Dialogos entre a Biotecnologia e o Pos Desenvolvimento

June 7, 2017 | Autor: Elisa Carbonell | Categoria: Biotechnology, Rural Development, Post-Colonialism
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II CONGRESO DE ESTUDIOS POSCOLONIALES Y III JORNADAS DE FEMINISMO POSCOLONIAL COLONIALIDAD/MODERNIDAD/IMPERIALISMO DIÁLOGOS ENTRE A BIOTECNOLOGIA E O POS DESENVOLVIMENTO ELISA CARBONELL CORREAS Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Rural – PGDR/Universidade Federal de Rio Grande do SulUFRGS. ([email protected])

Resumo.

Começarei a discussão realizando uma crítica as ciências partindo do argumento da não neutralidade das mesmas, para objetivar as consequências sociais de matriz conservadora que existem ao negar este fato. Me deterei num exame detalhado sobre a biologia; a origem das circunstâncias socio-historicas e os limites teóricos e práticos de um paradigma reducionista. Analisarei os falsos pressupostos que a genética tem revelado nos últimos anos contradizendo o paradigma neodarwiniano, sem efeitos de mudança teórica nem prática, mas que se vem renegados através da invasão molecular por parte dos OGM 1. Na ultima parte relacionarei a crise do paradigma da biologia com os estudos pós-coloniais. Tomarei esta metodologia para realizar um analise do discurso da biologia, e apontarei algumas das consequências políticas e territoriais que estamos vivendo a causa da invasão molecular.

Palavras crave: biotecnologias, genocentrismo, OGM (Organismos Geneticamente Modificados), pós-colonial, pos-desenvolvimento.

Introdução. Crítica as ciências. Crítica á biologia.

Na linguagem cientifica, os pesquisadores que se dedicam ao campo das ciências naturais (física, química, matemáticas, geologia e biologia) não são chamados de autores, e sim de cientistas ou pesquisadores. Isto reflexa duas assunções ou generalizações básicas que estão impressas no “senso comum”. A primeira é a hierarquização das ciências, sendo consideradas as naturais como as de maior peso e importância, as primeiras e originais, em fim, sendo as Ciências com maiúscula, e por 1

Um transgênico se baseia na tecnologia do DNA recombinante. A cadeia de DNA pode ser cortada, ensamblada, introduzindo ou eliminando parte da sequência de nucleotídeos que a compõe. Existe todo um pacote de proteínas especializadas para realizar essas funciones, assim como sequencias de material genético e os aparelhos necessários para realizar tão complexa operação técnica. Hoje é possível comprar plasmídeos e contratar laboratórios para realizar nossos próprios experimentos de trangénesis.

tanto as pessoas dedicadas ao estudo de estes campos são os cientistas. A segunda generalização e diretamente relacionada com a primeira, é a assunção da neutralidade nas pesquisas das ciências naturais, pois os resultados dos experimentos não possuem diferentes leituras, é uma ciência exata sem premissas nem interpretação. Aqui as ciências sociais tem feito um esforço inútil em demonstrar ou alcançar a categoria de ciência neutra, a Ciência é feita por historias escritas por pessoas, as quais tem sua própria visão, sua própria interpretação, sua própria lírica, e também ideologia. Por isso, nenhuma ciência é neutra. (TOURAINE, 1982)

Esta consideração da biologia como disciplina “pura” das ciências naturais, tem consequências políticas. Tem sido adotada uma matriz conservadora, tanto nos seus postulados como na prática social dos mesmos. Criticar à teoria e questionar os postulados é uma tarefa difícil, pouco realizada, e muitas vezes perseguida e criminalizada dentro do próprio meio acadêmico, por considerar que as críticas fazem parte da oposição ao progresso e o avanço do “conhecimento da humanidade”. Conceito universalizante mas que esta referido no pensamento moderno ocidental eurocentrado. Além a crescente onda de sectarismos religiosos fazem com que a crítica à teoria da evolução signifique retroceder a explicações da origem da vida em um Deus ou um arquiteto inteligente que se encontra nos céus. O criacionismo é uma das correntes fortes nos Estado Unidos, o país líder de ensinamentos do comportamento humano e dos modelos de desenvolvimento para o resto do globo. Mas não apenas desde o hemisfério Norte, escutam-se fortes oposições à evolução apelando a que as explicações místicas ou divinas tomem força de novo, como se for um tento de recuperar a religião seu papel norteador no desenvolvimento da razão e das sociedades humanas.

As consequências deste conservadorismo na aplicação prática à esfera pública dos postulados da biologia resultam em uma organização social em torno ao mundo natural de total desconexão. Criando um muro entre o que é considerado natural e o que é considerado social. Resulta não apenas em uma polarização epistemológica, se não é uma relação de dominação do homem sobre a natureza, do homem sobre o homem, do homem sobre a mulher. Através por exemplo, do movimento de conservação da natureza, a gestão de áreas protegidas, ou com a “revolucionaria”, mas “intocada” engenharia genética, realizamos uma prática de esta ciência através de medidas conservadoras, reacionárias, fechadas, desconexas socialmente e politicamente. Por isso se torna fundamental fugir da retórica da autenticidade, ou seja, das classificações do que é considerado artificial e o que é considerado natural. As classificações e autenticações são muito comuns no pensamento ecologista surgido no meio dos movimentos sociais antinucleares dos anos 70 nos EEUU, mas que domina ate hoje as legislações e discursos ambientalistas do mundo todo. Criando planes de manejo da natureza ao modo de áreas de preservação intocáveis. Reafirmando a

autenticação do natural como algo exterior ao homem, dividida da sociedade. Assim o pensamento ecologista se proclama com autoridade para determinar que é natural e que não o é. Este modo de pensar esta relacionado com os purismos do pensamento hegemônico ocidental. O mesmo pensamento que legitima as ciências biológicas como exatas ou puras, impedindo assim sua autocrítica.

Os limites da biologia. Contexto socio-histórico. A crise de paradigma.

A teoria sobre a vida, sobre o funcionamento, estrutura e as diferentes formas de vida sobre o planeta, ou seja, o estudo das ciências biológicas caracteriza-se por possuir um único campo epistemológico. E além uma única teoria explicativa, a teoria da evolução de Darwin, ou a suma de alguns anexos no que é chamado de neodarwinismo. A pesar de que a Teoria Sintética ou neodarwinismo aparece como uma nova teoria resultado da junção de conhecimentos de vários autores e ramos da biologia, com o objetivo de aperfeiçoar, renovar e inovar a clássica teoria de Darwin, os princípios epistemológicos são os mesmos. Apresentar o neodarwinismo como uma nova teoria mais explicativa e completa é apenas realizar uma pincelada com ar de renovação, aos antigos postulados e lógicas nas que a Biologia continua se apoiando.

A atual teoria da evolução resume-se no seguinte: a seleção natural e a deriva gênica são os mecanismos pelos quais os organismos evolucionam. Graças a mutações aleatórias no material genético, herdado através das gerações, a seleção natural atua sobre aquelas modificações que sejam beneficiárias para o organismo, ou seja, lhe outorguem vantagens adaptativas e de este modo evolucionam.

O darwinismo surgiu na Inglaterra da época vitoriana, um contexto de grandes desigualdades sociais mundiais consequência da Revolução Industrial e a expansão colonial. São projetadas sobre a natureza doutrinas sociais e econômicas como a de T. Malthus (1766-1834) e a “luta pela sobrevivência” e H. Spencer (1820-1903) e “a sobrevivência do mais apto”, que Darwin reconhece como base de sua teoria. (SANDÍN, 2000). A teoria simbiótica de L. Margulis (1938-2011) é colocada como apenas um fator ocasional, e não como força geradora de novas formas de vida. Ao igual que as múltiplas formas de cooperativismo e mutualismo, que são tratadas como apenas exemplos, e não como mecanismos evolutivos e de funcionamento do organismos nos ecossistemas.

Por isso é comum encontrar uma linguagem do tipo, gene egoísta, as plantas que competem, as baterias são patógenas e a cooperação é feita pelo próprio interesse, revelam uma ideologia

colocada no mundo natural, uma antropogenização da natureza. Resultado da estrutura social do homem moderno eurocentrado, marcada pela hierarquia e as relações de dominação, e não de uma “seleção” que atua, aleatoriamente, sobre os organismos mais “aptos”. (SANDÍN, 2005). Além, as “leis da natureza”, criadas pelo homem, são colocadas fora do humano. As leis são da natureza, não são do humano.

A figura de Darwim ocupa uma posição central tal, que outros autores, outros cientistas no caso, têm sido negligenciados. As consequências da criação do mito da figura de Darwim são, a discriminação de perspectiva sobre o funcionamento e explicação da vida como as de J-B. Lamarck (1744-1829), A. Humbolt (1769-1859), E. Haeckert (1834-1919), P. Kropotkin (1842-1921), E. Reclus (1830-1905), I. Uexkul (1864-1944).

O paradigma da biologia não consegue mostrar na sua teoria a complexidade dos organismos vivos. É a ecologia a disciplina que mais poderia se aproxima à compreensão do funcionamento da vida, apostando pelo estudo das relações entre os seres e com o meio físico-químico, formando sistemas em equilíbrio e altamente conectados. A biodiversidade é fonte de estabilidade ecológica, a qual é alcançada através de uma diferenciação em constante mutação. Conseguindo níveis de complexidade cada vez maiores. Alguns dos mecanismos evolutivos que tem sido identificado, pelos quais se alcança a diferenciação e a estabilidade nos ecossistemas são a simbiose e o mutualismo. Incorporar um verdadeiro pensamento ecológico baseado na integração de todas as partes dentro de um sistema complexo interdependente e inter-relacionado que funciona em equilíbrio e harmonia como um todo. Sendo que a suma das partes não faz o total, pois a totalidade é maior que a suma dos integrantes, é composta pelas relações entre todos os elementos.

Mas a integração do ser humano como sendo natureza não pode ficar em apenas um reducionismo de biocentristas que analisam o “homo sapiens”como se for uma espécie que responde a curvas de equilíbrio populacional, pressões do ambiente e leis de “seleção natural”, ou falhas nos genes. Em verdade, nenhum organismo pode ser explicado com a metodologia que a ciência biológica usa hoje em dia. Ciência reducionista e que busca a explicação mais simples, não serve para sistemas complexos de interelações. Esta visão biocentrista oculta a estrutura de instituições sociais na qual funcionamos, as hierarquias e todo tipo de dominação, e os conflitos de interesses entre os homens.

Desde a proposta das leis de Mendel em 1990 e da estrutura do DNA (Watson e Crick, 1953), o binômio gen-DNA tem se convertido no ponto central da Biologia, eclipsando outras áreas.

Vivemos na era do culto genocêntrico 2. O paradigma teórico da biologia encontra-se na lógica de que a explicação mais simples é a correta, uma metodologia reducionista. Por isso, ao constituir-se o DNA como o elemento físico-químico mínimo da vida, seu estudo derivaria na explicação e compreensão da totalidade do sistema. A crença de que o homem consegue por fim compreender a vida, vai além com os avanços da Biotecnologia e a capacidade de manipular e mudar características do seres vivos. Uma ideia, ou ideologia, de controle sobre a natureza, e controle da própria vida de um ser humano determinado, até de seu livre alvedrio 3. (SENTÍS, 2004)

Os falsos pressupostos da teoria imperante são:

Primeiro, o gene como unidade de herança biologia e o DNA como material hereditário. O gene não é uma unidade isolada do contexto de sua totalidade, ou seja a célula toda. Quando a célula se divide não apenas o DNA é transmitido, também o fazem outros componentes e orgânulos celulares tão importantes quanto o genoma para o funcionamento do conjunto.

Segundo, existe uma relação direta entre genes e fenótipos. A epigenetica demonstra como este processo não é linear, existem processos que não estão inscritos no DNA dos indivíduos, que são fundamentais para o resultado de construção de um organismos. Como são as condições externas no desenvolvimento do zigoto, por exemplo as interações celulares, os campos morfogenéticos. Os casos de polifemismo (a determinação sexual segundo temperatura de incubação em alguns reptis), ou a diferenciação morfológica e funcional de insetos sociais.

Terceiro, o dogma centra da biologia molecular afirma que a informação genética flui unidirecionalmente do DNA, ao RNA, para as proteínas. Esta hipóteses foi enunciada por Crick, ganhando premio Nobel em 1958. Anos depois, em 1970 é descoberta a transcriptasa inversa, que transcreve RNA para DNA em vírus, invertendo o fluxo de informação. E em 1977 S. Prusiner, ganhador de outro Nobel, demonstra o passo de informação de proteína para proteína com a hipóteses do príon. Note-se que apesar de estas hipóteses, algumas ainda com notáveis prêmios de por meio,se contrapõem ao paradigma neodarwiniano, sua aceitação na comunidade cientifica demora anos, e sua capacidade para mudar o pensamento dominante é pouca ou quase nula. Os livros de texto de todo o ensino meio, e no próprio curso de biologia continua ensinando o Dogma central da biologia sem colocá-lo em duvida ou relacioná-lo com estes descobrimentos. 2

O conceito de gene tem ido mudando segundo os avanços científicos, por tanto é uma palavra polissêmica e de difícil definição. O ponto de vista genocêntrico começa antes mesmo de saber que é um gene e como funciona. 3 Os organismos se comportam como sistemas complexos. Os estudos em genética dos últimos 25 anos, incluindo o Projeto Genoma Humano, refutam as premissas nas quais se assentam as bases do atual paradigma da vida.

Quarta falácia, a independência e continuidade da linha germinal. Isto significa que apenas as células germinais, ou gametas, ou células sexuais, são as responsáveis por transmitir a informação genética. E que as alterações ou mutações que se dão em este tipo de células seriam as que podem passar à descendência. O outro tipo de células, as somáticas ou as células que formam os tecidos, não influenciam na herança. O que implica que as mutações sofridas por estas células somáticas, ou as características adquiridas por um organismo ao longo da sua vida não podem ser herdadas. Esta é a ideia de Lamarck e outros naturalistas da época. Mas graças aos experimentos de Brosius, 1999, tem sido comprovada a comunicação entre estes dois tipos de células, a través dos retrogenes, quebrando por tanto a continuidade da linha germinal.

Quinto pressuposto, o genoma é estável exceto por mutações esporádicas ocorridas aleatoriamente. Quase a metade do genoma humano esta formado por elementos móveis (cabe destacar aqui os retrovírus endógenos, ao qual pertence o VIH), ou seja, sequencias que tem ou tem tido a faculdade de movimentar-se dentro do genoma e entre genomas de outros organismos (não emparentados filogeneticamente). Estamos falando de transferência horizontal de material genético, quebrando os princípios de Mendel de herança parental, assim como a integridade da linha germinal comentada no suposto anterior. Estes elementos moveis ativam-se dependendo das condições ambientais.

Sexto, os genes têm uma função em si mesmos. A tecnologia de produção de transgênicos e a terapia gênica se baseiam em esta falácia. Que os genes são independentes, quando em verdade estão sujeitos a uma rede de interação entre todos os elementos celulares e extracelulares. Além as conexões entre componentes mudam ao longo do tempo e das condições fisiológicas da célula.

“Estas contradicciones con la sencillez del mensaje sobre las funciones del ADN y de los genes y la realidad, entre la asunción de los que sabemos cómo funcionan las cosas y nuestra ignorancia real, son fundamentales para entender por qué las aplicaciones biotecnológicas distan mucho de producir resultados previsibles”.(Sentís, 2004).

A biologia e os estudos de pos-desenvolvimento

A pesar de que existem críticas da própria ciência dentro do campo da Biologia, não terminam de estar relacionadas com a Modernidade, ou o mito de esta, segundo autores como Dussel (2005), ou o próprio Latour (2004). E muito menos realiza-se uma crítica ao contexto histórico no qual a ciência é possível, no que Quijano (2005) denomina o “sistema de poder moderno/colonial”. Nem a

crítica ao contexto atual no qual, a carreira por ser o primeiro no ranking das inovações cientificas, e isso inclui as empresas de biotecnologia num primeiro plano, não relaciona a concorrência entre estados nacionais na qual joga-se essa carreira, nem que continuam sendo os países ocidentais os detentores de essa ciência, e por tanto de esse poder e das regras para jogar. Poderiam os cientistas “puros”, os cientistas das áreas naturais, realizar uma autocrítica que os coloque em frente de seu próprio ego, para negá-lo e negar assim a sua ciência, os seus “descobrimentos”?

Como relacionar toda a literatura pós-colonial com um crítica da ciência biológica, e da crítica que esta faz a seu paradigma? Não será um assunto à discutir e resolver dentro da própria biologia, que nada tem a ver nem interessa para os estudos pós-coloniais?Na minha opinião, no momento que essa ciência encontra-se popularizada com a fala acerca de OMG´s nos meios de comunicação e no sector público, e além da fala, com a presencia real de transgênicos em nosso aparelho digestivo, podemos e devemos realizar uma analise do discurso que os transgénicos trazem. Compreender sua origem e baixo que contexto são criados e popularizados ajuda-nos na analise sobre a relação que isso tem com o desenvolvimento 4.

O argumento das invenções é usado por vários autores, entre eles Said. Quando ele fala sobre a identidade analisa esta ideia como uma invenção que é usada para reduzir e homogeneizar. E que quando descrevemos as características de uma identidade, uma identidade nacional por exemplo, existem informações não ditas, outras características que não são contempladas. Esta categorização, quem sabe inerente ao modo de conhecer/pensar da mentalidade dominante, ou seja, Ocidental, é muito similar à modo como a ciência biológica genocêntrica cria as informações sobre o funcionamento da vida. Os cientistas acostumam publicar seus descobrimentos e reflexões, descrevendo as características de aquilo que vem, ou que criaram, ou que pensaram que vieram. Fazendo uma analise positiva do objeto. Mas não existe lugar para os questionamentos sobre os possíveis erros de percepção, sobre as coisas que não estão sendo descritas ou que não aparecem no experimento. O cientista precisa mostrar o quanto que sabe, e não o todo que ignora.

Respeito ao encaixe dos estudos subalternos, e sua relação com a crise do paradigma biológico, podemos dizer que todos nos somos subalternos ante as falas de qualquer geneticista. O alto grão de especialização torna a discussão dos termos e conceitos de esta ciência simplesmente impossível se não for formado em biologia. O argumento de autoridade e a posição de poder são claras. Como Spivak (2010) diz, Pode o subalterno falar? Pode o gene falar? Pode a planta transgênica 4

Tomamos de referencia A. Escobar (2005). O desenvolvimento é um discurso, uma invenção que tem uma origem socio-histórica e uma intencionalidade; o desenvolvimento é uma ideologia.

falar?Ainda não existem clones humanos que podam nos falar. Mas em verdade os subalternos aqui podemos ser todos os consumidores de transgênicos. Os argumentos da grande ciência são tão inquestionaveis que a massa desprovista de qualquer conhecimento super especializado acerca dos conceitos biológicos, não temos o que dizer ante a palavra do geneticista, o médico ou o engenheiro agrônomo. Este mundo de alta especialização faz parte do pacote de desenvolvimento hegemônico e que é planejado desde as instituições dominantes como as Nações Unidas (Ilcan e Phillips, 2010).

Analise do discurso genocéntrico.

Podemos realizar aqui uma analise do discurso para compreender melhor porque esta crença de origem científico converte-se em ideologia política. Começando pelo erro na metodologia, simplista e reducionista, devido aos interesses em converter a biologia em uma ciência “pura”/”dura” como a física. Experimentos no laboratório em condições in vitro, buscando conseguir a estandardização de “todos os fatores” (os que o pesquisador tem decidido não estudar, ou os que nem imagina que estão influenciando não cabem no experimento), pelo que os resultados se magnificam respeito às variáveis estudadas, em este caso, os genes.

Outro elemento do discurso genocéntrico é a repetição do discurso, que levou a sua popularização, como se de uma campanha de marketing se tratara. A palavra gene esta na boca do povo, na media, nos programas de governo, nas universidades e empresas de investigação. Alem do o tom triunfante dos cientistas ao revelar ao publico o quanto que a ciência sabe, ocultando todo o que se ignora. Anunciando os grandes avanços para a humanidade e o ar messiânico de salvação, de que a Biotecnologia pode solucionar toda qualquer doença e problema do ser humano, desde enfermidades, promessa de longevidade, até a miséria e fome no mundo. Reflexo da psique de uma sociedade que é dominada pelo medo.

O discurso messiânico do cristianismo toma uma força renovada com a manipulação genética, ao mesmo tempo que o gene se converte em Deus, a religião continua no poder baixo os efeitos de um discurso tão arraigado na população como é o da salvação da “humanidade” 5. Com os transgênicos, as promessas de salvação tem que ser entendidas nos termos em que “a redenção reside no material” (CAE, 2013, p.94). La tecnologia molecular apresenta a vida como manipulação, catalogação, modelos e medidas. A vida é mensurável, e pode ser demonstrado cientificamente. A 5

A esperança que a ciência traz esta até na sua própria reflexão crítica, pois no fim, da crítica de ela construiremos uma outra ciência que será melhor, e que nos ajudará. A humanidade esta por traz de este discurso, é seu alvo e sua causa. A ciência é da humanidade, ao igual que os são os avanços e descobrimentos. Enquanto a Ciência estiver ao serviço de uma elite e não nas mão do povo, ela não serve, e por tanto seu discurso humanístico é falso.

salvação já não é mais um jogo do paraíso imaginário, si não que tem forma de dados e experimentos comprovados cientificamente. Outras cosmovisões sobre a vida são mais que caladas. A vida é representada por o mundo estatístico, numérico e de medidas.

A carrega ideológica do discurso genocéntrico determinista nega a importância do ambiente, a cultura, a sociedade e a própria capacidade individual. Sendo assim, então o Estado, as políticas públicas e os dirigentes políticos, as grandes empresas multinacionais e os interesses econômicos, não tem responsabilidade nos problemas sociais. A relação entre o discurso cientifico e político é tal, que se investem milhões em programas de biotecnologia para acabar com a violência, o alcoolismo, a anorexia, a obesidade ou até mesmo o câncer, problemas intrínsecos as sociedades mais industrializadas. De esta maneira não é questionado o próprio estilo de vida de essas sociedades. (SENTIS, 2004).

Esta negação tem duas consequências contraditórias para o capital. Em primeiro lugar a destruição do individuo e o discurso das capacidades pessoais para alcançar o sono de vida burguês norte americano. No qual é através do esforço pessoal e as capacidades de competência o modo de como se dar bem socialmente e conseguir o sucesso. Num mundo no qual as características genéticas podem ser selecionadas as promessas de criação de pessoas perfeitas roçam as paranoias eugenistas não tão longe da realidade. O esforço e as capacidades individuais se vem reduzidas ao controle molecular. A criatividade artística já não é um fenômeno singular e magnífico, e sim uma reprodução selecionada. More o sujeto para existir apenas objetos.

A segunda consequência tem a ver diretamente com o enfrentamento da proposta democrática por parte dos transgênicos. Por um lado a alta especialização que os OGM exigem para falar deles mesmos, impossibilita o debate democrático de alto espectro na sociedade. Por outro lado, como é possível prantear um debate democrático sem prantear os condicionantes socio-históricos que o respaldam? As biotecnologias estão nas ruas, nos supermercados, nos projetos de investigação das universidades, mas, desde onde posso falar de transgênicos? O debate transita entre a areia de discussão por parte da população não especializada e sem recursos argumentativos nem de conhecimento para isso, e o jogo institucional marcado pelos interesses de grandes empresas, que levam seus estudos á portas fechadas, e que têm o poder de mudar até legislações de Estado. O acesso ás biotecnologias jamais sera de uso público. Apenas produtos e serviços prontos para ser consumidos e de uso pessoal.

Por último o discurso dos transgênicos se enfrenta com a cultura do medo criada pelo próprio

capitalismo que da vida ao mundo da invasão molecular. Existe um rejeito ou não aceitação popular dos OGM. E isto é uma questão ideológica relacionada com o discurso sobre a mistura e o mestiço. Durante séculos a ideologia dominante tem nos dito que o mestiço é pecado ou tabú. Se misturar é se contaminar, além de um crime contra Deus e/ou a natureza. É preciso manter as separações sociais de raça, classe e casta para a reprodução das políticas neocoloniais desde os centros de poder. Assim os transgênicos são uma contradição para a ideologia capitalista. (CAE, 2013). Para que os OGM sejam aceitos é necessário desmitificar o mestiço como pecado. E essa ruptura não é difícil apenas pelo arraigo histórico, si não porque deve se fazer restritamente. Por um interesse de reprodução do capital, mas também por um vácuo de poder. Que autoridade estaria em condições de determinar as exceções á norma de pureza orgânica?

O discurso dos transgênicos e o pacote de desenvolvimento.

O discurso de salvação da humanidade vem junto com o pacote desenvolvimentista. A criação de toda uma rede de especialistas, instituições, planos estatais e internacionais, investimentos, projetos, para desenvolver as biotecnologias que salvaram a humanidade. A alta especialização é uma ideia arraigada socialmente na forma em que apenas os especialistas são capacitados para entender a complexidade da ciência. Outorgando lhes a eles e as instituições que representam o papel de guardiões de nossa seguridade e a legitimidade de manejar o conhecimento ainda baixo o lema de por e para o bem de todos. Resultado da incorporação da divisão social do trabalho como algo natural na sociedade capitalista.

Os OGM são uma ferramenta do colonialismo e do aumento do controle do capital. No dito “terceiro mundo”, e com o discurso dos transgênicos como a solução para a fome, é onde maiores territórios são ocupados/expropriados para plantar transgênicos. Recentemente países europeus prohibierom o cultivo de transgênicos nos seus territórios, mas empresas europeias e nortemaericanas continuam a ser lideres em criação de sementes transgênicas plantadas na periferia do globo.

“La invasión y control molecular se están convirtiendo rápidamente en nuevas formas de vigilancia colonizadora y endocolonizadora. El objetivo parece ser controlar la cadena alimenticia desde la estructura molecular hasta el empaquetamiento del producto”. (CAE, 2013, p.55)

O perigo dos transgênicos 6 já tem sido divulgado, apesar de este estudo ter enfrentado grandes dificuldades por ir em contra dos grandes interesses. A falácia do paradigma dominante da biologia é responsável pelas consequências, imprevisíveis no melhor dos casos, que os transgênicos tem sobre o ambiente. Já nos experimento no laboratório a taxa de erro é enorme, por não dizer que estes são feitos em condições in vitro. Além não pode se determinar antecipadamente a posição na qual vai se inserir o gene, pese a importância no funcionamento dos organismos, da situação espaço-temporal para expressão de qualquer gene. Os efeitos colaterais no próprio organismo, como mudanças na composição de vitaminas ou hormônios esta influenciada pelas mudanças nas condições externas. Assim lançar organismos transgênicos sobre os ecossistemas, com complexas dinâmicas e interelações entre todos os elemento abióticos e bióticos é como mínimo irresponsável. Nenhum estudo sobre efeitos ao longo prazo, efeitos no nível de ecossistema ou nas cadeias tróficas são feitos. Também não podemos conter a expansão do gene no meio ambiente devido a capacidade de hibridação com outras espécies. Apenas dar uma olhada nas respostas ambientais nocivas que os exemplos da introdução de espécies exóticas trazem faz imaginar quanto de perigoso e alienante é a tecnologia de transgénesis. A questão aqui reside na falta de experimentos e de controle sobre os riscos.

As consequências desde uma perspectiva social ou econômica não são nem pranteadas. Mas já podemos observar como agricultores tradicionais que optam por uma agricultura orgânica se vem afetados quando insetos atacam seus cultivos porque estes servem como zonas de refúgio. Ou a pressão causadas pelas relaciones econômicas inseridas na cultura, quando o agricultor se vê obrigado a plantar transgênicos porque seus vizinhos assim o fizeram, e se ele não for junto, sua coleta será devaluada devido as leis de concorrência de mercado. A carência de estudos sobre as consequências dos transgênicos são resultado do complot entre as grandes multinacionais que precisam deles para se manter no ritmo de lucro e enriquecimento,a OMC e a cumplicidade dos Estados, que sanciona aos países que põem resistência a comercialização de estes produtos, e a comunidade cientifica que se aferra ao paradigma reducionista e simplista dominante, e o prestigio social que o acompanha, para se manter em uma confiança cega na ciência e no progresso que esta pode proporcionar.

A gestão dos recursos esta baixo o controle do capital ocidental e as biotecnologias supõem a nova fronteira de expansão do capitalismo. Hoje é possível apropriar se de material molecular, privatizando-o. As patentes de elementos moleculares de plantas medicinais por exemplo têm se 6

Seralini, G-E., Clair, E.,Mesnage, R., Gress, S., Defarge, N., Malatesta, M., Hennequin, D., Vendômois, J. S., “Long term toxicity of a Roundup herbicide and a Rundup-tolerant genetically modified maiz”. Food anChemical Toxicology, ELSEVIER. V.50, issue 11, Nov. 2012. pp.4221-4231.

multiplicado velozmente nos últimos anos, despossuindo o uso da mesma por parte das populações tradicionais, além de se converter num negocio altamente lucrativo. A biopirataria é uma manifestação da dominação que possibilitam os OGM. O argumento da maior efetividade faz com que aumentem os bens e todos se beneficiem. Obteremos mais por menos. As patentes negam o conhecimento holístico, assim como a gestão comunal dos recursos. A privatização é colocada como a forma mais eficaz de administração, negando qualquer forma alternativa e comunitária. Assim como outros modos de vida e cosmvissões. A retórica do bem da humanidade e os argumentos universalizantes e absolutos esta ativada. A biopirataria é uma desterritorialização radical dos povos indígenas e populações tradicionais, cujas consequências são o aumento dos despossuídos da terra, da injustiça social.

A criação de OGM é uma criação de riscos. Á final de contas, as medidas de seguridade das corporações asseguram algo contra os acidentes? Não se tratando das biotecnologias, mas o exemplo da energia nuclear de Fukushima traz uma ideia da instabilidade, por colocar uma palavra suave, que o modo de vida das sociedades pós-industriais pancapitalistas implica. Precisamos nos perguntar o que é um risco aceitável? A sociedade do risco, ( BECK, 1998), não é apenas a medida dos mesmos a partir de indicativos; o planteamento filosófico do que supõe conviver com esses riscos, vai além das hipóteses de possíveis consequências ou de qualquer medida estatística. No fim, a criação de indicativos é mais uma ferramenta do pacote desenvolvimentista imposto desde os centros de poder. A proposta de vida como representação numérica, medida, calculável é resultado da ideologia colonial dominante.

É necessário recuperar a ideia de limite no debate das biotecnologias para prantear o problema em todas suas implicações. Ao mesmo tempo o limite se supera nos transgênicos como nova fronteira para o capital, abrindo passo aos novos recursos que aumentam os benefícios incalculavelmente. A paradoja está servida.

Na sua crítica radical ao capitalismo cabe para os estudos em pos-desenvolvimento se aproxima da crítica ao paradigma biológico imperante, e tratar as relações entre o conceito da vida e o atual sistema de competição e sobrevivência do mais forte. Para assim melhor compreender como esta ideia acerca do funcionamento da vida, explica a relação de dominação que o homem estabelece com o homem, o homem com a mulher, a dominação do homem sobre a natureza. Além, os interesses políticos e econômicos que estão por trás das grandes empresas de biotecnologia, ou da gestão ambiental, da economia verde, vão além do erro de conceito sobre o funcionamento da vida, alias não se importam em compreendê-lo, nem em que exista um erro. Estão diretamente

relacionados com os planos de desenvolvimento de instituições, empresas e Estados.

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Boletín de la Real Sociedad

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