DIÁLOGO SENSÍVEL DE OLHARES CAIÇARAS SOBRE ITANHAÉM

June 14, 2017 | Autor: Thais Oliveira | Categoria: Paulo Freire, Maurice Merleau-Ponty, Arte Educação, Fotografia
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FACULDADE PAULISTA DE ARTES Pós-graduação em Arte Educação THAIS OLIVEIRA SILVA

DIÁLOGO SENSÍVEL DE OLHARES CAIÇARAS SOBRE ITANHAÉM

SÃO PAULO 2015

THAIS OLIVEIRA SILVA

DIÁLOGO SENSÍVEL DE OLHARES CAIÇARAS SOBRE ITANHAÉM

Artigo Científico apresentado à disciplina Pesquisa Orientada do curso da Pós-Graduação em Arte Educação como um dos pré-requisitos, sob a orientação do Prof.º Dr. Maurício de Carvalho Teixeira

SÃO PAULO 2015

SUMÁRIO

RESUMO/ABSTRACT......................................................................................................pág. 5 1. MEDIANDO ENCONTROS CONSIGO MESMO, COM O OUTRO E COM O MUNDO: ARTE NA ESCOLA...........................................................................................................pág. 6 1.1 Possíveis e imprescindíveis diálogos entre a Educação e a Cultura Popular................pág. 8 1.2 Da Pedra que canta e nos ensina uma canção.............................................................pág. 10 1.3 Trilhares por este chão caiçara....................................................................................pág. 11 2. FOTOGRAFIA: ESPELHO DO REAL?.......................................................................pág.15 2.1 Possibilidades da leitura fotográfica...........................................................................pág. 17 3. DO ENCONTRO E DOS DIÁLOGOS CAIÇARAS...................................................pág. 18 3.1 Meu Barco virou saudade............................................................................................pág. 20 3.2 Devolvam os meus sonhos..........................................................................................pág. 24 DAS CONSIDERAÇÕES FINAIS E SEUS ETERNOS RECOMEÇOS........................pág. 27 REFERÊNCIAS................................................................................................................pág. 28

LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Figura 1..............................................................................................................................pág.14 Figura 2.............................................................................................................................pág. 15 Figura 3.............................................................................................................................pág. 21 Figura 4.............................................................................................................................pág. 23 Figura 5.............................................................................................................................pág. 24 Figura 6.............................................................................................................................pág. 25 Figura 7 ............................................................................................................................pág. 27

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DIÁLOGO SENSÍVEL DE OLHARES CAIÇARAS SOBRE ITANHAÉM Thais Oliveira Silva [email protected]

RESUMO O presente artigo irá refletir sobre a arte na escola e seu alcance que nos permite encontrarmo-nos consigo mesmo, com o outro e com o mundo. Para tanto, partiremos da proposta da vinculação entre a educação e a cultura popular, ao abordarmos o encontro do educador e do educando com sua cultura de origem. A fotografia terá, neste diálogo, um importante papel, pois será ponto de partida tanto de nossas memórias quanto de nossas reflexões. Alunos itanhaenses com idades entre seis e catorze anos nos apresentarão seu olhar neste diálogo sensível. Propostas de (re)encontro e diálogos ora de Merleau-Ponty (2013) ora de Paulo Freire (1987), permeiam todo o trabalho, num imbricamento próprio à Fenomenologia.

Palavras-chave: Diálogo, Cultura Caiçara, Fotografia.

ABSTRACT

This article will reflect on the art at school and its range that allows us to find ourselves with himself, with others and with the world. To this end, we start from the proposal of the link between education and popular culture, in addressing the meeting of the educator and the student with their culture of origin. The photography will have, in this dialogue, an important role as it will be the starting point for both our memories and our reflections. Itanhaenses students aged between six and fourteen years will show us their view in this sensitive dialogue. Proposals for (re)encounter and dialogues sometimes from MerleauPonty (2013), some others from Paulo Freire (1987), permeate the entire work, in overlapping Phenomenology itself. Key words: Dialogue, Caiçara culture, Photography.

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1. MEDIANDO ENCONTROS CONSIGO MESMO, COM O OUTRO E COM O MUNDO: ARTE NA ESCOLA

O presente artigo nasceu das reflexões germinais a respeito do que nos cerca, compartilhadas entre a educadora e seus educandos, com idades entre 6 e 14 anos de idade, matriculados no Projeto Tempo Todo “Franklin Fray Martins”, no primeiro semestre de 2014, na cidade de Itanhaém – SP. A pesquisa teve por objetivo investigar as possíveis formas de mediar o diálogo sensível em sala de aula a respeito da cultura em que estamos inseridos, sobre o local de origem, vivências e memórias utilizando a linguagem fotográfica. É oportuno citar Freire (1987, p. 04) quando diz: “Este – o mundo – é o lugar de encontro de cada um consigo mesmo e com os demais”. Não estamos diante dele, mas envolvidos nele/por ele; tal espaço permeará nossos diálogos, já que “...vivo-o por dentro, estou englobado nele. Pensando bem, o mundo está ao redor de mim, não diante de mim”. (Merleau-Ponty, 2013, p.39) Nesta compreensão, ao contemplarmos o mundo, algo irá se acender, invadir o corpo, uma visão aguçada se inaugurará em nós. Todo-eu contemplará o que me cerca, conforme diz Merleau-Ponty (2013): “A visão é o encontro, como numa encruzilhada, de todos os aspectos do ser”. (p.53). Este, como nos informa Araújo (2007), é o olhar fenomenológico, o qual se faz pelo entrelaçamento dos sentidos e consciência. Deste modo, o olhar não apenas vê, mas toca, sente e compreende o mundo. Assim “... Sou eu, com minhas vivências sensíveis, culturais, sociais e intelectuais, acrescido do outro e do mundo”. (Araújo, 2007, p.17). Todas estas considerações fenomenológicas precisam alicerçar o trabalho do professor de arte, para que seus alunos vivenciem constantemente tais encontros em sala de aula. Como isso irá se realizar não encontraremos em “receitas metodológicas”; os caminhos devem ser encontrados pelo próprio professor como defende Araújo (2007), ao buscar em sua história pessoal, em sua cultura, bem como em seus conhecimentos que se formam continuamente. De modo sensível, Ostrower (2009, p.75) aborda o assunto: “Seu caminho, cada um terá de descobrir por si. Descobrirá, caminhando. Contudo, seu caminhar jamais será aleatório. (...). Caminhando, saberá. Andando, o indivíduo configura o seu caminhar. (...) Chegará a seu destino. Encontrando, saberá o que buscou”.

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Barbosa (1991), influenciando-me decisivamente, nos aconselha a buscar uma: “abordagem que torne a arte não só um desenvolvimento das crianças, mas principalmente um componente de sua herança cultural”. (p.03) A autora compreende a abrangência da arte não apenas como algo básico, mas fundamental. Complementa dizendo: “Se pretendemos uma educação não apenas intelectual, mas principalmente humanizadora, a necessidade da arte é ainda mais crucial para desenvolver a capacidade criadora necessária à modificação desta realidade”. (p.05) Tal realidade não se modificará sozinha. Freire (1987), acredita que educador e educandos, co-intencionados à realidade, conhecem-na, mas a recriam, a partir deste conhecimento. Uma coisa é certa: não devemos falar da realidade como algo estático, alheio à experiência dos educandos, quando que o educador assume a tarefa de apenas “encher” os educandos com os conteúdos de sua narração. Freire (1987) os descreve como: “conteúdos que são retalhos da realidade desconectados da totalidade em que se engendram e em cuja visão ganhariam significação”. (p.65) Na concepção de Freire (1987), tal é a “educação bancária”, onde o saber é uma doação dos que se julgam sábios aos que julgam nada saber. Tal rigidez nega a educação e seu perene estado de busca. Mas ousemos ir além dos comunicados e iniciemos uma comunicação real e efetiva com os educandos, onde juntos buscamos a transformação. “Só existe saber na invenção, na reinvenção, na busca inquieta, impaciente, permanente, que os homens fazem no mundo, com o mundo e com os outros. Busca esperançosa também”. (FREIRE, 1987, p.66) Se nós buscamos identidade e fortalecimento nacional, o conhecimento da arte e história é imprescindível. Deste modo, Barbosa (1991) defende: “outro objetivo que estará presente na arte-educação no Brasil do futuro é a ideia de reforçar a herança artística e estética dos alunos com base em seu meio ambiente. (...) se não bem conduzida pode criar guetos culturais sem possibilitar a decodificação de outras culturas”. (p. 24) O modo como Barbosa (1991) compreende a educação dialoga com as ideias de Paulo Freire (1987), ao negar o homem abstrato, solto, desligado do mundo, sem considerar sua cultura, mas percebendo-o capaz de desenvolver seu poder de captação e compreensão do mundo que lhe aparece, numa realidade em constante processo. É tempo de ouvir o que os alunos tem a dizer primeiramente sobre a cultura que estão inseridos, para então aventuraremse pelo mundo. “A existência, porque humana, não pode ser muda, silenciosa, nem tampouco

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pode nutrir-se de falsas palavras, mas de palavras verdadeiras, com que o homens transformam o mundo”. (FREIRE, 1987, p.92)

1.1 Possíveis e imprescindíveis diálogos entre a Educação e a Cultura Popular

Silva (2008) nos fala que o termo “cultura popular” produz certo estranhamento numa sociedade como a brasileira, marcada por desigualdades, já que a ideia de cultura está associada à sofisticação, à erudição. Tal cultura, denominada “cultura de verdade” ou “alta cultura” nos remete a um conjunto de bens materiais ou imateriais passíveis de ser apropriado por uma minoria endinheirada. Assim, seu acesso, ainda hoje, é bem restrito. Já a cultura popular, identifica então os elementos, significados e valores comuns ao povo. Em vista disto, nos aponta Silva (2008, p. 08): “Não é difícil, então, compreender que os conflitos culturais assentados nesta oposição entre cultura popular e cultura de elite são, na verdade, correlatos a diversos outros conflitos – raciais, de classe, políticos, econômicos e simbólicos”. (p.08) É necessário recusar a hierarquia entre as culturas ditas subalternas e dominantes. Ao recuperarmos a importância da cultura popular, é possível pensar novas alternativas de Brasil, pois como nos garante Silva (2008, p. 09): “a cultura popular brasileira é um estoque inesgotável de conhecimentos, sabedorias, tecnologias, maneiras de fazer, pensar e ver nossas relações sociais”. Neste resgate, a escola terá um papel fundamental se for capaz de tornar-se plural, multissapiente, multicultural, multiétnica e multirracial. Se compreendermos verdadeiramente o conceito de cultura, isto será possível: Cultura é o conjunto diverso, múltiplo de maneiras de produzir sentido, uma infinidade de formas de ser, de viver, de pensar, de sentir, de falar, de produzir e expressar saberes, não existindo, por conta disso, uma só cultura, ou culturas mais ricas e evoluídas que outras, tampouco gente ou povos sem cultura. São qualidades diversas de uma mesma experiência humana, mas qualquer hierarquia que as quantifique é indevida. (SILVA, 2008, p.17)

Deste modo, a cultura está entretecida em todo ser humano. Existe a tradição de que o conhecimento oficialmente ocidental e científico é o único competente, válido e útil; e a escola tem mantido tal posicionamento, relegando o conhecimento popular à “hora do recreio”, ou ao “mês de agosto”. É inconcebível uma experiência tão rica ser tão

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desvalorizada, como nos lembra Silva (2008, p. 37) de seu alcance na: “criação de artes, saberes, valores e saberes populares. (...) complexos saberes técnicos, científicos, sociais e artísticos, com que tanto se cura uma doença quanto se recorda a memória da história de um povo”. Redescobrir seu valor artístico e humano, vai além das fragmentações que tem se trazido à escola, como curiosidades, desconectadas da realidade. O importante, neste encontro com a cultura popular é: “reaprender com a arte, com o imaginário e com a sabedoria do povo – dos vários povos do povo – outras sábias e criativas maneiras de viver, e de sentir e pensar a vida com a sabedoria e sensibilidade das artes e das culturas do povo”. (SILVA, 2008, p. 39) Como vimos anteriormente em Barbosa (1991), é através da cultura que nos conhecemos, conhecemos o outro e formamos nossa identidade. Na observação de Silva (2008), não é possível dizer quem somos se não aprendermos na escola o valor artístico e cultural da formação que reuniu o povo brasileiro e continua a reunir tanto jeitos de ser e viver, numa mistura que deve ser visto como um grande potencial. É preciso investir sempre neste encontro a fim de que um complemente o outro. Assim, quando trabalhamos com arte e cultura brasileira na educação, participamos de um processo que forma brasileiros com muita honra de ser quem são. Pois, questiona Silva (2008, p. 81): “A quem serve um povo sem identidade? É possível motivar a escola para o autoconhecimento cultural-artístico da comunidade onde ela se insere e ter este saber como uma das bases da construção dos currículos e projetos pedagógicos”? Cabem a nós, professores, apresentarmos outras opções a nossos alunos e a nós mesmos, para vivermos uma escola mais alegre, mais artística, mais brasileira. Neste mundo contemporâneo, com a perda de tantos valores, cabe à escola e a educação: (...) resgatar, redefinir, ressignificar a existência na barbárie. (...) é ensinar a nos percebemos olhando para o outro, trazer para dentro da escola os outros, os excluídos, e aprender que é possível assumir múltiplos lugares, entender que o mundo não é um único mundo e descobrir que o novo pode nascer daquilo que foi perdido. A tarefa mais importante para a escola e para uma perspectiva mais democrática de educação é certamente lutar contra a fragmentação e a dispersão, reatando, pela linguagem expressiva, os elos da coletividade; preenchendo o vazio deixado pelo individualismo pósmoderno. (p.87)

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1.2 Da Pedra que canta e nos ensina uma canção

Itanhaém é uma cidade do litoral sul paulista, localizada entre os municípios de Peruíbe e Mongaguá. Seu nome vem do tupi-guarani (ita – pedra; nhaém – sonora) e quer dizer “pedra que canta”. De acordo com Ferreira ( 2008), são 26 quilômetros de praias, baías, costões rochosos e pequenas enseadas banhadas pelo Oceano Atlântico. A rede fluvial é extensa, destacando-se como principal rio o Itanhaém. Sua fundação ocorreu entre 22 de janeiro de 1522 e abril de 1533, por ocasião da estada de Martim Afonso de Souza em São Vicente. No local escolhido para a povoação habitava indígenas da tribo dos itanhaéns, como nos informa Calixto apud Ferreira (2008). De modo belo e poético, Ferreira (2008) faz-nos sonhar com tal canção que as rochas ousam cantar por aqui. Não apenas elas, mas seus rios e mares também são sonoros, o sol que reflete nos microcristais de areia, a vida que pulsa nos manguezais, em nossa mata atlântica é a mesma que pulsa em cada morador. Uma gente simples, com um modo singular de viver, resistindo bravamente não ecoar com a urgência das grandes cidades metropolitanas, mas ter sua existência artesanalmente, ponto a ponto tecida no manto caiçara. Em sua pesquisa, Branco (2005) ao consultar o dicionário etimológico Houassis (2000), nos informa que a origem da palavra caiçara é indígena (“kaai´as”), que significa cerca de ramos, fortificação para vedar o trânsito. O termo passou a denominar aqueles que viviam junto às praias, em economia de subsistência baseada na pesca, extração de palmitos e alguns frutos silvestres e uma fraca agricultura, predominando os roçados de mandioca, milho e arroz. Utilizavam o entrelaçamento de ramos tanto para suas habitações como no preparo de armadilhas para caçar e pescar. A população caiçara é encontrada em toda costa dos estados do Rio de Janeiro, São Paulo e Paraná podendo-se estender essa denominação inclusive ao litoral de Santa Catarina, como nos informa Branco (2005). Tanto os traços físicos como os culturais revelam a miscigenação do português com o índio e, em menor grau, com o negro africano. Para compreendermos tal cultura, é necessário considerar os diversos momentos históricos que promoveram a marginalização das comunidades, alienando-os do desenvolvimento do país. Branco (2005, p. 22) nos complementa: O caiçara isolado na restinga litorânea, viu-se obrigado a organizar seu modo de vida condicionado pela adaptação ao meio, buscando o suprimento das necessidades de subsistência na memória dos traços culturais herdados,

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compondo uma cultura específica, profundamente adaptada à natureza – ao rio, à serra, ao mar. A construção da habitação, as técnicas agrícolas e artesanais para a elaboração de produtos de uso doméstico, inclusive receitas, tanto culinárias quanto medicinais, mantiveram-se mais próximas dos costumes indígenas com alguns traços lusitanos. As manifestações religiosas revelam tradições portuguesas, as formas de relacionamento entre vizinhos ou com parentes que viviam distantes, o exercício da mútua ajuda, do mutirão ou adjutório, são costumes ainda hoje preservados nos povoamentos europeus, africanos e indígenas, quando isolados da sociedade urbana.

A cultura caiçara, como a de outros grupos que permaneceram à margem do desenvolvimento intelectual nacional, é referida com maior ou menor entravo de subalternidade, como vimos anteriormente em Silva (2008). Quando Branco (2005) nos alerta do risco de ela estar em extinção, é quando constata a consequência natural do processo de modernização nacional. Porém intensifica-se pesquisas de campo e salvaguardas das culturas de minorias nos últimos anos. Entretanto, nas palavras de Branco (2008, p. 21): “A grande falha cometida em relação à cultura caiçara é que esta foi, comparativamente, pouco estudada e hoje se revela vítima de preconceitos até mesmo por parte de seus próprios herdeiros”. Nosso papel aqui é o de reverter tal situação.

1.3 Trilhares por este chão caiçara

Ostrower (2009) nos fala que o viver e o criar estão interligados, assim, minha poética visual foi norteada por minha infância, de quando minha avó nos levava para passear em diversos lugares daqui. Tal como Exupéry, em “O Pequeno Príncipe”, desde a concepção desta poética (Silva, 2012), também penso que as crianças sabem o que procuram, pois prestam atenção em seus caminhos, seu olhar é apurado. Não quero jamais perder este olhar. Foi por ele que ousei trilhar pelo caminho inusitado da fotografia com o enquadramento em diagonal, o qual culminou em meu trabalho de conclusão de curso de Licenciatura em Artes Visuais (Silva, 2012). O grande precursor deste enquadramento foi o russo Alexander Rodchenko (1891 – 1956), artista plástico, escultor, fotógrafo e designer gráfico, sendo um dos fundadores do Construtivismo Russo. Suas imagens enfatizaram a composição diagonal dinâmica. Apaixonei-me por este enquadramento, pois sua principal característica é conferir à

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imagem dinamismo e movimento, me identifico com ela. Tem energia, conduz o olhar dum canto a outro da imagem. Senti-me forte e segura ao poder estar presente em diversos recantos de minha terra, especialmente no alvorecer, e realizar seu registro, compondo uma poética pessoal, que, como nos esclarece Martins (2009), tal prática é o: “modo singular de tornar visível seu olhar sobre o mundo”. (p.46). Assim sendo, ela é a essência de seu criador, de acordo com Pareyson apud Martins (2009, p. 53): “Ela exprime, então, a personalidade do seu autor, não tanto no sentido de que a trai, ou a denuncia, ou a declara, mas, antes, no sentido de que a é, e nela até a mínima partícula é mais reveladora a cerca da pessoa de seu autor do que qualquer confissão direta e a espiritualidade que nela se exprime está completamente identificada com o estilo”. Bresson apud Martins (2008) nos conta que a câmera fotográfica não é um instrumento apto para responder o porquê das coisas, ela é antes feita para evocá-lo, e noutras vezes, ela pergunta e responde ao mesmo tempo. Deste modo, minhas imagens são questões: E se o mundo fosse inclinado? Você é capaz de perceber o que se encontra ao seu redor, em seu cotidiano? Eu desconstruí os locais para que os alunos os percebessem atentamente e os reconstruíssem (ou não). Foi um recurso didático e lúdico utilizado a fim de atrair seus olhares para o próprio lugar, tantas vezes menosprezado. Gosto de brincar com a possibilidade de te molhar com o rio ou o mar, quando ele está inclinado. A vertigem de ver minha terra tão querida inclinada, sob um olhar poético e imaginativo. Quero e preciso de Arte para me libertar e imprimir todas minhas fantasias e excentricidades. Bresson apud Martins (2008) nos assegura que isto é possível, já que fotografar para ele é como gritar, libertar-se, sendo então, uma maneira de viver. Tencionei retratar minha cidade de modo que me representasse, pois, para Sontag apud Martins (2008), as fotografias de paisagens são um tipo de “paisagens interiores”, sendo estas como um instrumento de uma subjetividade questionadora. O que Martins (2008) fala sobre a polissemia de significados para cada um, certamente para o fotógrafo o significado também muda de acordo o seu momento de vida. Tenho certeza de que se minha avó ainda estivesse viva, estas séries seriam completamente diferentes, pois eu não teria tanta sede por visitar estes lugares significativos de minha infância. Kossoy (2001) ao abordar o assunto diz: Ao observarmos uma fotografia, devemos estar conscientes de que a nossa compreensão do real será forçosamente influenciada por uma ou várias interpretações anteriores (...) o passado será visto sempre conforme a interpretação primeira do fotógrafo que optou por um determinado aspecto, o

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qual foi objeto de manipulação desde o momento da tomada de registro e ao longo de todo processamento, até a obtenção da imagem final. (KOSSOY, 2001, p.113)

Portanto, em cada paisagem fotografada, ainda que sem nenhuma presença visível, lá estará ela, assim como a todos aqueles que já partiram, mas que nos deixaram este legado caiçara, a nós, seus descendentes, que na maioria nem vivemos mais em comunidades ribeirinhas ou praianas, mas sua influência nos alcança como a maresia em nosso ar. Quando passeávamos, tudo era visto por mim com muito cuidado. Adorava o mar desde o primeiro encontro, seu odor característico, o contato das ondas em meu corpo, eu o observava com a inteireza de meu ser, pois como nos aconselha Merleau-Ponty (2013), “é preciso reencontrar o corpo perante e atual, aquele que não é uma porção do espaço, um feixe de funções, que é um trançado de visão e movimento” (p. 18). Tal corpo que, na concepção do autor é vidente e visível, ou seja, aquele que olha todas as coisas, pode se olhar, neste imbricamento de olhares, no qual percebe-se integrante do tecido do mundo. Lembranças, vivências e sentimentos de todos meus trilhares por este chão caiçara estão infundidos em minhas imagens. Contudo, uma lembrança é forte e marcante. Um barqueiro plana nos rios caudalosos de minha mente. O “Tio Sertório”, como minha avó se referia a ele carinhosamente, foi, a meu ver, um homem de sorte, pois conhecia muito bem o Rio Itanhaém, esteve lá durante muitos anos de sua vida. Sua casa de madeira se localizava próximo morro ao morro Sapucaetava, às margens do rio, junto de sua família e seus companheiros. “Vamos à casa do Tio Sertório hoje à tarde?” - Minha avó nos convidava. Sertório Domiciano Silva (1908 – 1988) era irmão de Anselmo Silva (1904 –1975), pai de minha avó. Visitá-lo era sua grande alegria, pois o Tio Sertório era amoroso, sempre com um sorriso sincero em seu rosto. Há muito tempo atrás, ele foi o barqueiro que transportava os moradores de ambas as margens, antes da construção da ponte. Um caiçara reconhecido, sempre lembrado com saudade e estima. As histórias que Itanhaém guarda sobre este caiçara caracterizam a coragem, honestidade e a simplicidade deste homem rude de grande sabedoria da vida. Em sua homenagem a ponte sobre o Rio Itanhaém leva o seu nome desde 12 de Fevereiro de 1.990, através do Decreto Municipal nº 1.331/90.

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Quando eu atravesso a Ponte Sertório Domiciano Silva sob o Rio Itanhaém, minha alma se transporta para o passado... Meu coração se enche de saudades de tudo aquilo que eu nem vi ou vivi, mas, que de tanto ouvir de minha avó é como se eu estivesse vivendo o momento deles... O momento em que o caiçara morava próximo ao mar, memoráveis anos antes da especulação imobiliária, em que este foi expulso de suas terras, de centenas de anos, para ceder lugar a casas de veraneios e colônias de férias “regularizadas”, como nos informa Branco (2005).

Fig. 1: Sutilezas do amanhecer. Foto de Thais Oliveira Silva. 01.Abr.2012. FUJIFILM. FinePix JX420. F/8. V: 1/140s. ISO: 100

Do alto da ponte, vê-se o encontro mágico das águas doces com as salgadas no local denominado Boca da Barra (Figura 1). É belo ver, durante o ano, o comportamento destes dois gigantes, ora homogêneos, quando é difícil notar o começo ou o fim de cada um, ora desiguais, tanto na coloração, quanto na movimentação de suas águas. É nostálgico observar um barco indo encontrar-se com o mar, o sol e o rio pelo amanhecer, o qual me motivou a realizar diversas séries fotográficas denominadas: “Minha força está na solidão do amanhecer” desde o ano de 2011 até os dias de hoje, sempre procurando aperfeiçoar-me. Sempre persiste-me a ideia de observar o rio em seu nível, possuir uma canoa e deixarme vagar lentamente sob a influência da relativa correnteza do rio ou então, com um remo, ao alvorecer encontrar-me com o Rei Sol, nascido com todo seu esplendor, em sua barca solar após sua vitoriosa jornada em terras sombrias, como acreditavam os antigos egípcios. Minha poética visual baseou-se nestas travessias imaginárias desde a infância, podendo visualizar o Rio em ângulos que nunca vi, sentindo a força de sua correnteza em

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certas épocas, a predominante calmaria em outras, deslizando solitariamente em direção ao alvorecer, contemplando os primeiros raios solares não mais do alto da ponte, mas em seu nível, buscando estar em harmonia, sentindo suas cores em mim, suas intensas tonalidades que me acompanham até os dias de hoje em todas minhas produções artísticas. Após todos os diálogos travados com as crianças, eu não produzi mais fotografias enquadradas diagonalmente, seu dinamismo não mais me seduzia. O diálogo influenciou-me decisivamente, pois percebi que não era a obliquidade do horizonte que os fazia sonhar, imaginar e compreender nossa terra. Neste encontro de vivências algo em mim se transformou. “Quando estamos diante de uma obra de arte, a recriamos em nós. A contemplação de uma produção artística nunca é passiva algo de nós penetra na obra ao mesmo tempo que somos invadidos e despertados para novas sensibilidades”. (Marins, 2009, p.67) Procurei assim a solidez do horizonte, e lá aportei desde então, sem nunca perder o encantamento pela hora mágica e suas cores vibrantes (Figura 2).

Fig. 2: Daquele que desliza suave pelo amanhecer. Foto de Thais Oliveira Silva. 29. Jan. 2015. NIKON CORPORATION. NIKON D3100. F/3.5 V: 1/800s. ISO: 800

2. FOTOGRAFIA: ESPELHO DO REAL?

A revolução industrial possibilitou um enorme desenvolvimento das ciências. Neste processo, de grandes transformações surge uma invenção que teria um papel fundamental enquanto possibilidade de informação e conhecimento: a fotografia, a qual serviria tanto às artes, quanto à ciência, conforme nos informa Kossoy (2001). Com ela, o mundo tornou-se acessível, pois o homem passou a ter conhecimentos de outras realidades que até então lhe eram distantes. O autor nos esclarece um importante ponto: “iniciou-se um novo processo de

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conhecimento do mundo, porém de um mundo em detalhe, posto que fragmentário em termos visuais e, portanto, contextuais”. (p.26) Assim, o mundo torna-se portátil, ilustrado, quando todos tomam posso de microaspectos mundiais. Martins (2008, p. 40), ao abordar tal assunto, qualifica tais microaspectos contidos nas fotografias, dizendo: “ao se disseminar como meio popular de expressão visual, criou e estendeu ao cotidiano a classificação daquilo que se vê, (...) ao transformar os cenários da vida de todo dia em imagem fotográfica. Hierarquizou o que é visto”. Neste ínterim, a fotografia conseguiu selecionar aquilo que nos é relevante. Assim, paulatinamente, passamos a colecionar fotografias como possibilidade de autoconhecimento e recordação, de criação artística, mas principalmente de documentação, pois sua natureza testemunhal seduziu a muitos que compreenderam-na como forma de manipulação. É necessário que entendamos sua condição de registro do aparente e das aparências, como aborda Kossoy (2001), para que também não nos iludamos com aquilo que tão realisticamente capta. “Justamente em função deste último aspecto ela se constituiria em arma temível, passível de toda sorte de manipulações, na medida em que os receptores nela viam, apenas, a “expressão da verdade”, posto que resultante da “imparcialidade” da objetiva fotográfica”. (KOSSOY, 2001, p.27) Qualquer que tenha sido a razão que levou o fotógrafo a registrar o assunto, não haverá dúvida de que o mesmo de fato existiu. Deste modo, ela é um meio de conhecimento, mas devemos estar atentos que a fotografia não reúne em seu conteúdo o conhecimento da verdade. Como nos aconselha Kossoy (2001, p. 107): “Deve-se, entretanto, ter em mente que o assunto registrado mostra apenas um fragmento da realidade, um e só um enfoque da realidade passada: um aspecto determinado”. Portanto, existem diversas possibilidades de manipulação. “Dramatizando ou valorizando esteticamente os cenários, deformando a aparência dos seus retratados, alterando o realismo físico da natureza e das coisas, omitindo ou introduzindo detalhes, elaborando a composição (...) o fotógrafo sempre manipulou seus temas de alguma forma: técnica, estética ou ideologicamente”. (KOSSOY, 2001, p.108) Entretanto, não é apenas o fotógrafo que dramatiza na construção fotográfica. Martins (2008), nos fala que o fotografado também teatraliza, fazendo supor o que fora perdido. “(...) a fotografia se propõe como apontamento da memória, (...) como lembrete do que se perdeu no cotidiano, na banalização, na secundarização de certos acontecidos, e não se quis perder. No entanto, a fotografia diz menos do que o acontecido”. (p.43) Assim, contamos nossas vidas através das fotografias. Tal crônica, Martins (2008, p. 45) denomina como: “memória

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dos dilaceramentos, das rupturas, dos abismos e distanciamentos, como recordação do impossível, do que não ficou e não retornará. Memória de perdas. Memória desejada e indesejada. (...) memória de uma sociedade de rupturas, e não de coesões e permanências”. O autor, falando de tais memórias, refere-se à dos ausentes, dos banidos da história pessoal, aos mortos reais e simbólicos, que não fazem mais parte da vida cotidiana, mas ainda permanecem lá, alheios à continuidade da vida.

2.1 Possibilidades da leitura fotográfica e desenvolvimento estético

Quando estamos diante de uma fotografia, devemos estar conscientes de que nossa compreensão será influenciada por uma ou várias interpretações anteriores, como vimos anteriormente em Kossoy (2001). É necessário sempre ter em mente de que ela traz apenas informações visuais de um fragmento do real, e não o próprio real. Martins (2008) compartilha de tal pensamento ao abordar a polissemia de fotografia em sua pesquisa. Para lermos uma fotografia, é necessário conhecermos os três elementos essenciais para sua realização: o assunto, o fotógrafo e a tecnologia. Kossoy (2001, p. 38) nos esclarece: “O produto final, a fotografia, é portanto resultante da ação do homem, o fotógrafo, que em determinado espaço e tempo optou por um assunto em especial e que, para seu devido registro empregou os recursos oferecidos pela tecnologia”. Quando o fotógrafo seleciona o que quer mostrar, o registro documenta, também a atitude do fotógrafo, enquanto filtro cultural, apropriando-nos do conceito de Kossoy (2001). Portanto, sua “ideologia acaba transparecendo em suas imagens, particularmente naquelas que realiza para si mesmo enquanto forma de expressão pessoal”. Kossoy (2001, p. 43). Deste modo, o autor defende sua tese de que o papel decisivo da bagagem cultural do fotógrafo, bem como sua criatividade, determinam o produto final. Em vista disto, a fotografia não é apenas documental. Ela pode e deve ser meio de expressão individual, prestando-se a criações poéticas, imaginativas, pois ela não deve ser entendida como registro da realidade factual. Deste modo, Kossoy (2001, p.49) nos apresenta que: “o registro documenta nestas circunstâncias, a atividade criativa do autor, pois ela é, em si mesma uma manifestação de arte”. Martins (2008), abordando o assunto, nos fala que nossas concepções fotográficas enriqueceriam se levássemos em conta que a composição

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fotográfica é também uma construção imaginária, expressiva. Sobre sua dualidade em ser arte mecânica ou ciência artística, o grande fotógrafo Brassaï apud Kossoy (2001, p.48) esclarece com lucidez este aspecto: A fotografia tem um destino duplo... Ela é filha do mundo do aparente, do instante vivido, e como tal guardará sempre algo do documento histórico ou científico sobre ele; mas ela é também filha do retângulo, um produto das belas-artes, o qual requer o preenchimento agradável e harmonioso do espaço com manchas em preto e branco ou em cores. Neste sentido, a fotografia terá sempre um pé no campo das artes gráficas e nunca será suscetível de escapar deste fato.

Nós, aqui do outro lado do retângulo, fazemos parte do ciclo que a compõe, como nos esclarece Byers apud Martins (2008, p. 28): “A fotografia não é o produto de um tecnologia, mas é produto das várias interações humanas envolvidas: pessoas sendo fotografadas, pessoas tirando fotografias, pessoas olhando fotografias”. Tais pessoas, envolvidas na trama fotográfica precisam saber lidar com ela, pois, a fotografia é inútil se não tem sentido para determinada pessoa ou público. Sekula apud Martins (2008), sugere a necessidade de uma “alfabetização fotográfica”, ou seja o desenvolvimento da capacidade de ver uma fotografia e interpretar o que ela contém. Freire (1987, p. 03) nos fala constantemente em seus escritos que alfabetizar é conscientizar, explicando: “ao objetivar seu mundo, o alfabetizando nele reencontra-se com os outros e nos outros, companheiros de seu pequeno “círculo de cultura”. Encontram-se e reencontram-se todos no mesmo mundo comum (...). assim, juntos, re-criam criticamente seu mundo: o que antes os absorvia, agora podem ver ao revés”. Deste modo, em tal círculo, há uma troca recíproca de consciências. Mas, afinal, o que é consciência para este grande educador? “A consciência é essa misteriosa e contraditória capacidade que tem o homem de distanciar-se das coisas para fazê-las presentes, imediatamente presentes”. (FREIRE, 1987, p.06) Quando falamos em presença, logo pensamos na imagem. Rossi (2011, p. 09) nos fala: “Parece que, desde sempre, a imagem teve o poder de se impor sobre nós. Ela nos seduz por sua própria presença; (...). A palavra evoca algo que está ausente; a imagem é (já) presença, aqui e agora”.

3. DO ENCONTRO E DOS DIÁLOGOS CAIÇARAS

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Ao abordar o conceito de linguagem, Silva (2008, p. 16) nos apresenta que ela é a: “capacidade de expressar, de simbolizar e comunicar ideias, sentimentos, sensações... enfim, de dizer o mundo. Portanto, aquilo que existe de mais humano no homem”. Compreender a escola sob esta ótica, nos faz pensá-la como um espaço onde pudesse coabitar infinitas possibilidades de linguagens, com um ensino plural acolhedor. Uma escola onde o diálogo é permitido, tal como defendia ardentemente Freire (1987). Paulo Freire (1987), o compreendia como sendo uma exigência existencial. Através do diálogo, o refletir e o agir era solidarizado, por seus sujeitos que transformavam o mundo ao transformarem-se e humanizarem-se. Para que houvesse diálogo, o educador precisava crer em seus educandos, de acordo com Freire (1987), pois, como posso dialogar com outros em que não reconheço potencialidade? Como posso dialogar, se estou fechado a contribuições daqueles que os vejo como inferiores, e com tais contribuições me sentiria ofendido com ela? O diálogo vai além de um discurso vazio e arrogante aos educandos. Ela deve ser horizontal, pois, “ninguém pode dizer a palavra verdadeira sozinho, ou dizê-la para os outros, num ato de prescrição, com o qual rouba a palavra aos demais. (...)O diálogo é este encontro dos homens, mediatizados pelo mundo, para pronunciá-lo, não se esgotando, portanto, na relação eu-tu. (FREIRE, 1987, p.93) Freire (1987), com um olhar fenomenológico, continua defendendo o diálogo verdadeiro, para que nos sujeitos haja um verdadeiro pensar crítico, o qual não aceita a dicotomia mundo-homens, assim como Merleau-Ponty (2013), quando concebe a estreita relação do eu com o mundo. Deste modo, ao dialogar sobre o mundo, dialogo sobre eu mesmo, na concepção dos autores. Freire (1987, p. 10) nos fala: “O diálogo fenomeniza e historiciza a essencial intersubjetividade humana; ele é relacional e, nele ninguém tem iniciativa absoluta. Os dialogantes “admiram” um mesmo mundo; afastam-se dele e com ele coincidem: nele põem-se e opõem-se”. Bourriaud (2009, p. 25), concordando com o pensamento de Freire (1987), fala-nos sobre a abertura que a arte nos concede, sendo a mesma relacional, “fator de socialidade e fundadora de diálogo”, num constante estado de encontro fortuito. Tal diálogo terá o mundo e suas relações nele/sobre ele abordadas. Juntos, educador e educandos, problematizam, refletindo sobre o mesmo a fim de transformá-lo, conscientes de seu papel decisivo. Silva (2008), percebe o homem, quem quer que seja, como um eixo de interações de ensinar-aprender. Assim, todos, em diálogo partilharão sendo estes uma fonte original de saber e sensibilidade. Neste ponto, é necessário atentarmo-nos ao saber e a sensibilidade juntos, para um mesmo fim. Paulo Freire (1987, p.23) defende tal união,

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dizendo: “Subjetividade e objetividade, dessa forma, se encontram naquela unidade dialética de que resulta um conhecer solidário com o atuar e este com aquele. É exatamente esta unidade dialética a que gera um atuar e um pensar certos na e sobre a realidade para transformá-la”. Mais uma vez, os pensamentos de Merleau-Ponty apud Araújo (2007) encontram-se com o de Freire (1987), pois em sua visão, a união entre o subjetivismo e o objetivismo é a aquisição mais importante da fenomenologia. “Nós somos os propositores: nossa proposição é o diálogo (...) Sós, não existimos”. (Lygia CLARCK apud MARTINS, 2009, p. 195). A autora baseada nesta declaração de Lygia, propõe que:”professora/professores façam suas escolhas, percorram seus próprios caminhos nos territórios da arte&cultura. Que sejam também propositores”. A autora aposta na liberdade dos professores, ao reinventarem-se a si mesmos e a seus fazeres em aula, “ao sabor da inocência de certo aprendizado, experimentando o traçado de seus próprios mapas de arte, desenhando lineamentos para percorrer lugares poucos explorados, sítios valorizados, buscando trilhas e clareiras junto com seus aprendizes”. (MARTINS, 2009, p. 195) Ousemos propor um diálogo.

3.1 Meu barco virou saudade

Oi o rio de Itanhaém... Meu barco virou saudade No rio de Itanhaém Na hora de ir embora O remo chora também Adeus velho amigo rio Adeus noroeste adeus Vou ver se lá no sertão os rios ainda são meus adeus, adeus, adeus... (Ernesto Zwarg. In: Itanhaém, um mar de Histórias. Expoente: Itanhaém, 2008)

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Fig. 3: Adeus, velho amigo. Foto de Thais Oliveira Silva. 01. Abr. 2012. FUJIFILM. Fine Pix JX420. F/8. V.1/60s. ISO: 100

Neste imenso litoral, “gerações e gerações de pessoas nasceram, viveram e morreram no mais profundo esquecimento oficial”, como nos informa Branco (2005, p. 31). Entretanto, através da memória transmitida oralmente, a cultura caiçara conseguiu chegar até nós, pois, como diz Silva (2008): “A cultura está contida em tudo e está entretecida com tudo aquilo em que nós nos transformamos ao criarmos nossas próprias formas – simbólicas e reflexivas – de convivermos uns com os outros, em e entre as nossas vidas”. As histórias das pessoas são as histórias de Itanhaém. Essas histórias se entrelaçam, se misturam e se fundem, formando um tecido com cheiro de mar, gosto de comida caiçara, música, poesia e esperança. Esperança de que a brisa marítima espalhe pelos ares a história de nossas raízes e conte, a quem chega, que aqui vive gente simples, hospedeira e cheia de fé, que, com seus tamancos, fez seu caminho pelo chão arenoso. (FERREIRA, 2008, p.111)

A Figura 3 registra a estátua de um pescador em sua canoa à beira do Rio Itanhaém. Para o caiçara, o rio é fundamental para sua sobrevivência. Já a alvorada, é seu momento de abundância, quando o dourado do céu e do mar harmoniza-se à riqueza aquática que sua rede traz. O cenário registrado é a foz do rio, quando este desemboca no mar, o qual conhecemos como “Boca da Barra”. Tal local carrega muita história. Pode ser considerado como um dos “lugares de memória”, de que Nora (apud Horta in Silva 2008, p. 111) nos define como: “locais materiais ou imateriais nos quais se encarnam ou cristalizam as memórias de uma nação, e onde se cruzam memórias pessoais, familiares e de grupo”. Deste modo, nestes locais, um povo se reconhece, identifica-se, mesmo que fragmentariamente. Eles agem como

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suportes da memória coletiva, ao fazer suscitar sequência de imagens, ideias, sensações, num processo de revivenciamento, garantindo então certo pertencimento aos membros deste grupo. “Quanto mais ricas e diversificadas as experiências vividas e compartilhadas por um grupo de pessoas vivendo em comunidade, mais rica e complexa será esta “memória” ou rememoração”. (HORTA in SILVA, 2008, p.112) Tal imagem fotográfica suscitou uma série de memórias e identificações entre os alunos. Utilizamos este lugar como um “tema gerador” para refletirmos sobre nossa história, nossa realidade. O termo vem de Freire (1987), que o esclarece: “É importante reenfatizar que o “tema gerador” não se encontra nos homens isolados da realidade, nem tampouco na realidade separada dos homens. Só pode ser compreendido nas relações homem-mundo”. (p.115) Nesse sentido foi que nosso diálogo se deu, quando rememoramos e refletimos juntos, educando-nos. Algo que os alunos não sabiam e era necessário apresentar-lhes era que o local, anos atrás pertencia ao caiçara, e não ao abastado veraneio paulista, como é hoje em dia. Até os anos de 1940-50 viam-se, próximos à praia, alguns pequenos povoados formados por casas de bambu, taquara ou madeira de “salvados”, telhados de sapé ou folhas de palmeira (...) Por este litoral despovoado, cada família cultivava a terra que necessitava – a mandioca era cultivada perto das casas sobre a areia branca da restinga - e produzia o suficiente para o complemento da dieta familiar. (...) Somente após 1960 é que o caiçara, pressionado pelo avanço da expansão imobiliária, deslocou-se da linha de praia para o interior – sertão. A partir deste momento o pescador praiano perdeu o acesso fácil ao mar. A tapera de sapé na beira da praia para guardar o barco e os apetrechos de pesca ficaram ao léu, mas já não havia segurança. (BRANCO, 2005, p.32)

Deste modo, ao contemplarmos a imagem, o fato de o caiçara antes, dono e livre, hoje em dia ser servidor e caseiro em suas antigas terras, fez-nos refletir sobre nossa situação. Aqueles que não permaneceram como serviçais, partiram para o sertão, seguindo o curso inverso do rio, pois lá, ao longe, encontraram um pouco de paz, ainda que nostálgica. Transcrevo a seguir trechos significativos de nossos diálogos: “Por que você entortou a fotografia? Pra gente virar a cabeça, como se estivesse pensando”? (Kailane, 12 anos) – Nunca tinha pensado nisso, Kailane, mas entortei pois queria que vocês imaginassem outras possibilidades... O que aconteceria se o horizonte ficasse inclinado? “A água tomaria conta da terra... Mas e o mar? Secaria, todo mundo morreria? Que

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medo pensar nisso...” Eu não havia refletido tão fatalmente como ela, estava tão perdida em fantasias... Kailane tinha razão, o horizonte inclinado não é nada poético... Kauan (9 anos) ficou impressionado com nossa conversa anterior sobre a comunidade caiçara à beira mar. O projeto Tempo Todo Franklin Fray Martins está no bairro Guapiranga, onde boa parte dos alunos moram, e estamos a uma distância considerável do mar “Meu pai é pescador, ele vai com sua canoa lá pelo Rio Preto até chegar no Rio Itanhaém, que demora tanto! Seria tão bom morar perto do mar... Acho que eles foram tão felizes, com a praia toda só deles. O Jet-ski assusta os peixes, meu pai fica tão bravo quando eles passam pelo rio! Dá pra voltar no tempo deles? ”. E retornar o que foi perdido? Não sei, Kauan... Será possível? É oportuno citar Freire (1987, p.99), quando ele nos aconselha a dialogarmos juntos diante de um: “mundo que impressiona e desafia a uns e a outros, originando visões ou pontos de vista sobre ele. Visões impregnadas de anseios, de dúvidas, de esperanças ou desesperanças que implicam temas significativos, à base dos quais se constituirá o conteúdo programático da educação”. Nas linhas seguintes exponho dois, dos muitos desenhos que nasceram após nossos diálogos. Criações vibrantes pelo uso do lápis de cor metálico sobre o papel escuro, que iluminam ideias e possibilidades. Desenhos que registram o que foi perdido ou o que está se perdendo. O sol sonolento de Shelly que nasce sobre a comunidade no Morro Sapucaetava que nem existe mais. Ou o pescador de Andrey que recebe o sol de braços abertos, na imensidão do mar. Possibilidades que a arte nos confere... (FIGURA 4, FIGURA 5)

Fig. 4: Desenho de Shelly, 8 anos. 17. Mar. 2014. Fonte: Arquivo pessoal

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Fig. 5: Desenho de Andrey, 9 anos. 20. Mar. 2014. Fonte: Arquivo pessoal

3.2 Devolvam os meus sonhos Professora, o que você fez que deixou a menina tão triste e tão brava? (Rafaella, 6 anos) Será mesmo que fui eu?...

Atualmente, existem 220 povos indígenas, falantes de 180 línguas diferentes, de acordo com Gersem (2006). Porém, este número é irrisório perante os estimados pela época anterior à colonização. Se hoje a população indígena está reduzida, precisamos realmente entender o que houve. Gersem (2006, p. 19) nos fala: “a história é testemunha de que várias tragédias ocasionadas pelos colonizadores aconteceram na vida dos povos originários dessas terras: escravidão, guerras, doenças, massacres, genocídios, etnocídios e outros males que por pouco não eliminaram por completo os seus habitantes”. Diante de todos estes infortúnios, eles não foram exterminados: eles estão mais vivos do que nunca, e, de acordo com Gersem (2006) vivem para resgatar sua cultura, dar continuidade aos valores herdados por seus ancestrais, através de seus rituais e crenças. Por este motivo é que não devemos vê-los como seres do passado. “São povos de hoje que representam uma parcela significativa da população brasileira e que por sua diversidade cultural, territórios, conhecimentos e valores ajudaram a construir o Brasil”. (GERSEM, 2006, p. 21) É necessário falarmos sobre os povos indígenas pois, nós também somos seus descendentes, através da miscigenação com o branco europeu e do negro africano. Muito da cultura caiçara está alicerçada em conhecimentos indígenas milenares, os quais estão perdendo-se com o passar do tempo, justamente o conhecimento do oprimido que se perde.

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A Constituição de 1988 os abarca garantindo seus direitos, após anos de luta. Gersem (2006, p. 23) nos observa: “Hoje, os índios conseguiram recuperar algo que naquela época se imaginava impossível ou indesejável: a autoestima. Junto com a autoestima foi sendo recobrada a identidade étnica, como uma realização individual e coletiva, mas também como cidadania reconhecida pela sociedade e pelo Estado”. Porém ainda há tantos os que não recuperaram sua identidade e nem sua autoestima desde então. Em Itanhaém, encontram-se duas tribos indígenas próximas às nascentes dos rios: Aldeia do Rio Preto e Aldeia do Rio Branco. Ambas mantém contato com a cidade, as quais vendem produtos que coletam na floresta nas feiras livres. Quando os observamos, percebemos suas carências econômicas, baixa autoestima, um grande sentimento de exclusão, de não pertença. A menina registrada na Figura 6 pertence a uma destas tribos, a qual na hora eu não questionei, pois sua presença silenciou-me. O que faz a força deste olhar é sua pureza, típico de um olhar de criança combinado infelizmente com um olhar de adulto, de quem já viu muito e não merece viver assim, como se fosse uma criança que cedo demais desistiu dos seus sonhos... Tornando-se adulta ainda em criança! Um olhar dirigido a nós adultos e que nos está perguntando: Por quê?...

Fig. 6: Devolvam meus sonhos. Foto de Thais Oliveira Silva. 19. Abr. 2012. FUJIFILM. Fine Pix JX420. F/8. V. 1/42s. ISO: 100

As crianças, do mesmo modo, silenciaram-se diante da imagem da menina. Então é possível perder a infância ainda criança? Nós não sabemos quem é ela, mas será que ela mesma sabe? Será que ainda lhe resta a identidade? Por fim, as crianças falaram...

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“Mas onde estão os pais da menina? O que ela está fazendo no chão?” (Ana Carolina, 9 anos) – “Se ela é índia, onde estão as penas? Por que não está pintada?” Vitória, 6 anos – “Será que ela vai para a escola?” (Gilmar, 9 anos) Por que está tão sozinha? (André, 6 anos) Nossa pequena indiazinha despertou-nos infinitas dúvidas que não caberiam neste artigo. Devemos estar conscientes daquilo que Freire (1987, p. 109) nos fala: “Uma condição fundamental da história: sua continuidade”. Não há como compreender a vida desta menina sem que compreendamos a história deste povo. Neste momento, a dor da menina passou a ser a nossa. “É na dor do outro que posso reconhecer minha dor; é no azul do outro que posso reconhecer meus próprios azuis; é na dúvida do outro que reconheço minhas próprias dúvidas”. (Araújo, 2007, p.36) Tantos são os que não vivem, mas sobrevivem. “Os “excluídos” estão lá, na fratura de seu cotidiano, no cotidiano do impossível em sociedades e situações em que a repetição é a negação da reprodução e da possibilidade da vida cotidiana. (...) Populações cujo cotidiano é a impossibilidade da cotidianidade”. (MARTINS, 2008, p. 52) Assim, por um bom tempo, a garotinha passou a ser nosso tema gerador, até que revelei algumas particularidades que apenas eu, como fotógrafa sabia. A imagem fora feita no dia 19 de abril, o qual comemoramos como o dia do índio, mas que para estes era um dia qualquer. Sentada no chão, entre o pai e a mãe, a menina não quis fazer pose, não quis sorrir. Apenas olhou-me firme. E registrei seu olhar. A partir desta informação as crianças questionavam-me: “Mas se ela tem pais, por que eles não a levam a escola”?(Analice, 8 anos) – “Eles também estavam tristes, como ela”? (Gilmar, 9 anos) – “Existe escola para os índios”? (Victória, 6 anos) – Claro que existe, minha pequena, há uma escola em cada uma das duas tribos, mantida pela Delegacia Regional de Ensino de São Vicente, mas quem fará com que seus direitos sejam respeitados e cumpridos? O que mais agitava às crianças era o fato de a menina estar usando a calça do uniforme da escola. “Se ela pode ter a calça então por que ela não está estudando”? (Letícia, 9 anos) Para estas crianças fora inconcebível vê-la fora da escola, não vivenciando a rotina delas. “Seria tão bom se a gente a encontrasse na feira, então pediríamos para os pais dela colocá-la em nossa escola, a gente iria cuidar dela, porque agora que sabemos que ela existe, dói saber que ela pode ainda estar sofrendo”. (Gilmar, 9 anos)

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Deste modo, sonharam, através da linguagem pictórica, com um futuro melhor para nossa indiazinha. Karynee (12 anos), apropriando-se da inclinação em minhas fotografias anteriores, conferiu dinamismo e trouxe um pouco de alegria à pequenina: Finalmente ela estava indo à escola.

Fig. 7: Desenho de Karynee, 12 anos. 22. Mai. 2014. Fonte: Arquivo pessoal

Eu gostaria de saber qual era a canção que os antigos indígenas de tribo dos itanhaéns ouviam das rochas e do mar... Até quando conseguiram transmitir oralmente seu legado? Hoje estão extintos. Sua voz silenciou-se, mas não a do mar. Ele continua a cantar por eles e para eles.

DAS CONSIDERAÇÕES FINAIS E SEUS ETERNOR RECOMEÇOS

Nossos encontros e diálogos possibilitou-nos um olhar sensível, pensante, e a partir dele, a palavra brotou de nós, pois nossa existência não será muda, não se calará perante nada. O dialogar sobre nossa cultura fez crescê-la em nós espalhar-se como a maresia no final da tarde. Olhares que refletem, que se tocam e se percebem. Um olhar que impulsiona novos encontros, novas pesquisas novos diálogos. É preciso falar. É preciso existir plenamente.

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REFERÊNCIAS:

ARAÚJO. Anna Rita Ferreira. Encruzilhadas do olhar no ensino das artes. Porto Alegre: Mediação, 2007.

BARBOSA, Ana Mae. A imagem no ensino da Arte. 6ª Ed. São Paulo: Cortez, 1991.

BOURRIAUD, Nicolas. Estética Relacional. São Paulo: Martins Fontes, 2009.

BRANCO, Alice. Cultura Caiçara: resgate de um povo. Peruíbe: Oficina do Livro e Cultura, 2005.

FERREIRA, Ana Maria. ROSENDO, José. Itanhaém, um mar de histórias. Curitiba: Editora Gráfica Expoente, 2008.

FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. 11 ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987.

KOSSOY, Boris. Fotografia & História. 2ª edição revista. São Paulo: Ateliê Editorial, 2001.

MARTINS, José de Souza. Sociologia da fotografia e da imagem. São Paulo: Contexto, 2008.

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MARTINS, Mirian Celeste et al. Teoria e Prática do Ensino de Arte. São Paulo: FTD, 2009.

MERLEAU-PONTY, Maurice. O olho e o espírito. Trad. Paulo Neves e Maria Ermantina Galvão Gomes Pereira. São Paulo: Cosac Naify, 2013.

OSTROWER, Fayga. Criatividade e processos de Criação. 24ª edição – Petrópolis: Vozes, 2009.

ROSSI, Maria Helena Wagner. Imagens que falam: leitura de arte na escola. 5ª Ed. – Porto Alegre: Medicação, 2011.

SANTOS, Gersem. O Índio Brasileiro: o que você precisa saber sobre os povos indígenas no Brasil de hoje. Brasília: Ministério da Educação, Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade; LACED/Museu Nacional, 2006

SILVA, Renê Marc da Costa. (Org.) Cultura Popular e educação/ Salto para o futuro. Brasília: Ed. Brasília, 2008.

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Arte

e

Comunicação

(FaAC).

Disponível

em:

<

https://www.academia.edu/17909613/UM_NOVO_OLHAR_SOBRE_ITANHA%C3%89M > Acesso dia: 07. Nov. 2015

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