DIÁLOGOS E ENFRENTAMENTOS: LEITURAS E PROPOSTAS SOBRE O CENTRO ACADÊMICO DE ARQUEOLOGIA UFPI

May 29, 2017 | Autor: Tailine Rodrigues | Categoria: Arqueología, Arqueología histórica, Teoría Arqueológica
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DIÁLOGOS E ENFRENTAMENTOS: LEITURAS E PROPOSTAS SOBRE O CENTRO ACADÊMICO DE ARQUEOLOGIA UFPI.

Tailine Rodrigues V. da Silva1

INICIANDO A CONVERSA... “(...) Não me bastou comer e dormir, preciso me expandir pra me achar, vai ser bom, bem melhor se você me acompanhar (...)”. Vivendo do Ócio.

Decidi escrever esse texto como forma de participar, mesmo que à distância, do debate e reflexão que vem ocorrendo nos últimos dias na comunidade de estudantes de arqueologia UFPI (graduação e Pós-graduação), propondo relacionar, brevemente esse tema, com outras ideias que envolvem questões patrimoniais e interpretação em arqueologia. Gostaria de pontoar que não concebo a neutralidade e isenção no fazer arqueológico (ZARANKIN, 2014), ao contrário, penso que cada um, à sua medida, escolhe um ponto de vista, uma ideologia, uma perspectiva. Por isso, desejo nesse texto expor sentimentos e construções vividas por mim, e por um coletivo de pessoas que construíram a composição do espaço acadêmico em questão. Nesse sentido, meu objetivo ao escrever esse texto é de contribuir na busca por diálogos e consensos, não só para o contexto em que os estudantes vivenciam atualmente, ou seja, o centro acadêmico e a pintura de suas paredes, mas também em nossa formação enquanto pessoas, pesquisadores. Por isso, convido aqueles que se sintam confortáveis, a construir comigo essas ideias, e aqueles que descordarem, sintam-se a vontade para criticar, desconstruir e realizar novas propostas.

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Arqueóloga pela Universidade Federal do Piauí. email: [email protected].

MAS DO QUE PALAVRAS, EXPRESSÕES... São 14:15 de um dia da semana qualquer, aquela caminhada da parada do ônibus até o prédio de arqueologia representa uma eternidade, volto meus olhos novamente para a tela do celular, entre as notificações das redes sociais, minha única preocupação agora é com o tempo, estou atrasada para aula!! Certa de receber mais um olhar atônito da Jóina me repreendendo pelo atraso, o que me deparo é com meus colegas no corredor em meio a mais uma empolgante discussão sobre a prova da semana seguinte. Descubro que minha reunião foi remarcada e como os demais não terão aula, é hora de trocar amenidades, falar de planos, projetos, fofocas...

Enfim, atitudes

corriqueiras e cotidianas de estudantes. Por um segundo fecho meus olhos e já me deparo dentro de um espaço com quatro paredes, duas de concreto e duas feitas de PVC. Com poucos metros quadrados comporta duas mesas, umas quatro cadeiras e alguns bancos. Peço para baixarem a temperatura do ar-condicionado, para variar, o controle está perdido no armário de metal em meio a livros, documentos, textos, xerox pedidas pelos professores e anotações diversas... Ufa, encontraram, estava próximo ao computador de mesa. Em meio a essa “bagunça organizada” encontramos algumas mochilas, bolsas e cadernos pessoais, notebooks e meu item preferido, a garrafa de café preparado pela Tia Roberta. Estamos no Centro Acadêmico de Arqueologia da UFPI. Mas será que é só essa cultura material que caracteriza esse espaço como um Centro Acadêmico? Ou será que são as coisas, as pessoas e o uso, vivencias, histórias e transições ali ocorridas que lhe dão essa característica? Para mim, não há como falar sobre a cultura e a sociedade criada nesse espaço, só com base em informações fechadas. Afinal, Ingold (2012) já nos dizia que um lugar é onde vários aconteceres se entrelaçam e que observar uma coisa não é ser trancado do lado fora, mas ser convidado para a reunião (INGOLD, 2012, p. 29). Não consigo então, interpretar as pinturas ali hoje existentes, só com base em materiais, não me basta saber qual a superfície foi escolhida para ser pintada e que tipo de pigmento aplicado. Não consigo falar de interpretação em arqueologia sem falar da relação entre pessoas e coisas. Para não nos limitarmos então a uma visão local vamos então ampliar um pouco nossa perspectiva: Estamos em uma subdivisão do Centro de Ciências da Natureza, conhecido também como CCN II, um prédio de dois andares, formado de três blocos.

Nosso objeto de estudo em questão, se encontra no segundo bloco térreo e nesse mesmo bloco encontram-se as coordenações dos cursos e outros centros acadêmicos. Para prosseguir nessa tentativa de estudo de caso, é importante levar em consideração que em frente a esse bloco, se encontra o Museu de Arqueologia e em suas paredes externas, foram feitas pinturas que representam as pinturas rupestres, em geral como as da sub tradição Seridó, do Rio Grande do Norte, além dessas paredes, nenhuma outra possui intervenção não oficial (permitida pela Universidade). É claro que também nos encontramos em um contexto muito maior, que envolve todo o complexo da UFPI, por isso, também é importante ressaltar que nesse contexto, de uma forma geral, só se aceita como intervenção artística, aquilo que é esteticamente bonito, ou seja, pinturas oficiais, encontradas em geral, nas Centro de Ciências da Educação ou no Centro de Ciências Humanas e Letras. Não quero com isso atribuir um juízo de valores, mas de certa forma, aquilo que foge à regra é tratado como pichação e é marginalizado e muitas vezes encoberto. Você agora pode estar se perguntando: Porque fazer uma leitura arqueológica de um espaço tão recente, vivenciado e utilizado atualmente? Bom, aí que está a felicidade de se fazer arqueologia, pois apesar de ser considerada uma ciência preocupada com o passado, aquilo que consideramos como o próprio passado é uma construção relativa (HODDER, 1999). Aliás, é hora de rememorar a nossa tarde quente de um dia da semana qualquer. Estávamos todos ali reunidos, as paredes que nos cercavam eram brancas e monótonas. Até então, ninguém tinha tido coragem para infringir as regras e por isso, as coisas se mantinham estáticas. Mas uma mudança aconteceu em nosso pequeno sistema social amostral, naquela tarde, uma das moças ali presentes resolveu escrever nas paredes. Pensemos agora nas possíveis análises arqueológicas que buscam explicar os fatores das mudanças culturais (TRIGGER, 2004): Terá sido essa uma mudança espontânea, obra da criatividade individual, ou uma reprodução que corresponde a difusão? Só poderíamos levar essa consideração em conta, tendo em vista uma escala mais ampla, que nos distanciasse de nosso centro de análise e vizinhança, nos fazendo chegar até outros espaços similares onde também existem formas de expressão diversas. Acredito que não seja o caso de uma adaptação ecológica, já que as condições ambientais estavam equilibradas e, portanto, não haveria motivo para tal mudança. Também não poderia ser o resultado da pressão local, já que em pequena escala, não houve nenhum tipo de representação como essa em outras paredes. Poderia então ser a intenção de

demonstrar superioridade tecnológica, frente aos demais grupos vizinhos? Talvez, tendo em vista que por estarmos todos no mesmo patamar tecnológico, uma mudança pudesse nos alçar a um padrão de superioridade (embora não acredite que esse tenha sido o motivo pelo qual ocorreu a mudança). Também não vejo como uma resposta funcional, já que as informações ali escritas não tinham o objetivo de informar, pedir ou exercer alguma ação. Levemos em conta então, os fatores simbólicos, seria esse ato fruto da necessidade ideológica? Para mim essa é a melhor hipótese que responderia a essa questão, pois a partir desse momento de expressão nas paredes, muitas coisas mudaram no cenário do centro acadêmico. Esse pequeno desvio no padrão de comportamento gerou uma série de situações. Com ela, eclodiram nas mesmas paredes, expressões diversas de autores múltiplos, cada um com uma mensagem e com um propósito. Essas primeiras frases ali escritas, abriram caminho para a criação de uma identidade cultural dos estudantes do curso, mas também agregaram professores, funcionário e estudantes de outros cursos que por ali passara. Foi uma revolução. Essa identidade foi se fortalecendo a partir da manutenção de uma tradição cultural, tradição essa, que se via expressa nos desenhos de mãos nas paredes, onde cada um que ali passava desenhava sua mão e escrevia seu nome.

ATRAVESSANDO IDEIAS... Chegamos então em um momento ainda mais atual, onde foi proposto que se fizesse uma nova intervenção nas paredes. Essa proposta ao meu ver é fruto de um contraste geracional, onde os mais novos no curso, também sentem a necessidade de deixar sua marca. Acredito que possa ser com um intuito de afirmar uma identidade própria, sem vínculos com a antiga, das frases e mãos, ou como forma de negar a tradição anterior2. Fato é que as sobreposições não são novas, muito pelo contrário, elas já estão presentes desde as representações pré-históricas e, sendo bem anacrônica, em situações similares, onde pessoas possuíam outros espaços para realizar seus grafismos, mas ao invés disso, preferiram fazer sobreposições. Seja por qual motivo for, a questão é que a proposta de uma nova intervenção nas paredes do Centro acadêmico, junto ou sobre as intervenções antigas, gerou um conflito

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Não quero com isso fechar as possibilidades que levaram as pessoas a querem modificar o espaço, só estou apresentando algumas das possibilidades que me vieram em mente ao escrever sobre o assunto.

entre aqueles que querem manter a tradição e aqueles que querem modificar a tradição. Como escrevi anteriormente, acompanho essa discussão a distância, ouvindo opiniões que sei que não são isentas e por isso acabei criando a imagem de uma dicotomia entre aqueles que querem a permanência e aqueles que querem a mudança, muito embora assumo que possam existir outras variáveis. Claro que em minha perspectiva (SILVA, 2016), compreendo tradição, cultura e identidade como processos e fluxos e por isso mesmo, não poderia advogar por uma manutenção de uma tradição em que as pessoas atuais não se sentem representadas, única e exclusivamente por que para mim, o mais antigo é mais relevante. Também não posso dizer que não me entristeceria encobrir as intervenções antigas, por que elas representam parte da minha construção pessoal e parte da construção do que temos hoje na arqueologia UFPI, representa uma libertação, a construção de uma identidade e de uma afetividade entre nós e entre as coisas. Coisas, se forem entendidas na perspectiva do Tim Ingold, é um agregado de fios vitais, um encontro entre pessoas, lugares na dinamicidade da paisagem, ou seja, o Centro Acadêmico não se constrói apenas pelos objetos e expressões materiais que o compõem, e não apenas pelas diversificadas manifestações e negociações sociais que ocorrem ali rotineiramente, As coisas nesse caso são entendidas como elo dessas relações, em constante processo de reformulação, representa uma paisagem dinâmica naquele lugar (CARVALHO JUNIOR, 2016). Esse caso me serviu de reflexão para inúmeros casos em que a arqueologia trata com o patrimônio. O que é patrimônio para uns não é para outros (FERREIRA, 2015). Muitos públicos não se veem representados em determinados patrimônios e nós, arqueólogos, lhes impomos uma convivência com esse tal patrimônio que não as representa (FERREIRA, 2013). Nem sempre conseguimos conciliar demandas, a maior parte das vezes priorizamos o mais antigo sobre o mais recente. Desconsideramos as transformações culturais, a mudanças nas tradições e impedimos que as pessoas vivenciem o patrimônio da forma como gostariam de fazer. E fazemos isso muito além dos nossos muros universitários, aliás, se não conseguimos conciliar demandas em nosso pequeno universo amostral, como será que faremos ao enfrentar realidades outras? A questão aqui é também sobre as posturas éticas a seguir, sobre como devemos nos portar frente a demanda da comunidade, como devemos informar nossas intenções. Será que ao sairmos formados e nos depararmos com uma situação similar de conflito com o patrimônio, vamos apenas distribuir panfletos, fazer uma palestra e dizer que fizemos nossa parte? Será que estamos realmente dispostos

a ouvir e dialogar com as outras vozes, mesmo quando essas vozes não digam o que queremos ouvir e que se contraponha a nossa posição? Será que estamos prontos para ultrapassar os laços colonial, que nos fazem pensar que somos donos do conhecimento e que cabe a nós dar voz aos outros? Será que estamos dispostos a negar o status de detentores do conhecimento e trilhar lado a lado com as comunidades, o fazer arqueológico? Não quero com essas considerações gerar mais desentendimentos, quero ao contrário disso, propor caminhos para o consenso. Acredito em primeiro lugar que, analisar contextualmente um assunto é importante para não negarmos sua existência e ao não impormos uma hegemonia sobre o assunto, abrimos possibilidades a multiplicidade de respostas. Em segundo lugar, acredito que tratar de arqueologia é tratar de relações, o caso acima exposto não é diferente, pois eu não poderia falar em imaterialidade, sem falar da materialidade e visse e versa. O pequeno e incompleto estudo de caso sobre o Centro Acadêmico de arqueologia da UFPI aqui em voga é um exemplo disso, como falar sobre o conflito atual existente, sem falar sobre seu passado e sobre seu desenvolvimento? Será que se eu levasse em conta, apenas fatores ambientais poderiam chegar a essa interpretação, ou analisando só fatores simbólicos? Esse meu estudo pode parecer confuso e até mesmo distantes de nossas interpretações cotidianas na arqueologia, mas seja em nossas argumentações sobre os sítios arqueológicos ou na nossa forma de tratar o patrimônio e as comunidades, devemos levar em consideração a quem estamos afetando e nos comprometermos em não silenciar ou diminuir as vozes atuais que compões esses elementos.

CONSIDERAÇÕES FINAIS: (...) Vejo a minha história com a sua comungar (...) O Rappa.

As intervenções existentes no Centro acadêmico de arqueologia da UFPI podem amanhã ou depois deixar de existir. No entanto, as reflexões que esse episódio me trouxe foram muito além da mera intenção de pintar ou não paredes, elas se relacionam de tal forma com o nosso fazer arqueológico, que não podia me eximir. Em outros contextos, somos ainda mais responsáveis pela forma como tratamos o que chamamos de arqueológico e com o que consideramos patrimônio, por que impactamos lugares, impactamos paisagens, impactamos vidas em nossa profissão e

nesse sentido que penso ser essencial o diálogo, a consulta entre aqueles que estão envolvidos na situação. Para a questão específica vivenciada no Centro acadêmico, além desses mecanismos de diálogo, acredito que possa ser feito um levantamento fotográfico, como forma de preservar a memória atual, pode também ser feito uma série de entrevistas com aqueles que deixaram mensagens nas paredes, preservando também as memórias ali criadas. Podem adotar um sistema de testemunho, preservando em parte o que se tem. Podem inclusive criar um pequeno documentário, contando história e mostrando o antes e depois, ou quem sabe, pensar para a nova intervenção, elementos que se integrem e que combinem com algumas das mensagens existentes ali. Proposta é o que não falta. Para mim, no entanto, o mais importante é que o maior número de vozes seja expressa e se sinta ali, representada.

AGRADECIMENTOS: Desde antes das paredes receberem tintas vocês estão comigo, vivenciamos lindos momentos juntos e mesmo à distância, sempre recorro a vocês para expressar minhas ideias malucas. Essa foi mais umas dessas vezes, compartilhei com vocês minhas angustias atuais e como sempre, estiveram dispostos a ler e expressar suas opiniões de forma honesta e carinhosa, por isso, obrigada Alírio, Hilziany e Junior. Mas você, meu caro amigo Junior, além de ler e me incentivar, também revisou e escreveu muitas dessas palavras comigo, inclusive, peguei algumas de suas observações para acrescentar a esse pequeno ensaio (que inclusive foi você que me disse que esse texto é um ensaio), por isso minha enorme gratidão, por me inspirar e me fazer acreditar que mudar é possível.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS: CARVALHO JUNIOR, F.S. Entre Dunas e Manguezais - Habitando os Lugares: Analise dos sítios arqueológicos na comunidade do Macapá (Luis Correia - Piauí - Brasil). Monografia apresentada ao curso de arqueologia UFPI. 2016. FERREIRA, L. M.; Essas Coisas não lhes pertencem: Relações entre Legislação Arqueológica, Cultura Material e Comunidades. Revista de Arqueologia Pública, v. 7, p. 87-106, 2013. FERREIRA, L. M.; Las Cosas Están Vivas: relaciones entre cultura material, comunidades y legislación arqueológica. Complutum (Madrid), v. 26, p. 37-45, 2015.

HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade. Editora dp&a. 2011. HODDER, Ian. Crisis in Global Archaeology. Traducción: Andrés Laguens. In: Hodder, Ian: The Archaeological Process. An Introduction. Cap. 1: 1-19; Blackwell Publishers, 1999. INGOLD, Tim. Trazendo as coisas de volta à vida: emaranhados criativos num mundo de materiais. In: Horizontes Antropológicos, ano 18, n. 37, p. 25-44. 2012. SILVA, T. R. V. Refletindo arqueologia: Em busca de uma relação descolonizante com a comunidade indigena Tremembé de Almofala (CE). Monografia apresentada ao curso de arqueologia UFPI. 2016. Disponível em: . Acessado em 05/10/2016 ás 20 hs 49 min.

TRIGGER, Bruce G.; História do pensamento arqueológico. Tradução de Ordep Trindade Serra. São Paulo: Odysses Editora, 2004. ZARANKIN, A.; A persistência da memória histórias não-lineares de arqueólogos e foqueiros na antártica. In: Revista de Arqueologia. Sociedade de Arqueologia Brasileira. v. 27, p. 36-45, 2014.

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