões, e crê piamente que o governo com pouco dispendio fará colonias indigenas que em fucturo não remoto, compensarão os sacrificio por elles feito, tornando conhecido essa
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ARQUIVO PÚBLICO DO PARANÁ, Curitiba. Ofício. 26 out. 1880, p. 40-42, (doc. manuscrito).
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uberrima zona, tão proxima das estradas que com pequeno dispendio dão franca rodagem. Temos a vista amostras de canas de assucar produto dos índios da Barra Vermelha, são iguaes aos melhores produtos que os Vereadores desta Câmara tem visto. Esta Câmara esta prompta a servir de intermediaria entre V. Exa e os Índios, e prestar qualquer indicação ou informação que V. Exa deseja. Deus guarde a V. Exa. Paço da Câmara Municipal de Ponta Grossa em sessão extraordinaria de 17 de Março de 1880. Ilmo Exmo Snr Dr. Manuel Pinto de Souza Dantas Filho Dignissimo Presidente da Província. Augusto Lustosa de Andrade Ribas Benedicto Mariano Ribas Joaquim Antonio dos Santos Ribas Firmino Jose da Rocha. Francisco Antonio Baptista Rosas.41 O segundo documento, de 29/03/1880, informa a presença do cacique Felisbino, que também solicita ferramentas agrícolas e utensílios para montagem de um alambique. Ilmo Exmo Snr. A Câmara Municipal desta Cidade tem a honra de levar ao conhecimento de V. Ex a, que, com o exemplo de apresentar-se a ella o indio Paulino, veio o indio Felisbino aldeado com sua tribu na Barra Vermelha, solicitou a esta Câmara que apresentasse a V. Exa, pedindo para elles vinte machados, e vinte foices, mais que queria feitas no (país) visto a ferramenta extrangeira não prestar-se ao trabalho pela sua má tempera, com que esta Câmara concorda, e pedia tambem duas taxas para o fabrico de rapadura e um alambique desejando urgencia visto como tinhão dezquarteis de canna quasi em ponto de fabricação. Esta Câmara pede a V. Exa de tomar muito em consideração a boa vontade com que estes índios dedicão se a agricultura, e pede a V. Exa de dar quanto antes uma estrada que torne facil a comunicação dos brasileiros com estes índios. Esta Câmara achando justo este pedido espera que V. Exa o tomara na devida consideração e o attenderá. Deus Guarde V. Exa Paço da Câmara Municipal de Ponta Grossa em sessão extraordinaria de 29/ de Março de 1880. Ilmo Exmo Snr Dr. Manoel Pinto de Souza Dantas Filho Dignissimo Presidente da Província. Augusto Lustosa de Andrade Ribas Rufino da Silva Ribas Joaquim Antonio dos Santos Ribas Firmino Jose da Rocha. Francisco Antonio Baptista Rosas Benedicto Mariano Ribas.42
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ARQUIVO PÚBLICO DO PARANÁ, Curitiba. Ofício. 17 mar. 1880. p. 29, (doc. manuscrito). ARQUIVO PÚBLICO DO PARANÁ, Curitiba. Ofício. 29 mar. 1880, p. 11, (doc. manuscrito).
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O terceiro documento, datado de 26/04/1880, é o orçamento das despesas, com as solicitações dos caciques Paulino e Felisbino que as autoridades de Ponta Grossa enviam ao presidente da Província. Ilmo Exmo Snr A Câmara Municipal desta Cidade, cumprindo o ordenado por Exa em officio de 8 do mes que segue tem a honra de passar as mãos de V. Exa o orçamento das despesas a fazer com a compra dos objetos necessarios para fornecer aos índios Paulino e seu companheiro Felisbino. Deus guarde a V. Exa. Paço da Câmara Municipal de Ponta Grossa em sessão estraordinaria de 26 de Abril de 1880. Ilmo Exmo Snr Dr. Manoel Pinto de Souza Dantas Filho Dignissimo Presidente da Província. Augusto Lustosa de Andrade Ribas Benedicto Mariano Ribas Firmino Jose da Rocha. Joaquim Antonio dos Santos Ribas Francisco Antonio Baptista Rosas Orçamento para compra de ferramentas para fornecimento dos índios Paulino e Felisbino. 56 foices, garantidas a: 3.000 168.000 56 machados, a: 4.000 224.000 2 Alambiques de cobre com taxas e seus pertences e condução até esta Cidade a 312.000 624.000 Rs
1.016.000
da Câmara Municipal de Ponta Grossa em sessão extraordinaria de 26 de Abril de 1880. Augusto Lustosa de Andrade Ribas. Joaquim Antonio dos Santos Ribas Benedicto Mariano Ribas. Francisco Antonio Baptista Rosas Firmino Jose da Rocha.43
Os documentos são reveladores de reivindicações dos índios às autoridades locais da cidade de Ponta Grossa. Neles, essas autoridades se colocam como intermediárias dessas reivindicações junto ao governo da província, ao mesmo tempo em que também reivindicam construção de estradas na região. Portanto, nos documentos, temos o cruzamento de reivindicações das comunidades indígenas do vale do Ivaí e reivindicações da Câmara Municipal de Ponta Grossa, ao governo da província. Os documentos são de natureza política, mas também são pragmáticos, pois buscam
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impressionar, persuadir o presidente da província da justeza das solicitações dos índios e dos vereadores. O primeiro ponto a ser considerado nos documentos é o comparecimento dos caciques Paulino e Felisbino à Câmara Municipal de Ponta Grossa, local mais próximo de suas aldeias onde se encontrava o poder organizado da província, para levarem suas reivindicações. O segundo são as reivindicações. Mas, antes de pedir as ferramentas e os equipamentos para o trabalho com a cana, eles declararam que desejavam, junto com seus companheiros que vagavam pelos sertões, dedicar-se ao trabalho da lavoura. Esse "desejo" de se fixarem em algum local na região do alto Ivaí é o mote para solicitarem a concessão de terras junto ao governo provincial. O terceiro são as recomendações que os vereadores de Ponta Grossa fizeram dos índios como sendo laboriosos, pacíficos e de bons costumes, o fato de procurarem interceder junto ao governo da província apoiando as solicitações dos caciques Paulino e Felisbino. O quarto são as solicitações que eles próprios fizeram ao presidente da província aproveitando as reivindicações dos índios. Os vereadores sugeriram que o governo, com pouco dispêndio criasse as colônias indígenas e consertasse as estradas que faziam as ligações das cidades, vilas e freguesias até os territórios indígenas, tornando mais fácil a comunicação dos brancos com os índios. E, por último, o aceite do governo provincial quanto à compra das ferramentas e dos equipamentos, solicitando o orçamento desses objetos. Assim, esses documentos estão inseridos num processo maior, que é o de ocupação dos vastos territórios indígenas no segundo e terceiro planaltos paranaenses, que se acelera a partir da segunda metade do século XIX, com a política de colonização estrangeira traçada pelos governos da província. Apoiando e incentivando a implantação das colônias estrangeiras, o Império praticava sua política de ocupação dos territórios indígenas no Paraná. O auge dessa política se deu no período de 1868 a 1878, quando foram instalados mais de 60 núcleos de colonização estrangeira por toda a província. Da perspectiva dos índios kaingang essa ocupação, tanto por colônias estrangeiras como por fazendeiros brasileiros, significava a diminuição constante de seus territórios, de sua liberdade, e modificação de seu modo de vida. Portanto, para os Kaingang, no último quartel do século XIX, estava colocada a questão de se opor à conquista seus territórios pelos brancos. Essa oposição esta que trazia consigo uma tradição de luta, entendida no seu sentido amplo, compreendendo desde ações armadas contra fazendas e pequenos agricultores, mudanças de suas aldeias para longe dos núcleos de ocupação branca, permanência nos aldeamentos religiosos com deslocamentos
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ARQUIVO PÚBLICO DO PARANÁ, Curitiba. Ofício. 26 abr. 1880, p. 69-70, (doc. manuscrito).
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prolongados para o interior das florestas mantendo dessa forma seu modo de vida ancestral, manutenção de aldeias próximas aos povoamentos dos brasileiros em áreas demarcadas ou prometidas pelas autoridades aos caciques, até a manutenção de uma política de relacionamento com as autoridades da província como forma de viabilizar suas necessidades materiais de abastecimento de produtos da sociedade envolvente, e solicitações em relação às suas terras.44 Nesse sentido, a concentração dos Kaingang na localidade de Enxovia, a ida dos caciques Paulino e Felisbino a Ponta Grossa, núcleo urbano de maior desenvolvimento nos Campos Gerais na época, com a apresentação de suas reivindicações aos vereadores locais numa reunião convocada extraordinariamente, deve ser entendida como um fato político, tanto para as comunidades indígenas como para as autoridades da região. Político para as comunidades kaingang, dos caciques Paulino e Felisbino, no sentido dado por Balandier, de que o político não pode ser entendido apenas como o que existe nas sociedades que constituíram um aparelho estatal. As ações dos índios Kaingang devem ser consideradas como atos políticos, atos que fazem parte do projeto de continuidade de sua existência. E as suas relações com a sociedade dos Campos Gerais é parte determinante das características que lhe dão forma naquele momento. Ainda de acordo com Balandier, nenhuma sociedade pode ser definida, determinada, só por suas características internas. Tanto as dinâmicas internas, sua história, quanto às externas, suas relações com as sociedades vizinhas, são partes constitutivas de suas características.45 Assim, as comunidades kaingang no Paraná provincial, devem ser apreendidas nas suas relações com a sociedade dos Campos Gerais em processo de expansão. Por outro lado, para os representantes da sociedade campeira, a presença dos dois líderes indígenas na cidade também é um acontecimento político, na medida em que eles vêem nas solicitações dos índios a possibilidade de aumentar seus domínios territoriais, suas riquezas. Para os índios Kaingang, a visita à Câmara Municipal de Ponta Grossa faz parte de seu projeto político de continuidade de sua existência. Para os vereadores, a visita e as reivindicações dos índios são vislumbradas como uma possibilidade de aumentar sua capacidade expansionista. É dentro dessa contradição política que devemos interpretar os discursos contidos nos documentos. Vejamos então a perspectiva dos índios kaingang revelada nos documentos. Antes, porém, devemos interpretar a iniciativa dos líderes kaingang, de irem até a Câmara de Vereadores de Ponta Grossa. Ela denota uma de suas estratégias de aproximação com o
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Para maiores detalhes sobre a resistência dos índios Kaingang no Paraná ver, Lúcio Tadeu MOTA. As Guerras dos Índios Kaingang: a história épica dos índios Kaingang no Paraná (1769 - 1924). Maringá, 1994.
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poder provincial para colocar-lhe as demandas de suas comunidades. Pode ser que eles tivessem alguma dificuldade para serem recebidos diretamente pelo governo provincial, e buscavam dessa forma utilizar outros canais de negociações. Mas vejamos os discursos dos caciques Paulino e Felisbino. Após relatar o número de pessoas que compunham a sua comunidade, o cacique Paulino declarou o desejo do seu povo de dedicar-se ao trabalho da lavoura; e mais adiante ele solicitou a concessão dos terrenos situados entre os riachos do Índio e Porteirinha. Caso o governo lhe concedesse essas terras, ele faria todo o possível para aldear nesse local os outros índios que vagavam pelo “sertão”. Essa fala revela que o seu grupo, aldeado no emã de Porteirinha, não vivia da agricultura. Também revela que nem todos os índios se encontravam centralizados nesse local. Muitos deles viviam como seus ancestrais nas matas e campos de seus territórios imemoráveis, longe das populações brancas. Mas devemos perguntar: Por que o cacique Paulino colocou para os vereadores o seu "desejo" de dedicar-se à agricultura e a promessa de que faria um esforço a fim de trazer para junto de si os outros índios que viviam nos “sertões”? Por que esses dois elementos entram no discurso do cacique, se sabemos que nem uma, nem outra coisa seriam levadas adiante? Em 1936, Levi-Strauss46, ao percorrer as adjacências do aldeamento de São Jerônimo da Serra, encontrou os Kaingang metidos nas profundezas das matas que cercavam o aldeamento. E até hoje, em muitas reservas, muitos deles continuam fazendo as roças como seus ancestrais e praticando a caça e a pesca, isto é, não se dedicam inteiramente à lavoura, do modo praticado pelos brancos; procuram manter o modo de vida de seus ancestrais. Podemos perceber nessa colocação a estratégia política do líder kaingang. Era necessário demonstrar para os dirigentes da sociedade envolvente dos Campos Gerais que eles estavam dispostos a se fixarem, e só se a vida deles fosse baseada na agricultura isso poderia acontecer. Se ele conseguisse passar essa idéia aos vereadores, talvez atingisse seus objetivos. O cacique Felisbino, dirigente de um grupo menor, apareceu em Ponta Grossa 12 dias após o cacique Paulino, com o mesmo pedido de ferramentas e equipamentos para o fabrico de rapadura e aguardente. Com o mesmo discurso de que pretendiam trabalhar na agricultura, de que estavam dispostos a se fixarem em algum ponto dos territórios da bacia do alto Ivaí. Os objetivos dos líderes kaingang eram claros. Primeiro queriam a concessão de terras porque estavam vendo seus territórios serem ocupados pelos brancos vindos do
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BALANDIER, Georges. As Dinâmicas Sociais: sentido e poder, São Paulo, 1976. Antropologia Política. Lisboa, 1987. LEVI-STRAUSS, Claude. Tristes Trópicos. Lisboa, 1986.
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leste. Nessa época já existiam ao norte a colônia militar de Jataí e a vila de Tibagi, com 5.000 habitantes; a colônia francesa de Teresa Cristina estava a alguns quilômetros a oeste de seus aldeamentos e, a sudoeste, Guarapuava já estava com 70 anos de existência. No primeiro censo nacional, realizado em 1872, a população da província do Paraná era de 126.722 habitantes e correspondia a 1,3% da população brasileira; desses, 22.455 habitavam a região do litoral e 92.081 a região dos planaltos. No censo de 1890, a população dos planaltos paranaenses chegava a 215.920 habitantes, correspondendo a 86,6% da população da província. A taxa de crescimento da população do Paraná, nesse período, foi maior que a do conjunto do país; de 1872 a 1890, a população da província dobrou, teve um crescimento de 97%.47 Os índios também queriam as ferramentas de metal dos brancos, já não podiam viver sem elas. Conforme dialogo do frei Luís de Cimitile com o velho cacique Aropkimbe, do aldeamento de São Jerônimo da Serra, em 1872, o verdadeiro motivo que justificava sua permanência (de Aropkimbe) entre nós era porque não podia pasar mais sem as nossas ferramentas48. Com relação às ferramentas, não só tinham necessidade como as conheciam muito bem. Felisbino exigiu machados e foices fabricados no país, pois as ferramentas estrangeiras não tinham um bom tempero e não duravam no trabalho. E, por último, os alambiques para o fabrico de derivados da cana-de-açúcar, principalmente a cachaça. Aparece ainda na fala do cacique Paulino o desejo de ter uma pessoa que os dirigisse. Essa colocação, por um lado, também está inserida na estratégia de apresentar ao poder local a idéia da fixação de seu povo em um determinado local, um aldeamento nos moldes dos existentes em São Jerônimo da Serra e São Pedro de Alcântara. E, por outro, um representante do governo na direção de um aldeamento seria útil na viabilização de suas necessidades. Passemos agora à interpretação das colocações dos vereadores da Câmara de Ponta Grossa. Mas, antes, cabe perguntar: Quem são esses vereadores? Quem eles representam? Que interesses estão defendendo? Qual sua proposição de mundo? Uma rápida olhada nos seus sobrenomes dá a pista para a compreensão dos interesses que estão inseridos em suas falas. Dos cinco vereadores que assinam o primeiro documento, três são da família Ribas, um da família Rosas e um da família Rocha. No segundo documento, assinam quatro vereadores da família Ribas, um Rosa e um Rocha. O mesmo acontece com o terceiro documento. A família Ribas já se encontrava estabelecida na região
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PADIS, Pedro Calil. Formação de uma economia periférica: o caso do Paraná. São Paulo, 1981, p. 15- 36. Memórias do frei Luiz de Cimitile In: Alfredo de TAUNAY. Entre nossos índios. São Paulo, 1931, p. 99.
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desde o século anterior. Em 3 de setembro de 1772, Afonso Botelho, braço direito do governador e da capitania de São Paulo, D. Luís Antônio de Sousa Botelho Mourão - o Morgado de Mateus, fez um levantamento dos moradores da comarca de Curitiba, localizados na região dos campos de Castro, Ponta Grossa, Tibagi e Jaguariaíva. Neles havia 29 fazendas e 100 sítios. O capitão Miguel Rodrigues Ribas, residente em Curitiba, era proprietário das fazendas do Boqueirão e Tucum, distantes 4 e 5 léguas do pouso do Iapó (Castro). As fazendas do capitão Miguel R. Ribas eram administradas pelo seu neto Vítor Mariano Ribeiro Ribas.49 Os Ribas, de longa tradição nos Campos Gerais, eram os detentores do poder político na cidade de Ponta Grossa nos anos 80 do século passado, bem como proprietários de grandes fazendas de criação. Portanto, os interesses contidos nos documentos são os dos grandes proprietários de terras dos Campos Gerais. Após apresentar as reivindicações dos índios, os vereadores emitiram seu juízo de valor sobre eles. Consideraram os Kaingang liderados por Paulino e Felisbino como laboriosos, morigerados em costumes, pacíficos e o mais importante, enfatizaram ao presidente da província a boa vontade com que os índios se dedicavam à agricultura. Informaram inclusive sobre a ótima qualidade da cana de açúcar cultivada pelos índios de Barra Vermelha comparada às melhores já vistas por aqueles vereadores. A idéia de fixação dos Kaingang em lugar determinado, via trabalho agrícola, era o eixo das informações dos vereadores. Tudo isso é reforçado com a solicitação dos vereadores para que o governo provincial, com pouco dispêndio, estabelecesse as colônias indígenas na região do alto Ivaí. Da mesma forma deve ser interpretado o apoio da Câmara de Vereadores ao pedido de ferramentas e equipamentos para industrialização da cana. As ferramentas possibilitariam aos Kaingang cultivarem a cana e outros produtos agrícolas, e os tachos e alambiques viabilizariam a transformação da cana em produtos comercializáveis. Caso os índios se dedicassem inteiramente aos trabalhos agrícolas e à fabricação de rapadura e aguardente, isso significaria a mudança do seu modo de vida, como queriam as autoridades locais. Essa nova forma de vida não requereria vastos territórios de caça, pesca e coleta, com o constante deslocamento dos grupos. A lógica dos vereadores fazendeiros de Ponta Grossa tem sentido; os índios, que vagavam pelos imensos territórios do segundo e terceiro planaltos paranaenses, deviam ser fixados em áreas determinadas e integrados à vida da sociedade envolvente. O trabalho agrícola, as ferramentas para a lavoura, a aguardente50,
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RODERJAN, Roselys Vellozo. Os Curitibanos e a formação de comunidades campeiras no Brasil Meridional (séculos XVI a XIX). Curitiba, 1992. Ao falar dos efeitos dos equipamentos do civilizador sobre os índios, Darcy Ribeiro escreve que A aquisição mais deletéria para os indígenas foi, seguramente, a aguardente de cana. Neste caso, ao fascínio exercido sôbre diversas tribos, como bebida muito mais forte que as suas se soma a propensão à embriagues, quase fatal no caso de grupos humanos submetidos a tensões e frustrações como as experimentadas pelos índios no curso da aculturação. Acresce ainda que a aguardente, devendo também ser obtida dos brancos, foi largamente utilizada como o principal alicate para induzir os índios
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eram instrumentos dessa política de desintegração do modo de vida indígena. Daí o empenho das elites campeiras em verem atendidas as demandas dos caciques Paulino e Felisbino. Não bastasse a desfiguração da vida tradicional dos Kaingang, fazia-se necessário chegar até seus territórios. Para tanto, adendou-se à demanda dos índios a solicitação dos vereadores de abertura de estradas nas ubérrimas zonas de domínio kaingang. As estradas eram a ponta de lança da sociedade envolvente no seu projeto de expansão nas zonas de fronteiras com os territórios indígenas. E o governo da província, como se comportou diante das reivindicações dos índios e dos vereadores? A resposta aparece no terceiro documento, de 26/04/1880, quando a Câmara Municipal de Ponta Grossa, mais uma vez reunida extraordinariamente, apressouse em responder ao oficio do governo, de 08/04/1880, apresentando o orçamento das despesas a fazer com a compra dos objetos para os caciques Kaingang, no valor de 1.016$000, (um conto e dezesseis mil reis) conforme o solicitado pelo presidente da província Dantas Filho. A tramitação da documentação foi extremamente rápida para a burocracia da época, principalmente em se tratando de demandas dos índios. Isso nos revela uma sintonia fina entre a política indigenista do governo da província e os interesses dos vereadores fazendeiros. O primeiro documento, do cacique Paulino, foi enviado de Ponta Grossa no dia 17/03/1880; no dia 24/03/1880 o presidente Dantas Filho o despachava para a Tesouraria da Fazenda e esta para a contadoria no dia 30/03/1880. O documento do cacique Felisbino foi enviado em 29/03/1880. Em 08/04/1880 o presidente da província enviou os documentos de volta à Câmara de Vereadores de Ponta Grossa solicitando orçamento das despesas. Em 26/04/1880, duas semanas após, a Câmara de Vereadores devolveu ao presidente Dantas Filho a previsão de despesas e este a enviou ao inspetor da Tesouraria da Fazenda em 01/05/1880, e no dia 03/05/1880 a Tesouraria mandou o orçamento para a contadoria. Em menos de dois meses os documentos tramitaram da Câmara de Vereadores de Ponta Grossa ao governo provincial, deste novamente para ela e novamente para o governo da província, numa demonstração de interesse de ambas as partes em viabilizar as ferramentas e os equipamentos aos índios. Tudo faz crer que realmente eles foram comprados e enviados aos índios. Todavia, parece que os alambiques nunca chegaram às mãos dos índios. Os filhos do cacique Paulino encontraram-se, em 1896, na vila de Teresina, com o general Cândido Muricy, e queixaram-se de que, apesar de terem bastante cana plantada, não podiam fazer cachaça nem rapadura, pois o alambique
trabalharem para estranhos; e, nas etapas mais avançadas da desagregação moral, para obter favores das mulheres indígenas. Darcy RIBEIRO, Os índios e a civilização, São Paulo, 1970, p. 327.
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enviado pelo presidente da província fora roubado pelo diretor dos índios, de quem eles tinham de comprar a cachaça e a rapadura.51 A ação do diretor dos índios, apropriando-se dos alambiques a eles destinados, atravessou a política do governo da província e das elites campeiras de tornar os Kaingang não apenas consumidores, mas também produtores de aguardente nos territórios indígenas do alto Ivaí. Esses descompassos merecem estudos mais aprofundados para compreendermos até que ponto as políticas indigenistas traçadas pelos governos imperiais, provinciais e até mesmo locais foram levadas a cabo pelos homens que as operavam junto às comunidades indígenas. Concluindo,
podemos
afirmar
que
a
interpretação
dos
documentos
apresentados não poderia ser feita de forma unilateral, isto é, entendendo-os apenas como o discurso das elites provinciais em sua estratégia expansionista. Isso seria desconsiderar a capacidade dos Kaingang em traçar políticas que possibilitassem a continuidade do seu modo de vida. Por outro lado, também seria unilateral uma leitura que apenas visse os documentos como pautas de reivindicações das comunidades kaingang dos caciques Paulino e Felisbino, sem considerar a capacidade de articulação e definição de estratégias das elites campeiras no seu projeto expansionista. Portanto, o que está em jogo nos discursos contidos nesses documentos são interesses políticos diversos, são projetos políticos diferenciados, de sociedades antagônicas que se opõem e se relacionam. Os documentos trazem um conjunto de ambigüidades e encerram feixes de contradições próprias de sociedades diferenciadas em relação numa zona de fronteiras. A presença do cacique Paulino Arak-xó na região continuou sendo anotada por funcionários governamentais e viajantes e pela imprensa local por um longo tempo. Numa tarde do mês de maio de 1886 - quando Telêmaco já morava na cidade de Tibagi - o cacique Paulino Arak-xó e Telêmaco Borba descansavam de uma caçada e falavam das guerras passadas entre os Kaingang e os brancos. Foi nessa tarde que Arak-xó contou a Telêmaco Borba a saga de seu tataravô, o turamani cacique Combró e seus filhos Cohí e Tandó. (...) para voce fazer idea do que eram meos antepassados, vou lhe contar a história de Combró, que era pae do pae da mae de meo pae. Naquelles tempos minha gente não tinha ferramenta; seos machados (Beng) eram de pedra, (ipó). Serviam-lhes de facas pequenas lascas de quartzo (toí); Combró era um chefe guerreiro e valente turumani; elle já sabia que os brancos (fong) tinham machados e facas (hefe), que cortavam melhor que os delles; querendo adquiril-os a seo modo, convidou seos companheiros
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MURICY, José Cândido. Viagem ao país dos jesuítas. Curitiba, 1975, p. 81.
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(Kaporon), para ir em demanda destes objetos (...) Tandó e Cohí eram filhos de Combró. Tandó tinha sido creado entre os brancos que o tinham aprizionado, quando mataram o pae. (...) Contou-me esta historia a mae de meo pae, mulher muito velha, com os cabellos todos brancos, que a ouviu de seo pae que era irmão de Tandó.52 Dessa forma Arak-xó reivindica ser descendente do grande cacique Kombro – seu tataravô - que resistiu a ocupação de seus territórios em Guarapuava, e do cacique Kohi – seu bisavo – que continuou a saga de Kombro. Alguns anos mais tarde, em 1896, já morando nas proximidades de Teresa Cristina, ele encontra com o general José Cândido Muricy, que viaja pelo vale do Ivaí até as ruínas de Vila Rica. Muricy tem dois encontros com o cacique Paulino, o primeiro, na própria vila de Teresa Cristina, quando foi surpreendido em seu acampamento por um grande número de índios comandados pelo cacique. (...) O capitão Paulino sentou-se à porta da nossa barraca. Vinha acompanhado por um índio ainda moço, que se intitulava cabo Joaquim, parlapatão e pernóstico, com sotaque perfeito dos nossos caboclos. Conversou sôbre política, eleições, falou da Rapública e da Monarquia; pediu informações sôbre a Revolução, a estabilidade do Governador do Estado e do Presidente da República, se ainda estavam no poder, e porque íamos fugindo para o Paraguai.53 O General Muricy não gostou do interrogatório a que foi submetido e ainda ficou intrigado com o fato de o índio ter conhecimento de assuntos políticos do país. Nessa época, Paulino vivia com sua gente no toldo chamado Ubá. Os habitantes de Teresina não confiavam nele, apesar de suas afirmações de que agora era bom e não matava mais português, conforme o relato do comerciante Ferrer ao general Muricy. Muricy vai encontrar o cacique Paulino em uma outra ocasião, quando se achava acampado no porto do Areião, no rio Ivaí. Todo vestido com roupas militares antigas, o cacique Paulino apareceu: De pé sobre a barranca, (...) achava-se um sujeito muito comprido, metido como um cabide numa sobrecasaca que, de tão usada , estava o pano transformado num tecido grosso, de um verde ferrugento e furta cor, tendo as mangas agaloadas num posto oficial desconhecido que ele dizia ser de Capitão. A cintura trazia enrolada uma banda de lã que fora encarnada no
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Para conferir a história toda contada por Arak-xó ver Telêmaco BORBA. Actualidade Indígena. pp. 28-33. Telêmaco Borba cita o cacique de duas formas diferentes; Arákchó, e Arakxó. Ele conviveu com Borba nos anos de 1880 e foi um dos seus principais informantes. Além de Paulino Dotahy, como é denominado pelo encarregado do Serviço de Colonização, João B. B. de Proença, o cacique também recebeu a denominação de Paulino Arak-xó, conforme o Decreto n. 8, de 9 de setembro de 1901, do governador Francisco Xavier da Silva. 53 Cf. Joé Cândido MURICY. Viagem ao País dos Jesuítas. p. 78.
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tempo em que ainda estava em uso pelos antigos sargentos do exercito. (...) Vinha sem calças. Talvez não possuísse as do uniforme e achasse que outras não lhe assentariam bem, (...) os pés metidos em em um velhíssimo par de coturnos. (...) Viera armado dum comprido porrete de guajuvira lavrado em quinas que o tornava uma arma perigosa. (...) Estava imponente aquele figurão aprumado sobre a barranca do rio com a cabeça encartuchada numa cartola muito velha, amassada.54 No seu diálogo com os homens da expedição, o cacique foi ridicularizado tanto quanto ao seu modo de vestir, de comportar-se bem como em relação às reivindicações que fez. Nessa visita Paulino estava acompanhado de três mulheres: uma mais velha era sua mãe, outra de meia idade em torno de 25 anos era sua filha e uma mais nova com 15 anos aproximadamente era sua mulher, conforme o próprio Paulino: Capiton Porino veio munto, muié nova picisa.55
Foto de Paulino Arak-xó feito pelo naturalista tcheco Albert Vojtec Fric no salto Ubá no rio Ivaí no início do século XX. In: A. V. FRIC. Indianí Jizni Ameriky. Prha, Orbis, 1977.
54 55
Cf. José Cândido MURICY. Viagem ao País dos Jesuítas. p. 177. Cf. José Cândido MURICY. Viagem ao País dos Jesuítas. p. 179.
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3.4
OS GRUPOS DOS CACIQUES BANDEIRA, GREGÓRIO, HENRIQUE E OUTROS QUE VIERAM DOS TERRITÓRIOS A OESTE DO RIO IVAÍ Os outros grupos kaingang que foram ocupando o vale do Ivaí vieram dos
campos e serras divisoras dos vales do Piquiri, Corumbataí e Ivaí. Os nomes que aparecem na documentação são os dos caciques Bandeira e seus subordinados – Henrique, Gregório e Mayor -, o cacique José Kafang mais tarde aldeado em Marrecas, Jagjóe Luiz Cleve. Com destaque para o cacique Gregório que aparece como o mais temido cacique kaingang da época. Vamos acompanhar a trajetória deles. Em 2 de junho de 1879, o dono de uma hospedaria em Curitiba, Gabriel de A. Torres enviou uma cobrança ao presidente da província no valor de 43$200, relativa à hospedagem de 24 índios que ali tinham estado no mês de maio56. Em julho também tivemos índios em Curitiba, na hospedaria de Gabriel A. Torres; e este solicitou o pagamento de 20$000 importância de tres dias de alimentação a deis indios que por ordem de V. Exa forão recolhidos na hospedaria no meis passado.57 Pela documentação do Diretor Geral dos Índios, os Kaingang que estiveram em Curitiba no mês de julho foram os Kaingang do grupo do cacique Luís Cleve. Eles tinham seus emã na localidade denominada Campos do Moron (Campo Mourão). Envio a presença de V. Exa, com as cartas inclusa do Vigário de Guarapuava o cacique que se denomina Luiz Cleve, residente no Campo de Moron, o qual é acompanhado por algumas pessoas de sua tribu e vae pedir a V. Exa ferramentas, roupas e armas. Esta pobre gente vem de enormes distancias em procura destes recursos.58 Assim, o Diretor dos Índios do Paraná, Hipólito Alves de Araújo, recomendou da sua residência em Palmeira os Kaingang do grupo do cacique Luís Cleve ao presidente da província. A recomendação de Hipólito A. de Araújo e as cartas do vigário de Guarapuava chegaram às mãos do presidente Dantas Filho no dia quatro de julho, e no mesmo documento temos um despacho dele autorizando o fornecimento de algumas baetas e gastos até a quantia de 3$000. Conforme a carta do cônego A. Braga de Araújo, datada de 29 de maio de 1879, os índios tinham chegado a Guarapuava no dia 25 de maio. Eles eram
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ARQUIVO PÚBLICO DO PARANÁ, Curitiba. Ofício. 2 jun. 1879, p 197, (doc. manuscrito). ARQUIVO PÚBLICO DO PARANÁ, Curitiba. Ofício. 16 ago. 1879, p. 172, (doc. manuscrito). 58 ARQUIVO PÚBLICO DO PARANÁ, Curitiba. Ofício. 30 jun. 1879, p. 99-91, (doc. manuscrito). A denominação desses campos aparece de diversas formas na documentação da época: Moron, Moiron, Moiram, Mourão. A designação desses campos, entre os rios Ivaí e Piquiri, hoje municipio de Campo Mourão e adjacentes se deve ao governador da capitânia de São Paulo Dom Luiz Antonio de Souza Mourão, Morgado de Mateus, que a governou de 1765 a 1775 e nesse período enviou várias expedições exploradoras à região. Para maiores detalhes de seu governo, ver Heloísa Liberalli BELLOTTO. 57
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(...) trezentos índios, mais ou menos, inclusive crianças, vindos todos do campo denominado = Moron = e mto poucos do Paequerê. Os seus chefes (caciques) são 4, e estes apenas chegarão, estavão a perguntar = pelo Snr Brigadeiro, seu Diretor, e lhes respondi q. o Snr. Brigadeiro não residia aqui e sim na villa da Palmeira, parecendo-nos q. ficarão elles com isto bem descontentes e contrariados.59 Os Kaingang vindos dos campos à oeste e noroeste de Guarapuava chegaram à cidade com a intenção de negociar com as autoridades competentes, no caso, o Diretor Geral dos Índios que eles pensavam residir em Guarapuava. Talvez ainda achassem que o diretor dos índios fosse o fazendeiro Rocha Loures, que vivia em Guarapuava, por isso seu descontentamento. Mas apresentaram ao cônego Braga a intenção de fixarem seus emã nos ditos Campos Moron (Campo Mourão), distantes quatorze léguas de Guarapuava. Pareciam conhecer a sistemática de funcionamento dos aldeamentos oficiais, pois muitos deles já tinham vivido ou tido contato com índios dos aldeamentos de São Pedro de Alcântara e São Jerônimo, tanto que colocaram para o cônego que o aldeamento deveria ser sustentado e conservado pelo governo, e deveria ter um subdiretor e um regulamento. Disseram que já tinham feito uma estrada para o Campo Mourão, que podia ser transitada a cavalo, estrada essa já conhecida por algumas léguas pelas populações de Guarapuava. Essa estrada, que os índios disseram ter construído, podia ser a picada da expedição Rebouças, de 1868, que saiu de Guarapuava e foi até abaixo da corredeira do Ferro, no rio Ivaí, passando a leste e a norte dos ditos campos. A mor parte destes indios já está voltando pa suas residencias. Entretanto, alguns delles resolverão ir apresentar-se à V. sa., e são portadores desta, com o fim de pedir-lhe alguns recursos e se for conveniente, irão à Capital, incaminhados por V. Sa., a fim de se apresentarem à Presidencia da Provincia.60 Dos trezentos índios que estiveram em Guarapuava em fins de maio, dez resolveram levar suas reivindicações ao diretor dos índios em Palmeira; lá chegaram um mês depois, em 30 de junho, e em seguida foram encaminhados para Curitiba, onde estiveram em princípio de julho. O item da catequese e civilização dos índios, no relatório do presidente Dantas Filho de janeiro de 1880, traz como a grande questão a ser resolvida; o aldeamento dos 2.500 índios Kaingang que estavam espalhados nos territórios à oeste e noroeste de Guarapuava, nos famosos campos de Pahy-ke-rê, tanto nos vales dos rios Ivaí e Piquiri
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Autoridade e conflito no Brasil Colonial: o Governo do Morgado de Mateus em São Paulo (1765-1775), São Paulo, 1979. ARQUIVO PÚBLICO DO PARANÁ, Curitiba. Ofício. 30 jun. 1879, p. 99-91, (doc. manuscrito).
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como nos campos dos divisores das águas desses rios. Dantas Filho utilizou como referencial o relatório que Daniel Cleve lhe enviou em fins de 1879 sobre a situação desses índios. Uma das providências tomadas no ano anterior, para o encaminhamento dessa questão, foi à nomeação de Luís Daniel Cleve como Diretor dos Índios de toda a comarca de Guarapuava. Cleve tinha caído nas graças do presidente por haver encaminhado com razoável sucesso a transferência dos índios dos campos de Atalaia, nas proximidades de Guarapuava, para o novo aldeamento de Marrecas. Nessa época Cleve lhe fez um quadro da situação dos índios na comarca de Guarapuava: Chefes
Francisco
Tigre Gacon
Bandeira
Paulino
Desconhecido
Caciques Subalternos
Paulino Tigre
Felizardo, e José Cafang
Mayor, Gregorio, Henrique
Residências
Atalaia
Marrecas
Campo Moiron
Therezina
Pai Querê
Numero de índios
40
62
200
20
2000
TOTAL
2502 Pondera ainda o director, ser da maior urgencia reunir todos estes indios em uma só aldêa, ou, quando não, deixal-os divididos em dous aldeamentos, um principal em Marrecas e outro no campo Moiram e que um estabelecimento d’esta ordem, sendo bem administrado, tendo um padre e um mestre escola, em breve tempo contará em seu seio 2.500 individuos trabalhando pela prosperidade desta esperançosa provincia.61 A estratégia da conquista continuava sendo a mesma: os brancos pensavam
que poderiam reunir em aldeamentos os vários grupos que estavam dispersos e catequizálos com ajuda da Igreja, civilizá-los através do trabalho e apropriar-se de seus territórios. Assim pensavam em transferir os Kaingang dos territórios do oeste de Guarapuava para os aldeamentos do rio Marrecas no alto Ivaí. Essa era a estratégia dos brancos; os Kaingang tinham outra. Eles, que no primeiro momento reagiram à conquista atacando as fazendas que se implantavam em seus territórios, no segundo momento aproximaram-se dos aldeamentos religiosos e procuraram tirar o máximo de proveito desses estabelecimentos. Agora, no final da década 1870, estavam abrindo uma nova fase em contraposição à guerra de conquista que os brancos lhes moviam; iniciaram as demandas pelas demarcações de
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ARQUIVO PÚBLICO DO PARANÁ, Curitiba. Ofício. 30 jun. 1879, p. 99-91, (doc. manuscrito). PARANÁ. Governador (1879 - 1880 Dantas Filho), 16 fev. 1880, p. 43.
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territórios já ocupados por seus grupos. Nesse sentido eles forçavam o poder provincial a demarcar novas áreas que ia muito além das definidas nos aldeamentos religiosos. Para a instalação do novo aldeamento de Marrecas, em Guarapuava, e atração dos índios que viviam nos vastos territórios do oeste e noroeste da província, não havia verbas, e para qualquer gasto nesse sentido deveria ser solicitada à autorização do Ministério da Agricultura, conforme aviso de 19 de julho de 1880. Esse aviso reiterava as ordens expedidas pelo Ministério, de não se fazer despesa alguma verba da catequese além daquelas já estabelecidas no orçamento. No entanto, por ordens do presidente anterior, Daniel Cleve tinha feito despesas com a distribuição de brindes aos Kaingang. Conforme documento enviado à presidência da província, ele tinha distribuído, em 30 de maio, ao cacique José Kafang, do novo aldeamento de Marrecas, a quantia de 24$100 mil réis em panos para confecção de roupas. No dia 31 distribuiu 42$520, também em tecidos, aos índios dos campos de Moiram (Campos do Mourão). No dia seis de junho distribuiu mais 8$810 aos índios de Marrecas. E em quatorze desse mesmo mês distribuiu tecidos ao cacique Paulino de Teresina no valor de 49$440. Essas despesas totalizaram 124$870. Enviada a conta à Tesouraria para o pagamento, ela informou que não constava nos arquivos daquela repartição nenhuma autorização para semelhante despesa.62 A distribuição dessas mercadorias era uma das formas que Cleve tinha para estabelecer contato amistoso com os índios, principalmente com os que ainda estavam arredios, morando nos campos divisores de águas dos rios Ivaí e Piquiri. Os brindes ao cacique Bandeira tinham-lhe aberto às portas de seus territórios. Tanto que Cleve informou: Seguem dentro em poucos dias algumas pessoas, acompamhadas pelo cacique Bandeira, o interprete (...) Cavalheiro, para o campo Moiram, afim de reconhecer as localidades e observar os toldos e tribus ali existentes, visto que os caciques ali instam pela fundação de um aldeamento.63 Assim escreveu novamente Cleve ao presidente em 29 de novembro de 1880: Ilmo e Exmo Sr. - Tendo diversas hordas de indios selvagens, capitaneadas pelos caciques Bandeira, Gregorio, Jangjó e outros, residentes nas margens do rio Piquiry e affluentes do Corumbatay, vindo em repetidas vezes implorar o auxilio do governo para abandonar a vida de selvagem e entrar no gozo das vantagens da civilização, tem-se procurado affagal-os por todos os modos, já dando-lhes ferramentas e roupa, já prometendo aldeal-os, proteger os aldeamentos e o andamento da
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Sobre as despesas de Cleve ver ainda ARQUIVO PÚBLICO DO PARANÁ, Curitiba. Ofício. 1 dez. 1880, p. 98, (doc. manuscrito). ARQUIVO PÚBLICO DO PARANÁ, Curitiba. Ofício. 26 out. 1880, p. 40-42, (doc. manuscrito).
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catechese, o que muito contente se mostraram e pediram se fosse visitalos nos seus toldos.64 O Diretor dos Índios em Guarapuava repetiu o discurso dos índios que foram procurar as autoridades nessa cidade para o estabelecimento de negociações sobre seu aldeamento. Que os índios kaingang queriam o auxílio do governo era evidente. Muitos deles já tinham tido contato com os aldeamentos de São Pedro de Alcântara e São Jerônimo e sabiam que, se reivindicassem, o governo poderia reservar-lhes parte de seus territórios, fornecer-lhes ferramentas e equipamentos para o fabrico de açúcar e aguardente, e muitas outras coisas. Agora, quanto a abandonar o modo de vida indígena, isso eram apenas discursos que os chefes faziam aos negociadores brancos para convencê-los a apoiar suas demandas junto às autoridades provinciais e imperiais. Mas a questão mais importante que estava em pauta era a defesa de seus territórios. Cada vez mais os índios percebiam que os conquistadores brancos estavam ocupando vastas áreas de suas terras e que em pouco tempo eles chegariam aos pontos mais distantes; então era necessária a defesa de partes de seus territórios para seu povo. Tanto que tinham reocupado as terras dos campos de Atalaia em Guarapuava, forçaram a demarcação das terras no rio Marrecas e arrancaram a promessa de que o governo protegeria seus aldeamentos, conforme escreveu Daniel Cleve. O fazendeiro Noberto Mendes Cordeiro tinha visitado os emã do cacique Bandeira em outubro de 1880; lá foi bem recebido como representante do governo. Os índios solicitaram-lhe auxílio para estabelecimento de um aldeamento, e também um padre, um professor, ferramentas, e prometeram abrir a estrada das suas aldeias até Guarapuava, numa distância de vinte e três léguas. Norberto M. Cordeiro esteve em Curitiba em audiência com o presidente Pedrosa e lhe relatou suas conversas com os índios, deixando o presidente otimista quanto às relações com esses índios. Tão anciosos estão os selvagens do Piquiry de fazer causa commum comnosco, que se propoem eles a abrir uma picada que dê aos seus toldos e ao Salto das Sete Quedas communicação facil com Guarapuava. Pedem apenas ferramenta e uma pessoa pratica no serviço para dirigilos.65 Em seguida o presidente Pedrosa encarregou o fazendeiro Norberto M. Cordeiro de dirigir os índios na abertura dessa estrada, prometendo-lhe todo o auxílio possível. Sem verbas na rubrica da catequese e civilização dos índios, provida pelo governo
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PARANÁ. Governador (1880 - 1881 Pedrosa), 16 fev. 1881, p. 78. PARANÁ. Governador (1880 - 1881 Pedrosa), 16 fev. 1881, p. 78.
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imperial, ele utilizou a verba decretada no orçamento, pela Assembléia Província, para aldeamento dos índios em Guarapuava. E assim autorisei o director desses indios a despender a quantia de 300$000 para coadjuvar a expedição do cacique Bandeira, afim de abrir-se a mencionada picada, despendendo essa importancia com ferramenta e brindes aos selvagens que fossem empregados ao serviço. Tambem autorisei-o a contratar o interprete Felizardo com vencimentos mensaes não excedentes a 30$000 para acompanhar a expedição.66 O esforço do governo provincial para estabelecer relações amistosas com o grupo do cacique Bandeira tinha, além do propósito de abrir os territórios entre os rios Piquiri e Ivaí para a ocupação, outros objetivos: a abertura da conquista dos territórios entre os rios Piquiri e Iguaçu até o rio Paraná, os quais estavam ocupados por grupos resistentes. Em Guarapuava alguns cidadãos abastados querem auxiliar a expedição porque comprhendem que attrahindo e agradando os indios do Piquiry, terão nelles guardas vigilantes para preservarem-se das correrias de outras tribus ainda bravias. Segundo declarou-me o referido fazendeiro Norberto Mendes, esses novos aliados estão dispostos a ajudar em qualquer expedição para o lado do Iguassu gratuitamente. Convêm aproveitarmos essa boa disposição delles emprhendendo com sua coadjuvação a exploração da zona entre o Piquiry e o Iguassu, até hoje quasi completamente desconhecida e onde assseguram que existem os famosos campos do Pai-querê.67 Após a exposição, o presidente pediu apoio dos deputados provinciais para levar adiante tão importante empresa. Dentre os caciques que habitavam os campos divisores das águas dos rios Ivaí e Piquiri destacava-se o cacique Gregório. Desde a década de 1860 temos informações sobre ele. Em agosto de 1864 estava aldeado em São Jerônimo com 105 pessoas do seu grupo, conforme informações do presidente da província José Joaquim do Carmo.68. Em 1867, Franz Keller escreveu que Gregório se encontrava aldeado no norte da província, talvez pelo medo que lhe causavam as perseguições que lhes fizeram os caciques Viri e Vitorino Kondá, em anos anteriores, no sul da província. Assim, ainda em 1867, Gregório estava em São Jerônimo, mas alguns anos depois ele e outros caciques já se encontravam nos campos do Mourão. Em fins de dezembro de 1879, Daniel L. Cleve, então Diretor dos Índios aldeados na comarca de Guarapuava, comunicou ao presidente da província que:
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PARANÁ. Governador (1880 - 1881 Pedrosa), 16 fev. 1881, p. 80. PARANÁ. Governador (1880 - 1881 Pedrosa), 16 fev. 1881, p. 78. 68 PARANÁ. Governador (1864 Carmo), 18 nov. 1864, Anexo 4. 67
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Em breve poderei dispor de alguns dias, no intervallo da mediçòes, para visitar os diversos toldos disseminados nestas mattas, sendo os mais consideraveis os toldos capitaneados pelos indios Bandeira, Henrique, Gregório, e outro cacique não batizado e ainda não rendido a civilização. Assentaram elles seus toldos no Campo Moirão, entre os rios Corumbatahy e Ivahy, vivem da caça e pesca e consta que fazem boas lavouras. Conheço pessoalmente os caciques Henrique e Bandeira, os quaes se tem dado ferramenta e fazenda, e reputo-os de boa idole. Com o fim de receberem visita do diretor geral, abriram o anno passado uma picada atravez do certão em que morão, e se esta for viavel, irei ate seus toldos para verificar o numero de indios existentes ali, e tentarei persuadil-os para virem á vida commum no novo aldeamento das Marrecas.69 Também no relatório do presidente Dantas Filho, de fevereiro de 1880, Gregório aparece como um cacique subordinado ao cacique Bandeira e vivendo com seu grupo nos territórios denominados campo Moiram. Bandeira, chefe dos indios que habitam o campo Moiram, tem sob suas ordens 200 pessoas, comprhendendo os caciques Henrique Gregório e Mayor. Estes indios, fazem suas roças no valle do Ivahy e plantam a canna de assucar, mas sem tirar della o minimo proveito, por falta de recursos e estradas. Diz esse chefe que mandou abrir um caminho até sahir nos campos de Guarapuava o que se propóe o citado director Cleve a verificar logo que tenha tempo para lhes fazer uma visita.70 Em 1885, os caciques Henrique e Gregório continuavam com sua gente nos campos do Mourão e no vale do rio Corumbataí, nas proximidades da antiga cidade espanhola de Vila Rica, conforme informa José F. T. do Nascimento: Disseram-me mais que do Pary com dois dias de viagem para o lado norte chega-se ao campo do Mourão, onde moram os caciques Gregório e Henrique com seus toldos, sendo Gregório um chefe bem respeitado pelos seus; com elle tive bôas relações quando cheguei a Guarapuava, onde elle estava nessa ocasião; dei-lhe alguns presentes e pediu-me que fosse a seus toldos, dizendo-me que morava perto da abandonada Villa Rica do Espirito Santo, á margem esquerda do rio Ivahy, onde estive a há seis anos passados. Gregório também não quer sahir dalli para outro lugar.71 Dez anos depois, em 1896, o velho cacique Gregório ainda vivia, e era temido pelas populações brancas que estavam ocupando o vale do médio Ivaí. Na percepção dos caboclos, da vila de Teresa Cristina, que acompanharam a expedição do general José Cândido da Silva Muricy até as ruínas de Vila Rica, o cacique Gregório era o capitão mais
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ARQUIVO PÚBLICO DO PARANÁ, Curitiba. Ofício. 24 dez. 1879, p. 2, (doc. manuscrito). PARANÁ. Governador (1879 - 1880 Dantas Filho), 16 fev. 1880, p. 42. NASCIMENTO, José F. T. do. Viagem feita por José F. T. do Nascimento pelos sertões de Guarapuava, Província do Paraná e relações que teve com os índios coroados mais bravios daquelles lugares. RIHGB. Rio de Janeiro, n. 49, v. 73, pt 2, p. 276, 1886.
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infiér e mais gente da nossa matô. Muricy encontrou-se com Gregório nas proximidades do salto Ubá, no rio Ivaí. Voltamos-nos imediatamente e demos de cara com um bugre alto de possante corporatura, fisionomia enérgica, de caracteres tigrinos e olhar penetrante. O cenho carregado, profundo vinco entre os olhos, com forte comissura dos lábios grossos e retesados, indicavam pouco ou nenhum habito de sorrir. Qual seria sua idade ? Impossível dizer,72 O local do encontro do General Muricy com o cacique Gregório, em 1896, nos leva a supor que ele ou tinha-se mudado para as proximidades do salto Ubá, no rio Ivaí, uns setenta quilômetros a sudeste de seus emã das proximidades de Vila Rica, aceitando as propostas dos brancos para ali se fixar, ou seus territórios abrangiam toda a região entre os rios Ivaí e Corumbataí, e naquele momento, inverno de 1896, ele estava com sua gente - em torno de duzentos e cinquenta a duzentos e setenta pessoas - nas corredeiras da Bufadeira, próximas ao salto Ubá, aproveitando a abundância de peixes que existia no local. Essa corredeira, nos dizeres de Muricy, tinha oitocentos metros de largura e mais de um quilômetro de comprimento, (...) terminando, na parte inferior, por um grande Parí construido pelos Caingangues que habitam o toldo da Bufadeira. Havia poucos dias, êsse Parí lhes dera uma grande carga de peixes cuja moqueada estavam terminando naquela ocasião, sendo o pescado manteado e exposto ao sol em grandes varais sôbre altas forquilhas. Estavam sofrendo essa operação, assim desdobrados em mantas, quase duzentos grandes peixes, suruís, pintados, magurujús, pacus e outros, apanhados antes que um cardume maior, de milheiros de peixes grandes, descendo o rio após a desova, tivesse arrebentado o Parí e escapado.73 O certo era que Gregório esteve presente por toda a segunda metade do século XIX nos territórios do norte e oeste do Paraná, nas relações de seu povo com os brancos invasores. Quando foi preciso aldear, ele levou sua gente para o aldeamento indígena de São Jerônimo. Quando foi preciso abandonar o aldeamento oficial do Império, ocupou com seu povo os campos do Mourão, e agora no final de sua vida dirigia um grande grupo de mais de duzentos e cinqüenta individuos em vários emãs entre afoz do rio Belo e a corredeira da Bufadeira no rio Ivaí. Dessa forma, no final do século XIX e limiar do século XX vários grupos kaingang viviam nos diversos emãs no médio Ivaí. Destacando-se a lideranças dos caciques Paulino Arak-xó e do cacique Gregório. Eles já tinham conseguido ocupar todo o vale do Ivaí
72 73
MURICY, José Candido da Silva. Viagem ao país dos jesuítas. Curitiba, [1896]1975, p.167. MURICY, José Candido da Silva. Viagem ao país dos jesuítas. Curitiba, [1896]1975, p.165.
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desde a Colônia Teresa Cristina até o rio Corumbataí, tinham empurrado os Xetá para além das corredeiras das bananeiras abaixo das antigas ruínas de Vila Rica do Espírito Santo. Ocupação Kaingang no vale do médio Ivaí de Teresa Cristina até Vila Rica do Espírito Santo na foz do rio Corumbataí no final do século XIX conforme mapa elaborado por José Cândido da Silva Muricy.74 Toldo
Local
Cacique
Nome e Descrição
01
Rio Ivahy (E)/ Belo (D)
02
Rio Belo (D)
03
Rio Belo (E)
04
Rio Belo (E)
05
Rio Ivahy (E)
06
Ivahy (E)
07
Rio Ivahy (E) / Marrequinhas (D)
Toldo Marrequinhas
08
Rio Ivahy (E) / Borboleta (D)
Toldo Borboletas
09
Rio Borboleta (D)
10
Rio Ivahy (D)
Gregório (Capitão)
Toldo da Bufadeira, em torno de 250 a 270 pessoas
11
Rio do Peixe ou Ubazinho (D)
Paulino (Capitão)
Toldo do Ubá
12
Rio do Peixe cabeceiras
13
Rio do Toldo (D)
14
Rio Alonso (D)
Pari, Ultimo ponto onde a expedição encontrou os Kaingang.
15
Arroio da Bulha (cabeceiras)
Toldo dos Botocudos
16
Afluente esquerdo (Cabeceiras
Jose (Capitão)
Caetano
Em frente a um Pari Gregório (Capitão)
ou
Ubazinho
do
Ranchinho
nas
Corumbatay
Serra dos Dourados.
Obs: Margem direita (D). Margem esquerda (E)
74
José Candido da Silva MURICY. Viagem ao país dos jesuítas. Curitiba, Imprensa Oficial do Estado, [1896]1975.
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PLANTA DA VIAGEM AO PAIZ DOS JESUÍTAS
Mapa elaborado pelo Gen José C.da S. Muricy por ocasião de sua viagem ao rio Ivaí em 1896 e publicado no livro Viagem ao país dos jesuítas. Curitiba, Imprensa Oficial, 1975, com o titulo Planta da viagem ao paiz dos jesuítas. A reprodução que anexamos aqui faz parte da contracapa do referido livro, existe uma versão integral desse mapa encartada no mesmo livro, nela pode-se observar mais detalhadamente os locais dos referidos Toldos Kaingang no vale do rio Ivaí nesse final do século XIX.
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4
OS KAINGANG NO MÉDIO IVAÍ NO SÉCULO XX, AS SUCESSIVAS DEMARCAÇÕES E A PERDA DE SEUS TERRITÓRIOS Os fragmentos das narrativas colhidas em campo mostram que os velhos e
as velhas kaingang ainda trazem consigo as lembraças dos limites de suas terras antes dos decretos e leis que reduziram seus territórios. (...) naquele tempo que eu nasci, nossa área era aquele lá do Manoel Ribas. Então nossa área ali, aquele do Manoel Ribas, lá, que morava ali no Monjolo Velho. Então tamanho assim, que serve para construir sede da cidade. Que era nossa área, né? Essa área é tudo nossa, que é de lá. Até pro Pitanga para cá. É o Marrequinha do Pitanga que era nossa área. É, perto de Ivaíporã, um marco que o canto do marco então passava lá no Ariranha. Você pega o Ariranha lá, e daí cai no Ivaí, faz parte do Ivaí. Então virou nossa área, pois trocou para nossa área, foi para Pitanga. Então depois estava com tamanho de sete anos, daí mudaram para cá. Daí diminuiu esta área aqui. É, diminuiu, daí entramos aqui era matão, aqui mato, mato tinha pinguelinha ali, então cruzava para cá. Então para o outro lado ali é estradinha, que vai para o outro lado do Ivaí, para buscar compra, uma coisa, ali para o outro lado da casa dele. A estradinha [era] pequena, naquele tempo não vivia estrada, não vivia trator, não tinha nada. Não tinha máquina, naquele tempo, então nos mudaram e então puseram nós aqui. Então a graminha tinha e dali aquele mato capoeirão. Aquele época o cacique era o João Morais. João Morais, kaingang era Kapré. O cacique mais antigo é o Kafanh, que é mais velho, e o Salvador [Venhy] velho. Antes do Salvador era o João Morais, o Salvador e o Lino. É, é o mais véio aqui de tudo que mandava.” (Pedro Ninváia “Carroceiro”, 82 anos, morto em 19/10/2002, alguns dias depois desse depoimento) (...) A divisa ia até o rio Ivaí. A terra era maior, tinha muito pinheiro. Os índios comiam pinhão. Nós assava. Cozinhava.” (Dona Ernestina, branca, viúva de marido kaingang, 71 anos) Nas primeiras décadas do século XX, uma série de Leis e Decretos do governo paranaense regulamentou as terras indígenas no estado. Foram várias leis estaduais que marcam e remarcam os territórios indígenas no estado, culminando com as leis editadas em 1949 que definiram as áreas destinadas aos povos indígenas no Paraná. Em 1901 o governo do Paraná decretou uma porção de terras aos índios Kaingang na margem direita do rio Ivaí. Vejamos o que diz o decreto nº 8 de 09 de setembro de 1901;
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O governador do Estado do Paraná, considerando que diversas famílias da tribu “Coroados”, das quaes são chefes Paulino de Arak-xó e Pedro Santos, se acham estabelecidas em terras sitas á margem direita do Ivaí, dedicando-se à lavoura, e considerando que é de equidade que lhes seja mantida a posse das referidas terras, demonstrada pela cultura efetiva e morada habitual, e que ao mesmo tempo lhe sejam concedidas terras adjacentes em que possam desenvolver os seus trabalhos de agricultura e se estabelecer mais famílias da mesma tribu e de outras; usando da atribuição que lhe confere o artigo 29 da lei nº 68, de 20 de dezembro de 1892, decreta: Artº. Único – ficam reservadas para estabelecimento de indígena da tribu “Coroados”, sob o mando de Paulino Arak-xó e Pedro dos Santos, e de outras tribus, as terras devolutas sitas entre rio do Peixe ou Ubazinho, desde a sua cabeceira, até a sua foz, no rio Ivaí; deste até a foz do ribeirão do Jacaré, desde sua cabeceira, e o cume da serra de Apucarana, no município de Guarapuava. Palácio do governo do Paraná, em 9 de setembro de 1901. 13º da República. Ass. Francisco Xavier da Silva Arthur Pedreira Cerqueira.” Esse decreto define as terras dos Kaingang comandados pelos caciques Paulino Arak-xo e Pedro dos Santos, que viviam na margem direita do rio Ivaí entre Teresa Cristina e o rio Corumbataí. Em 1909, a Lei nº 853, de 22 de março, aponta para as intenções governo estadual no que se trata a questão dos territórios indígenas. O Art. 1º da Lei define seu principal objetivo: o governo do Estado fará medir e demarcar as áreas de terras reservadas em tempos aos índios, em vários pontos do Estado, por decreto do executivo. A Lei mostra que o governo ainda mantinha a idéia de agrupar os índios para “catequizá-los” e “civilizálos”, conforme os preceitos seguidos no Império a partir de 1845 com a instalação das Colônias Indígenas em todo o país, conforme mostra o seguinte artigo: “Art. 4. O governo promoverá, como achar conveniente, o ensino leigo dos jovens índios, ensino que deverá ser compreendida a educação profissional das artes mais essenciaes à vida prática, de acordo com as necessidades do meio. Art. 8. Estando provado que é possível apreender-se os índios botocudos em seus toldos, o Governo empregará os meios de trazê-los aos centros civilizados, para daí dar-lhes a necessária educação.” Os equívocos continuaram a serem cometidos pois como se observa no século XIX, os índios não ficavam em tempo permanente nos aldeamentos e muito menos se enquadravam no modo de vida que os brancos queriam para eles. Conforme analisei os aldeamentos do século XIX - São Pedro de Alcântara e São Jerônimo da Serra - no Paraná provincial, “os índios tinham uma política em relação aos aldeamentos, que era de utilização e aproveitamento dos recursos investidos, ao mesmo tempo em que rejeitavam o enquadramento no modo de vida do branco pregado pela catequese.” (MOTA : 2000, 27).
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O governo também pretendia mudar a forma de vida dos povos indígenas. “Art. 6. O governo regulamentará os serviços diversos dos novos estabelecimentos, imprimindo-lhes o caráter de centros ruraes e procurando afeiçoar o índio aos trabalhos da terra, depois de lhe haver assegurado a propriedade perpetua desta.” A intenção do governo era aperfeiçoar os índios no trabalho agrícola, na esperança de abandonarem as atividades de caça, pesca e coleta. Isto significava que não seriam necessárias grandes reservas de matas e florestas para sua alimentação, pois, eles passariam a viver em espaços menores. Ainda hoje, apesar da enorme redução das terras, as atividades de caça, pesca e a coleta ainda continuam fazendo parte da vida cotidiana e da dieta indígena de muitos grupos. Mas, retomando as questões relativas às demarcações das terras indígenas no Paraná, e especificamente a origem da T.I. Ivaí, verificamos que em 4 de maio de 1912, o cacique Paulino Arak-xó enviou um requerimento ao governo do Estado propondo a permuta de parte de seus territórios na margem direita do Ivaí por outra terras na margem esquerda do mesmo rio. “Exmo. Snr. Dr “Presidente do Estado” “O abaixo-assinado chefe da tribu dos índios coroados, que habitam o terreno que lhes foi cedido pelo governo do Estado pelo decreto nº 8 de 9 de setembro de 1901, situado a margem direita do rio Ivahy e entre os rios Jacaré e do Peixe ou Ubasinho, vem pedir a V. Excia. A permuta de dois terços da área total desse terreno, por uma área igual no logar denominado Campos do Mourão à margem esquerda do mesmo rio, além da barra do rio Preto. Esta resolução é motivada pela conveniência que lhes advém da situção do referido terreno, logar, onde as terras lhes oferece maiores vantagens não só pala sua colocação como pela excelência da qualidade. Acresce ainda que muitos dos seus chefiados já se encontram localizados naquele logar. O suplicante pede permuta apenas de dois terços da área, pois, que o terço restante deseja que seja conservado em poder do capitão Pedro do Santos Tamandoy, o qual abituado a viver de sálarios, prefere ahi concervar-se com a sua gente em número de vinte famílias, estando todos de acordo com esta resolução. Nestes termos pede deferimento. Therezina, 4 de maio de 1912. Assignados: Arógo do Cel. Paulino Arak-xó Raymundo Dinis Pereira: Negociante Testemunhas: Laurindo Ribeiro Borges. Sub- comissário de Polícia.” O documento acima contém informações importantes e deve ser analisado com cuidado e conectado ao Decreto n. 294 de 17 de abril do ano de 1913. Grosso modo a proposta do cacique Paulino Arak-xo parece ser vantajosa para os Kaingang, por aumentarem sua área, ela também agrada ao governo que intencionava utilizar as terras da margem direita do médio Ivaí para o estabelecimento de núcleos coloniais. Vejamos o decreto 294 de 17 de abril de 1913.
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“O presidente do Estado do Paraná, tendo em vista a representação feita pela Inspetoria do Povoamento do Solo neste Estado, encaminhando uma petição de umas das tribus de índios moradores na margem direita do Rio Ivahy, entre os rio Peixe e Jacaré, e bem assim as informações favoraveis prestadas pela Inspetoria do Serviço de Proteção aos Índios e localização de trabalhadores nacionais, a respeito do assunto constante na referida petição, e, atorizado pela Lei n.º 1.198, de 16 de abril deste ano, DECRETA Art. 1º - Fica concedida permuta de reserva das terras ocupadas pelos índios ao mando do cacique Paulino Arak-xó, sitas entre os rios Ivahy, Peixe, Jacaré, Baile e uma linha que liga a cabeceira deste último ribeirão ao rio Jacaré e que constitui parte da que trata o Decreto n.º 8, de 9 de setembro de 1901, pela reserva de terras devolutas fronteiriças, em área equivalente, situada na margem esquerda do rio Ivahy e compreedida entre os rios Barra Preta e Marrecas, ficando porém garantidas em sua plenitude nesta última, as posses ahi existentes e que foram apoiadas em documentos legais. Art. 2º - As posses a que se refere o Artigo precedente, deverão ser medidas e demarcadas, imediatamente, pela Inspetoria do Povoamento do Solo e de acordo com os repectivos proprietários. Art. 3º - As terras comprehendidas entre os rios Ivahy, Peixe, Baile e Jacaré de que trata o artigo 1º do presente Decreto, passam a pertencer ao Domínio da União para os efeitos da localização de imigrantes, devendo a Inspetoria do Povoamento do Solo respeitar integralmente a área ocupada pelos índios ao mando do cacique Pedro dos Santos, a que se refere o Decreto n.º 8, de 9 de setembro de 1901 e sitas entre os rios do Peixe, Baile, Jacaré e Serra do Apucarana. Palácio da Presidencia do Estado do Paraná, em 17 de abril de 1913 25º da República. CARLOS CAVALCANTI DE ALBUQUERQUE. JOSÉ NIEPCE DA SILVA. Dessa forma os Kaingang garantiram parte de seus territórios na margem direita do Ivaí, que ficou a cargo do cacique Pedro dos Santos, e Paulino Arak-xó conseguiu assegurar, conforme a indicação do decreto – terras entre os rios Ivai, Barra Preta e Marrecas – territórios bem maiores que os que tinham sido demarcados em 1901. No entanto nem o governo do estado e nem o SPI fizeram a demarcação dessas terras. Vejamos o que Coelho Júnior escreveu sobre a permuta dessas terras. “Possuiam esses índios, na margem direita do rio Ivahy, cinco mil alqueires de terra, mais ou menos, que, para fins de colonisação, bem a contento dos índios, o Estado trocou por igual área na margem esquerda do citado rio. Acontece que, não foi devidamente feita a demarcação dessa gleba. E o doutor José Maria de Paula, que nunca tinha vindo a essa região, mandou aos índios um memorial, dando como suas (dos índios) uma área em que incluia todas as propriedades do habitantes, garantidas pelos diretios adquiridos em face da lei 820 de 1908, deste Estado. Quer isso
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dizer que, em vez de cinco mil alqueres os Kaingangues, vinham a possuir perto de sessenta mil alqueires.”75 Como resultante dessa não demarcação das terras kaingang na margem esquerda do Ivaí foi o sangrento episódio da guerra de Pitanga, que faremos um breve relato a seguir conforme o noticiado na imprensa da época. Em 31 de março de 1923 o jornal Gazeta do Povo de Curitiba noticiou. Ivahy, 31. O Núcleo Colonial Candido de Abreu será atacado á mão armada pelos índios do toldo do coronel Paulino Xagu. (...) o facto é grave e requer não só providências urgentes para evitar o ataque, como para acalmar e subordinar os índios rebeldes.76 Em 2 de abril de 1923, o jornal A República de Curitiba destacou a atuação do cacique Paulino Arak-xó noticianto que: (...) os índios do Capitão Paulino ameaçam invadir a Colonia Ivahy. (...) O índio que chefia agora a reclamação e que sempre a manteve junto do Serviço chamado de Proteção, é o notável caciqye Paulino Arakchó, que esteve mais de uma vez nesta capital defendendo os direitos de sua tribu e de sua raça.77 Ainda em 2 de abril, outro Jornal curitibano - A República - questionava as causas do levante kaingang e acusava o SPI de não ter demarcado as reservas concedidas pelo governo do Estado. As terras indígenas da margem direita do Ivaí estavam sendo ocupadas e já abrigavam a colônia Cândido de Abreu, povoada por poloneses. Novas terras, na margem esquerda do Ivaí,78 haviam sido doadas, mas, por falta de demarcação, estavam igualmente sendo invadidas. Convencidos como estavam, os selvicolas de que tudo na Serra da Pitanga lhes pertencia (...) Reunem-se em número consideravel e avisam ao povo para que, dentro de tres dias abandonem suas casas e em seguida dão começo ao saque; commettem a primeira investida roubando e occupando a casa de Antonio Farkim. Incontinente saqueam e ocupam a ferraria de Fernandes Malho e depois apossam-se das mercadorias da loja de generos Walther e do importante estabelecimento do Sr. Manoel Mendes de Camargo, em um valor de mais de 50 contos de reis.79
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LEÃO: 1996, 1591. Cf. Gazeta do Povo, Curityba, sábado, 31 de março de 1923. In: A. M. FRANCO. Em Defesa do Indio e do Sertanejo. p. 102. Cf. "A República", Curitiba, 2 de abril de 1923. In: Arthur M. FRANCO. Em Defesa do Índio e do Sertanejo. pp. 102-103. 78 Cf. Decreto Estadual n. 204, de 17 de abril de 1913. In: Estado do Paraná, Leis de 1913, pp. 133-134. 79 Cf. Gazeta do Povo, Curityba, sábado, 31 de março de 1923. In: A. M. FRANCO. Em Defesa do Indio e do Sertanejo. pp. 103-104. 76 77
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O clima na região era de medo, e famílias inteiras fugiam para as cidades maiores e mais seguras. Os animais dos sitiantes eram arrebanhados e levados para os toldos como presa de guerra. Os mais ousados esboçavam reação: Um alemão, de nome Landmann, valente e brioso, não supporta o vexame e, sosinho, em um movimento louvavel de repulsa affronta a malta indígena de mais de cem individuos e a titoteia, matando dous e ferindo outros, pagando com a vida seu heroismo. Dahi a chacina dos habitantes Uma família que fugia pela madrugada é surprendida em uma tocaia e assassinada barbaramente.(...) Na tocaia da Pitanga matam elles marido, mulher e filho; cortaram a cabeça daquelle e castraram-no e nesta oh! cousa horrivel, abrem-lhe o ventre, retiram das entranhas, ainda palpitante um feto e reduzem-no a migalhas esfaqueando o último, um menino de treze annos que veio a falecer em um hospital em Guarapuava.!!!80 A Gazeta do Povo de Curitiba acusou duramente José Maria de Paula, inspector do SPI no Paraná, como responsável e insuflador do levante dos índios na serra da Pitanga. O cerrado ataque que a imprensa fez ao funcionário fazia parte da campanha de desgaste do órgão no Paraná e da campanha para extinção dos aldeamentos de São Jerônimo, cujas terras eram disputadas por fazendeiros e importantes políticos paranaenses. O medo que se espalhou pela região chegou à centenária Guarapuava. O jornal Comércio do Paraná estampou a seguinte manchete, no dia 10 de abril de 1923: Guarapuava Ameaçada por um Grupo de Bandidos, alardeando que a cidade se achava ameaçada por um bando de desordeiros, que explorava a ignorância dos índios para pertubar a ordem. Publicou, ainda, um telegrama com o seguinte teor: Há tres dias a população esta alarmada motivada pela sublevação dos índios da Pitanga, (...) Os sediciosos são em número de duzentos e prometem vir atacar a cidade indefesa. Apelamos em nome da família guarapuavana para que sejam dadas providências urgentes.81 O telegrama, assinado por moradores da cidade, informavou que padres e bandidos da região comandavam o levante. O chefe de polícia ordenou que seguisse para Guarapuava uma força de 20 homens, e nomeou um subdelegado de polícia para o distrito de Pitanga. A força policial levou farto armamento, 200 fuzis mauser, 200 winchester, 4.000 cartuchos e intencionava alistar combatentes entre a população da região.
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Cf. Gazeta do Povo, Curityba, sábado, 4 de abril de 1923. In: A. M. FRANCO. Em Defesa do Indio e do Sertanejo. pp. 104105. Jornal Comércio do Parana, Curitiba, 10 de abril de 1923.
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No dia 10 de abril, Pedro Nolasco, nomeado subdelegado de Pitanga, informou ter encontrado em Guarapuava número elevado de famílias retirando-se com grande pânico, a maioria advinda da serra da Pitanga. No mesmo dia, o Diário da Tarde noticiou a situação de pânico da região: As últimas noticias recebidas da Serra da Pitanga informam que Pedro Mendes se mantem a frente de 50 homens, oppondo resistência contra os revoltosos que pretendem saquear sua casa comercial. Dulcidio Caldeira seguiu hontem para ali com um contingente de 40 homens afim de socorrer Pedro Mendes. Sob o comando do capitão Emilio Campos acham-se em Palmeirinha armados para defesa da localidade. Continua o exodo da população de Pitanga cujas famílias chegam a esta cidade completamente destroçadas pedindo garantias de vida e propriedade. As noticias chegadas d'ali narram os acontecimentos pormenorizando os assaltos e mortos em famílias de colonos.82 Na noite do dia nove de abril, os atacantes haviam chegado à localidade de Palmeirinha, a cinco léguas de Guarapuava. A notícia causou um verdadeiro rebuliço na cidade e a retirada de grande parte da população. Somente no dia seguinte o clima se normalizou com a notícia de que os atacantes tinham sido barrados em Palmeirinha por forças militares e civis, comandadas pelo capitão Emílio Campos. Uma carta publicada no Diário da Tarde, em 17 de abril, relatou a noite de pavor que viveu Guarapuava no dia nove de abril de 1923: A cidade envolvida em negra escuridão, pois a luz está interrompida ha um mez; as ruas lamacentas e em trevas, aterrorisava ainda mais, desenvolveram-se então cenas commovedoras. Ouvia-se em toda parte lamentos, increpações, soluços dos que em retirada desordenada passavam, famílias inteiras que abandonavam seus lares e seguiam mesmo sem saber para onde. Mulheres arrastavam crianças pelas mãos, e estas com vóz inocente, indagavam para onde as levavam. Corriam autos regorgitando de pessoas em debandada, seguindo para Prudentópolis, Ponta Grossa e outros, em vai e vem continuo a fazer o transporte de famílias para o rio das Mortes casa do Sr. Zacharias Martins. Os próprios doentes deixavam o leito de dor e sahiam tomando destino ignorado para todos os lados para fora da cidade.83 A mesma carta informou que os índios das reservas de Nonohay, no Rio Grande do Sul, Palmas e outras localidades, rumavam para Pitanga com o objetivo de reconquistar suas terras. No dia 11 de abril, o Diário da Tarde recebia mais notícias sobre os acontecimentos na serra da Pitanga. Telegramas vindos de Guarapuava confirmavam os
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Cf. Diário da Tarde, Curitiba, 10 de abril de 1923. Cf. Diário da Tarde, Curitiba, 17 de abril de 1923.
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combates e a vinda de uma criança de 10 anos, ferida no conflito, com profundo corte nos intestinos. O comerciante Pedro Mendes reuniu em torno de 200 homens para combater os atacantes no dia 5 e 8 de abril, ocasião em que morreram muitos "bandoleiros" e Foram mortos e picados a facão tres homens e tres crianças que se achavam do lado do Grupo de Pedro Mendes84. Segundo informações, os "bandoleiros" eram ciganos, índios, caboclos e paraguaios. No dia 19 de abril, o Diário da Tarde publicou o telegrama do subdelegado Pedro Nolasco, que estivera no local do conflito: No dia 2 começaram os saques e assassinios, perdurando até o dia 6, sendo saqueadas as casas comerciais dos Srs. Manoel Mendes de Camargo e Generoso Walther, ao valor de 60 contos de reis, duas casas de família sofreram saques completos. Manoel Lourenço, senhora e filho, e o alemão Landmann foram degolados, cujos crimes foram commetidos pelos índios que passaram quatro dias arrebanhando animais vaccuns, suinos e cavalar, sendo o prejuizo muito grande. Visitei 43 casas desabitadas na maior parte de alemães. Sigo hoje para uma aldeia na margem do Ivahy a ver se consigo rehaver as mercadorias e animais.85 O evento de Pitanga descrito acima, envolvendo os Kaingang e populações brancas da região, levou o governo do Paraná a elaborar um novo decreto demarcando as terras indígenas no vale do Ivaí. Como veremos esse decreto de 1924, fez um novo desenho dos territórios kaingang diminuindo de forma substancial a área definida anteriormente pelo decreto de 1913. DECRETO Nº 128 DE 7 DE FEVERIRO DE 1924 O presidente do Estado do Paraná, usando da autorização contida na Lei n.º 1.198 de 16 de abril de 1912, no intuito de normalizar a situação da tribo de Índios Coroados ao mando do cacique Arak-Xó e outras estabelecidas à margem esquerda do rio Ivahy. DECRETA: Art. 1º - As terras de que trata o art. 1º do Decreto n º 294, de 17 de abril de 1913 abrangerão uma área de 36.000 hectares com as seguintes divisas: partindo das proximidades do Salto do Ubá no Rio Ivahy (dividindo com as terras pertencentes aos sucessores do Cel. João Alberto Munhoz até as cabeceiras do Arroio da Ariranha e dahi por uma linha seca com rumo S.E. 23º 50’ até encontrar o rio Marrequinha, por este abaixo até as proximidades do Salto Ubá, onde foram iniciadas as respectivas linhas perimétricas). Art. 2º - As posses que existirem dentro desta área e que forem apoiadas a documentos legais, serão garantidas em toda plenitude, para os efeitos de legitimação de acordo com as leis que regulam o assunto.
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Cf. Diário da Tarde, Curitiba, 11 de abril de 1923. Cf. Diário da Tarde, Curitiba, 19 de abril de 1923. Esse episódio de Pitanga merece estudos mais detalhados, pois ao nosso ver ainda retam muitos pontos obscuros que não foram totalmente esclarecidos ou nem mesmo abordados.
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Art. 3º - Revogam-se as disposições em contrário. Palácio da Presidencia do Estado do Paraná, em 7 de fevereiro de 1924; 36º da República. CAETANO MUNHOZ DA ROCHA ALCIDES MUNHOZ Dessa forma pela primeira vez é citado em um decreto o número de hectares da área – 36.000 hectares. Note-se também que os limites da área são, neste decreto, mais compreensíveis que os citados no decreto de 1913. Como já dissemos, estas questões não foram esclarecidas no decreto de 1913 e colaboraram para os conflitos de abril de 1923, que propiciaram a promulgação do decreto de 1924. A análise desses decretos nos permite definir os limites das duas áreas antes de 1949 que se originaram neste processo de trocas e demarcações.
4.1
TERRA INDÍGENA FAXINAL São as terras compreendidas entre os rios Ubazinho, Baile e Jacaré e Serra
do Apucarana. Vejam que a terra indígena perdeu seu limite com o rio Ivaí.
4.2
TERRA INDÍGENA IVAÍ Uma área equivalente a 36.000 hectares partindo das proximidades do Salto
Ubá no rio Ivaí, até as cabeceiras do rio Ariranha, daí por uma linha seca com rumo S.E. 23º 50’ até encontrar o rio Marrequinha, por este abaixo até sua confluência com o rio Ivaí, descendo até as proximidades do salto Ubá.86 Esta delimitação da área Ivaí permaneceu durante vinte e cinco anos. Mas isso não significou que os Kaingang tivessem assegurado seus territórios, pois, a sociedade branca envolvente continuou seu processo de expansão ocupando vários pontos de áreas já demarcadas pelo decreto de 1924. Recomeça dessa maneira um novo movimento de reocupação de áreas indígenas pela expansão da sociedade envolvente. E depois de algum tempo após novas pressões e novas iniciativas do governo estadual, novos decretos foram
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Ver mapa da T.I. Ivaí de acordo com o decreto de 1924.
73
elaborados incorporando às companhias de colonização novas extensões dos territórios kaingang no vale do Ivaí. Em 1949, os governos da União e do Estado do Paraná firmaram um acordo que diminuiu consideravelmente as extensões da T. I. Ivaí, do Faxinal e de outras áreas indígenas do Estado do Paraná. Este acordo foi elaborado em 28 de junho de 1948 com novos critérios de subtração das terras indígenas garantida nos decretos a partir de 1900. Com a justificativa de reestruturar as áreas indígenas, esse acordo de 12 de maio de 1949 expropriou grande parte dos territórios Kaingang demarcados em decretos anteriores. Alguns pontos merecem analise, observe-se um trecho do enunciado do acordo referente as reservas indígenas: (...) o governo do Estado do Paraná, resolveu (...) acordar na reestruturação destas reservas, de modo a serem conservadas as áreas que, a critério do Serviço de Proteção aos Índios, forem julgadas necessárias e suficientes para o estabelecimento definitivo das citadas tribos ou agrupamentos indígenas, conferindo-lhes a propriedade plena das terras em que os referidos índios se acham permanentemente localizados. Aqui o Serviço de Proteção aos Índios é envolvido no processo de definição de quais serão as “necessidades” de terras para os índios. E vai ser o S.P.I o órgão governamental o responsável pela determinação dos locais de demarcação das terras e das quantidades de terras necessárias aos índios. Vejamos as cláusulas do acordo de 1949: Cláusula Primeira – O Serviço de Proteção aos índios determinará e localizará as áreas, compreendidas nas terras reservadas aos índios pelo Governo do Estado do Paraná, a paritr de 1900, que deverão formar glebas a serem cedidas pelo Estado do Paraná, na forma de lei, para constituírem propriedades plena das tribus ou agrupamentos indígenas que ali se encontram localizadas em caráter permanente. Cláusula Segunda – Nos termos dos decretos estaduais que determinam as reservas de terras para os índios do Estado do Paraná, serão reestruturadas, para efeito de cessão a que se refere a cláusula anterior, as áreas em que se encontram atualmente estabelecidos os Postos Indígenas Apucarana, Queimadas, Ivaí, Faxinal, Rio das Cobras e Mangueirinha. Cláusula terceira – Tendo em vista a população indígena atualmente existente em cada um destes Postos adotando como critério básico para as respectivas extensões a área de cem (100) hectares por família indígena de cinco (5) pessoas e mais quinhentos (500) hectares para a localização do Posto Indígena e suas depêndencias, será feita pelo Estado do Paraná a cessão definitiva, para plena propriedade tribal das seguintes áreas compreendidas nos limites das atuais reservas: - Seis mil e trezentos (6.300) hectares na região de Apucarana; mil e setecentos (1.700) hectares na região de Queimadas, sete mil e duzentos (7.200) hectares na região de Ivaí; dois mil (2.000) hectares na região de Faxinal; três mil
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oitocentos e setenta (3.870) hectares na região de Rio das Cobras e dois mil quinhentos e sessenta (2.560) hectares na região de Manguerinha. (...) Cláusula Sexta – O Governo do Paraná fará construir, às suas expensas, e com a maior urgência, casas para a administração do Serviço de Proteção aos Índios, escolas, enfermarias, galpões para abrigo de máquinas, instrumentos e ferramentas agrícolas e bem assim casas para as famílias dos índios nos casos em que, em virtude de nova localização da tribu, não puderam ser aproveitadas as construções existentes nos atuais Postos, instalados nas reservas territoriais indígenas do Estado abrangidas pela reestruturação em causa. Cláusula Sétima – As áreas das atuais reservas territoriais indígenas do Estado do Paraná excedentes das áreas medidas, demarcadas e entregues aos índios nos termos deste acordo, reverterão ao patrimônio do Estado, que as utilizará para fins de colonização e localização de imigrantes. (...) Rio de Janeiro, 12 de maio de 1949 (aa) Daniel Serapião de Carvalho Moysés Lupion Silvio de Castro Maria Santiago Elizabete Marinete Kaldenberg de Paiva. Entre as reservas que foram “reestruturadas” em 1949 estava a T. I. Ivaí. Pelos critérios adotados pelo governo para a determinação das extensões das novas áreas – cem hectares por família indígena de cinco pessoas e mais 500 hectares para a localização do Posto Indígena e suas dependências – Ivaí ficou com 7.200 há. Pois havia no Ivaí em 1949, sessenta e sete famílias, igual a 6.700há, mais 500ha referente ao Posto chegamos aos atuais sete mil e duzentos hectares. Assim, dos 36.000 hectares concedidos pelo decreto de 1924, restaram apenas 7.200 hectares em 1949. Além dessa definição e a nova demarcação o governo parecia saber que muitos locais que foram expropriados dos índios e seriam repassados ao Estado, para futuros projetos de colonização, eram antigas moradias dos Kaingang, e dessa forma estabeleceu que “o governo fará construir casas em que, em virtude de nova localização da tribu, não puderem ser aproveitadas as construções existentes nos atuais Postos, instalados nas reservas territoriais indígenas do Estado abrangidas pela reestruturação em causa.” Além de diminuir as terras indígenas, o governo parece ter escolhido as melhores terras, não se importando com a destruição das moradias dos índios. Os antigos moradores da T. I. Ivaí também lembram desse período e das localidades onde havia moradias de famílias kaingang que ficaram fora das novas demarcações de 1949. O nome dele era João Morais. João Morais foi lá no Curitiba, foi falar com (...) Ele chefe né? Então chefe queria índios para. Ele mandou os morador para (...) Acho que foi em 1920. Aí ele arrumava carpinteiro para fazer casa pro área? Então eles fizeram casa pro área aí. Para o chefe. Depois ele avisou
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para abrir estrada por aí, né. Daí abriu estrada. Ele ia pagando, treze reais. Até lá no Manoel Ribas tem morador [índio] lá. Depois ele, o chefe, comprou carroça e dois cavalos. Depois ele arranjava morador para (...) Tem bastante morador [índio] lá perto do Ivaí, tem bastante lá. Depois ele avisava para fazer roça. Conhece casa do javali? Naquele tempo era tudo mato. Cruzamos trinta alqueires. Depois tem outro morador [índio] lá na Serrinha, tem bastante gente lá também. Tem capitão lá também. Era o Salvador Venhy. Ele avisava o capitão para (...) Salvador Venhy, ele tava fazendo por dia também. Depois ele faz 15 anos, o nome dele é Otávio Ferreira. Depois ele saiu. Daí SPI veio ficar aqui. Daí não ganhamos mais, trabalhamos de graça.Tem bastante porco lá no morador. Outro queria fazer mutirão, daí mataram seis porcos para o mutirão. Daqui outro tava lá no Barra Preta. Tinha morador [índio] lá, Pedro. Pedro matou o filho tomando pinga, eu vi. É índio. Daí ele morreu, pegaram aquele Pedro e Mandaram prá cadeia. Mandaram lá para Curitiba. Depois. começamos a estrada até Balsa Velha. Daí tem bastante gente (...). Tinha fábrica do outro lado. O nome dele era Valter Natal. Daí ele falou: ‘Vamos entrar para tomar uma pinga. Daí eu falei para ele vamos embora. E tinha mais gente com ele, a turma lá, tava tomando pinga. Matou outro também. Daí ele morreu. Mataram um, daí para resolver, o chefe foi falar com o governador (José Pantu) Todas as terras “excedentes”, isto é, todas as terras fora das novas demarcações que estavam ocupadas por famílias kaingang foram entregues ao Estado “para fins de colonização e localização de imigrantes”. A maior parte expropriada das antigas terras da área do Ivaí se transformaram na Colônia D – Ivai (área de 23.000ha), loteada e negociada pela Fundação Paranaense de Colonização e Imigração em 1954 como nos mostra a carta abaixo.87 Todas as cláusulas deste acordo de 1949 foram confirmadas pelo decreto de 19 de janeiro de 1951. Todos os decretos anteriores foram revogados e as terras indígenas sofreram uma grande redução nas suas extensões. No dia 29 de janeiro de 1951 foi lavrada a escritura que transferiu as terras expropriadas, inclusive de Ivaí, para a Fundação Paranaense de Colonização e Imigração. O Serviço de Proteção aos Índios ficou responsável pela demarcação das novas áreas que só foram escrituradas em 17 de outubro de 1955. Foi só nesse momento que as medidas atuais da T.I Ivaí e de outras áreas indígenas, foram legalmente asseguradas. Após os anos 50 todo o Paraná já havia sido ocupado, inclusive o norte do Estado já estava dividido em lotes. Com a expansão dos cafezais pelos rios Ivaí e Piquirí e a devastação da fauna e flora, os Kaingang foram obrigados a residir nos Postos Indígenas, “para obterem ferramentas e sementes, para intensificarem o cultivo do milho e da mandioca, que tradicionalmente praticavam e devido a falta dos frutos e raízes, bem como
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Ver mapa dessa colônia em anexo.
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de carne de caça e peixe, passaram a depender das roças para subsistência do grupo doméstico.” ( HELM : 1974, 66). O S.P.I, criado para dar proteção aos índios e as suas áreas, teve que atender aos inúmeros problemas surgidos entre fazendeiros, políticos locais e os índios, além de investigar as queixas dos índios sobre invasões em suas terras. No entanto, estes problemas não foram solucionados. Conforme Cecília Helm, em sua pesquisa de campo nas áreas indígenas do Paraná, nos anos 1960 e 1970, “em todos os Postos percorridos, onde realizamos um survey, constatamos a invasão de terras, a espoliação do trabalho indígena e a presença de arrendatários, como os fatores que geravam as tensões e levavam aos atritos.” ( HELM : 1974, 70). Mas a chegada de populações brancas para fixarem de forma definitiva no vale do Ivaí remonta ao século XIX, ela recebeu seus primeiros povoadores na metade do Século XIX, constituídos de migrantes poloneses, franceses, alemães e ucranianos. Pela margem direita do Ivaí vieram primeiro os franceses em 1847, por iniciativa do médico francês, Dr. João Maurício Faivre, sob os auspícios de dona Tereza Cristina, esposa do Imperador D. Pedro II, foi criada a colônia Teresa Cristina na confluência dos rios Ivaí e Ivaizinho; em meio a territórios indígenas Xetá e Kaingang. A localidade cresceu rapidamente, em 1859 contava com 236 brasileiros, 11 franceses, e 6 portugueses. Dos 87 franceses que iniciaram a colonização, a maioria não permaneceu, espalhando-se por outras regiões. Em 1864, havia 342 habitantes, e em 1866, 444 habitantes. Em 1871 foi elevada a Freguesia com a denominação de Terezina. Em 1891, passou a Distrito judiciário com a denominação de Tereza Cristina, em homenagem à Imperatriz. O cartório foi criado em 12/05/1891, e instalado em 11/08/1891, sendo seu primeiro Juiz de Paz o Sr. Antonio Mendes dos Santos, e o primeiro escrivão o Sr. Felicíssimo Correia dos Santos. A partir de 1912 a região passou a receber outros colonizadores estrangeiros, entre esses, alemães, poloneses e ucranianos que fundaram outras colônias como: Linha Apucarana, Três Bicos, e Faxinal da Catanduvas, na época “Morska Wola”. Um maior número de ucranianos estabeleceu-se em Imbúia, Rio dos Índios e Saltinho. Os poloneses, em Apucarana, e Faxinal de Catanduvas. Os alemães, em Linha Palmital e Linha Pinhal. A colônia federal de Cândido de Abreu teve início em 1915, formada por colonizadores brasileiros, alemães, ucranianos e poloneses. Teve como primeiro administrador geral o representante do Governo Federal, o Sr. Ferdinando Malanowski. Pelo decreto nº 15.919 de 04/01/1919, foi criado o Núcleo Colonial Cândido de Abreu,
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pertencente ao município de Tibagi e passou a ter como Inspetor subordinado a Tibagi, o Sr. Ernesto Ramos. De 1926 a 1928, ocorreram surtos de malárias, que praticamente dizimou parte da população. Foi usado como medicamento, em maior proporção, o azul metileno. Na seqüência surgiram outros surtos e também uma epidemia de tifo. Esta foi a principal causa da decadência da Colônia e da região, pois muitos moradores morreram e outros se foram para outras regiões. Apesar dessas dificuldades a colônia prosperou e em 1952 iniciou-se o movimento pró emancipação política administrtiva de Câncido de Abreu. A população participou de inúmeros movimentos e em 26 de novembro de 1954, houve a emancipação do municipo e Cândido de Abreu desmembrando-se de Reserva através do Decreto Estadual nº 253, e a instalação solene ocorreu no dia 22 de dezembro de 1955 com a posse do primeiro prefeito municipal eleito, o Sr. Ary Borba Carneiro, consolidando dessa forma a ocupação desses vastos territórios Kaingang da margem direita do rio Ivaí por populações de migrantes europeus. A margem esquerda do rio Ivaí também ocupada por grupos kaingang foi ocupada por contingentes de populações não índias advindas da região de Guarapuava. Na década de 1940 surgia a localidade denominada Campina Alta, que a princípio se constituía na sede da Gleba Santo Antonio, pertencente à família Lamenha Siqueira. Um dos integrantes dessa família Dr. César Lamenha Siqueira, juntamente com Edmundo José Hawer demonstrou interesse em edificar uma cidade, tal propósito se evidenciou através de suas iniciativas em promover a abertura de ruas, construção de casas, edificações de uma igreja e de uma escola. Os incentivos ao surgimento de novos estabelecimentos deram a localidade a condição de Distrito do Município de Pitanga. A Gleba Santo Antonio de propriedade da família Lamenha Siqueira, deu origem à denominação de inúmeros estabelecimentos com esse nome. A primeira imagem de Santo Antonio foi trazida por César Lamenha Siqueira, introduzida na primeira igrejinha, passando a se chamar Santo Antonio, o padroeiro de Manoel Ribas. A principal festa religiosa em louvor ao padroeiro ocorre anualmente no dia 13 de junho. A instalação oficial do município ocorreu no dia oito de janeiro de 1956 com a posse do primeiro prefeito eleito Raul Ferreira Messias. Foram nos anos de 1940 que ocorreram os eventos decisivos para a espoliação dos territórios indígenas no vale do Ivaí. A chegada em massa de populações migrantes e nacionais, incentivadas por projetos de colonização do governo do estado, a promulgação de leis e decretos redefinindo as terras destinadas aos índios, e a crença na inevitável acullturação das populações indígenas marcaram o período. No entanto, apesar
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de confinados em pequenas áreas, os Kaingang não foram subsumidos pela sociedade envolvente, se mantiveram enquanto populações diferenciadas, mantendo a língua e muitos dos seus antigos costumes e, a partir dos anos noventa voltaram a crescer populacionalmente e hoje recolocam a questão da terra como ponto importante de suas lutas, como indicam suas lideranças. É muito pouca, né. Nós temos oitocentas crianças agora, tudo pequenas. Se elas crescem, logo vai pegar ferramentas, vai ro;car tudo. Por isso que nós estamos usando trator (...) nesse canto aqui para preservar nossas matas, né? Não pode derrubar. Devagar nós estamos fazendo comida pras crianças. Só nós pegamos em algum momento, outro vai e roça tudo. (cacique) Sete mil e trezentos hectares. Como se vê hoje, não é suficiente [a terra], na população nós temos mil duzentos e cinqüenta índios. E aí quando a gente vê, hoje não é suficiente porque amanhã ou depois, nossos filhos vão ter dificuldade (...) não é suficiente prá eles. (vice-cacique).
GESTÃO AMBIENTAL NA TERRA INDÍGENA T.I.IVAÍ - PARANÁ Cacique Paulino Arak-xó
MANOEL RIBAS Área 1924
MAPA DA EVOLUÇÃO HISTÓRICA DAS TERRAS INDÍGENAS DO VALE DO IVAÍ
Cacique Gregório
SEDE
30.708,46 ha
Área 1901
CANDIDO DE ABREU
16.940,50 ha
TOLDOS EXISTENTES EM 1896
Cacique Pedro dos Santos Tamandotay
Área 1949 7.496,31 ha
Área 1901 T.I. Faxinal Atual
TERRAS INDÍGENAS ATUAIS
19.204,84 ha
2.070,57 ha
MUNICÍPIOS REDE DE DRENAGEM
o Ri aí Iv
ÁREA 1913 67.247,68 ha PITANGA
0 Toldo José Caetano
TEREZA CRISTINA
5
10 ESCALA GRÁFICA
1:100.000 DATUM HORIZONTAL CÓRREGO ALEGRE - MG.
15
20 Km
CAPÍTULO II
CARACTERIZAÇÃO CULTURAL, ORGANIZAÇÃO SOCIAL E ECONÔMICA DA COMUNIDADE DA T. I. IVAÍ Kimiye Tommasino*
1
REVISÃO BIBLIOGRÁFICA
1.1
PERÍODO DE 1900 A 1960 A produção sobre os Kaingang que vivem no Paraná não é muito extensa e a
produção sobre os Kaingang na bacia do Ivaí pode ser considerada muito escassa. De qualquer modo e para alívio da equipe, os Kaingang do Ivaí foram visitados por Curt NIMUNEDAJU em 1912. Foi o primeiro antropólogo a realizar um estudo de cunho etnológico sobre essa etnia. A maior parte de seus trabalhos manuscritos sobre os Kaingang foi publicada recentemente. Haviam “permanecido guardados no arquivo pessoal do indigenista Luiz Bueno Horta Barbosa”. Em 1986 foi publicado um artigo de NIMUENDAJU1 denominado “104 mitos nunca publicados” entre os quais aparecem cinco mitos kaingang coletados na aldeia Ivaí. Em 1993 foi publicado um livro de artigos de NIMUNENDAJU2, organizado por Marco Antonio GONÇALVES, Etnografia e Indigenismo. Sobre os Kaingang, os Ofaié-Xavante e os Índios do Pará onde aparecem três artigos sobre os Kaingang: “Notas sobre a organização religiosa e social dos índios kaingang”, “Notas sobre a festa kikio-ko-ia dos Kaingang”; e “O jaguar na crença dos Kaingang do Paraná”. Neles, o autor fornece dados históricos e etnológicos sobre os Kaingang. Grande parte se refere à pesquisa de campo realizada na aldeia Ivaí. Em 1946 Herbert BALDUS e Aniela GINSBERG3 realizaram uma pesquisa entre os Kaingang do Ivaí que foi publicada na Revista do Museu Paulista (São Paulo: nova série, vol. I, 1947) intitulada “Aplicação do Psico-Diagnóstico da Rorschach a Índios * 1
2
3
Professora aposentada pela Universidade Estadual de Londrina, doutora em Antropologia Social pela USP e pesquisadora no Programa Interdisciplinar de Estudos de Populações – Laboratório de Arqueologia, Etnologia e Etno-história da UEM NIMUENDAJU, Curt. 104 mitos nunca publicados. Revista do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, 21:61-111. Rio de Janeiro, 1986. NUMUENDAJU, Curt. Etnografia e indigenismo: sobre os kaingang, os Ofaié-Xavante e os Índios do Pará. Campinas, SP. Ed. da UNICAMP, 1993. BALDUS, H. & GINSBERG, Aniela. Aplicação do psico-diagnóstico de Rorschach a índios Kaingang. Revista do Museu Paulista, nova série, 1:75-106. São Paulo, 1947.
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Kaingang”. . Neste artigo, os autores apresentam os resultados da aplicação do teste de Rorschach antecedidos de algumas informações sobre o ambiente geográfico, a história, a cultura material, a organização social e a religião. Dessa pesquisa de campo BALDUS ainda publicou o artigo “Vocabulário Zoológico Kaingang”4, publicado na mesma Revista. Antes dessa pesquisa com os Kaingang do Ivaí, Baldus já tinha pesquisado o ritual dos mortos (kikikoi) em Palmas em 1933, pesquisa que está publicada no livro Ensaios de Etnologia Brasileira”5 cuja primeira edição saiu em 1937. Datam da década de 1940 os estudos de Loureiro FERNANDES sobre os Kaingang de Palmas relacionados com a antropometria e hematologia. Trata-se do artigo “Notas hemato-antropológicas sobre os Caingangues de Palmas”6 publicado em 1939, “Os Caingangues de Palmas”7 em 1941 e “Contribuição à antropometria e à hematologia dos Kaingang do Paraná”8 em 1955. Na década de 1950, na mesma linha de interesse de Loureiro Fernandes, Maria Júlia POURCHET9 pesquisou em três áreas kaingang: Tupã-SP, Palmas-PR e Rio das Cobras-PR. São estudos de antropologia física e métodos anticoncepcionais. Os resultados de sua pesquisa estão no livro Ensaios e Pesquisas Kaingáng publicado em 1983. Em 1959 Egon SCHADEN10 publicou o livro A mitologia heróica de tribos indígenas do Brasil no qual, entre outros estudos, fez uma reflexão sobre o dualismo kaingang no mito heróico tribal. Trata-se de uma reflexão a partir da bibliografia existente, principalmente em Borba (1908); ele próprio não realizou pesquisa de campo. Ele inicia seu artigo dizendo: “Não possuímos, até o presente, nenhum estudo monográfico sobre a cultura dos Kaingang, mas somente observações esparsas em relatórios de missionários e sertanistas e em alguns poucos trabalhos de caráter científico” (SCHADEN, 1959: 103). A sua contribuição é enorme porque ele pode sistematizar os dados etnográficos existentes de forma dispersa fornecendo uma teoria sobre a organização e estrutura social kaingang. Há ainda a registrar os estudos da língua kaingang que se iniciou no final do século XIX. Frei Mansueto Barcatta VAL-FLORIANA foi quem mais contribuiu para uma visão mais sistemática sobre a gramática kaingang. Suas obras mais importantes são: Ensaio de gramática kaingang11 de 1918 e Dicionários Kaingang-Portuguez e
4
BALDUS, H. Vocabulário zoológico Kaingang. Arquivos do Museu Paranaense. 6:149-160. Curitiba, 1947. NIMUENDAJU, Curt. Ensaios de Etnologia Brasileira. 2. ed. São Paulo/Brasília, Companhia Editora Nacional/INL-MEC (Coleção Brasiliana, vol. 101). 1979. p. 8-33. (1. ed. 1937. p. 29-69). 6 FERNANDES, José Loureiro. Notas hemato-antropológicas sobre os Kaingang de Palmas. Revista Médica do Paraná. 7(12). Curitiba. 1939. 7 FERNANDES, José Loureiro. Os Caingangues de Palmas. Arquivos do Museu Paranaense. 1:161-229. Curitiba. 1941. 8 FERNANDES, José Loureiro. Contribuição à antropometria e à hematologia dos Kaingang do Paraná. Anais do XXXI Congresso Internacional de Americanistas. 2:895-898. São Paulo. 1955. 9 POURCHET, Maria Júlia. Ensaios e Pesquisas Kaingáng. São Paulo, Ática. 1983. 10 SCHADEN, Egon. A mitologia heróica de algumas tribos indígenas do Brasil. Rio de Janeiro, Departamento de Imprensa Nacional. 1959. 11 VAL-FLORIANA, Mansueto B. de, Frei. Ensaio de grammatica Kainjgang. Revista do Museu Paulista. 10:529-563. São Paulo. 1918. 5
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Portuguez-Kaingang12 de 1920. O autor pesquisou entre os Kaingang de Campos Novos do Paranapanema em São Paulo e na bacia do Tibagi no Paraná. Rosário Mansur GUÉRIOS13 publicou em 1942 o trabalho “Estudos sobre a Língua Caingangue: notas histórico-comparativas (Dialeto de Palmas – Dialeto de Tibagi)” e Wanda HANKE14 publicou em 1950, “Ensayo de uma gramática caingangue de los caingangues de la ‘Serra de Apucarana’, Paraná, Brasil”, referente aos Kaingang da Terra Indígena Apucaraninha.
1.2
PERÍODO PÓS 1960
Na década de 1970 temos dois trabalhos de Cecília M. V. HELM, docente e pesquisadora da UFPR: A integração do índio na estrutura agrária do Paraná: o caso Kaingáng15 em 1974 e O índio camponês assalariado em Londrina: relações de trabalho e identidade étnica16, em 1977. Como os títulos sugerem, trata-se de estudos de cunho mais sociológico e mostram a situação dos índios no Paraná e suas relações de dependência econômica ao sistema de mercado local e regional. Vários outros artigos publicados pela autora em revistas científicas são contribuições dessa natureza. No primeiro trabalho Helm visitou todas as áreas kaingang no Paraná e por ser uma pesquisa muito abrangente, os dados sobre a situação dos Kaingang da Terra Indígena Ivaí (e das demais) são bastante escassos. Em 1975, temos o estudo de Maria Lígia PIRES17 Guarani e Kaingang no Paraná: um estudo de relações intertribais realizado na T.I. Mangueirinha. A preocupação da autora foi analisar as relações interétnicas entre as duas etnias que vivem na mesma terra e também pode ser considerado de cunho mais sociológico, mas numa linha inovadora, porque analisa as relações hierárquicas entre os Kaingang (grupo dominante) e os Guarani (grupo subordinado). Esse caso pode ser considerado paradigmático por facilitar a compreensão da situação de vários grupos guarani que vivem situação semelhante no Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul, onde grupos guarani foram colocados como
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VAL-FLORIANA, Mansueto B. de, Frei.. Diccionarios Kainjgang-Portuguez e Portuguez-Kainjgang. Revista do Museu Paulista. 12:1-392. São Paulo. 1920. GUÉRIOS, Rosário F. M. Estudos sobre a língua Caingangue: notas histórico-comparativas: dialeto de Palmas e dialeto de Tibagi. Arquivos do Museu Paranaense. 2:97-177. Curitiba. 1942. 14 HANKE, Wanda. Ensayo de una gramatica del idioma Caingangue de los Caingangues de la “Serra de Apucarana”, Paraná, Brasil. Arquivos do Museu Paranaense. 7:65-146. Curitiba. 1950. 15 HELM, Cecília M. V. A integração do índio na estrutura agrária no Paraná: o caso Kaingáng. Curitiba, UFPR. 1974. Tese (Livre docência). 16 HELM, Cecília M. V. O índio camponês assalariado em Londrina: relações de trabalho e identidade étnica. Curitiba. 1977. Tese (Concurso de Professor Titular). 17 PIRES, Maria Lígia M. Guarani e Kaingang no Paraná: um estudo de relações intertribais. Brasília, UNB. 1975. Dissertação de mestrado. 13
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inquilinos em terras kaingang. Em 1980 a mesma autora, em parceria com Alcida RAMOS18, publicou o artigo “Hierarquia e simbiose. Relações intertribais no Brasil” sobre a mesma pesquisa. Na década de 1990 é que surgem estudos de antropologia nos quais os Kaingang são objeto de preocupação mais etnológica em pesquisas que tentam compreendê-los como culturalmente distintos da sociedade nacional. Em 1994 Juracilda VEIGA19 defendeu seu mestrado com um estudo realizado entre os Kaingang de Xapecó SC, com o título Organização social e cosmovisão Kaingáng: uma introdução ao parentesco, casamento e nominação em uma sociedade Jê meridional. A sua contribuição foi aprimorada na sua tese de doutorado – Cosmologia e práticas rituais Kaingang20 – com um estudo mais abrangente e pesquisa de campo em várias áreas kaingang: Xapecó - SC, Palmas - PR, Ivaí - PR, Barão de Antonina - PR, Apucaraninha - PR, Faxinal-PR, Vanuíre - SP, Icatu - SP, Rio da Várzea - RS e Inhacorá - RS. VEIGA foi a pesquisadora que mais contribuiu com estudos de caráter etnológico sobre os Kaingang. Também na área de etno-história surgiu em 1994 a publicação do livro As guerras dos índios Kaingang: a história épica dos índios Kaingang no Paraná (17691924) de Lúcio Tadeu MOTA21 que resgata a história indígena no Paraná dentro de uma perspectiva na qual, de um lado, faz uma crítica à produção acadêmica e a livros didáticos sobre os índios do sul em que esses são vistos somente no passado distante e na história da ocupação recente denominada frente pioneira, criando-se a idéia de “vazio demográfico”; de outro, a inovação do autor é que resgata os povos indígenas como atores da história e não mais como vítimas dela. Na mesma linha, a sua tese de doutorado – O aço, a cruz e a terra: índios e brancos no Paraná provincial (1853-1889)22 – defendida em 1998, Mota vai mostrar através da análise dos relatórios dos diretores gerais dos índios na província do Paraná, e outros documentos do período provincial as estratégias dos caciques kaingang para fazer frente à invasão dos brancos e à expropriação dos seus territórios no Paraná, evidenciando que graças a suas lutas conseguiram que o governo delimitasse terras para os seus grupos. O trabalho de Mota veio preencher uma lacuna na produção histórica sobre o Paraná e trouxe à luz acontecimentos até então desconhecidos e ignorados pelos próprios historiadores. Graças a essa contribuição temos várias referências sobre a presença de vários grupos kaingang na bacia do Ivaí e em outras bacias. MOTA ainda publicou o livro As
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RAMOS, Alcida R. (org.). Hierarquia e simbiose: relações intertribais no Brasil. São Paulo, Hucitec. 1980. VEIGA, Juracilda. Organização social e cosmovisão Kaingang: uma introdução ao parentesco, casamento e nominação em uma sociedade Jê meridional. Campinas, UNICAMP. Dissertação de mestrado. 1994. 20 VEIGA, Juracilda. Cosmologia e práticas rituais Kaingang. Campinas, UNICAMP. Tese de doutoramento. 2000. 21 MOTA, Lúcio Tadeu. As guerras dos índios Kaingang: a história épica dos índios Kaingang no Paraná (1769-1924). Maringá, PR, EDUEM, 1994. 22 MOTA, Lúcio Tadeu. O aço, a cruz e a terra: índios e brancos no Paraná provincial (1853-1889). Assis, UNESP-campus de Assis. Tese de doutoramento. 1998. 19
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colônias indígenas no Paraná provincial23 em 2000 que aprofunda a sua reflexão sobre as colônias indígenas no governo provincial do Paraná. Em 1995 temos a tese de Kimiye TOMMASINO24, A história dos Kaingang da bacia do Tibagi: uma sociedade jê meridional em movimento, sobre os Kaingang da bacia do Tibagi. A importância de sua pesquisa está na análise da especificidade sociocultural dos grupos que vivem nas T.I.s Barão de Antonina, São Jerônimo e Apucaraninha. A autora mostra que, apesar de todas as mudanças ocorridas na história recente, os Kaingang continuam a produzir uma cultura específica, ou seja, mostra que os índios do sul não são “aculturados” como até mesmo a academia veiculava. Analisando as instituições indígenas e seu modo de vida atual, sua pesquisa evidenciou que a dinâmica cultural seguiu uma lógica especificamente kaingang. Os resultados de sua pesquisa servem de modelo para compreender o que acontece em todas as áreas kaingang: Outro aspecto analisado pela autora foi o acordo de 1949, entre os governos do Estado e da União que expropriou a maior parte das terras indígenas sob a alegação de que, por um lado, os índios eram poucos e estavam integrados à sociedade nacional e de que, por outro, o Estado necessitava de terras para fixar colonos estrangeiros e nacionais. Mais dois pesquisadores contribuíram para a compreensão dos Kaingang e suas
especificidades
no
Paraná:
Ricardo
Cid
FERNANDES25
e
José
Ronaldo
FASSHEBER26. Ambos pesquisaram na T.I. Palmas no PPGAS da UFSC. FERNANDES, em Autoridade política Kaingáng: um estudo sobre a construção da legitimidade política entre os Kaingang de Palmas/PR, analisou os atributos e as limitações que caracterizam a chefia indígena ao longo da história do contato naquela T.I. Para definir os critérios de legitimidade da chefia kaingang, Fernandes faz uma caracterização das formas de distribuição e concentração da autoridade política em razão da influência exercida pelas autoridades brancas e suas percepções sobre sua história. A contribuição desse trabalho está no fato de ter esclarecido a lógica política kaingang ao longo da história recente e por ser a esfera política o eixo social mais proeminente na vida do grupo. A pesquisa de FASSHEBER - Saúde e políticas de saúde entre os Kaingang de Palmas/PR - trata da política de saúde implantada na T.I. Palmas através do SUS/FNS. O autor mostra que as organizações governamentais têm falhado ou tem sido inoperantes nas suas ações que operam com um discurso universalizante da biomedicina 23
MOTA, Lúcio Tadeu. As colônias indígenas no Paraná provincial. Curitiba, Aos quatro ventos, 2000. TOMMASINO, Kimiye. A história dos Kaingang da bacia do Tibagi: uma sociedade jê meridional em movimento. São Paulo. USP. Tese de doutoramento. 1995. 25 FERNANDES, Ricardo Cid. Autoridade política Kaingáng: um estudo sobre a construção da legitimidade política entre os Kaingáng de Palmas/PR. Florianópolis, UFSC. Dissertação de mestrado. 1998. 24
85
em relação às noções de corpo-saúde-doença-cura, não levando em consideração que os Kaingang mantêm saberes tradicionais específicos sobre as mesmas noções. O seu trabalho pretende contribuir para uma reflexão antropológica que subsidie a construção de um modelo de saúde capaz de incorporar as instituições e os saberes indígenas nas políticas públicas. Na área da lingüística e estudo da gramática kaingang temos a contribuição de Ursula WIESEMANN, lingüista do SIL e maior especialista da língua deste grupo. Sua contribuição iniciou-se na década de 1960, mas a maior parte de sua produção foi publicada na década de 1970. Podemos citar Introdução na língua Kaingáng27 de 1967, Dicionário Kaingáng-Português, Português-Kaingáng de 1971 e Os dialetos da língua Kaingáng e o Xokléng28 de 1978. A autora publicou várias cartilhas para uso nas escolas das áreas kaingang e foi dela a orientação da formação dos monitores bilingües da Escola Clara Camarão no Rio Grande do Sul onde se formou a maioria dos atuais professores da escrita kaingang. Além da produção acadêmica que, como vimos, não é muito vasta, podemos contar com documentos, relatórios de organizações governamentais e outros registros que serão utilizados como fontes de informações sobre a história e a cultura dos Kaingang.
2
ASPECTOS FUNDAMENTAIS DA ORGANIZAÇÃO SOCIAL KAINGANG Os Kaingang junto com os Xokleng formam os Jê meridionais. Segundo 29
WIESEMANN , a língua kaingang está dividida em cinco dialetos: 1) de São Paulo (falado nas duas áreas daquele Estado – T.I. Icatu e T.I. Araribá); 2) do Paraná (falado nas Terras Indígenas do Paraná entre os rios Paranapanema e Iguaçu – Terras Indígenas Apucarana, Barão de Antonina, São Jerônimo, Queimadas, Mococa, Ivaí, Faxinal, Rio das Cobras e Guarapuava); 3) central (falado nas áreas entre os rios Iguaçu e Uruguai – Terras Indígenas Mangueirinha, Palmas e Xapecó); 4) do sudoeste (falado nas áreas ao sul do rio Uruguai e oeste do rio Passo Fundo no Estado do Rio Grande do Sul – Terras Indígenas Nonoai, Guarita e Inhacorá); e 5) do sudeste (falado nas áreas ao sul do rio Uruguai e leste do rio Passo Fundo – Terras Indígenas Votouro, Ligeiro, Carreteiro e Cacique Doble).
26
FASSHEBER, José Ronaldo. Saúde e políticas de saúde entre os Kaingang de Palmas/PR. Florianópolis, UFSC. Dissertação de mestrado. 1998. 27 WIESEMANN, Ursula. Introdução na língua Kaingáng. Rio de Janeiro, SIL. 1967. 47p. (datilografado). 28 WIESEMANN, Ursula. Dicionário Kaingáng-Português, Português-Kaingáng. Rio de Janeiro, SIL. 1971. 29 WIESEMANN, U. Introdução na língua Kaingáng. Rio de Janeiro, SIL. 1967. p. I ; WIESEMANN, U. Os dialetos da língua Kaingáng e o Xokleng. Rio de Janeiro, SIL. 1978. p. 199/200.
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Os Kaingang estão entre as maiores etnias indígenas do país e são estimadas entre 22 e 25 mil pessoas, distribuídos em 28 terras indígenas nos Estados de São Paulo, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul. Atualmente alguns grupos passaram a se fixar nas zonas urbanas e rurais e há um contingente significativo que não aparece nos censos oficiais.
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Para compreendermos a sociedade kaingang é preciso resgatar o dualismo simbólico que orienta as suas práticas sociais. Na cosmologia desse grupo, tanto a sociedade quanto a natureza aparecem simbolicamente divididos entre as metades Kamé e Kairu, as quais são, ao mesmo tempo, opostas e complementares. VEIGA30 sintetiza essa organização: As metades Kamé e kairu são idealmente exógamas e, em tudo, complementares. A relação de troca entre as metades é permanente. Casa-se na metade oposta, enterram seus mortos da outra metade, e quando alguém passa por um período de liminaridade é acompanhado e servido por pessoas da metade contrária. NIMUENDAJU verificou que a “exogamia dos dois clãs foi estabelecida como lei fundamental logo no princípio, e nos toldos do Yvaí cumpre-se esta lei rigorosamente até hoje, apesar da convivência com os nacionais que os índios lá tem”31. A mitologia kaingang explica a origem do mundo e da humanidade assim como da natureza e sua biodiversidade. Em 1912 Nimuendaju coletou, entre os Kaingang da bacia do Ivaí, o seguinte mito sobre a sua origem: A tradição dos kaingang afirma que os primeiros da sua nação saíram do solo; por isso têm a cor de terra. Numa serra, não sei bem onde, no sudeste do estado do Paraná, dizem eles que ainda hoje podem ser vistos os buracos pelos quais subiram. Uma parte deles permaneceu subterrânea; essa parte se conserva até hoje e a ela se vão reunir as almas dos que morrem, aqui em cima. Eles saíram em dois grupos chefiados por dois irmãos, Kanyerú e Kamé, sendo que aquele saiu primeiro. Cada um já trouxe consigo um grupo de gente. Dizem que Kanyerú e toda sua gente eram de corpo delgado, pés pequenos, ligeiros, tanto nos seus movimentos como nas suas resoluções, cheios de iniciativa, mas de pouca persistência. Kamé e seus companheiros, pelo contrário, eram de corpo grosso, pés grandes, e vagarosos nos seus movimentos e resoluções.32 Há outras variações desse mesmo mito coletado por outros pesquisadores. Borba, por exemplo, coletou uma versão desse mito entre os Kaingang da bacia do Tibagi e Schaden entre os Kaingang de Palmas. Ora os dois heróis Kairú e Kamé são irmãos, ora são iambré (cunhados), ora aparecem como um casal de irmãos que se casaram e depois restabeleceram a divisão em dois grupos. Mas, em todas as versões, os Kaingang vieram de dentro da terra, por isso têm a sua cor. O mito também sempre se refere a dois grupos, opostos mas complementares que se casaram entre si.
30
VEIGA, Juracilda . Cosmologia e práticas rituais Kaingang. Campinas, UNICAMP. Tese de doutoramento. 2000. p. 78. NIMUENDAJU, Curt. Etnografia e indigenismo: sobre os Kaingang, os Ofaié-Xavante e os índios do Pará. Campinas, Ed. da UNICAMP, 1993: 60. 32 NIMUENDAJU, Curt. 104 mitos nunca publicados. Revista do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional. n. 21. Rio de Janeiro, 1986. p. 86. 31
88
Os heróis míticos também criaram os bichos e as plantas e muitos dos conhecimentos de medicina e agricultura aprenderam com os bichos. Nimuendaju recolheu o seguinte relato mítico na Terra Indígena Ivaí: Como esses dois irmãos com a sua gente foram os criadores das plantas e dos animais, e povoaram a Terra com os seus descendentes, tudo neste mundo pertence à metade Kanyerú ou à metade Kamé, conhecendo-se a sua descendência já pelos traços físicos, já pelo seu temperamento, já pela pintura: tudo o que pertence a Kanyerú é manchado, o que pertence a Kamé é riscado. Essas pinturas, o índio vê tanto na pele dos animais como nas cascas, nas folhas ou nas flores das plantas, e para objetivos mágicos e religiosos cada metade emprega material tirado de preferência de animais e vegetais da mesma pintura. Kayerú fez cobras, Kamé, onças. Este fez primeiro uma onça e a pintou, depois Kanyerú fez um veado. Kamé disse à onça: “Come o veado, mas não nos coma!” Depois ele fez uma anta, ordenando-lhe que comesse gente e bichos. A anta, porém, não compreendeu a ordem. Kamé repetiulhe ainda duas vezes, em vão; depois lhe disse zangado: “Vai comer folhas de urtiga! Não presta para nada!’ Kanyerú fez cobras e mandou que elas mordessem homens e animais. Queimou um espinho chamado sodn e esfregou a cinza nos dentes da cobra a fim de torná-los venenosos. Kamé quis então fazer um animal muito feroz, e começou a fazer o tamanduá. Eles estavam trabalhando durante a noite, e quando o dia começou a romper, o tamanduá ainda não estava pronto: já tinha unhas enormes, mas a boca ainda estava por fazer. Então Kamé arrancou um cipó e meteu-o como língua na boca do estranho animal, que ficou mal acabado”. Quando já estava claro, eles começaram a correr, e logo uma onça pegou um Kanyerú, e Kamé foi mordido por uma cobra. Pararam para tratar o doente, quando o surucuá (Trogon sp.) cantou: Tug! Tug! Tug! Um velho explicou essa cantiga como tu (carregar) e mandou que carregassem o doente para o lugar do acampamento. Um pequeno gavião cantou: Tokfín! (amarrar) e o velho mandou amarrar o membro lesado. Um outro passarinho cantou: Nigdn! (cortar), e eles abriram a ferida com um corte. Outro cantou: Iandyóro! (espremer) e eles espremeram a ferida. Por fim um outro cantou: Kaimparará! (kaimpára – inchado), e o velho disse: “Isto é um mau grito! Amanhã o membro estará inchado! “ Assim foram tratando o doente até que se restabelecesse33. O sistema social kaingang combina a descendência patrilinear com a residência matrilocal (uxorilocal). Os filhos de pai Kamé serão Kamé e os de Kairu serão Kairu. Por outro lado, a residência é matrilocal, isto é, o rapaz vai residir na casa do sogro e a ele se subordina, formando parte da família extensa que é a unidade de produção e consumo. Cada unidade doméstica é composta pelo pai, esposa, filhos solteiros, filhas casadas e solteiras e genros. FERNANDES afirma: Atualmente, a patrilinearidade continua operando como um critério de sociabilidade kaingang. Mesmo no caso das famílias que não postulam sua identificação com as metades cosmológicas Kamé e Kairu, o
33
o
NIMUENDAJU, C. 104 mitos indígenas nunca publicados. Revista do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional. N 21. Rio de Janeiro, 1986. pg. 87.
89
reconhecimento da descendência instrumento de legitimação social. 34
paterna
se
mantém
como
um
Fernandes avança na sua discussão sobre a correspondência interna entre as esferas do casamento e parentesco com a economia e a política: Com a combinação da patrilinearidade e da matrilocalidade entre os Kaingang ‘sangue’ e ‘solo’ estão fundidos no domínio dos grupos domésticos: entre as mulheres há uma relação de ‘sangue’, entre os homens uma relação de afinidade (‘solo’). A relação entre sogro e genro está ao centro da afinidade constitutiva dos grupos domésticos. Em tal relação há uma assimetria na distribuição de status entre sogro e genro, que participam de forma desigual dos direitos e deveres próprios de cada grupo doméstico. Assim, há uma hierarquia na composição dos grupos domésticos, a qual divide os grupos familiares em ‘englobados’ (genro) e ‘englobantes’ (sogro). A autoridade doméstica que se constrói neste contexto está, portanto, projetada para o exterior, na direção dos grupos com os quais estão formadas as alianças matrimoniais e, potencialmente, políticas. As etnografias atuais e os registros históricos indicam que o ‘grupo doméstico’ constitui a unidade social fundamental Kaingang. Tal grupo se apresenta como uma unidade social territorialmente localizada, dotada de autoridade política que atua no contexto das relações entre diversos grupos domésticos. É a partir da articulação entre estas autoridades que se constituem as unidades sócio-políticas maiores, os ‘grupos locais’ e as ‘unidades político-territoriais’. Note-se que os grupos locais podem ser formados por um ou mais grupos domésticos. Quando mais de um grupo doméstico formam um grupo local, ocorre uma divisão hierárquica análoga àquela que divide a autoridade dos grupos familiares no interior dos grupos domésticos. Pois estas esferas da sociabilidade Kaingang igualmente articulam homens em relação de afinidade, que mesmo não convivendo em uma única habitação, vivem próximos e atuam em conjunto, especialmente, em atividades econômicas. 35 A nominação36 também está relacionada com as metades e cada metade possui um estoque nos nomes próprios, sendo, portanto, um importante elemento de identificação das pessoas. Além dos nomes Kamé e Kairu ainda existem nomes de pessoas denominadas péin que possuem nomes péin. São categorias sociais que possuem funções rituais no kikikoi e nos funerais. Fechando esse círculo de oposição e complementaridade, cada metade/seção possuía pinturas específicas, sendo a dos Kamé, em riscos e a dos Kairu, em círculos. O único momento em que a estrutura de metades e subseções se evidenciava era no ritual dos mortos (kikikoi), o ritual mais importante desta sociedade.
34
FERNANDES, Ricardo Cid. Contribuição da antropologia política para a análise do faccionalismo kaingang. Florianópolis, SC. Janeiro de 2001. Artigo no prelo. p. 22. 35 Idem, ibidem. p. 23. 36 Mais informações sobre a nominação kaingang consultar VEIGA, J. Organização social e cosmovisão Kaingang: uma introdução ao parestesco, casamento e nominação em uma sociedade Jê meridional. Campinas, UNCAMP. Dissertação de mestrado. 1994.
90
Antes de saírem para visitar os túmulos dos recém-mortos a quem o ritual era feito, todas as pessoas recebiam a pintura facial e assim se reconhecia a que grupo e subgrupo cada um pertencia. Hoje apenas os Kaingang da T.I. Xapecó - SC realizam esse ritual. Nas demais áreas indígenas, algumas pessoas ainda levam em consideração as metades a que pertencem e outras consideram-nas como coisas do passado mas, como lembra Fernandes, o reconhecimento da descendência paterna se mantém como um instrumento de legitimação social. Essa estrutura simbólica combinando metades e seções, nomes e pinturas, descendência e residência mostra as dificuldades de resgatar, na sua totalidade, a complexidade dos significados envolvidos nas práticas cotidianas e rituais kaingang. Cada grupo local era constituído por indivíduos das duas metades e seções e expressava as alianças entre os grupos locais e mesmo de diferentes unidades político-territóriais. Esse modelo, de organização social e parentesco, ainda é operativo entre os Kaingang atuais com algumas adaptações e simplificações que foram sendo feitas de acordo com as novas experiências históricas de contato e de subordinação às estruturas indigenistas. O ritual dos mortos foi sendo abandonado por causa das perseguições aos rezadores (kuiã) e da proibição por parte dos diretores dos aldeamentos que teve início no período provincial, mas o ritual resistiu até o início da década de 1950. No entanto, percebese que mesmo com a modernização dos Kaingang e uma série de mudanças que imprimiram no seu modo de vida, a lógica dual, combinando hierarquia e reciprocidade, permanece como princípio estruturante das relações sociais, políticas, econômicas e rituais. Por outro lado, pesquisas têm mostrado que o sistema de metades tem ressurgido, de forma simplificada, em novos contextos, como, por exemplo, nos movimentos sociais para simbolizar a identidade étnica, nas festas e danças das escolas e grupos de dança que são apresentados em escolas e festivais37.
37
Sobre a importância das festas na atualidade consultar TOMMASINO, K. Op. Cit. 1995.
CAPÍTULO III
DIAGNÓSTICO DA SITUAÇÃO SÓCIO-CULTURAL E ECONÔMICA DA T. I. IVAÍ Kimiye Tommasino* Lúcio Tadeu Mota* Izabel Cristina Rodrigues* Rosângela Célia Faustino* Fabiana Virgílio da Rocha** Cristiane T. Quinteiro** Éder Novack** Simone Jacomini** Patrícia de Souza** Lúcia Golveia Buratto**
1
A INSTITUCIONALIZAÇÃO DA DEPENDÊNCIA A T.I. Ivaí é constituída de 287 famílias num total de 1.108 pessoas. Tendo
perdido a maior parte de suas terras, os Kaingang da T.I. Ivaí assim como todos os outros povos do sul dependem, para sobreviver, dos recursos e serviços oferecidos pelas instituições públicas. A comunidade da T.I. Ivaí depende hoje basicamente das seguintes instituições:
FUNAI/Ministério da Justiça – presente na área desde 1970, é responsável pela questão fundiária e pelos projetos de desenvolvimento comunitário. Possui três funcionários permanentes: o chefe do posto, um técnico agrícola e um motorista. A FUNAI ainda mantém uma das cozinheiras da escola Salvador Venhy. FUNASA/Ministério da Saúde – a assistência à saúde (atendimento médicoodontológico, remédios, internações, tratamento de água e outros serviços) é de responsabilidade da Fundação Nacional de Saúde-FUNASA desde 1994. A FUNASA possui na área, atualmente, um médico, um dentista, uma enfermeira-padrão, duas auxiliares de enfermagem, dois agentes de saúde indígenas e um motorista. Além
*
**
Professores pesquisadores no Programa Interdisciplinar de Estudos de Populações – Laboratório de Arqueologia, Etnologia e Etno-história da UEM. Alunos de graduação e pós-graduação pesquisadores no Programa Interdisciplinar de Estudos de Populações – Laboratório de Arqueologia, Etnologia e Etno-história da UEM.
92
destes, dois outros funcionários fazem visita uma vez por mês para fiscalizar as instalações de água. Prefeitura Municipal de Manoel Ribas – a prefeitura mantém duas escolas na área, uma desde 1986, chamada Escola Salvador Venhy que atende as crianças da préescola à quarta série e possui 12 funcionários: a diretora, mais 10 professores, todos não-índios e residentes na cidade de Manoel Ribas e uma cozinheira índia que reside na T.I.Ivaí. Há na área uma outra escola que atende as crianças da 5ª série do ensino fundamental e alunos do curso supletivo Essa escola está na área desde 2001 e mantém 5 funcionários. Todos os funcionários são não-índios e moram na cidade de Manoel Ribas; ficam na área durante o dia e vão embora à noite. No entanto, a FUNAI mantinha anteriormente classes de 1a. a 4a. do ensino fundamental na aldeia desde 1970 até a municipalização das escolas. Prefeitura Municipal de Pitanga – é responsável pelo repasse do ICMS ecológico dos índios e na última safra foi responsável pela compra de implementos agrícolas (grade, pulverizador), reforma de trator e caminhão, compra de pneus, etc. Governo do Estado do Paraná – o Projeto Paraná 12 meses está construindo 15 casas novas e reformando 30 outras na T.I. Ivaí. Além das casas, o Projeto forneceu corretivos para o solo das roças comunitárias. EMATER – faz visitas de fiscalização, para ver se o dinheiro está sendo empregado de forma correta nos projetos, sendo essa visita feita pelos funcionários Lauro e Marina, uma vez por mês, no mínimo. A comunidade indígena, há muito tempo, perdeu sua autonomia econômica e conseqüentemente passou a depender cada vez mais das políticas públicas. A única atividade em que existe autonomia relativa, pelo menos em termos de produção, é o artesanato mercantil, mas mesmo assim, depende do mercado consumidor. Por outro lado, a taquara está cada vez mais difícil de encontrar e os índios têm de buscá-la em locais distantes. As roças familiares dependem também de sementes e insumos que são obtidos junto aos órgãos públicos.
93
2
CARACTERIZAÇÃO DA TERRITORIALIDADE
POPULAÇÃO:
DEMOGRAFIA
2.1
A POPULAÇÃO DA T.I. IVAÍ: UMA POPULAÇÃO JOVEM
E
Vivem hoje na T.I. Ivaí 287 famílias num total de 1085 pessoas. Não obtivemos o censo de 2002, mas atualizamos os censos de 1999/2000 e 2001, fornecidos pela FUNAI e pela FUNASA. A partir dessa atualização obtivemos os seguintes resultados: 44,6% pessoas têm até 14 anos de idade; 13,3% pessoas têm entre 15 e 19 anos; 36,5% estão entre 29 e 59 anos; e 57 pessoas têm mais de 60 anos. Esses resultados mostram que a comunidade indígena do Ivaí possui uma população jovem e infantil muito alta em relação á população adulta, isso repercute na qualidade de vida, uma vez que poucos são os que trabalham para alimentar muitos. O Gráfico 1 mostra a população por sexo e faixa etária, e revela que a maioria da população é jovem. Os adultos com mais de 20 anos representam 41,8% enquanto 57,8% estão abaixo dessa idade.
21
mais de 70
17 8
65 a 69
mulheres
4 4
60 a 64
3 11
55 a 59
7
homens
13
50 a 54
5 18
45 a 49
17 24
Idade
40 a 44
23 22
35 a 39
19 27
30 a 34
22
38
25 a 29
46 51
20 a 24
45 85
15 a 19
57 66
10 a 14
67 81
5a9
73
90
0a4
97
0
20
40
60
80
100
120
Número de Pessoas
Gráfico 1 – População da T. I. Ivaí – Pr.
O Gráfico 2, mostra a distribuição relativa da população em 4 faixas de idade: até 14 anos, de 15 a 19, de 20 a 59 e de mais de 60. O Gráfico 3 mostra que 92% da população não possui renda fixa, 7% vive de aposentadoria e 1% possui renda mensal proveniente de salários. O Gráfico 4 mostra essa mesma realidade em números absolutos: 976 não possuem renda fixa para 73 aposentados e 12 assalariados.
94
5% Até 14 anos 45%
37%
De 15 a 19 anos de 20 a 59 anos Mais de 60 anos
13%
Gráfico 2: População da Terra Indígena Ivaí por faixa etária (percentuais)
7% 1% Aposentados Assalariados Sem renda fixa 92%
Gráfico 3: População da Terra Indígena Ivaí, por fonte de renda (percentuais)
73 12 Aposentados Assalariados Sem renda fixa 976
Gráfico 4. População da Terra Indígena Ivaí por fonte de renda (números absolutos)
95
2.2
A ESPACIALIDADE KAINGANG NA T. I. IVAÍ: OS RESULTADOS DA POLÍTICA DE CONCENTRAÇÃO DA POPULAÇÃO A comunidade kaingang da T.I. Ivaí vive atualmente concentrada numa única
aldeia onde no passado havia o toldo Passo Liso. Observa-se que a aldeia-sede localiza-se no extremo limite norte da terra indígena próxima à cidade de Manoel Ribas, sendo de 6 km a distância entre a aldeia e o centro da cidade.
Foto aérea da sede da Terra Indígena Ivaí, feita em 2000. Ao lado esquerdo do campo de futebol estão a Escola, o Posto de Saúde, o Posto da FUNAI e, ao fundo, a Igreja. No lado direito, observase a estrada que vem de Manoel Ribas e, mais abaixo, o rio Monjolo Velho.
Até o final da década de 1950 a população vivia distribuída em 4 toldos ou aldeias, a saber: Passo Liso, Marrequinha, Balsa Velha e Serrinha. Havia ainda um quinto toldo menor próximo ao Salto da Onça no rio Borboleta. A Aldeia-sede foi criada no tempo do chefe de posto Otávio Ferreira e pode ser considerada uma expansão do toldo Passo Liso. Quando houve a redução, as famílias das aldeias Balsa Velha e Marrequinha foram transferidas para as aldeias dentro do novo perímetro, isto é, Passo Liso, Serrinha e Salto da Onça. A segunda transferência das famílias ocorreu a partir da década de 1980, das aldeias Serrinha e Salto da Onça para a aldeia-sede, mas não foi feita de uma só vez e sim gradativamente, à medida que o projeto das casas foi sendo executado. Em 1997, quando foi inaugurada a escola atual, praticamente todas as famílias estavam morando na sede. A concentração das famílias teve como razões institucionais dar “mais conforto” no que se
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refere à escola para todas as crianças, ao acesso ao posto de saúde, à energia elétrica, à água encanada e à proximidade do comércio. No entanto, se, de um lado, a população indígena ficou perto dos recursos sociais, por outro, houve uma intensa e crescente degradação ambiental pela grande concentração das famílias numa só aldeia. Há outros problemas apontados pelos índios sobre a vida na aldeia-sede, principalmente pelos mais velhos: quando viviam espalhados em 4 aldeias, uma casa (in) era distante da outra, e cada família tinha animais de tração e montaria para atender suas necessidades. As famílias tiveram que se desfazer dos animais ou diminuí-los para um ou dois. Na aldeia-sede os porcos são criados soltos e perambulam livremente com pessoas, galinhas e cachorros. A briga entre famílias por causa desses animais é uma constante e a maioria das pessoas considera que os conflitos aumentaram depois que foram viver na sede. Antes, dizem, viviam sossegados porque podiam criar seus animais com tranqüilidade e não havia brigas entre vizinhos. No centro da aldeia-sede (vide croqui) da T.I. Ivaí, localiza-se: a escola, o posto de saúde, a igreja, o escritório da Funai e os demais equipamentos sociais. Distribuídas no entorno, estão as 190 moradias. O número de casas é insuficiente para abrigar as 287 famílias da comunidade e, para sanar o déficit, algumas casas abrigam mais de uma família segundo a regra tradicional de residência uxorilocal (o marido do casal vai viver na casa do sogro). O Programa Paraná 12 Meses está construindo 15 casas novas e reformando mais 30 unidades e pretende resolver o déficit habitacional até o final de 2002. Outra questão que remete à questão espacial e ambiental é a grande proximidade das casas entre si que em nada respeitou a tradição kaingang. Isso acabou trazendo impactos negativos porque não possibilita a privacidade da vida familiar e impede a manutenção do modo de morar próprio deste povo. As entrevistas com as famílias da aldeia sobre os aspectos positivos e negativos de viverem concentrados na aldeia-sede mostram exatamente que, se de um lado as famílias ficaram próximas aos equipamentos sociais – escola, enfermaria, igreja, escritório da Funai - por outro, as famílias não se sentem bem, porque estão “amontoados” em casas muito próximas e não podem ter as suas criações sem que haja conflitos internos e aborrecimentos entre vizinhos. Não podemos deixar de registrar também que a sociedade kaingang se divide em grupos ou facções que disputam o poder interno e é comum esses conflitos se acirrarem pela disputa entre si dos bens materiais distribuídos pelos órgãos dos governos municipais (prefeituras de Manoel Ribas e Pitanga), estadual e federal.
GESTÃO AMBIENTAL NA TERRA INDÍGENA T.I.IVAÍ - PARANÁ MAPA DE OCUPAÇÃO ATUAL RF2
Cemitério Atual
RC4
LEGENDA HIDROGRAFIA
Rios, córregos e ribeirões
Pasto
RC3 pari
SISTEMA VIÁRIO
Estradas Municipais Carreadores
laranjal RC2
Terra Indígena Ivaí RC1
Toldo Serrinha
RC
Roça comunitária
RF
Roça familiar
Cemitério Antigo RF3
Cemitério
Salto da onça
Toldos
Setores
Paiol
Pari
99
Percorrendo a aldeia, observa-se que a maioria dos Kaingang prefere ficar do lado externo da casa, ao redor do fogo feito no chão. Trata-se de uma tentativa de recuperar, ainda que parcialmente e de forma adaptada, o costume de ficarem dentro das tradicionais in (moradias tradicionais) ao redor do fogo que permanecia dia e noite aceso. Ao redor do fogo costumam conversar e é onde preferem receber os amigos e parentes. Outro dado pode ser observado em locais onde algumas famílias construíram ranchos tradicionais ao lado das casas modernas, os ranchos tradicionais utilizam para cozinhar, conversar e fazer cestaria, e as casas de alvenaria usam como local para dormir e como depósito para guardar os produtos da roça e do artesanato comercial. São formas que os Kaingang desenvolveram ao longo do tempo em que se tornaram subordinados às políticas dos brancos, para manterem, ainda que parcialmente, o seu modo de ser. Uma questão relacionada com o modo tradicional de morar e que não pôde ser reproduzida por razões óbvias é que, quando viviam livres, quando as casas ficavam infestadas de insetos ou tornavam-se inóspitas, a família ateava fogo e construía uma nova in. Era a forma tradicional de garantir a habitabilidade, o que era feito sempre que necessário. Para isso era convocado o trabalho da família extensa que, através do sistema de mutirão, rapidamente construía a nova in, uma construção necessariamente rústica e fácil de ser construída.
Casa kaingang nos campos de Guarapuava em desenho de 1774. Cada uma dessas casas tinha em torno de cinco metros de altura por cinco de largura e vinte de comprimento e abrigava até oitenta pessoas.
100
Rancho do kaingang Atanásio na T.I. Ivaí. Foto de Cristiane T. Quinteiro, 2002.
Moradia kaingang na T. I. Ivaí. Foto Kimiye Tommasino, junho 2002
101
Mulheres no terreiro de uma casa sob uma barraquinha preparando artesanato. Foto Cristiane T. Quinteiro, aldeia Ivaí, junho de 2002.
Casa de alvenaria na T. I. Ivaí, construída pelo governo do Paraná. Foto Kimiye Tommasino, outubro de 2002.
Algumas famílias nucleares que formam um grupo extenso, e que moram há muito tempo na aldeia-sede, vivem próximas umas das outras formando pequenos núcleos, como é o caso dos Ninváia, Venhy, Trajano e os Rodrigues. Já aquelas famílias que se
102
mudaram mais recentemente estão dispersas pela aldeia e só se reúnem quando vão trabalhar na roça, como é o caso das famílias Kambé. Com a concentração das famílias na aldeia-sede, as famílias que viviam nas outras aldeias continuaram a manter suas roças familiares que usam o sistema de coivara, nos seus locais de origem. Dessa maneira, pode-se perceber que as famílias da Aldeia Serrinha ainda mantêm suas roças de coivara e hoje têm de percorrer até 15 quilômetros de distância para cuidar delas. Para isso constroem wãre (abrigos rústicos) ou in ty ré (ranchos rústicos para abrigo temporário) onde permanecem por dias ou semanas dependendo da época. Portanto, se a concentração das famílias na aldeia-sede facilita a freqüência das crianças na escola e permite acesso fácil ao posto de saúde, por outro, os homens e mulheres adultos têm de percorrer grandes distâncias para poderem cuidar de suas roças. Essa reorganização espacial imposta pelo indigenismo trouxe uma outra conseqüência social de ordem geracional relacionada com a socialização dos filhos. Todos os velhos foram unânimes em afirmar que, com a obrigatoriedade de freqüentarem a escola, as crianças e jovens deixaram de acompanhar os pais nas atividades de subsistência como fazer roças, caçar e coletar. A obrigatoriedade da escolarização foi imposta nos anos 1970s quando as famílias ainda viviam espalhadas na área e nessa época teve início a ruptura entre os adultos e as crianças que deixaram de acompanhar os pais nas atividades do cotidiano. Isso trouxe várias conseqüências como, por exemplo, a quebra da estrutura que fundamentava o processo de socialização para o trabalho, o aprendizado dos etnoconhecimentos, dos mitos e todo o patrimônio cultural da tradição kaingang. Como sociedade ágrafa, os Kaingang, assim como as demais etnias indígenas transmitem as tradições oralmente no contexto da vida cotidiana e ritual. Os meninos, quando saíam para caçar com o pai, aprendiam as técnicas de reconhecimento da presença dos animais, pela educação/treinamento dos sentidos; também aprendiam a conhecer os tabus impostos pela cultura como, no caso kaingang, o de não matar certos animais reconhecidos como seus yangré (espíritos animais), de não comer certas partes da caça por determinados grupos de idade (como, por exemplo, jovens não devem comer o cérebro de alguns animais porque se tornariam preguiçosos); também é quando aprendiam a reconhecer as plantas medicinais e a forma de preparo e uso. De todas as conseqüências negativas que a educação formal trouxe aos índios, a mais significativa, foi a desvalorização e a desqualificação da cultura indígena, operada pelos agentes brancos – os professores, os técnicos da instituição tutelar, os missionários - nas salas de aula e fora delas, os quais levam os próprios alunos a uma postura etnocêntrica a favor da cultura do branco. O caráter civilizatório da escola nas áreas indígenas ainda não foi superado porque não houve reciclagem dos professores e os livros
103
didáticos ainda são os mesmos utilizados nas demais escolas nacionais que veiculam estereótipos negativos sobre os povos indígenas. Pode-se dizer, portanto, que a escola branca fez desaparecer a “escola” indígena e a conseqüência é que hoje a maioria da população abaixo dos 30 anos possui muito pouco dos saberes “dos antigos”. Praticamente os adultos jovens sabem trabalhar segundo os padrões impostos pelos técnicos do indigenismo e uma das queixas dos velhos é que os jovens desvalorizam as tradições e as renegam. A qualidade do ensino formal, por outro lado, por todas as deficiências acumuladas, não tem preparado os escolares para a vida moderna e segundo padrões que possibilitem novas formas de produção da subsistência capaz de garantir a qualidade de vida que tinham no passado. Muito ao contrário, a população jovem da comunidade vem perdendo gradativamente os etnoconhecimentos kaingang sem, contudo, um ganho significativo nos conhecimentos da sociedade dominante para uma efetiva inserção na economia regional, o que caracteriza um empobrecimento cultural em ambos os lados. Outra grave conseqüência produzida pela reorganização espacial das famílias de quatro para uma só aldeia onde se localiza a escola distanciou as crianças das matas, dos campos e dos rios, onde a socialização para a vida era realizada e com isso as novas gerações foram perdendo o vínculo com os espaços simbólicos que fundamentam a memória indígena. O espaço onde crescem as crianças ficou reduzido à aldeia e seu entorno e quando muito ao espaço urbano de Manoel Ribas onde vendem seus artesanatos. Outro ponto de ruptura geracional pode ser observado na organização da roça familiar, a roça de coivara. Na organização da roça cada membro do grupo possui tarefas específicas e as crianças também tinham algumas funções. Com a ausência das crianças, os pais têm de reorganizar a produção. Ademais, essas mesmas crianças, além de não desenvolverem suas tarefas, ainda não são mais treinadas de forma completa para serem adultos segundo os padrões indígenas. Ou seja, sabemos que cada sociedade, de acordo com seus valores e tradições, produz/treina os corpos desde a mais tenra infância para serem os adultos almejados. Portanto, observa-se uma quebra tanto na formação intelectual (do cérebro) quanto do corpo físico, que vai se modificando a cada geração. Cabe registrar que identificamos a continuidade na socialização das meninas para a confecção do artesanato que foi intensificada para ser vendida no mercado e teve um percurso contrário. Quanto ao treinamento dos corpos dos meninos pudemos observar que, se não mais são preparados para a guerra e para a caça, hoje passaram a jogar futebol dentro e fora das aldeias e com isso o treinamento do corpo teve continuidade porque, dizem eles, os índios têm “canela de ferro” e porque, desde pequenos, os kuiã passam carvão de pau-ferro nas canelas e braços dos meninos para que os ossos se tornem duros e resistentes.
104
Concomitantemente a esse processo no nível da socialização, o meio ambiente vem sendo devastado, degradado e dessacralizado. O solo está desgastado e depois de uma ou duas colheitas a produtividade fica comprometida. Os rios estão poluídos, contaminados e sujos. Os rituais que os Kaingang faziam nas margens dos rios (“batismo”, “purificação da viúva”), no interior das matas (rituais) e mesmo na aldeia (ritual do kikikoi) foram abandonados parcial ou totalmente. Com o aumento da população, todos esses processos de perda e degradação ambiental e social ganharam em intensidade. Basta andar na aldeia e entorno para vermos, pelo lixo espalhado, um dos resultados da dependência dos índios às cidades e seus produtos. Há garrafas e sacos plásticos, restos de sacos de papel e papelão, brinquedos descartados, entulhos e todo tipo de material que se acumula na aldeia. As imagens fotográficas colhidas pela nossa equipe revelam a necessidade de programar ações com dois objetivos: um de gestão do lixo e outro de educação ambiental, o primeiro de curto prazo e o segundo de médio prazo. As mudanças no modo de vida e a dependência crescente dos núcleos urbanos que trazem para dentro da aldeia alimentos, roupas, insumos agrícolas, inseticidas e outros produtos da modernidade, trazem também muito material descartável que a comunidade simplesmente joga em locais onde são queimados parcialmente. A introdução de um projeto de educação ambiental, por outro lado, poderia incluir tanto a população escolar quanto toda a comunidade e suas lideranças para que se implante uma política ambiental em que a questão do lixo seja um dos temas. Na T.I. Ivaí existem dois cemitérios, um na aldeia-sede e outro na Serrinha, no local da antiga aldeia de mesmo nome. Atualmente o da Serrinha está desativado, mas as famílias que têm parentes enterrados lá costumam fazer visitas esporádicas durante o ano e principalmente no Dia de Finados. As imagens mostram que os cemitérios expressam a influência do catolicismo e seus símbolos.
105
Cemitério kaingang na Terra Indígena Ivaí. Foto: Cristiane T. Quinteiro, julho, 2002
Cemitério kaingang na Terra Indígena Ivaí. Foto: Cristiane T. Quinteiro, julho, 2002
106
2.3
ESTRUTURA LIDERANÇA
SOCIAL
DA
COMUNIDADE:
CACIQUE
E
A comunidade kaingang da T.I. Ivaí possui uma organização interna baseada na figura do cacique, vice-cacique e a liderança/polícia indígena. Essa estrutura foi implantada ao longo da história do contato. No passado, cada subgrupo ou família extensa – formada por um casal, seus filhos solteiros, filhas e genros – formava um emã e se fixava num afluente do rio Ivaí e era econômica e politicamente autônomo. Na situação de contato, os brancos instituíram a figura do capitão, depois substituída por cacique. Somente nos casos de interesse maior, os chefes (pai) se reuniam e constituíam uma liderança geral, pai bang, para negociar ou guerrear, se fosse o caso. Uma vez resolvido o problema à estrutura era dissolvida e tudo voltava ao normal. Ocorre que, com a subordinação permanente dos índios ao governo dos brancos a figura do capitão/cacique se tornou permanente. É importante ressaltar que cada subgrupo, no passado, se instalava nas proximidades de um afluente do rio Ivaí e tinha exclusividade na exploração dos recursos de fauna e flora daquela porção que era sua terra tradicional e podia viver da caça, coleta, pesca e agricultura que faziam nas matas, rios e campos. Com a expropriação da maior parte das suas terras e a política de concentrar todos os grupos em apenas uma aldeia, essa organização tradicional foi completamente subvertida. Hoje o cacique é eleito pela comunidade e este escolhe o seu vice-cacique, a “liderança” e a polícia interna da comunidade. Quando não pode participar de uma reunião, o cacique nomeia o vice-cacique ou uma das lideranças para o representar. No total a polícia indígena é composta por 18 pessoas que é uma cópia da hierarquia militar: major, capitão, tenente, sargento, delegado e “polícias”. O chefe da polícia e seu vice são responsáveis em amarrar e prender os índios infratores. As principais infrações que pode levar os índios ao “tronco” e à cadeia são: alcoolismo, brigas, adultério e fofocas. O cacique atual é Francisco Cabral e seu vice é seu genro Marcílio Glicério. Este dado de afinidade mostra que na comunidade ainda vigora a sociabilidade entre parentes e afins e a hierarquia do sogro sobre o genro. As funções do cacicado são manter a ordem interna, discutir problemas de interesse da comunidade e levá-los para as instituições responsáveis (FUNAI, FUNASA, Prefeituras, etc.). Cabral está no cargo de cacique há 12 anos, fato incomum nas outras áreas porque os caciques são substituídos com muita freqüência e têm duração efêmera. Como os problemas enfrentados pela comunidade são muitos o cacique e suas lideranças estão sempre viajando para participar das reuniões. O cacique e o vicecacique sempre viajam acompanhados por um ou dois elementos da liderança. As reuniões
107
acontecem nas cidades de Manoel Ribas, Guarapuava, Curitiba e às vezes em Brasília. Esses contatos são vitais para a comunidade porque é quando podem levar as reivindicações para obterem recursos para setores como saúde, educação, ambiente, habitação e agricultura.
3
ECONOMIA INDÍGENA E OS RECURSOS DA NATUREZA Como já ressaltamos, os Kaingang da T.I. Ivaí viviam numa terra muito maior
antes de 1949. A economia kaingang era baseada nas atividades combinadas de caça, pesca, coleta e agricultura. Podemos dizer que os Kaingang viviam basicamente dos recursos naturais que encontravam nos ecossistemas da bacia do rio Ivaí. As
pesquisas
antropológicas
têm
demonstrado
que
os
povos
caçadores/coletores constituíam-se como as primeiras sociedades da abundância. Há uma pesquisa realizada por Marshall Sahlins1 entre vários povos caçadores/coletores em várias partes do mundo, incluindo grupos no Brasil onde ele demonstra que esses povos constituíram a primeira sociedade da abundância. Para garantir a satisfação de todas as suas necessidades primárias (vitais) e secundárias (simbólicas e rituais), os indígenas trabalhavam cerca de quatro horas diárias não-contínuas. Os Kaingang faziam parte deste tipo de sociedade e os relatos de viajantes do passado são unânimes em afirmar a qualidade de vida das populações indígenas. A gradativa queda na qualidade de vida dessas populações está diretamente relacionada ao contato, invasão e expropriação de suas terras e perda de autonomia. Registros de viajantes e exploradores do passado fornecem indicações sobre a rica biodiversidade do hábitat dos povos indígenas, sua rica fauna e flora, seus rios abundantes de peixes, a qualidade do solo. Os relatos colhidos pela nossa equipe entre os Kaingang mais idosos reafirmam a qualidade de vida de seus antepassados, graças à diversidade dos recursos naturais proporcionados pelos ecossistemas da bacia do Ivaí que forneciam alimentos e matérias primas para atender todas as suas necessidades vitais e simbólicas. O modo de vida tradicional continuou ainda até a primeira metade da década de 1950, mesmo depois das primeiras expropriações realizadas pelo Estado com os decretos de 1901, 1913 e 1924. Coletamos algumas narrativas sobre o tempo em que viviam da economia da floresta que está na memória dos mais velhos e que expressam um tempo que se foi perdendo simultaneamente à chegada dos novos tempos até os dias atuais em que a dependência chegou aos limites da escassez quase absoluta.
1
SAHLINS, M. A Primeira Sociedade da Afluência. In CARVALHO, E. de Assis (org.). Antropologia Econômica. São Paulo: Livraria Editora Ciências Humanas Ltda. 1978. pp. 7-44.
108
3.1
WÃXI – (TEMPO ANTIGO): O TEMPO DE ABUNDÂNCIA
3.1.1
Manejo da terra e dos recursos naturais No passado, quando ainda viviam dos recursos florestais, quando detinham
todo o território do alto e médio rio Ivaí, a sociedade kaingang manteve o sistema de manejo de suas florestas, campos e rios conforme os ensinamentos passados de uma geração a outra. Mesmo depois dos primeiros contatos com os brancos, os Kaingang viveram de conformidade com sua cultura ancestral. Os Kaingang subdividiam-se em pequenos grupos locais que tinham suas aldeias (emã) às margens dos afluentes e subafluentes do Ivaí. Segundo regras sociais determinadas, cada grupo tinha direito à exploração dos recursos de seu território. Os grupos locais da bacia do Ivaí formavam uma sociedade mais ampla e eram interligados por laços de parentesco (consangüíneos e afins). Na sociedade kaingang cada subgrupo tinha direito à exploração do pinheiral definido e reconhecido pela sociedade como um todo, ou seja: O conceito kaingang de propriedade se aplicava segundo um critério determinado. As florestas de todo o território tribal constituíam espaço de caça e coleta por qualquer indivíduo sem que essa exploração gerasse qualquer direito de propriedade sobre a terra, com exceção do pinheiral, que era dividido entre os subgrupos. Cada subgrupo (grupo local) tinha uma parcela do pinheiral sobre a qual exercia o direito [exclusivo] à coleta do pinhão.1 Fontes históricas mostram que a desobediência às regras de propriedade kaingang sobre a exclusividade do direito à exploração dos pinheirais podia gerar guerras entre os subgrupos (MABILDE, 1983: 126-127) e produzir fissão e expulsão do grupo infrator. Mas essa regra de propriedade não se aplicava a outros setores da economia kaingang. Se os recursos naturais do território seguiam as regras acima definidas, as construções realizadas sobre o solo (roças, pari) pertenciam a quem os realizou. Dessa forma, cada roça ou pari tinha seu dono e essa propriedade era reconhecida coletivamente; o rio continuava sendo território coletivo, mas cada pari tinha seu dono; no caso da roça, como a agricultura kaingang é rotativa, depois de abandonada, a roça retornava ao meio ambiente e à condição de terra coletiva. Depois de abandonadas, as roças continuavam a ser utilizadas com novas funções: serviam como ceva para animais; plantas nativas renasciam e podiam ser coletadas por qualquer pessoa; e muitas plantas introduzidas – frutíferas e tubérculos – continuavam produzindo mas podiam ser colhidas por todo.2
1 2
Cf. TOMMASINO, 2000: 197. Cf. TOMMASINO, 2000: 199-200.
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Dentro desse modelo social de apropriação da natureza, o território kaingang se configurava da seguinte forma: Território kaingang tinha, necessariamente, de apresentar um ecossistema variado que lhes permitisse sua reprodução social e cultural. Nas regiões de campo faziam suas aldeias fixas (emã). Faziam também acampamentos ou abrigos provisórios (wãre) nas florestas e margens dos rios, onde permaneciam nas semanas ou meses em que praticavam a caça ou a pesca. Os deslocamentos eram feitos por grupos de parentesco, de modo que sempre havia pessoas no emã e outras no wãre. As matas eram, assim, espaços conhecidos e organizados. As plantas, os animais, e também os acidentes geográficos eram conhecidos em si mesmos e na relação entre eles, de acordo com o sistema de codificação kaingang. Dezenas e até centenas de caminhos entrecortavam as matas, em todas as direções, interligando os diferentes locais de exploração e sociabilidade. São caminhos que expressavam uma forma específica de ocupação do território, evidenciavam um modo próprio de relação com o meio ambiente e materializavam a rede social intra e intergrupos3.
3.1.2
A caça e a coleta É, naquele tempo comia fruita, comia palmito Caçava anta, porco do mato, cateto, veado, paca, é, para comer. Matava com flecha krantin. É flecha de madeira, então matava com flecha. Ih, naquela época a vida boa. A vida que está, lá tem as aldeias dentro da terra nossa. Nossa terra tem, cada um tem aldeia na outra parte, criávamos porco. Ali acho que tinha 4 aldeias. É, até no Pitanga, [tinha] aldeia. Aqui também [tinha] aldeia, lá perto do Ivaí lá tem aldeia e plantação de laranja, arvoredo, arvoredo tudo, tudo. Arvoredo é lavoura. Lavoura de árvore de fruta, aqui foi plantado a laranja, dai ele me diz descemos tudo para lá, onde tem as aldeias criava galinha, roçava para plantar, para comer, vivíamos com caça. (Pedro Ninvaia “Carroceiro”) Agora meu pai era caçador e pegava espingarda, com umas seis horas da tarde ele ia ver uma ceva de paca. Ele matava assim para gente comer, aqueles tempos não tinha açougue, então nós vivíamos assim com carne de bicho do mato. Nós caçávamos paca, cateto, veado, anta também. Anta tinha uns dois, mas sumiu, não sei onde eles foram. O cacique não deixa matar mais. Deixamos ele e não sei onde ele foi. (Chico Brum, 54 anos) A divisa da terra dos índios é ali no rio Ivaí. Era maior. tinha pinheiro. Os índios comiam pinhão. Nós assávamos, cozinhávamos também. Marido caçava: matava paca, veado, anta. Pegava cria [filhote] de anta para nós criarmos. Eles pescavam nos paris, alguns de nós, eu não sei pescar. Pescavam lambari, carpa, cascudo. Eu comia a comida dos índios mesmo. Era bolo, milho socado, assava no fogo para comer. Piché.
3
Cf. TOMMASINO, K. 2000: 203-204.
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Naquele tempo, tinha mais saúde. Comia folha de mato. Ortigueira, daquela assim que dá aquelas sementes brancas. Comia folha, depois laranja do mato. Palmito. Socava monjolo de pé. Pisava no “rabo” dele assim, para socar. Para fazer farinha, fazer bolo. É para fazer o emi, piché, farinha. Comia coró, nós comemos ainda. É gostoso, é gordo. Nós o pegávamos, tirávamos a barriga fora, lava ele e cozinha, que é cozido e assado. O coró dá naquele pau, pinheiro, pinheiro caído que está podre, tem outro pequenininho, branquinho assim, é tão gostoso o pequenininho. Comia larva de abelha. Até hoje come, gosta. Daí nós começamos a ficar mais assim “virar branco”, então nós plantamos, nós plantamos as coisas para comer. Alface, repolho, cebola. Criamos frango, porco também. Também comemos boi, tinha boi daí vendemos tudo, porque não tinha marido para cuidar, e daí vendeu. (Ernestina Kublite) Caçávamos. É cateto, paca, anta. Não tem mais anta agora. Parece que não tem mais. A gente fazia buraco para fazer [a anta]. (José Pantu) É abelha, mel de abelha, favo, nós pegava bacia, balde, e enchia de parte dele, cortava pelo meio e nós enchíamos o balde, traziam assim para casa. E aí um pouco assim o pai pegava para fazer remédio. É, para bronquite e nós fazia isso e meu pai fazia tanto remédio e agora ele não está bom da cabeça. (Chico Brum) tinha mel, comia mel bastante. É de abelha. (Pedro Ninvaia “Carroceiro”)
3.1.3
A pesca Pari, esse nós ainda fazemos, tempo de inverno, eles cai muito. É, então nós fazemos um cesto [kéj] para nós pormos dentro e carregar na costa, daí quando meu pai fazia isso no rio, nós íamos posar sempre com ele e aí fazia assim, fogo e nós comíamos peixe assado. Nós comia assim com “fubá” [piché; emi]. Fubá assim torrado, molhavam assim no fubá e nós comia assim, torrava e comia junto. (Chico Brum) Pescavam no rio Borboleta, no rio Ivaí, lá no Balsa Velha. Outro morador tinha canoa para pescar. Bandeira, Tonico Bandeira, pai daquele morador lá. Tem bastante índio lá. O índio velho estava chorando, quando cortou a terra dele. (José Pantu) É, pescava, porque ali era nossa, até aqui não tinha nem peixe aqui nesse rio [rio Ponçano/Passo Liso] aqui não tinha, naquele tempo de antigamente. Pescava no Ivaí. É, no Ivaí. (Pedro Ninvaia “Carroceiro”)
3.1.4
A roça antiga Comia abóbora pehó. Comia, comia assava assim meio de baixo da cinza. Nós comíamos coró. Gente branca falava assim, “o índio está comendo coró lá. (Chico Brum)
111
Ele, meu pai, puxava assim com carqueiro, milho, aquela época puxava assim nas costas, no cesto na cabeça, e puxava assim no animal. É no animal, um cesto de cada lado. (Chico Brum,) E fazia roça para eles naquele tempo, eles faziam roça. Para plantar milho, feijão, aquele tempo. Abóbora, aquele tempo tinha aqueles abóbora bonita, agora não tem mais. (Pedro Ninvaia)
3.1.5
O kikikoi, os bailes Naquele tempo tava fazendo festa do kikikoi. Acabou com tudo de fazer festa. Aquele tempo tinha kuiã. Mas agora não tem mais. (José Pantu)
Foto do Sr. Dário Moura, chefe do Posto da T.I. Faxinal, vizinha da T.I. Ivaí, imagem do último Kikikoi realizado naquela área na década de 1980.
Rezava em roda. Faziam ele (kikikoi), faziam de primeiro, agora não faz mais. Faziam uma vez por ano. Convidavam os índios. Eu assistia, já era casada. Os índios gostavam de dançar. Eu gostava, quando era mais nova, agora não vou nem ver. Dançava. Vanerão! Ia no baile, fica de a par ali. Dançava a noite inteira! Todo mundo, amanhece o sol, sobe e eles estão dançando. Antigamente, não tinha bailante [salão] assim, dançava embaixo da (...) faziam um empaliçado. É, ali dançava a noite inteira. A roupa era branca, uns vestiam branco, daí tiravam aquele, meia-noite vestia outro, cada vez. tinha três saias! Ia vestindo por cima, não tirava.(Ernestina Kublite)
112
3.2
URI – (O TEMPO ATUAL): A CHEGADA MACIÇA DOS FÓG (BRANCOS) E O SURGIMENTO DA DEPENDÊNCIA Com a perda sucessiva de suas terras ao longo do século XIX e XX, os
Kaingang se viram privados dos recursos naturais e sociais que durante séculos tinham permitido sua reprodução social como caçadores-coletores. As matas, rios e campos forneciam tudo o que precisavam: era o “supermercado”, o “açougue”, a “farmácia” e a “escola” dos índios. Depois da conquista, não apenas os Kaingang não apenas perderam seus territórios de caça e coleta como ainda sua autonomia como povos livres. A subordinação aos diretores de aldeamentos e depois de chefes de postos brancos, que implantaram a política indigenista cujo objetivo foi transformar todos povos indígenas em trabalhadores nacionais e povos caçadores-coletores em agricultores de subsistência, o modo de ser kaingang foi alterado de forma radical. Vejamos algumas narrativas sobre a chegada dos brancos e da subordinação aos chefes brancos.
3.2.1
Os Kaingang foram a Curitiba denunciar a invasão de suas terras e pedir providências O nome dele era João Morais. João Morais foi lá no Curitiba, foi falar com (....) Ele chefe né? Então chefe queria índios para (...). Ele mandou os morador para (...). Acho que foi em 1920. Aí ele arrumava carpinteiro para fazer casa para a área. Então eles fizeram casa para a área aí. Para o chefe. Depois ele avisou para abrir estrada por aí, né. Daí abriu estrada. Ele ia pagando, treze reais. Até lá no Manoel Ribas tem morador [índio] lá. Depois ele, o chefe, comprou carroça e dois cavalos. Depois ele arranjava morador para (...). Tem bastante morador [índio] lá perto do Ivaí, tem bastante lá. Depois ele avisava para fazer roça. Conhece casa do javali? Naquele tempo era tudo mato. Cruzamos trinta alqueires. Depois tem outro morador [índio] lá na Serrinha, tem bastante gente lá também. Tem capitão lá também. Era o Salvador Venhy. Ele avisava o capitão para (...) Salvador Venhy, ele tava fazendo por dia também. Depois ele faz 15 anos, o nome dele é Otávio Ferreira. Depois ele saiu. Daí SPI veio ficar aqui. Daí não ganhamos mais, trabalhamos de graça.Tem bastante porco lá no morador. Outro queria fazer mutirão, daí mataram seis porcos para o mutirão. Daqui outro tava lá no Barra Preta. tinha morador [índio] lá, Pedro. Pedro matou o filho tomando pinga, eu vi. É índio. Daí ele morreu, pegaram aquele Pedro e Mandaram prá cadeia. Mandaram lá para Curitiba. Depois (....) começamos a estrada até Balsa Velha. Daí tem bastante gente (...). tinha fábrica do outro lado. O nome dele era Valter Natal. Daí ele falou: ‘Vamos entrar para tomar uma pinga. Daí eu falei para ele vamos embora. E tinha mais gente com ele, a turma lá, tava tomando pinga. Matou outro também. Daí ele morreu. Mataram um, daí para resolver, o chefe foi falar com o governador.” (José Pantu)
113
3.2.2
Narrativas sobre o governo do SPI: o chefe de posto Ceci e o sistema do “panelão” De primeiro, eles prendiam, amarravam, punham a perna da gente num pau, no tronco. E o tempo que o nosso chefe morava aí, era Ceci, judiava muito dos índios. Por isso que meu filho é aleijado, ele tem a perna mais curta que a outra. O filho era bem menino, ia na aula, daí o chefe falou que os alunos que estava na aula era tudo para ir trabalhar. Aqui eu trabalhava e parei, as mulheres trabalhavam com as crianças nas costas. E o que não fosse ia para a cadeia, se molhava, molhava tudo e amarravam e davam injeção de água na gente. E foi, daí ele [o filho] foi plantar, com a mulher do chefe, fazer uma roça, fazer uma roça apartado né, mas era para o chefe vender. Daí eles fizeram, foram trabalhar e começou a chover, chover, e ele dormiu com aquela roupa molhada. E de certo aquele ‘inseto’ [bactéria, vírus] entrou não sei o quê que fez. Ave meu deus, mas a perna dele encolheu! E de tanto remédio, ele endireitou, mas o joelho dele é grande.” E qualquer coisa que eles fizessem, o chefe era muito ruim, eu quiz matar o chefe porque ele era ruim. Ele não queria que ninguém saísse do serviço, e a que tem família tem que tratar, né? Então eles pegavam a mulher e diziam: ‘ó você fica aí e eu vou trabalhar pros brancos para trazer mantimento.’ O chefe mandava a polícia atrás pra trazer, amarrava, punha eles no pau [tronco] perna, a mulher também, molhava tudo também, porque ficavam no tempo. Ia pro tronco também se olhasse para a mulher do outro. Depois que o Ceci foi embora, que veio outro chefe, que já veio uma porção de chefe, aí. Depois que o Ceci saiu, daí endireitou. O pai dele [referindo-se a Isaac Bavaresco, pai de Jorge] veio, aquele era bom, meu deus, mas bom mesmo. Na época do Ceci, morria gente, eles pegavam tábua velha e pregavam e daí ponhavam gente. E o pai do Jorge não, quando ele tava como chefe, mandava comprar caixão. Agora é comprado caixão. (Ernestina Kublite) [O panelão] Era aquela panela bem grande, sabe? Daqueles grandão mesmo, alto, ele [chefe Ceci] mandava tirar mandioca, eles iram tirar a mandioca, os camaradas, e trazia e ponhava e mandava cozinhar, tinha a cozinheira e os homens também. Aí eles ponhavam para cozinhar e ali posava aquela coisa dentro daquela lata, de manhã estava azul, ele queria que os índios comessem para trabalhar. Eu não comia, eu sou braba. Mas eles [os índios] comiam, os miseráveis comiam, comiam tudo. Trabalhavam e iam de noite, saíam cedinho, antes do sol sair e tinha que estar no serviço, se não ia no serviço, prendia. Trabalhava na enxada, plantava, carpia. Nada, o índio não recebia nada. Acho que isso durou mais de 2 anos. (Ernestina Kublite) As memórias dos índios sobre “o tempo do chefe Ceci” referem-se ao final da
década de 1960 já no tempo da FUNAI. Esse chefe executou uma política tão autoritária que muitos ainda hoje dizem que muitos índios morreram de tanto trabalhar e pelos maus tratos recebidos. As mulheres tinham de ir trabalhar mesmo quando grávidas e com filhos de colo e as crianças eram retiradas da sala de aula para irem à roça. Alguns dizem que o chefe
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Ceci ficou por cerca de dois anos, outros dizem que ficou quatro anos, mas o fato é que há unanimidade em reconhecer que foram os piores tempos de experiência que tiveram. Mesmo com a expropriação territorial, a dilapidação de suas florestas e deterioração ambiental sofridas pelos Kaingang da T.I. Ivaí percebe-se que o modelo tradicional de uso de apropriação do que lhes restou ainda é parcialmente o mesmo. Mas se o modelo ainda é o mesmo, as novas condições históricas criaram uma situação de impossibilidade da reprodução social e cultural nos moldes de antigamente. Isso configura um drama que pode ser definido da seguinte maneira: de um lado os Kaingang não podem mais viver segundo a economia de caça, coleta, pesca e agricultura e, de outro, o novo modelo de “desenvolvimento comunitário” implantado pelo indigenismo oficial produziu, ao longo do tempo, as piores condições de vida material e social. O que lhes restou de terras é uma ínfima parte do que tinham no passado e com isso a caça e a coleta que fazem é em escala insuficiente, porque a biodiversidade desapareceu com a devastação do ambiente. Os peixes também diminuíram em quantidade e a pesca também se tornou atividade acessória. A agricultura que era, por assim dizer, atividade acessória no modelo tradicional, se tornou hoje a atividade principal e o Estado, através do indigenismo, fixou toda as suas políticas “desenvolvimentistas” nesta atividade com o objetivo de impor o sedentarismo. O drama enfrentado pelos Kaingang acima definido está diretamente relacionado com o encolhimento das terras e a devastação ambiental. As roças atuais, tanto as comunitárias quanto as familiares, pela exigüidade da terra, não permite mais a rotação das áreas cultivadas e a terra, com o contínuo reuso, está completamente desgastada e dependente dos insumos agrícolas. A produtividade, cada vez mais baixa, não atende as necessidades das famílias, obrigando-as à complementação no mercado, através da renda obtida com a venda do artesanato. Dentro desse contexto incrementou-se a exploração ampliada dos taquarais que, além de atender a demanda interna de cestarias de uso, atende, cada vez mais, a produção para fins de comercialização. Por essa razão as fontes de abastecimento estão cada vez mais distantes e a matéria-prima, a taquara, em vias de extinção. Projetos de reflorestamento com espécies nativas seriam muito bem vindos para as famílias que se especializaram na produção e venda de artesanato.
3.2.3
A economia atual Do total da área, cerca de mil alqueires possui cobertura florestal, ou seja,
entre 30 e 40% da área. As pastagens ocupam cerca de cinco alqueires. As roças de coivara ocupam cinqüenta alqueires e as roças comunitárias perfazem oitenta alqueires. Na próxima safra a comunidade pretende aumentar a área a ser cultivada para cento e quarenta alqueires (100 de soja e 40 de milho) e dobrar a área das roças familiares.
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A economia kaingang está estruturada em várias atividades que se complementam: Roças comunitárias; Roças familiares/roças de coivara; Produção e comércio de artesanato de taquara. Além dessas atividades podemos ainda acrescentar mais dois itens que contribuem de forma substancial para o sustento das famílias: a renda proveniente dos salários e aposentadorias e das diárias fora da aldeia. Os dados de pesquisa mostraram que apenas 1% (12 pessoas) da população da T.I. Ivaí possui renda fixa como funcionários assalariados, 7% (73 pessoas) vivem de aposentadoria e 92% (976 pessoas) não possui renda fixa (gráfico 3). Os que não têm renda fixa dependem das roças e da venda do artesanato.
As roças comunitárias As roças comunitárias são realizadas sob a coordenação do técnico agrícola que é funcionário da Funai. O governo do Estado, através do Projeto Paraná 12 Meses, Setor de Fomento, repassou à comunidade indígena 1.200 toneladas de calcário no valor de R$ 42.000,00, adubos e agrotóxicos no valor de R$ 56.000,00 para as lavouras comunitárias. A comunidade está tentando conseguir, para a próxima safra, fomento também para as lavouras familiares, como sementes, adubos e óleo diesel. Parte do ICMS ecológico proveniente da prefeitura de Pitanga é aplicado na agricultura. A produção da safra 2001/2002 foi a seguinte: 2.400 sacas de soja; 1.100 sacas de milho; e 230 sacas de feijão.
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Carreta descarregando calcáreo subvencionado pelo Governo do Estado do Paraná na T. I. Ivaí. Foto Lúcio Tadeu Mota, outubro 2002.
Trator colhendo soja em roça comunitária da T. I. Ivaí. Foto: Kimiye Tommasino, junho 2002.
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As roças comunitárias têm como objetivo obter renda para a comunidade e é responsável pelas despesas de produção, aquisição e manutenção de equipamentos e máquinas da comunidade. Com a produção da última safra a comunidade fez o seguinte uso: compra de implementos agrícolas como uma grade pesada (arrastão); compra de um pulverizador a jato (2000l); reforma do caminhão MB-608; reforma de trator; compra de pneus para o trator e para os veículos da comunidade; compra de ferramentas e insumos para uso agrícola (grafite, correias e óleo diesel); compra de óleo diesel para famílias tocarem suas roça individuais. No caso de outros setores estarem deficientes de recursos pode-se acionar a renda da produção comunitária, por exemplo, para a alimentação dos doentes do postinho, compra de insumos para o gado (remédios, carrapaticidas, vacinas) e outros. Os produtos (milho, soja e feijão) das roças comunitárias são os voltados para o mercado e sua renda serve para as despesas dos programas sociais. Em nossa pesquisa de campo encontramos em fase de colheita roças de soja e de milho. As roças comunitárias são tocadas apenas por homens e cada família deve disponibilizar um de seus membros. Nas últimas roças trabalharam 170 homens e cada roça requereu um dia inteiro de trabalho do grupo inteiro. Para a colheita usam uma colheitadeira alugada à base de 15 sacas para cada 100 colhidas. A produção é entregue a COAMO – Cooperativa Agrícola de Campo Mourão. Conforme a comunidade vai necessitando, ela vende parte da produção para cobrir os gastos. Esta renda comunitária foi a forma encontrada pela comunidade indígena como estratégia para enfrentar a falta de orçamento do órgão indigenista.
As pastagens A área de pastagem é também, propriedade comunitária. Nela a comunidade cria-se um pequeno rebanho bovino de 34 cabeças. O gado produz leite para consumo e somente em ocasiões de festa abatem-se animais. Neste ano, por exemplo, na festa do Dia do Índio a comunidade abateu duas cabeças para o churrasco, na festa de Nossa Senhora de Guadalupe abateu-se outras duas e na festa junina mais uma. Como em outras áreas kaingang, verificamos que a população mais velha não aprecia carne bovina que foi introduzida nas áreas pelos diretores de aldeamentos no período provincial. Os mais jovens
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já se acostumaram com o consumo dessa carne. Mas ainda se pode ver que a carne mais consumida e apreciada é a de suínos e aves que são mais semelhantes às dos animais selvagens provenientes da caça. Algumas famílias criam cavalos que são de propriedade individual. Atualmente o número de cavalos não ultrapassa 50 cabeças e podem ser soltos no pasto da comunidade ou nas proximidades da residência do dono. Até um passado recente muitas famílias possuíam vários cavalos que eram usados como montaria e transporte de carga das aldeias antigas à sede do posto ou cidade. Hoje o uso de eqüinos está em processo crescente de desuso.
O índio kaingang Francisco Brum e sua montaria. Foto: Eder Novak, setembro 2002
Curral para lida com o gado na T. I. Ivaí. Foto: Eder Novak, setembro 2002
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As roças familiares Cada roça familiar é cultivada por várias famílias nucleares que formam um grupo extenso de parentes e afins. No caso kaingang, um casal, os filhos solteiros, as filhas e genros. Cada roça familiar congrega de 4 a 5 homens adultos, além das mulheres e filhos menores. Segundo informações das lideranças, cerca de 70% das famílias depende dos produtos das roças familiares e se dedica à agricultura de subsistência. Os demais 30% obtêm a sobrevivência através de outras atividades, principalmente do artesanato, da aposentadoria e do salário proveniente de empregos fixos ou temporários. O sistema de roças familiares é o de coivara, herdada dos antepassados. No total, a área de roças de coivara perfaz 50 alqueires, contando os pomares. Algumas roças possuem chiqueiros para criação e engorda de porcos, mas o mais comum é a criação de porcos soltos na aldeia e se constitui um dos problemas ambientais sérios na área de moradia por onde circulam livremente porcos, galinhas, cachorros e gatos. As roças mais distantes da aldeia costumam ter ranchos rústicos (in ty ré) ou abrigos provisórios (wãre) que servem para permanência por dias ou semanas. Há famílias que passam a semana inteira nos ranchos de suas roças e retornam no sábado para a aldeia. Com a concentração de todas as famílias na aldeia-sede, aquelas que viviam nas outras aldeias têm, hoje, de se deslocar até 15 quilômetros para cuidar das roças. Isso implica a permanência por dias ou semanas nas roças em ranchos (in ty ré) ou abrigos temporários (wãre). O tamanho das roças em média é de 1 a 2 hectares mas há algumas um pouco maiores e depende das condições de cada família. Pode-se observar que as roças familiares estão distribuídas em vários locais dentro da área. Elas indicam os locais das antigas aldeias. O objetivo da produção dessas roças é a subsistência do grupo extenso responsável pela produção. Plantam os seguintes itens: arroz, milho, feijão, abóbora (pehó), batata-doce, mandioca. Algumas famílias possuem pomares onde se podem ver plantações de cana-de-açúcar, laranjeiras, goiabeiras e bananeiras. Outras criam galinhas na área onde ficam as roças mas é preciso que haja sempre alguém tomando conta. Quando se ausentam por alguns dias, deixam um cão de guarda. A criação de galinhas e porcos já foi maior. Atualmente esta atividade foi reduzida por falta de espaço na aldeia e pela dificuldade de criá-los nos locais das roças que são muito distantes. Os índios utilizavam muito o cavalo para o transporte dos produtos das roças até a moradia na aldeia. Também disseram que cada família possuía vários cavalos (de cinco a sete) para o transporte de pessoas e dos produtos. Com a mudança das famílias para a aldeia-sede, os animais utilizados no
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transporte de pessoas diminuiu e a falta de espaço obrigou a que se desfizessem totalmente animais ou os reduzissem para apenas um ou dois animais. Se as roças coletivas só utilizam mão-de-obra masculina, as roças familiares utilizam a força-de-trabalho de todos, homens, mulheres, meninos e meninas que não estão na escola. Os homens são responsáveis pelas seguintes tarefas: roçadas, limpeza do terreno, acero, queima; plantio (milho e feijão), capina e colheita. As mulheres vão para a roça, mas só para cozinhar para os homens, mas na “limpa” todos trabalham. Alguns tipos de plantação são de responsabilidade das mulheres como o plantio e a colheita de batata-doce e abóbora. O plantio da mandioca ocupa toda a mão-deobra do grupo extenso: os homens vão abrindo as covas, as mulheres colocam as ramas (mudas) e os filhos vão cobrindo com terra. Quando a produção das roças é insuficiente para atender a demanda familiar, a família é obrigada a comprar na cidade o que falta, e para isso tem de intensificar a produção do artesanato que garante a renda. Sobre a exploração e propriedade, as regras são as seguintes: cada grupo familiar pode explorar a terra para fazer roça de coivara e plantar. A terra pertence a todos, mas, cada família tem a propriedade dos produtos de suas roças e pomares. Não há necessidade de pedir autorização do cacique para abrir uma terra disponível. A única exigência para ter acesso a terra é pertencer à comunidade. Da mesma forma, a organização social de cada roça obedece ao costume de reunir em torno de um casal os filhos solteiros, as filhas solteiras e casadas e os genros. Há casos em que apenas um dos genros vai trabalhar na roça do sogro e o outro vai trabalhar na roça do pai quando este não dispõe de braços suficientes para tocar a sua roça. Mas os dados de campo mostram que a uxorilocalidade (genro vivendo na casa do sogro) ainda continua sendo uma regra vigente. De acordo com as informações colhidas junto ao técnico agrícola e os auxiliares indígenas, na T.I. Ivaí existem cerca de 40/50 roças familiares que congregam 70% da população.
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Roças familiares visitadas pela equipe do Projeto Gestão Ambiental na T. I. Ivaí Nome do chefe da família e dono da roça
Produtos encontrados
1-
Antonio Juvenal
Roça de arroz
2-
Nelson
Roça de arroz e milho
3-
José Rosa
Roça de banana
4-
Ivo
Roça de arroz
5-
Pedro
Roça de arroz e banana
6-
Taíde Evaristo
Roça de banana
7-
Otávio Ferreira
Roça de banana
8-
Júlio
Roça de banana e milho
9-
Antonio Juvenal
Roça de banana e milho
10-
Francisco Zino
Roça de arroz
11-
Zé Pantu
Pomar
12-
Orlando
Roça de milho
13-
Tanásio
Roça de milho
14-
Tanásio
Roça de milho, batata-doce, ervas e laranjas
15-
Lourenço Gavaia
Roça
16-
Pedro “Carroceiro”
Roça de milho
17-
Marcondes
Roça e pomar (bananas, laranjas e goiabas, galinhas)
18-
José Augusto
Roça de milho
19-
Gregório Bernardes
Roça de milho
20-
Florindo
Roça de milho
21-
Gabriel
Roça
22-
Arlindo
Roça
23-
Lorentino
Roça
24-
Joaquim Venhy
Rancho (in ty ré) de caça
25-
José Kambé
Rancho e laranjal
Pesquisa de campo: UEL/LAEE – Maringá, junho/julho de 2002.
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Aspecto de uma roça de milho familiar na T. I. Ivaí. Foto: Lúcio Tadeu Mota, julho 2002
A produção do artesanato comercial Todas as famílias da T.I. Ivaí fazem artesanato mercantil, em maior ou menor quantidade. Cotidianamente encontramos famílias na cidade de Manoel Ribas vendendo balaios e cestas de taquara. Também viajam para outras cidades da região para vender a produção. No passado a cestaria era feita para atender a demanda interna e tinha valorde-uso para as famílias. Como resultado do contato e surgimento da dependência econômica, passaram a produzir também como valor de troca para adquirir no mercado os produtos que necessitam: sal, macarrão, farinha de milho, açúcar, roupas, calçados. A crescente necessidade de renda tem obrigado os homens a saírem da aldeia para vender seus produtos nas cidades vizinhas de Manoel Ribas, Pitanga, Ivaiporã e outras cidades próximas como Guarapuava, eles também passaram a comercializar sua produção em cidades mais distantes como Campo Mourão e Maringá e Ponta Grossa. Isso tem levado ao saturamento do mercado local e regional devido a pouca diversidade da produção e quantidade de famílias que estão em constantes deslocamentos. As famílias kaingang fabricam cestos grandes que servem para guardar roupas, cestos menores que
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servem como fruteiras ou cestos de guardar objetos variados, cestinhos feitos pelas meninas para enfeitar estantes ou guardar pequenos objetos. Como são os homens os responsáveis pela comercialização, alguns chefes de família sofrem acidentes (geralmente por atropelamento). Este é um dos problemas apontados pelas lideranças. Hoje a comunidade enfrenta problemas com viúvas e crianças órfãs que não têm como sobreviver. Segundo os dados da pesquisa, há crianças que passam fome e enfrentam necessidades materiais básicas pela morte do pai e às vezes da mãe também. Isso, mais as péssimas condições em que essas famílias, com crianças pequenas ficavam submetidas nas praças e rodoviárias das cidades em que se deslocavam levou um grupo de pessoas de Maringá a criarem uma Associação (ASSINDI) que dá assistência a essas famílias na T. I. Ivaí, e quando elas ou outras famílias estão na cidade elas são assistidas com local para se abrigarem, deixarem as crianças e guardarem seu artesanato. O exemplo de Maringá está espalhando pelas cidades vizinhas como Apucarana, Campo Mourão, onde as comunidades locais, também preocupadas com as condições subumanas dessas famílias, estão criando novas associações de assistência aos índios que para elas vão vender seus artesanatos. A matéria-prima para a confecção do artesanato comercial é extraída nas matas. Em geral as fontes de abastecimento estão distantes da aldeia e isso obriga os homens a se deslocarem longas distâncias para trazer a taquara (wãn) para as residências onde as mulheres cuidam da confecção. A comercialização do produto é da responsabilidade dos homens, diferentemente do que ocorre, por exemplo, com os Kaingang da T.I. Apucaraninha (bacia do Tibagi) entre os quais as mulheres são responsáveis tanto pela produção quando pela comercialização. A divisão do trabalho na produção do artesanato é a seguinte: o homem vai buscar a taquara e a mulher o ajuda. O preparo da taquara (cortar a taquara em tiras, secar, limpar, pintar as tiras com anilina industrial) e a tecedura (confecção do cesto e da tampa) são tarefas da mulher. A venda dos cestos é tarefa do homem.
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Taquaral na T.I. Ivaí, fonte de matéria prima para o artesanato kaingang. Foto Lúcio Tadeu Mota, out., 2002
Taquaras secando no terreiro de uma casa. Foto Lúcio Tadeu Mota, setembro 2002
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Mulheres kaingang fazendo cestos. Foto Fabiana V. da Rocha, julho 2002
Artesanato pronto para ser embarcado para comercialização na cidade. Foto: Lúcio Tadeu Mota, outubro 2002
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Família kaingang com seu artesanato nas imediações da Rodoviária de Sarandi – PR, antes da criação da ASSINDI. Foto: Darcy Dias de Souza, março de 2000.
Outras fontes de renda: o trabalho assalariado e a aposentadoria dos velhos Uma das fontes de renda na T.I. Ivaí é a proveniente dos Kaingang que recebem salários como funcionários federais, estaduais ou municipais. São os professores, os monitores, os técnicos agrícolas, os agentes de saúde, as merendeiras, os motoristas. São poucos os funcionários índios e muitos jovens almejam obter empregos remunerados dentro da área. No entanto, nessa área indígena, todos os professores do ensino fundamental são não-índios e apenas o monitor de língua kaingang e a auxiliar do préprimário são índios. A família que possui pelo menos um membro assalariado tem bastante prestígio porque conta com uma renda fixa e contínua que garante a aquisição de melhores condições materiais de vida. Outra fonte de renda provém da aposentadoria dos velhos que a FUNAI providencia através do setor social e tem sido, para a maioria das famílias, a única fonte fixa de renda. Muitas vezes uma família com oito a dez pessoas depende da renda de um único aposentado. Quando acaba o dinheiro da aposentadoria a família tem de complementar com a renda do artesanato. Encontramos 73 aposentados e 12 assalariados São, portanto, 85 pessoas que recebem renda mensal. A aposentadoria dos velhos é fonte importante de
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renda familiar e ter ou não um aposentado na família faz toda diferença. A renda do aposentado na família pode ser considerada como a garantia de comida. As informações colhidas revelaram que muitas famílias enfrentam períodos de fome principalmente viúvas com filhos pequenos. Entre os problemas sociais mais sérios apontados está a situação das crianças órfãs que além de passar fome ainda carecem de outros bens materiais como roupas e calçados. Tabela da População que Possui Renda – Terra Indígena Ivaí / Ano 2002 Fonte de renda
Número de pessoas
Aposentadoria
73
Assalariados
12
Fonte pagadora/Instituição Funrural Funai Prefeitura Funasa Funai Conselho Indígena
Número 72 01 07 03 01 01
Outra forma de assalariamento é a diária nas propriedades rurais do entorno. Apesar de ter havido uma redução da saída dos homens para trabalhar como diaristas graças à política de roças comunitárias, combinada com as roças familiares, algumas pessoas não conseguem fazer frente às necessidades domésticas e acabam saindo da aldeia para empreitas nas propriedades do entorno. A contratação de mão-de-obra indígena pelos fazendeiros da região é um costume antigo que teve início quando os primeiros brancos chegaram, até porque era a única fonte de mão-de-obra disponível. Pode-se dizer que, para os trabalhos pesados, a mão-de-obra indígena sempre foi preferida pelos fazendeiros da região, pois os indígenas não são registrados, não recebem qualquer tipo de garantia e não costumam registrar queixa junto ao poder público. A equipe de pesquisa encontrou um diarista que trabalhava numa fazenda vizinha à área por R$ 15,00 ao dia. Por outro lado, observamos que alguns indígenas preferem trabalhar como diaristas nas propriedades do entorno.
3.2.4
Sazonalidade e calendário No caso dos assalariados e aposentados a renda é regular e não depende de
variações climáticas e ecológicas. No entanto, visto que esses trabalhadores não dependem apenas do salário, parte da subsistência provém dos ganhos da venda do artesanato e dos produtos das roças familiares tocada pelos outros membros da família. O artesanato é produzido e comercializado o ano inteiro e há períodos em que a produção é incrementada com mais intensidade pela família por razões internas ou externas que exigem renda para comprar bens como: roupas, calçados, bebidas, alimentos, etc. É muito comum, nas semanas que antecedem as festas anuais – Ano Novo, Folia de
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Reis, Semana do Índio, Páscoa, Festas de São João e de São Pedro, Natal – as mulheres aumentarem a produção e venda de artesanato para poderem comprar roupas para participar das festas. Portanto, existe um ciclo de festas que está na base da dinâmica econômica da aldeia. Mais importante é ressaltar que esse ciclo de festas é um eixo tradicional da economia kaingang que permaneceu ao longo do tempo. Mudanças foram impostas pelas políticas indigenistas com o objetivo de transformar os índios em trabalhadores nacionais, segundo valores da sociedade envolvente. Pesquisas mostraram que “apesar das políticas assimilacionistas, os Kaingang, como sujeitos de sua história, não se conformaram ao modelo imposto. Ao contrário, produziram um espaço próprio, resultado da interação e da troca com os brancos; portanto, a situação de contato constituiu-se como um espaço de negociação das novas estruturas e padrões sociais indígenas1. As roças comunitárias seguem o calendário agrícola que em nada difere do calendário dos agricultores brancos da região. Trata-se da importação dos conhecimentos e técnicas dos brancos introduzidas pelos agrônomos e técnicos agrícolas do órgão indigenista. As culturas se dividem em culturas de verão e de inverno. As de verão desenvolvem-se desde setembro até maio. De maio a agosto desenvolvem-se as culturas de inverno.
Culturas de verão: calendário de atividades das roças comunitárias
Em setembro prepara-se o solo e planta-se o feijão. Em outubro, prepara-se o solo e planta-se soja e milho; faz-se ainda a adubação de cobertura com nitrogênio na cultura do feijão. Em novembro faz-se adubação foliar do feijão: primeira aplicação de herbicida e uréia na cultura de milho; primeira aplicação de herbicida na cultura de soja para folha estreita. Quando aparece ataque de lagarta ou percevejo, aplica-se defensivo. Em dezembro faz-se a segunda aplicação foliar no feijão (quando do surgimento das vagens); primeira aplicação de herbicida no milho; observa-se o aparecimento de ácaros na cultura de soja, para fazer a aplicação de fungicida. Em janeiro faz-se a colheita do feijão; prepara-se o solo para o plantio do milho safrinha; na cultura do milho e soja observa-se o aparecimento de doenças ou pragas para uso de defensivos agrícolas. Em fevereiro realizam-se os mesmos procedimentos que no mês anterior. No caso do milho safrinha realizam-se os tratos normais como aplicação de herbicidas ou de outros defensivos de acordo com as necessidades.
1
TOMMASINO, K. 2000: 33.
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Em março, na fase final da cultura de soja, observa-se o surgimento de doenças na vagem; aplica-se adubação foliar no milho; observa-se o surgimento de ferrugem, lagartas do “cartucho” ou outras pragas. Em abril inicia-se a colheita de soja; na segunda quinzena faz-se a colheita do milho. Observa-se também o surgimento de doenças e pragas na cultura do milho safrinha. Em maio terminam as colheitas de soja e de milho. Culturas de inverno: calendário de atividades das roças comunitárias
Em junho inicia-se o preparo do solo e plantio das culturas de inverno: triticale, aveia ou trigo. Na segunda quinzena faz-se a colheita do milho safrinha. Em julho e agosto observa-se o aparecimento de doenças ou pragas e aplica-se herbicida e fungicida. Solta-se o gado para pastoreio na cultura de aveia. Em setembro, onde havia aveia faz-se o preparo da terra para as atividades das culturas de verão. Em outubro, colhe-se o triticale ou trigo e em seu lugar, planta-se soja ou milho. As roças familiares seguem parcialmente o calendário das roças coletivas no que se refere aos produtos como milho e feijão. Quanto ao soja, não sendo ele um produto para consumo alimentar, não aparece nas roças familiares. Os demais produtos encontrados nas roças familiares são: feijão, arroz, abóbora, batata-doce, mandioca.
calendário de atividades das roças familiares: O feijão é plantado em setembro e colhido em dezembro/janeiro, na região só se faz uma cultura anual por causa do clima. O arroz é plantado no mês de outubro e colhido em março, plantam arroz sequeiro. A abóbora (pehó, abóbora de pescoço) é semeada em setembro e colhida em dezembro e janeiro. A batata-doce (branca) plantam em outubro e colhem em fevereiro, um batatal produz por três anos, mas caso se plantem as ramas dos produtos colhidos, pode-se colher por até cinco anos. A mandioca (mandioca manteiga), plantam em agosto e colhem em um ano, um mandiocal produz por até três anos. As frutíferas mais comuns são os cítricos e a banana, são frutos perenes e se espalham nas roças antigas e atuais, e as roças antigas são freqüentadas pelos índios tanto para
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obtenção de alimentos como servem de cevas para mamíferos e pássaros que ainda caçam. A caça, a pesca e a coleta não ocupam lugar de grande importância como meio de subsistência da comunidade, muito embora sejam atividades bastante apreciadas pelos índios. De um lado, a biodiversidade existente no ambiente, em razão da drástica redução da terra indígena e destruição dos ecossistemas, praticamente desapareceu e a caça atual, que é de pequena escala, já se tornou quase impraticável pela pequena quantidade das espécies. Mesmo assim os Kaingang disseram praticar a caça do cateto, veado, capivara, paca; alguns poucos também caçam tatu e quati. Caçam nos meses entre março e junho, período que coincide com os meses de colheita dos produtos das roças, tanto comunitárias quanto familiares. Portanto, as próprias roças são utilizadas como cevas de animais de caça. As aves caçadas que servem de alimento são: vários tipos de pombas, juriti, sabiás, inhambus, perdizes, jacus e macucos. Os Kaingang ainda praticam a pesca nos paris, mas em escala economicamente insignificante. O único pari visitado pela equipe se localiza no rio Passo Liso e pertence ao índio Laurentino. Mas há outros paris nos rios Borboleta e Barra Preta. Os peixes do rio Passo Liso são: cascudo, traíra, lambari e bagre. No passado, quando os rios eram mais abundantes em peixes, a pesca nos paris era uma importante forma de obtenção de proteína animal. Os paris eram armados nos meses de inverno porque os peixes descem os rios em grande quantidade, mas hoje disseram que pescam nos meses quentes porque o inverno é muito rigoroso e os índios não suportam ficar na beira dos rios. No passado pescavam em todos os rios incluindo o rio Ivaí que fazia parte da área até 1949. (Ver Gráfico que mostra o calendário geral das atividades de subsistência dos Kaingang da T.I.. Ivaí em Anexo )
3.2.5
Compreensão ecológica e conhecimento tradicional Nas entrevistas formais e informais realizadas pelas equipes do presente
projeto, é possível afirmar que, apesar de todas as políticas integracionistas e assimilacionistas impostas pelo Estado, parte do patrimônio cultural kaingang continua preservado. No entanto, esse patrimônio encontra-se guardado por apenas alguns indivíduos mais idosos e mesmo assim de forma fragmentada e simplificada. Encontramos as lideranças bastante preocupadas com o esquecimento dos conhecimentos “dos antigos” por perceberem a importância dada atualmente pelas instituições (MEC, FUNASA) que estão tentando implantar políticas públicas condizentes com a Constituição Federal para garantir aos índios programas que respeitem as especificidades culturais de cada povo.
131
As roças familiares, como vimos, continuaram pelo sistema de coivara, de tradição indígena. Preferem as encostas de morros por serem mais protegidos do frio. Continuaram a plantar os milhos kaingang (garã pé), a batata-doce, a abóbora (pehó), o feijão vara (rangró; mantéie), e ainda plantas introduzidas pelos brancos como o milho híbrido, banana, goiaba, laranja e outros cítricos. Mantiveram ainda o costume de fazer nas bordas das roças ranchos (in ty ré) onde permanecem dias e semanas cuidando das roças que atualmente estão localizadas distante da aldeia. Fazem também abrigos rústicos e provisórios (wãre) nas matas e beiras de rios quando vão caçar ou pescar. No alto das árvores, nos carreiros das pacas e catetos, fazem “poleiros” que são uma forma simplificada do rancho suspenso que os Kaingang faziam para vigiar alojamentos e caçar papagaios e outros pássaros. Essa prática foi descrita por MABILDE (1983:37) que viveu entre os Kaingang do Rio Grande do Sul na metade do século XIX. No Ivaí ainda podem-se ver as “escadas” que os índios fazem nos pinheiros para coletar pinhões, mas não para caça, porque, disseram que: é muito alto para caçar animais terrestres e os papagaios eles não caçam mais. Agora fazem, em árvores mais baixas que o pinheiro, nas matas e bordas das roças, esses poleiros onde ficam à espera da caça que vêm comer nas cevas colocadas nos carreiros por onde andam. Alguns índios mantêm o costume de fazer um “poleiro de caça” na copa das árvores. O kaingang Francisco Brum explicou como é a técnica de caçar paca: “fazia roça lá no coivara então a gente punha uma ceva no meio da roça né, então paca vinha aí, nós fazia poleiro, né, para esperar. Daí gente fica de noite, escuta quando vem paca e mata com espingarda”. Os caçadores conhecem todos os carreiros e locais por onde passam várias espécies de animais. Conhecem esses animais, as aves e seus comportamentos. Solicitados a fazer a distinção entre porco-do-mato e o cateto, os índios disseram que o porco-do-mato é maior que o cateto e tem uma coleira branca. O porco-do-mato anda em bando de mais ou menos 20 indivíduos e têm um chefe e quando atacam uma roça acabam com as plantações; o cateto anda em grupo de apenas 4 a 6 indivíduos. Veados eles conhecem dois tipos: o veado pardo que é grande e o vermelho/marrom, menor. Portanto, se o uso não comercial de plantas e animais selvagens pode ser considerado como atividades acessórias do ponto de vista econômico, como a caça, a pesca e a coleta, do ponto de vista da manutenção dos etnoconhecimentos tradicionais podemos dizer que essas atividades permitiram que partes do patrimônio cultural fossem mantidas. Por outro lado, as mulheres kaingang tiveram de incrementar cada vez mais a produção da cestaria para o comércio e com isso mantiveram também os conhecimentos das técnicas antigas dessa atividade. Outras atividades femininas como a cerâmica e a tecelagem foram completamente esquecidas e podem ser consideradas como tradições mortas.
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Wãre do kaingang Joaquim Venhy próximo ao Salto da Onça no rio Borboleta. Foto: Cristiane T. Quinteiro, julho 2002
Escadas que os Kaingang fazem nos pinheiros para coletar pinhões. Foto Cristiane T. Quinteiro, julho 2002
133
As plantas mais utilizadas são a taquara mansa (wãn pé), o taquaruçu ou taquara brava (wãn wãn) e a criciúma (kré), com que fabricam cestos, peneiras e chapéus para o comércio ou para consumo interno. A taquara mansa, pelo florescimento que ocorre a cada trinta anos, serve também para os índios velhos contarem a idade. Usam também o sapé e folhas de palmeira para cobrir os ranchos, tanto os wãre como as in ty ré. As paredes dos ranchos são feitas com troncos de madeira colhidos dentro da área. Cipós de várias espécies são utilizados como matéria-prima para amarrar os troncos das paredes dos ranchos. Percebe-se que algumas tecnologias kaingang resistiram ao tempo, outras sofreram simplificações e adaptações às novas situações, outras, porém, morreram. Os Kaingang ainda coletam porungas (cabaças) para fazer recipientes e chocalhos e sementes de rosário para fazer colares. Ambos são coletados nos locais de antigos ranchos em vários pontos da área. Os nossos informantes ainda falaram sobre a maneira como os Kaingang se localizam na mata, à noite ou durante o dia: À noite, se o índio tem, se eles estão no meio do mato, se eles querem pegar alguma direção, seja qual a direção que eles forem seguindo pelo Cruzeiro do Sul, né. Então eles pegam do primeiro ponto da constelação do Cruzeiro do Sul ao último e mede a distância que dá nos dedos. De onde ele está da Terra em direção ao céu e daquela distância, ele pega o último ponto e mede a distância do dedo, com os dois dedos ele tipo uma risca de baixo para cima e ali ele marca. Então aquela ali é a direção sul. Através daquela direção, ele direciona na direção que ele quer. De dia, por exemplo, ou quando está nublado e conforme a casca da árvore. Por exemplo, a casca da árvore da direção mais grossa geralmente mostra a direção norte, né. Porque é o lado que ele pega mais chuva. E do lado sul donde ele pega mais frio, então a casca já é menos, ela pega menos quantidade de água, menos umidade. Então são duas direções que eles conhecem. E tem outras também que eles conhecem. Foi apontada pelos nossos guias e auxiliares de campo indígenas, a existência de sete rezadores que eles chamam de kuiã. São eles: Antonio Leopoldo, Otávio Ferreira, Antonio Juvenal, Jair dos Santos, Augusto Brum, Tadeu Kambari e José Guarani (este último é guarani kaiowá vindo do Mato Grosso do Sul como funcionário do antigo SPI). Haveria ainda uma mulher kuiã na aldeia que é a sogra do atual cacique. Apesar de não fazerem mais o kikikoi, o ritual dos mortos, os rezadores ainda fazem rezas de cura para os doentes que os procuram. Sabem fazer remédios à base de plantas que eles usam como medicamento, tanto para as doenças do corpo físico como para as espirituais. A nossa pesquisa não conseguiu entrevistar nenhum kuiã mas obtivemos informações com o filho de um deles que nos disse que seu pai utiliza plantas que curam. Francisco Brum forneceu as seguintes informações sobre os tratamentos que seu pai fazia quando ele era criança e morava no toldo Serrinha:
134
Meu pai falou que sobre os remédios por aí, sempre perguntando assim como é que passavam aquele dia, a época do meu pai, no tempo dele, como é que ele tratava, aquele tempo que não tinha enfermeiro, nem farmácia, não tem. Então meu pai, ele pegava assim, a raiz, ele cozinhava assim na chaleira, esfriava assim prá criança tomar. Quando a gente pegava gripe, ele cozinhava assim, esfriava, e nós tomava direto e antes do almoço nós tomava.” “É abelha, mel de abelha, favo, nós pegava bacia, balde, né, e enchia de parte dele, cortava pelo meio e nós enchia o balde, traziam assim prá casa. E aí um pouco assim o pai pegava prá fazer remédio, né. É, prá bronquite e nós fazia isso e meu pai fazia tanto remédio e agora ele não está bom da cabeça. Ele sabia fazer remédio prá todas as doenças, sabia, folha de laranja ele também fazia remédio, tem outro remédio que pegava a raiz que é remédio, remédio prá mordida de cobra. É “remédio de lagarto”. É assim, por exemplo, eu moro aqui, né, eu junto com ele trabalhamos às vezes a cobra morde eu, né. Daí eles socam no pilão e põe na água quente e esfrega. Depois ele põe outro e amarra a faixa. Eu já usei. Eu já tinha 18 anos. É, e eu hoje estou com 54 anos. Não dói muito, dói assim a pancada que já tinha do tempo que eu jogava bola. (Francisco Brum, 28/06/2002) A pesquisadora de botânica Nacir Rodrigues Marquesini1 realizou uma pesquisa na T.I. Ivaí em novembro de 1991 e entrevistou João Brum e Joaquim Venhy que indicaram as seguintes plantas e uso: Plantas usadas como medicinais na T.I. Ivaí - Pesquisa Marquesini, N. R. 1991/UFPR Nome Indígena
Nome vulgar
Nome
Utilidade
científico/Família tãr tãy
caeté
Ctenanthe compressa / Marantaceae tanh go jen, ka féj, pixirica Leandra xanthocoma / kane sá Monimiaceae có matoy valé num salva senhora, pau- Molimedia prá-tudo, salvação da blumenauwiana / senhora Monimiaceae guiné hunh, funh Petiveria aliaceae / phitolacaceae ? Kapró Rapanea umbellata / Myrsinaceae (krén-kupri?) amora branca Rubus brasiliensis / Rosaceae juqueri, krén-sá amora preta Rubus brasiliensis / Rosaceae batata Kadan Sinningia douglasii / Gesneriaceae parasita tilandisia stricta / ? Bromeliaceae en-to-pey-kuê-tin Pavonia sp / ? Malvaceae ? Mororon Serjania sp / Sapindaceae ? Cupi Trema sp / Ulmaceae
1
para determinar o masculino dor de ouvido de bebê
sexo
para evitar aborto cicatrizante e anti-inflamatório para ferimentos dor de cabeça para evitar filhos dor na bexiga, urina presa para evitar queda de cabelo para picada de cobra para determinar sexo feminino cicatrizante para feridas e cortes para picada de cobra
MARQUESINI, Nacir Rodrigues. Plantas usadas pelos índios do Paraná e Santa Catarina, sul do Brasil. Guarani, Kaingang, Xokleng, Avá-Guarani, Kraô e Cayuá. Curitiba, UFPR. 1994. Dissertação de mestrado.
135
São vários os motivos que fizeram os kuiã perder suas funções e, conseqüentemente, sua importância: de um lado a política de perseguição sistemática aos rezadores pelos chefes dos postos do SPI, que consideravam os rituais como “coisas do demônio”, e, de outro, a intensa depredação da natureza imposta ao meio ambiente que fez com que se tornasse difícil obter as plantas. Um terceiro fator está na impossibilidade de os velhos repassarem os conhecimentos às gerações mais novas que perderam o interesse em dar continuidade às tradições dos pais porque eram desqualificadas pelas autoridades brancas. Enfim, todos os costumes indígenas foram sendo desprestigiados e sendo abandonados pelas gerações mais novas. Com a ruptura no processo de socialização, criou-se um hiato que hoje é reconhecido pelas lideranças como um prejuízo que deve ser resgatado com um esforço consciente e programado de todos. Disseram que agora têm de procurar os pais e avôs antes que se percam para sempre os saberes dos antigos. A própria escola vem incentivando as crianças a trazerem depoimentos dos velhos sobre os costumes e valores da sociedade kaingang como subsídio para as aulas. Por outro lado, os programas de saúde indígena, dentro dos princípios constitucionais, prevêem uma atuação dos agentes de saúde que levem em consideração os sistemas de saúde indígenas e com isso também há uma valorização dos saberes médicos tradicionais. Em ambos os casos, nas áreas de educação e saúde, os próprios índios estão enfrentando o mesmo problema: durante décadas foram orientados a negarem suas tradições culturais e, agora, com a implantação das propostas baseadas na nova Constituição, estão sendo cobrados, pelas mesmas instituições, para que resgatem esses costumes. O mesmo se pode falar com relação aos projetos de “desenvolvimento econômico”. Durante um século e meio os Kaingang viram os brancos chegar, destruir seus ecossistemas, sua biodiversidade e sua própria cultura. Agora, com a mudança da Constituição e da nova postura institucional, querem projetos econômicos que respeitem o meio ambiente, quando este já está quase totalmente destruído. Diante desse quadro, sentem-se desorientados e confusos. Depois de terem sido obrigados, à força, a abandonarem seus rituais e seus costumes, são, agora, cobrados a reconstituir, a todo custo, seus sistemas sob pena de não receberem recursos públicos. Estando a compreensão ecológica e o conhecimento tradicional restritos aos mais velhos, a grande preocupação dos adultos de meia-idade (faixa entre 20 e 40 anos), é encontrarem-se na seguinte situação: foram preparados para viverem segundo os padrões brancos, desinteressaram-se pelos saberes dos antigos e os desconhecem. Os filhos são cobrados nas escolas sobre os etnossaberes que somente podem buscar junto aos avôs e avós. Mas o contexto em que buscam esses saberes são outros e não aqueles do passado quando eram ensinados e aprendiam no cotidiano da vida em grupo: nas aldeias, nas
136
expedições de caça, coleta e pesca; participando dos rituais, das festas, dos jogos. Hoje o “aprendizado” é muito mais uma espécie de estudo do folclore do que efetivamente um aprendizado porque se dá fora do contexto, caracterizando-se mais como um levantamento de informações em que o significado simbólico não pode ser apreendido. Mesmo assim, com todas as tentativas passadas de apagamento da cultura kaingang, pode-se perceber que alguma coisa permanece, mas está muito mais no nível do modo de ser e no inconsciente. Trata-se de algo que está mais no nível das estruturas, da lógica própria que está implícita nas suas práticas. De um lado é a sua inconstância, a sua mobilidade permanente. De outro, é uma temporalidade que, não sendo o tempo dos antepassados, tampouco é o tempo do branco. Os Kaingang vivem o tempo presente segundo um modelo que foram produzindo ao longo da história do contato com a sociedade nacional, mas esse tempo atual – o uri – não se confunde com o tempo do branco. No pensamento kaingang, o tempo passado – wãxi – se caracteriza como o tempo da liberdade, da fartura, da saúde, do sossego, enquanto o tempo atual se caracteriza como o seu inverso: o tempo da forme, da pobreza, da incerteza, da submissão ao branco2. Para os Kaingang da T.I. Ivaí, o tempo atual é representado pela vinda de um chefe de posto chamado Ceci que escravizou os índios e implantou um sistema de violência e exploração terríveis que ainda está na memória dos mais velhos. O tempo atual também está relacionado com a expropriação da maior parte de suas terras, quando o governo estadual fez acordo com a União e dos 36.000 hectares que tinham em 1913, somente restaram 7.200 em 1949 (hoje 7.306). O modo de vida tradicional baseada na caça, pesca e coleta aos poucos não pôde mais ser desenvolvido pois as matas e as águas passaram para as mãos de fazendeiros e as que lhes restaram foram também devastadas e poluídas. De 1970 em diante a devastação ambiental ganhou em intensidade e hoje não existem águas saudáveis, principalmente as que atravessam a aldeia, porque vêm da área urbana que fica a montante, trazendo a poluição dos matadouros, do lixo urbano e das indústrias.
3.2.6
Religião e ciclo de festas Na aldeia da T.I. Ivaí há uma igreja católica que foi construída em 1990. Uma
vez por mês a comunidade recebe a visita do Padre Estevão e de três a quatro vezes ao ano da Irmã Cristina e Padre Élcio da Pastoral Indígena.
2
Sobre essa temporalidade ver TOMMASINO, K. A história dos Kaingang da bacia do Tibagi: uma sociedade jê meridional em movimento. São Paulo, USP. Tese de doutoramento. 1995.
137
Todas as famílias da comunidade kaingang da T.I. Ivaí professam a religião católica que chegou até elas pelos missionários nos primeiros contatos no século XVIII, mas imposto de forma sistemática pelos diretores de aldeamentos na segunda metade do século XIX
em diante. Os rituais tradicionais foram sendo esquecidos e abandonados com a
interferência dos missionários e administradores que consideravam os rituais indígenas como coisas do demônio (nét korég) segundo depoimentos colhidos em campo. O último kikikoi foi realizado há 46 anos atrás. Ressalta-se, porém, que os rezadores e curadores mesmo tendo sido perseguidos em todas as áreas, não desapareceram completamente. Mesmo não fazendo mais os rituais coletivos (dos mortos, da colheita), os curadores ainda existem em todas as áreas kaingang e na T.I. Ivaí foram apontados sete curadores que conhecem as plantas medicinais e rituais. A sua permanência, conquanto de forma marginal e periférica, indica que o sistema de representações religiosas tradicionais existe de forma fragmentada. O sistema de saúde tradicional pode ter desaparecido enquanto sistema estruturado e funcional, no entanto, as representações antigas foram inseridas e ressignificadas no conjunto do sistema religioso atual, tal como acontece em outras áreas kaingang. Kutz de Almeida, pesquisando os Kaingang da T.I. Xapecó - SC mostrou a relação entre importantes aspectos da cultura indígena e a prática do catolicismo popular. Diz ele: As festas mais expressivas estão intimamente associadas com a época do plantio e da colheita dos principais produtos agrícolas, especialmente o milho e o pinhão. Não é por acaso que a festa do Divino se realiza em maio, mesmo mês da celebração do ritual do kiki e período de coleta de pinhão. Dessa forma, a páscoa e a celebração de Pentecostes podem ser indicadas como base para esclarecer esta associação. O simbolismo e certas concepções da Páscoa cristã foram apropriados pelos Kaingang através da catequese, a qual fornecia também um calendário anual do dia da Páscoa. À época em que ser cristão (e católico como representação máxima no Brasil) era regra, situação um tanto comum entre os primeiros contatos dos colonizadores com os autóctones, permaneceu até as primeiras décadas desse século. Pode-se supor, então, que os símbolos associados com a Páscoa forneceram aos Kaingang uma alternativa viável para enfrentar o processo de dominação colonial em um momento histórico de extrema importância dos agentes da Igreja Católica entre os indígenas.3 Dentro dessa perspectiva de análise, os rituais católicos praticados pelos Kaingang da T.I. Ivaí estão sendo considerados como sistema religioso produzido historicamente pelos índios a partir de elementos da cultura kaingang com elementos apropriados do catolicismo. O ciclo das festas católicas é um produto historicamente transformado do ciclo das festas tradicionais do passado. O modo de ser kaingang foi projetado adiante como resultado de um processo de negociação do modelo ocidental 3
ALMEIDA, Ledson K. de. Dinâmica religiosa entre os Kaingang do Posto Indígena Xapecó/SC. Florianópolis, UFSC. Dissertação de mestrado. 1998: 94.
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imposto pelos agentes estrangeiros, mas ressignificado e alterado segundo a lógica kaingang no interior de sua cultura. Nesse sentido, o processo histórico kaingang foi reciclando culturalmente tudo o que foi recebido – por imposição ou adoção livre – do mundo dos fóg (brancos). Kurtz de Almeida faz a seguinte interpretação sobre a cristianização dos Kaingang: A adoção do cristianismo por grupos indígenas pode expressar a ocupação do espaço na cosmologia e vida ritual destes povos por símbolos cristãos, não significando necessariamente a destruição das categorias significativas do sistema indígena.4 Longe, portanto, de pensar a adoção do cristianismo e outros “costumes” dos brancos, como sintomas de aculturação, trata-se, da perspectiva indígena, de formas de recriação cultural determinada pela conjuntura histórica. A atual forma de religiosidade na T.I. Ivaí merece um estudo antropológico futuro pela centralidade das festas “católicas” que certamente escondem processos de ressignificação simbólica segundo uma lógica da cosmologia kaingang. A nossa equipe de campo assistiu parte da festa de São Pedro quando o grupo chegava na aldeia e registrou o momento em que a bandeira do divino visitava uma residência e foi possível perceber a intensidade da experiência religiosa e sua importância como canal de integração social. O “pátio” das festas está localizado no Goio ni, onde fica a “água santa”, uma mina de água onde, acreditam os Kaingang, bebera o monge João Maria. Na simbologia kaingang a água do Goio ni é curativa e faz passar dores de cabeça e mal-estar, provocados pela vida moderna. Segundo uma enquête rápida feita pela nossa equipe, uma kuiã, Maria Chica, levava as crianças e velhos para “benzer” e os doentes e curar. Com as curas realizadas, foi sendo reconhecido poder de cura daquela água. O diagnóstico feito pela equipe da UEM mostrou que a mina está contaminada por coliformes fecais, mas, por outro, também constatou a importância simbólica das práticas religiosas e de cura do Goio ni. Por essa razão, informar que a água da mina está contaminada e não dever ser consumida não teria nenhuma chance de sucesso porque o poder simbólico da “água santa” é um processo consolidado histórica e culturalmente. Portanto, uma forma alternativa deve ser buscada para solucionar o problema e a sugestão é que se faça: a) o cercamento da área em volta da mina e; b) a identificação e eliminação dos focos de contaminação que certamente estão nas pocilgas em volta da mina. Ainda relacionado com a religiosidade merecem destaque às festas católicas da comunidade que ganharam significados próprios e foram reciclados segundo padrões indígenas. No momento em que realizamos a pesquisa de campo encontramos toda a comunidade empenhada em organizar a festa que aconteceria o dia todo no distrito Bela
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Vista, com jogos de futebol (times do grupo indígena contra os do distrito), comidas e bebidas e a saída da bandeira do divino da igreja do distrito para a da aldeia, passando pelas casas dos devotos, pois era dia de São Pedro e São Paulo. Foi-nos informado que as festas de São Pedro e São Sebastião são realizadas com missa e com muita comida típica, e que as pessoas encarregadas de organizá-las são os índios que têm o nome do santo da festa. Na verdade, o que se observa é que os Kaingang se converteram ao cristianismo, mas incorporaram o sistema indígena e transformaram as festas em rituais de reafirmação de sua identidade social da mesma forma como as antigas festas que tiveram de abandonar por pressão e proibição.
Igreja Católica da T. I, Ivaí, ao lado o Posto da FUNAI. Foto Kimiye Tommasino, julho 2002
Festa de São Pedro, chegada da Bandeira do divino. Foto: Kimiye Tommasino, junho 2002
4
ALMEIDA, Ledson K. de. . Dinâmica religiosa entre os Kaingang do Posto Indígena Xapecó/SC. Florianópolis, UFSC. Dissertação de mestrado. 1998. p. 25.
140
Aspecto da Mina santa na T. I. Ivaí, uma pequena casa de madeira protege a nascente e logo em seguida observa-se um cercado de madeira para engorda de porcos. Foto: Lúcio Tadeu Mota, outubro 2002.
Terreiro adjacente a Mina Santa onde se realizam as festas. Observam-se os mastros das bandeiras das ultimas festas. Foto Lúcio Tadeu Mota, outubro 2002
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A pesquisa de campo também se deu na observação do baile que promoveram na noite de 28 de junho, véspera da festa de São Pedro. A comunidade conta com um conjunto musical formado que toca não só na aldeia, mas em toda a região rural. Os casais dançam no salão fazendo círculos no sentido anti-horário e costumam dançar até o amanhecer. As entrevistas com as pessoas mais velhas da comunidade mostram que os bailes foram introduzidos pelos administradores brancos e eram realizados depois de cumprido o trabalho no sistema de mutirão nas roças do SPI e depois da FUNAI.
Baile na aldeia, conjunto “Os Indianos” formado por jovens da própria aldeia que tocam no T. I. Ivaí ou outras T. Is. quando convidados. Foto: Kimiye Tommasino, junho 2002.
Campo de futebol da T. I. Ivaí, onde existem vários times que jogam entre si ou convidam outras aldeias para jogarem. Foto: Kimiye Tommasino, junho 2002
142
3.3
A SAÚDE NA T.I. IVAÍ Na aldeia-sede da T.I. Ivaí existe um posto ambulatorial que atende as
famílias indígenas e atualmente é de responsabilidade da Fundação Nacional de Saúde FUNASA. Trabalham no posto:
Profissão
Quantidade
Fonte pagadora
Branco
Médico
1
FUNASA
X
Dentista
1
FUNASA
X
Enfermeira padrão
1
FUNASA
X
Auxiliares de enfermagem
2
FUNASA
X
Agentes de saúde
3
FUNASA
Motoristas
2
FUNASA/PMMR
Faxineira
1
FUNASA
Total
11
Índio
X X
X X
6
5
O posto conta com um veículo Toyota para atender 24 horas somente a área de saúde e está sendo negociado mais um veículo para esta finalidade. Todos os funcionários do posto pertencem à FUNASA com exceção do motorista não-índio que é pago pela prefeitura de Manoel Ribas. A FUNASA1 fornece, através de seus programas, vacinas obrigatórias contra a pneumonia e gripe2. As doenças que mais afetam a comunidade indígena são: a escabiose (sarna); a verminose e conseqüentemente a diarréia; e a IRA (infecção das vias respiratórias). A intensidade das mesmas varia de acordo com a estação do ano. No inverno, por exemplo, a IRA torna-se o principal problema de saúde seguida da escabiose. Essas doenças estão diretamente relacionadas com a intensa contaminação ambiental, tanto da terra quanto da água. A concentração das moradias no espaço da aldeia fere em tudo os costumes antigos quando cada família tinha seu assentamento longe das outras moradias e isso permitia que o lixo produzido e os dejetos animais e humanos fossem absorvidos pelo ambiente do entorno. Por outro lado, as próprias casas tradicionais, as in kaingang, tinham o caráter de uso temporário e efêmero “pois as mesmas eram quase sempre abandonadas ou até queimadas a cada deslocamento ou quando ocorria a falta de habitabilidade.”3
1
Os dados sobre a assistência à saúde no posto da T.I. Ivai foram fornecidos pela enfermeira Shirlei, funcionária da FUNASA, lotada no ambulatório que funciona na área. 2 Essas vacinas são aplicadas partir dos dois anos de idade, no caso da pneumonia e a partir dos seis meses, no caso da gripe. Em ambos os casos toda a comunidade é vacinada respeitando, é claro, o limite mínimo de idade. 3 .Cf. Janir SIMIEMA. Em que abrigos se alojarão eles?. In: L. T MOTA; F. S. NOELLI; K. TOMMASINO. Uri e Wãxi: estudos interdisciplinares dos Kaingang. Londrina, Eduel, 2000, p. 242-243.
143
As casas atuais das famílias kaingang além de terem sido construídas muito próximas entre si possuem caráter permanente e somente as famílias que vivem mais afastadas ainda fazem puxados ou ranchos ao estilo tradicional, sendo as demais feitas de madeira ou alvenaria de acordo com o padrão introduzido pelo indigenismo. A arquiteta Simiema, ao estudar as atuais moradias dos Kaingang do T.I. Barão de Antonina, mostrou que as casas (in) tradicionais coexistem com as introduzidas e que: As in Kaingang, em São Jerônimo, embora adaptadas às condições de aldeamento, o qual aboliu os grandes ranchos coletivos, passando a prevalecer a moradia unifamiliar, mostra ser em tudo adequada à origem, ao modo se ser e ao contato direto com a natureza: o chão batido, o tronco de árvore, o contato permanente com o vento que cruza toda a casa, o claro-escuro que reproduz a penumbra da mata. Há ainda a transparência total que permite sentir o tempo (se amanhece ou se anoitece) mas que também possibilita a vigilância em todas as direções. A sua moradia não rompe a ligação com a terra, de onde ele acredita ser originário. Ao contrário, favorece e possibilita a integração às suas raízes. Pode-se dizer que essa casa é a sua própria raiz, sua própria identidade. A outra, a do governo, abriga mas confina. Protege, mas isola. Isola a luz, o vento, o sol, a natureza, e nela o Kaingang não se compraz e não se realiza.4 A essas condições internas das mudanças do modo de habitar, não mais em várias aldeias, mas numa só, não mais nas in tradicionais, mas em habitações estranhas ao seu modo de ser, acrescentam-se as conseqüências do entorno. Os índios vivem rodeados de fazendas de brancos que destruíram toda a cobertura vegetal do entorno, e nem sequer respeitaram as matas ciliares, que protegiam as águas dos rios que atravessam a aldeia. Também a cidade de Manoel Ribas tem contribuído com seus dejetos provenientes das indústrias, das residências, dos curtumes os quais contaminam as águas que ficam nas cabeceiras dos rios que chegam à aldeia comprometendo a saúde dos índios. Segundo informações de funcionários da FUNAI e da equipe da FUNASA, a situação dos rios que cortam a T.I. Ivaí é a seguinte: os rios Monjolo Velho, Água do Tigre (ou Àgua do Maia ou Ponciano conforme os Kaingang) Passo Liso, Barra Preta, estão em péssimas condições. Apenas o rio Borboleta foi considerado em situação regular. O grande problema, segundo os informantes, é que os rios trazem os dejetos jogados pelos fazendeiros e moradores da cidade à montante dos rios que chegam comprometidos na aldeia. Como os rios perderam suas matas ciliares, os agrotóxicos acabam chegando aos rios assim como o esgoto da cidade. As mulheres costumam lavar roupa nos rios Monjolo Velho, Agua do Tigre e Passo Liso e é comum encontrá-las com as crianças que ficam brincando nas águas em contato direto com as bactérias e pesticidas.
4
SIMIEMA, Janir. Em que abrigos se alojarão eles? In MOTA, L. T., NOELLI, F. & TOMMASINO, K. Uri e Waxi. Estudos interdisciplinares dos Kaingang. Londrina, Ed. da UEL. 2000. p. 247-248.
144
É importante registrar que a FUNASA, desde que assumiu a responsabilidade pela saúde indígena, tem priorizado em todas as áreas do Paraná, o tratamento da água que abastece as famílias indígenas. Na T.I. Ivaí o tratamento da água para consumo já existe e o efeito benéfico já é evidente. Os agentes de saúde confirmaram que antes do tratamento os casos de diarréias por água contaminada eram crônicos e esse quadro desapareceu quando se implantou o tratamento da água. Até o final de 2002 será inaugurado um poço artesiano que já está pronto e em fase de análise da qualidade da água. Os agentes de saúde nos informaram que há alguns problemas difíceis de serem resolvidos por serem de ordem estrutural, como é o caso da escabiose, ou de ordem cultural, como o uso daquela água que os índios consideram possuir poder mágico-curativo, mas que está contaminada e, mesmo com todas as explicações dos agentes, continua sendo utilizada. Sobre a água “santa” - Goio ni - segundo a pesquisa de campo, a água se tornou santa porque disseram que o monge João Maria andava em muitos lugares e tomou aquela água que passou a ter poder de cura. Depois disso apareceu uma kuiã que se chamava Maria Chica (casada com Manoel Pereira) que levava as crianças e velhos para benzer e curar os doentes com a água daquela mina. Muitos acreditam que, caso se passe aquela água na cabeça, ela cura dor-de-cabeça, mal-estar ou “cabeça embrulhada”. Todas as festas católicas são realizadas na mina e pode-se ver no entorno os mastros com os santos colocados em seu topo revelando a importância simbólica daquele Goio ni para todos os Kaingang que confiam no seu poder curativo mesmo sabendo que a água está contaminada. Em conversa com os agentes da saúde da FUNASA os mesmos disseram que não conseguiram convencer os índios a não usarem a água daquela mina, o que reforça as nossas considerações. Portanto, a sugestão, como a melhor alternativa prática, é promover a descontaminação da mina, pelo cercamento do entorno e eliminação das pocilgas que contaminam o lençol freático que a alimenta.
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Aspecto do Posto de Saúde da T. I. Ivaí. Foto: Cristiane T. Quinteiro, setembro 2002-12-08
Mulheres kaingang lavando roupa no riacho Monjolo Velho. Foto: Kimiye Tommasino, outubro 2002.
146
3.3.1
Atendimento médico e odontológico O atendimento médico e odontológico do posto Ivaí ocorre diariamente (seis
dias por semana). A equipe de atendimento está completa, porém, segundo a enfermeirachefe do posto, seriam necessários mais dois dos chamados agentes indígenas de saúde (AIS), pois um AIS divide seu tempo entre o atendimento médico e odontológico5. Os pacientes têm acesso a diversos tipos de remédios. Quando o médico receita um medicamento não disponível no ambulatório, a receita é repassada para a enfermeira que vai até a cidade e o compra nas farmácias credenciadas pela FUNASA6. Segundo a informação da enfermeira, muitos índios deixam de ir até o ambulatório para se tratar com um dos sete rezadores/kuiã. Alguns desses “curandores” vivem fora da aldeia, como é o caso da Dona Maria que é branca. Com isso se verifica que os índios procuram também curadores não-índios. Comparativamente à situação das demais áreas indígenas do Paraná, podese considerar que as condições materiais e de recursos humanos na área de saúde é uma das melhores. De acordo, ainda, com as informações da enfermeira, em relação à infraestrutura o ambulatório é muito bem servido de espaço, equipamentos e materiais necessários para um bom atendimento, tanto médico quanto odontológico. Também podem contar com transporte exclusivo 24 horas. Em relação à saúde bucal, os problemas são semelhantes aos do branco, porém com algumas particularidades. A cárie é o mais freqüente e de ocorrência pontual, diferente do que ocorre com o branco. Por exemplo, se dez índios têm cárie, os dez a têm na oclusa e dificilmente a têm nas próximais. De cada dez brancos com cárie, um pode ter cárie em diferentes faces ou pontos do dente. A segunda é a gengivite, seguida do dentulismo e da falta dos dentes. O processo de prevenção ocorre na escola com orientação profilática de escovação. Uma vez por mês é realizada uma visita, de casa em casa, para orientação dos adultos. É feita a distribuição de escovas e cremes dentais para as famílias, porém neste ano houve atraso na distribuição porque ainda não chegaram os recursos. Segundo o dentista, a demora é decorrente do processo de reformulação do planejamento do programa de saúde que refaz anualmente o contrato com as empresas que fornecem os materiais. A aplicação do flúor tópico (de baixa concentração) não é realizada, apenas o flúor gel (de alta concentração) é aplicado em alguns casos, quando há muita reincidência de cárie.
5 6
Esses agentes não são preparados para esse tipo de trabalho. A FUNASA tem fundos do Projeto Rondon que financia o pagamento desses medicamentos extras.
147
A implantação do programa odontológico foi realizada por etapas. A primeira etapa consistiu da observação dos problemas mais comuns e o número de demanda, ou seja, o número de casos. A segunda etapa foi o atendimento para aqueles que tinham dor. Nesta etapa era realizada a extração dentária. A terceira etapa foi o atendimento periódico dos pacientes. Futuramente pretende-se ampliar o atendimento de outras patologias. Com a implantação do Raio-X será possível o atendimento endodôntico. Também será possível através de verba encaminhar pacientes para o tratamento ortodôntico. Atualmente está sendo possível a aquisição de próteses total e parcial, as quais são pagas pelo Projeto Rondon. A maior dificuldade relacionada à saúde bucal está na orientação profilática dos adultos que só procuram o ambulatório quando estão com dor e não dão continuidade ao tratamento periódico. O cacique e as lideranças disseram estar muito satisfeitos com o serviço de atendimento à saúde na área e têm da comunidade todo o apoio, o que é confirmado pelas informações da enfermeira que, ao ser indagada pela nossa equipe de campo, respondeu que as relações entre os membros integrantes do ambulatório e os líderes da comunidade “são harmoniosas e não há problemas de discordância”. Algumas considerações são importantes em relação à área de saúde na T.I. Ivaí. De um lado, são notáveis as boas condições do posto que se encontra bem equipado e com uma política de atendimento e disponibilidade de remédios aos doentes. O número de profissionais também é significativo e a equipe de campo pôde confirmar a presença efetiva da assistência à saúde indígena. Por outro lado, percebeu-se que os profissionais de saúde nada sabem sobre a realidade cultural kaingang e, dessa forma, a medicina praticada é a mesma que existe em qualquer outro posto de saúde da região. Essa realidade não é coerente com a política de saúde indígena prevista na Constituição e já discutida em vários seminários e oficinas promovidas pela FUNASA e FUNAI. Portanto, notamos que ainda está por ser realizada a implementação de um modelo de saúde que leve em consideração os conhecimentos tradicionais e respeite as especificidades socioculturais kaingang. Os próprios profissionais de saúde não reconhecem a legitimidade dos conhecimentos dos kuiã que existem na aldeia. Essa visão etnocêntrica prejudica o serviço de atendimento à saúde, uma vez que há famílias que se utilizam tanto dos serviços ambulatoriais quanto dos kuiã, mas de forma velada, preferindo omitir os tratamentos dados por estes para não serem alvo de desaprovação. Sobre a questão das mudanças sociais e culturais ocorridas no sistema de saúde kaingang temos uma grande e importante contribuição de Maria Conceição de Oliveira que mostrou, através de pesquisa empírica, como os Kaingang da T.I. Xapecó-SC construíram um sistema de saúde no período pós-contato que se caracteriza por um pluralismo médico, onde representações tradicionais convivem com outras incorporadas na
148
situação de contato. Partindo de um conceito de cultura como um processo contínuo de construção e reconstrução, Oliveira mostra que os Kaingang da T.I. Xapecó buscam, Além dos tratamentos com remédios da farmácia e ainda aderem a diferentes seitas religiosas existentes na aldeia, muitas vezes procurando solucionar problemas de saúde. Tudo isso traz como implicação a existência de um verdadeiro “pluralismo médico” no Xapecó hoje. O trabalho ao mesmo tempo evidencia que há um constante recriar de práticas de cura, sendo que elementos fundamentais do passado se inscrevem, somando-se ao novo, de forma contínua.7 Oliveira mostra também que os Kaingang ainda se orientam por uma concepção própria de saúde e doença onde “ter saúde é sinônimo de ‘força’ (tar), e a perda da mesma traz como principal conseqüência a vulnerabilidade às doenças (vénh-kagta)8. A equipe de pesquisa de campo não pôde entrevistar os rezadores (kuiã) da T.I. Ivaí. Podemos afirmar, porém, que a presença de vários deles na aldeia significa que muitas famílias se utilizam de seus serviços. Nosso guia de campo nos falou de algumas plantas conhecidas pelo seu pai conforme já foi relatado e um de seus irmãos foi apontado como kuiã. Reproduzimos aqui a conclusão de Oliveira sobre a importância de considerar o sistema de saúde kaingang. Por último, gostaríamos de salientar que o fato de os curadores Kaingang possuírem um conhecimento, ainda bastante intacto, sobre os “remédios do mato” e seus usos, sobre dietas e outros modos de curar, não poderia jamais ser desconsiderado quando são pensadas ações de saúde da medicina institucional. O respeito ao seu conhecer milenar deveria ser o primeiro preceito a qualquer técnico que disponha a trabalhar com essas populações9. Outra contribuição importante é a pesquisa de José Ronaldo FASSHEBER realizada na T.I. Palmas - PR onde ele faz uma análise crítica sobre a política pública de assistência à saúde às famílias kaingang daquela área. Os resultados de sua pesquisa podem ser estendidos para todas as áreas indígenas do Estado. Fassheber afirma: (...) as organizações governamentais têm falhado ou sido inoperantes em sua missão, seja pela inadequação das políticas públicas para o setor de saúde indígena, seja pela má gestão dos recursos públicos disponíveis, seja pela falta destes e de pessoal, seja por um planejamento e uma atuação que desconsidera as especificidades, os saberes e os anseios de uma comunidade.10 Como conclusão, podemos afirmar que, se por um lado, entre os sistemas utilizados, a Biomedicina aparece como influente nas terapêuticas dos 7
OLIVEIRA, Maria Conceição de. Dinâmica do sistema cultural de saúde Kaingang – Aldeia Xapecó, Santa Catarina. In MOTA, L. T., NOELLI, F. & TOMMASINO, K. Uri e Waxi. Estudos interdisciplinares dos Kaingang. Londrina, Ed. da UEL. 2000. p. 329. 8 Idem, p. 330; grifos da autora. 9 OLIVEIRA, Maria Conceição de. Dinâmica do sistema cultural de saúde Kaingang – aldeia Xapecó, Santa Catarina. In: MOTA, L. T., NOELLI, F. & TOMMASINO, K. Uri e Wãxi. Estudos Interdisciplinares dos Kaingang. Londrina, EDUEL: 2000. p. 374. 10 FASSHEBER, José Ronaldo. Política pública em saúde indígena entre os Kaingang de Palmas/PR. Boletim do Museu Paraense Emilio Goeldi, série Antropologia., 15(2), 1999. p. 193.
149
casos de doenças, por outro, não é dominante para as percepções sobre saúde entre os Kaingang. Ou seja, apesar do contato intenso e embora a Biomedicina seja, hoje, um recurso bem utilizado, os Kaingang percebem as relações saúde/doença/corpo de forma específica e utilizam-se primordialmente dos saberes de sua gente nas tentativas de resolução dos problemas de saúde. Desta maneira, num contexto de pluralismo de sistemas de cuidados com a saúde, os atores Kaingang contam com mais recursos para negociar sobre o curso da doença. A utilização da medicina ocidental pelos Kaingang não implica necessariamente numa mudança de interpretação do processo de doença/cura. Nem mesmo eles esperam a implantação dos serviços públicos da saúde biomédicos para disporem de saberes e de especialistas terapêuticos aptos a resolver seus problemas de saúde. Contudo, não dispensam os atendimentos dos serviços públicos em saúde, principalmente nos casos graves de doenças ou acidentes que fujam às formas de controle por eles conhecidas. Esta tem sido a tônica entre os Kaingang, na busca de seus itinerários terapêuticos.11 Temos ainda, na discussão sobre política pública em saúde para os povos indígenas, a importante contribuição de Jean-Lagdon, a qual nos diz: (...) é importante que o treinamento dos profissionais que lidam com saúde indígena dedique tempo suficiente para que eles compreendam profundamente o conceito antropológico de relativismo e, também, o conceito de cultura. Devem estar familiarizados com a natureza do sistema indígena de saúde indígena e como as suas práticas fazem parte da sua cultura como um sistema simbólico, composto de valores, representações e significados inter-relacionados. É necessário apontar que os índios também têm desenvolvido conhecimentos e saberes sobre saúde, e, como no caso de nossa biomedicina, estes saberes compõem seu sistema de saúde, definindo o que é doença e saúde, o que causa doenças e o que as cura, e o que é cura. As respostas culturais para estes conceitos de saúde e doença são diferentes daquelas da biomedicina e resultam em noções, valores e expectativas diferentes e específicos segundo a etnia particular. O primeiro passo para realizar os princípios da legislação sobre saúde indígena é o reconhecimento que estas diferenças são legítimas e fazem parte de um sistema cultural de saúde. Não são superstições ou fragmentos de um pensamento menos evoluído12. Nosso diagnóstico evidenciou que na T.I. Ivaí, tal como verificado em outras áreas kaingang, o modelo de saúde ainda não é diferenciado e intercultural como propõe o Ministério da Saúde/FUNASA. Para que isso se torne uma realidade, seria necessário que todos os agentes de saúde envolvidos diretamente, conhecessem minimamente a realidade histórica e cultural de seus pacientes e, a partir daí, desenvolvessem um novo modelo que desse conta do pluralismo médico já demonstrado pelas pesquisas realizadas em áreas da etnia kaingang.
11
FASSHEBER, José Ronaldo. Idem, ibidem. p. 218-219. LANGDON, E. Jean. A tolerância e a política de saúde do índio no Brasil: são compatíveis os saberes biomédicos e os saberes indígenas? In GRUPIONI, L. D, B. et al. (Orgs.) Povos Indígenas e Tolerância. São Paulo: Edusp, 2001. pp. 157-165.
12
150
3.4
A EDUCAÇÃO NA T.I. IVAÍ
3.4.1
A educação escolar e a obrigatoriedade da escolarização na T.I. Ivaí A comunidade da T.I. Ivaí conta com duas escolas, uma denominada Escola
Rural Municipal Cacique Salvador Venhy, que atende do pré-escolar III até a 4a série do ensino fundamental e a outra, estadual, inaugurada em 2002, denominada Escola Estadual Cacique Gregório Kaekchot para atender de 5a a 8a séries. Neste ano foi implantada a 5ª. Série. O prédio onde atualmente funciona a Escola Rural Municipal Cacique Salvador Venhy foi inaugurado em 1994 e suas instalações físicas se compõem de: quatro salas de aulas; uma sala onde funciona a secretaria, a direção e a biblioteca; um refeitório; uma cozinha; dois banheiros. Na Escola Rural Municipal Salvador Venhy funciona: a pré-escola (com trinta e seis alunos); 1a série (com trinta e quatro alunos); três salas de 2a série (uma com dezenove, outras duas com vinte e dois alunos cada uma); duas turmas de 3a série (uma com vinte e três e outra com vinte e dois alunos); e três turmas de 4a série (com dezoito, vinte e três e vinte e dois alunos). (Quadro 1)
Quadro 1: Escola Rural Cacique Salvador Venhy Série Pré-escola
Número de alunos 36
Professores Márcia Peres Naki Sílvia Atanásio Marins (auxiliar)
1a. série
34
Malça Aparecida Dias Stadin Leôncio Nogrik Generoso (auxiliar)
2a. série
3a. Séire
4a. Série
Branco/Índio Branco Índio Branco Índio
turma 1 – 19
Terezinha Amélia Menk Dircksen
Branco
turma 2 – 22
Eloir Lourdes Rodrigues de Jesus
Branco
turma 3 – 22
Marilene Gil Rahal
Branco
turma 1 – 23
Rosemar Oderdenge Albino
Branco
turma 2 – 22
Edith Aparecida Ribeiro
Branco
turma 1 – 18
Vanderléia Cardoso Martins
Branco
turma 2 – 23
Lindalva de Oliveira
Branco
turma 3 – 22
Léia D. Oderdenge Albino
Branco
Lidia Below Borges (auxiliar)
Branco
151
O prédio onde funciona a Escola Estadual Cacique Gregório Kaekchot foi construído ao lado da escola que já existia e inaugurado no início do ano de 2002. Ele possui três salas de aula, sendo duas ocupadas por duas turmas de 5a série que juntas contam com sessenta e dois alunos. Não foram construídas instalações sanitárias, refeitório e cozinha, pois são utilizadas as mesmas da escola rural já existente. (Quadro 2)
Quadro 2: Escola Rural Cacique Gregório Kaekchot Série 5a. série
Número de alunos
Professores
Branco/Índio
Turma 1- 31
Márcia de Fátima Perazzolli
Branco
Turma 2- 31
Nilson Walecki da Silva
Branco
Fátima Aparecida Crivelaro
Branco
Giselda Maria Padilha
Branco
Mariza Comunello
Branco
Juscelino Furtado da Silva
Branco
Carla E. Homeniuk
Branco
Elizionete de Fátima Meurer
Branco
Luiz Tonelli
Branco
Professores não índios da rede estadual de ensino do Estado do Paraná.
Brancos
Classe de CEEBJA
40
Funciona também no prédio da escola uma turma de ensino para jovens e adultos, vinculada ao CEEBJA (Centro Estadual de Educação Básica para Jovens e Adultos) – Ivaiporã - Processo do Fundamental – Fase II - com quarenta alunos matriculados (Quadro 2). Há, ainda, oito alunos indígenas que estudam em outras escolas, fora da área, sendo dois alunos de 1a série, dois de educação especial, três de 6a série, um de 8a série (Quadro 3). Seguem os quadros das escolas existentes na TI Ivaí, conforme dados do Núcleo Regional de Ensino de Ivaiporã. Quadro 3: Alunos que estudam fora das escolas da T.I. Ivaí, cidade de Manoel Ribas
Nome da escola
Número de alunos
Série
Reni Correa Gamper
02
1a série
APAE
01
Educação especializada
Renato Siloto
01
Deficiência Auditiva
Nereu Ramos
04
6a série - 03 alunos 8a série – 01 alunos
152
Com relação ao material e equipamentos existentes atualmente nas escolas da área, há: um aparelho de televisão; uma antena parabólica e um videocassete, todos de uso freqüente. Há também um reduzido acervo bibliográfico composto, em sua maioria, por livros didáticos destinados ao ensino fundamental, principalmente de 1a a 4a séries e poucos de 5a a 8a séries; há ainda alguns livros de literatura infantil. Não há livros relacionados à história dos povos indígenas no Brasil e no Paraná. De acordo com os depoimentos dos professores que trabalham na escola, quando os alunos chegam na pré-escola e na primeira série eles não dominam o português. São falantes da língua kaingang e muitas são as dificuldades de aprendizagem e de comunicação entre alunos e professores, necessitando da presença de um intérprete, representado por um monitor indígena ou por uma mãe que fique nas salas de aula junto com os alunos e a professora. Com isso os professores ressentem-se dessa dificuldade de comunicação e consideram de fundamental importância um curso de língua kaingang para que eles possam atender melhor os alunos. Consideram importante, também, mais cursos de formação e/ou atualização nos quais possam estar aprendendo sobre a história dos povos indígenas, principalmente dos kaingang no Paraná. Os professores lamentam-se, também, por não terem feito nenhum curso e/ou estudo sobre o Referencial Curricular Nacional para as Escolas Indígenas – RCNEI – que prevê o ensino multicultural e bilíngüe.
3.4.2
A situação dos alunos que chegam à escola da T. I. Ivaí Na T. I. Ivaí há consenso entre as lideranças sobre a importância da
escolarização das crianças e jovens como forma de superação das atuais condições de vida. É ainda consenso que as novas gerações não podem viver apenas dos produtos das roças e do artesanato. A aspiração dos pais é que seus filhos possam ter uma formação profissional e passem a viver dos empregos que poderão conseguir. Apesar desse discurso das lideranças reafirmando a importância da formação escolar, há também uma certa descrença de que todos possam de fato conseguir viver de ganhos salariais. Há uma grande valorização dos cargos que alguns funcionários índios já ocupam como de agentes de saúde, monitores de língua kaingang, funcionário da Funai, motorista da comunidade etc. Nas entrevistas realizadas com algumas pessoas mais velhas, ficou evidente uma preocupação com a obrigatoriedade da escolarização das crianças e jovens e sua futura inserção no mercado de trabalho. A pergunta que fizeram foi se o governo, ao obrigar as gerações jovens a se escolarizarem, vai garantir emprego a todos eles. Essa preocupação tem sua fundamentação no seguinte fato: as crianças e jovens não podem mais acompanhar os pais para ajudá-los em suas roças. Com isso, não estão sendo treinados para continuarem a viver como seus pais. A escola teria então de preparar as gerações de jovens
153
e crianças para novas profissões, mas a obrigatoriedade restringe-se apenas ao ensino fundamental que na aldeia ainda é oferecida somente até a 5a série. A dúvida então tem fundamento na realidade concreta porque o ensino fundamental não é suficiente para garantir uma profissão e dentro das áreas indígenas não há mercado para todos e nas cidades terão de concorrer com os jovens brancos que são muitos e se encontram em melhores condições de competitividade. Agora com a nova escola, os alunos até o ano de 2005 terão a 8a série oferecida dentro da terra indígena, não necessitando mais se deslocar até a cidade para continuar seus estudos ou se evadirem da escola e interromperem o processo de escolarização de nível fundamental como vinha acontecendo. Segundo a diretora da Escola Rural Municipal Salvador Venhy, dos alunos que terminavam a 4a série na terra indígena, poucos continuavam seus estudos na cidade, principalmente pelas dificuldades relacionadas à língua e à adaptação à escola não-indígena. Essas dificuldades estão relacionadas ao modelo escolar brasileiro adotado inclusive para as escolas indígenas, cujos critérios para a condução e desenvolvimento do processo de ensino/aprendizagem, em termos de conteúdos, metodologias, materiais didáticos e avaliação são os mesmos da escola regular, reproduzindo a precariedade das condições materiais e político-pedagógicas, não havendo sinais de investimentos em recursos humanos e materiais. No Estado do Paraná não existe nenhuma política voltada para a formação dos professores brancos sobre as especificidades da cultura indígena e para o resgate do conhecimento tradicional dos Kaingang, não existe, também, nenhuma pesquisa sobre o processo cognitivo das diferentes etnias indígenas. Isso dificulta o processo de aquisição de conhecimentos e de escolarização dos alunos kaingang que, quando saem da escola indígena e vão para as escolas regulares das cidades, ou os que vão para o ensino superior – que é o caso de poucos - não conseguem inserir-se e/ou “adaptar-se” ao processo, por isso desistem, ou ainda, quando terminam os cursos isso, ocorre num tempo muito maior do que o previsto. Desde o início da década de 1990, Kimiye Tommasino1 vem realizando estudos nos quais mostra a situação vivenciada nas escolas existentes nas áreas indígenas no Paraná com relação à educação escolar indígena e seu funcionamento. Discutindo sobre a situação das escolas indígenas no Paraná, Tommasino nos mostra que os dilemas enfrentados pelos alunos dessas escolas indígenas praticamente
1
TOMMASINO, K. “A educação indígena no Paraná: suas limitações e possibilidades.” Cadernos CEDES, n° 32. Campinas. Papirus/CEDES, 1993; “Diretrizes para a política de educação escolar indígena no Paraná: algumas considerações º preliminares.” In D’ANGELIS, W. e VEIGA, J. Leitura e escrita em escolas indígenas. Encontro de educação indígena no 10 COLE/1995. ALB:Mercado de Letras. Campinas, 1997; “A educação indígena no Paraná”. Texto apresentado no 22º. Encontro da ABA, Brasília DF, 2000. Ver ainda os estudos de R. C. FAUSTINO
154
são os mesmos ao longo dos quinhentos anos de contato2, ou seja, trata-se do mesmo processo civilizatório de educação empreendido pelas chamadas civilizações brancas, pois: vários dos problemas enfrentados hoje já se encontravam nas escolas dos missionários do século XVII (fundadas pelos jesuítas) e nas criadas pelo Serviço de Proteção ao Índio (SPI) nas primeiras décadas do século XX, no qual os religiosos para catequizar os índios utilizavam-se, entre outras coisas, de músicas para facilitar a comunicação, o entrosamento e o interesse dos alunos. A educação formal para os índios foi implantada pelos jesuítas há 400 anos nesta região que hoje denominamos Estado do Paraná. Ao longo desses quatro séculos, o Estado e a Igreja (católica) trabalharam, em consenso, para “civilizar” os povos indígenas. No caso, “civilizar” e “catequizar” podem ser tomados como tendo o mesmo sentido: transformar o “índio” em “civilizado”, isto é, com uma cultura européia e cristã. A escola passa a ter o papel de mediar essa passagem do índio, de um estado (de civilização) a outro. Mas o que estava em questão, para o Estado, era a passagem do índio à condição de trabalhador nacional. No século XX, a educação escolar para os índios passa a ser exercida não mais pelos missionários, mas por professores leigos. O objetivo continuou a ser a integração dos povos indígenas à sociedade nacional e sua inserção como “trabalhador nacional”. A criação de reservas indígenas pelo SPI tinha dois objetivos explícitos: de um lado, confinar os índios em espaços físicos restritos e controlados e liberar terras para colonização; de outro, integrar os índios à sociedade nacional, através de projetos de agricultura e de educação formal, ministrada por leigos nas escolas das reservas. Mais recentemente, o Summer Institute of Linguistics-SIL, com sede nos Estados Unidos, passou a desenvolver projetos de educação formal em áreas indígenas em vários países. Como o objetivo dessas missões religiosas era converter os índios, a formação dos monitores indígenas confundia-se com o processo de conversão religiosa, reforçando o caráter civilizador. No sul do Brasil, em 1970 foi fundada a Escola Clara Camarão, no Posto Guarita em Tenente Portela-RS, num grande convênio da FUNAI com a Igreja Evangélica de Confissão Luterana e o Summer Institute of Linguistics para formação de monitores e técnicos agrícolas das áreas indígenas. A parte pedagógica ficou a cargo do SIL, que atuou e ainda atua em várias áreas indígenas no Brasil. Silva e Azevedo (95:151) resumem a atuação do SIL da maneira que segue: Com a chegada do Summer Insititute of Linguistics ao Brasil em 1956, o quadro se transformou apenas em seus aspectos mais superficiais e visíveis. Caracterizado pelo emprego de metodologias e técnicas distintas das que se desenvolviam até então, o “novo” projeto não escondia, como todos os seus predecessores, os mesmos objetivos civilizatórios finais. (...), o modelo de educação indígena desenvolvido pelo S.I.L. fez muitos aliados e arautos nas universidades brasileiras. Os objetivos do S.I.L.,( ...), nunca foram diferentes dos de qualquer missão tradicional: a conversão dos gentios e a salvação de suas almas. (...) Neste quadro as línguas indígenas passaram a representar meios de “educação” desses povos a partir de valores e conceitos “civilizados”. A Escola Clara Camarão, ao preparar e formar os professores indígenas e, ao mesmo tempo, convertê-los em cristãos, acabou por produzir um “personagem essencialmente problemático e ambíguo”: um professor
2
TOMMASINO, K. A educação indígena no Paraná”. Texto apresentado no 22º. Encontro da ABA, Brasília DF, 2000.
155
indígena “domesticado” e “subalterno” (Silva & Azevedo, 95:151). Esse modelo vigora até os dias atuais e o SIL tem procurado atualizar seu papel civilizador e manter a subalternidade dos professores indígenas em encontros anuais, quase sempre patrocinados pela FUNAI e pelas secretarias de Estado. A rede de influências já consolidada pelas forças tradicionais da FUNAI, do SIL e de segmentos das universidades, não tem permitido a implantação da educação indígena proposta pelo MEC, isto é, aquela realmente fundada na realidade dos povos indígenas e nas suas reais necessidades. No entanto, há projetos em várias regiões do Brasil que vêm tendo sucesso nesse sentido. No Paraná, a consolidação do modelo implantado pela Escola Clara Camarão continua vigorando. Mesmo com a atuação, por quase dez anos, do NEI - Núcleo de Educação Indígena - da Secretaria Estadual da Educação do Paraná, os recursos aplicados em dezenas de cursos não resultaram em mudanças qualitativas. Houve de lá para cá a desativação do NEI-PR e o quase abandono das escolas. A municipalização das escolas das áreas indígenas se faz com todas as precariedades: falta de recursos e falta de pessoal que realmente entenda da problemática indígena3. Essa situação descrita acima ainda se evidencia nas escolas da T.I. Ivaí e pode ser percebida nas entrevistas realizadas com professores que lá atuam, com as lideranças indígenas e com funcionários da FUNAI. Nessas entrevistas fica explícito que continua havendo uma barreira cultural entre professores e alunos, a qual pode ser pensada como expressiva da incomunicabilidade entre duas sociedades diferentes. Não há diálogo cultural, não há troca de conhecimentos4 e, só muito recentemente tem sido demonstrado, da parte dos professores brancos, interesse em conhecer a cultura da sociedade à qual pertencem seus alunos. Os professores indígenas atuam apenas como monitores e como elos frágeis dessa relação que se estabelece na escola. Quando
questionados
sobre
o
RCNEI,
os
professores
não-índios
responderam que não foi oferecido nenhum curso de capacitação para conhecer e estudar a proposta do MEC para as escolas indígenas. E ainda afirmaram que não se sentem preparados para um ensino bilíngüe e intercultural, pois para isso necessitam, entre outros, de: cursos que tratem de questões teóricas e metodológicas para cada área do conhecimento; curso de língua kaingang para que possam aprender a língua e melhor se comunicar com seus alunos indígenas; cursos de história do Brasil, do Paraná e dos povos indígenas no Brasil e no Paraná para que de fato possam compreender a história e a realidade dos alunos indígenas com os quais trabalham. Ressentem-se também da inexistência de material didático específico e têm consciência do quanto isso dificulta o trabalho pedagógico a ser realizado, pois o material didático existente omite a história e a presença indígena.
3 4
TOMMASINO, K., A educação indígena no Paraná”. Texto apresentado na XXX Encontro da ABA, Brasília DF, 2000. TOMMASINO, K. A educação indígena no Paraná”. Texto apresentado na XXX Encontro da ABA, Brasília DF, 2000. p. 6.
156
Esses apontamentos demonstram a necessidade que os professores estão sentindo em compreender as especificidades socioculturais e históricas das sociedades com as quais estão lidando. A constatação fez ver que não só os professores desconhecem a verdadeira história regional como também nada sabem sobre a cultura dos grupos étnicos com os quais trabalham 5. Nas entrevistas as lideranças apontaram a importância do trabalho que a escola pode fazer para auxiliar na recuperação do conhecimento tradicional dos Kaingang. A juventude não conhece a história, os costumes e as tradições dos antigos6 e as lideranças acreditam que um caminho possível para essa recuperação da história tradicional seja através da escola e dos conteúdos que nela se ensina. Isso desde que estes estejam minimamente em consonância com o preconizado pelas diretrizes nacionais para as escolas indígenas, o qual prevê um ensino bilíngüe e intercultural e determina que os professores que lá atuam, estejam preparados para realizar o trabalho. Tal requisito implica um investimento sério e duradouro com vistas à formação e capacitação para o tratamento e entendimento da história e da realidade de uma comunidade específica de índios kaingang. Encerramos este item com o seguinte depoimento do cacique: Aqui nossos filhos estão estudando. Eu quero que estudem. Eu não estudei, (...) morreu tudo, meu pai, minha mãe, e eu não estudei. E eu hoje estou vendo, o estudo é em primeiro lugar. Mas muita coisa está mudando, muito, nós estamos conseguindo sim, e eu não quero esquecer nossos costumes. Por isso eu estou pensando, será que nós vamos fazer essa dança do índio? Vamos estudar, hoje eu estou vendo tudo isso, nós queremos deixar [manter] o costume do índio aqui dentro.”
5 6
TOMMASINO, K. A educação indígena no Paraná”. Texto apresentado na XXX Encontro da ABA, Brasília DF, 2000. p.:3. Fala do vice-cacique Marcílio Glicério.
157
Aspecto da Escola Salvador Venhy na T. I. Ivaí. Foto: Fabiana V. da Rocha, julho 2002
Crianças kaingang em frente à escola num intervalo de aula. Foto: Fabiana V da Rocha, setembro 2002
158
3.5
3.5.1
A QUESTÃO DA TERRA
O consenso sobre a insuficiência da terra
As lideranças ouvidas pela equipe foram enfáticas em afirmar que a terra da comunidade é insuficiente para abrigar as 287 famílias que lá vivem. Levando-se em consideração que em 1949, quando foi definido o tamanho da área, eram 67 famílias, num total de 335 pessoas, a mesma terra comporta 1.085 pessoas, é óbvio que as lideranças estão cobertas de razão. Com a devastação das florestas e a degradação do solo, a situação atual da terra é a maior preocupação da comunidade. A cada ano novas terras para cultivo são abertas e mais áreas de matas são sacrificadas sem que os resultados sejam suficientes para atender todas as necessidades das famílias. É o que mostram os depoimentos a seguir: É muito pouca. Nós temos oitocentas crianças agora, tudo pequenas. Se elas crescem, logo vai pegar ferramentas, vai roçar tudo. Por isso que nós estamos usando trator (...) nesse canto aqui para preservar nossas matas. Não pode derrubar. Devagar nós estamos fazendo comida pras crianças. Só nós pegamos em algum momento, outro vai e roça tudo. (Cacique Cabral) Sete mil e trezentos hectares. Como se vê hoje, não é suficiente [a terra], na população nós temos mil duzentos e cinqüenta índios. E aí quando a gente vê, hoje não é suficiente porque amanhã ou depois, nossos filhos vão ter dificuldade (...) não é suficiente prá eles. (Vice-Cacique Marcilio) Várias comunidades kaingang nos Estados do Rio Grande do Sul e Santa Catarina conseguiram recuperar parte das terras expropriadas no passado pelo Estado. É o caso das terras de Nonoai - RS, Irai - RS, Chimbangue - SC, Imbu - SC e outras. No Paraná está em andamento a recuperação das terras kaingang de Passo Liso (município de Laranjeiras do Sul) e Palmas (município de Palmas) e a Terra Xetá (municípios de Umuarama e Ivaté). A recuperação de terras indígenas segue um longo processo até que possa ser efetivado, pois inicia-se com a formação de um grupo técnico para a elaboração de laudo antropológico, ambiental e fundiário para que seja depois transformado em processo jurídico. Durante todo o tempo dos estudos técnicos é recorrente o surgimento de conflito aberto da sociedade local e todos os políticos contra as intenções das comunidades indígenas, a FUNAI e o Ministério Público Federal. Esses conflitos são responsáveis pelo alongamento do processo que pode durar vários anos até a conclusão e publicação do resultado no Diário Oficial.
159
A recomendação, possível nos limites deste trabalho, é que se constitua na FUNAI, em parceria com o Estado, um grupo técnico que realize estudo específico sobre a questão da terra em todas as comunidades indígenas para que possam discutir a viabilidade de ampliação daquelas consideradas insuficientes. As mudanças na Constituição Federal garantem aos índios direito às suas terras tradicionais e pode ser o argumento principal para a constituição desse grupo técnico. Os mapas confeccionados pela equipe técnica da UEM mostram o tamanho original das terras que tinham sido delimitadas pelos decretos de 1901, 1913, 1924 e 1949 podem ser utilizados como referências. Em 1949, quando a área do Ivaí foi reduzida de 36.000 ha. para 7.306 ha. calculou-se que havia 67 famílias com um total de 335 pessoas1. Atualmente a mesma área comporta 287 famílias num total de 1.085 pessoas. Convém registrar que na T.I. Ivaí, tal como nas outras áreas kaingang, o índice de natalidade é bastante alto e está acima da média nacional. Se fosse recalculado o tamanho da área pela população atual usando o cálculo do módulo mínimo do antigo INCRA, a Terra Indígena Ivaí deveria ter 25.500 hectares. Se for seguido o que reza a Constituição (artigo 231), seria muito maior, pois o alto e médio Ivaí era hábitat dos Kaingang no século XIX, conforme vimos no capítulo 1 deste diagnóstico.
3.5.2 Pessoas de fora da comunidade que trabalham/circulam pela T. I. Ivaí A comunidade kaingang do Ivaí convive desde o início do século XX com segmentos da sociedade nacional. Ao longo de sua história recente, os Kaingang vivenciaram a chegada dos funcionários do governo, dos missionários, dos professores, dos agentes das mais variadas instituições. Atualmente há dois funcionários permanentes na aldeia que moram de segunda a sexta-feira na aldeia e nos finais de semana retornam para suas casas, nas cidades. A FUNASA possui duas funcionárias que moram na aldeia. Os funcionários da Prefeitura de Manoel Ribas, da EMATER e o padre e a irmã da Pastoral Indígena não moram na aldeia, mas fazem visitas periódicas, conforme as agendas de cada instituição. Muitas escolas da região costumam fazer visitas à aldeia e a média é de uma excursão por mês, mas em abril pode chegar vários ônibus com alunos. A aldeia também recebe entregadores de compras uma vez ao mês quando os aposentados recebem e compram nos supermercados e em lojas da cidade.
1
O cálculo foi realizado a partir do critério utilizado pelo Estado para definir o tamanho das áreas indígenas no Paraná em 1949 quando foi feito o acordo que expropriou as terras dos índios. Foi usado o módulo mínimo do INCRA – 100 ha. para cada família de 5 pessoas mais 500 ha. para a implantação da estrutura indigenista (escola, enfermaria, escritório, casa do chefe de posto).
160
A presença e permanência de não-índios na comunidade é um dado da realidade e não causa estranheza aos índios porque, desde que passaram a ter chefes de posto e funcionários do indigenismo, os contatos com as famílias do entorno também é um fato já incorporado na história kaingang e hoje costumam receber times de futebol dos distritos e das cidades para disputas e também para participarem dos bailes.
3.5.3
Os invasores: pessoas não autorizadas que entram na T. I. Ivaí para caçar, pescar, coletar frutas, palmitos e retirar lenha A comunidade da T. I. Ivaí ainda recebe invasores clandestinos que são os
caçadores, pescadores e os sem-terra que estão acampados no limite sul da área. São brancos que entram na área sem autorização e de forma clandestina, principalmente nos fins-de-semana. Os índios só ficam sabendo de suas presenças pelos vestígios que deixam como arapucas, lixo ou sinais de fogo. Como muitos animais já estão em risco de extinção, as lideranças consideram bastante preocupantes essas invasões porque estão sendo roubados e não sabem dimensionar quanto os invasores estão extraindo de suas riquezas. Mas sabem que os brancos estão mais bem equipados que eles, com espingardas e redes de pesca que os índios não têm. Por outro lado, os sem-terra, acampados na divisa sul de suas terras, constituem um possível perigo, pois podem estar retirando madeira e lenhas para uso doméstico sem o conhecimento da comunidade. As lideranças discutem a necessidade de se fazer uma fiscalização ostensiva para coibir a presença de intrusos em suas terras e para isso necessitariam de pessoal treinado e viaturas para esse fim. (Ver Mapa de vulnerabilidades)
3.6
CONCLUSÕES O presente diagnóstico mostrou que o território kaingang na bacia do Ivaí se
expandiu no século XIX sobre terras que eram ocupadas por outras etnias. No século XX esse território, foi sofrendo retração com a chegada dos brancos que lhes subtraíram porções significativas em 1901, 1913, 1923 e 1949. A maioria dos problemas enfrentados pelos índios hoje está direta e indiretamente ligada à expropriação territorial. No item sobre a questão da terra foi mostrado que em 1949, quando foi calculada a área de 7.200 hectares (hoje, oficialmente, 7.306 ha.) a comunidade contava com 67 famílias (335 pessoas) e hoje ela possui 287 famílias num total de mais de 1.085 pessoas. Essa situação já se encontra no limite da insustentabilidade tanto do ponto de vista social quanto ambiental.
161
A análise da realidade cultural e socioeconômica mostrou que a sobrevivência das famílias da T. I. Ivaí depende totalmente das políticas públicas dos governos federal (FUNAI, FUNASA), estadual (Assessoria Indígena, Projeto Paraná 12 meses, EMATER) e municipais (Prefeituras de Manoel Ribas e Pitanga). A política da FUNAI que concentra todas as famílias numa só aldeia teve como objetivos o acesso aos equipamentos sociais como escola, ambulatório, escritório da instituição tutelar, às casas de alvenaria, à água tratada e encanada, à eletricidade e outras benesses da modernidade. No entanto, essa política trouxe várias conseqüências negativas tais como: a degradação do meio ambiente, a produção de lixo, à concentração de animais como galinhas e porcos que convivem soltos na aldeia gerando doenças, ao aumento dos conflitos entre famílias. A concentração das casas e das famílias numa só aldeia fere em tudo o sistema indígena de assentamento que sempre foi de se distribuir no território em pequenos grupos que formam as famílias extensas (grupos de ajutório) que constituem unidades domésticas de produção, distribuição e consumo. A concentração das famílias também trouxe outra grave conseqüência social: distanciou as famílias das roças familiares de coivara onde as crianças aprendiam os etnoconhecimentos para a vida adulta. A obrigatoriedade da escolarização também distanciou as crianças de outras atividades, como a caça, a pesca e a coleta, que também se constituíam espaços de socialização. Produziu-se uma ruptura geracional na comunidade e a população mais jovem já não detém os conhecimentos dos “antigos” ou os detém de forma fragmentada e fora do contexto social, ritual e simbólico. Concomitante ao processo de ruptura na socialização cultural indígena, o meio ambiente vem sendo devastado, degradado e dessacralizado. O solo está desgastado, os rios poluídos e contaminados. Com o aumento da população e a concentração numa única aldeia, todos esses processos de degradação ambiental e social ganharam em intensidade nas últimas duas décadas. A análise da economia indígena mostrou que no passado (até da década de 1950) os Kaingang do Ivaí viviam uma vida de abundância, quando ainda viviam dos recursos de suas florestas, campos e rios. Com a perda das terras e a degradação ambiental, a economia tradicional foi sendo substituída pela política de “desenvolvimento comunitário” implantada pelo SPI e FUNAI, sucessivamente. Cada vez mais dependentes das políticas públicas, vivem hoje precariamente das roças comunitárias, roças familiares e da venda do artesanato. A maior parte da população – 92% - não tem renda fixa e apenas 7% da população recebe aposentadoria e 1% é assalariada. De sociedade de abundância passaram à sociedade da escassez e a fome é uma realidade concreta que atinge várias famílias.
162
O quadro de desagregação da economia indígena, a dependência crescente ao sistema nacional e as várias formas de violência experienciadas pelos índios trouxeram como conseqüência o incremento do alcoolismo e dos conflitos internos entre grupos e intrafamília. A venda do artesanato tem levado os homens a viajarem para cidades da região, os quais, muitas vezes, alcoolizados, têm sido vitimados por atropelamentos, deixando filhos órfãos e viúvas na aldeia. O diagnóstico mostrou a importância das festas como rituais de integração social intragrupo e entre grupos, indígenas e regionais. Atualmente os Kaingang da T.I. Ivaí fazem bailes e jogos de futebol com freqüência e participam de festas católicas que congregam a população indígena e os brancos católicos do distrito de Bela Vista. Esses dados mostram que as festas continuam sendo central na elaboração cultural kaingang. Na questão da saúde vimos que a comunidade kaingang conta com assistência médica e odontológica permanente, conta com ambulatório bem equipado, transporte para os doentes e remédios. No entanto, o sistema implantado na T.I. Ivaí é o biomédico e não segue as orientações do Ministério da Saúde/FUNASA de integrar o sistema indígena que se caracteriza como plurimédico. Os saberes e tratamentos dos kuiã (curadores kaingang) e as suas concepções de corpo/saúde/doença/cura não são levados em consideração. A questão da educação foi outro ponto importante do diagnóstico que mostrou ser a educação formal oferecida nas escolas da T.I. Ivaí em tudo idêntica a das escolas rurais municipais. A educação formal oferecida às crianças e jovem tem caráter civilizatório e tem reforçado a perda e esquecimento da história indígena e seu universo cultural tradicional. Todos os professores são não-índios, e não foram capacitados para conhecerem a história e a cultura de seus educandos, e tem dificuldades de aplicarem o Referencial Curricular Nacional para as Escolas Indígenas do MEC que orienta os professores quanto à implantação do ensino bilíngüe e intercultural. Dezenas de cursos de capacitação dos professores foram oferecidos pelo Estado, universidades e ONGs para lecionarem nas escolas indígenas do Estado mas as secretarias municipais de educação não liberam os professores. Detectou-se que há grande interesse por parte dos professores os quais porém esbarram com problemas como falta de material didático específico sobre história e cultura indígenas, desconhecimento da língua de seus alunos e falta de mapas e equipamentos básicos. Como podemos perceber, os problemas apontados pelo diagnóstico são bastante complexos e envolvem questões de várias naturezas que se foram constituindo ao longo da história recente. Solucioná-los, total ou parcialmente, implica a participação de todos os órgãos direta e indiretamente responsáveis pelas políticas indigenista que atuam
163
na área. No âmbito deste projeto podem ser indicados alguns programas ambientais de curto e médio prazo e outros podem ser apenas apresentados como recomendações por fugirem da alçada do Fundo Nacional do Meio Ambiente/MMA.
164
CENSO ATUALIZADO DA POPULAÇÃO DA TERRA INDÍGENA IVAÍ ORGANIZADO POR FAMÍLIAS2
2 Fontes: Censo da FUNASA de 1999 e Censo da Funai de 2000. Nomes Kaingang coletados em pesquisa de campo realizado em 2002. As datas de nascimento que não coincidem aparecem os dois registros, sendo que, o referente ao Censo da Funai aparece entre parênteses. Organizado por famílias com destaque para o nome do chefe da família
165
Censo Atualizado da População da Terra Indígena Ivaí Organizado por Famílias N.º
Nome Português
Data de Nascimento
01
Abílio Mugsãnh Machado
30/06/1939
02
Maria de Jesus Machado
13/06/1936
03
Júlia Machado
21/04/1983
04
Zico Machado
10/09/1987
05
João Mauro Machado
08/08/1997
06
Adão Caetano
20/12/1977
07
Conceição Pantu
00/00/1978
08
Elizabeth Pantu
01/04/1994
09
Celina Caetano
15/03/1996
10
Adão Leopoldo
15/01/1976
11
Maria Conceição Batista
31/01/1975
12
Davi Felipe
06/12/1992
13
Júlio Felipe
27/02/1995
14
Raquel B. Leopoldo
21/09/1997
15
Adão Jãkuru Pereira
26/08/1971
16
Tereza Lucas Pereira
05/07/1973
17
Luciana Pereira
26/09/1988
18
Romildo Pereira
24/04/1992
19
Luciano Pereira
19/10/1994
20
Doraliço Pereira
18/02/1997
21
Jorgino Pereira
08/09/1999
22
Albano Fákrig de Abreu
20/04/1960
23
Carolina Vygmu de Abreu
20/06/1955
24
Nelson de Abreu
01/08/1980
25
Amilton Kókóg de Abreu
25/10/1984
26
Sulina de Abreu
02/08/1987
27
Carlos de Abreu
27/01/1995
28
Irondi de Abreu
12/03/1990
29
Lauro de Abreu
28/08/1992
30
Alberto Vásãnh da Silva
31
Angelina da Silva
01/01/1968
32
Sinei Tánh da Silva
15/04/1985
33
Sinelia Silva
28/02/1986
34
Floriza da Silva
09/09/1989
35
André da Silva
21/09/1991
/10/1959 (25/10/1975)
166
36
Adivina Kósãnh da Silva
00/01/1992
37
Márcia da Silva
11/02/1997
38
Marta da Silva
15/11/1999
39
Albino Kóg Téjé Borges
/ /1953 (17/08/1950)
40
Santa Bandeira
/ /1960 (15/01/1949)
41
Afonso Póvéjé Luiz de Abreu
/ /1950
42
Emília Grigsó Luiz de Abreu
/ /1954
43
Delico Luiz de Abreu
26/01/1979
44
Justina Kágte Luiz de Abreu
09/02/1982
45
José Egtótója Luiz de Abreu
05/04/1984
46
Emiliana Játe Luiz de Abreu
22/11/1987
47
João Maria Tãjug Luiz de Abreu
24/03/1990
48
Juliana Nevagte Luiz de Abreu
19/01/1993
49
Ângelo Sugtánh Luiz de Abreu
17/02/1995
50
Alcides Alípio Machado
51
Iracema Borges Machado
19/12/1959
52
Sebastião Alípio Machado
06/07/1981
53
Julindo Machado
17/06/1983
54
Aranildo Machado
04/01/1993
55
Rosenilda Machado
12/11/1999
56
Amélia Mugre Tiburcio Marcelino
03/09/1967
57
Maria Prág Joana Marcelino
27/10/1984
58
Jacinto Marcelino
20/07/1988
59
Sebastião Marcelino
14/11/1992
60
Antonio Gavej Alípio Gavaia
/ /1965
61
Aparecida Vernk
/ /1969
62
Sergio Tibúrcio
08/07/1986
63
Pedro Alípio Gavaia
19/06/1988
64
Dulcinéia Panãe Alípio Gavaia
16/08/1992
65
Alceu Alípio Gavaia
02/03/1995
66
Augusto Nunes dos Santos
12/12/1957
67
Antonio Aparício
68
Maria Aparecida Aparício
69
Antonio Nevaja Brum
70
Margarida Tánh Pinheiro
71
Alcindo Vãgkóg Brum
07/04/1994
72
Adinaldo Tãnhakág Brum
24/09/1997
16/04/1959 (16/04/1949)
/ /1933 (17/09/1939) / /1957 06/06/1978 / /1978
167
73
Antonio Tuja Juvenal
15/08/1927
74
Maria Carmem Juvenal
01/08/1922
75
Pedro Medagi
08/08/1975
76
Lenir de Jesus Luiz
/ /1966
77
Cleusa Luiz Juvenal
07/07/1981
78
Ana Lucia Luiz
27/11/1982
79
Jovair de Jesus Juvenal
02/05/1987
80
Antonio Kafãnh
06/10/1950
81
Maria Francisca Garimprág Crispim
82
Casturina Garimprág Kafãnh
20/07/1986
83
Antonio Vãgvaja Moraes
18/09/1973
84
Lúcia Garigmu Orides Zacarias
20/08/1977
85
Aldair Muraj Zacarías Moraes
10/08/1996
86
Alexandre Mukag Moraes
19/07/1998
87
Antonio Kumprág Kambe
20/04/1958
88
Aparecida Forygtãnh Viturino Kambe
23/10/1967
89
Rosana Rãnhgre Kambe
17/02/1989
90
Joana Kambe
11/04/1993
91
Alceu Kugsãnh Kambe
23/01/1994
92
Zael Vágjeg Vitorino
15/03/1995
93
Antonio Kãrygtánh Kambe Crispim
30/01/1966
94
Tereza Gajegvaja Crispim
20/07/1965
95
Neno Fórigso Crispim Kafanh Kambe
16/11/1983
96
Rosiane Pajegmu Crispim
28/10/1984
97
Albanisa Gavygso Crispim
31/10/1987
98
Roseni Muvygtãnh Kambe Crispim
01/10/1991
99
Rozeli Muvag Crispim
20/10/1997
100
Antonio Góge Leopoldo
10/09/1921
101
Maria Madalena Niyg
26/08/1933
102
Antonio Pinheiro
23/01/1977
103
Idalina korimba
16/07/1979
104
Levino Pinheiro
08/08/1997
105
Antonio Rodrigues
02/09/1965
106
Maria Casturina Garimprág Rodrigues
18/03/1960
107
Margarida Gakójó Rodrigues
25/01/1984
108
Alcindo Rodrigues
03/10/1987
109
Aparecida Rodrigues
19/01/1997
/ /1954
168
110
Lucinéia Rodrigues
17/09/1998
111
Antonio Gaón Tavares
/ /1970
112
Laurita Krevygmu Brum
/ /1976
113
Adimarene Gavaj Tavares
12/03/1993
114
Adimar Kóváj Brum
27/11/1996
115
Antonio Trajano
23/03/1950
116
Maria Clarinda
/ /1951
117
Ângelo Borges
13/03/1980
118
Regina Gagre Jorge
30/12/1980
119
Sangelo Jorge Borges
11/12/1997
120
Arcebiades Bandeira
/ /1951
121
Dorvalina Bandeira
/ /1960
122
Arcelino Ferreira
19/12/1972
123
Florinda Alípio
01/11/1974
124
João Ismae Kógmu l Ferreira
26/10/1989
125
Zenilda Ferreira
26/01/1992
126
Sebastiana Nevag Ferreira
20/01/1995
127
Florêncio Ferreira
17/07/1998
128
Argemiro Rãgtánh Glicério
12/06/1936
129
Cecília Mateus Nivégso Glicério
/ /1947
130
Jussara Vãgprág Glicério
/ /1963
131
Mário Kagnãg Glicério
/ /1983
132
Romancil Féjékóg Glicério
30/10/1985
133
Natália Glicério
22/12/1981
134
Mirosmar Pejmy Glicério
11/05/1997
135
Arlindo Felipe
20/01/1980
136
Maria Conceição Leopoldo
24/01/1982
137
Alexandre Felipe
19/05/1998
138
Arlindo Kambe
139
Juraci Frorigtánh Kublite
07/11/1969
140
Ernestina Grãnoro Kublite
23/08/1931
141
Adriana Kagtánh Kambe
17/05/1986
142
Joel Norygvajá Kambe
04/08/1988
143
Bruno Kugmri Kambe
23/01/1997
144
Augusto Vágjeg Brum
20/07/1950
145
Ana Anézia Jãnhmu Brum
20/01/1941
146
Lucindo Brum
/ /1967
/ /1980
169
147
Mazico Pirãmy Brum
/ /1982
148
Edith Krékrig Brum
02/10/1986
149
Surita Gasãnh Brum
02/01/1984
150
Joanísio Mégja Brum
02/01/1989
151
Natalício Kãmukág Brum
24/12/1993
152
Augusto Kóg Kafanh
03/08/1979
153
Rosana Tereza Muégsãnh Atanásio
12/02/1981
154
Junia Kafanh
09/01/1997
155
Jéferson Kafanh
22/09/1998
156
Aurélio Trajano
25/09/1971
157
Ataíde Egkóró Euvaristo
08/04/1981
158
Maria Trindade Euvaristo
14/04/1983
159
Santíssima Euvaristo
21/05/1987
160
Angelice Ningre Euvaristo
21/05/1999
161
Balbiana Kajã Luiz
162
Juviliano Luiz
02/03/1985
163
Euclides Luiz
05/04/1987
165
Bernardo Kág Gregório
06/03/1958
166
Tereza Kanekuãnh Gregório
167
Maria Gregório
20/09/1980
168
Sebastiana Gregório
04/02/1982
169
Carolina Sãnh Gregório
07/09/1984
170
Carolina M. dos Santos
05/04/1967
171
Cícero dos Santos
09/07/1985
172
Adelir do Santos
02/02/1988
173
Cidália Korimba
23/12/1983
174
Jair Korimba
29/07/1997
175
Clarindo Gatu da Silva
176
Aparecida Bento
05/06/1975
177
Natalício da Silva
23/12/1997
178
Cláudio Kãgin Brum
05/08/1978
179
Lucinda Gavygkre Alípio
05/05/1989
180
Joenilson Mygso Brum
18/05/1993
181
Anilson Kunyg Brum
05/07/1997
182
Cristiano Gavaia
01/06/1972
183
Ana Josefa dos Santos
184
Jurel Gavaia
30/08/1960 (15/12/1958)
/ /1948
/ /1979 (03/06/1978)
/ /1971 10/01/1992
170
185
Diraci Machado
13/06/1983
186
Direne M. Felipe
05/08/1996
187
Jhoni Menkoreng
19/01/1999
188
Dirceu Pereira
25/04/1981
189
Rosalina Ferreira
01/06/1981
190
Geovani Pereira
01/08/1997
191
Dirço Novakág Oliveira
12/08/1977
192
Lúcia Correia
08/11/1980
193
Clarice Oliveira
18/10/1997
194
Domingos Katosón Zacarias
08/09/1978 (08/09/1979)
195
Regina Rémprág Ninvaia
22/10/1979 (22/10/1978)
196
Dulce Garig Ninvaia Zacarias
28/02/1996
197
Adenilson Gotãnh Zacarias
17/03/1999
198
Dorli Pereira
199
Iraci Vernek
200
Daniele Vernek
28/01/1990
201
Rosilei Vernek
03/03/1992
202
Rosangela Vernek
15/05/1994
203
Dorli Pereira
15/07/1974
204
Tereza Maria Kórinte Jorge
205
Claudinei Pereira
05/06/1954
206
Claudinéia Pereira
03/06/1997
207
Nilson Jorge
208
Dorival Alves Padilha
15/01/1936
209
Sebastiana Pereira
20/01/1959
210
Dirce Padilha
12/05/1981
211
Vilson Alves Padilha
07/08/1982
212
Simone Alves Padilha
19/09/1988
213
Valdecir Alves Padilha
17/03/1991
214
Carlos Eduardo A. Padilha
16/03/1994
215
Wilson Alves Padilha
26/01/1985
216
Ivone Alves Padilha
07/04/2000
217
Emília Leopoldo
05/11/1966
218
Gilberto Bandeira
19/12/1988
219
Luciano Bandeira
15/01/1991
220
Terezinha Bandeira
08/01/1995
221
Emílio Jorge
/ /1972
25/03/1958 (10/01/1959)
/ /1972 (09/10/1975)
171
222
Júlia Vitoriano
03/07/1977
223
Zael Vitoriano
15/03/1995
224
Ernesto Bandeira
/ /1946
225
Ernestina Bandeira
/ /1948
226
Juranda Batista Bandeira
227
Ernesto Vernek
228
Maria Rita Rigtánh Vernek
07/12/1955
229
Carlina Vernek
04/03/1993
230
Rosana Vernek
21/01/1982 (21/01/1988)
231
Mariana Vernek
21/11/1982
232
Alcindo Vernek
29/05/1984
233
Sandro Vernek
31/10/1986
234
Fernandes Bandeira
235
Ana Bandeira
236
Helena Bandeira
05/05/1980
237
Fernando Santiago Pereira
30/07/1977
238
Célia Machado
06/02/1981
239
Marilene Pereira
05/11/1996
240
Floriano Tanhkóg Glicério
05/02/1954
241
Jacira Kavygisanh Glicério
20/08/1957
242
Nadir Kreféjé Glicério
22/05/1974
243
Acir Vesonio Glicério
05/06/1981
244
Nívea Maria Glicério
28/04/1982
245
Rosenilda Kógre Glicério
01/02/1987
246
Rosemari Fátima Figrá Glicério
17/05/1981
247
Rosangela Krégso Glicério
28/12/1993
248
Florindo Gánjengá Kambe
02/06/1976 (16/09/1973)
249
Neuza Gagmu Brum
02/04/1979 (07/01/1975)
250
Luciana Kuragtánh Kambe
22/04/1994
251
Lucimar Rãgre Kambe
26/11/1997
252
Alexandro Novakrig Brum
23/10/1991
253
Floripa Natal Kajójné Felipe
254
Sebastião Felipe
18/07/1967
255
Antonio Felipe
22/09/1990
256
Sandra Felipe
22/09/1990
257
Francisco Brum
258
Maria Aparecida Brum
24/07/1984 / /1957 (23/12/1954)
/ /1947 (12/10/1927)
25/02/1954 (15/06/1950) / /1954 (10/08/1960)
172
259
Rosemilda Brum
03/03/1980
260
Claudir Kryry Brum
25/02/1981
261
Aparecida Vajprág Brum
18/07/1984
262
Marcia Brum
07/07/1986
263
Genilza Garág Brum
29/09/1989
264
Rosangela Brum
18/04/1994
265
Ronaldo Brum
16/04/1997
266
Erondina Brum
03/09/1998
267
Erica Brum Kambe
10/02/2000
268
Francisco Kragitánh Cabral
269
Rosa Mánãg Cabral
270
Sebastião Cabral
271
Joanita Cabral
05/11/1985
272
Francisco Gino Filho
06/05/1958
273
Maria França Gino
07/08/1957
274
Televina Gino Filho
20/09/1981
275
Marculano Gino
08/09/1983
276
Francisco Kãnhmari Kambari
277
Maria Kambari
20/12/1928
278
Carlos Kambari
/ /1974 (10/04/1975)
279
Sebastião Kambari
/ /1975 (18/011978)
280
Frederico Egimikokoni B.Nivaia
/ /1970 (10/07/1969)
281
Maria Anália Nivaia
19/10/1970
282
Valdemir Rágrin Nivaia
06/04/1990
283
Valdecir Nivaia
29/10/1996
284
Gabriel A . Paulino
03/07/1976
285
Jeovina Kambe
14/04/1977
286
Joelson Paulino Kambe
19/08/1996
287
Gabriel Cordeiro
288
Elvira Cordeiro
289
Sebastiana Cordeiro
17/02/1977
290
Maria Cordeiro
13/08/1983
291
Sebastião Cordeiro
30/05/1986
292
Alceu Kãprág Cordeiro
30/05/1989
293
Francisco Cordeiro
07/07/1995
294
Geraldo Nenrig Brum
295
Janete Nigá Gomes
20/09/1954 (22/06/1950) 18/06/1951
/ /1927 (11/011917)
/ /1952 (15/12/1953) / /1957
17/05/1974 (07/05/1971) / /1979
173
296
Dinaldo Kamutánh Brum
21/09/1996
297
Dinara Niga Brum
23/03/1999
298
Horácio Fórikág Pantu
/ /1956 (10/10/1959)
299
Gracilina Pereira Pantu
23/10/1958 (13/06/1957)
300
Maricana Pantu
301
Monica Pantu
302
Dirço Pantu
16/09/1980
303
Gilmar Pantu
22/01/1983
304
João Pantu
25/12/1986
305
Silvana Garmony Pantu
09/06/1990
306
André Pantu
24/10/1996
307
Ivan Kuita Rodrigues
15/12/1974
308
Kawane Rosa Kriri
28/02/1974
309
Wayã Kuita
05/04/1996
310
Jean Carlos Kuita
24/11/1997
311
Alexia Kuita Rodrigues
16/02/2000
312
Ivo Gásag Borges Nivaia
16/01/1957
313
Maria Cristina Gre Nivaia
04/01/1961
314
Salésio Nivaia
20/10/1980
315
Imélio Kagin Nivaia
22/04/1983
316
Sulina Nivaia
30/07/1985
317
Janice Nivaia
16/06/1990
318
Verginia Nivaia
04/09/1992
319
Ivo Pereira
02/06/1951 (06/06/1952)
320
Nair Pereira
25/12/1941
321
Jair Fóne Kafãnh
20/02/1965
322
Cristina Venhy
14/04/1961
323
Leandro Kafãnh
14/04/1983
324
Anilsa Kafãnh
17/12/1985
325
Margareth Fágre Kafãnh
28/08/1988
326
Janete Kafãnh
25/05/1991
327
Jocilene Kafãnh
22/06/1994
328
Jocimar Kafãnh
22/06/1994
329
Patícia Kafãnh
10/10/1996
330
Maurício Kafãnh
02/06/1999
331
Jair Korimba
332
Iracema Korimba
13/05/1993 06/19/1977 (16/10/1975)
01/06/1960
174
333
Rosenilda Korimba
02/12/1985
334
Francisca Korimba
01/03/1987
335
Lorenço Korimba
01/06/1992
336
Jesus Leopoldo
16/09/1978
337
Josefa de Abreu
05/02/1982
338
João Alves Padilha
27/09/1974
339
Divina Lourenço
01/10/1975
340
Valdino Krekag L. Padilha
26/06/1993
341
Claudimara Pasãnh Padilha
06/11/1995
342
Daniel Padilha
26/01/1999
343
João Nokrig Atanásio Aparicio
344
Conceição Tereza Atanásio
10/02/1963
345
Tercio Fágvaj Atanásio
14/02/1986
346
Adriana Tánh Atanásio
22/04/1990
347
Celso Atanásio
19/08/1993
348
João Batista Kambari
349
Maria Conceição Rodrigues
29/07/1962
350
Carlito Rodrigues
25/09/1981
351
Maria Aparecida Rodrigues
11/10/1984
352
Doracilda Rodrigues
06/12/1987
353
Jovenil Batista Kambari
18/11/1994
354
Erotildes Rodrigues
17/06/1993
355
Angelina Kambari
08/12/1995
356
João Krig Batista Felipe
09/06/1970
357
Adelina Correia
20/08/1967
358
Romilda Nigsãnh Gregório Correia
24/04/1987
359
Andersom Batista Felipe
30/09/1991
360
Mário Felipe
09/03/1994
361
Roseli Felipe
22/10/1996
362
Valmir Felipe
27/11/1999
363
João Borges
05/10/1976
364
Guilhermina Machado
07/09/1980
365
Reginaldo M.Borges
25/02/1996
366
Rosangela Borges
09/01/1998
367
João Brum
20/02/1921
368
Julia Brum
12/05/1921
369
João Carlos A Padilha
25/02/1969
11/02/1963 (11/02/1951)
/ /1979
175
370
Maria Aparecida Kambê
15/03/1963
371
Lúcia Tánh Kambê
05/01/1982
372
Luiz Carlos A Padilha
22/04/1984
373
Juliana Padilha
19/07/1986
374
Alexandre Alves Padilha
07/03/1988
375
Sueli A Padilha
23/04/1990
376
Iranildo Padilha
11/12/1991
377
Lucimara Padilha
01/08/1994
378
Cleonice Kambê
11/03/1998
379
Regimara Padilha
19/04/1998
380
Romildo A Padilha
22/03/2000
381
João Carlos Kambe
/ /1969
382
Maria Jurema Kambe
383
Davinho Kambe
23/03/1988
384
Vicentina Kambe
16/02/1986
385
Galdino Kambe
19/05/1993
386
João de Abreu
387
Anália Leonora Glicério Abreu
388
Deuzima de Abreu
15/12/7981
389
Azima Brum
18/02/1998
390
João Katánh de Abreu
391
Rosa Machado de Abreu
08/03/1964
392
Silvestre de Abreu
14/03/1987
393
Alcindo de Abreu
01/04/1985
394
Aª Apª Rosa de Abreu
14/05/1989
395
Mariana de Abreu
396
Valdivino Norãgtánh de Abreu
22/09/1996
397
Valdirei de Abreu
29/09/1998
398
João Nén kórég Decoreg
399
Maria Conceição Kupri
400
Francisca Tofy Generosreg
16/08/1939
401
João Maria Sãnhkag Decoreg
16/09/1979
402
Roberto Borges Padilha
14/10/1986
403
João França
23/04/1959
404
Balbina Tranquilino
/ /1925
405
Pedrico Franca
/ /1940
406
Terezinha Pinheiro
/ /1979
/ /1949
/ /1956
/05/1994
/ /1919 (25/02/1922)
176
407
Maria Madalena Custódio
25/11/1986
408
João Gregório
25/11/1920
409
Rosa Gregório
/ /1930 (12/05/1924)
410
Pedro Gregório
15/07/1968
411
Balbina Gregório
01/03/1975
412
Nelzia Machado
13/02/1993
413
João Nenkag Gregório Filho
15/06/1960
414
Maria Conceição Gregório
19/03/1969
415
Osmair Gregório
13/03/1988
416
Paulina Joféj Gregório
17/05/1990
417
Erotildes Gregório
09/06/1995
418
Aparecida Gregório
13/09/1997
419
João Laurindo Pinheiro
420
Tereza Conceição Lucas
421
Dorival Fermino Lucas
26/12/1986
422
Marina de Assis Lucas
29/11/1983
423
João Lourenço
28/08/1974
424
Lurdes Prág Alípio
30/08/1973 (30/08/1972)
425
Claudete Sukrig Lourenço
12/12/1989 (12/12/1989)
426
Ari Marco A Lourenço
06/02/1992
427
Dejanira Lourenço
22/04/1994
428
Fabrício Lourenço
29/04/1996
429
João Maria Niság Kafanh
09/05/1975
430
Natália Lucas
431
Leia Kafanh
432
Roni Kafanh
433
João Vénhkrig Pantu
10/05/1970 (20/10/1975)
434
Tereza Kakaja Nivaia
07/02/1968 (20/02/1970)
435
Rodésio Pãgfura Pantu
23/10/1986
436
Genésio Pantu
05/08/1988
437
Erinlu (Renê) Pantu
10/04/1992
438
Suelem Pantu
03/03/1997
439
Ileni Pantu
26/01/2000
440
João Paulo Krekág Kãfanh
16/01/1960
441
Maria Irene Kãfanh
19/08/1972
442
Casturina Kãfanh
31/08/1982
443
Fátima Kãfanh
19/10/1985
/ /1950 /
/1958
05/12/1978 (16/12/1979) 03/10/1993
177
444
Miguel Tãnh Kãfanh
02/02/1993
445
Romário Kãfanh
05/05/1998
446
João Nãgkág Pereira
25/08/1960
447
Maria da Luz Pereira
22/05/1951
448
Adelina Pereira
14/02/1991
449
João Kãgjã Rodrigues
13/11/1943
450
Maria Rosa Nytu Rodrigues
25/06/1951
451
José Bandeira
02/03/1918
452
José Pereira Bandeira
18/03/1983
453
João Kãgjã Vicente Donato
20/07/1946
454
Maria Nytu Sandica Bandeira
10/05/1918
455
João Sóró Zacarias
456
Maria Tygre da Luz Zacarias
13/08/1964
457
Jesus Kreryguaja Zacarias
04/11/1984
458
Maria Conceição Nãgkaja Zacarias
04/02/1990
459
Dival Krerykág Zacarias
12/10/1992
460
Juvita Karygmu Zacarias
02/08/1996
461
Joaquim Még jãvy Vekenâ
05/01/1958 (21/11/1956)
462
Noemia Nivégkág Vekenâ
15/12/1966 (26/09/1963)
463
Carolina Antonia Gavénhrig Vekenâ
15/06/1981
464
Sebastina Krevágtánh Vekenâ
23/01/1983
465
Casturina Gãmugsãnh Vekenâ
05/04/1987
466
Tereza Vékénã
23/05/1920
467
Rubens Gasãnh krig Vekenâ
23/08/1989
468
Soni Gavigkág Vekenâ
10/09/1992
469
Julieta Nigsu Vekenâ
11/03/1995
470
Rosenaldo Gavigtánh Vekenâ
01/05/1999
471
Joaquim Rá Venhy
20/08/1940
472
Marlene Fragoso Venhy
20/06/1946
473
João Venhy
474
Adelino Venhy
31/10/1997
475
Aparecida Venhy
06/07/1979
476
Marica Venhy
/ /1982
477
Jobrair Braz Tibúrcio
/ /1979
478
Selestina Machado Abreu
479
Eliseu de Abreu
480
Adelice Tibúrcio
/ /1930 (05/02/1936)
/ /1973 (20/08/1977)
02/03/1978
178
481
Jocimar Alves Ribeiro
482
Pedrolina Machado
483
Natalia Glicério
484
Erondina Brum
485
Joel Kainhri Brum
08/02/1974
486
Maria de Lurdes Krevagte Zacarias
10/14/1976
487
Geraldina Emi Brum
25/06/1996
488
Geraldino Pãi Brum
13/04/1994
489
Juliano Nenso Brum
20/07/1997
490
Jorge dos Santos
19/08/1967
491
Aparecida dos Santos
06/08/1974
492
Sandra dos Santos
06/09/1989
493
Nilson dos Santos
16/06/1998
494
Sandro dos Santos
06/03/1993
495
Marlene dos Santos
25/09/1995
496
Vanderley dos Santos
17/06/1997
497
Ironi dos Santos
26/01/2000
498
Jorge Kambari
05/04/1973
499
Lidiana Sãnh Rodrigues
01/04/1970
500
Julia Kambari
06/07/1992
501
Juliana Kambari
29/12/1993
502
Juliano Kambari
20/12/1996
503
Jorgina dos Santos
19/08/1950
504
Levino Caetano
505
Nair Caetano
30/07/1984
506
Margerete Kambe
03/05/1994
507
Sueli Caetano
26/09/1979
508
José Alves Padilha
02/09/1929
509
Iolanda Alves
14/07/1944
510
Maria Aparecida Padilha
10/09/1967
511
Paulo Assunção Padilha
04/03/1993
512
Marli A . Alves Padilha
10/09/1967
513
Leandro A . Padilha
02/06/1992
514
José Augusto Mréré Arruda
515
Maria Conceição Arruda
516
Paulino Augusto
19/06/1972
517
Joana Augusto
11/02/1985
/ /1966 (17/12/1974)
179
518
Balbina Augusto
/ /1929
519
José Carlos Alves
25/08/1969
520
Deliza Kórigsãnh Bernardo
12/03/1978
521
Ozeis Kupe Alves
14/02/1995
522
Osvair Kavéjé Alves
16/10/1998
523
José Crispim
524
Maria Joana Jorge
18/11/1959
525
Ângelo Cristiano Jorge
10/06/1983
526
Maria Helena Firmino
24/04/1991
527
José Domingos Glicério
21/09/1970
528
Tereza Machado
15/10/1974
529
João Glicério Batista
16/06/1989
530
Pedro Glicério
14/06/1992
531
Marcia Glicério
01/04/1996
532
Josefa da Silva
/ /1941
533
Valdo da Silva
/ /1977
534
José Felipe
12/05/1972
535
Candinha da Luz Brum
08/02/1970
536
Adelvino Novig Felipe
25/07/1991
537
João Rafael Brum
17/09/1987
538
José Fragoso
539
Cristina Fragoso
22/09/1963
540
Natalia Fragoso
20/06/1980
541
Heloisa Fragoso
09/05/1985
542
Vilson Fragoso
19/09/1989
543
Antonio Fragoso
16/01/1992
544
José Kãmenigreg Glicério
07/12/1974
545
Orlanda Nivaia
15/11/1973
546
Sandra Vernek
16/01/1993
547
Santa Krog Vernek
14/04/1995
548
Sandina Vernek
02/09/1998
549
José Kambe
22/03/1959
550
Carolina Jorge Kambe
19/05/1962
551
Jurema Kambe
20/06/1977
552
Joanito Kambe
20/08/1987
553
Renilton Kambe
20/11/1982
554
João Carlos Kambe
01/08/1990
/ /1967
/ /1962 (25/09/1959)
180
555
Maria Roseli Kambe
01/01/1994
556
Irani Kambe II
01/03/1996
557
Jose Kambe
09/08/1974
558
Casturina K. Pantu
15/02/1972
559
Jonito Togsa Kambe
29/06/1989
560
Imélia Kambe
26/09/1991
561
Romário Kambe
07/01/1994
562
Ronaldo Kambe
29/08/1996
563
Romair Kambe
04/03/1999
564
José Lucas
20/03/1970
565
Lúcia Alípio Lucas
20/07/1971
566
Beto Lucas
07/04/1988
567
Mariza Lucas
30/09/1990
568
Adelino Lucas
01/09/1992
569
Vergílio Lucas
13/09/1995
570
Elizelton Lucas
03/11/1998
571
José Machado
09/03/1967
572
Maria Casturina Gregório
06/08/1974
573
Silvana Machado
05/06/1991
574
Vilma Machado
10/03/1993
575
Josemar Krésãnh Ribeiro
26/06/1972
576
Clementina Kórig Glicério
04/09/1974
577
Cleonice Krãnér Alves Ribeiro
04/12/1990
578
Cleudenice Krengá Ribeiro
08/03/1993
579
Jaciele Jogjóro Ribeiro
22/07/1994
580
José Rosa
05/03/1943
581
Tereza Bandeira Rosa
20/04/1953
582
Madalena Rosa
06/03/1984
583
José Órog Trajano
14/05/1944
584
Francisca Migkane Glicério Trajano
05/09/1941
585
Roberto Kóg Trajano
15/01/1973
586
Tereza Trajano
04/03/1976
587
Rosalina Trajano
17/09/1982
588
Idalecio Trajano
04/01/1985
589
Madalena Trajano
03/04/1987
590
Joana Trajano
05/05/1992
591
Luciana Trajano
06/08/1980
181
592
Lucélia Rodrigues
14/06/1998
593
Aurélio Novaja Trajano
25/09/1971
594
Josué Pãtu Pantu
29/03/1924
595
Josefa Pantu
25/01/1940
596
Domingos Pantu
28/06/1973
597
Jovino Fermino
08/08/1981
598
Maria Florinda Felipe
29/12/1980
599
André Fermino
10/09/1998
600
Júlio Generoso
601
Júlio Jorge
602
Francisca Evaristo
23/03/1965
603
Elizeu Fóryg Evaristo
24/04/1983
604
Francisco Jorge
20/03/1993
605
Josefa Nãg Kambari
15/03/1986
606
Maria Jesus Kambari
26/10/1990
607
João Batista Kambari
15/03/1986
608
Julinda Jorge
26/09/1999
609
Julio Moraes
/ /1925
610
Maria Moraes
/ /1923
611
Juraci Oliverio
01/07/1982
612
Rodimar Oliverio
03/10/1998
613
Justina Vernek
614
Adilson (Dirço) Glicério
15/03/1975
615
Maria de Jesus Vernek
03/08/1973 (28/06/1972)
616
Clarice Nemu Vernek Glicério
18/06/1993 (18/06/1995)
617
Denilson Glicério
23/06/1998
618
Darci Vernek
31/01/1990
619
Juvêncio dos Santos
12/04/1951
620
Iara Cornélio dos Santos
01/01/1952
621
Jair Cornélio dos Santos
19/02/1972
622
Rosana dos Santos
25/05/1978
623
Michele Cornélio dos Santos
624
Valdir dos Santos
625
Valdeir dos Santos
15/07/1994
626
Priscila Cornélio dos Santos
18/06/1999
627
Laurentino Kãsé Oliverio
628
Livina Matias Oliverio
/ /1975 (02/07/1973)
/ /1930 (14/08/1935)
06/10/1972 (06/10/1996)
20/05/1946 (20/05/1956) 15/02/1958
182
629
Joana Oliverio
24/06/1984
630
Pedrona Oliverio
631
Joaquim Fágmu Oliverio
22/06/1987
632
Amiltom Oliverio
02/03/1990
633
Valmir Vigtãg Oliverio
30/10/1992
634
Anderson Oliverio
04/02/1995
635
Leôncio Nokrig Generoso
14/09/1967
636
Tereza Gino Filho
13/06/1974
637
Severino Rãnhkág Gino Generoso
24/03/1992
638
Dinácio Vãgso Generoso
26/10/1994
639
Levino Kakojvesa Leopoldo
17/01/1959
640
Carolina Grigte Kambari
18/06/1953
641
José Pye Leopoldo
07/01/1982
642
Suzana Veãgkój Leopoldo
08/04/1987
643
Liversa Vijeg Olivério
21/05/1979
644
Leandro Kambe
08/06/1996
645
Lourenço Gavaia
25/10/1924
646
Francisca Gavaia
20/08/1930
647
Tereza Tánh Gavaia
13/05/1961
648
Carolina Gavaia
21/05/1967
649
Belarmina Gavaia
01/06/1971
650
Zumira Gavaia
10/08/1982
651
Osmarina Gavaia Glicério
30/11/1990
652
Cristiano Gavaia
01/06/1972
653
Luiz Carlos A Padilha
10/06/1971
654
Helena Decoreg Borges
10/04/1970
655
Silmara A Padilha
27/12/1988
656
Zenildo A Padilha
15/10/1990
657
Jussara A Padilha
30/11/1992
658
Laurao A Padilha
13/02/1996
659
Luciano A Padilha
19/08/1998
660
Luiz Carlos Generoso
661
Edna Generoso
17/08/1996
662
Lucimara Generoso
01/07/1998
663
Luiz Kamprág da Silva
03/09/1963
664
Maria Kuri da Luz Silva
14/06/1966
665
Eliana F da Silva
15/08/1984
24/06/1994 (24/06/1984)
/ /1976
183
666
João Miltom da Silva
24/06/1986
667
Silvio da Silva
05/04/1992
668
Natalice Kygnãg da Silva
24/12/1996
669
Laurinda Tomas Bento
/ /1910
670
Lurdes Fákág Kambe
10/01/1973
671
Adelízio Kãnãni Kambe Brum
04/08/1993
672
Josemar Gakóg Kambe
13/03/1996
673
Franciele Gahigtánh Kambe
21/10/1999
674
Marcelino Borges
15/05/1974
675
Maria Luiz Borges
25/09/1975
676
Fátima Borges
04/06/1993
677
João Maria Borges
22/09/1995
678
Juvilia Borges
26/07/1997
679
Jocemar Borges
29/09/1999
680
Marcelo Felipe
07/12/1965
681
Júlia da Silva Felipe
18/08/1953
682
Abílio Felipe
03/09/1979
683
Antonio M Felipe
09/04/1982
684
Mariano Felipe
21/07/1984
685
Laércio Felipe
03/07/1987
686
Alzira Felipe
29/08/1992
687
Marina Felipe
02/12/1998
688
Maria Conceição Zacarias
08/10/1952
689
Cristina Zacarias
06/02/1984
690
Nelson Zacarias
12/08/1978
691
Marcílio Kampiri Glicério
692
Maria Mugagtãnh Trindade Glicério
25/09/1968
693
Márcia Kuprág Glicério
10/04/1987
694
Aldair Kófénág Bernardes C Glicério
22/02/1993
695
Jefferson Kapêg Silas
21/11/1998
696
Francisca Gaso Glicério
21/05/1927
697
Marcondes Rosa
17/05/1950
698
Maria Murigte Conceição Rosa
699
Maria Cristina Réngrig Rosa
20/06/1970
700
Sebastião Kakag Rosa
20/03/1974
701
Maria Murãg Rosa
05/10/1976
702
Tereza Rosa
20/08/1978
/ /1963
/ /1944
184
703
Rosenilda Rosa
10/06/1981
704
Maria Carolina Rosa
02/10/1993
705
Maria da Luz Rosa
08/11/1983
706
Manoel Pegkókir Barbeiro
12/10/1927
707
Luisa Barbeiro
/ /1930
708
Manoel Crispim
10/06/1965
709
Eva Pereira Crispim
01/06/1968
710
Antonio Crispim Sobrinho
711
Ademir Crispim
03/07/1986
712
Rosana Crispim
24/04/1990
713
Rosilda Crispim
19/03/1993
714
Rosemare Crispim
18/01/1995
715
Adilson N Crispim
15/06/1999
716
Manoel Sãsã Lourenço
10/04/1923
717
Maria Vanprág Trajano Lourenço
03/07/1924
718
Salete dos Santos
03/11/1986
719
Maria Caetano
720
Juca Machado Quinhento
19/01/1989
721
Joana P. Kafãnh
06/08/1983
722
Maria Carolina Zacarias
06/09/1981
723
Fernanda de Abreu
19/03/1999
724
Maria Casturina de Abreu
07/04/1977
725
João Mario Rodrigues
726
Casturina Rodrigues
727
João Rodrigues Filho
728
Juranda Rodrigues
27/02/1979
729
Jovanice Rorigues
10/06/1997
730
Maria Conceição Kupri
08/04/1901
731
Arlete Rignãg dos Santos
04/06/1956
732
Pedro Benedito de Abreu
22/01/1965
733
Mª Conceição Pantu Jorge
20/04/1948
734
João Maria Jorge
29/08/1949
735
Fernando Jorge
20/07/1983
736
Natália Jorge
10/12/1986
737
Imélio Vikpry Jorge
20/11/1989
738
Maria Cristina Venhy
06/04/1927
739
Maria de Jesus Machado
17/09/1940
08 06/1965 (08/06/1985)
12/06/1947 (15/11/1921)
09/05/1979
185
740
Renato Machado
741
Sirlene Machado
29/06/1985
742
Adelita Machado
12/02/1888
743
Maria de Lurdes Juvenal
23/02/1960
744
João Batista Augusto
24/02/1986
745
Daniel Juvenal Rodrigues
23/02/1991
746
Joanilda de Abreu
14/06/1982
747
Maria Elza Te da Silva
25/04/1958 (25/04/1959)
748
Alcebíades os Santos
05/01/1982
749
Darvelino dos Santos
28/02/0984
750
Valdevino Gakug dos Santos
26/04/1990
751
Salete dos Santos
03/11/1986
752
Gil Mácio dos Santos
08/03/1999
753
Maria Glória França
754
Margarete Alípio
23/02/1992
755
Maria Miranda Lucas
20/03/1945
756
Carlito Lucas
10/10/196
757
Maria Odete da Silva
07/08/1967
758
Severina da Silva
09/02/1998
759
Maria Josefa Zacarias
06/12/1934
760
Maria Rosa Pasãnhmu Arruda
05/11/1953
761
Alcindo Kambe
16/12/1984
762
Maria Gracilia
/ /1970 (13/07/1928)
763
Maria Trindade Fermino
16/03/1941
764
Aparecida Fermino
06/06/1969
765
Maria Rosa Fermino
12/12/1988
766
Carolina Fermino
01/05/1989
767
Mário Kãi Camargo
05/03/1979
768
Maria Francisca de Abreu
29/06/1977
769
Marcela Camargo
20/02/1999
770
Rosenilda A Camargo
22/11/1996
771
Mario Fág Tóg Venhy
17/08/1967
772
Maria Gravigtánh Pantu Venhy
20/08/1966
773
Nario Vãg Venhy
15/10/1982
774
Zeli Venhy
13/10/1984
775
Marinho Venhy
22/08/1986
776
Alice Kátia Venhy
04/09/1988
/ /1975
186
777
Regina Venhy
24/07/1991
778
Adelma Venhy
20/11/1993
779
Ricardo Venhy
15/01/1997
780
Rosilda Venhy
26/11/1999
781
Martins França
16/09/1970
782
Maria Natália L. Cobra
13/09/1979
783
Rafael França
03/06/1994
784
Maurice França
18/03/1997
785
Miguel Krigváji Kublite
05/01/1973
786
Márcia Grevaj Eufrásio Anastácio
01/06/1981
787
Oriel Fótãg Junior Kublite
03/05/1997
788
Moacir Zacarias
789
Maria Tereza Nivygsãnh Zacarias
790
Adilson Zacarias
02/04/1996
791
Cassemiro Zacarias
09/01/1984
792
Abílio Kókrig Zacarias
08/04/1986
793
Nelson Cristiano Náj Augusto
14/03/1964
794
Maria Luiza Augusto
03/03/1965
795
Jair Augusto
14/01/1982
796
Dirce Augusto
15/06/1983
797
Silvia Helena Augusto
04/12/1988
798
Sebastião Augusto
10/02/1992
799
Tereza Augusto
15/09/1998
800
Nelson de Abreu
01/08/1980
801
Maria Luiza Rosa
24/10/1981
802
Rucemar Rosa Abreu
11/10/1997
803
Nilton Resãnh Glicério
04/02/1976
804
Conceição Naruj Machado
15/10/1978
805
Romildo Tãnhprág Glicério
06/01/1995
806
Irani Kasoro Glicério
23/01/1997
807
Olegário Caetano
/ /1920
808
Matilde Caetano
/ /1930
809
Orlando Rygry Ninvaia
12/12/1965
810
Julia Ninvaia
16/06/1967
811
Marcos Ninvaia
23/11/1985
812
Ronaldo Ninvaia
13/07/1988
813
Daniela Frorigtãnh Ninvaia
22/11/1992
/ /1960 09/01/1984 (02/01/1960)
187
814
Franciele Gagféjé Ninvaia
04/10/1995
815
Gisely Gyfynhy Ninvaia
31/07/1997
816
Osmindo Kajer Bernardo
817
João Batista Bernardo
24/06/1983
818
Maria Josefa Gasóg Bernardo
19/03/1986
819
Maria Clarice Bernardo
21/10/1988
820
Osvaldo Aparicio
/ /1972 (19/08/1978)
821
Maria Eva Cobra
/ /1977
822
Adelina Aparício
08/12/1995
823
Juvino Aparício
22/07/1998
824
Otacílio Krenhni Borges
20/09/1930
825
Otávio Ferreira
15/01/1948
826
Maria Rugte Gino Ferreira
20/11/1948
827
Cecília Ferreira
22/01/1983
828
Silvana Ferreira
15/10/1987
829
Adilson Ferreira
00/00/1995
830
Justina Ferreira
27/05/1975
831
Ivanildo Krerygvaja Ferreira
25/08/1991
832
Franciane Ferreira
30/09/1999
833
Jucelino Ferreira
03/01/2000
834
Paulo César Luiz
28/05/1989
835
Maria (Curandeira)
836
Paulo de Abreu
18/06/1960
837
Maria de Abreu
25/12/1968
838
Zenaide de Abreu
20/07/1979
839
Paulo de Abreu
02/08/1982
840
Alberto de Abreu
22/08/1984
841
Solando de Abreu
20/02/1987
842
Sinira de Abreu
19/08/1989
843
João Maria de Abreu
20/06/1995
844
Francisco de Abreu
06/06/1997
845
Sebastião de Abreu
20/03/1992
846
Paulo Fákág Kafãnh
05/06/1940
847
Maria Kómóg de Jesus Kafãnh
21/04/1944
848
Vanda Kafãnh
25/10/1975
849
Cecília Kafãnh
24/07/1984
850
Santíssima Grigtánh Evaristo
19/09/1987
/ /1981
188
851
Paulo Kambari
/ /1970
852
Luiza Nekaja Kambari dos Santos
853
Maria Helena Kambari
12/11/1989
854
Leo Kambari
07/09/1993
855
Lauro Kambari
16/08/1996
856
Paulo Tugmãg Ninvaia
857
Maria Féngre Catória Ninvaia
25/03/1969
858
Augustinho Rotãg Ninvaia
28/08/1981
859
Maria Sutéria Ninvaia
01/10/1983
860
Vilson Gakág Ninvaia
07/12/1986
861
Genilson Nirogtãg Ninvaia
25/01/1991
862
Aparecida Mugasãnh Ninvaia
25/10/1994
863
Paulo Rodrigues
15/04/1978
864
Luciana Trajano
06/08/1980
865
Lucélia Rodríguez
14/06/1998
866
Aldinéia Rodrigues
08/04/2000
867
Pedro Ananias Ninvaia
20/04/1920
868
Zoraide Tãnh B. Ninvaia
14/07/1945
869
Rosana Inhpruja Ninvaia
15/12/1983
870
Pedro Fupri Camargo
/ /1959
871
Maria Brum Camargo
20/08/1959
872
Zico Camargo
05/04/1982
873
Samuel Camargo
30/04/1984
874
Sócrates Camargo
14/03/1986
875
Adriana Camargo
11/09/1993
876
Simone Camargo
21/05/1988
877
Valdir Camargo
05/01/1997
878
Pedro Kojanã Felipe
/ /1921
879
Ana Felipe
/ /1921
880
Pedro Karéj França
02/03/1930
881
Maria Jêngere de Jesus França
03/05/1948
882
Silvino França
04/06/1974
883
Domingos Gakirig França
884
Luana Muvénhprág França
885
Pedro Venhkuprig Jorge
886
Maria Luiza Garignãg Jorge
07/06/1984
887
Nilson Jorge
16/11/1988
/ /1970 (12/10/1979)
/ /1967
/1977 05/12/1983 / /1959
189
888
Pedro Kasãnh Kambe Jango
15/11/1959
889
Cacilda Nivigtánh Kambe
26/01/1963
890
Rogério Kambe
17/09/1987
891
Henrique Kambe
12/09/1990
892
Maria Roseli Kambe
11/06/1982
893
Adilson Kambe
02/03/1995
894
Pedro Pránh Kublite
13/06/1956
895
Conceição Nisãnhkág Kublite
12/12/1957
896
Marcio Vygvaja Kublite
11/12/1984
897
Luzia Figte Kublite
28/11/1989
898
Cesarina Rinprág Kublite
16/07/1997
899
Maria Borges
07/10/1910
900
Pedro Rafael
901
Francisca Luiz
902
Franciele Luiz
903
Rosiele Luiz
904
Pedro Régvãnh Tibúrcio
08/09/1954
905
Tereza Ténh Tibúrcio
08/10/1950
906
Laudelino Rékág Tibúrcio
20/07/1985
907
Maria Fátima Rugnig Ap. Tibúrcio
05/10/1987
908
Maria Rosa Kivig Tibúrcio Kuvén
09/06/1990
909
Jobrair Mytinhy B. Tiburcio
29/01/1979
910
Pedro Vernek Glicério
01/06/1978
911
Isaura Camargo
05/04/1980
912
Denilda Vynkójó Glicéiro Camargo
16/01/1996
913
Denildo K. Vernek Glicério
29/10/1997
914
Procópio Torig Alípio
18/10/1956
915
Santa Rosa FógTánh Alípio
18/10/1935
916
Sebastião Kóku Alípio
21/01/1983
917
Edenilson Kókojo Alípio
03/01/1985
918
Regina Machado
12/10/1974
919
Anilton Machado
03/04/1993
920
Matino Machado
13/08/1998
921
Reinaldo Glicério
18/04/1981
922
Maria Isabel Riguaja Kambe
07/07/1980
923
Marilene Glicério
18/10/1998
924
Dorvalina Glicério
/ /1944
06/08/1972
190
925
Renato Caetano
926
Adelaide Sãsãnh Caetano
17/05/1971
927
Roseli Vasãnh Caetano
18/12/1985
928
Ana Alice Caetano
28/01/1989
929
Ricardo Crispim
/ /1963
930
Ana Maria Rugte de Abreu
/ /1964
931
Dermina e Abreu
11/11/1984
932
Sebastião de Abreu
27/11/1987
933
Josica Crispim
03/12/1991
934
Madalena Crispim
06/11/1920
935
Roselia Crispim
02/03/1996
936
Roberto Carlos Vanhvája dos Santos
937
Pulcina Nesãnh Machado
09/07/1975
938
Dalécio Alves
18/11/1992
939
Idaléria Sãngre Santos
31/01/1996
940
Adriano dos Santos
11/06/1998
941
Roberto Fermino
08/09/1974
942
Maria Jandira Jorge
25/04/1982
943
Antonio Jorge Fermino
20/04/1996
944
Lucimara Fermino
30/10/1998
945
Rodrigo Rokag Camargo
13/04/1976
946
Maria Gará Aparecia Zacarias
23/09/1979
947
Cínara Zacarias Camargo
13/02/1996
948
Bruna Camargo
27/05/1998
949
Roque Ryvaj de Abreu
/ /1963
950
Maria Vygtánh Augusto
20/06/1972
951
Conceição de Abreu
952
Fátima Nigánte de Abreu
953
Sebastião de Abreu
954
Ronilda de Abreu
07/10/1990
955
Delcina de Abreu
31/12/1992
956
Pulcina de Abreu
28/11/1995
957
Miguel de Abreu
19/05/1997
958
Rubens Kaguj Glicério
14/09/1976
959
Feliciana Kójengre Luis
26/01/1974
960
Augusto Glicério
27/10/1991
961
Adriano Glicério
02/10/1993
/ /1976
/ /1986 01/09/1985 / /1988
191
962
Juliano Mathias
27/02/1996
963
Sadi M. Rosa
15/06/1951
964
Josefina Rosa
01/01/1959
965
Cecílio Rosa
05/01/1994
966
Santana Ninvaia
19/01/1961
967
Emilia Garãgtánh Ninvaia
968
Ângela Ninvaia
22/11/1982
969
Angelina Ninvaia
12/09/1984
970
Valnei Fágtánh Ninvaia
10/08/1988
971
Valéria Ninvaia
28/10/1992
972
Higor Borges Ninvaia
16/09/1994
973
Maria Conceição Krenso
12/10/1920
974
José dos Santos
/ /1920
975
Cristina Ninvaia
10/04/2000
976
Angélica Ninvaia
19/09/1986
977
Santilho Batista
16/06/1967
978
Casturina Machado
15/03/1973
979
Camilo Batista
18/02/1989
980
Ronaldo Batista
31/05/1994
981
Claudito Batista
03/06/1997
982
Claudelice Batista
18/09/1999
983
Sebastiana Augusto
10/05/1975
984
Marciana Augusto
15/03/1994
985
Sebastiana B. Felipe
20/09/1968
986
Nilton Felipe
25/05/1982
987
Bendes Felipe
25/10/1986
988
Sebastiana Caetano
22/02/1954
989
José Caetano
990
Ângela Caetano
23/11/1984
991
Amadeu Caetano
13/10/1988
992
Matilde Symãgtu Caetano
20/02/1991
993
Gorete Caetano
13/04/1995
994
Sebastião Kaprág Cordeiro
15/11/1961
995
Júlia Euclides
02/07/1971
996
Oscar Valério Cordeiro
26/08/1986
997
Osmar Cordeiro
23/06/1991
998
Jorge Cordeiro
10/03/1993
/ /1960
/ /1977
192
999
Sebastião Vigtánh Crispim
21/10/1963
1000
Maria Crispim
13/11/1963
1001
Acemiro Crispim
12/05/1982
1002
Amiltom Crispim
28/09/1984
1003
Cleber Crispim
21/10/1995
1004
Sebastião Vugmág Ferreira
08/10/1977
1005
Nair Glicério
15/02/1976
1006
Francismar Ferreira
21/08/1997
1007
Sebastião Juvenal
15/10/1973
1008
Silei Machado
02/11/1980
1009
Claudinéia Juvenal
05/12/1998
1010
Sebastião Korimba
25/02/1977
1011
Sebastião Rygta Machado
19/09/1959
1012
Lídia Machado
08/07/1959
1013
Silvestre Machado
31/12/1985 (31/12/1988)
1014
Silveira Machado
23/07/1988 (23/07/1998)
1015
Elizete Machado
29/06/1993
1016
Sebastião Ninvaia
09/08/1976
1017
Janaina Kuita
14/09/1979
1018
Aline Kuita Ninvaia
14/05/1996
1019
Gisele Ninvaia
28/01/2000
1020
Sebastião Tiburcio
/ /1940
1021
Sebastiana B.Tiburcio
/ /1948
1022
Roseno Borges
05/10/1974
1023
Sebastião Borges
02/09/1976
1024
Elias Tiburcio
05/08/1989
1025
Jandira Tiburcio
07/10/1989
1026
Maria de Jesus Borges
1027
Sebastião Kurukág Venhy
1028
Maria Geni Venhy
1029
Romenito Venhy
1030
Sebastião Fernando Vitorino
/ /1973
1031
Sebastião Fórigsagf Zacarias
09/09/1981 (09/09/1994)
1032
Rosana Machado
16/12/1982
1033
Anilzo Zacarias
02/10/1997
1034
Senardo Gakug Machado
/ /1979
1035
Sebastina Gánh Vekenâ
20/01/1983
/ /1921 05/07/1973 03/09/1991
193
1036
Rosenaldo Vekenâ
01/05/1999
1037
Sergio Fidelis
26/09/1964
1038
Gilda Kuita
22/09/1956
1039
Jaciele Kuita
08/04/1989
1040
Jaciane Kuita
28/08/1992
1041
Silvestre Kakag Machado
1042
Angelina Pereira
15/10/1980
1043
Silvana Machado
13/01/1998
1044
Silvia Vagvi Atanásio
05/03/1972
1045
Alícia Atanasio Zacarias
10/05/1998
1046
Braulina Ganig Glicério
/ /1937
1047
Francisca Glicério
1048
João Glicério
1049
Susana dos Santos
28/09/1973
1050
Sebastião Trajano
03/09/1971
1051
Claudia C.Trajano
06/05/1974
1052
Marilda Garitnh Trajano
30/07/1990
1053
Leonardo Trajano
07/09/1992
1054
Jandira Trajano
29/01/1995
1055
Jaine Trajano
22/01/1999
1056
Tadeu Jeriga Kambari
20/10/1959
1057
Maria Perekesãnh Kambari
1058
Angélica Kambari
1059
Julio Kambari
1060
Helena Vitalina
10/10/1901
1061
Tereza Bernardo Jorge
16/03/1968
1062
Maria Cristina Jorge
19/03/1925
1063
Anildo Jorge
14/02/1984
1064
Laurindo Jorge
30/11/1986
1065
Joani Jorge
08/06/1997
1066
Tereza Nãgkája França
10/01/1943
1067
Valdo Franco
16/07/1972
1068
Tereza Gino
14/02/1977
1069
Valter Lucas
10/07/1997
1070
Telvina Gino Filho
20/09/1981
1071
Tereza Leopoldo
20/05/1928
1072
Tereza Ninvaia
26/04/1978
/ /1977
/ /1951 14/04/1983 01/07/1984 (01/07/1989)
194
1073
Atacir Corimba
12/07/1992
1074
Agnaldo Ninvaia Corimba
16/02./1998
1075
Denacir Sógtánh Corimba
15/02/1995
1076
Valdecir de Abreu
04/05/1993
1077
Marlene Borges
23/07/1995
1078
Valdir dos Santos
09/02/1976
1079
Maria Ilda Glicério
02/11/1978
1080
Válber dos Santos
04/01/2000
1081
Valdo Rikág Aparício
18/08/1974
1082
Orlanda Leopoldo Aparício
12/07/1974
1083
Ailton Póvéjé Aparício
30/08/1990
1084
Osmari Aparício
29/06/1993
1085
Maurício Aparício
11/09/1996
1086
Adelice Aparício
17/08/1999
1087
Valdomiro Rikág Aparício
06/08/1956
1088
Divina Kaneprag Evaristo
08/03/1971
1089
Maria Aparecida Aparício
28/08/1989
1090
Jailton Aparício
08/03/1992
1091
Elizeu Kóku Aparício
14/11/1996
1092
Clarice Aparício
19/05/1999
1093
Valdomiro Caetano
1094
Juraci Lucas
21/06/1983
1095
Jaime Caetano
07/03/1998
1096
Ventura Glicério
02/11/1976
1097
Dorvalina Nivaia
06/11/1978
1098
Doralice Kanimprág Glicério
19/03/1996
1099
Vergílio Vurykag Alípio
19/08/1956
1100
Luiza B. Alípio
1101
Marica Alípio
08/08/1992
1102
Vitalina Leopoldo
03/09/1956
1103
Fátima Leopoldo Cobra
20/03/1986
1104
Maria Junia de Abreu
03/06/1995
1105
Vitor Nerigvája Machado
06/06/1972
1106
Sebastiana Glicério
18/09/1976
1107
Rosenilda Muféjé Machado
16/10/1991
1108
Restina Jóféjé Machado
21/10/1994
/ /1983
/ /1958
PARTE II CARACTERIZAÇÃO FÍSICA (ASPECTOS GEOLÓGICOS, GEOMORFOLÓGICOS, HIDROLÓGICOS, PEDOLÓGICOS, USO E OCUPAÇÃO DO SOLO, APTIDÃO AGRÍCOLA E CLIMÁTICOS) DA TERRA INDÍGENA IVAÍ
APRESENTAÇÃO
A caracterização do meio físico de um sistema ambiental é parte fundamental para conhecimento da sua funcionalidade e da inter-relação dos fatores bióticos e abióticos. No presente estudo foi realizado o diagnóstico da T.I Ivaí, localizada nos municípios de Manoel Ribas e Pitanga, no estado do Paraná no período de junho a dezembro de 2002. Este diagnóstico compreende o estudo das condições climáticas presentes na região, sua geologia, geomorfologia, hidrografia, pedologia, uso e ocupação das terras agrícolas e sua aptidão. Para tanto, foram realizadas, inicialmente, revisões bibliográficas para cada tema abordado, buscando-se informações pré-existentes. Após uma visita prévia na área, foi definida, juntamente com a comunidade indígena, a estratégia para obtenção das informações de campo e a definição dos colaboradores indígenas que atuariam com as equipes na obtenção destas. Os trabalhos de campo foram realizados no período de julho a outubro de 2002, com coletas de diferentes materiais (solo, rochas, água) para posterior análise e avaliação dos resultados. Paralelamente foram realizados trabalhos de escritório com o intuito de estabelecer um banco de dados georreferenciados, onde seriam incorporadas as informações obtidas na área. A agregação das informações possibilitou a obtenção de vários produtos tais como: mapa pedológico, uso atual, aptidão agrícola das terras, hidrológico, climático, geológico e geomorfológico. Estes produtos permitiram a equipe de trabalho a visualização da funcionalidade do sistema, suas potencialidades, problemas, deficiências, fragilidade e vulnerabilidade, possibilitando a elaboração de propostas para solucionar os problemas existentes, readequando-se o sistema de uso atualmente implantado, para resguardar os recursos físicos que estas comunidades dispõe.
CAPITULO I
ASPECTOS GEOLÓGICOS DA T. I. IVAÍ Issa Chaibem Jabur
1
GEOLOGIA REGIONAL Os eventos estruturais, magmáticos e sedimentares ocorridos no Mesozóico
Superior na Bacia do Paraná, representam um amplo episódio tectono-magmáticas que afetou a plataforma brasileira de modo generalizada. Este episódio foi primeiramente descrito e designado por ALMEIDA (1967) de Reativação Waldeniana. Estudos posteriores efetuados por SCHOBBENHAUS et al (1984) denominou o evento de reativação Sul-Atlântica. Desse modo, a bacia Sedimentar do Paraná forma novos arcabouços tectônicos, englobando a seqüências triássico-jurássicocretácica de caráter estritamente continental (Relatório no27394, IPT), cujos depósitos são representados pelas formações Piramboia, Botucatú, Serra Geral e Caiuá, unidades estas pertencentes ao grupo São Bento.
LITOESTRATIGRAFIA ERA
PERÍODO
GRUPO
M E
S Cretáceo
S O
Ã
Formação Caiuá
O
Formação Serra Geral
Jurássico
Z Ó
FORMAÇÃO
Formação Botucatu B
Triássico
Formação Pirambóia
E
I
N
C
T
A
O
Estratigrafia do Grupo São Bento. Fonte: JABUR, Issa C. / 1985.
1.1
FORMAÇÃO SERRA GERAL
A reativação do arco de Ponta Grossa conforme dados de ALMEIDA (1967) e SCHOBBENHAUS et al (1984) determinou um sistema de fraturamento na bacia,
198
culminando com denso enxame de diques do tipo fissural, resultando em uma das maiores manifestações vulcânicas do globo com derrames de rochas ígneas extrusivas, predominando os basaltos de idade jurássica-cretácica.
Atividade ígnea mesozóico associada ao Arco de Ponta Grossa. Fonte: IPT, Relatório 27394.
Esse significativo evento magmático processou-se de maneira intermitente, com sucessivos derrames de lavas, muitas vezes intercaladas por arenitos intertrapianos da formação Botucatu, que cobriram grandes áreas do sul do Brasil e parte dos países limítrofes (Argentina, Paraguai e Uruguai), constituindo o Planalto Meridional Brasileiro. (MINIOLI et al 1971). Estudos mais detalhados sobre esta unidade, analisando a mineralogia
199
e a petrografia, foram desenvolvidas por SCHNEIDER (1964), ROISEMBERG (1974), SARTORI et al (1975) e SARTORI (1984). Pesquisas também foram realizadas, no campo da geoquímica por FODOR (1987) e GASPARETTO (1990) possibilitando o melhor entendimento das gerações do Quimismo e suas fontes. (JABUR, 1992 p.18) GASPARETTO (1990) define muita bem a ocorrência de dois tipos bem característicos de lavas: básicas e ácidas, sendo que estas recobrem aquelas de filiação mais básicas em uma extensão de aproximadamente 150.000 km2, distribuídas principalmente na porção central e sudoeste da bacia. Os dados apresentados pelo autor estão em consonância com os estudos desenvolvidos pela MINEROPAR (Minerais do Paraná S.A.), a qual denominou de Membro Nova Prata da Formação Serra Geral aos últimos eventos do vulcanismo. Registrando a presença de derrames mais ácidos no 3o Planalto Paranaense, compreendendo: riólitos, dacitos, riodacítos e basaltos pórfiros.
Cobertura Sedimentar e Vulcânica Mesozóica da bacia do Paraná. Fonte: MINEROPAR / 2001.
200
1.2
1.2.1
ÁREA DE ESTUDO
Geologia e comportamento geológico
Nos trabalhos de campo executados na Terra Indígena Ivaí, no Município de Manoel Ribas, ficou evidenciado o predomínio das rochas vulcânicas básicas, basaltos da Formação Serra Geral. Esta unidade consiste de basaltos afaníticos de coloração que varia de cinza a preta e amigdaloidal no topo dos derrames, com intercalações de arenitos da formação Botucatu, intertraps. A Formação Serra Geral apresenta um sistema de fraturamento devido à contração das lavas durante o resfriamento, deveras heterogêneo, com presença de diáclases de direções variadas. Medidas de campo realizadas no sistema de fraturamento da Formação Serra Geral em locais estratégicos do 3o Planalto Paranaense ao longo da Rodovia Federal BR. 366, 369, 376, 466 e 487 e Estadual 317, 444 e 445, foi possível estabelecer através de
201
dados estatísticos nas 10 localidades amostradas, uma média de 12 fraturas por localidade, definindo com isto o sistema preferencial das fraturas em porcentagem.
Sistema de fraturas da Formação Serra Geral.
Este sistema de fraturas que em muitos casos ultrapassam a dois (2) cm, é conhecido na literatura geológico-geotecnica como vazios divisionais. GRHES (1976) avalia que essas rochas apresentam permeabilidade por faturamento. Cada fratura aciona como um dreno e o fato de existirem sistemas de fraturamento que se intercomunicam, permite fazer uma analogia com os princípios dos vasos comunicantes. Paralelamente aos estudos geológicos, foi avaliados o comportamento da geologia estrutural e a presença de falhamentos em determinadas áreas da T. I. Ivaí. Ficou evidenciado que este sistema da falhamento está relacionado com o soerguimento do arco de Ponta Grossa na região, provocando esforços de tração, dando origem a fraturas longitudinais com rejeito de falha (falhamento em bloco). Esse processo tectônico está bem definido no setor sudoeste da área, apresentando o encaixamento do rio Borboleta em um sistema de falha normal ou de gravidade do tipo Graben, com direção preferencial para SE. Falhamento este comprovado pela presença do arenito Botucatu silificados em cotas diferenciadas.
202
800
800
780
780
760
760
740
740
720
720
700
700
680
680
660
660
640
640
620
620
100
300
500
700
900
1100
1300
1500
Perfil topográfico da área de estudos. Fonte: JABUR, Issa Chaibem / 2002.
1700
1900
2100
2300
2500
2700
2900
3100
203
1.2.2
Evolução do manto de intemperismo Os sistemas de fraturas que ocorrem nos basaltos ficam submetidos a vários
ataques químicos, principalmente através das precipitações meteóricas, rica em gases dissolvidos de O (oxigênio), N (nitrogênio) e CO2 (gás carbônico), elementos estes que adquirem caráter ácido, como exemplo CO2 + H2O, formando H2CO3, ácido carbônico, que atacam os principais minerais da rocha como a olivina, piroxênio e anfibólios, minerais instáveis ricos em Fe (ferro), Mg (magnésio) e Ca (cálcio), promovendo a decomposição do basalto, evoluindo para material alterado com esfoliação esferoidal, passando para solo residual com saprólito e culminando com solos bem desenvolvidos. São solos de textura argilosa a muito argilosa, desenvolvidos em climas subtropicais úmidos e apresentando boa fertilidade natural. Estes solos ocupam as superfícies onduladas a medianamente onduladas, em áreas altimontanas acima de 700 metros, com presença de araucárias.
1.3
EXPRESSIVIDADE ECONÔMICA-GEOLÓGICA DA T.I. IVAÍ Dentro do aspecto econômico, a geologia da área não apresenta nenhuma
forma mineral tanto em composição rochosa, como em acumulações em forma de jazidas que tenham algum valor comercial. O material basáltico de toda a porção do terceiro planalto paranaense pode apresentar, em algumas regiões, zeólitas ou grandes bolsões preenchidos por ametista e quartzo violáceo, que serve tanto para produção de peças ornamentais como joalheria. No entanto, a formação local não apresenta tais bolsões, caracterizando-se por um material rígido e sem atrativos minerais do ponto de vista econômico.
1.4
REFERÊNCIAS
ALMEIDA, F. F. M. 1967. Origem e evolução da plataforma brasileira, Rio de Janeiro, DNPM-DGM Bol. 241. GASPARETTO, N. V. L. 1990. Alteração interpérica de rochas vulcânicas ácidas na região central do estado do Rio Grande do Sul, Brasil. Dissertação de mestrado, Instituto de Geociências UFRGS – 119 p. GREHS, S. ª C. 1976. Mapeamento Geológico preliminar de Santa Cruz do Sul visando obter informação básicas ao planejamento integrado. Acta Geológica Leopodnedia Estudos Tecnológicos no 1 , v.1 p.121 -276
204
INSTITUTO DE PESQUISA TECNOLÓGICA DO ESTADO DE SÃO PAULO (IPT) 1989. Compartimentação estrutural e Evolução Tectônica do estado de São Paulo. Relatório 27394, vol. 1 e 2. JABUR, I. C. 1985. O Grupo São Bento. Boletim de Geografia – UEM, ano 3, v. 3 p. 109 – 152. JABUR, I. C. 1992. Análise paleoambiental do quartenário superior na bacia hidrográfica do Alto Paraná. Rio Claro UNESP: 184 p. (Doutorado em Geociências). MINIOLI, B; PONÇANO, W. L. e OLIVEIRA, S. M. B. (1971). Extensão Geográfica do vulcanismo basáltico do Brasil Meridional. Anais Academia Brasileira de Ciências 43 (2) p. 433-437. MINEROPAR 1992. A Terra. Atlas Minerais do Paraná S.A., 116 p. SCHOBBENHAUS, C. e CAMPUS, D. de A. 1984. A evolução da plataforma Sulamericana no Brasil e suas principais concentrações minerais. In: SCHOBBENHAUS, C. et al. (coord.). Geologia do Brasil, Brasília DNPM p. 9 – 53.
CAPÍTULO II
ASPECTOS GEOMORFOLÓGICOS DA T. Í. IVAÍ Marcos Rafael Nanni
1 CARACTERIZAÇÃO DA PAISAGEM DA ÁREA DE ESTUDO A caracterização da paisagem se fez necessária para situar a ocorrência das diferentes formas de relevo e disposição das pendentes. Com isso possibilitou-se, como processo auxiliar, delimitar as unidades de paisagem, além de verificar as formas das vertentes e vulnerabilidade a erosão.
1.1
RELEVO Com os trabalhos de campo, realizados nos interflúvios correspondentes aos
rios Passo Liso – Barra Preta e Barra Preta – Borboleta, associados ao estudo da carta planialtimétrica (Figura 1), constatou-se a presença de dois compartimentos geomorfológicos bastantes distintos. O primeiro, ao norte da área, é representado por uma topografia suavemente ondulada e ondulada, com um sistema de vertentes de formas variadas cujos modelados são retilíneo, convexo, côncavo-convexo, com rampas de longo comprimento, com morros subaplainados com grande amplitude onde a média de declividade apresenta-se em torno de 8 % (Figura 2). Próximo aos canais de drenagem, o relevo torna-se mais acidentado, muitas vezes com mudança abrupta da inclinação que pode chegar a 60 % (Figura 3). A altitude média encontra-se em torno de 800 m.s.n.m.
206
GESTÃO AMBIENTAL NA TERRA INDÍGENA T.I.IVAÍ - PARANÁ MAPA PLANIALTIMÉTRICO CONVENCÕES CARTOGRÁFICAS Rios, córregos e ribeirões Curvas de nível Estradas Municipais e Carreadores Caminhos e trilhas
Limites da Reserva
Sede da Reserva
0
500
1000
1500
2000 m
ESCALA GRÁFICA
Sistema de Projeção Universal Transversa de Mercator Origem Meridiano 51 o W.G. DATUM HORIZONTAL CÓRREGO ALEGRE - MG. Equidistância entre curvas de nível - 40 m
2002 km
BASE CARTOGRÁFICA: IBGE FOLHAS SF-22-Y-A-IV a VI; SF-22-Y-C-I a III EXÉRCITO MI-2694 a 2696 EXECUÇÃO: Eng. Agr.MARCOS RAFAEL NANNI UNIVERSIDADE ESTADUAL DE MARINGÁ
Figura 1. Representação do mapa planialtimétrico da T.I. Ivaí
207
Figura 2. Representação do relevo suave ondulado e morros subaplainados da área de estudo.
Figura 3. Representação do relevo com forte ângulo de inclinação próximo aos canais de drenagem.
208
O segundo compartimento, é caracterizado pelo rebaixamento do sistema geomorfológico devido, provavelmente, a processos geotectônicos. Com isso, o relevo apresenta-se bem mais acidentado, com fortes vertentes, tornando o sistema bastante dissecado (Figura 4). As rampas são íngremes, caracterizando a presença de morros retilíneos, com grande amplitude altimétrica. As maiores cotas encontram-se em torno de 800 m.s.n.m enquanto que as menores estão entre 560 e 600 m.s.n.m. A zona apresenta fraturamentos geológicos, onde os rios tornam-se bastante encaixados, ocorrendo até mesmo a presença de cachoeiras (Figura 5). Concomitantemente, a área apresenta basculamento evidenciando, neste compartimento, a presença de uma espessa camada intertrapiana, onde se constatou a presença de solos mais arenosos que aqueles encontrados no primeiro compartimento. A declividade nesta área é mais elevada, apresentando classes forte ondulada e montanhosa (Embrapa, 1979).
Figura 4. Representação do relevo dissecado na área T.I. Ivaí.
209
Figura 5. Falhamento geológico com formação de quedas d’água.
A manipulação das curvas de nível das cartas planialtimétricas digitalizadas no sistema SPRING possibilitou a construção do modelo numérico de terreno que, sobreposto a um plano de textura, representado por imagens sintéticas obtidas pela conjunção das bandas 4(R), 5(G) e 7(B) e 5(R) 4(G) e 7(B) do TM-Landsat, possibilitou a visualização do terreno, onde se encontra a área, em perspectiva (Figura 6).
210
Figura 6. Visualização da área de estudo, em perspectiva, pela sobreposição de uma imagem sintética RGB e o modelo numérico de terreno.
O modelo numérico do terreno possibilitou, ainda, a produção da carta clinográfica da área de estudo (Figura 7), a partir do fatiamento das medidas hipsométricas com intervalos de declividades de acordo com aqueles preconizados pela Embrapa (1979), demonstrou que grande parte da área está compreendida na classe de relevo ondulado, com aproximadamente 3320 ha (45,31%), seguido das classes plano e forte ondulado, apresentando em conjunto cerca de 44% da área,. A classe de relevo suave ondulado apresentou 1285 ha e a montanhoso 46 ha, perfazendo 17,55% e 0,63% da área total da reserva respectivamente (Tabela 1).
211
GESTÃO AMBIENTAL NA TERRA INDÍGENA T.I.IVAÍ - PARANÁ CARTA CLINOGRÁFICA CLASSES DE DECLIVIDADE
0 - 3 % (Plano) 3 - 8 % (Suave Ondulado) 8 - 20 % (Ondulado) 20 - 45 % (Forte Ondulado) 45 - 75 % (Montanhoso)
Reserva Indígena Rios, córregos e ribeirões
500m
0
500
1000
1500
Escala Gráfica
Km
Figura 7. Representação da carta de declividade da área de estudo.
2002
2000m
212
Tabela 1. Área ocupada por cada classe de declividade encontrada na região de estudos. Classe de declividade
Área ocupada
--------------%---------------
------ha-------
------%------
plano (0 – 3)
1285
17,55
Suave ondulado (3 – 8)
752
10,27
Ondulado (8 – 20)
3317
45,31
Forte Ondulado (20 – 45)
1921
26,24
Montanhoso (45 –75)
46
0,63
As classes ondulado e forte ondulado perfazem, em conjunto, cerca de 72% da reserva, com um total de 5238 ha. Isto demonstra que o sistema passível de ser alterado por processos erosivos, pois a declividade é muito acentuada, acarretando deflúvio maior que a infiltração durante as precipitações.
2
REFERÊNCIAS
EMBRAPA. SNLCS. Manual de métodos de análise de solo. Rio de Janeiro, 1979.
CAPÍTULO III
ASPECTOS HIDROLÓGICOS DA T. I. IVAÍ Marcos Rafael Nanni
1
CARACTERIZAÇÃO A região onde se encontra a T.I. Ivaí é caracterizada pela presença de cursos
d’água bem encaixados, em vales de média profundidade enquadrando-se num sistema subdendrítico-subparalelo, variando de acordo com a geomorfologia local (Figura 1).
Ri o Mo nj ol o Ve lh o
Água do Tigre
Ri
o
do
Sa
lt
o
Rio Passo Liso
o Ri
Ba
a rr
Pr
a et
eta bol r o B Rio
Figura 1. Representação da hidrografia da T.I. Ivaí.
O padrão subdendrítico é observado principalmente nas áreas de relevo mais movimentado e o subparalelo apresenta-se nas áreas de relevo mais colinoso. Os maiores cursos d’água transpassam a área da reserva, sendo eles:
214
-
Água do Tigre;
-
rio Monjolo Velho;
-
rio do Salto;
-
rio Passo Liso;
-
rio Barra Preta;
-
rio Borboleta.
Destes, os de maior dimensão são os rios Barra Preta e Borboleta (Tabela 1). A largura média dos rios de menor porte é de 15 metros nas porções mais largas e de 2 a 3 metros nas porções mais estreitas. Nos rios Barra Preta e Borboleta, as porções mais estreitas ficaram em média com 5 m de largura, podendo atingir mais de 30 metros nas partes mais largas (Figura 2).
Figura 2. Rio Passo Liso com aproximadamente 30 m de largura.
A profundidade da maioria dos rios presentes na área é pequena, não atingindo mais que 1 metro deslizando, normalmente, sobre o leito rochoso desgastado e com grande quantidade de blocos e matacões (Figura 3).
215
Figura 3. Rio apresentando pedras e matacões no fundo do leito.
A Tabela 1 apresenta o comprimento dos principais cursos d’água da T.I. Ivaí.
Tabela 1. Comprimento dos principais rios e córregos da T.I Ivaí. Nome do Rio
Comprimento (m)
Água do Maia
8174,13
Rio do Salto
6248,21
Passo Liso
7380,51
Barra Preta
9938,73
Borboleta
11230,31
Além desses, a área apresenta grande número de pequenos e médios canais tributários, tanto permanentes como temporários. Em vários pontos da reserva são encontradas nascentes d’água com variáveis vazões (Figura 4).
216
Figura 4. Nascente de água da T.I Ivaí.
Uma destas nascentes é utilizada, atualmente para abastecimento de parte da sede da reserva (Figura 5). Outras são utilizadas com maior ou menor freqüência dependendo da existência de moradias próximas delas.
Figura 5. Nascente utilizada para abastecimento da sede da TI-Ivaí.
Para averiguação da qualidade física, química e bacteriológica da água consumida pelos índios, realizou-se coleta em diferentes pontos como: a) torneiras residenciais, nascentes e os principais rios (Figura 6).
217
Como a sede da reserva é abastecida por água tratada em estação de tratamento, foram coletadas amostras, de forma aleatória, em residências com presença e ausência de caixa d’água. Os rios têm papel importante no processo social, uma vez que os mesmos são utilizados para pesca, lazer, abastecimento de algumas residências, local para lavagem da roupa, banho etc. Os rios servem também como depósito do material (taquara) que será utilizado na confecção dos cestos produzidos artesanalmente, uma vez que tais materiais devam passar pelo processo de umedecimento para torná-los maleáveis e resistentes para serem manipulados. A análise dos rios faz-se necessária uma vez que todos os grandes cursos d’água transpassam a reserva, ou seja, advém de porções externas a montante, localizadas na face oeste da área, podendo estar contaminadas por metais pesados ou coliformes fecais.
Figura 6. Coleta de amostra para análise d’água dos rios da T.I. Ivaí.
Realizou-se quinze amostras para análises físico-químicas e quatorze para análise bacteriológica. Os resultados completos encontram-se em anexo. A Tabela 2 apresenta os resultados parciais das análises realizadas, para os diferentes pontos de coleta.
218
Tabela 2. Amostra, localização e resultados das análises químicas físicas e bacteriológica da água da T.I. Ivaí. Amostra
Localização da coleta
Avaliação Física1
Avaliação Química2
Coliformes fecais3
01
Rio Água do Maia
Cor, Turbidez
Ferro
540
02
Nascente dentro da sede
Cor, Turbidez
Manganês
>16
03
Torneira
Cor, Turbidez
Ferro, Manganês
0
04
Rio Monjolo Velho
Cor, Turbidez
Ferro, Manganês
>2400
05
Torneira
-
Manganês
0
06
Torneira
-
-
0
07
Torneira
-
Manganês
0
08
Torneira
-
Manganês
nd4
09
Mina que abastece a
-
Manganês